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        Indução Matemática

             Abramo Hefez




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        Texto já revisado pela nova ortografia.




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                                 Sobre o Autor

        Abramo Hefez nasceu no Egito, mas é brasileiro por opção e ca-
        rioca de coração. Cursou o ginasial e científico no Rio de Janeiro,
        graduou-se na PUC-Rio em Matemática e prosseguiu seus estudos
        na Universidade de Pisa, Itália e nos Estados Unidos, doutorando-se,
        em Geometria Algébrica no Massachusetts Institute of Technology.
        É Professor Titular no Instituto de Matemática da Universidade Fe-
        deral Fluminense, onde desenvolve atividades de pesquisa e leciona
        na graduação e pós-graduação. Foi eleito recentemente membro da
        Academia Brasileira de Ciências.




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        Sumário


        1 Indução Matemática                                                    1
          1.1   O Princípio de Indução Matemática        . . . . . . . . . .    1
          1.2   Definição por Recorrência . . . . . . . . . . . . . . . .       14
          1.3   Progressões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .    24


        2 Indução e Mundo Material                                             31
          2.1   A Torre de Hanói . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .     31
          2.2   O Enigma do Cavalo de Alexandre . . . . . . . . . . .          35
          2.3   Descobrindo a Moeda Falsa . . . . . . . . . . . . . . .        37
          2.4   A Pizza de Steiner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .     38
          2.5   Os Coelhos de Fibonacci . . . . . . . . . . . . . . . . .      40


        3 Indução e Matemática                                                 45
          3.1   Somatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .     45
          3.2   Binômio de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .      54

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             3.3   Princípio do Menor Inteiro . . . . . . . . . . . . . . . .    59
             3.4   O Princípio das Gavetas . . . . . . . . . . . . . . . . .     68
             3.5   Desigualdades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .   73

        Respostas                                                                83




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        Introdução

           Se alguém me perguntasse o que é que todo estudante de Ensino
        Médio deveria saber de matemática, sem sombra de dúvida, o tema
        Indução figuraria na minha lista.
            É com o conceito de Indução que se estabelece o primeiro con-
        tato com a noção de infinito em Matemática, e por isso ele é muito
        importante; porém, é, ao mesmo tempo, sutil e delicado.
            O material aqui apresentado é uma pequena seleção de assuntos
        relacionados com esse tema, cujo desenvolvimento se espalha por cerca
        de dois mil anos, originando-se nos magníficos trabalhos dos Gregos
        Antigos, que têm em Os Elementos de Euclides, de aproximadamente
        300 a.C., o seu ponto culminante.
            Estas notas se destinam a você, aluno do Ensino Médio, que está
        envolvido em atividades promovidas pela OBMEP. Elas cobrem as-
        suntos que provavelmente não lhe foram ensinados, pelo menos com
        este grau de detalhe nem de profundidade, na escola, mas que, na
        minha opinião, como mencionado acima, deveriam fazer parte de sua
        bagagem cultural.
           Não tenho a expectativa de que você absorva todo o material

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        aqui apresentado numa primeira leitura, pois ele possui um grau de
        abstração um pouco maior do que o costumeiro nessa fase de sua
        formação. Estude estas notas, procure entender os exemplos e, sobre-
        tudo, tente seriamente resolver os problemas, pois nunca esqueça que
        a Matemática só se aprende fazendo. Se necessário, volte a elas depois
        de algum tempo, pois, assim procedendo, você estará plantando uma
        semente que lhe trará valiosos frutos.
            Finalmente, não poderia encerrar essa introdução antes de agrade-
        cer à Coordenação da OBMEP pelo convite para escrever este texto e
        ao meu colega Dinamérico Pereira Pombo Jr. pela leitura cuidadosa
        do manuscrito.

                                                       Niterói, julho de 2007.

        Abramo Hefez

        Departamento de Matemática Aplicada
        Universidade Federal Fluminense




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        Para o Professor
            O nosso ponto de vista, nessas notas, é que o estudante do Ensino
        Médio tem, de modo intuitivo e bastante vago, uma certa familiari-
        dade com os números, sejam eles naturais, inteiros, racionais ou reais.
        Apesar disso, ele não tem a menor dúvida sobre a sua existência (as
        dúvidas são em geral de outra natureza: racionais versus irracionais)
        e conhece bem algumas de suas propriedades como, por exemplo, o
        fato desses conjuntos possuírem uma adição e uma multiplicação com
        as propriedades usuais. Optamos por não ignorar esse conhecimento;
        muito pelo contrário, utilizá-lo-emos como ponto de partida (ou seja,
        implicitamente, como axioma zero) do nosso estudo.
            Enfatizamos, logo no início do texto, que esse conhecimento é in-
        suficiente para provar qualquer fato significativo. Mostramos então,
        na melhor tradição das teorias axiomáticas, como, isolando algumas
        propriedades (no nosso caso, as propriedades (1), (2) e (3), no iní-
        cio do Capítulo 1) que caracterizam os números naturais dentro do
        conjunto dos números reais, é possível demonstrar muitas das suas
        demais propriedades. Assim, esperamos convencer o jovem leitor da
        necessidade de fundamentar melhor os seus conceitos e das vantagens
        do método axiomático.
            Decidimos, deliberadamente, nessas notas não descrever a tra-
        jetória do desenvolvimento dos números reais e de sua fundamen-
        tação rigorosa, pois, nesse caso, o caminho seria longo e certamente
        prematuro para a grande maioria dos leitores aos quais se destinam
        estas notas. Por outro lado, se tivéssemos iniciado a exposição com
        os axiomas de Peano, teríamos que arcar com o ônus da construção




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        das operações de adição e de multiplicação e da prova de suas pro-
        priedades, trabalho esse que consumiria algum esforço e desinteres-
        saria a maioria dos leitores. Por outro lado, para poder prosseguir
        com as notas, a um certo momento, teríamos de aceitar a existência
        dos números reais, pois estes são livremente utilizados no texto, o que
        recairia no mesmo impasse do início.
            A título de conforto para os mais ortodoxos sobre os Fundamentos
        da Matemática, pedimos que imaginem que o que estamos fazendo
        moralmente (i.e. de modo implícito) nestas notas é axiomatizar a
        existência dos números reais como corpo ordenado completo (veja
        Elon Lages Lima, Análise Real, Volume 1, Seção 3, Capítulo 2) e
        admitir que N é subconjunto de R (ib. Teorema 3 (i), página 17),
        que será por nós caracterizado univocamente por três propriedades
        explicitadas logo no início do texto.




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        Capítulo 1

        Indução Matemática

            Dentre todos os números que o ser humano já considerou, os
        números naturais foram os primeiros a serem criados, inicialmente
        com o intuito de contar. Apesar desses números serem os mais sim-
        ples, isso, absolutamente, não quer dizer que eles sejam totalmente
        entendidos, havendo ainda muitos mistérios que os cercam a serem
        desvendados.


        1.1     O Princípio de Indução Matemática

           Mas, afinal, o que é o conjunto N dos números naturais?
           Bem, podemos intuitivamente descrevê-lo dizendo quais são os
        seus elementos; eles são os números reais da forma:

        1, 2 = 1 + 1, 3 = 2 + 1 = (1 + 1) + 1, 4 = 3 + 1 = (1 + 1 + 1) + 1, · · ·



                                           1


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“inducaofinal”
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        2                                        CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


            Ocorre, porém, que dificilmente poderemos provar alguma pro-
        priedade desses números utilizando apenas esta descrição, pois, ape-
        sar de sabermos intuitivamente quais são os números que os pontinhos
        acima representam, teríamos dificuldade de descrevê-los de modo su-
        ficientemente explícito.
            Uma alternativa consiste em dar algumas propriedades que carac-
        terizem de modo inequívoco o conjunto dos naturais dentro do con-
        junto dos números reais.
           Inicialmente, considere um subconjunto S dos números reais que
        possui as seguintes propriedades:

        (1) S contém o número 1.

        (2) Toda vez que S contém um número n, ele necessariamente contém
        o número n + 1.

        (3) Não existe subconjunto próprio de S satisfazendo as condições (1)
        e (2).

            Em outras palavras, (3) nos diz que se S possui as propriedades
        (1), (2) e (3), acima, e se S é um subconjunto de S que possui as
        propriedades (1) e (2), então S = S.

            Vamos provar que se existe um subconjunto S dos números reais
        satisfazendo às três condições acima, então esse conjunto é único. De
        fato, se S1 e S2 são dois os subconjuntos, temos que S1 ∩ S2 possui
        as propriedades (1) e (2), logo pela propriedade (3) segue que

                                S1 = S1 ∩ S2 = S2 .




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“inducaofinal”
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         SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                       3

           No estágio em que estamos não temos como provar que tal con-
        junto S existe. Portanto, admitiremos o seguinte axioma:

        Axioma: Existe um subconjunto dos reais que possui as propriedades
        (1), (2) e (3).

           Esse único subconjunto será chamado de conjunto dos números
        naturais e denotado por N.

          A propriedade (3) é o que se chama de Princípio de Indução
        Matemática. Mais precisamente:

        Princípio de Indução Matemática: Dado um subconjunto S do
        conjunto dos números naturais N, tal que 1 pertence a S e sempre
        que um número n pertence a S, o número n + 1 também pertence a
        S, tem-se que S = N.

           Esta simples propriedade fornece uma das mais poderosas técnicas
        de demonstração em Matemática: a demonstração por indução.

           Suponha que seja dada uma sentença matemática P (n) que de-
        penda de uma variável natural n, a qual se torna verdadeira ou falsa
        quando substituímos n por um número natural dado qualquer. Tais
        sentenças serão ditas sentenças abertas definidas sobre o conjunto dos
        naturais.
           A seguir damos alguns exemplos de sentenças abertas definidas
        sobre N:

        (a)     P (n) : n é par.

              É claro que a afirmação P (1) é falsa, pois ela diz que 1 é par;




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“inducaofinal”
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        P (3), P (5) e P (9) são falsas, pois afirmam, respectivamente, que 3, 5
        e 9 são pares.
           Por outro lado, é também claro que P (2), P (4), P (8) e P (22) são
        verdadeiras, pois 2, 4, 8 e 22 são pares.

        (b)     P (n) : n é múltiplo de 3.
           Temos, por exemplo, que P (1), P (2), P (4) e P (5) são falsas, en-
        quanto P (3) e P (6) são verdadeiras.

        (c)     P (n) : 1 + 3 + 5 + 7 + · · · + (2n − 1) = n2 .

              Temos que P (1), P (2), P (3), P (4), . . . , P (10) são verdadeiras.

           Aqui sabemos precisamente o que significa a sentença aberta P (n),
        apesar dos pontinhos na sua definição. Ela significa:

              “A soma dos n primeiros números ímpares é igual a n2 .”

            Você consegue visualizar algum número natural m tal que P (m)
        seja falsa? Bem, após mais algumas tentativas, você se convencerá
        de que esta fórmula tem grandes chances de ser verdadeira para todo
        número natural n; ou seja, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.

        (d)     P (n) : n2 − n + 41 é um número primo, para todo n ∈ N.

            É fácil verificar que as sentenças P (1), P (2), P (3) são verdadeiras.
        Com algum trabalho, é possível ir além, verificando também que P (4),
        P (5), . . ., P (35) são verdadeiras.
            Portanto, é plausível que tenhamos encontrado um polinômio cu-
        jos valores nos números inteiros sejam sempre números primos.




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“inducaofinal”
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         SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                        5

            Mais alguns testes para confirmar a nossa suspeita? Lá vai, P (36),
        P (37), P (38) e P (40) são verdadeiras.
           Podemos parar por aqui e nos sentir felizes com a nossa descober-
        ta? Bom, para satisfazer os mais céticos, faremos só mais um teste
        com n = 41.
            Note que 412 − 41 + 41 = 412 não é primo. Logo, para a nossa
        desilusão, P (41) é falsa!
            Para a sua informação, pode-se provar que não existe nenhum
        polinômio em uma variável com coeficientes inteiros cujos valores nos
        naturais sejam sempre números primos. Portanto, não havia a priori
        nenhuma chance de P (n) ser verdadeira para todo número natural n.

            Como provar então que uma sentença aberta definida sobre os
        naturais é sempre verdadeira? Você há de convir que não seria possível
        testar, um por um, todos os números naturais, pois eles são em número
        infinito. Portanto, será preciso encontrar algum outro método.

           Vamos a seguir expor a técnica da demonstração por indução
        matemática que resolverá esse nosso problema.

            Seja P (n) uma sentença aberta sobre os naturais e denote por V o
        seu conjunto verdade em N, isto é, o subconjunto de N, definido como

                         V = {n ∈ N; P (n) é verdadeira}.


           Para provar que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N, basta mostrar
        que V = N.
           Isso pode ser feito usando o Princípio de Indução Matemática.




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“inducaofinal”
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        Basta, para isto, mostrar que 1 pertence a V e que n + 1 pertence a
        V , toda vez que n pertence a V .
            Provamos, assim, o seguinte teorema:

        Teorema 1.1.1 (Prova por Indução Matemática). Seja P (n) uma
        sentença aberta sobre N. Suponha que

        (i) P (1) é verdadeira; e

        (ii) qualquer que seja n ∈ N, sempre que P (n) é verdadeira, segue que
        P (n + 1) é verdadeira.

            Então, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.


           Vejamos como usar esse método para mostrar a validade, para
        todo natural n, da fórmula

                             1 + 3 + · · · + (2n − 1) = n2 .


            Observe que P (1) é verdadeira, já que a fórmula é trivialmente
        válida para n = 1. Suponha agora que, para algum n natural, P (n)
        seja verdadeira; ou seja, que

                             1 + 3 + · · · + (2n − 1) = n2 .


            Queremos provar que P (n + 1) é verdadeira. Somando 2n + 1, que
        é o próximo número ímpar após 2n−1, a ambos os lados da igualdade
        acima, obtemos a igualdade também verdadeira:

            1 + 3 + · · · + (2n − 1) + (2n + 1) = n2 + (2n + 1) = (n + 1)2 .




