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               OS FILÓSOFOS MAIS INFLUENTES DO MUNDO CONTEPORÂNEO.

                    Para entender a sociedade em que vivemos é necessário conhecer as ideias que estão por trás dela. Nesse
           sentido, é especialmente interessante conhecer o pensamento de filósofos que, desde o século XVII, transformaram a
           visão que o homem tinha de si mesmo e do mundo ao seu redor. Conheça esses pensadores que fizeram a cabeça do
           mundo contemporâneo




           JOHN LOCKE:
                                                         Todo conhecimento provém da experiência - Filósofo inglês que
                                                         influenciou muitos pensadores de seu tempo, John Locke era contrário
                                                         a qualquer forma de autoritarismo e via na educação um poder
                                                         transformador. Acreditava que a mente humana ao nascer é como uma
                                                         folha em branco (no quadro, Sibila com a Tabula Rasa, de Velásquez)
                                                         que deve ser preenchida pela experiência




                                           JOHN LOCKE e o empirismo
                                         britânico
                          Todo conhecimento provém da experiência
           Uma das questões mais antigas que a filosofia tenta responder é "Qual a fonte do conhecimento humano?". Como
           podemos saber se Deus existe, que dois mais dois são quatro ou que o céu é azul? Será que já nascemos com algumas
           informações a respeito do mundo?

           A moderna biologia genética nos diz apenas que possuímos uma história, inscrita em nossos genes, que irão determinar
           algumas predisposições para desenvolvermos certas doenças hereditárias, tendências sexuais e comportamentais ou
           mesmo o gosto por sorvete de chocolate.

           Mas aquilo que somos depende de uma combinação de fatores genéticos com o ambiente em que fomos criados.
           Seríamos, portanto, o resultado das escolhas que fizemos segundo as imposições de nosso patrimônio genético e das
           oportunidades que temos na vida.

           Mesmo assim, a ciência contemporânea ainda não responde às perguntas a respeito de como conhecemos as coisas e
           como podemos estar seguros de possuir um entendimento verdadeiro. Filósofos como Platão (428/27-347 a.C.), Santo
           Agostinho (354-430), e Descartes (1596-1650) acreditavam na doutrina das ideias inatas, ou inatismo, que sustenta que
           o homem nasce com determinadas crenças verdadeiras.

           Segundo eles, a alma humana teria uma espécie de repositório de informações conferidas por Deus, e isso validaria as
           certezas sobre as coisas do mundo. Platão, no diálogo Fédon, diz que conhecer é recordar-se daquilo que nossas almas
           imortais, que habitavam o Mundo das Ideias, já sabiam, mas que ao nascer nos esquecemos.

           Contra essa doutrina, John Locke (1632-1704), um dos mais importantes filósofos ingleses modernos, escreveu um livro
           chamado Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690), que inaugurou a escola chamada Empirismo Britânico. Na
           época, Locke foi muito influenciado pela ciência moderna, baseada em observações.


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           Tábula rasa
           Para Locke, o princípio do inatismo, além de não provar nada, é completamente desnecessário para uma teoria do
           conhecimento. Se realmente nossas almas imortais compartilhassem um mesmo estoque de informações, por que
           todos não teríamos as mesmas concepções científicas de mundo, por exemplo? Por que os europeus desenvolveram a
           ciência, enquanto índios que habitavam as Américas, não?

           Segundo Locke, Deus nos conferiu apenas as faculdades para que pudéssemos adquirir conhecimento, dentro de certos
           limites. Contrariando o inatismo, ele afirma que, ao nascermos, somos como uma folha em branco - "tábula rasa",
           diziam os empiristas - que é escrita na medida em que vivemos e temos experiência de mundo:

           "Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem
           quaisquer ideias; como ela é suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do
           homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do
           conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela
           deriva fundamentalmente o próprio conhecimento." (1978, I, II, ii).
           Basicamente é isso que o empirismo sustenta: contrapondo-se ao racionalismo, que privilegia a razão como fonte
           segura do conhecimento, esta escola enfatiza o papel da experiência. Junto com Locke, fazem parte do empirismo
           britânico os filósofos George Berkeley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e John Stuart Mill (1806-1873).
           Mas isso não quer dizer que, para Locke, a razão não tem nenhuma função no processo cognitivo e que apenas
           aprendemos por meio das sensações. Seria um absurdo dizer isso, porque equivaleria a dizer que um matemático, para
           saber que um triângulo possui três lados, teria que encontrar um triângulo andando de metrô ou vagando pelo bosque.

                                               LIMITES DO CONHECIMENTO NAS IDEIAS

           O que Locke diz é que somente a experiência nos fornece as ideias que habitam nossos pensamentos. Em outras
           palavras, que o conhecimento tem um início externo, fora do homem.

           Ideias, segundo o filósofo inglês, são os objetos do conhecimento, isto é, a matéria da qual o conhecimento é formado.
           Elas são percebidas pelos sentidos, mas é o entendimento que confere o, por assim dizer, acabamento final.

           Todo conhecimento, portanto, está fundamentado na experiência, que nos fornece as ideias que constituem tudo
           aquilo que podemos saber sobre o mundo. As fontes dessas ideias, diz Locke, são duas:
             Sensação, ou sentido externo: é a percepção de objetos sensíveis e particulares, como o gosto de uma maçã, a
           sensação de uma xícara quente de café, o som da voz de nossa mãe ou a visão de um pôr do sol.
             Reflexão ou sentido interno: é a percepção da operação de nossas mentes com as ideias já ali depositadas pela
           sensação, derivando as dúvidas, crenças, vontades e o conhecimento propriamente dito.

           É somente com o segundo estágio, da reflexão, que atingimos o entendimento das coisas; mas, sem as janelas abertas
           para a luz vinda da experiência, nossa mente permanece como um quarto escuro. Os limites do que podemos conhecer,
           desse modo, são as ideias. Não podemos ir além delas.

           Locke ainda divide as ideias em:
             Simples: são as que nos chegam misturadas num objeto, mas que podem ser separadas pelos diferentes sentidos
           pelos quais as recebemos: a textura lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a consistência firme e a cor vermelha são
           ideias simples que podemos distinguir da maçã.
             Complexas: quando nossa mente é preenchida dessas ideias simples, podemos formar, combinando-as, ideias
           complexas, como, por exemplo, homem, beleza, maçã ou universo.
           Boa parte do Ensaio Acerca do Entendimento Humano é dedicado ao exame dessas ideias simples e complexas que são
           a base de todo entendimento, o que permite a Locke propor resoluções para importantes problemas filosóficos
           envolvendo conceitos como espaço, tempo, infinidade, substância, Deus, liberdade e poder.

                                                       GRAUS DE CONHECIMENTO

           Em resumo, diz Locke: "Conhecimento consiste na percepção do acordo ou desacordo de duas ideias. Parece-me, pois,
           que o conhecimento nada mais é do que a percepção da conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de quaisquer de
           nossas ideais." (1978, IV, I, ii).


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           Por exemplo, quando sabemos que branco não é preto, ao perceber que ambas as ideias ("branco" e "preto") estão em
           desacordo; ou que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos, ao perceber a igualdade entre eles.
           Em relação à clareza e certeza dessas afirmações, Locke classifica os graus de conhecimento em três:
              Intuitivo: é aquele em que a mente percebe o acordo ou desacordo entre duas ideias imediatamente, sem a
           necessidade de outras ideias. Por exemplo, quando percebo que o branco não é preto, o quadrado não é triângulo ou
           1+1=2. É o tipo mais seguro e claro de conhecimento humano.
              Demonstrativo: é quando a mente necessita de ideias subsidiárias para perceber o acordo ou desacordo entre outras
           duas ideias - são as chamadas provas. Para saber, por exemplo, que três ângulos de um triângulo são iguais a dois
           ângulos retos, preciso verificar essas medidas.
              Sensível: é a percepção que temos de objetos particulares externos através dos sentidos. Apesar de Locke incluir este
           terceiro tipo entre os graus de conhecimento, mesmo sendo o menos claro e seguro dos três anteriores, o filósofo diz
           que o raciocínio que não for intuitivo ou demonstrativo é artigo de fé ou de opinião, não conhecimento propriamente
           dito.

           Com base em sua classificação dos tipos de conhecimento, Locke diz que as certezas provenientes da matemática e a
           moral são indubitáveis e evidentes, pois são alcançáveis pelo raciocínio com ideias presentes na mente humana,
           enquanto as ciências empíricas, como a física, que necessitam de uma verificação e confronto com a realidade sensível,
           não configuram verdades universais. A teoria do conhecimento lockeana influenciou os filósofos iluministas, Kant e os
           positivistas lógicos, entre outros.

           Referência
           LOCKE, John. "Ensaio Acerca do Entendimento Humano", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.




            DAVID HUME e o empirismo britânico: O argumento cético
                            que abalou a filosofia
                                                                          É comum termos a impressão de que a filosofia é algo
                                                                          muito abstrato, distante de nossa realidade. É o caso de
                                                                          algumas metafísicas construídas com base em conceitos
                                                                          que carecem de qualquer significado mais concreto.
                                                                          Na história das ideias, dificilmente encontramos um
                                                                          pensamento tão fatal para esse tipo de metafísica
                                                                          quanto aquele que o filósofo escocês David Hume (1711-
                                                                          1776) expôs em suas Investigações sobre o
                                                                          Entendimento Humano (1748).
                                                                          Os argumentos de Hume foram tão convincentes que
                                                                          despertaram Kant de seu "sono dogmático" e
                                                                          influenciaram algumas das principais correntes
                                                                          contemporâneas da filosofia angloamericana.
           A obra Investigações sobre o Entendimento Humano trata, essencialmente, da teoria do conhecimento, que é aquele
           ramo da filosofia que busca responder questões sobre a origem e a validade de tudo que podemos conhecer.
           A este respeito, Hume era empirista, ou seja, acreditava que todo conhecimento provém da experiência. Mas, diferente
           de Locke, para quem a mente do homem, ao nascer, era uma "folha em branco" a ser preenchida pela experiência
           sensível, Hume era também cético a respeito de uma fundamentação para o que aprendemos com base na experiência.

                                                      FONTES DO CONHECIMENTO

            PARA HUME, TUDO AQUILO QUE PODEMOS VIR A CONHECER TEM ORIGEM EM DUAS FONTES DIFERENTES
                                                DA PERCEPÇÃO:

           Impressões: são os dados fornecidos pelos sentidos. Podem ser internas, como um sentimento de prazer ou dor, ou
           externas, como a visão de um prado, o cheiro de uma flor ou a sensação tátil do vento no rosto.


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           Ideias: são as impressões tais como representadas em nossa mente, conforme delas nos lembramos ou imaginamos. A
           lembrança de um dia no campo, por exemplo.

           De acordo com o filósofo, as ideias são menos vívidas que as impressões e, por isso, são secundárias: "(...) todas as
           nossas ideias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas."

           Por isso, a experiência seria a base de todo conhecimento, que podemos chamar de raciocínio sobre questões de fato.
           Enquanto que o segundo modo dos objetos externos se apresentarem à razão é chamado relação de ideias.

           As ideias, por sua vez, se relacionam umas com as outras de três modos:
           por semelhança (uma fotografia que nos leva a ter a ideia do fato original);
           por contiguidade de tempo e lugar (o dizer algo a respeito de um cômodo de uma casa me leva a perguntar sobre os
           demais); e
           por causalidade (ao nos recordarmos de uma pessoa ferida, imediatamente pensamos também na dor que ela deve ter
           sentido - o ferimento, neste exemplo, é a causa; a dor, o efeito).

           Nas relações de ideias, o conhecido obtido é chamado de demonstrativo, intuitivo ou dedutivo. É o caso da matemática
           e da geometria.

           Examinemos dois exemplos dados por Hume. No primeiro, temos a seguinte proposição: "O quadrado da hipotenusa
           (1) é igual à soma dos quadrados dos dois lados (2)". Ela expressa a relação entre a ideia (1) e (2), que são, ambas,
           figuras geométricas.

           No segundo exemplo, a afirmação "Três vezes cinco (1) é igual à metade de trinta (2)" resulta da relação entre
           números: 3 x 5 (1) e metade de 30 (2).

           A partir daí podemos inferir três coisas: (a) que esse tipo de conhecimento independe completamente de objetos
           externos; (b) que é necessariamente correto, seguro; e (c) que sua prova é dada inteiramente pela razão: seria um
           absurdo lógico dizer o contrário daquilo que é afirmado, como, por exemplo, que dois mais dois é igual a cinco, não
           quatro.

           Mas, e em se tratando de questões de fato, ou seja, de coisas que afirmamos acerca da realidade? Tome-se a seguinte
           proposição: "As rosas são vermelhas". Nada me impede de pensar, e dizer, que as rosas são brancas, ou mesmo azuis
           ou verdes. Não haverá qualquer contradição lógica, mesmo que isso não corresponda, de fato, à rosa a qual me refiro.

           Em outro exemplo, dado por Hume, dizer que "O Sol não nascerá amanhã", não é menos absurdo, do ponto de vista
           lógico, do que dizer "O Sol nascerá amanhã". Qual deve ser, então, o fundamento do conhecimento empírico?

           Causalidade Segundo Hume, todo raciocínio empírico, sobre questões de fato, se assenta sobre relações de causa e
           efeito. Na proposição "A pedra esquenta porque foi exposta aos raios solares" tenho uma afirmação que parte de duas
           impressões sensíveis, uma tátil ("a pedra esquenta") e outra visual ("exposta aos raios solares"). O que une essas duas
           impressões é uma relação de causalidade: a pedra esquenta (efeito) porque foi exposta aos raios solares (causa).

           Portanto, para saber qual é o fundamento do conhecimento empírico, Hume precisou analisar o fundamento dessa
           relação causal.

           A primeira coisa que se pode dizer é que não há aqui nenhuma base lógica, dedutiva. Se tenho uma pedra em minha
           mão e a solto, espero que, como efeito, ela caia no solo. Mas poderia naturalmente pensar que ficasse suspensa no ar
           ou voasse em direção ao céu. Podem ser coisas impossíveis de acontecer, mas concebíveis pelo intelecto.

           Isso significa que, por meio da razão, é impossível chegar da causa (a) para o efeito (b). São duas coisas completamente
           diferentes: a pedra se soltar da minha mão (a) e cair no solo (b). Para relacionar duas impressões sensíveis, preciso
           primeiro tê-las, isto é, preciso ver a pedra caindo no solo para, então, dizer com segurança que ela caiu porque eu a
           soltei de minha mão.

           Diz Hume: "O intelecto jamais poderá encontrar o efeito numa suposta causa, mesmo pelo mais acurado estudo e
           exame, porquanto o efeito difere radicalmente da causa, e por isso não pode de nenhum modo ser descoberto nela


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           (...). Uma pedra ou um pedaço de metal erguido no ar e deixado sem nenhum apoio cai imediatamente; mas quem
           considera esse fato a priori poderá descobrir na situação alguma coisa que sugira a ideia de um movimento para baixo e
           não para cima, ou qualquer outro movimento na pedra ou no metal?"

           Qual deve ser, então, o fundamento da causalidade e, assim, do conhecimento empírico? Para Hume, não há nenhum,
           a não ser o costume, o hábito que temos, pelo fato de inúmeras vezes termos visto, anteriormente, pedras caindo no
           solo e o Sol nascendo a cada manhã. Esperamos que aconteça sempre a mesma relação causal devido a uma crença, de
           cunho psicológico e subjetivo. Nunca podemos, portanto, ter certeza do que estamos dizendo a cerca de questões de
           fato.