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         SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                         7

            Isso mostra que P (n + 1) é verdadeira, toda vez que P (n) é verda-
        deira. Pelo teorema, a fórmula é válida para todo número natural n.

            Você tem ideia de quando foi feita pela primeira vez a demons-
        tração acima? Bem, o primeiro registro que se tem é de 1575 e foi
        realizada por Francesco Maurolycos.

            Note que, na demonstração acima, poderia parecer que estamos
        usando o fato de P (n) ser verdadeira para deduzir que P (n + 1) é
        verdadeira para em seguida concluir que P (n) é verdadeira. O que
        está ocorrendo? Estamos usando a tese para provar o teorema?
            A resposta é não! Preste bem atenção, pois essa é a parte mais
        delicada de toda a história.
           Dado um número natural n, temos duas possibilidades:

        (a) P (n) é verdadeira, ou (b) P (n) é falsa.

            A hipótese (ii) do Teorema não exige em absoluto que assumamos
        P (n) verdadeira para todo n ∈ N, podendo eventualmente ser falsa
        para algum valor de n, ou mesmo para todos os valores de n. O que
        a hipótese (ii) exige é que sempre que algum n pertença à categoria
        (a) acima, então n + 1 também pertença a essa mesma categoria; não
        exigindo nada quando n pertencer à categoria (b).

            Por exemplo, a sentença aberta P (n) : n = n + 1 satisfaz (por
        vacuidade) à hipótese (ii) do Teorema, já que nenhum n ∈ N pertence
        à categoria (a). O que falha para que o Teorema nos garanta que
        P (n) é verdadeira para todo n é que a hipótese (i) não é verificada,
        pois P (1) : 1 = 2 é falsa!

           É preciso ter clareza que a Indução Matemática é diferente da




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“inducaofinal”
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        8                                                  CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        indução empírica das ciências naturais, em que é comum, após um
        certo número, necessariamente finito, de experimentos, enunciar leis
        gerais que governam o fenômeno em estudo. Essas leis são tidas como
        verdades, até prova em contrário. Na matemática, não há lugar para
        afirmações verdadeiras até prova em contrário. A Prova por Indução
        Matemática trata de estabelecer que determinada sentença aberta
        sobre os naturais é sempre verdadeira.
           A indução empírica foi batizada, de modo irônico, pelo
        matemático, filósofo e grande humanista inglês do século passado,
        Bertrand Russel (1872-1970), de indução galinácea, com base na
        seguinte historinha:

            Havia uma galinha nova no quintal de uma velha senhora. Dia-
        riamente, ao entardecer, a boa senhora levava milho às galinhas. No
        primeiro dia, a galinha, desconfiada, esperou que a senhora se reti-
        rasse para se alimentar. No segundo dia, a galinha, prudentemente,
        foi se alimentando enquanto a senhora se retirava. No nonagésimo
        dia, a galinha, cheia de intimidade, já não fazia caso da velha se-
        nhora. No centésimo dia, ao se aproximar a senhora, a galinha, por
        indução, foi ao encontro dela para reclamar o seu milho. Qual não foi
        a sua surpresa quando a senhora pegou-a pelo pescoço com a intenção
        de pô-la na panela.

        Exemplo 1.1.1. Queremos determinar uma fórmula para a soma
        dos n primeiros números naturais.
            Conta-se a seguinte história sobre o matemático alemão Carl
        Friedrich Gauss (1777-1855)1 , quando ainda garoto. Na escola, o pro-
            1
                Gauss é considerado um dos maiores gênios da matemática de todos os tempos.




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    i                                                                                         i
“inducaofinal”
                                                                                            2009/6/30
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          SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                                9

        fessor, para aquietar a turma de Gauss, mandou os alunos calcularem
        a soma de todos os números naturais de 1 a 100. Qual não foi a sur-
        presa quando, pouco tempo depois, o menino deu a resposta: 5 050.
        Indagado como tinha descoberto tão rapidamente o resultado, Gauss,
        então com nove anos de idade, descreveu o método a seguir.

            Sendo
                                    Sn = 1 + 2 + · · · + n,

        o objetivo é encontrar uma fórmula fechada2 para Sn .
            Somando a igualdade acima, membro a membro, com ela mesma,
        porém com as parcelas do segundo membro em ordem invertida, temos
        que

                  Sn     =      1       +    2    + ··· +             n
                  Sn     =      n       + (n − 1) + · · · +           1
                                                                             .
                  2Sn = (n + 1) + (n + 1) + · · · + (n + 1)

            Daí segue-se que 2Sn = n(n + 1) e, portanto,

                                              n(n + 1)
                                       Sn =            .
                                                 2

           Vamos ser críticos com relação à prova acima. Para a maioria das
        pessoas, essa prova parece impecável, mas se alguém nos perguntasse
        o que está escondido atrás dos pontinhos, talvez nos sentíssemos em-
        baraçados. Também, como ter absoluta certeza de que nada acontece

            2
              Uma fórmula fechada, a grosso modo, é uma fórmula que depende dos dados
        iniciais do problema e que permite calcular diretamente os valores do objeto em
        estudo fazendo um número pequeno de contas.




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“inducaofinal”
                                                                                         2009/6/30
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        10                                          CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        fora do nosso controle, exatamente na imensa região coberta pelos
        pontinhos?
           Para não pairar nenhuma dúvida sobre o nosso resultado, vamos
        provar a fórmula utilizando Indução Matemática.
             Considere a sentença aberta sobre os naturais

                                                        n(n + 1)
                          P (n) : 1 + 2 + · · · + n =            .             (1.1)
                                                           2

             Note que
                                                1(1 + 1)
                                 P (1) :   1=
                                                   2
        é verdadeira.
             Observe também que

                                                            (n + 1)(n + 2)
                P (n + 1) : 1 + 2 + · · · + n + (n + 1) =                  .
                                                                  2

           Agora, suponhamos que para algum n ∈ N, tenhamos P (n) ver-
        dadeira, isto é, a fórmula (1.1) é válida para tal valor de n. Somando
        n + 1 a ambos os lados dessa igualdade, temos que é verdadeira a
        igualdade

                                                   n(n + 1)
                  1 + 2 + · · · + n + (n + 1) =             +n+1
                                                      2
                                                   n(n + 1) + 2(n + 1)
                                              =
                                                            2
                                                   (n + 1)(n + 2)
                                              =                   ,
                                                         2

        o que estabelece a veracidade de P (n + 1).




i                                                                                           i


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“inducaofinal”
                                                                                      2009/6/30
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         SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                          11

           Pelo teorema, tem-se que a fórmula P (n) é verdadeira para todo
        n ∈ N.

        Exemplo 1.1.2. Queremos validar a fórmula

                                                    n(n + 1)(2n + 1)
                   P (n) : 12 + 22 + · · · + n2 =                    .     (1.2)
                                                           6

           Note que
                                            1(1 + 1)(2 + 1)
                            P (1) : 12 =
                                                   6
        é verdadeira.
            Suponha que, para algum n ∈ N, se tenha que P (n) é verdadeira,
        isto é, (1.2) é válida. Somando (n + 1)2 a ambos os lados da igualdade
        (1.2), temos que

                                             n(n + 1)(2n + 1)
        12 + 22 + · · · + n2 + (n + 1)2 =                      + (n + 1)2
                                                     6
                                             n(n + 1)(2n + 1) + 6(n + 1)2
                                        =
                                                           6
                                             (n + 1)[n(2n + 1) + 6(n + 1)]
                                        =
                                                           6
                                             (n + 1)[(n + 1) + 1][2(n + 1) + 1]
                                        =                                       ,
                                                             6

        estabelecendo assim a veracidade de P (n + 1).
           Portanto, a fórmula é válida para todo n ∈ N.

        Exemplo 1.1.3. Vamos provar que é verdadeira, para todo n ∈ N, a




i                                                                                        i


    i                                                                               i
“inducaofinal”
                                                                                      2009/6/30
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        12                                       CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        fórmula:

                               1   1             1        n
                    P (n) :      +    + ··· +          =     .          (1.3)
                              1.2 2.3         n(n + 1)   n+1

             Observemos inicialmente que

                                            1     1
                                 P (1) :       =
                                           1.2   1+1

        é verdadeira.
            Suponhamos que, para algum n, tem-se que P (n) é verdadeira,
        ou seja, que a fórmula (1.3) seja verdadeira para esse valor de n.
                                                           1
        Somando a ambos os lados dessa igualdade                    , temos
                                                     (n + 1)(n + 2)
        que

         1   1             1           1                       n         1
           +    + ··· +         +                       =          +
        1.2 2.3         n(n + 1) (n + 1)(n + 2)              n + 1 (n + 1)(n + 2)
                                                             n+1
                                                        =         ,
                                                             n+2

        mostrando, assim, que P (n + 1) é verdadeira.
           Portanto, pelo Teorema 1.1.1, temos que a fórmula vale para todo
        n ∈ N.



                                     Problemas

        1.1.1 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas:

                                                          n(n + 1)
         (a) 1 − 22 + 32 − · · · + (−1)n−1 n2 = (−1)n−1            .
                                                             2




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“inducaofinal”
                                                                                           2009/6/30
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         SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA                                13

                                          1
         (b) 12 + 32 + · · · + (2n − 1)2 = n(2n − 1)(2n + 1).
                                          3

                                                    2
                                         n(n + 1)
         (c) 13 + 23 + · · · + n3 =                     .
                                            2


        1.1.2 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas:

                1   1                 1             n
         (a)      +    + ··· +                  =        .
               1.3 3.5         (2n − 1)(2n + 1)   2n + 1

                1   1   1                  1             n
         (b)      +   +     + ··· +                  =        .
               1.4 4.7 7.10         (3n − 2)(3n + 1)   3n + 1

                1   1   1                  1             n
         (c)      +   +     + ··· +                  =        .
               1.5 5.9 9.13         (4n − 3)(4n + 1)   4n + 1

                 1     1                  1             n(n + 3)
         (d)        +      + ··· +                 =                 .
               1.2.3 2.3.4         n(n + 1)(n + 2)   4(n + 1)(n + 2)

               12   22                n2          n(n + 1)
         (e)      +    + ··· +                  =           .
               1.3 3.5         (2n − 1)(2n + 1)   2(2n + 1)


        1.1.3 Mostre, para n, m ∈ N, que

          1 · 2 · · · m + 2 · 3 · · · m(m + 1) + · · · + n(n + 1) · · · (n + m − 1) =

           1
              n(n + 1) · · · (n + m).
          m+1

        Sugestão: Fixe m arbitrário e proceda por indução sobre n.




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“inducaofinal”
                                                                                     2009/6/30
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i                                                                                       i




        14                                            CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        1.1.4 Mostre que a soma dos cubos de três números naturais conse-
        cutivos é sempre divisível por 9.
        Sugestão: Considere a sentença aberta
                P (n) : n3 + (n + 1)3 + (n + 2)3 é divisível por 9,
        e mostre, por indução, que ela é verdadeira para todo n ∈ N.

        1.1.5 Dada a sentença aberta em N:

                                                     n(n + 1)
                       P (n) : 1 + 2 + · · · + n =            + 1,
                                                        2

        mostre que:

        (i) Qualquer que seja n ∈ N, se P (n) é verdadeira, então P (n + 1) é
        verdadeira.

        (ii) P (n) não é verdadeira para nenhum valor de n ∈ N.


        1.2    Definição por Recorrência

            Recorde que fizemos objeções na seção anterior ao uso dos ponti-
        nhos nas demonstrações de algumas fórmulas; não que sejamos con-
        tra, eles ajudam muito a representar situações em que há um número
        grande (eventualmente infinito) de objetos a serem descritos e a visu-
        alizar propriedades desses objetos.
            Nessas notas, estamos tentando mostrar como se pode estabele-
        cer um maior padrão de rigor no tratamento de certos problemas
        matemáticos, mas isso não deve ser tomado ao pé da letra. Certos ar-
        gumentos informais, quando acompanhados de um raciocínio correto,




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“inducaofinal”
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         SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA                              15

        são corriqueiramente aceitos. Por exemplo, o argumento utilizado por
        Gauss para somar os n primeiros números naturais é perfeitamente
        aceitável. Portanto, um conselho: use o formalismo para ajudar e não
        para atrapalhar; nunca deixe ele se sobrepor à criatividade, pois, em
        regra, primeiro vem a descoberta, e depois, a formalização.
           Voltemos agora ao problema que queremos abordar. O que real-
        mente significa uma expressão da forma

                             1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1),

        que consideramos no Exemplo 1.1.1?
            Apesar de intuirmos o que se quer dizer, isso formalmente ainda
        não faz sentido, pois a operação de adição de números é definida para
        um par de números, e aqui temos n números sendo somados de uma
        só vez, além do “inconveniente” dos pontinhos, é claro. Para dar um
        sentido preciso a esse tipo de expressão, vamos ver como a Indução
        Matemática pode nos ajudar.
           Para definir uma expressão En , para todo número natural n, basta
        definirmos E1 e mostrar como obter En+1 a partir de En , para todo
        n ∈ N.
           De fato, para verificar que temos efetivamente uma definição para
        todo número natural n, consideremos a sentença aberta

                             P (n) : En está definido

        e provemos, por Indução Matemática, que P (n) é verdadeira para
        todo n ∈ N.




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    i                                                                           i
“inducaofinal”
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        16                                          CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


             Por construção dos En , temos que:

        (i) P (1) é verdadeira.

        (ii) Qualquer que seja n ∈ N, se P (n) é verdadeira, então P (n + 1)
        é também verdadeira.

           Portanto, pelo Teorema 1.1.1, temos que P (n) é verdadeira para
        todo número natural n.

             Nesse caso, dizemos que En foi definido por recorrência.

            Para continuarmos a nossa discussão, precisaremos de um conceito
        que não introduzimos ainda, mas do qual você certamente já ouviu
        falar.
           Você sabe o que é uma sequência? Certamente você já foi apre-
        sentado à seguinte definição:

           “Seja a1 , a2 , . . . , an , . . . uma sequência de números em que cada
        elemento an , a partir do segundo, é igual ao anterior an−1 somado
        com um número constante r.”