           Metafísicas Este é, em resumo, o argumento cético de Hume sobre a causalidade. Ele foi devastador para a filosofia
           porque todas as metafísicas também apelam para esse tipo de relação causal para explicar o mundo. Por exemplo:
           Deus existe porque é a causa de tudo que existe (Santo Tomás de Aquino) ou as ideias claras e distintas da razão são
           causas de nossos conhecimentos sobre a natureza (Descartes).

           Não que Hume fosse avesso à filosofia, pelo contrário. O que ele dizia é que tais sistemas filosóficos carecem de
           amparo nas impressões sensíveis, são muito abstratos e usam métodos demonstrativos da matemática que não servem
           de fundamento para questões de fato.

           O que Hume queria era fazer uma espécie de "faxina" na filosofia, de modo a livrá-la de suas pretensões e ideias
           estéreis. Assim, ele influenciou Immanuel Kant, Auguste Comte, filósofos pragmatistas como Charles Sanders Peirce, os
           empiristas lógicos e a filosofia analítica, entre outras importantes correntes do pensamento contemporâneo.



                                            JEAN-JACQUES ROUSSEAU

                                                                                    As comunidades formadas por grupos familiares
                                                                          Rousseau chamou de "idade de ouro" da humanidade
                                                                          Recentemente, a Funai (Fundação Nacional do Índio)
                                                                          mapeou 39 grupos indígenas que vivem isolados na
                                                                          Amazônia e que, em tese, nunca tiveram qualquer contato
                                                                          com o "homem branco".
                                                                                    Neste estado "primitivo", o homem viveria em
                                                                           harmonia com seus semelhantes, livre da violência que
                                                                           aflige as grandes cidades? E, no caso do "homem
                                                                          civilizado", a ciência que o tornou dependente de
           tecnologias como luz elétrica e aparelhos celulares também contribuiu, de alguma forma, para sua evolução moral?
                     Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que viveu numa época em que não existia luz elétrica e,
           muito menos, aparelhos celulares, as respostas a estas perguntas podem ser respondidas da seguinte forma: "O
           homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros". Com isso, ele quer dizer que o homem possui uma
           natureza boa que é corrompida pelo processo civilizador.
                     Neste caso, bastaria irmos para a floresta e viver como nossos antepassados para sermos felizes? Não é essa a
           proposta de Rousseau. Em sua obra "Do Contrato Social" (1757/ 1762) ele reflete sobre como deveriam ser as
           instituições para que possamos ter uma organização social mais justa, que preserve a liberdade, bem supremo do
           homem.

                                                               SENTIMENTO




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Especial    Vestibular
           Rousseau não construiu um sistema filosófico, como Aristóteles ou Kant, por exemplo, mas apresentou contribuições
           originais não somente à filosofia, mas também à pedagogia e à teoria política, influenciando movimentos políticos e
           intelectuais europeus como a Revolução Francesa e o Romantismo alemão.
                    Sua teoria da bondade natural do homem pode parecer estranha e, mesmo no século 18, foi objeto de
           escárnio por parte de filósofos como Voltaire. Contudo, a crítica de Rousseau é direcionada aos poderes exacerbados
           da razão e da ciência, que ele foi o primeiro pensador a questionar em plena vigência do Iluminismo.
                    É muito comum agirmos de maneira polida e educada mesmo quando, na verdade, queremos prejudicar,
           manipular ou levar vantagem sobre os outros. Para Rousseau, certas normas sociais estabelecidas nos grandes centros
           urbanos afastaram, desta forma, o homem de sua verdadeira natureza. O caminho para este conhecimento primordial,
           segundo ele, é o sentimento, não a razão e o progresso científico.
                    Razão põe ordem no mundo, talvez em demasia, segundo o filósofo francês. Era preciso então sentir o mundo.
           E qual a forma de fazer isso, senão buscando uma comunhão com a natureza, que em suas formas é pura expressão de
           sentimento e liberdade, que experienciamos ao contemplar um pôr-do-sol ou quando caminhamos descalços na praia?
                    Ao dizer isso, Rousseau rompeu também com toda uma tradição do determinismo, proveniente de uma linha
           de começa com Bacon e Galileu até Newton e Einstein, e que concebia o universo como um relógio preciso.
                    Seria necessário então, voltando à questão inicial, abrir mão de toda comodidade da vida moderna, como fez a
           personagem Danielle Rousseau do seriado "Lost" (inspirada no próprio filósofo)?


                                                          O CONTRATO SOCIAL

                    A metáfora do "bom selvagem" é somente uma forma que Rousseau encontrou para questionar a filosofia
           iluminista e a política moderna. O problema do "Contrato" é como resguardar a justiça e a liberdade do estado de
           natureza no meio social.
                    Para responder às suas necessidades de conservação, o homem precisa desenvolver habilidades e alterar a
           natureza, produzindo cultura. Sozinho, ele não teria como garantir sua sobrevivência. Busca, então, socializar-se.
                    Os homens primeiro se reuniram em pequenas comunidades, formadas por grupos familiares, o que Rousseau
           caracteriza como a "idade de ouro" da humanidade. Em seguida, nas primeiras formas de ordenação social e política,
           foi preciso exigir a obediência dos mais fracos aos mais fortes (regimes de escravidão), afastando o homem, assim, de
           sua condição igualitária.
                    Em Rousseau, portanto, é fundamental substituir a liberdade natural, irrestrita mas subordinada ao poder do
           mais forte (e sempre haverá alguém mais forte para assumir a liderança), pela liberdade convencional, sustentada pela
           criação de um pacto social, de forma a equilibrar ordem e justiça.
                    A principal cláusula deste contrato social afirma que "cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém". Quer
           dizer, somente garantindo a liberdade de todos é que as liberdades individuais serão também preservadas.
                    Um fumante, por exemplo, tem o direito de fumar. No entanto, essa liberdade não pode ferir a de um não-
           fumante, que em um recinto fechado vai inalar a mesma fumaça de cigarro involuntariamente. Como resolver isso?
           Criam-se regras, ao acordo de todos e que todos devem seguir, restringindo o fumo em locais adequados, de modo a
           conservar a liberdade tanto de fumantes quanto de não-fumantes.

                                                             VONTADE GERAL

                    Desse modo, para que o pacto funcione, diz Rousseau, os cidadãos devem se submeter à vontade geral, que é
           soberana. Uma vez firmado o contrato, todos devem obedecer o que ficou deliberado por todos, não somente por uma
           maioria.
                    Ou seja, o filósofo não reconhece a representatividade, como vereadores, prefeitos, etc. Para ele, a soberania
           se exerce pela vontade popular, logo, pela participação direta do povo. Participação que não se resumiria a comparecer
           às urnas, por exemplo, mas em que cada cidadão tivesse participação efetiva nas decisões que afetem a comunidade.
                    Esta total submissão a um Estado, que expressa a vontade geral, pode parecer um tipo de totalitarismo, em
           que o indivíduo se submete integralmente à coletividade, a ponto de abrir mão de seu livre-arbítrio. Mas deve-se


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           atentar que: 1) Rousseau subordina a liberdade individual à coletiva para afirmar a primeira; e 2) uma vez que este
           Estado não expresse mais a vontade geral, o povo tem o direito de derrubar o governo (apesar de Rousseau preferir as
           armas da educação do que as da revolução para isso).
                    Força não estabelece direitos: o poder só é obedecido quanto ele for legítimo e, para Rousseau, ele só é
           legítimo na medida em que se respeita o contrato.
                    O grande problema em Rousseau é aplicar suas teorias à prática. Formas de governo, como a democracia,
           demandam aperfeiçoamentos constantes. E nenhum sistema político e econômico foi perfeito o suficiente para
           equilibrar igualdade e liberdade. O contrato social, no entanto, continua servindo de inspiração para dilemas que
           acompanham o homem contemporâneo.


                                                                 LEITURA

           "Do Contrato Social" é um clássico que possui várias traduções para o português. Recomendo a tradução da professora
           Maria Constança Peres Pissara, com prefácio de Bento Prado Júnior, publicada pela Editora Vozes. A obra também foi
           publicada na coleção "Os Pensadores", da Editora Abril Cultural. As duas edições podem ser encontradas em sebos.




                                                    IMMANUEL KANT
                                                                                    Na Crítica da Razão Pura, o filósofo alemão
                                                                           Immanuel Kant (1724-1804) tinha um problema a
                                                                           resolver, que dizia respeito à seguinte questão: como
                                                                           posso obter um conhecimento seguro e verdadeiro
                                                                           sobre as coisas do mundo? A resposta de Kant iria
                                                                           mudar o rumo da Filosofia Ocidental.
                                                                                    Duas escolas filosóficas, tradicionalmente,
                                                                           respondiam de formas diversas ao problema do
                                                                           conhecimento. Para os filósofos racionalistas (Platão,
                                                                           Descartes, Leibniz e Espinosa), todo conhecimento
                                                                           provém da razão, enquanto que, para os empiristas
           (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume), ao contrário, somente os dados da experiência sensível forneceriam as
           bases para o conhecimento humano.
                    Tanto em um como em outro caso, surgem obstáculos. A razão especulativa, na medida em que deixa de
           validar suas investigações em testes práticos, torna-se dogmática. Já o empirismo encontra oposição no ceticismo, que
           argumenta que a Natureza é o reino do contingente e, por esta razão, não pode ser fonte de conhecimento universal.
                    O filósofo inglês David Hume (1711-1776), cuja obra Kant afirma tê-lo acordado do "sono dogmático", colocou
           sob suspeita o princípio de causalidade, que determina que, dado uma causa x, tem-se um efeito y. Por exemplo, tenho
           uma pedra em minha mão e a solto de certa altura (causa), tendo como conseqüência sua queda no chão (efeito).
                    Segundo Hume, não existe nada na causa (solto a pedra da mão) que contenha a relação objetiva de seu efeito
           (a queda no solo). Por mais vezes que eu repita a experiência, nada no mundo me dará a certeza de que a pedra cairá e
           não levitará, por exemplo. Portanto, conclui o filósofo inglês, a causalidade não está no mundo, mas é produto de
           nossos hábitos, ou seja, de tantas vezes ver a pedra cair ao ser solta, acreditamos que haja uma relação causal nos
           objetos, quando não passa de uma espécie de condicionamento psicológico.


                                    A PRIORI, A POSTERIORI, JUÍZO ANALÍTICO E JUÍZO SINTÉTICO




                                                PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR                                     Página 7
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           Kant também vai se voltar para o sujeito em sua réplica ao ceticismo humeano, mas revestido de um caráter lógico e
           transcendental (e não psicológico, como em Hume). Antes de analisar a resposta de Kant, vamos ver como ele a
           formula a questão nos conceitos de a priori, a posteriori, analítico e sintético.
                    Um conhecimento que seja totalmente independente dos sentidos é chamado a priori. São, por exemplo,
           equações matemáticas, que posso fazer mentalmente sem me apoiar em qualquer evidência material. Um
           conhecimento que possui sua fonte na experiência é dado a posteriori, como as leis da física clássica, que necessitam
           de testes práticos para serem comprovadas.
                    Quando emito um juízo em que o predicado está contido no sujeito, ele é chamado juízo analítico. Por
           exemplo, quando digo "Azul é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do sujeito "azul" e a informação, por
           isso, é redundante. Mas quando faço um juízo em que um predicado é acrescentado ao sujeito, ele é chamado
           sintético. Por exemplo, na frase "A cadeira de minha sala é azul", acrescento ao sujeito "cadeira de minha sala" o
           predicado "azul" (afinal, ela poderia ser verde, vermelha, etc.). É uma informação nova, pois você poderia imaginar que
           a cadeira fosse de qualquer outra cor.
                    Todos os juízos da experiência são sintéticos, uma vez que, para obter um juízo analítico, não é preciso sair do
           próprio conceito, isto é, recorrer à experiência (não preciso sair de "azul" para saber que é uma cor, mas preciso ver a
           "cadeira" para saber de que cor ela é).
                    Agora podemos entender a questão central da Crítica da Razão Pura, que é "Como são possíveis os juízos
           sintéticos a priori?". Ou seja, como podemos ter um conhecimento a priori de questões de fato, de coisas do mundo?
           Em outros termos, como posso, observando um fato A, dizer algo a respeito de um fato B, uma vez que somente tenho
           a experiência deste fato A? Para voltar ao exemplo de Hume, como, tendo uma pedra em minha mão (fato A), antes
           mesmo de soltá-la sei que, ao soltá-la, ela irá cair no solo (fato B)? (Lembrando que, para Hume, não há na Natureza
           nada que demonstre a relação causal entre A e B.)
                    Formulado ainda de outra maneira: como posso, ao observar fatos particulares (uma pedra que cai), tirar daí
           uma regra de caráter universal (a lei da gravidade), que seja aplicada a todos outros fatos da mesma natureza?


                                                        SUJEITO TRANSCENDENTAL

                    Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do conhecimento. O astrônomo Nicolau
           Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para
           substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais
           coerente com os dogmas da Igreja Católica.
                    Como pode ser constatado pela observação direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o que tornava
           óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em torno dela. Copérnico demonstrou que este
           movimento é ilusório, porque, na verdade, a Terra é que gira em torno do Sol.
                    Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana
           aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos,
           a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não
           estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza
           transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura:
                    "Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as
           tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso
           conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas
           tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor
           com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos
           antes de nos serem dados."
                    O que Kant quer dizer é que o sujeito possui as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. Ele
           possui as regras pela quais os objetos podem ser reconhecidos. Não adianta buscar essas regras no mundo exterior,
           pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido a não ser que o homem dê algum sentido a ele. O que
           conhecemos, então, é profundamente marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos.


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Especial    Vestibular
                   O computador no qual escrevo, a janela do escritório que me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso
           é matéria de conhecimento não porque exista um Deus que me faculte entender as leis dos objetos por meio da razão
           (como no caso de filósofos racionalistas) ou porque estes objetos sejam imprimidos em minha mente pela percepção
           (empirismo), mas porque eles são capturados por formas lógicas no sujeito.


                                                                 COISA-EM-SI

                    Mas ao voltar o foco para o sujeito que conhece, que "constrói" o mundo, é bloqueado todo pretenso acesso à
           essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que a
           realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria de conhecimento humano, sendo, portanto,
           incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido).
                    A coisa-em-si não pode ser conhecida mas pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant,
           diz respeito ao que é possível de ser objeto da experiência).
                    Três objetos de estudo da metafísica podem ser pensados mas não conhecidos: Deus, a imortalidade da alma e
           a liberdade. Deus e a alma não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no tempo. A
           liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente
           livre não pode ser matéria de conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant, da qual não trataremos
           neste artigo.
                    A filosofia crítica de Kant consiste, desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo
           alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a de seu caráter dogmático e trazendo-a
           para o rumo seguro da ciência. Este método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito, dentro
           dos limites da experiência, é chamado de transcendental.