             Isso é o que se chama de Progressão Aritmética.
            Mas, o que é uma sequência em geral? Uma sequência, como
        sugere o nome, é uma “coleção de elementos” de natureza qualquer,
        ordenados. Na verdade, trata-se apenas de elementos de um conjunto
        etiquetados com os números naturais.
             Etiquetar com os números naturais os elementos de um conjunto




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    i                                                                                i
“inducaofinal”
                                                                                   2009/6/30
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         SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA                               17

        A, significa dar uma função

                                  a : N −→ A
                                      n → a(n)

          A definição formal de uma sequência em um conjunto A é apenas
        uma função a de N em A.

            Como uma função é dada quando se conhece a imagem de todos
        os elementos do seu domínio, uma sequência a pode ser representada
        como
                              a(1), a(2), . . . , a(n), . . . ;

        ou ainda, denotando a(n) por an , podemos representá-la por

                              (an ) : a1 , a2 , . . . , an , . . .


           Quando dissermos que um conjunto A possui uma adição ou uma
        multiplicação satisfazendo às leis básicas da aritmética, estaremos
        supondo que em A está definida uma operação com propriedades
        semelhantes à correspondente operação nos reais.



        Exemplo 1.2.1. Seja (an ) uma sequência de elementos de um con-
        junto munido de uma adição sujeita às leis básicas da aritmética. Para
        dar sentido às somas

                              Sn = a1 + a2 + · · · + an ,

        basta definir recorrentemente Sn .




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“inducaofinal”
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        18                                              CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


             Pomos S1 = a1 e, supondo Sn definido, definimos

                                 Sn+1 = Sn + an+1 .


           Somas como Sn serão também denotadas com a notação de so-
        matórios:
                                           n
                                    Sn =         ai ,
                                           i=1

        que se lê como “somatório quando i varia de 1 até n de ai ”.

           Um conceito que se define naturalmente por recorrência é o fatorial
        de um número natural.

        Exemplo 1.2.2. Define-se o fatorial n! de um número natural n
        como:
                     1! = 1, e (n + 1)! = n! · (n + 1).

           Outro conceito que, naturalmente, é definido por recorrência é o
        de potência.

        Exemplo 1.2.3. Seja a um elemento de um conjunto A munido de
        uma multiplicação sujeita às leis básicas da aritmética. Vamos definir
        as potências an , com n ∈ N, por recorrência.
             Ponhamos a1 = a. Supondo an definido, defina

                                   an+1 = an · a.


           Vamos estabelecer, por meio de indução, as propriedades usuais
        das potências.




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“inducaofinal”
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          SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA                                   19

        Proposição 1.2.1. Sejam a, b ∈ A e m, n ∈ N. Então,

        (i) am · an = an+m ;

        (ii) (am )n = amn ;

        (iii) (a · b)n = an · bn .



        Demonstração. Provaremos (i), deixando o restante como exercício.
            Fixemos a ∈ A e m ∈ N, arbitrariamente. Demonstremos a pro-
        priedade por indução sobre n.
             Para n = 1, a propriedade é válida, pois, pelas definições,

                                 am · a1 = am · a = am+1 .


             Por outro lado, supondo que am · an = am+n , temos que:

             am · an+1 = am · (an · a) = (am · an ) · a = am+n · a = am+n+1 .


             Isso, pelo Teorema 1.1.1, prova a nossa propriedade.



        Exemplo 1.2.4. Vamos provar que 3 divide 5n +2 ·11n , nos inteiros,
        para todo n ∈ N.
             De fato, para n = 1, temos que 3 divide 51 + 2 · 111 = 27.
             Suponha, agora, que, para algum n ≥ 1, saibamos que 3 divide
        5n   + 2 · 11n . Logo, existe um número inteiro a tal que

                                     5n + 2 · 11n = 3a.




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“inducaofinal”
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        20                                           CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


             Multiplicando por 5 ambos os lados da igualdade acima, temos

               5 · 3a = 5n+1 + 5 · 2 · 11n = 5n+1 + 2 · 11 · 11n − 12 · 11n .


             Daí segue a igualdade

                          5n+1 + 2 · 11n+1 = 5 · 3a + 12 · 11n ,

        cujo segundo membro é divisível por 3 por ser igual a 3(5a + 4 · 11n ).
            Assim, provamos que 3 divide 5n+1 +2·11n+1 , o que, pelo Teorema
        1.1.1, acarreta que 3 divide 5n + 2 · 11n , para todo número natural n.


           Pode ocorrer que uma determinada propriedade seja válida para
        todos os números naturais a partir de um determinado valor a, mas
        não necessariamente para valores menores. Como proceder nesses
        casos?
           Por exemplo, como provar que a desigualdade 2n > n2 é verdadeira
        para todo valor de n natural maior do que ou igual a 5?
           Fazemos isso baseados na seguinte pequena generalização do Teo-
        rema 1.1.1:


        Teorema 1.2.1. Seja P (n) uma sentença aberta sobre N, e seja
        a ∈ N. Suponha que

        (i) P (a) é verdadeira, e

        (ii) qualquer que seja n ∈ N, com n ≥ a, sempre que P (n) é ver-
        dadeira, segue-se que P (n + 1) é verdadeira.




i                                                                                      i


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“inducaofinal”
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         SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA                                  21

        Então, P (n) é verdadeira para todo número natural n ≥ a.

        Demonstração. Defina o conjunto

                     S = {m ∈ N; P (m + a − 1) é verdadeira}.


           Por (i) temos que 1 ∈ S. Por outro lado, se m ∈ S, temos que
        P (m+a−1) é verdadeira. Logo, por (ii), P (m+1+a−1) é verdadeira.
        Portanto, m + 1 ∈ S. Em vista do Teorema 1.1.1, temos que S = N.
        Consequentemente, P (n) é verdadeira para todo n ≥ a.

        Exemplo 1.2.5. Vamos mostrar que a desigualdade na sentença
        aberta P (n) : 2n > n2 é verdadeira, para todo número natural n ≥ 5.
            Note que P (1) : 21 > 12 é verdadeira, P (2) : 22 > 22 é falsa,
        P (3) : 23 > 32 é falsa e P (4) : 24 > 42 é falsa. Tudo isso não importa,
        pois queremos verificar a veracidade dessa desigualdade para n ≥ 5.
            De fato, temos que P (5) : 25 > 52 é verdadeira. Seja n ≥ 5 tal
        que 2n > n2 . Multiplicando ambos os lados da desigualdade acima
        por 2, obtemos 2n+1 > 2n2 . Note que 2n2 > (n + 1)2 , se n ≥ 3, pois
        tal desigualdade é equivalente a n(n − 2) > 1. Daí, deduzimos que
        2n+1 > (n + 1)2 , o que significa que P (n + 1) é verdadeira, estabele-
        cendo o resultado em vista do Teorema 1.2.1.

        Exemplo 1.2.6. Vamos mostrar que a sentença aberta:
                a equação 3x + 5y = n tem solução em (N ∪ {0})2 ,
        é verdadeira para todo n ≥ 8.
           De fato, ela é verdadeira para n = 8, pois a equação 3x + 5y = 8
        admite a solução (x, y) = (1, 1).




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“inducaofinal”
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        22                                        CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


            Suponha agora que a equação 3x + 5y = n tenha uma solução
        (a, b) para algum n ≥ 8; isto é, 3a + 5b = n. Note que, para qualquer
        solução (a, b), devemos ter a ≥ 1 ou b ≥ 1.
             Se b ≥ 1, observando que 3 × 2 − 5 × 1 = 1, segue que

        3(a + 2) + 5(b − 1) = 3a + 5b + 3 × 2 − 5 × 1 = 3a + 5b + 1 = n + 1,

        o que mostra que a equação 3x + 5y = n + 1 admite a solução
        (a + 2, b − 1) em (N ∪ {0})2 .
             Se, por acaso, b = 0, então, a ≥ 3; usando a igualdade

                                 −3 × 3 + 5 × 2 = 1,

        temos

             3(a − 3) + 5 × 2 = 3a − 3 × 3 + 5 × 2 = 3a + 5b + 1 = n + 1,

        o que mostra que a equação 3x + 5y = n + 1 admite a solução
        (a − 3, b + 2) em (N ∪ {0})2 .
           Mostramos assim que, em qualquer caso, a equação 3x+5y = n+1
        admite solução, sempre que a equação 3x+5y = n, para algum n ≥ 8,
        tenha solução. Como o resultado vale para n = 8, segue a conclusão
        desejada pelo Teorema 1.2.1.
            Note que n0 = 8 é o menor valor de n para o qual a equação tem
        solução para todo n ≥ n0 .




i                                                                                    i


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“inducaofinal”
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         SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA                                         23

                                         Problemas

        1.2.1 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas:


         (a) 1.20 + 2.21 + 3.22 + · · · + n.2n−1 = 1 + (n − 1)2n .

                                    2                    n−1
                     1          1                  1                  nn−1
         (b)    1+         1+           ··· 1 +                  =            .
                     1          2                 n−1                (n − 1)!

         (c) 1.1! + 2.2! + 3.3! + · · · + n.n! = (n + 1)! − 1.


        1.2.2 Sejam a e b números reais distintos. Mostre que, para todo
        n ∈ N, vale a igualdade:

                                                                     bn+1 − an+1
               bn + abn−1 + a2 bn−2 + · · · + an−1 b + an =                      .
                                                                        b−a



        1.2.3 Se sen α = 0, mostre que, para todo n ∈ N, vale a igualdade:

                                                                 sen 2n+1 α
                    cos α · cos 2α · cos 22 α · · · cos 2n α =
                                                                 2n+1 sen α

        Sugestão: Use a fórmula sen 2β = 2 sen β cos β.

        1.2.4 Para todo n ∈ N, mostre que, nos inteiros,

        (a) 80 divide 34n − 1;            (b) 9 divide 4n + 6n − 1;

        (c) 8 divide 32n + 7;              (d) 9 divide n4n+1 − (n + 1)4n + 1.




i                                                                                              i


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“inducaofinal”
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        24                                       CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        1.2.5 Mostre que:


         (a) n! > 2n , se n ≥ 4.

         (b) n! > 3n , se n ≥ 7.

         (c) n! > 4n , se n ≥ 9.


        1.2.6 Prove que, para todo n natural, vale a desigualdade:

                            1 3 5    2n − 1    1
                             · · ···        ≤√       .
                            2 4 6      2n     3n + 1

        1.2.7 Mostre que o número de diagonais de um polígono convexo de
        n lados é dado por
                                      n(n − 3)
                                dn =           .
                                         2


        1.2.8 Mostre que n0 = 32 é o menor valor para o qual a equação
        5x + 9y = n possui solução em (N ∪ {0})2 para todo n ≥ n0 .



        1.3    Progressões

            Iremos agora, usando recorrência, definir progressões aritméticas
        e progressões geométricas.

        Exemplo 1.3.1. Uma Progressão Aritmética (P.A.) é uma sequência
        de números (an ) tal que, a partir do segundo termo, cada termo an é
        igual ao anterior an−1 somado a um número fixo r chamado de razão.




i                                                                                   i


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“inducaofinal”
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         SEC. 1.3: PROGRESSÕES                                                25

           Portanto, é dado o primeiro termo a1 e define-se recorrentemente

                              an = an−1 + r,    se n ≥ 2.


           Para achar uma fórmula fechada para o termo de ordem n da
        sequência, observe que

           a2 = a1 + r,   a3 = a2 + r = a1 + 2r,     a4 = a3 + r = a1 + 3r.


           Pelo “método da galinha” de Bertrand Russel, já podemos adivi-
        nhar os próximos termos:

         a5 = a4 + r = a1 + 4r, a6 = a1 + 5r, . . . , an = a1 + (n − 1)r, . . .


          Portanto, parece plausível que a fórmula para o termo geral de
        uma P.A. de primeiro termo a1 e razão r seja

                       an = a1 + (n − 1)r, para todo n ∈ N.


           Vamos agora demonstrar essa fórmula por indução.
            Inicialmente, observe que a fórmula é verdadeira para n = 1, pois
        ela se reduz à igualdade a1 = a1 .
            Suponha agora que a fórmula seja correta para algum n ∈ N;
        isto é, que an = a1 + (n − 1)r. Somando r a ambos os lados dessa
        igualdade, segue a igualdade:

                   an+1 = an + r = a1 + (n − 1)r + r = a1 + nr,




i                                                                                       i


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“inducaofinal”
                                                                                    2009/6/30
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        26                                           CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        o que mostra que a fórmula é verdadeira para n + 1. Portanto, ela é
        correta para todo n ∈ N.
             Note que, numa P.A., tem-se que

                   ai + an−i+1 = [a1 + (i − 1)r] + [a1 + (n − i)r]
                                 = a1 + a1 + (n − 1)r                     (1.4)
                                 = a1 + an .

        Agora, nos propomos a achar uma fórmula para a soma

                                Sn = a1 + a2 + · · · + an

        dos n primeiros termos de uma P.A. (an ).
            Vamos usar, para isso, o método de Gauss que exibimos no Exem-
        plo 1.1.1.
           Somando a igualdade acima, membro a membro, com ela mesma,
        porém com as parcelas do segundo membro em ordem invertida,
        temos, por (1.4) que

              Sn    =      a1      +         a2           + ··· +   an
              Sn    =      an      +       an−1           + ··· +   a1
                                                                          .
              2Sn = (a1 + an ) + (a2 + an−1 ) + · · · + (an + a1 )



             Daí, segue-se que 2Sn = (a1 + an )n e, portanto,

                                          (a1 + an )n
                                   Sn =               .
                                               2




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“inducaofinal”
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         SEC. 1.3: PROGRESSÕES                                                       27

           Deixamos a validação dessa fórmula por indução como exercício.

        Exemplo 1.3.2. Uma Progressão Geométrica (P.G.) é uma sequên-
        cia de números (an ) tal que, a partir do segundo termo, cada termo an
        é igual ao anterior an−1 multiplicado por um número fixo q chamado
        de razão.
           Portanto, é dado o primeiro termo a1 e define-se recorrentemente

                                 an = an−1 q,      se n ≥ 2.


           Para achar uma fórmula fechada para o termo de ordem n da
        sequência, observe que

        a2 = a1 q,   a3 = a2 q = a1 q 2 ,    a4 = a3 q = a1 q 3 ,   a5 = a4 q = a1 q 4 .


           Novamente, pelo “método da galinha” de Bertrand Russel, pode-
        mos adivinhar os próximos termos:

                 a6 = a1 q 5 ,   a7 = a1 q 6 ,   ...,   an = a1 q n−1 ,   ...


           Portanto, é plausível que a fórmula para o termo geral de uma
        P.G. de primeiro termo a1 e razão q seja an = a1 q n−1 , para todo
        n ∈ N.
           Vamos demonstrar essa fórmula por indução.
            Inicialmente, observe que a fórmula é verdadeira para n = 1, pois
        ela se reduz à igualdade a1 = a1 .
            Suponha, agora, que a fórmula seja correta para algum n ∈ N,
        isto é, que an = a1 q n−1 . Multiplicando por q ambos os lados dessa




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“inducaofinal”
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        28                                              CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA


        igualdade, segue que

                             an+1 = an q = a1 q n−1 q = a1 q n ,

        o que mostra que a fórmula é correta para n + 1. Portanto, ela é
        correta para todo n ∈ N.

           Vamos, a seguir, achar uma fórmula para a soma Sn dos n
        primeiros termos de uma P.G.
            Vejamos se, animados pelo “truque” de Gauss, achamos uma
        solução inteligente para esse problema.
             Escreva
                          Sn = a1 + a1 q + a1 q 2 + · · · + a1 q n−1 .

             Note que



                    qSn − Sn = a1 q + a1 q 2 + · · · + a1 q n−1 + a1 q n
                                      −a1 − a1 q − a1 q 2 − · · · − a1 q n−1
                                = a1 q n − a1 .

        Portanto,
                                      a1 q n − a1   an q − a1
                               Sn =               =           .
                                         q−1         q−1



                                         Problemas

        1.3.1 Ache uma fórmula fechada para cada uma das somas:




i                                                                                         i


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“inducaofinal”
                                                                                   2009/6/30
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         SEC. 1.3: PROGRESSÕES                                             29

         (a) 2 + 4 + · · · + 2n.

         (b) 2 + 5 + 8 + · · · + (3n − 1).


        1.3.2 Ache uma fórmula fechada para cada uma das somas:

         (a) 2 + 4 + · · · + 2n .

               1 1        1
         (b)    + + ··· + n.
               2 4       2

        Para quanto tende a soma em (b) quando o número de parcelas au-
        menta indefinidamente?

        1.3.3 Uma vitória régia encontra-se em um tanque de água. Sabendo
        que ela dobra de área a cada dia e que, no final de 20 dias, ocupa toda
        a superfície do tanque, em qual dia ela ocupará a metade da superfície
        do tanque?

        Comentário: Esse problema admite duas soluções, uma usando fór-
        mulas, outra usando a cabeça.

        1.3.4 Em uma cidade de 5 000 habitantes, alguém resolve espalhar
        um boato. Considerando que, a cada 10 minutos, uma pessoa é capaz
        de contar o caso para 3 pessoas desinformadas, determine em quanto
        tempo toda a cidade fica conhecendo o boato.

        1.3.5 Uma progressão aritmético-geométrica é uma sequência (an )
        tal que a1 , q e r são números reais dados, com q = 1, e, para todo
        n ∈ N, tem-se que
                                  an+1 = qan + r.




i                                                                                     i


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“inducaofinal”
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                                              q n−1 − 1
         (a) Mostre que an = a1 · q n−1 + r             .
                                                 q−1

         (b) Se Sn = a1 + · · · + an , mostre que

                                    qn − 1     qn − 1       n
                          Sn = a1          +r         2
                                                        +r     .
                                     q−1      (q − 1)      1−q

         (c) Ache o termo geral e a soma dos n primeiros termos da pro-
             gressão aritmético-geométrica onde a1 = 1, q = 2 e r = 1.




i                                                                                     i


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“inducaofinal”
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        Capítulo 2

        Indução e Mundo Material

           Neste capítulo, mostraremos algumas aplicações da indução
        matemática ao mundo material.


        2.1    A Torre de Hanói

            Você provavelmente já conhece esse jogo, pois trata-se de um jogo
        bastante popular que pode ser facilmente fabricado ou ainda encon-
        trado em lojas de brinquedos de madeira.
           O jogo é formado por n discos de diâmetros distintos com um furo
        no seu centro e uma base onde estão fincadas três hastes. Numa das
        hastes, estão enfiados os discos, de modo que nenhum disco esteja
        sobre um outro de diâmetro menor (veja figura a seguir).




                                         31


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“inducaofinal”
                                                                                  2009/6/30
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i                                                                                    i




        32                                   CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL




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            O jogo consiste em transferir a pilha de discos para uma outra
        haste, deslocando um disco de cada vez, de modo que, a cada passo,
        a regra acima seja observada.

             As perguntas naturais que surgem são as seguintes:

             1. O jogo tem solução para cada n ∈ N?

             2. Em caso afirmativo, qual é o número mínimo jn de movimentos
                para resolver o problema com n discos?

           Usando Indução Matemática, vamos ver que a resposta à primeira
        pergunta é afirmativa, qualquer que seja o valor de n. Em seguida,
        deduziremos uma fórmula que nos fornecerá o número jn .
             Considere a sentença aberta

                        P (n) : O jogo com n discos tem solução.


           Obviamente, P (1) é verdade. Suponha que P (n) seja verdadeiro,
        para algum n; ou seja, que o jogo com n discos tem solução. Vamos
        provar que o jogo com n + 1 discos tem solução.
             Para ver isso, resolva inicialmente o problema para os n discos




i                                                                                    i


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“inducaofinal”
                                                                                   2009/6/30
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i                                                                                     i




         SEC. 2.1: A TORRE DE HANÓI                                        33

        superiores da pilha, transferindo-os para uma das hastes livre (isso é
        possível, pois estamos admitindo que o problema com n discos possua
        solução):




                                                      £      
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           Em seguida, transfira o disco que restou na pilha original (o maior
        dos discos) para a haste vazia:




                                                      ££
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            Feito isto, resolva novamente o problema para os n discos que
        estão juntos, transferindo-os para a haste que contém o maior dos
        discos:
            Isso mostra que o problema com n + 1 discos também possui
        solução, e, portanto, por Indução Matemática, que P (n) é verdadeira




i                                                                                     i


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“inducaofinal”
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        34                                     CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL




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                                                 ¡




        para todo n ∈ N.

           Para determinar uma fórmula para jn , veja que, para resolver o
        problema para n + 1 discos com o menor número de passos, temos,
        necessariamente, que passar duas vezes pela solução mínima do pro-
        blema com n discos. Temos, então, que

                                   jn+1 = 2jn + 1.


           Obtemos, assim, uma progressão aritmético-geométrica (jn ) cujo
        termo geral é, pelo Problema 1.3.5 (c), dado por

                                      jn = 2n − 1.


            Esse jogo foi idealizado e publicado pelo matemático francês
        Edouard Lucas, em 1882, que, para dar mais sabor à sua criação,
        inventou a seguinte lenda:

            Na origem do tempo, num templo oriental, Deus colocou 64 discos
        perfurados de ouro puro ao redor de uma de três colunas de diamante
        e ordenou a um grupo de sacerdotes que movessem os discos de uma




i                                                                                      i


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“inducaofinal”
                                                                                   2009/6/30
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         SEC. 2.2: O ENIGMA DO CAVALO DE ALEXANDRE                          35

        coluna para outra, respeitando as regras acima explicadas. Quando
        todos os 64 discos fossem transferidos para uma outra coluna, o mundo
        acabaria.

            Você não deve se preocupar com a iminência do fim do mundo,
        pois, se, a cada segundo, um sacerdote movesse um disco, o tempo
        mínimo para que ocorresse a fatalidade seria de 264 − 1 segundos e
        isto daria, aproximadamente, um bilhão de séculos!




        2.2    O Enigma do Cavalo de Alexandre

            Num mosaico romano, Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande,
        é representado como um fogoso corcel cor de bronze. Nesse exemplo,
        vamos “provar” que isso é uma falácia (uma grande mentira).
           Inicialmente, “provaremos” que todos os cavalos têm mesma cor.
        De fato, considere a sentença aberta:

           P (n) : Num conjunto com n cavalos, todos têm a mesma cor.


           Note que P (1) é obviamente verdadeira. Agora, suponha o resul-
        tado válido para conjuntos contendo n cavalos. Considere um con-
        junto
                            C = {C1 , C2 , . . . , Cn , Cn+1 }

        com n + 1 cavalos. Decompomos o conjunto C numa união de dois
        conjuntos:

                   C = C ∪ C = {C1 , . . . , Cn } ∪ {C2 , . . . , Cn+1 },




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“inducaofinal”
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        36                                CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL


        cada um dos quais contém n cavalos.
            Pela hipótese indutiva, segue-se que os cavalos em C têm mesma
        cor, ocorrendo o mesmo para os cavalos em C . Como

                                  C2 ∈ C ∩ C ,

        segue-se que os cavalos de C têm a mesma cor dos cavalos de C ,
        permitindo assim concluir que todos os cavalos em C têm a mesma
        cor.
           Assim, a nossa “demonstração” por indução está terminada,
        provando que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N.
           Agora, todo mundo sabe (você sabia?) que Marengo, o famoso
        cavalo de Napoleão, era branco. Logo, Bucéfalo deveria ser branco.

            Onde está o erro nessa prova? Para achá-lo, sugerimos que você
        tente provar que, se P (1) é verdadeira, então P (2) é verdadeira.
           Esse problema foi inventado pelo matemático húngaro George
        Pólya (1887-1985).




                                   Problemas


        2.2.1 Ache o erro na “prova” do seguinte “Teorema”:
                      Todos os numeros naturais são iguais.


        Demonstração. Vamos provar o resultado mostrando que, para todo
        n ∈ N, é verdadeira a sentença aberta




i                                                                                 i


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“inducaofinal”
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         SEC. 2.3: DESCOBRINDO A MOEDA FALSA                                37

           P (n): Dado n ∈ N, todos os número naturais menores ou iguais
        do que n são iguais.
        (i) P (1) é claramente verdadeira.
        (ii) Suponha que P (n) seja verdadeira, logo n − 1 = n. Somando 1
        a ambos os lados dessa igualdade, obtemos n = n + 1. Como n era
        igual a todos os naturais anteriores, segue que P (n + 1) é verdadeira.
           Portanto, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N .


        2.3    Descobrindo a Moeda Falsa

           Têm-se 2n moedas de ouro, sendo uma delas falsa, com peso menor
        do que as demais. Dispõe-se de uma balança de dois pratos, sem ne-
        nhum peso. Vamos mostrar, por indução sobre n, que é possível achar
        a moeda falsa com n pesagens.
           Para n = 1, isso é fácil de ver, pois, dadas as duas moedas, basta
        pôr uma moeda em cada prato da balança e descobre-se imediata-
        mente qual é a moeda falsa.
            Suponha, agora, que o resultado seja válido para algum valor de
        n e que se tenha que achar a moeda falsa dentre 2n+1 moedas dadas.
        Separemos as 2n+1 moedas em 2 grupos de 2n moedas cada. Coloca-se
        um grupo de 2n moedas em cada prato da balança. Assim, poderemos
        descobrir em que grupo de 2n moedas encontra-se a moeda falsa.
        Agora, pela hipótese de indução, descobre-se a moeda falsa com n
        pesagens, que, junto com a pesagem já efetuada, perfazem o total de
        n + 1 pesagens.
           No Capítulo 3, iremos generalizar esse problema, resolvendo-o




i                                                                                      i


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“inducaofinal”
                                                                                 2009/6/30
    i                                                                          i page 38
                                                                                 Estilo OBMEP
i                                                                                   i




        38                                  CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL


        para um número qualquer de moedas.



                                      Problemas

        2.3.1 Mostre que o problema da moeda falsa para 3n moedas também
        se resolve com n pesagens.



        2.4     A Pizza de Steiner

            O grande geômetra alemão Jacob Steiner (1796-1863) propôs e
        resolveu, em 1826, o seguinte problema:
           Qual é o maior número de partes em que se pode dividir o plano
        com n cortes retos?
           Pensando o plano como se fosse uma grande pizza, temos uma
        explicação para o nome do problema.
           Denotando o número máximo de pedaços com n cortes por pn ,
        vamos provar por indução a fórmula:

                                       n(n + 1)
                                pn =            + 1.
                                          2

           Para n = 1, ou seja, com apenas um corte, é claro que só podemos
        obter dois pedaços. Portanto, a fórmula está correta, pois

                                      1(1 + 1)
                               p1 =            + 1 = 2.
                                          2

             Admitamos agora que, para algum valor de n, a fórmula para pn




i                                                                                   i


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“inducaofinal”
                                                                                    2009/6/30
    i                                                                             i page 39
                                                                                    Estilo OBMEP
i                                                                                      i




         SEC. 2.4: A PIZZA DE STEINER                                       39

        esteja correta. Vamos mostrar que a fórmula para pn+1 também está
        correta.
           Suponhamos que, com n cortes, obtivemos o número máximo
        n(n + 1)/2 + 1 de pedaços e queremos fazer mais um corte, de modo
        a obter o maior número possível de pedaços.
            Vamos conseguir isso se o (n + 1)-ésimo corte encontrar cada um
        dos n cortes anteriores em pontos que não são de interseção de dois
        cortes (faça um desenho para se convencer disso).
            Por outro lado, se o (n + 1)-ésimo corte encontra todos os n cortes
        anteriores, ele produz n + 1 novos pedaços: o corte começa em um
        determinado pedaço e, ao encontrar o primeiro corte, ele separa em
        dois o pedaço em que está, entrando em outro pedaço. Ao encontrar
        o segundo corte, ele separa em dois o pedaço em que está, entrando
        em outro pedaço, e assim sucessivamente, até encontrar o n-ésimo
        corte separando o último pedaço em que entrar em dois. Assim, são
        obtidos n + 1 pedaços a mais dos que já existiam; logo,

                                n(n + 1)         (n + 1)(n + 2)
          pn+1 = pn + n + 1 =            +1+n+1=                + 1,
                                   2                   2

        mostrando que a fórmula está correta para n + 1 cortes. O resultado
        segue então do Teorema 1.1.1.