                                                          SUGESTÕES DE LEITURA

           A Crítica da Razão Pura foi traduzida para o português e publicada pela Editora Abril, na coleção "Os Pensadores", e
           pela editora portuguesa Calouste Gulbenkian. Ambas são recomendadas. É de grande ajuda, para o domínio do
           vocabulário kantiano, o Dicionário Kant (Jorge Zahar Editor), de Howard Caygill. Também da Jorge Zahar, o livro Kant &
           A Crítica da Razão Pura, de Vinicius Figueiredo, propõe introduzir o leitor nessa obra densa e de difícil leitura.


              Pós-kantianos : FICHTE, SCHELLING e o Idealismo alemão
                                                                     A filosofia de Kant deixou, para seus sucessores, um
                                                           problema: como conciliar os dualismos entre razão teórica
                                                           (conhecimento) e razão prática (moral), entendimento e sensibilidade,
                                                           coisa-em-si e fenômeno, sujeito e objeto? O pensamento pós-kantiano
                                                           teve como objetivo tentar restabelecer uma unidade na filosofia,
                                                           conciliando os antagonismos na obra do filósofo.
                                                                     O pensamento pós-kantiano, que pode ser datado entre 1780
                                                           e 1850, e situado principalmente nas universidades de Iena e Berlim
                                                           (Alemanha), ficou conhecido como idealismo alemão. Em comum,
                                                           além do fato de trabalharem sobre a obra de Kant, esses filósofos
           tentaram construir um sistema ideal de pensamento que explicasse todas as coisas do mundo.
                    Os primeiros idealistas alemães eram, em sua essência, kantianos, e buscavam resolver impasses na filosofia
           kantiana. Mas Fichte, Schelling e Hegel, construíram filosofias originais. Este artigo apresenta, sucintamente, as idéias
           dos dois primeiros filósofos.




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Especial    Vestibular
                                                       A LIBERDADE INFINITA DO EU

                    O mais audacioso dos pós-kantianos foi Johann Gottliebe Fichte (1762-1814), que conciliou os dualismos
           kantianos em um princípio denominado Eu, exposto em sua principal obra, Doutrina da Ciência.
                    Em Kant, tínhamos um mundo subjetivo, depositário das formas a priori do conhecimento, e um mundo
           objetivo, a coisa-em-si, que só pode ser conhecido quando se torna fenômeno para o sujeito. Em Fichte, o mundo
           objetivo nasce do mundo subjetivo, como se a realidade fosse apenas um palco que o homem teria criado para agir.
                    O que é esse Eu que produz a si mesmo e a realidade? É pura liberdade, pura possibilidade. Ele é infinito e
           ilimitado. Por exemplo, posso ser o que imaginar ser, desde que não saia de meu mundo interior. Mas, para ser alguma
           coisa, preciso agir no mundo externo.
                    Ao agir, o Eu cria o não-Eu, que é a própria realidade. Ou seja, segundo Fichte, o mundo não existiria se não
           fosse colocado pela vontade do Eu, pela ação do sujeito. Ele faz isso para se definir, por meio de suas ações, e vencer os
           obstáculos da vida.
                    Um exemplo pode ajudar a entender melhor a idéia. Posso ter vários talentos, para desenho, música ou
           matemática. Mas, para desenvolver um destes talentos, preciso estudar, fazer uma faculdade ou exercitar muito estas
           habilidades. Ao fazer isso, me confronto com uma série de dificuldades (a falta de dinheiro, o fato de minha cidade não
           ter escolas especializadas, etc.). Porém, é somente superando tais empecilhos que defino esse Eu, dizendo, por
           exemplo, "Eu sou músico" ou "Eu sou filósofo".
                    Em Fichte a realidade é criada, na interioridade do sujeito, para que o Eu atinja todo seu potencial e
           desenvolva suas aspirações.

                                                      PREGUIÇA É O PIOR DOS MALES

                      A lição da filosofia moral de Fichte é de que precisamos agir no mundo para afirmar nossa liberdade. Existir,
           para ele, é confrontar os obstáculos da vida, pois assim posso predicar o Eu. O pior vício, segundo o filósofo alemão, é a
           preguiça, e todos os outros vícios decorrem deste. Preguiça é aquilo que bloqueia a ação e nega a realização da
           liberdade humana.
                      A Natureza é, por assim dizer, uma pedra diante do Espírito, que precisa ser superada pelo aprimoramento
           moral do homem. O Eu não é bom nem mau. Suas virtudes são decorrentes de sua ação no mundo, de seu agir. Por
           isso, a filosofia de Fichte é uma filosofia prática, uma filosofia do agir, pois somente agindo no mundo posso exercer
           minha liberdade. Afinal de contas, não é superando obstáculos que vencemos nossos limites e nos tornamos melhores?


                                                         FILOSOFIA DA NATUREZA

                    O ponto de partida da filosofia de Friedrich Wilhelm Joseph Von Schelling (1775-1854) é exatamente o ponto
           em que ele discorda de Fichte: ao condicionar o objeto ao sujeito, Fichte mantém uma concepção determinista da
           Natureza, isto é, a Natureza é meramente produto da razão humana. Schelling não concorda com essa idéia.
                    Para Schelling, existe uma organização na natureza, cujo princípio criador é exterior ao Eu mas que, no
           entanto, compartilha o mesmo Espírito. Como não existe a possibilidade de uma consciência fora do Eu, este Espírito é
           inconsciente. Segundo o filósofo, há um mesmo Espírito fora do homem e uma mesma Natureza dentro do homem, a
           diferença é que o homem é consciente disso, a Natureza, não.
                    A concepção de divindade em Schelling é panteísta, o que significa que Deus, para ele, está em todas as coisas.
           Deus se faz Natureza para existir (necessidade) e ascende do inconsciente na Natureza para o consciente no homem
           (liberdade) para que este possa se autoconhecer: Ele se vê na Natureza através do homem. Temos então:

           Espírito (Deus):
           Inconsciente na Natureza (necessidade)
           Consciente no homem (liberdade)



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Especial    Vestibular
                    E quando sujeito e objeto, homem e Natureza, se tocam, se tornam uma Unidade? Na experiência estética, diz
           Schelling. Uma onda do mar ou um pôr-do-Sol são obras de arte, com seus matizes e formas únicas, expressões de
           diversidade, originalidade, liberdade e beleza. Também o homem pode produzir o belo em obras de arte, como uma
           pintura, uma música ou uma dança.
                    É a mesma liberdade que se manifesta de formas diferentes: de forma real no mundo dos objetos, e de forma
           ideal no mundo da Arte.

                                                             O GÊNIO ARTISTA

                     E é na experiência de contemplação de uma obra de arte ou da Natureza que o homem tem contato com Deus,
           que cria beleza de forma consciente no homem (obra de arte) e inconsciente na Natureza (diversidade); em que
           liberdade (criação artística) e necessidade (materialidade da obra e das coisas do mundo), o infinito e o finito, são
           unidos.
                     Quando contemplamos um quadro de um grande mestre da pintura, não vemos um objeto, mas
           transcendemos o objeto na contemplação. O objeto da arte é finito em sua materialidade, sua objetividade, mas é
           infinito na abertura de suas interpretações. Por este motivo é um equívoco perguntar a um artista o que ele quis dizer
           com sua obra: ele não tem nada a explicar porque a arte é pura expressão de sentimento, de liberdade e poesia (é por
           isso que sempre que lemos um bom livro temos sensações e interpretações diversas a cada leitura).
                     A percepção estética é uma via de acesso do Uno, ao contrário da dualidade sujeito-objeto que faz a ciência.
           Todo procedimento científico cinde sujeito (que conhece) e objeto (aquilo que é conhecido). Na Arte, o que foi
           separado é de novo reunido na contemplação do infinito (Deus) naquilo que é finito (a obra). Assim, Deus, em Schelling,
           não é alcançado pelo filósofo, mas pelo gênio artista.
                     A Filosofia da Arte é um elemento original em Schelling, que é o primeiro autor, imbuído do espírito do
           Romantismo alemão, a colocar a experiência estética como faculdade primária do homem. Ele também é o primeiro
           filósofo moderno a questionar a visão da Natureza como relação de causalidade, entendendo-a, ao contrário, como
           essencialmente uma força criativa.

                                                                  LEITURAS

           A literatura sobre idealismo alemão é escassa nas livrarias brasileiras. Vale a pena uma visita aos sebos para procurar A
           Filosofia do Idealismo Alemão, de Nicolai Hartmann (Calouste Gulbenkian), a melhor introdução ao tema, e começar as
           leituras de Fichte e Schelling pelos textos da coleção "Os Pensadores", da Editora Abril Cultural.




                   MARX – Alienação : Do Espírito Absoluto de Hegel à
                                  realidade concreta

                                                                                  "Esses jovens de hoje, tão alienados...". Esta
                                                                         expressão, que a maioria de nós já ouviu alguma vez na
                                                                         vida, provavelmente foi entendida como se referindo ao
                                                                         fato de que, na juventude, não temos muita
                                                                         responsabilidade, queremos mais é curtir a vida. Mas,
                                                                         afinal de contas, será que somos alienados? O que é,
                                                                         então, alienação?
                                                                                  O termo entrou no vocabulário contemporâneo
                                                                         graças a Karl Marx, que, assim como no caso do conceito


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Especial    Vestibular
           de dialética, retirou a idéia de alienação de suas leituras de Hegel, mas o revestiu de um caráter inovador e, como em
           tudo em Marx, muito crítico.
                    Tanto em Marx quanto em Hegel, alienação está ligada ao trabalho. Para Hegel, o trabalho é a essência do
           homem, quer dizer, é somente por meio de seu trabalho que o homem pode realizar plenamente suas habilidades em
           produções materiais.
                    Mas quando o pensamento puro se torna pensamento sensível, visando uma realização material na forma de
           trabalho, nos alienamos, isto é, nos separamos da essência pura e abrimos caminho para uma separação entre ideal e
           real, que de novo irão se unir ao que Hegel chama de Espírito Absoluto.
                    Muito abstrato? Marx também achou, mas viu nestas idéias algo interessante, que poderia explicar as relações
           sociais no capitalismo e, mais do que isso, desvendar um dispositivo fundamental da máquina capitalista.

                   Para isso, voltou-se para a realidade concreta, em que os trabalhadores eram explorados em fábricas e
           deixavam seus patrões cada vez mais ricos, enquanto eles e suas famílias ficavam cada vez mais pobres. Como
           poderiam aceitar tal coisa?

                                                          TRABALHO ALIENADO

                     Alienação, para Marx, tem um sentido negativo (em Hegel, é algo positivo) em que o trabalho, ao invés de
           realizar o homem, o escraviza; ao invés de humanizá-lo, o desumaniza. O homem troca o verbo SER pelo TER: sua vida
           passa a medir-se pelo que ele possui, não pelo que ele é. Isso parece familiar? Pois é, vamos ver os detalhes.
                     O filósofo alemão concebeu diferentes formas de alienação, como a religião ou o Estado, em que o homem,
           longe de tornar-se livre, cada vez mais se aprisionaria. Mas uma alienação é básica, segundo Marx: a alienação
           econômica.
                     A alienação econômica pode ser descrita de duas formas: o trabalho como (a) atividade fragmentada e como
           (b) produto apropriado por outros.


                                                           TEMPOS MODERNOS

                    No primeiro caso, a separação do trabalho, em todas as suas instâncias, aliena o trabalhador, que não se
           reconhece mais em uma atividade - porque ele faz apenas uma peça de um carro em uma escala produtiva e não tem a
           visão do conjunto, por exemplo - e porque acaba desenvolvendo apenas uma de suas habilidades, seja braçal ou
           intelectual, provocando, com isso também, uma divisão social.
                    Essa divisão do trabalho foi fundamental para a organização da sociedade capitalista. Não seria possível sequer
           vestirmos tênis se não existissem trabalhadores que os produzissem em larga escala em fábricas, onde cada um é
           responsável por uma etapa na produção.
                    O melhor exemplo de como funciona este processo e suas conseqüências sociais pode ser visto no filme
           "Tempos Modernos" (1936), dirigido e estrelado por Charles Chaplin, que mostra, de forma bem humorada, a vida de
           um operário sendo controlada pela máquina na linha de montagem de uma fábrica.

                                                               EXPLORAÇÃO

                   No segundo caso, o trabalhador tem a riqueza gerada pelo seu trabalho tomada pelos proprietários dos meios
           de produção. Ele é levado a gerar acumulação de capital e lucro para uma minoria, enquanto vive na pobreza.
                   Um empregado de uma fábrica de TV de LCD, por exemplo, em oito horas diárias de trabalho produz, ao final
           do mês, um número considerável de aparelhos, mas recebe apenas uma pequena parcela disso em forma de salário. O
           que recebe não permite sequer adquirir aquilo que ele produz - uma TV de R$ 5 mil - e o modo de vida de sua família é
           muito diferente daqueles que consomem seu produto.
                   O trabalhador não reconhece mais o produto de seu trabalho e não se dá conta da exploração a que é
           submetido. O que se exterioriza não é sua essência, mas algo estranho a ele.


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Especial    Vestibular
                    Diz Marx: "A alienação aparece tanto no fato de que meu meio de vida é de outro, que meu desejo é a posse
           inacessível de outro, como no caso de que cada coisa é outra que ela mesma, que minha atividade é outra coisa e que,
           finalmente (e isto é válido também para o capitalista), domina em geral o poder desumano".
                    Divisão do trabalho e acumulação de capital, que, juntos, formam a base de uma sociedade capitalista, são
           também as fontes de alienação moderna, segundo Marx, por meio das quais se constitui um sistema de dominação.

                                                               COMUNISMO
                    Qual a solução? Se o trabalho, no sistema capitalista, é fonte de alienação, e se o capital é, basicamente,
           propriedade privada, isto é, a posse e o acúmulo de objetos, a superação do homem alienado só virá, para Marx, com a
           sociedade comunista.
                    Segundo Marx, somente com o comunismo as pessoas deixariam de ser alienadas, pois tudo seria de todos e
           não haveria necessidade de divisão ou expropriação do trabalho alheio. "A superação da propriedade privada é, por
           isso, a emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas", diz Marx.
                    Marx, provavelmente, ficaria muito aborrecido em ver que, na prática, os ideais do comunismo, na forma de
           dogmas, somente trouxeram mais alienação. Sua crítica, no entanto, parece atual diante de uma juventude destituída
           de ideais políticos que se contenta com prazeres imediatos proporcionados pelo consumo. É o celular da moda, o tênis
           de marca e o carro de luxo que definem sua essência?




           SCHOPENHAUER: O mundo como vontade e representação
                     Talvez nenhum outro filósofo tenha exercido maior influência no mundo das artes do que o alemão Arthur
           Schopenhauer. O compositor Richard Wagner, por exemplo, disse ter criado uma de suas maiores óperas, "Tristão e
           Isolda", como reação à leitura de Schopenhauer.
                     Na literatura, o número de romancistas e contistas que compartilharam das ideias de Schopenhauer é imenso:
           os russos Tolstoi, Tcheckov e Turguêniev, os franceses Zola, Maupassant e Proust, os ingleses Hardy, Conrad e
           Maugham, sem falar no argentino Jorge Luís Borges e no brasileiro Machado de Assis.
                     Também se encontram no mesmo caso poetas como escritor de língua alemã Rilke e o inglês T. S. Eliot, além
           de dramaturgos como o inglês Bernard Shaw, o irlandês Samuel Beckett e o italiano Luigi Pirandello.
                     Mas a influência de Schopenhauer não para por aí: Friedrich Nietzsche disse ter se tornado filósofo devido à
           leitura de Schopenhauer, que também foi o ponto de partida da filosofia de Wittgenstein. Sigmund Freud, o pai da
           psicanálise, reconheceu que a análise da repressão - um dos pilares da teoria psicanalítica - foi feita pioneiramente por
           Schopenhauer, que é com frequência citado por Carl Gustav Jung.