                                        Problemas

        2.4.1 (O queijo de Steiner) Para fazer a sua pizza, Steiner teve que
        cortar, primeiro, o queijo. Imaginando que o espaço é um enorme
        queijo, você seria capaz de achar uma fórmula para o número máximo
        de pedaços que poderíamos obter ao cortá-lo por n planos?




i                                                                                      i


    i                                                                             i
“inducaofinal”
                                                                                 2009/6/30
    i                                                                          i page 40
                                                                                 Estilo OBMEP
i                                                                                   i




        40                                  CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL


        2.5     Os Coelhos de Fibonacci

           Trata-se do seguinte problema proposto e resolvido pelo
        matemático italiano Leonardo de Pisa em seu livro Liber Abacci, de
        1202:
             Quot paria coniculorum in uno anno ex uno pario germinentur.
           Como não se ensina mais latim nas escolas, aí vai uma explicação:
        um casal de coelhos recém-nascidos foi posto num lugar cercado. De-
        terminar quantos casais de coelhos ter-se-ão após um ano, supondo
        que, a cada mês, um casal de coelhos produz outro casal e que um
        casal começa a procriar dois meses após o seu nascimento.
             Leonardo apresenta a seguinte solução:


                      número de casais       número de casais
              mês                                               total
                      do mês anterior         recém-nascidos
               1o             0                       1           1
               2o             1                       0           1
               3o             1                       1           2
               4o             2                       1           3
               5o             3                       2           5
               6o             5                       3           8
               7o             8                       5           13
               8o            13                       8           21
               9o            21                       13          34
              10o            34                       21          55
              11o            55                       34          89
              12o            89                       55         144




i                                                                                   i


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Introdução à indução matemática com exemplos do mundo real
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Introdução à indução matemática com exemplos do mundo real