                                                     ESQUECENDO O ESQUECIMENTO

                    No entanto, na segunda metade do século 20, Schopenhauer foi deixado de lado e se tornou tão ignorado
           como foi na maior parte de sua própria vida. Vivo, só obteve reconhecimento depois dos 60 anos. De certo, isso o
           magoava, mas não o impediu de pensar de modo original e contrário ao pensamento oficial de seu tempo, que
           desprezou e atacou em suas obras.
                    Esqueçam-se, porém, esses aspectos todos, que são circunstanciais. O que importa é a filosofia
           schopenhaueriana. Esta se encontra exposta numa obra-prima que ele escreveu ainda na casa dos 20 anos: "O Mundo
           como Vontade e Representação", de 1818, e da qual lançou uma edição revista e ampliada (a definitiva) em 1844.
                    O ponto de partida schopenhaueriano foi a obra de Immanuel Kant, que, segundo Schopenhauer, constituiu
           um divisor de águas na filosofia que lhe antecedeu, a partir de Descartes. Kant concebe o mundo de uma maneira
           dualista, apontando dois aspectos da realidade:


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           1) aquele suscetível de ser experimentado pelo homem (sujeito), o mundo dos fenômenos, que são, por assim dizer, as
           coisas tais quais as percebemos (ou seja, uma relação entre sujeito que percebe e objeto percebido);

           2) aquele não suscetível de ser experimentado, a coisa-em-si, incognoscível.



                                                              CRÍTICA A KANT

                    Para Kant, a ciência é a chave do conhecimento do mundo da experiência e ela não tem ação fora desse
           mundo. O que se encontra além dele - a coisa-em-si, seja o que for - jamais será conhecido.
                    Schopenhauer compartilha dessa visão dual, mas a critica, considerando que assim leva adiante a concepção
           kantiana. Para ele, a realidade também consiste em fenômenos e na coisa-em-si. Esta última, porém, não consiste de
           coisas diferentes. Para existir diferença, é preciso que existam tempo e espaço, mas o tempo e o espaço são categorias
           que pertencem à concepção humana, ao mundo fenomênico.
                    Onde não há tempo nem espaço tudo é indiferenciado e uno. Assim é a realidade da coisa-em-si. Ela também
           não pode ser causa do fenômeno, pois uma conexão de causalidade só funciona no mundo fenomênico. Desse modo, o
           fenômeno é, na verdade, uma manifestação da coisa-em-si.



                                                      VONTADE E REPRESENTAÇÃO

                    Em última análise, a mente e a consciência nos permitem ver a representação da coisa-em-si. Esta, entretanto,
           não tem nada que ver com a mente ou consciência. É uma força impessoal que Schopenhauer chama vontade.
                    O filósofo emprega este termo porque a Vontade é a experiência direta mais próxima que podemos ter disso. É
           a Vontade o motor de nossas vidas.
                    É importante notar aqui que a coisa-em-si, segundo Schopenhauer, é incognoscível, mas experienciável, no
           que ele também se afasta de Kant. Por outro lado, o filósofo se aproxima do pensamento oriental, hinduísta e budista,
           que, pela via religiosa, chega às mesmas conclusões que Schopenhauer chegou: o mundo sensível é uma ilusão (Maya)
           que mascara uma realidade una e transcendente.



                                                         ATEÍSMO E PESSIMISMO

                    Nesse sentido, convém lembrar que Buda e Schopenhauer eram ateus. Para os dois, essa realidade una,
           absoluta e transcendental eram respectivamente o Vazio e a Vontade. Para Buda, o homem deve esquecer e superar
           suas paixões e desejos terrenos para atingir a iluminação e escapar ao sofrimento. Para Schopenhauer este mundo é
           também uma ilusão e não devemos nos preocupar com ele, mas sim repudiá-lo.
                    O filósofo alemão, contudo, vê na arte a possibilidade de transcendência, em especial na música, que nos
           retira do tempo, do espaço e até do nosso corpo, resgatando-nos momentaneamente do suplício da existência.
                    A visão de mundo de Schopenauer é profundamente pessimista. Para ele, somos escravos de nossos desejos.
           Mal satisfazemos um e outro surge, de modo que vivemos permanentemente insatisfeitos. Além disso, o mundo está
           repleto de injustiça e violência. A existência é, assim, uma fonte de sofrimentos
           "Cada vida individual é uma tragédia insignificante que termina numa morte inevitável", resume o comentarista inglês
           Brian Magee, ao referir-se ao modo como Schopenhauer encara a existência.



                                                           ÉTICA DA COMPAIXÃO



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                    Por outro lado, apesar dessa visão sombria da existência, Schopenhauer apresenta uma visão da moral e da
           ética que se opõe à de Kant, aproxima-se do budismo e do cristianismo, chegando a dizer que se pode qualificar sua
           doutrina como a "verdadeira filosofia cristã".
                    Qual o fundamento da ética para Schopenhauer? O fundamento não é a razão, como pensava Kant. Ao
           contrário, como nossos corpos são apenas uma manifestação fenomênica da unidade da coisa-em-si, somos indivíduos
           separados apenas na aparência. No fundo, tudo e todos são um. Isso nos possibilita a identificação com o outro, a
           compaixão e o amor, em seu sentido mais lato.


                     NIETZSCHE: Individualismo e "vontade de poder"
                                                                        Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e
                                                              não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz,
                                                              devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de
                                                              mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência
                                                              de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida,
                                                              que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força
                                                              irracional, que podemos chamar de vontade.
                                                              No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietszche não vê a
                                                              realidade repartida em duas, o fenômeno e a coisa em si.
           Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastarmos dele, mas viver
           nele com plenitude. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido?
                    Nietszche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que
           lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a
           judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para
           assentar nossos valores.

                                                          JUSTIÇA DOS FRACOS

                    A civilização, de acordo com o Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens
           competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa
           realidade em nome dos fracos.
                    Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em
           vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como
           virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros.

                                                             "SUPER-HOMEM"

                    Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres
           para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de
           poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-
           homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.
                    Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates
           (não por suas ideias, mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de
           poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização.
                    Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera
           os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que
           pretender abolir a lei da gravidade.




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                                                          DESAFIO E RESPOSTA

                     O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo
           desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o
           problema sobre o qual iriam se debruçar muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas.
                     Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte"
           (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas
           ideias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o
           italiano com uma coleção das obras de Nietzsche.
                     Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu
           propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os
           judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'".
                     Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é
           escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na
           íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda
           como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim
           falou Zaratustra".


           Filosofia da ciência: KARL POPPER, falseabilidade e limites
           da ciência
                                                               Karl Popper nasceu em 1902, praticamente junto com o século
                                                               20. Nessa época, a ciência parecia ter atingido o auge do
                                                               prestígio. A revolução industrial iniciada na Inglaterra do século
                                                               18 se fundamentou na divisão e organização do trabalho e nas
                                                               novas tecnologias que aproveitaram as possibilidades abertas
                                                               pela ciência determinista de sir Isaac Newton.
                                                                        A utilização maciça das aplicações técnicas do
                                                               conhecimento científico produziu um período de progresso
                                                               material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois
                                                               séculos neste campo do que nos quatro mil anos anteriores.
                   Esse progresso acelerado colocou o conhecimento científico numa posição de destaque, que, no século 19,
           culminou no cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser colocada acima de
           todos os outros modos do saber.



                                                    SUPERVALORIZAÇÃO DA CIÊNCIA

                    Essa combinação de fatores sócio-históricos gerou grandes distorções, como o fato de a ciência, tornada laica
           pelo iluminismo europeu, ganhar status religioso em doutrinas como o positivismo e outras, durante o século 19 e
           início do 20.
                    É neste ambiente de supervalorização do progresso científico e de deturpação da natureza original da ciência
           que surge Karl Popper, que se tornaria o mais influente e respeitado filósofo da ciência entre os homens que a fazem
           nos dias de hoje. Austríaco de nascimento e britânico por opção, Popper é o autor da definição atualmente mais aceita
           de teoria científica:




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                   "Uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos. Assim,
           uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos com base em alguns postulados simples como também
           deverá ser capaz de fazer previsões claras as quais poderão ser testadas."
                   Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a ser virtudes identificadoras da boa ciência, que assim
           se separa das mistificações que nos dois séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio.



                                                       OBSERVAÇÃO E TEORIZAÇÃO

                    Popper defendeu que, se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o
           que foi observado, nunca sobre o que não foi.
                    Assim, se um cientista observa milhares de cisnes, em muitos lugares diferentes e verifica que todos os cisnes
           observados são brancos, isto não lhe permite afirmar cientificamente que todos os cisnes são brancos, pois, não
           importa quantos cisnes brancos tenham sido observados, basta o surgimento de um único cisne negro para derrubar a
           afirmação de que eles não existiriam.
                    Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade
           absoluta ou definitiva.
                    Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada válida até quando provada falsa por outras
           observações, testes e teorias, mais abrangentes ou exatos que a original.



                                                              FALSEABILIDADE

                    A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria essência da natureza científica.
           Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse
           conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade.
                    Segundo Popper, o que não é falseável ou refutável não pode ser considerado científico. As teorias da
           gravitação universal de sir Isaac Newton são científicas, por que além de se enquadrarem na definição ao propor
           equações simples que descrevem os modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões acertadas
           com base nelas.
                    E as teorias de Newton também são falseáveis. Tanto que o foram, quando Albert Einstein com sua Teoria da
           Relatividade demonstrou que a mecânica newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz.



                                                         TEORIA DA RELATIVIDADE

                    O clássico experimento do eclipse, no qual Einstein provou que a luz era afetada pelos campos gravitacionais e
           o experimento posterior, que provou que cronômetros de altíssima precisão postos em alta velocidade em relação à
           Terra apresentavam pequenos atrasos quando comparados a cronômetro idêntico mantido imóvel na superfície, trouxe
           a ciência aos novos tempos em que o tempo não mais era absoluto.
                    Mesmo assim, as teorias de Newton continuam válidas para a maioria das aplicações cotidianas, quando a
           influência da velocidade pode ser considerada desprezível para as aplicações práticas. A ciência mais uma vez mostrava
           seu poder de se renovar e melhorar a partir de suas próprias definições.
                    Por outro lado, seguindo as definições e o conceito da falseabilidade de Popper, a astrologia de horóscopo
           moderna não pode ser considerada científica.
                    Todo o gigantesco arcabouço da mecânica newtoniana, o mais prestigiado modelo científico de todos os
           tempos, foi falseado por dois experimentos simples e uma equação magistral (E = mC2).
                    Mas não existem experimentos possíveis que possam falsear a teoria de que a posição de determinados corpos
           celestes afetam a vida de pessoas nascidas em determinado período de determinada forma.


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Especial    Vestibular
                   A abrangência das previsões e a falta de um modelo simples e claro que as expliquem tornam a astrologia de
           horóscopo não falseável e, portanto, não científica.



                                                             LIMITES DA CIÊNCIA

                    Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas
           enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência tratar de assuntos do domínio da religião, que tem
           suas doutrinas como verdades eternas ou da filosofia, que busca verdades absolutas.
                    O melhor no velho filósofo, que se opôs ao nazismo e dedicou sua vida à defesa de boas causas, é que suas
           teorias se aplicam a elas próprias. Assim, se amanhã alguém redigir uma melhor definição de teoria científica, as ideias
           de Popper humildemente sairão de cena para tomar seu lugar na história da ciência.
                    Entre as muitas virtudes que nossa ciência adquiriu dos grandes sábios que lhe deram grandeza, Popper nos
           mostrou uma ciência que se faz grande na virtude da humildade.


                   WITTGENSTEIN e o argumento da linguagem privada

                                                                          O filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é conhecido
                                                                          por ter desenvolvido duas filosofias bem distintas em sua
                                                                          vida, uma exposta na obra Tratactus Lógico-
                                                                          Philosophicus, de 1921, e outra em Investigações
                                                                          filosóficas, publicado postumamente, em 1953.
                                                                                    Os dois livros são representativos no
                                                                          pensamento de Wittgenstein por exporem duas teorias
                                                                          da linguagem bem diferentes. A primeira, de que a
                                                                          linguagem figura o real, influenciou os positivistas lógicos
                                                                          do Círculo de Viena, enquanto a segunda, de que a
                                                                         linguagem expressa o real em suas funções práticas,
           contribuiu para mudar os rumos da filosofia analítica, na Escola de Oxford.
                   Uma maneira interessante de verificar essa distinção é analisando o chamado "argumento da linguagem
           privada", que Wittgenstein, apesar de nunca tê-lo chamado com esse nome, trabalha em Investigações filosóficas.

                                                         LINGUAGEM E PERCEPÇÃO

                    Para a tradição filosófica desde Descartes, a linguagem se refere a um conjunto de dados dos sentidos. A frase
           "dor de dente", assim, se refere a uma sensação de dor que a pessoa sente em algum dente.
                    Mas como saber se o que estou sentindo e chamo de "dor de dente" corresponde àquela mesma sensação que
           você teve e que também chamou de "dor de dente"? Ou o que você chama de "amor", será que é o mesmo referente
           que eu designo quando uso essa palavra? Ou ainda, quando um repórter na TV pergunta para uma pessoa o que ela
           está sentindo, depois de sobreviver a uma enchente, por exemplo, o relato corresponderia realmente às mesmas
           sensações que teríamos se tivesse acontecido conosco?
                    É razoável supor que podemos usar palavras de forma equivocada, como quando digo que uma cor é "lilás" e
           outra pessoa diz "roxo". Estamos tendo a mesma percepção do espectro de luz? Diz o filósofo: "O essencial das
           vivências privadas não é que cada um possua seu exemplar, mas que nenhum saiba que se o outro tem também isto ou
           algo diferente. Seria pois possível a suposição - ainda que não verificável - de que uma parte da humanidade tenha uma
           sensação do vermelho e outra parte uma outra sensação" (IF § 272).




                                                  PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR                                        Página 18
Especial    Vestibular
                     Como aprenderíamos a ligar o nome a uma coisa, se o nome fosse inventado tendo como base a minha
           percepção das coisas? Como saber que estamos falando da mesma coisa? Wittgenstein dá ainda o exemplo da caixa
           contendo um besouro: "Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que dentro dela houvesse algo que chamamos
           de 'besouro'. Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro apenas por
           olhar seu besouro. Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa" (IF § 293).
                     Poderia também inventar um nome completamente distinto para as coisas de modo que somente eu
           compreendesse aquilo, como uma linguagem privada que não pudesse compartilhar com o mundo. Um vocabulário e
           uma gramática desconhecida dos demais, um código próprio que somente quem o criou pudesse compreender.
                     O argumento da linguagem privada de Wittgenstein nega que tal coisa seja possível. Basicamente, faz isso por
           rejeitar a noção de que as palavras tenham como referentes diretos as sensações, que elas representariam.




                                                   LINGUAGEM E COMPORTAMENTO

                    Para o "segundo" Wittgenstein, não aprendemos que a palavra "dor de dente" significa uma sensação de dor
           de dente, mas aprendemos a expressar um comportamento. Em outras palavras, uma criança não aprende a essência
           de um dado sensível representado por um signo (a palavra "dor", por exemplo), mas como expressar um determinado
           comportamento, um uso prático.
                    Vejam o que Wittgenstein diz: "Como as palavras se referem a sensações? (...) Por exemplo, da palavra 'dor'.
           Esta é uma possibilidade: palavras são ligadas à expressão originária e natural da sensação, e colocadas no lugar dela.
           Uma criança se machucou e grita; então os adultos falam com ela e lhe ensinam exclamações e, posteriormente, frases.
           Ensinam à criança um novo comportamento perante a dor" (IF, § 244).
                    Quando uma criança sente dor, ela reage com uma expressão natural de dor, o choro. Mas fica muito difícil
           para uma mãe, por exemplo, saber se uma criança que chora está com dor de ouvido, cólica ou apenas irritada e com
           sono.
                    Com o tempo, a criança é adestrada a substituir uma expressão natural por uma outra, simbólica. Assim,
           quando sente dor, usa uma frase para expressar a dor, que substitui ou complementa um grito ou choro, dizendo
           "Estou com dor de ouvido" ou "Minha barriga dói".
                    Não somos, deste modo, ensinados a usar uma palavra para significar um objeto, mas um uso linguístico,
           simbólico e convencional, que pode substituir uma expressão natural para tais sensações.
                    Para Wittgenstein, o significado de uma linguagem é dado em seu uso, e como são usos diferentes, ele fala em
           jogos de linguagem. Não aprendemos o nome das coisas, mas um comportamento expressivo que substitui o
           comportamento natural.
                    Para concluir, a solução para o problema da caixinha do besouro: "Mas, e se a palavra 'besouro' tivesse um uso
           para essas pessoas? Neste caso, não seria o da designação de uma coisa. A coisa na caixa não pertence, de nenhum
           modo, ao jogo de linguagem nem mesmo como um algo: pois a caixa poderia também estar vazia. Não, por meio desta
           coisa na caixa, pode-se 'abreviar'; seja o que for, é suprimido. Isto significa: quando se constrói a gramática da
           expressão da sensação segundo o modelo de 'objeto de designação', então o objeto cai fora de consideração, como
           irrelevante" (IF § 293).
                    Isso quer dizer que não importa a sensação que tenhamos - a suposta "essência" de nossa linguagem -, mas
           simplesmente sua função, seu uso no cotidiano.

                                                       CONHECIMENTO EMPÍRICO

                   As reflexões de Wittgenstein o levam a concluir que é impossível falar de uma linguagem privada, pois o que se
           aprende não é uma palavra que designa uma coisa, mas um conjunto de regras sociais para cada uso que fazemos da
           linguagem. Isso tem, pelo menos, duas consequências para a filosofia analítica:



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Especial    Vestibular
                    Como a linguagem não descreve sensações de objetos físicos exteriores, não há nenhum sentido em se falar de
           enunciados verdadeiros ou falsos em relação à palavra com seu objeto.
                    Não tendo como distinguir entre enunciados verdadeiros ou falsos em relação a questões de fato, se torna
           impossível fundamentar o conhecimento empírico nos dados dos sentidos, com queriam os positivistas lógicos.
                    As especulações de Wittgenstein iriam repercutir no trabalho de teóricos importantes, como no pragmatismo
           do filósofo americano Willard Van Orman Quine (1908-2000) e na teoria dos atos de fala do filósofo inglês John
           Langshaw Austin (1911-1960).

           Referência bibliográfica
           WITTGENSTEIN, Ludwig. "Investigações Filosóficas", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1991. [Citados como
           IF, seguido do parágrafo].



           FONTE:

           UOL VESTIBULAR




                                                PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR                                    Página 20