  • 1. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 1 Estilo OBMEP i i Indução Matemática Abramo Hefez i i i i
  • 2. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 2 Estilo OBMEP i i Texto já revisado pela nova ortografia. i i i i
  • 3. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 3 Estilo OBMEP i i Sobre o Autor Abramo Hefez nasceu no Egito, mas é brasileiro por opção e ca- rioca de coração. Cursou o ginasial e científico no Rio de Janeiro, graduou-se na PUC-Rio em Matemática e prosseguiu seus estudos na Universidade de Pisa, Itália e nos Estados Unidos, doutorando-se, em Geometria Algébrica no Massachusetts Institute of Technology. É Professor Titular no Instituto de Matemática da Universidade Fe- deral Fluminense, onde desenvolve atividades de pesquisa e leciona na graduação e pós-graduação. Foi eleito recentemente membro da Academia Brasileira de Ciências. i i i i
  • 4. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 4 Estilo OBMEP i i i i i i
  • 5. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page i Estilo OBMEP i i Sumário 1 Indução Matemática 1 1.1 O Princípio de Indução Matemática . . . . . . . . . . 1 1.2 Definição por Recorrência . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.3 Progressões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2 Indução e Mundo Material 31 2.1 A Torre de Hanói . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.2 O Enigma do Cavalo de Alexandre . . . . . . . . . . . 35 2.3 Descobrindo a Moeda Falsa . . . . . . . . . . . . . . . 37 2.4 A Pizza de Steiner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.5 Os Coelhos de Fibonacci . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 3 Indução e Matemática 45 3.1 Somatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3.2 Binômio de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 i i i i i
  • 6. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page ii Estilo OBMEP i i ii SUMÁRIO 3.3 Princípio do Menor Inteiro . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.4 O Princípio das Gavetas . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3.5 Desigualdades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Respostas 83 i i i i
  • 7. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page iii Estilo OBMEP i i Introdução Se alguém me perguntasse o que é que todo estudante de Ensino Médio deveria saber de matemática, sem sombra de dúvida, o tema Indução figuraria na minha lista. É com o conceito de Indução que se estabelece o primeiro con- tato com a noção de infinito em Matemática, e por isso ele é muito importante; porém, é, ao mesmo tempo, sutil e delicado. O material aqui apresentado é uma pequena seleção de assuntos relacionados com esse tema, cujo desenvolvimento se espalha por cerca de dois mil anos, originando-se nos magníficos trabalhos dos Gregos Antigos, que têm em Os Elementos de Euclides, de aproximadamente 300 a.C., o seu ponto culminante. Estas notas se destinam a você, aluno do Ensino Médio, que está envolvido em atividades promovidas pela OBMEP. Elas cobrem as- suntos que provavelmente não lhe foram ensinados, pelo menos com este grau de detalhe nem de profundidade, na escola, mas que, na minha opinião, como mencionado acima, deveriam fazer parte de sua bagagem cultural. Não tenho a expectativa de que você absorva todo o material iii i i i i
  • 8. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page iv Estilo OBMEP i i iv aqui apresentado numa primeira leitura, pois ele possui um grau de abstração um pouco maior do que o costumeiro nessa fase de sua formação. Estude estas notas, procure entender os exemplos e, sobre- tudo, tente seriamente resolver os problemas, pois nunca esqueça que a Matemática só se aprende fazendo. Se necessário, volte a elas depois de algum tempo, pois, assim procedendo, você estará plantando uma semente que lhe trará valiosos frutos. Finalmente, não poderia encerrar essa introdução antes de agrade- cer à Coordenação da OBMEP pelo convite para escrever este texto e ao meu colega Dinamérico Pereira Pombo Jr. pela leitura cuidadosa do manuscrito. Niterói, julho de 2007. Abramo Hefez Departamento de Matemática Aplicada Universidade Federal Fluminense i i i i
  • 9. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page v Estilo OBMEP i i v Para o Professor O nosso ponto de vista, nessas notas, é que o estudante do Ensino Médio tem, de modo intuitivo e bastante vago, uma certa familiari- dade com os números, sejam eles naturais, inteiros, racionais ou reais. Apesar disso, ele não tem a menor dúvida sobre a sua existência (as dúvidas são em geral de outra natureza: racionais versus irracionais) e conhece bem algumas de suas propriedades como, por exemplo, o fato desses conjuntos possuírem uma adição e uma multiplicação com as propriedades usuais. Optamos por não ignorar esse conhecimento; muito pelo contrário, utilizá-lo-emos como ponto de partida (ou seja, implicitamente, como axioma zero) do nosso estudo. Enfatizamos, logo no início do texto, que esse conhecimento é in- suficiente para provar qualquer fato significativo. Mostramos então, na melhor tradição das teorias axiomáticas, como, isolando algumas propriedades (no nosso caso, as propriedades (1), (2) e (3), no iní- cio do Capítulo 1) que caracterizam os números naturais dentro do conjunto dos números reais, é possível demonstrar muitas das suas demais propriedades. Assim, esperamos convencer o jovem leitor da necessidade de fundamentar melhor os seus conceitos e das vantagens do método axiomático. Decidimos, deliberadamente, nessas notas não descrever a tra- jetória do desenvolvimento dos números reais e de sua fundamen- tação rigorosa, pois, nesse caso, o caminho seria longo e certamente prematuro para a grande maioria dos leitores aos quais se destinam estas notas. Por outro lado, se tivéssemos iniciado a exposição com os axiomas de Peano, teríamos que arcar com o ônus da construção i i i i
  • 10. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page vi Estilo OBMEP i i vi das operações de adição e de multiplicação e da prova de suas pro- priedades, trabalho esse que consumiria algum esforço e desinteres- saria a maioria dos leitores. Por outro lado, para poder prosseguir com as notas, a um certo momento, teríamos de aceitar a existência dos números reais, pois estes são livremente utilizados no texto, o que recairia no mesmo impasse do início. A título de conforto para os mais ortodoxos sobre os Fundamentos da Matemática, pedimos que imaginem que o que estamos fazendo moralmente (i.e. de modo implícito) nestas notas é axiomatizar a existência dos números reais como corpo ordenado completo (veja Elon Lages Lima, Análise Real, Volume 1, Seção 3, Capítulo 2) e admitir que N é subconjunto de R (ib. Teorema 3 (i), página 17), que será por nós caracterizado univocamente por três propriedades explicitadas logo no início do texto. i i i i
  • 11. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 1 Estilo OBMEP i i Capítulo 1 Indução Matemática Dentre todos os números que o ser humano já considerou, os números naturais foram os primeiros a serem criados, inicialmente com o intuito de contar. Apesar desses números serem os mais sim- ples, isso, absolutamente, não quer dizer que eles sejam totalmente entendidos, havendo ainda muitos mistérios que os cercam a serem desvendados. 1.1 O Princípio de Indução Matemática Mas, afinal, o que é o conjunto N dos números naturais? Bem, podemos intuitivamente descrevê-lo dizendo quais são os seus elementos; eles são os números reais da forma: 1, 2 = 1 + 1, 3 = 2 + 1 = (1 + 1) + 1, 4 = 3 + 1 = (1 + 1 + 1) + 1, · · · 1 i i i i
  • 12. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 2 Estilo OBMEP i i 2 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Ocorre, porém, que dificilmente poderemos provar alguma pro- priedade desses números utilizando apenas esta descrição, pois, ape- sar de sabermos intuitivamente quais são os números que os pontinhos acima representam, teríamos dificuldade de descrevê-los de modo su- ficientemente explícito. Uma alternativa consiste em dar algumas propriedades que carac- terizem de modo inequívoco o conjunto dos naturais dentro do con- junto dos números reais. Inicialmente, considere um subconjunto S dos números reais que possui as seguintes propriedades: (1) S contém o número 1. (2) Toda vez que S contém um número n, ele necessariamente contém o número n + 1. (3) Não existe subconjunto próprio de S satisfazendo as condições (1) e (2). Em outras palavras, (3) nos diz que se S possui as propriedades (1), (2) e (3), acima, e se S é um subconjunto de S que possui as propriedades (1) e (2), então S = S. Vamos provar que se existe um subconjunto S dos números reais satisfazendo às três condições acima, então esse conjunto é único. De fato, se S1 e S2 são dois os subconjuntos, temos que S1 ∩ S2 possui as propriedades (1) e (2), logo pela propriedade (3) segue que S1 = S1 ∩ S2 = S2 . i i i i
  • 13. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 3 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 3 No estágio em que estamos não temos como provar que tal con- junto S existe. Portanto, admitiremos o seguinte axioma: Axioma: Existe um subconjunto dos reais que possui as propriedades (1), (2) e (3). Esse único subconjunto será chamado de conjunto dos números naturais e denotado por N. A propriedade (3) é o que se chama de Princípio de Indução Matemática. Mais precisamente: Princípio de Indução Matemática: Dado um subconjunto S do conjunto dos números naturais N, tal que 1 pertence a S e sempre que um número n pertence a S, o número n + 1 também pertence a S, tem-se que S = N. Esta simples propriedade fornece uma das mais poderosas técnicas de demonstração em Matemática: a demonstração por indução. Suponha que seja dada uma sentença matemática P (n) que de- penda de uma variável natural n, a qual se torna verdadeira ou falsa quando substituímos n por um número natural dado qualquer. Tais sentenças serão ditas sentenças abertas definidas sobre o conjunto dos naturais. A seguir damos alguns exemplos de sentenças abertas definidas sobre N: (a) P (n) : n é par. É claro que a afirmação P (1) é falsa, pois ela diz que 1 é par; i i i i
  • 14. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 4 Estilo OBMEP i i 4 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA P (3), P (5) e P (9) são falsas, pois afirmam, respectivamente, que 3, 5 e 9 são pares. Por outro lado, é também claro que P (2), P (4), P (8) e P (22) são verdadeiras, pois 2, 4, 8 e 22 são pares. (b) P (n) : n é múltiplo de 3. Temos, por exemplo, que P (1), P (2), P (4) e P (5) são falsas, en- quanto P (3) e P (6) são verdadeiras. (c) P (n) : 1 + 3 + 5 + 7 + · · · + (2n − 1) = n2 . Temos que P (1), P (2), P (3), P (4), . . . , P (10) são verdadeiras. Aqui sabemos precisamente o que significa a sentença aberta P (n), apesar dos pontinhos na sua definição. Ela significa: “A soma dos n primeiros números ímpares é igual a n2 .” Você consegue visualizar algum número natural m tal que P (m) seja falsa? Bem, após mais algumas tentativas, você se convencerá de que esta fórmula tem grandes chances de ser verdadeira para todo número natural n; ou seja, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N. (d) P (n) : n2 − n + 41 é um número primo, para todo n ∈ N. É fácil verificar que as sentenças P (1), P (2), P (3) são verdadeiras. Com algum trabalho, é possível ir além, verificando também que P (4), P (5), . . ., P (35) são verdadeiras. Portanto, é plausível que tenhamos encontrado um polinômio cu- jos valores nos números inteiros sejam sempre números primos. i i i i
  • 15. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 5 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 5 Mais alguns testes para confirmar a nossa suspeita? Lá vai, P (36), P (37), P (38) e P (40) são verdadeiras. Podemos parar por aqui e nos sentir felizes com a nossa descober- ta? Bom, para satisfazer os mais céticos, faremos só mais um teste com n = 41. Note que 412 − 41 + 41 = 412 não é primo. Logo, para a nossa desilusão, P (41) é falsa! Para a sua informação, pode-se provar que não existe nenhum polinômio em uma variável com coeficientes inteiros cujos valores nos naturais sejam sempre números primos. Portanto, não havia a priori nenhuma chance de P (n) ser verdadeira para todo número natural n. Como provar então que uma sentença aberta definida sobre os naturais é sempre verdadeira? Você há de convir que não seria possível testar, um por um, todos os números naturais, pois eles são em número infinito. Portanto, será preciso encontrar algum outro método. Vamos a seguir expor a técnica da demonstração por indução matemática que resolverá esse nosso problema. Seja P (n) uma sentença aberta sobre os naturais e denote por V o seu conjunto verdade em N, isto é, o subconjunto de N, definido como V = {n ∈ N; P (n) é verdadeira}. Para provar que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N, basta mostrar que V = N. Isso pode ser feito usando o Princípio de Indução Matemática. i i i i
  • 16. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 6 Estilo OBMEP i i 6 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Basta, para isto, mostrar que 1 pertence a V e que n + 1 pertence a V , toda vez que n pertence a V . Provamos, assim, o seguinte teorema: Teorema 1.1.1 (Prova por Indução Matemática). Seja P (n) uma sentença aberta sobre N. Suponha que (i) P (1) é verdadeira; e (ii) qualquer que seja n ∈ N, sempre que P (n) é verdadeira, segue que P (n + 1) é verdadeira. Então, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N. Vejamos como usar esse método para mostrar a validade, para todo natural n, da fórmula 1 + 3 + · · · + (2n − 1) = n2 . Observe que P (1) é verdadeira, já que a fórmula é trivialmente válida para n = 1. Suponha agora que, para algum n natural, P (n) seja verdadeira; ou seja, que 1 + 3 + · · · + (2n − 1) = n2 . Queremos provar que P (n + 1) é verdadeira. Somando 2n + 1, que é o próximo número ímpar após 2n−1, a ambos os lados da igualdade acima, obtemos a igualdade também verdadeira: 1 + 3 + · · · + (2n − 1) + (2n + 1) = n2 + (2n + 1) = (n + 1)2 . i i i i
  • 17. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 7 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 7 Isso mostra que P (n + 1) é verdadeira, toda vez que P (n) é verda- deira. Pelo teorema, a fórmula é válida para todo número natural n. Você tem ideia de quando foi feita pela primeira vez a demons- tração acima? Bem, o primeiro registro que se tem é de 1575 e foi realizada por Francesco Maurolycos. Note que, na demonstração acima, poderia parecer que estamos usando o fato de P (n) ser verdadeira para deduzir que P (n + 1) é verdadeira para em seguida concluir que P (n) é verdadeira. O que está ocorrendo? Estamos usando a tese para provar o teorema? A resposta é não! Preste bem atenção, pois essa é a parte mais delicada de toda a história. Dado um número natural n, temos duas possibilidades: (a) P (n) é verdadeira, ou (b) P (n) é falsa. A hipótese (ii) do Teorema não exige em absoluto que assumamos P (n) verdadeira para todo n ∈ N, podendo eventualmente ser falsa para algum valor de n, ou mesmo para todos os valores de n. O que a hipótese (ii) exige é que sempre que algum n pertença à categoria (a) acima, então n + 1 também pertença a essa mesma categoria; não exigindo nada quando n pertencer à categoria (b). Por exemplo, a sentença aberta P (n) : n = n + 1 satisfaz (por vacuidade) à hipótese (ii) do Teorema, já que nenhum n ∈ N pertence à categoria (a). O que falha para que o Teorema nos garanta que P (n) é verdadeira para todo n é que a hipótese (i) não é verificada, pois P (1) : 1 = 2 é falsa! É preciso ter clareza que a Indução Matemática é diferente da i i i i