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Filosofos

  • 1. Especial Vestibular OS FILÓSOFOS MAIS INFLUENTES DO MUNDO CONTEPORÂNEO. Para entender a sociedade em que vivemos é necessário conhecer as ideias que estão por trás dela. Nesse sentido, é especialmente interessante conhecer o pensamento de filósofos que, desde o século XVII, transformaram a visão que o homem tinha de si mesmo e do mundo ao seu redor. Conheça esses pensadores que fizeram a cabeça do mundo contemporâneo JOHN LOCKE: Todo conhecimento provém da experiência - Filósofo inglês que influenciou muitos pensadores de seu tempo, John Locke era contrário a qualquer forma de autoritarismo e via na educação um poder transformador. Acreditava que a mente humana ao nascer é como uma folha em branco (no quadro, Sibila com a Tabula Rasa, de Velásquez) que deve ser preenchida pela experiência JOHN LOCKE e o empirismo britânico Todo conhecimento provém da experiência Uma das questões mais antigas que a filosofia tenta responder é "Qual a fonte do conhecimento humano?". Como podemos saber se Deus existe, que dois mais dois são quatro ou que o céu é azul? Será que já nascemos com algumas informações a respeito do mundo? A moderna biologia genética nos diz apenas que possuímos uma história, inscrita em nossos genes, que irão determinar algumas predisposições para desenvolvermos certas doenças hereditárias, tendências sexuais e comportamentais ou mesmo o gosto por sorvete de chocolate. Mas aquilo que somos depende de uma combinação de fatores genéticos com o ambiente em que fomos criados. Seríamos, portanto, o resultado das escolhas que fizemos segundo as imposições de nosso patrimônio genético e das oportunidades que temos na vida. Mesmo assim, a ciência contemporânea ainda não responde às perguntas a respeito de como conhecemos as coisas e como podemos estar seguros de possuir um entendimento verdadeiro. Filósofos como Platão (428/27-347 a.C.), Santo Agostinho (354-430), e Descartes (1596-1650) acreditavam na doutrina das ideias inatas, ou inatismo, que sustenta que o homem nasce com determinadas crenças verdadeiras. Segundo eles, a alma humana teria uma espécie de repositório de informações conferidas por Deus, e isso validaria as certezas sobre as coisas do mundo. Platão, no diálogo Fédon, diz que conhecer é recordar-se daquilo que nossas almas imortais, que habitavam o Mundo das Ideias, já sabiam, mas que ao nascer nos esquecemos. Contra essa doutrina, John Locke (1632-1704), um dos mais importantes filósofos ingleses modernos, escreveu um livro chamado Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690), que inaugurou a escola chamada Empirismo Britânico. Na época, Locke foi muito influenciado pela ciência moderna, baseada em observações. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 1
  • 2. Especial Vestibular Tábula rasa Para Locke, o princípio do inatismo, além de não provar nada, é completamente desnecessário para uma teoria do conhecimento. Se realmente nossas almas imortais compartilhassem um mesmo estoque de informações, por que todos não teríamos as mesmas concepções científicas de mundo, por exemplo? Por que os europeus desenvolveram a ciência, enquanto índios que habitavam as Américas, não? Segundo Locke, Deus nos conferiu apenas as faculdades para que pudéssemos adquirir conhecimento, dentro de certos limites. Contrariando o inatismo, ele afirma que, ao nascermos, somos como uma folha em branco - "tábula rasa", diziam os empiristas - que é escrita na medida em que vivemos e temos experiência de mundo: "Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela é suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento." (1978, I, II, ii). Basicamente é isso que o empirismo sustenta: contrapondo-se ao racionalismo, que privilegia a razão como fonte segura do conhecimento, esta escola enfatiza o papel da experiência. Junto com Locke, fazem parte do empirismo britânico os filósofos George Berkeley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e John Stuart Mill (1806-1873). Mas isso não quer dizer que, para Locke, a razão não tem nenhuma função no processo cognitivo e que apenas aprendemos por meio das sensações. Seria um absurdo dizer isso, porque equivaleria a dizer que um matemático, para saber que um triângulo possui três lados, teria que encontrar um triângulo andando de metrô ou vagando pelo bosque. LIMITES DO CONHECIMENTO NAS IDEIAS O que Locke diz é que somente a experiência nos fornece as ideias que habitam nossos pensamentos. Em outras palavras, que o conhecimento tem um início externo, fora do homem. Ideias, segundo o filósofo inglês, são os objetos do conhecimento, isto é, a matéria da qual o conhecimento é formado. Elas são percebidas pelos sentidos, mas é o entendimento que confere o, por assim dizer, acabamento final. Todo conhecimento, portanto, está fundamentado na experiência, que nos fornece as ideias que constituem tudo aquilo que podemos saber sobre o mundo. As fontes dessas ideias, diz Locke, são duas: Sensação, ou sentido externo: é a percepção de objetos sensíveis e particulares, como o gosto de uma maçã, a sensação de uma xícara quente de café, o som da voz de nossa mãe ou a visão de um pôr do sol. Reflexão ou sentido interno: é a percepção da operação de nossas mentes com as ideias já ali depositadas pela sensação, derivando as dúvidas, crenças, vontades e o conhecimento propriamente dito. É somente com o segundo estágio, da reflexão, que atingimos o entendimento das coisas; mas, sem as janelas abertas para a luz vinda da experiência, nossa mente permanece como um quarto escuro. Os limites do que podemos conhecer, desse modo, são as ideias. Não podemos ir além delas. Locke ainda divide as ideias em: Simples: são as que nos chegam misturadas num objeto, mas que podem ser separadas pelos diferentes sentidos pelos quais as recebemos: a textura lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a consistência firme e a cor vermelha são ideias simples que podemos distinguir da maçã. Complexas: quando nossa mente é preenchida dessas ideias simples, podemos formar, combinando-as, ideias complexas, como, por exemplo, homem, beleza, maçã ou universo. Boa parte do Ensaio Acerca do Entendimento Humano é dedicado ao exame dessas ideias simples e complexas que são a base de todo entendimento, o que permite a Locke propor resoluções para importantes problemas filosóficos envolvendo conceitos como espaço, tempo, infinidade, substância, Deus, liberdade e poder. GRAUS DE CONHECIMENTO Em resumo, diz Locke: "Conhecimento consiste na percepção do acordo ou desacordo de duas ideias. Parece-me, pois, que o conhecimento nada mais é do que a percepção da conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de quaisquer de nossas ideais." (1978, IV, I, ii). PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 2
  • 3. Especial Vestibular Por exemplo, quando sabemos que branco não é preto, ao perceber que ambas as ideias ("branco" e "preto") estão em desacordo; ou que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois retos, ao perceber a igualdade entre eles. Em relação à clareza e certeza dessas afirmações, Locke classifica os graus de conhecimento em três: Intuitivo: é aquele em que a mente percebe o acordo ou desacordo entre duas ideias imediatamente, sem a necessidade de outras ideias. Por exemplo, quando percebo que o branco não é preto, o quadrado não é triângulo ou 1+1=2. É o tipo mais seguro e claro de conhecimento humano. Demonstrativo: é quando a mente necessita de ideias subsidiárias para perceber o acordo ou desacordo entre outras duas ideias - são as chamadas provas. Para saber, por exemplo, que três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulos retos, preciso verificar essas medidas. Sensível: é a percepção que temos de objetos particulares externos através dos sentidos. Apesar de Locke incluir este terceiro tipo entre os graus de conhecimento, mesmo sendo o menos claro e seguro dos três anteriores, o filósofo diz que o raciocínio que não for intuitivo ou demonstrativo é artigo de fé ou de opinião, não conhecimento propriamente dito. Com base em sua classificação dos tipos de conhecimento, Locke diz que as certezas provenientes da matemática e a moral são indubitáveis e evidentes, pois são alcançáveis pelo raciocínio com ideias presentes na mente humana, enquanto as ciências empíricas, como a física, que necessitam de uma verificação e confronto com a realidade sensível, não configuram verdades universais. A teoria do conhecimento lockeana influenciou os filósofos iluministas, Kant e os positivistas lógicos, entre outros. Referência LOCKE, John. "Ensaio Acerca do Entendimento Humano", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. DAVID HUME e o empirismo britânico: O argumento cético que abalou a filosofia É comum termos a impressão de que a filosofia é algo muito abstrato, distante de nossa realidade. É o caso de algumas metafísicas construídas com base em conceitos que carecem de qualquer significado mais concreto. Na história das ideias, dificilmente encontramos um pensamento tão fatal para esse tipo de metafísica quanto aquele que o filósofo escocês David Hume (1711- 1776) expôs em suas Investigações sobre o Entendimento Humano (1748). Os argumentos de Hume foram tão convincentes que despertaram Kant de seu "sono dogmático" e influenciaram algumas das principais correntes contemporâneas da filosofia angloamericana. A obra Investigações sobre o Entendimento Humano trata, essencialmente, da teoria do conhecimento, que é aquele ramo da filosofia que busca responder questões sobre a origem e a validade de tudo que podemos conhecer. A este respeito, Hume era empirista, ou seja, acreditava que todo conhecimento provém da experiência. Mas, diferente de Locke, para quem a mente do homem, ao nascer, era uma "folha em branco" a ser preenchida pela experiência sensível, Hume era também cético a respeito de uma fundamentação para o que aprendemos com base na experiência. FONTES DO CONHECIMENTO PARA HUME, TUDO AQUILO QUE PODEMOS VIR A CONHECER TEM ORIGEM EM DUAS FONTES DIFERENTES DA PERCEPÇÃO: Impressões: são os dados fornecidos pelos sentidos. Podem ser internas, como um sentimento de prazer ou dor, ou externas, como a visão de um prado, o cheiro de uma flor ou a sensação tátil do vento no rosto. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 3
  • 4. Especial Vestibular Ideias: são as impressões tais como representadas em nossa mente, conforme delas nos lembramos ou imaginamos. A lembrança de um dia no campo, por exemplo. De acordo com o filósofo, as ideias são menos vívidas que as impressões e, por isso, são secundárias: "(...) todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas." Por isso, a experiência seria a base de todo conhecimento, que podemos chamar de raciocínio sobre questões de fato. Enquanto que o segundo modo dos objetos externos se apresentarem à razão é chamado relação de ideias. As ideias, por sua vez, se relacionam umas com as outras de três modos: por semelhança (uma fotografia que nos leva a ter a ideia do fato original); por contiguidade de tempo e lugar (o dizer algo a respeito de um cômodo de uma casa me leva a perguntar sobre os demais); e por causalidade (ao nos recordarmos de uma pessoa ferida, imediatamente pensamos também na dor que ela deve ter sentido - o ferimento, neste exemplo, é a causa; a dor, o efeito). Nas relações de ideias, o conhecido obtido é chamado de demonstrativo, intuitivo ou dedutivo. É o caso da matemática e da geometria. Examinemos dois exemplos dados por Hume. No primeiro, temos a seguinte proposição: "O quadrado da hipotenusa (1) é igual à soma dos quadrados dos dois lados (2)". Ela expressa a relação entre a ideia (1) e (2), que são, ambas, figuras geométricas. No segundo exemplo, a afirmação "Três vezes cinco (1) é igual à metade de trinta (2)" resulta da relação entre números: 3 x 5 (1) e metade de 30 (2). A partir daí podemos inferir três coisas: (a) que esse tipo de conhecimento independe completamente de objetos externos; (b) que é necessariamente correto, seguro; e (c) que sua prova é dada inteiramente pela razão: seria um absurdo lógico dizer o contrário daquilo que é afirmado, como, por exemplo, que dois mais dois é igual a cinco, não quatro. Mas, e em se tratando de questões de fato, ou seja, de coisas que afirmamos acerca da realidade? Tome-se a seguinte proposição: "As rosas são vermelhas". Nada me impede de pensar, e dizer, que as rosas são brancas, ou mesmo azuis ou verdes. Não haverá qualquer contradição lógica, mesmo que isso não corresponda, de fato, à rosa a qual me refiro. Em outro exemplo, dado por Hume, dizer que "O Sol não nascerá amanhã", não é menos absurdo, do ponto de vista lógico, do que dizer "O Sol nascerá amanhã". Qual deve ser, então, o fundamento do conhecimento empírico? Causalidade Segundo Hume, todo raciocínio empírico, sobre questões de fato, se assenta sobre relações de causa e efeito. Na proposição "A pedra esquenta porque foi exposta aos raios solares" tenho uma afirmação que parte de duas impressões sensíveis, uma tátil ("a pedra esquenta") e outra visual ("exposta aos raios solares"). O que une essas duas impressões é uma relação de causalidade: a pedra esquenta (efeito) porque foi exposta aos raios solares (causa). Portanto, para saber qual é o fundamento do conhecimento empírico, Hume precisou analisar o fundamento dessa relação causal. A primeira coisa que se pode dizer é que não há aqui nenhuma base lógica, dedutiva. Se tenho uma pedra em minha mão e a solto, espero que, como efeito, ela caia no solo. Mas poderia naturalmente pensar que ficasse suspensa no ar ou voasse em direção ao céu. Podem ser coisas impossíveis de acontecer, mas concebíveis pelo intelecto. Isso significa que, por meio da razão, é impossível chegar da causa (a) para o efeito (b). São duas coisas completamente diferentes: a pedra se soltar da minha mão (a) e cair no solo (b). Para relacionar duas impressões sensíveis, preciso primeiro tê-las, isto é, preciso ver a pedra caindo no solo para, então, dizer com segurança que ela caiu porque eu a soltei de minha mão. Diz Hume: "O intelecto jamais poderá encontrar o efeito numa suposta causa, mesmo pelo mais acurado estudo e exame, porquanto o efeito difere radicalmente da causa, e por isso não pode de nenhum modo ser descoberto nela PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 4
  • 5. Especial Vestibular (...). Uma pedra ou um pedaço de metal erguido no ar e deixado sem nenhum apoio cai imediatamente; mas quem considera esse fato a priori poderá descobrir na situação alguma coisa que sugira a ideia de um movimento para baixo e não para cima, ou qualquer outro movimento na pedra ou no metal?" Qual deve ser, então, o fundamento da causalidade e, assim, do conhecimento empírico? Para Hume, não há nenhum, a não ser o costume, o hábito que temos, pelo fato de inúmeras vezes termos visto, anteriormente, pedras caindo no solo e o Sol nascendo a cada manhã. Esperamos que aconteça sempre a mesma relação causal devido a uma crença, de cunho psicológico e subjetivo. Nunca podemos, portanto, ter certeza do que estamos dizendo a cerca de questões de fato. Metafísicas Este é, em resumo, o argumento cético de Hume sobre a causalidade. Ele foi devastador para a filosofia porque todas as metafísicas também apelam para esse tipo de relação causal para explicar o mundo. Por exemplo: Deus existe porque é a causa de tudo que existe (Santo Tomás de Aquino) ou as ideias claras e distintas da razão são causas de nossos conhecimentos sobre a natureza (Descartes). Não que Hume fosse avesso à filosofia, pelo contrário. O que ele dizia é que tais sistemas filosóficos carecem de amparo nas impressões sensíveis, são muito abstratos e usam métodos demonstrativos da matemática que não servem de fundamento para questões de fato. O que Hume queria era fazer uma espécie de "faxina" na filosofia, de modo a livrá-la de suas pretensões e ideias estéreis. Assim, ele influenciou Immanuel Kant, Auguste Comte, filósofos pragmatistas como Charles Sanders Peirce, os empiristas lógicos e a filosofia analítica, entre outras importantes correntes do pensamento contemporâneo. JEAN-JACQUES ROUSSEAU As comunidades formadas por grupos familiares Rousseau chamou de "idade de ouro" da humanidade Recentemente, a Funai (Fundação Nacional do Índio) mapeou 39 grupos indígenas que vivem isolados na Amazônia e que, em tese, nunca tiveram qualquer contato com o "homem branco". Neste estado "primitivo", o homem viveria em harmonia com seus semelhantes, livre da violência que aflige as grandes cidades? E, no caso do "homem civilizado", a ciência que o tornou dependente de tecnologias como luz elétrica e aparelhos celulares também contribuiu, de alguma forma, para sua evolução moral? Para o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que viveu numa época em que não existia luz elétrica e, muito menos, aparelhos celulares, as respostas a estas perguntas podem ser respondidas da seguinte forma: "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros". Com isso, ele quer dizer que o homem possui uma natureza boa que é corrompida pelo processo civilizador. Neste caso, bastaria irmos para a floresta e viver como nossos antepassados para sermos felizes? Não é essa a proposta de Rousseau. Em sua obra "Do Contrato Social" (1757/ 1762) ele reflete sobre como deveriam ser as instituições para que possamos ter uma organização social mais justa, que preserve a liberdade, bem supremo do homem. SENTIMENTO PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 5
  • 6. Especial Vestibular Rousseau não construiu um sistema filosófico, como Aristóteles ou Kant, por exemplo, mas apresentou contribuições originais não somente à filosofia, mas também à pedagogia e à teoria política, influenciando movimentos políticos e intelectuais europeus como a Revolução Francesa e o Romantismo alemão. Sua teoria da bondade natural do homem pode parecer estranha e, mesmo no século 18, foi objeto de escárnio por parte de filósofos como Voltaire. Contudo, a crítica de Rousseau é direcionada aos poderes exacerbados da razão e da ciência, que ele foi o primeiro pensador a questionar em plena vigência do Iluminismo. É muito comum agirmos de maneira polida e educada mesmo quando, na verdade, queremos prejudicar, manipular ou levar vantagem sobre os outros. Para Rousseau, certas normas sociais estabelecidas nos grandes centros urbanos afastaram, desta forma, o homem de sua verdadeira natureza. O caminho para este conhecimento primordial, segundo ele, é o sentimento, não a razão e o progresso científico. Razão põe ordem no mundo, talvez em demasia, segundo o filósofo francês. Era preciso então sentir o mundo. E qual a forma de fazer isso, senão buscando uma comunhão com a natureza, que em suas formas é pura expressão de sentimento e liberdade, que experienciamos ao contemplar um pôr-do-sol ou quando caminhamos descalços na praia? Ao dizer isso, Rousseau rompeu também com toda uma tradição do determinismo, proveniente de uma linha de começa com Bacon e Galileu até Newton e Einstein, e que concebia o universo como um relógio preciso. Seria necessário então, voltando à questão inicial, abrir mão de toda comodidade da vida moderna, como fez a personagem Danielle Rousseau do seriado "Lost" (inspirada no próprio filósofo)? O CONTRATO SOCIAL A metáfora do "bom selvagem" é somente uma forma que Rousseau encontrou para questionar a filosofia iluminista e a política moderna. O problema do "Contrato" é como resguardar a justiça e a liberdade do estado de natureza no meio social. Para responder às suas necessidades de conservação, o homem precisa desenvolver habilidades e alterar a natureza, produzindo cultura. Sozinho, ele não teria como garantir sua sobrevivência. Busca, então, socializar-se. Os homens primeiro se reuniram em pequenas comunidades, formadas por grupos familiares, o que Rousseau caracteriza como a "idade de ouro" da humanidade. Em seguida, nas primeiras formas de ordenação social e política, foi preciso exigir a obediência dos mais fracos aos mais fortes (regimes de escravidão), afastando o homem, assim, de sua condição igualitária. Em Rousseau, portanto, é fundamental substituir a liberdade natural, irrestrita mas subordinada ao poder do mais forte (e sempre haverá alguém mais forte para assumir a liderança), pela liberdade convencional, sustentada pela criação de um pacto social, de forma a equilibrar ordem e justiça. A principal cláusula deste contrato social afirma que "cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém". Quer dizer, somente garantindo a liberdade de todos é que as liberdades individuais serão também preservadas. Um fumante, por exemplo, tem o direito de fumar. No entanto, essa liberdade não pode ferir a de um não- fumante, que em um recinto fechado vai inalar a mesma fumaça de cigarro involuntariamente. Como resolver isso? Criam-se regras, ao acordo de todos e que todos devem seguir, restringindo o fumo em locais adequados, de modo a conservar a liberdade tanto de fumantes quanto de não-fumantes. VONTADE GERAL Desse modo, para que o pacto funcione, diz Rousseau, os cidadãos devem se submeter à vontade geral, que é soberana. Uma vez firmado o contrato, todos devem obedecer o que ficou deliberado por todos, não somente por uma maioria. Ou seja, o filósofo não reconhece a representatividade, como vereadores, prefeitos, etc. Para ele, a soberania se exerce pela vontade popular, logo, pela participação direta do povo. Participação que não se resumiria a comparecer às urnas, por exemplo, mas em que cada cidadão tivesse participação efetiva nas decisões que afetem a comunidade. Esta total submissão a um Estado, que expressa a vontade geral, pode parecer um tipo de totalitarismo, em que o indivíduo se submete integralmente à coletividade, a ponto de abrir mão de seu livre-arbítrio. Mas deve-se PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 6