  • 18. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 8 Estilo OBMEP i i 8 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA indução empírica das ciências naturais, em que é comum, após um certo número, necessariamente finito, de experimentos, enunciar leis gerais que governam o fenômeno em estudo. Essas leis são tidas como verdades, até prova em contrário. Na matemática, não há lugar para afirmações verdadeiras até prova em contrário. A Prova por Indução Matemática trata de estabelecer que determinada sentença aberta sobre os naturais é sempre verdadeira. A indução empírica foi batizada, de modo irônico, pelo matemático, filósofo e grande humanista inglês do século passado, Bertrand Russel (1872-1970), de indução galinácea, com base na seguinte historinha: Havia uma galinha nova no quintal de uma velha senhora. Dia- riamente, ao entardecer, a boa senhora levava milho às galinhas. No primeiro dia, a galinha, desconfiada, esperou que a senhora se reti- rasse para se alimentar. No segundo dia, a galinha, prudentemente, foi se alimentando enquanto a senhora se retirava. No nonagésimo dia, a galinha, cheia de intimidade, já não fazia caso da velha se- nhora. No centésimo dia, ao se aproximar a senhora, a galinha, por indução, foi ao encontro dela para reclamar o seu milho. Qual não foi a sua surpresa quando a senhora pegou-a pelo pescoço com a intenção de pô-la na panela. Exemplo 1.1.1. Queremos determinar uma fórmula para a soma dos n primeiros números naturais. Conta-se a seguinte história sobre o matemático alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855)1 , quando ainda garoto. Na escola, o pro- 1 Gauss é considerado um dos maiores gênios da matemática de todos os tempos. i i i i
  • 19. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 9 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 9 fessor, para aquietar a turma de Gauss, mandou os alunos calcularem a soma de todos os números naturais de 1 a 100. Qual não foi a sur- presa quando, pouco tempo depois, o menino deu a resposta: 5 050. Indagado como tinha descoberto tão rapidamente o resultado, Gauss, então com nove anos de idade, descreveu o método a seguir. Sendo Sn = 1 + 2 + · · · + n, o objetivo é encontrar uma fórmula fechada2 para Sn . Somando a igualdade acima, membro a membro, com ela mesma, porém com as parcelas do segundo membro em ordem invertida, temos que Sn = 1 + 2 + ··· + n Sn = n + (n − 1) + · · · + 1 . 2Sn = (n + 1) + (n + 1) + · · · + (n + 1) Daí segue-se que 2Sn = n(n + 1) e, portanto, n(n + 1) Sn = . 2 Vamos ser críticos com relação à prova acima. Para a maioria das pessoas, essa prova parece impecável, mas se alguém nos perguntasse o que está escondido atrás dos pontinhos, talvez nos sentíssemos em- baraçados. Também, como ter absoluta certeza de que nada acontece 2 Uma fórmula fechada, a grosso modo, é uma fórmula que depende dos dados iniciais do problema e que permite calcular diretamente os valores do objeto em estudo fazendo um número pequeno de contas. i i i i
  • 20. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 10 Estilo OBMEP i i 10 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA fora do nosso controle, exatamente na imensa região coberta pelos pontinhos? Para não pairar nenhuma dúvida sobre o nosso resultado, vamos provar a fórmula utilizando Indução Matemática. Considere a sentença aberta sobre os naturais n(n + 1) P (n) : 1 + 2 + · · · + n = . (1.1) 2 Note que 1(1 + 1) P (1) : 1= 2 é verdadeira. Observe também que (n + 1)(n + 2) P (n + 1) : 1 + 2 + · · · + n + (n + 1) = . 2 Agora, suponhamos que para algum n ∈ N, tenhamos P (n) ver- dadeira, isto é, a fórmula (1.1) é válida para tal valor de n. Somando n + 1 a ambos os lados dessa igualdade, temos que é verdadeira a igualdade n(n + 1) 1 + 2 + · · · + n + (n + 1) = +n+1 2 n(n + 1) + 2(n + 1) = 2 (n + 1)(n + 2) = , 2 o que estabelece a veracidade de P (n + 1). i i i i
  • 21. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 11 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 11 Pelo teorema, tem-se que a fórmula P (n) é verdadeira para todo n ∈ N. Exemplo 1.1.2. Queremos validar a fórmula n(n + 1)(2n + 1) P (n) : 12 + 22 + · · · + n2 = . (1.2) 6 Note que 1(1 + 1)(2 + 1) P (1) : 12 = 6 é verdadeira. Suponha que, para algum n ∈ N, se tenha que P (n) é verdadeira, isto é, (1.2) é válida. Somando (n + 1)2 a ambos os lados da igualdade (1.2), temos que n(n + 1)(2n + 1) 12 + 22 + · · · + n2 + (n + 1)2 = + (n + 1)2 6 n(n + 1)(2n + 1) + 6(n + 1)2 = 6 (n + 1)[n(2n + 1) + 6(n + 1)] = 6 (n + 1)[(n + 1) + 1][2(n + 1) + 1] = , 6 estabelecendo assim a veracidade de P (n + 1). Portanto, a fórmula é válida para todo n ∈ N. Exemplo 1.1.3. Vamos provar que é verdadeira, para todo n ∈ N, a i i i i
  • 22. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 12 Estilo OBMEP i i 12 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA fórmula: 1 1 1 n P (n) : + + ··· + = . (1.3) 1.2 2.3 n(n + 1) n+1 Observemos inicialmente que 1 1 P (1) : = 1.2 1+1 é verdadeira. Suponhamos que, para algum n, tem-se que P (n) é verdadeira, ou seja, que a fórmula (1.3) seja verdadeira para esse valor de n. 1 Somando a ambos os lados dessa igualdade , temos (n + 1)(n + 2) que 1 1 1 1 n 1 + + ··· + + = + 1.2 2.3 n(n + 1) (n + 1)(n + 2) n + 1 (n + 1)(n + 2) n+1 = , n+2 mostrando, assim, que P (n + 1) é verdadeira. Portanto, pelo Teorema 1.1.1, temos que a fórmula vale para todo n ∈ N. Problemas 1.1.1 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas: n(n + 1) (a) 1 − 22 + 32 − · · · + (−1)n−1 n2 = (−1)n−1 . 2 i i i i
  • 23. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 13 Estilo OBMEP i i SEC. 1.1: O PRINCÍPIO DE INDUÇÃO MATEMÁTICA 13 1 (b) 12 + 32 + · · · + (2n − 1)2 = n(2n − 1)(2n + 1). 3 2 n(n + 1) (c) 13 + 23 + · · · + n3 = . 2 1.1.2 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas: 1 1 1 n (a) + + ··· + = . 1.3 3.5 (2n − 1)(2n + 1) 2n + 1 1 1 1 1 n (b) + + + ··· + = . 1.4 4.7 7.10 (3n − 2)(3n + 1) 3n + 1 1 1 1 1 n (c) + + + ··· + = . 1.5 5.9 9.13 (4n − 3)(4n + 1) 4n + 1 1 1 1 n(n + 3) (d) + + ··· + = . 1.2.3 2.3.4 n(n + 1)(n + 2) 4(n + 1)(n + 2) 12 22 n2 n(n + 1) (e) + + ··· + = . 1.3 3.5 (2n − 1)(2n + 1) 2(2n + 1) 1.1.3 Mostre, para n, m ∈ N, que 1 · 2 · · · m + 2 · 3 · · · m(m + 1) + · · · + n(n + 1) · · · (n + m − 1) = 1 n(n + 1) · · · (n + m). m+1 Sugestão: Fixe m arbitrário e proceda por indução sobre n. i i i i
  • 24. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 14 Estilo OBMEP i i 14 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA 1.1.4 Mostre que a soma dos cubos de três números naturais conse- cutivos é sempre divisível por 9. Sugestão: Considere a sentença aberta P (n) : n3 + (n + 1)3 + (n + 2)3 é divisível por 9, e mostre, por indução, que ela é verdadeira para todo n ∈ N. 1.1.5 Dada a sentença aberta em N: n(n + 1) P (n) : 1 + 2 + · · · + n = + 1, 2 mostre que: (i) Qualquer que seja n ∈ N, se P (n) é verdadeira, então P (n + 1) é verdadeira. (ii) P (n) não é verdadeira para nenhum valor de n ∈ N. 1.2 Definição por Recorrência Recorde que fizemos objeções na seção anterior ao uso dos ponti- nhos nas demonstrações de algumas fórmulas; não que sejamos con- tra, eles ajudam muito a representar situações em que há um número grande (eventualmente infinito) de objetos a serem descritos e a visu- alizar propriedades desses objetos. Nessas notas, estamos tentando mostrar como se pode estabele- cer um maior padrão de rigor no tratamento de certos problemas matemáticos, mas isso não deve ser tomado ao pé da letra. Certos ar- gumentos informais, quando acompanhados de um raciocínio correto, i i i i
  • 25. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 15 Estilo OBMEP i i SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA 15 são corriqueiramente aceitos. Por exemplo, o argumento utilizado por Gauss para somar os n primeiros números naturais é perfeitamente aceitável. Portanto, um conselho: use o formalismo para ajudar e não para atrapalhar; nunca deixe ele se sobrepor à criatividade, pois, em regra, primeiro vem a descoberta, e depois, a formalização. Voltemos agora ao problema que queremos abordar. O que real- mente significa uma expressão da forma 1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1), que consideramos no Exemplo 1.1.1? Apesar de intuirmos o que se quer dizer, isso formalmente ainda não faz sentido, pois a operação de adição de números é definida para um par de números, e aqui temos n números sendo somados de uma só vez, além do “inconveniente” dos pontinhos, é claro. Para dar um sentido preciso a esse tipo de expressão, vamos ver como a Indução Matemática pode nos ajudar. Para definir uma expressão En , para todo número natural n, basta definirmos E1 e mostrar como obter En+1 a partir de En , para todo n ∈ N. De fato, para verificar que temos efetivamente uma definição para todo número natural n, consideremos a sentença aberta P (n) : En está definido e provemos, por Indução Matemática, que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N. i i i i
  • 26. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 16 Estilo OBMEP i i 16 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Por construção dos En , temos que: (i) P (1) é verdadeira. (ii) Qualquer que seja n ∈ N, se P (n) é verdadeira, então P (n + 1) é também verdadeira. Portanto, pelo Teorema 1.1.1, temos que P (n) é verdadeira para todo número natural n. Nesse caso, dizemos que En foi definido por recorrência. Para continuarmos a nossa discussão, precisaremos de um conceito que não introduzimos ainda, mas do qual você certamente já ouviu falar. Você sabe o que é uma sequência? Certamente você já foi apre- sentado à seguinte definição: “Seja a1 , a2 , . . . , an , . . . uma sequência de números em que cada elemento an , a partir do segundo, é igual ao anterior an−1 somado com um número constante r.” Isso é o que se chama de Progressão Aritmética. Mas, o que é uma sequência em geral? Uma sequência, como sugere o nome, é uma “coleção de elementos” de natureza qualquer, ordenados. Na verdade, trata-se apenas de elementos de um conjunto etiquetados com os números naturais. Etiquetar com os números naturais os elementos de um conjunto i i i i
  • 27. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 17 Estilo OBMEP i i SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA 17 A, significa dar uma função a : N −→ A n → a(n) A definição formal de uma sequência em um conjunto A é apenas uma função a de N em A. Como uma função é dada quando se conhece a imagem de todos os elementos do seu domínio, uma sequência a pode ser representada como a(1), a(2), . . . , a(n), . . . ; ou ainda, denotando a(n) por an , podemos representá-la por (an ) : a1 , a2 , . . . , an , . . . Quando dissermos que um conjunto A possui uma adição ou uma multiplicação satisfazendo às leis básicas da aritmética, estaremos supondo que em A está definida uma operação com propriedades semelhantes à correspondente operação nos reais. Exemplo 1.2.1. Seja (an ) uma sequência de elementos de um con- junto munido de uma adição sujeita às leis básicas da aritmética. Para dar sentido às somas Sn = a1 + a2 + · · · + an , basta definir recorrentemente Sn . i i i i
  • 28. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 18 Estilo OBMEP i i 18 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Pomos S1 = a1 e, supondo Sn definido, definimos Sn+1 = Sn + an+1 . Somas como Sn serão também denotadas com a notação de so- matórios: n Sn = ai , i=1 que se lê como “somatório quando i varia de 1 até n de ai ”. Um conceito que se define naturalmente por recorrência é o fatorial de um número natural. Exemplo 1.2.2. Define-se o fatorial n! de um número natural n como: 1! = 1, e (n + 1)! = n! · (n + 1). Outro conceito que, naturalmente, é definido por recorrência é o de potência. Exemplo 1.2.3. Seja a um elemento de um conjunto A munido de uma multiplicação sujeita às leis básicas da aritmética. Vamos definir as potências an , com n ∈ N, por recorrência. Ponhamos a1 = a. Supondo an definido, defina an+1 = an · a. Vamos estabelecer, por meio de indução, as propriedades usuais das potências. i i i i
  • 29. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 19 Estilo OBMEP i i SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA 19 Proposição 1.2.1. Sejam a, b ∈ A e m, n ∈ N. Então, (i) am · an = an+m ; (ii) (am )n = amn ; (iii) (a · b)n = an · bn . Demonstração. Provaremos (i), deixando o restante como exercício. Fixemos a ∈ A e m ∈ N, arbitrariamente. Demonstremos a pro- priedade por indução sobre n. Para n = 1, a propriedade é válida, pois, pelas definições, am · a1 = am · a = am+1 . Por outro lado, supondo que am · an = am+n , temos que: am · an+1 = am · (an · a) = (am · an ) · a = am+n · a = am+n+1 . Isso, pelo Teorema 1.1.1, prova a nossa propriedade. Exemplo 1.2.4. Vamos provar que 3 divide 5n +2 ·11n , nos inteiros, para todo n ∈ N. De fato, para n = 1, temos que 3 divide 51 + 2 · 111 = 27. Suponha, agora, que, para algum n ≥ 1, saibamos que 3 divide 5n + 2 · 11n . Logo, existe um número inteiro a tal que 5n + 2 · 11n = 3a. i i i i
  • 30. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 20 Estilo OBMEP i i 20 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Multiplicando por 5 ambos os lados da igualdade acima, temos 5 · 3a = 5n+1 + 5 · 2 · 11n = 5n+1 + 2 · 11 · 11n − 12 · 11n . Daí segue a igualdade 5n+1 + 2 · 11n+1 = 5 · 3a + 12 · 11n , cujo segundo membro é divisível por 3 por ser igual a 3(5a + 4 · 11n ). Assim, provamos que 3 divide 5n+1 +2·11n+1 , o que, pelo Teorema 1.1.1, acarreta que 3 divide 5n + 2 · 11n , para todo número natural n. Pode ocorrer que uma determinada propriedade seja válida para todos os números naturais a partir de um determinado valor a, mas não necessariamente para valores menores. Como proceder nesses casos? Por exemplo, como provar que a desigualdade 2n > n2 é verdadeira para todo valor de n natural maior do que ou igual a 5? Fazemos isso baseados na seguinte pequena generalização do Teo- rema 1.1.1: Teorema 1.2.1. Seja P (n) uma sentença aberta sobre N, e seja a ∈ N. Suponha que (i) P (a) é verdadeira, e (ii) qualquer que seja n ∈ N, com n ≥ a, sempre que P (n) é ver- dadeira, segue-se que P (n + 1) é verdadeira. i i i i
  • 31. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 21 Estilo OBMEP i i SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA 21 Então, P (n) é verdadeira para todo número natural n ≥ a. Demonstração. Defina o conjunto S = {m ∈ N; P (m + a − 1) é verdadeira}. Por (i) temos que 1 ∈ S. Por outro lado, se m ∈ S, temos que P (m+a−1) é verdadeira. Logo, por (ii), P (m+1+a−1) é verdadeira. Portanto, m + 1 ∈ S. Em vista do Teorema 1.1.1, temos que S = N. Consequentemente, P (n) é verdadeira para todo n ≥ a. Exemplo 1.2.5. Vamos mostrar que a desigualdade na sentença aberta P (n) : 2n > n2 é verdadeira, para todo número natural n ≥ 5. Note que P (1) : 21 > 12 é verdadeira, P (2) : 22 > 22 é falsa, P (3) : 23 > 32 é falsa e P (4) : 24 > 42 é falsa. Tudo isso não importa, pois queremos verificar a veracidade dessa desigualdade para n ≥ 5. De fato, temos que P (5) : 25 > 52 é verdadeira. Seja n ≥ 5 tal que 2n > n2 . Multiplicando ambos os lados da desigualdade acima por 2, obtemos 2n+1 > 2n2 . Note que 2n2 > (n + 1)2 , se n ≥ 3, pois tal desigualdade é equivalente a n(n − 2) > 1. Daí, deduzimos que 2n+1 > (n + 1)2 , o que significa que P (n + 1) é verdadeira, estabele- cendo o resultado em vista do Teorema 1.2.1. Exemplo 1.2.6. Vamos mostrar que a sentença aberta: a equação 3x + 5y = n tem solução em (N ∪ {0})2 , é verdadeira para todo n ≥ 8. De fato, ela é verdadeira para n = 8, pois a equação 3x + 5y = 8 admite a solução (x, y) = (1, 1). i i i i
  • 32. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 22 Estilo OBMEP i i 22 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA Suponha agora que a equação 3x + 5y = n tenha uma solução (a, b) para algum n ≥ 8; isto é, 3a + 5b = n. Note que, para qualquer solução (a, b), devemos ter a ≥ 1 ou b ≥ 1. Se b ≥ 1, observando que 3 × 2 − 5 × 1 = 1, segue que 3(a + 2) + 5(b − 1) = 3a + 5b + 3 × 2 − 5 × 1 = 3a + 5b + 1 = n + 1, o que mostra que a equação 3x + 5y = n + 1 admite a solução (a + 2, b − 1) em (N ∪ {0})2 . Se, por acaso, b = 0, então, a ≥ 3; usando a igualdade −3 × 3 + 5 × 2 = 1, temos 3(a − 3) + 5 × 2 = 3a − 3 × 3 + 5 × 2 = 3a + 5b + 1 = n + 1, o que mostra que a equação 3x + 5y = n + 1 admite a solução (a − 3, b + 2) em (N ∪ {0})2 . Mostramos assim que, em qualquer caso, a equação 3x+5y = n+1 admite solução, sempre que a equação 3x+5y = n, para algum n ≥ 8, tenha solução. Como o resultado vale para n = 8, segue a conclusão desejada pelo Teorema 1.2.1. Note que n0 = 8 é o menor valor de n para o qual a equação tem solução para todo n ≥ n0 . i i i i
  • 33. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 23 Estilo OBMEP i i SEC. 1.2: DEFINIÇÃO POR RECORRÊNCIA 23 Problemas 1.2.1 Mostre, por indução, a validade das seguintes fórmulas: (a) 1.20 + 2.21 + 3.22 + · · · + n.2n−1 = 1 + (n − 1)2n . 2 n−1 1 1 1 nn−1 (b) 1+ 1+ ··· 1 + = . 1 2 n−1 (n − 1)! (c) 1.1! + 2.2! + 3.3! + · · · + n.n! = (n + 1)! − 1. 1.2.2 Sejam a e b números reais distintos. Mostre que, para todo n ∈ N, vale a igualdade: bn+1 − an+1 bn + abn−1 + a2 bn−2 + · · · + an−1 b + an = . b−a 1.2.3 Se sen α = 0, mostre que, para todo n ∈ N, vale a igualdade: sen 2n+1 α cos α · cos 2α · cos 22 α · · · cos 2n α = 2n+1 sen α Sugestão: Use a fórmula sen 2β = 2 sen β cos β. 1.2.4 Para todo n ∈ N, mostre que, nos inteiros, (a) 80 divide 34n − 1; (b) 9 divide 4n + 6n − 1; (c) 8 divide 32n + 7; (d) 9 divide n4n+1 − (n + 1)4n + 1. i i i i