  • 7. Especial Vestibular atentar que: 1) Rousseau subordina a liberdade individual à coletiva para afirmar a primeira; e 2) uma vez que este Estado não expresse mais a vontade geral, o povo tem o direito de derrubar o governo (apesar de Rousseau preferir as armas da educação do que as da revolução para isso). Força não estabelece direitos: o poder só é obedecido quanto ele for legítimo e, para Rousseau, ele só é legítimo na medida em que se respeita o contrato. O grande problema em Rousseau é aplicar suas teorias à prática. Formas de governo, como a democracia, demandam aperfeiçoamentos constantes. E nenhum sistema político e econômico foi perfeito o suficiente para equilibrar igualdade e liberdade. O contrato social, no entanto, continua servindo de inspiração para dilemas que acompanham o homem contemporâneo. LEITURA "Do Contrato Social" é um clássico que possui várias traduções para o português. Recomendo a tradução da professora Maria Constança Peres Pissara, com prefácio de Bento Prado Júnior, publicada pela Editora Vozes. A obra também foi publicada na coleção "Os Pensadores", da Editora Abril Cultural. As duas edições podem ser encontradas em sebos. IMMANUEL KANT Na Crítica da Razão Pura, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) tinha um problema a resolver, que dizia respeito à seguinte questão: como posso obter um conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo? A resposta de Kant iria mudar o rumo da Filosofia Ocidental. Duas escolas filosóficas, tradicionalmente, respondiam de formas diversas ao problema do conhecimento. Para os filósofos racionalistas (Platão, Descartes, Leibniz e Espinosa), todo conhecimento provém da razão, enquanto que, para os empiristas (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume), ao contrário, somente os dados da experiência sensível forneceriam as bases para o conhecimento humano. Tanto em um como em outro caso, surgem obstáculos. A razão especulativa, na medida em que deixa de validar suas investigações em testes práticos, torna-se dogmática. Já o empirismo encontra oposição no ceticismo, que argumenta que a Natureza é o reino do contingente e, por esta razão, não pode ser fonte de conhecimento universal. O filósofo inglês David Hume (1711-1776), cuja obra Kant afirma tê-lo acordado do "sono dogmático", colocou sob suspeita o princípio de causalidade, que determina que, dado uma causa x, tem-se um efeito y. Por exemplo, tenho uma pedra em minha mão e a solto de certa altura (causa), tendo como conseqüência sua queda no chão (efeito). Segundo Hume, não existe nada na causa (solto a pedra da mão) que contenha a relação objetiva de seu efeito (a queda no solo). Por mais vezes que eu repita a experiência, nada no mundo me dará a certeza de que a pedra cairá e não levitará, por exemplo. Portanto, conclui o filósofo inglês, a causalidade não está no mundo, mas é produto de nossos hábitos, ou seja, de tantas vezes ver a pedra cair ao ser solta, acreditamos que haja uma relação causal nos objetos, quando não passa de uma espécie de condicionamento psicológico. A PRIORI, A POSTERIORI, JUÍZO ANALÍTICO E JUÍZO SINTÉTICO PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 7
  • 8. Especial Vestibular Kant também vai se voltar para o sujeito em sua réplica ao ceticismo humeano, mas revestido de um caráter lógico e transcendental (e não psicológico, como em Hume). Antes de analisar a resposta de Kant, vamos ver como ele a formula a questão nos conceitos de a priori, a posteriori, analítico e sintético. Um conhecimento que seja totalmente independente dos sentidos é chamado a priori. São, por exemplo, equações matemáticas, que posso fazer mentalmente sem me apoiar em qualquer evidência material. Um conhecimento que possui sua fonte na experiência é dado a posteriori, como as leis da física clássica, que necessitam de testes práticos para serem comprovadas. Quando emito um juízo em que o predicado está contido no sujeito, ele é chamado juízo analítico. Por exemplo, quando digo "Azul é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do sujeito "azul" e a informação, por isso, é redundante. Mas quando faço um juízo em que um predicado é acrescentado ao sujeito, ele é chamado sintético. Por exemplo, na frase "A cadeira de minha sala é azul", acrescento ao sujeito "cadeira de minha sala" o predicado "azul" (afinal, ela poderia ser verde, vermelha, etc.). É uma informação nova, pois você poderia imaginar que a cadeira fosse de qualquer outra cor. Todos os juízos da experiência são sintéticos, uma vez que, para obter um juízo analítico, não é preciso sair do próprio conceito, isto é, recorrer à experiência (não preciso sair de "azul" para saber que é uma cor, mas preciso ver a "cadeira" para saber de que cor ela é). Agora podemos entender a questão central da Crítica da Razão Pura, que é "Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?". Ou seja, como podemos ter um conhecimento a priori de questões de fato, de coisas do mundo? Em outros termos, como posso, observando um fato A, dizer algo a respeito de um fato B, uma vez que somente tenho a experiência deste fato A? Para voltar ao exemplo de Hume, como, tendo uma pedra em minha mão (fato A), antes mesmo de soltá-la sei que, ao soltá-la, ela irá cair no solo (fato B)? (Lembrando que, para Hume, não há na Natureza nada que demonstre a relação causal entre A e B.) Formulado ainda de outra maneira: como posso, ao observar fatos particulares (uma pedra que cai), tirar daí uma regra de caráter universal (a lei da gravidade), que seja aplicada a todos outros fatos da mesma natureza? SUJEITO TRANSCENDENTAL Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica. Como pode ser constatado pela observação direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o que tornava óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em torno dela. Copérnico demonstrou que este movimento é ilusório, porque, na verdade, a Terra é que gira em torno do Sol. Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura: "Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados." O que Kant quer dizer é que o sujeito possui as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. Ele possui as regras pela quais os objetos podem ser reconhecidos. Não adianta buscar essas regras no mundo exterior, pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido a não ser que o homem dê algum sentido a ele. O que conhecemos, então, é profundamente marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 8
  • 9. Especial Vestibular O computador no qual escrevo, a janela do escritório que me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso é matéria de conhecimento não porque exista um Deus que me faculte entender as leis dos objetos por meio da razão (como no caso de filósofos racionalistas) ou porque estes objetos sejam imprimidos em minha mente pela percepção (empirismo), mas porque eles são capturados por formas lógicas no sujeito. COISA-EM-SI Mas ao voltar o foco para o sujeito que conhece, que "constrói" o mundo, é bloqueado todo pretenso acesso à essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que a realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria de conhecimento humano, sendo, portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido). A coisa-em-si não pode ser conhecida mas pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant, diz respeito ao que é possível de ser objeto da experiência). Três objetos de estudo da metafísica podem ser pensados mas não conhecidos: Deus, a imortalidade da alma e a liberdade. Deus e a alma não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no tempo. A liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente livre não pode ser matéria de conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant, da qual não trataremos neste artigo. A filosofia crítica de Kant consiste, desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a de seu caráter dogmático e trazendo-a para o rumo seguro da ciência. Este método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito, dentro dos limites da experiência, é chamado de transcendental. SUGESTÕES DE LEITURA A Crítica da Razão Pura foi traduzida para o português e publicada pela Editora Abril, na coleção "Os Pensadores", e pela editora portuguesa Calouste Gulbenkian. Ambas são recomendadas. É de grande ajuda, para o domínio do vocabulário kantiano, o Dicionário Kant (Jorge Zahar Editor), de Howard Caygill. Também da Jorge Zahar, o livro Kant & A Crítica da Razão Pura, de Vinicius Figueiredo, propõe introduzir o leitor nessa obra densa e de difícil leitura. Pós-kantianos : FICHTE, SCHELLING e o Idealismo alemão A filosofia de Kant deixou, para seus sucessores, um problema: como conciliar os dualismos entre razão teórica (conhecimento) e razão prática (moral), entendimento e sensibilidade, coisa-em-si e fenômeno, sujeito e objeto? O pensamento pós-kantiano teve como objetivo tentar restabelecer uma unidade na filosofia, conciliando os antagonismos na obra do filósofo. O pensamento pós-kantiano, que pode ser datado entre 1780 e 1850, e situado principalmente nas universidades de Iena e Berlim (Alemanha), ficou conhecido como idealismo alemão. Em comum, além do fato de trabalharem sobre a obra de Kant, esses filósofos tentaram construir um sistema ideal de pensamento que explicasse todas as coisas do mundo. Os primeiros idealistas alemães eram, em sua essência, kantianos, e buscavam resolver impasses na filosofia kantiana. Mas Fichte, Schelling e Hegel, construíram filosofias originais. Este artigo apresenta, sucintamente, as idéias dos dois primeiros filósofos. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 9
  • 10. Especial Vestibular A LIBERDADE INFINITA DO EU O mais audacioso dos pós-kantianos foi Johann Gottliebe Fichte (1762-1814), que conciliou os dualismos kantianos em um princípio denominado Eu, exposto em sua principal obra, Doutrina da Ciência. Em Kant, tínhamos um mundo subjetivo, depositário das formas a priori do conhecimento, e um mundo objetivo, a coisa-em-si, que só pode ser conhecido quando se torna fenômeno para o sujeito. Em Fichte, o mundo objetivo nasce do mundo subjetivo, como se a realidade fosse apenas um palco que o homem teria criado para agir. O que é esse Eu que produz a si mesmo e a realidade? É pura liberdade, pura possibilidade. Ele é infinito e ilimitado. Por exemplo, posso ser o que imaginar ser, desde que não saia de meu mundo interior. Mas, para ser alguma coisa, preciso agir no mundo externo. Ao agir, o Eu cria o não-Eu, que é a própria realidade. Ou seja, segundo Fichte, o mundo não existiria se não fosse colocado pela vontade do Eu, pela ação do sujeito. Ele faz isso para se definir, por meio de suas ações, e vencer os obstáculos da vida. Um exemplo pode ajudar a entender melhor a idéia. Posso ter vários talentos, para desenho, música ou matemática. Mas, para desenvolver um destes talentos, preciso estudar, fazer uma faculdade ou exercitar muito estas habilidades. Ao fazer isso, me confronto com uma série de dificuldades (a falta de dinheiro, o fato de minha cidade não ter escolas especializadas, etc.). Porém, é somente superando tais empecilhos que defino esse Eu, dizendo, por exemplo, "Eu sou músico" ou "Eu sou filósofo". Em Fichte a realidade é criada, na interioridade do sujeito, para que o Eu atinja todo seu potencial e desenvolva suas aspirações. PREGUIÇA É O PIOR DOS MALES A lição da filosofia moral de Fichte é de que precisamos agir no mundo para afirmar nossa liberdade. Existir, para ele, é confrontar os obstáculos da vida, pois assim posso predicar o Eu. O pior vício, segundo o filósofo alemão, é a preguiça, e todos os outros vícios decorrem deste. Preguiça é aquilo que bloqueia a ação e nega a realização da liberdade humana. A Natureza é, por assim dizer, uma pedra diante do Espírito, que precisa ser superada pelo aprimoramento moral do homem. O Eu não é bom nem mau. Suas virtudes são decorrentes de sua ação no mundo, de seu agir. Por isso, a filosofia de Fichte é uma filosofia prática, uma filosofia do agir, pois somente agindo no mundo posso exercer minha liberdade. Afinal de contas, não é superando obstáculos que vencemos nossos limites e nos tornamos melhores? FILOSOFIA DA NATUREZA O ponto de partida da filosofia de Friedrich Wilhelm Joseph Von Schelling (1775-1854) é exatamente o ponto em que ele discorda de Fichte: ao condicionar o objeto ao sujeito, Fichte mantém uma concepção determinista da Natureza, isto é, a Natureza é meramente produto da razão humana. Schelling não concorda com essa idéia. Para Schelling, existe uma organização na natureza, cujo princípio criador é exterior ao Eu mas que, no entanto, compartilha o mesmo Espírito. Como não existe a possibilidade de uma consciência fora do Eu, este Espírito é inconsciente. Segundo o filósofo, há um mesmo Espírito fora do homem e uma mesma Natureza dentro do homem, a diferença é que o homem é consciente disso, a Natureza, não. A concepção de divindade em Schelling é panteísta, o que significa que Deus, para ele, está em todas as coisas. Deus se faz Natureza para existir (necessidade) e ascende do inconsciente na Natureza para o consciente no homem (liberdade) para que este possa se autoconhecer: Ele se vê na Natureza através do homem. Temos então: Espírito (Deus): Inconsciente na Natureza (necessidade) Consciente no homem (liberdade) PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 10
  • 11. Especial Vestibular E quando sujeito e objeto, homem e Natureza, se tocam, se tornam uma Unidade? Na experiência estética, diz Schelling. Uma onda do mar ou um pôr-do-Sol são obras de arte, com seus matizes e formas únicas, expressões de diversidade, originalidade, liberdade e beleza. Também o homem pode produzir o belo em obras de arte, como uma pintura, uma música ou uma dança. É a mesma liberdade que se manifesta de formas diferentes: de forma real no mundo dos objetos, e de forma ideal no mundo da Arte. O GÊNIO ARTISTA E é na experiência de contemplação de uma obra de arte ou da Natureza que o homem tem contato com Deus, que cria beleza de forma consciente no homem (obra de arte) e inconsciente na Natureza (diversidade); em que liberdade (criação artística) e necessidade (materialidade da obra e das coisas do mundo), o infinito e o finito, são unidos. Quando contemplamos um quadro de um grande mestre da pintura, não vemos um objeto, mas transcendemos o objeto na contemplação. O objeto da arte é finito em sua materialidade, sua objetividade, mas é infinito na abertura de suas interpretações. Por este motivo é um equívoco perguntar a um artista o que ele quis dizer com sua obra: ele não tem nada a explicar porque a arte é pura expressão de sentimento, de liberdade e poesia (é por isso que sempre que lemos um bom livro temos sensações e interpretações diversas a cada leitura). A percepção estética é uma via de acesso do Uno, ao contrário da dualidade sujeito-objeto que faz a ciência. Todo procedimento científico cinde sujeito (que conhece) e objeto (aquilo que é conhecido). Na Arte, o que foi separado é de novo reunido na contemplação do infinito (Deus) naquilo que é finito (a obra). Assim, Deus, em Schelling, não é alcançado pelo filósofo, mas pelo gênio artista. A Filosofia da Arte é um elemento original em Schelling, que é o primeiro autor, imbuído do espírito do Romantismo alemão, a colocar a experiência estética como faculdade primária do homem. Ele também é o primeiro filósofo moderno a questionar a visão da Natureza como relação de causalidade, entendendo-a, ao contrário, como essencialmente uma força criativa. LEITURAS A literatura sobre idealismo alemão é escassa nas livrarias brasileiras. Vale a pena uma visita aos sebos para procurar A Filosofia do Idealismo Alemão, de Nicolai Hartmann (Calouste Gulbenkian), a melhor introdução ao tema, e começar as leituras de Fichte e Schelling pelos textos da coleção "Os Pensadores", da Editora Abril Cultural. MARX – Alienação : Do Espírito Absoluto de Hegel à realidade concreta "Esses jovens de hoje, tão alienados...". Esta expressão, que a maioria de nós já ouviu alguma vez na vida, provavelmente foi entendida como se referindo ao fato de que, na juventude, não temos muita responsabilidade, queremos mais é curtir a vida. Mas, afinal de contas, será que somos alienados? O que é, então, alienação? O termo entrou no vocabulário contemporâneo graças a Karl Marx, que, assim como no caso do conceito PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 11
  • 12. Especial Vestibular de dialética, retirou a idéia de alienação de suas leituras de Hegel, mas o revestiu de um caráter inovador e, como em tudo em Marx, muito crítico. Tanto em Marx quanto em Hegel, alienação está ligada ao trabalho. Para Hegel, o trabalho é a essência do homem, quer dizer, é somente por meio de seu trabalho que o homem pode realizar plenamente suas habilidades em produções materiais. Mas quando o pensamento puro se torna pensamento sensível, visando uma realização material na forma de trabalho, nos alienamos, isto é, nos separamos da essência pura e abrimos caminho para uma separação entre ideal e real, que de novo irão se unir ao que Hegel chama de Espírito Absoluto. Muito abstrato? Marx também achou, mas viu nestas idéias algo interessante, que poderia explicar as relações sociais no capitalismo e, mais do que isso, desvendar um dispositivo fundamental da máquina capitalista. Para isso, voltou-se para a realidade concreta, em que os trabalhadores eram explorados em fábricas e deixavam seus patrões cada vez mais ricos, enquanto eles e suas famílias ficavam cada vez mais pobres. Como poderiam aceitar tal coisa? TRABALHO ALIENADO Alienação, para Marx, tem um sentido negativo (em Hegel, é algo positivo) em que o trabalho, ao invés de realizar o homem, o escraviza; ao invés de humanizá-lo, o desumaniza. O homem troca o verbo SER pelo TER: sua vida passa a medir-se pelo que ele possui, não pelo que ele é. Isso parece familiar? Pois é, vamos ver os detalhes. O filósofo alemão concebeu diferentes formas de alienação, como a religião ou o Estado, em que o homem, longe de tornar-se livre, cada vez mais se aprisionaria. Mas uma alienação é básica, segundo Marx: a alienação econômica. A alienação econômica pode ser descrita de duas formas: o trabalho como (a) atividade fragmentada e como (b) produto apropriado por outros. TEMPOS MODERNOS No primeiro caso, a separação do trabalho, em todas as suas instâncias, aliena o trabalhador, que não se reconhece mais em uma atividade - porque ele faz apenas uma peça de um carro em uma escala produtiva e não tem a visão do conjunto, por exemplo - e porque acaba desenvolvendo apenas uma de suas habilidades, seja braçal ou intelectual, provocando, com isso também, uma divisão social. Essa divisão do trabalho foi fundamental para a organização da sociedade capitalista. Não seria possível sequer vestirmos tênis se não existissem trabalhadores que os produzissem em larga escala em fábricas, onde cada um é responsável por uma etapa na produção. O melhor exemplo de como funciona este processo e suas conseqüências sociais pode ser visto no filme "Tempos Modernos" (1936), dirigido e estrelado por Charles Chaplin, que mostra, de forma bem humorada, a vida de um operário sendo controlada pela máquina na linha de montagem de uma fábrica. EXPLORAÇÃO No segundo caso, o trabalhador tem a riqueza gerada pelo seu trabalho tomada pelos proprietários dos meios de produção. Ele é levado a gerar acumulação de capital e lucro para uma minoria, enquanto vive na pobreza. Um empregado de uma fábrica de TV de LCD, por exemplo, em oito horas diárias de trabalho produz, ao final do mês, um número considerável de aparelhos, mas recebe apenas uma pequena parcela disso em forma de salário. O que recebe não permite sequer adquirir aquilo que ele produz - uma TV de R$ 5 mil - e o modo de vida de sua família é muito diferente daqueles que consomem seu produto. O trabalhador não reconhece mais o produto de seu trabalho e não se dá conta da exploração a que é submetido. O que se exterioriza não é sua essência, mas algo estranho a ele. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 12