  • 34. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 24 Estilo OBMEP i i 24 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA 1.2.5 Mostre que: (a) n! > 2n , se n ≥ 4. (b) n! > 3n , se n ≥ 7. (c) n! > 4n , se n ≥ 9. 1.2.6 Prove que, para todo n natural, vale a desigualdade: 1 3 5 2n − 1 1 · · ··· ≤√ . 2 4 6 2n 3n + 1 1.2.7 Mostre que o número de diagonais de um polígono convexo de n lados é dado por n(n − 3) dn = . 2 1.2.8 Mostre que n0 = 32 é o menor valor para o qual a equação 5x + 9y = n possui solução em (N ∪ {0})2 para todo n ≥ n0 . 1.3 Progressões Iremos agora, usando recorrência, definir progressões aritméticas e progressões geométricas. Exemplo 1.3.1. Uma Progressão Aritmética (P.A.) é uma sequência de números (an ) tal que, a partir do segundo termo, cada termo an é igual ao anterior an−1 somado a um número fixo r chamado de razão. i i i i
  • 35. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 25 Estilo OBMEP i i SEC. 1.3: PROGRESSÕES 25 Portanto, é dado o primeiro termo a1 e define-se recorrentemente an = an−1 + r, se n ≥ 2. Para achar uma fórmula fechada para o termo de ordem n da sequência, observe que a2 = a1 + r, a3 = a2 + r = a1 + 2r, a4 = a3 + r = a1 + 3r. Pelo “método da galinha” de Bertrand Russel, já podemos adivi- nhar os próximos termos: a5 = a4 + r = a1 + 4r, a6 = a1 + 5r, . . . , an = a1 + (n − 1)r, . . . Portanto, parece plausível que a fórmula para o termo geral de uma P.A. de primeiro termo a1 e razão r seja an = a1 + (n − 1)r, para todo n ∈ N. Vamos agora demonstrar essa fórmula por indução. Inicialmente, observe que a fórmula é verdadeira para n = 1, pois ela se reduz à igualdade a1 = a1 . Suponha agora que a fórmula seja correta para algum n ∈ N; isto é, que an = a1 + (n − 1)r. Somando r a ambos os lados dessa igualdade, segue a igualdade: an+1 = an + r = a1 + (n − 1)r + r = a1 + nr, i i i i
  • 36. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 26 Estilo OBMEP i i 26 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA o que mostra que a fórmula é verdadeira para n + 1. Portanto, ela é correta para todo n ∈ N. Note que, numa P.A., tem-se que ai + an−i+1 = [a1 + (i − 1)r] + [a1 + (n − i)r] = a1 + a1 + (n − 1)r (1.4) = a1 + an . Agora, nos propomos a achar uma fórmula para a soma Sn = a1 + a2 + · · · + an dos n primeiros termos de uma P.A. (an ). Vamos usar, para isso, o método de Gauss que exibimos no Exem- plo 1.1.1. Somando a igualdade acima, membro a membro, com ela mesma, porém com as parcelas do segundo membro em ordem invertida, temos, por (1.4) que Sn = a1 + a2 + ··· + an Sn = an + an−1 + ··· + a1 . 2Sn = (a1 + an ) + (a2 + an−1 ) + · · · + (an + a1 ) Daí, segue-se que 2Sn = (a1 + an )n e, portanto, (a1 + an )n Sn = . 2 i i i i
  • 37. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 27 Estilo OBMEP i i SEC. 1.3: PROGRESSÕES 27 Deixamos a validação dessa fórmula por indução como exercício. Exemplo 1.3.2. Uma Progressão Geométrica (P.G.) é uma sequên- cia de números (an ) tal que, a partir do segundo termo, cada termo an é igual ao anterior an−1 multiplicado por um número fixo q chamado de razão. Portanto, é dado o primeiro termo a1 e define-se recorrentemente an = an−1 q, se n ≥ 2. Para achar uma fórmula fechada para o termo de ordem n da sequência, observe que a2 = a1 q, a3 = a2 q = a1 q 2 , a4 = a3 q = a1 q 3 , a5 = a4 q = a1 q 4 . Novamente, pelo “método da galinha” de Bertrand Russel, pode- mos adivinhar os próximos termos: a6 = a1 q 5 , a7 = a1 q 6 , ..., an = a1 q n−1 , ... Portanto, é plausível que a fórmula para o termo geral de uma P.G. de primeiro termo a1 e razão q seja an = a1 q n−1 , para todo n ∈ N. Vamos demonstrar essa fórmula por indução. Inicialmente, observe que a fórmula é verdadeira para n = 1, pois ela se reduz à igualdade a1 = a1 . Suponha, agora, que a fórmula seja correta para algum n ∈ N, isto é, que an = a1 q n−1 . Multiplicando por q ambos os lados dessa i i i i
  • 38. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 28 Estilo OBMEP i i 28 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA igualdade, segue que an+1 = an q = a1 q n−1 q = a1 q n , o que mostra que a fórmula é correta para n + 1. Portanto, ela é correta para todo n ∈ N. Vamos, a seguir, achar uma fórmula para a soma Sn dos n primeiros termos de uma P.G. Vejamos se, animados pelo “truque” de Gauss, achamos uma solução inteligente para esse problema. Escreva Sn = a1 + a1 q + a1 q 2 + · · · + a1 q n−1 . Note que qSn − Sn = a1 q + a1 q 2 + · · · + a1 q n−1 + a1 q n −a1 − a1 q − a1 q 2 − · · · − a1 q n−1 = a1 q n − a1 . Portanto, a1 q n − a1 an q − a1 Sn = = . q−1 q−1 Problemas 1.3.1 Ache uma fórmula fechada para cada uma das somas: i i i i
  • 39. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 29 Estilo OBMEP i i SEC. 1.3: PROGRESSÕES 29 (a) 2 + 4 + · · · + 2n. (b) 2 + 5 + 8 + · · · + (3n − 1). 1.3.2 Ache uma fórmula fechada para cada uma das somas: (a) 2 + 4 + · · · + 2n . 1 1 1 (b) + + ··· + n. 2 4 2 Para quanto tende a soma em (b) quando o número de parcelas au- menta indefinidamente? 1.3.3 Uma vitória régia encontra-se em um tanque de água. Sabendo que ela dobra de área a cada dia e que, no final de 20 dias, ocupa toda a superfície do tanque, em qual dia ela ocupará a metade da superfície do tanque? Comentário: Esse problema admite duas soluções, uma usando fór- mulas, outra usando a cabeça. 1.3.4 Em uma cidade de 5 000 habitantes, alguém resolve espalhar um boato. Considerando que, a cada 10 minutos, uma pessoa é capaz de contar o caso para 3 pessoas desinformadas, determine em quanto tempo toda a cidade fica conhecendo o boato. 1.3.5 Uma progressão aritmético-geométrica é uma sequência (an ) tal que a1 , q e r são números reais dados, com q = 1, e, para todo n ∈ N, tem-se que an+1 = qan + r. i i i i
  • 40. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 30 Estilo OBMEP i i 30 CAP. 1: INDUÇÃO MATEMÁTICA q n−1 − 1 (a) Mostre que an = a1 · q n−1 + r . q−1 (b) Se Sn = a1 + · · · + an , mostre que qn − 1 qn − 1 n Sn = a1 +r 2 +r . q−1 (q − 1) 1−q (c) Ache o termo geral e a soma dos n primeiros termos da pro- gressão aritmético-geométrica onde a1 = 1, q = 2 e r = 1. i i i i
  • 41. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 31 Estilo OBMEP i i Capítulo 2 Indução e Mundo Material Neste capítulo, mostraremos algumas aplicações da indução matemática ao mundo material. 2.1 A Torre de Hanói Você provavelmente já conhece esse jogo, pois trata-se de um jogo bastante popular que pode ser facilmente fabricado ou ainda encon- trado em lojas de brinquedos de madeira. O jogo é formado por n discos de diâmetros distintos com um furo no seu centro e uma base onde estão fincadas três hastes. Numa das hastes, estão enfiados os discos, de modo que nenhum disco esteja sobre um outro de diâmetro menor (veja figura a seguir). 31 i i i i
  • 42. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 32 Estilo OBMEP i i 32 CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL ££ ¢   ¡  £¢ £¢ ¡   ¡¡   £¢ ¢ ¡ O jogo consiste em transferir a pilha de discos para uma outra haste, deslocando um disco de cada vez, de modo que, a cada passo, a regra acima seja observada. As perguntas naturais que surgem são as seguintes: 1. O jogo tem solução para cada n ∈ N? 2. Em caso afirmativo, qual é o número mínimo jn de movimentos para resolver o problema com n discos? Usando Indução Matemática, vamos ver que a resposta à primeira pergunta é afirmativa, qualquer que seja o valor de n. Em seguida, deduziremos uma fórmula que nos fornecerá o número jn . Considere a sentença aberta P (n) : O jogo com n discos tem solução. Obviamente, P (1) é verdade. Suponha que P (n) seja verdadeiro, para algum n; ou seja, que o jogo com n discos tem solução. Vamos provar que o jogo com n + 1 discos tem solução. Para ver isso, resolva inicialmente o problema para os n discos i i i i
  • 43. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 33 Estilo OBMEP i i SEC. 2.1: A TORRE DE HANÓI 33 superiores da pilha, transferindo-os para uma das hastes livre (isso é possível, pois estamos admitindo que o problema com n discos possua solução): £    ££¢ ¢ ¡¡   £ ¢   ¡ £ £¢ ¢¢ ¡    ¡¡ Em seguida, transfira o disco que restou na pilha original (o maior dos discos) para a haste vazia: ££ ¢    ¡¡ £   £¢£ £¢ ¢    ¡ ¡  ¢ ¡ ¢ ¡ Feito isto, resolva novamente o problema para os n discos que estão juntos, transferindo-os para a haste que contém o maior dos discos: Isso mostra que o problema com n + 1 discos também possui solução, e, portanto, por Indução Matemática, que P (n) é verdadeira i i i i
  • 44. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 34 Estilo OBMEP i i 34 CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL £    ££¢ ¢ ¡¡  £¢ ¡    £ £¢ ¢¢ ¡ ¡  ¡ para todo n ∈ N. Para determinar uma fórmula para jn , veja que, para resolver o problema para n + 1 discos com o menor número de passos, temos, necessariamente, que passar duas vezes pela solução mínima do pro- blema com n discos. Temos, então, que jn+1 = 2jn + 1. Obtemos, assim, uma progressão aritmético-geométrica (jn ) cujo termo geral é, pelo Problema 1.3.5 (c), dado por jn = 2n − 1. Esse jogo foi idealizado e publicado pelo matemático francês Edouard Lucas, em 1882, que, para dar mais sabor à sua criação, inventou a seguinte lenda: Na origem do tempo, num templo oriental, Deus colocou 64 discos perfurados de ouro puro ao redor de uma de três colunas de diamante e ordenou a um grupo de sacerdotes que movessem os discos de uma i i i i
  • 45. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 35 Estilo OBMEP i i SEC. 2.2: O ENIGMA DO CAVALO DE ALEXANDRE 35 coluna para outra, respeitando as regras acima explicadas. Quando todos os 64 discos fossem transferidos para uma outra coluna, o mundo acabaria. Você não deve se preocupar com a iminência do fim do mundo, pois, se, a cada segundo, um sacerdote movesse um disco, o tempo mínimo para que ocorresse a fatalidade seria de 264 − 1 segundos e isto daria, aproximadamente, um bilhão de séculos! 2.2 O Enigma do Cavalo de Alexandre Num mosaico romano, Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande, é representado como um fogoso corcel cor de bronze. Nesse exemplo, vamos “provar” que isso é uma falácia (uma grande mentira). Inicialmente, “provaremos” que todos os cavalos têm mesma cor. De fato, considere a sentença aberta: P (n) : Num conjunto com n cavalos, todos têm a mesma cor. Note que P (1) é obviamente verdadeira. Agora, suponha o resul- tado válido para conjuntos contendo n cavalos. Considere um con- junto C = {C1 , C2 , . . . , Cn , Cn+1 } com n + 1 cavalos. Decompomos o conjunto C numa união de dois conjuntos: C = C ∪ C = {C1 , . . . , Cn } ∪ {C2 , . . . , Cn+1 }, i i i i
  • 46. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 36 Estilo OBMEP i i 36 CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL cada um dos quais contém n cavalos. Pela hipótese indutiva, segue-se que os cavalos em C têm mesma cor, ocorrendo o mesmo para os cavalos em C . Como C2 ∈ C ∩ C , segue-se que os cavalos de C têm a mesma cor dos cavalos de C , permitindo assim concluir que todos os cavalos em C têm a mesma cor. Assim, a nossa “demonstração” por indução está terminada, provando que P (n) é verdadeira para todo n ∈ N. Agora, todo mundo sabe (você sabia?) que Marengo, o famoso cavalo de Napoleão, era branco. Logo, Bucéfalo deveria ser branco. Onde está o erro nessa prova? Para achá-lo, sugerimos que você tente provar que, se P (1) é verdadeira, então P (2) é verdadeira. Esse problema foi inventado pelo matemático húngaro George Pólya (1887-1985). Problemas 2.2.1 Ache o erro na “prova” do seguinte “Teorema”: Todos os numeros naturais são iguais. Demonstração. Vamos provar o resultado mostrando que, para todo n ∈ N, é verdadeira a sentença aberta i i i i
  • 47. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 37 Estilo OBMEP i i SEC. 2.3: DESCOBRINDO A MOEDA FALSA 37 P (n): Dado n ∈ N, todos os número naturais menores ou iguais do que n são iguais. (i) P (1) é claramente verdadeira. (ii) Suponha que P (n) seja verdadeira, logo n − 1 = n. Somando 1 a ambos os lados dessa igualdade, obtemos n = n + 1. Como n era igual a todos os naturais anteriores, segue que P (n + 1) é verdadeira. Portanto, P (n) é verdadeira para todo n ∈ N . 2.3 Descobrindo a Moeda Falsa Têm-se 2n moedas de ouro, sendo uma delas falsa, com peso menor do que as demais. Dispõe-se de uma balança de dois pratos, sem ne- nhum peso. Vamos mostrar, por indução sobre n, que é possível achar a moeda falsa com n pesagens. Para n = 1, isso é fácil de ver, pois, dadas as duas moedas, basta pôr uma moeda em cada prato da balança e descobre-se imediata- mente qual é a moeda falsa. Suponha, agora, que o resultado seja válido para algum valor de n e que se tenha que achar a moeda falsa dentre 2n+1 moedas dadas. Separemos as 2n+1 moedas em 2 grupos de 2n moedas cada. Coloca-se um grupo de 2n moedas em cada prato da balança. Assim, poderemos descobrir em que grupo de 2n moedas encontra-se a moeda falsa. Agora, pela hipótese de indução, descobre-se a moeda falsa com n pesagens, que, junto com a pesagem já efetuada, perfazem o total de n + 1 pesagens. No Capítulo 3, iremos generalizar esse problema, resolvendo-o i i i i
  • 48. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 38 Estilo OBMEP i i 38 CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL para um número qualquer de moedas. Problemas 2.3.1 Mostre que o problema da moeda falsa para 3n moedas também se resolve com n pesagens. 2.4 A Pizza de Steiner O grande geômetra alemão Jacob Steiner (1796-1863) propôs e resolveu, em 1826, o seguinte problema: Qual é o maior número de partes em que se pode dividir o plano com n cortes retos? Pensando o plano como se fosse uma grande pizza, temos uma explicação para o nome do problema. Denotando o número máximo de pedaços com n cortes por pn , vamos provar por indução a fórmula: n(n + 1) pn = + 1. 2 Para n = 1, ou seja, com apenas um corte, é claro que só podemos obter dois pedaços. Portanto, a fórmula está correta, pois 1(1 + 1) p1 = + 1 = 2. 2 Admitamos agora que, para algum valor de n, a fórmula para pn i i i i
  • 49. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 39 Estilo OBMEP i i SEC. 2.4: A PIZZA DE STEINER 39 esteja correta. Vamos mostrar que a fórmula para pn+1 também está correta. Suponhamos que, com n cortes, obtivemos o número máximo n(n + 1)/2 + 1 de pedaços e queremos fazer mais um corte, de modo a obter o maior número possível de pedaços. Vamos conseguir isso se o (n + 1)-ésimo corte encontrar cada um dos n cortes anteriores em pontos que não são de interseção de dois cortes (faça um desenho para se convencer disso). Por outro lado, se o (n + 1)-ésimo corte encontra todos os n cortes anteriores, ele produz n + 1 novos pedaços: o corte começa em um determinado pedaço e, ao encontrar o primeiro corte, ele separa em dois o pedaço em que está, entrando em outro pedaço. Ao encontrar o segundo corte, ele separa em dois o pedaço em que está, entrando em outro pedaço, e assim sucessivamente, até encontrar o n-ésimo corte separando o último pedaço em que entrar em dois. Assim, são obtidos n + 1 pedaços a mais dos que já existiam; logo, n(n + 1) (n + 1)(n + 2) pn+1 = pn + n + 1 = +1+n+1= + 1, 2 2 mostrando que a fórmula está correta para n + 1 cortes. O resultado segue então do Teorema 1.1.1. Problemas 2.4.1 (O queijo de Steiner) Para fazer a sua pizza, Steiner teve que cortar, primeiro, o queijo. Imaginando que o espaço é um enorme queijo, você seria capaz de achar uma fórmula para o número máximo de pedaços que poderíamos obter ao cortá-lo por n planos? i i i i
  • 50. “inducaofinal” 2009/6/30 i i page 40 Estilo OBMEP i i 40 CAP. 2: INDUÇÃO E MUNDO MATERIAL 2.5 Os Coelhos de Fibonacci Trata-se do seguinte problema proposto e resolvido pelo matemático italiano Leonardo de Pisa em seu livro Liber Abacci, de 1202: Quot paria coniculorum in uno anno ex uno pario germinentur. Como não se ensina mais latim nas escolas, aí vai uma explicação: um casal de coelhos recém-nascidos foi posto num lugar cercado. De- terminar quantos casais de coelhos ter-se-ão após um ano, supondo que, a cada mês, um casal de coelhos produz outro casal e que um casal começa a procriar dois meses após o seu nascimento. Leonardo apresenta a seguinte solução: número de casais número de casais mês total do mês anterior recém-nascidos 1o 0 1 1 2o 1 0 1 3o 1 1 2 4o 2 1 3 5o 3 2 5 6o 5 3 8 7o 8 5 13 8o 13 8 21 9o 21 13 34 10o 34 21 55 11o 55 34 89 12o 89 55 144 i i i i