  • 13. Especial Vestibular Diz Marx: "A alienação aparece tanto no fato de que meu meio de vida é de outro, que meu desejo é a posse inacessível de outro, como no caso de que cada coisa é outra que ela mesma, que minha atividade é outra coisa e que, finalmente (e isto é válido também para o capitalista), domina em geral o poder desumano". Divisão do trabalho e acumulação de capital, que, juntos, formam a base de uma sociedade capitalista, são também as fontes de alienação moderna, segundo Marx, por meio das quais se constitui um sistema de dominação. COMUNISMO Qual a solução? Se o trabalho, no sistema capitalista, é fonte de alienação, e se o capital é, basicamente, propriedade privada, isto é, a posse e o acúmulo de objetos, a superação do homem alienado só virá, para Marx, com a sociedade comunista. Segundo Marx, somente com o comunismo as pessoas deixariam de ser alienadas, pois tudo seria de todos e não haveria necessidade de divisão ou expropriação do trabalho alheio. "A superação da propriedade privada é, por isso, a emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas", diz Marx. Marx, provavelmente, ficaria muito aborrecido em ver que, na prática, os ideais do comunismo, na forma de dogmas, somente trouxeram mais alienação. Sua crítica, no entanto, parece atual diante de uma juventude destituída de ideais políticos que se contenta com prazeres imediatos proporcionados pelo consumo. É o celular da moda, o tênis de marca e o carro de luxo que definem sua essência? SCHOPENHAUER: O mundo como vontade e representação Talvez nenhum outro filósofo tenha exercido maior influência no mundo das artes do que o alemão Arthur Schopenhauer. O compositor Richard Wagner, por exemplo, disse ter criado uma de suas maiores óperas, "Tristão e Isolda", como reação à leitura de Schopenhauer. Na literatura, o número de romancistas e contistas que compartilharam das ideias de Schopenhauer é imenso: os russos Tolstoi, Tcheckov e Turguêniev, os franceses Zola, Maupassant e Proust, os ingleses Hardy, Conrad e Maugham, sem falar no argentino Jorge Luís Borges e no brasileiro Machado de Assis. Também se encontram no mesmo caso poetas como escritor de língua alemã Rilke e o inglês T. S. Eliot, além de dramaturgos como o inglês Bernard Shaw, o irlandês Samuel Beckett e o italiano Luigi Pirandello. Mas a influência de Schopenhauer não para por aí: Friedrich Nietzsche disse ter se tornado filósofo devido à leitura de Schopenhauer, que também foi o ponto de partida da filosofia de Wittgenstein. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, reconheceu que a análise da repressão - um dos pilares da teoria psicanalítica - foi feita pioneiramente por Schopenhauer, que é com frequência citado por Carl Gustav Jung. ESQUECENDO O ESQUECIMENTO No entanto, na segunda metade do século 20, Schopenhauer foi deixado de lado e se tornou tão ignorado como foi na maior parte de sua própria vida. Vivo, só obteve reconhecimento depois dos 60 anos. De certo, isso o magoava, mas não o impediu de pensar de modo original e contrário ao pensamento oficial de seu tempo, que desprezou e atacou em suas obras. Esqueçam-se, porém, esses aspectos todos, que são circunstanciais. O que importa é a filosofia schopenhaueriana. Esta se encontra exposta numa obra-prima que ele escreveu ainda na casa dos 20 anos: "O Mundo como Vontade e Representação", de 1818, e da qual lançou uma edição revista e ampliada (a definitiva) em 1844. O ponto de partida schopenhaueriano foi a obra de Immanuel Kant, que, segundo Schopenhauer, constituiu um divisor de águas na filosofia que lhe antecedeu, a partir de Descartes. Kant concebe o mundo de uma maneira dualista, apontando dois aspectos da realidade: PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 13
  • 14. Especial Vestibular 1) aquele suscetível de ser experimentado pelo homem (sujeito), o mundo dos fenômenos, que são, por assim dizer, as coisas tais quais as percebemos (ou seja, uma relação entre sujeito que percebe e objeto percebido); 2) aquele não suscetível de ser experimentado, a coisa-em-si, incognoscível. CRÍTICA A KANT Para Kant, a ciência é a chave do conhecimento do mundo da experiência e ela não tem ação fora desse mundo. O que se encontra além dele - a coisa-em-si, seja o que for - jamais será conhecido. Schopenhauer compartilha dessa visão dual, mas a critica, considerando que assim leva adiante a concepção kantiana. Para ele, a realidade também consiste em fenômenos e na coisa-em-si. Esta última, porém, não consiste de coisas diferentes. Para existir diferença, é preciso que existam tempo e espaço, mas o tempo e o espaço são categorias que pertencem à concepção humana, ao mundo fenomênico. Onde não há tempo nem espaço tudo é indiferenciado e uno. Assim é a realidade da coisa-em-si. Ela também não pode ser causa do fenômeno, pois uma conexão de causalidade só funciona no mundo fenomênico. Desse modo, o fenômeno é, na verdade, uma manifestação da coisa-em-si. VONTADE E REPRESENTAÇÃO Em última análise, a mente e a consciência nos permitem ver a representação da coisa-em-si. Esta, entretanto, não tem nada que ver com a mente ou consciência. É uma força impessoal que Schopenhauer chama vontade. O filósofo emprega este termo porque a Vontade é a experiência direta mais próxima que podemos ter disso. É a Vontade o motor de nossas vidas. É importante notar aqui que a coisa-em-si, segundo Schopenhauer, é incognoscível, mas experienciável, no que ele também se afasta de Kant. Por outro lado, o filósofo se aproxima do pensamento oriental, hinduísta e budista, que, pela via religiosa, chega às mesmas conclusões que Schopenhauer chegou: o mundo sensível é uma ilusão (Maya) que mascara uma realidade una e transcendente. ATEÍSMO E PESSIMISMO Nesse sentido, convém lembrar que Buda e Schopenhauer eram ateus. Para os dois, essa realidade una, absoluta e transcendental eram respectivamente o Vazio e a Vontade. Para Buda, o homem deve esquecer e superar suas paixões e desejos terrenos para atingir a iluminação e escapar ao sofrimento. Para Schopenhauer este mundo é também uma ilusão e não devemos nos preocupar com ele, mas sim repudiá-lo. O filósofo alemão, contudo, vê na arte a possibilidade de transcendência, em especial na música, que nos retira do tempo, do espaço e até do nosso corpo, resgatando-nos momentaneamente do suplício da existência. A visão de mundo de Schopenauer é profundamente pessimista. Para ele, somos escravos de nossos desejos. Mal satisfazemos um e outro surge, de modo que vivemos permanentemente insatisfeitos. Além disso, o mundo está repleto de injustiça e violência. A existência é, assim, uma fonte de sofrimentos "Cada vida individual é uma tragédia insignificante que termina numa morte inevitável", resume o comentarista inglês Brian Magee, ao referir-se ao modo como Schopenhauer encara a existência. ÉTICA DA COMPAIXÃO PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 14
  • 15. Especial Vestibular Por outro lado, apesar dessa visão sombria da existência, Schopenhauer apresenta uma visão da moral e da ética que se opõe à de Kant, aproxima-se do budismo e do cristianismo, chegando a dizer que se pode qualificar sua doutrina como a "verdadeira filosofia cristã". Qual o fundamento da ética para Schopenhauer? O fundamento não é a razão, como pensava Kant. Ao contrário, como nossos corpos são apenas uma manifestação fenomênica da unidade da coisa-em-si, somos indivíduos separados apenas na aparência. No fundo, tudo e todos são um. Isso nos possibilita a identificação com o outro, a compaixão e o amor, em seu sentido mais lato. NIETZSCHE: Individualismo e "vontade de poder" Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade. No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietszche não vê a realidade repartida em duas, o fenômeno e a coisa em si. Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastarmos dele, mas viver nele com plenitude. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido? Nietszche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para assentar nossos valores. JUSTIÇA DOS FRACOS A civilização, de acordo com o Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa realidade em nome dos fracos. Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros. "SUPER-HOMEM" Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver seu potencial máximo de modo a tornar-se um super- homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa. Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas ideias, mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização. Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que pretender abolir a lei da gravidade. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 15
  • 16. Especial Vestibular DESAFIO E RESPOSTA O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o problema sobre o qual iriam se debruçar muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas. Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas ideias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma coleção das obras de Nietzsche. Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'". Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra". Filosofia da ciência: KARL POPPER, falseabilidade e limites da ciência Karl Popper nasceu em 1902, praticamente junto com o século 20. Nessa época, a ciência parecia ter atingido o auge do prestígio. A revolução industrial iniciada na Inglaterra do século 18 se fundamentou na divisão e organização do trabalho e nas novas tecnologias que aproveitaram as possibilidades abertas pela ciência determinista de sir Isaac Newton. A utilização maciça das aplicações técnicas do conhecimento científico produziu um período de progresso material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois séculos neste campo do que nos quatro mil anos anteriores. Esse progresso acelerado colocou o conhecimento científico numa posição de destaque, que, no século 19, culminou no cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser colocada acima de todos os outros modos do saber. SUPERVALORIZAÇÃO DA CIÊNCIA Essa combinação de fatores sócio-históricos gerou grandes distorções, como o fato de a ciência, tornada laica pelo iluminismo europeu, ganhar status religioso em doutrinas como o positivismo e outras, durante o século 19 e início do 20. É neste ambiente de supervalorização do progresso científico e de deturpação da natureza original da ciência que surge Karl Popper, que se tornaria o mais influente e respeitado filósofo da ciência entre os homens que a fazem nos dias de hoje. Austríaco de nascimento e britânico por opção, Popper é o autor da definição atualmente mais aceita de teoria científica: PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 16
  • 17. Especial Vestibular "Uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos. Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos com base em alguns postulados simples como também deverá ser capaz de fazer previsões claras as quais poderão ser testadas." Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a ser virtudes identificadoras da boa ciência, que assim se separa das mistificações que nos dois séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio. OBSERVAÇÃO E TEORIZAÇÃO Popper defendeu que, se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o que foi observado, nunca sobre o que não foi. Assim, se um cientista observa milhares de cisnes, em muitos lugares diferentes e verifica que todos os cisnes observados são brancos, isto não lhe permite afirmar cientificamente que todos os cisnes são brancos, pois, não importa quantos cisnes brancos tenham sido observados, basta o surgimento de um único cisne negro para derrubar a afirmação de que eles não existiriam. Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade absoluta ou definitiva. Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada válida até quando provada falsa por outras observações, testes e teorias, mais abrangentes ou exatos que a original. FALSEABILIDADE A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria essência da natureza científica. Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade. Segundo Popper, o que não é falseável ou refutável não pode ser considerado científico. As teorias da gravitação universal de sir Isaac Newton são científicas, por que além de se enquadrarem na definição ao propor equações simples que descrevem os modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões acertadas com base nelas. E as teorias de Newton também são falseáveis. Tanto que o foram, quando Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade demonstrou que a mecânica newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz. TEORIA DA RELATIVIDADE O clássico experimento do eclipse, no qual Einstein provou que a luz era afetada pelos campos gravitacionais e o experimento posterior, que provou que cronômetros de altíssima precisão postos em alta velocidade em relação à Terra apresentavam pequenos atrasos quando comparados a cronômetro idêntico mantido imóvel na superfície, trouxe a ciência aos novos tempos em que o tempo não mais era absoluto. Mesmo assim, as teorias de Newton continuam válidas para a maioria das aplicações cotidianas, quando a influência da velocidade pode ser considerada desprezível para as aplicações práticas. A ciência mais uma vez mostrava seu poder de se renovar e melhorar a partir de suas próprias definições. Por outro lado, seguindo as definições e o conceito da falseabilidade de Popper, a astrologia de horóscopo moderna não pode ser considerada científica. Todo o gigantesco arcabouço da mecânica newtoniana, o mais prestigiado modelo científico de todos os tempos, foi falseado por dois experimentos simples e uma equação magistral (E = mC2). Mas não existem experimentos possíveis que possam falsear a teoria de que a posição de determinados corpos celestes afetam a vida de pessoas nascidas em determinado período de determinada forma. PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 17
  • 18. Especial Vestibular A abrangência das previsões e a falta de um modelo simples e claro que as expliquem tornam a astrologia de horóscopo não falseável e, portanto, não científica. LIMITES DA CIÊNCIA Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência tratar de assuntos do domínio da religião, que tem suas doutrinas como verdades eternas ou da filosofia, que busca verdades absolutas. O melhor no velho filósofo, que se opôs ao nazismo e dedicou sua vida à defesa de boas causas, é que suas teorias se aplicam a elas próprias. Assim, se amanhã alguém redigir uma melhor definição de teoria científica, as ideias de Popper humildemente sairão de cena para tomar seu lugar na história da ciência. Entre as muitas virtudes que nossa ciência adquiriu dos grandes sábios que lhe deram grandeza, Popper nos mostrou uma ciência que se faz grande na virtude da humildade. WITTGENSTEIN e o argumento da linguagem privada O filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é conhecido por ter desenvolvido duas filosofias bem distintas em sua vida, uma exposta na obra Tratactus Lógico- Philosophicus, de 1921, e outra em Investigações filosóficas, publicado postumamente, em 1953. Os dois livros são representativos no pensamento de Wittgenstein por exporem duas teorias da linguagem bem diferentes. A primeira, de que a linguagem figura o real, influenciou os positivistas lógicos do Círculo de Viena, enquanto a segunda, de que a linguagem expressa o real em suas funções práticas, contribuiu para mudar os rumos da filosofia analítica, na Escola de Oxford. Uma maneira interessante de verificar essa distinção é analisando o chamado "argumento da linguagem privada", que Wittgenstein, apesar de nunca tê-lo chamado com esse nome, trabalha em Investigações filosóficas. LINGUAGEM E PERCEPÇÃO Para a tradição filosófica desde Descartes, a linguagem se refere a um conjunto de dados dos sentidos. A frase "dor de dente", assim, se refere a uma sensação de dor que a pessoa sente em algum dente. Mas como saber se o que estou sentindo e chamo de "dor de dente" corresponde àquela mesma sensação que você teve e que também chamou de "dor de dente"? Ou o que você chama de "amor", será que é o mesmo referente que eu designo quando uso essa palavra? Ou ainda, quando um repórter na TV pergunta para uma pessoa o que ela está sentindo, depois de sobreviver a uma enchente, por exemplo, o relato corresponderia realmente às mesmas sensações que teríamos se tivesse acontecido conosco? É razoável supor que podemos usar palavras de forma equivocada, como quando digo que uma cor é "lilás" e outra pessoa diz "roxo". Estamos tendo a mesma percepção do espectro de luz? Diz o filósofo: "O essencial das vivências privadas não é que cada um possua seu exemplar, mas que nenhum saiba que se o outro tem também isto ou algo diferente. Seria pois possível a suposição - ainda que não verificável - de que uma parte da humanidade tenha uma sensação do vermelho e outra parte uma outra sensação" (IF § 272). PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 18
  • 19. Especial Vestibular Como aprenderíamos a ligar o nome a uma coisa, se o nome fosse inventado tendo como base a minha percepção das coisas? Como saber que estamos falando da mesma coisa? Wittgenstein dá ainda o exemplo da caixa contendo um besouro: "Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que dentro dela houvesse algo que chamamos de 'besouro'. Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro apenas por olhar seu besouro. Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa" (IF § 293). Poderia também inventar um nome completamente distinto para as coisas de modo que somente eu compreendesse aquilo, como uma linguagem privada que não pudesse compartilhar com o mundo. Um vocabulário e uma gramática desconhecida dos demais, um código próprio que somente quem o criou pudesse compreender. O argumento da linguagem privada de Wittgenstein nega que tal coisa seja possível. Basicamente, faz isso por rejeitar a noção de que as palavras tenham como referentes diretos as sensações, que elas representariam. LINGUAGEM E COMPORTAMENTO Para o "segundo" Wittgenstein, não aprendemos que a palavra "dor de dente" significa uma sensação de dor de dente, mas aprendemos a expressar um comportamento. Em outras palavras, uma criança não aprende a essência de um dado sensível representado por um signo (a palavra "dor", por exemplo), mas como expressar um determinado comportamento, um uso prático. Vejam o que Wittgenstein diz: "Como as palavras se referem a sensações? (...) Por exemplo, da palavra 'dor'. Esta é uma possibilidade: palavras são ligadas à expressão originária e natural da sensação, e colocadas no lugar dela. Uma criança se machucou e grita; então os adultos falam com ela e lhe ensinam exclamações e, posteriormente, frases. Ensinam à criança um novo comportamento perante a dor" (IF, § 244). Quando uma criança sente dor, ela reage com uma expressão natural de dor, o choro. Mas fica muito difícil para uma mãe, por exemplo, saber se uma criança que chora está com dor de ouvido, cólica ou apenas irritada e com sono. Com o tempo, a criança é adestrada a substituir uma expressão natural por uma outra, simbólica. Assim, quando sente dor, usa uma frase para expressar a dor, que substitui ou complementa um grito ou choro, dizendo "Estou com dor de ouvido" ou "Minha barriga dói". Não somos, deste modo, ensinados a usar uma palavra para significar um objeto, mas um uso linguístico, simbólico e convencional, que pode substituir uma expressão natural para tais sensações. Para Wittgenstein, o significado de uma linguagem é dado em seu uso, e como são usos diferentes, ele fala em jogos de linguagem. Não aprendemos o nome das coisas, mas um comportamento expressivo que substitui o comportamento natural. Para concluir, a solução para o problema da caixinha do besouro: "Mas, e se a palavra 'besouro' tivesse um uso para essas pessoas? Neste caso, não seria o da designação de uma coisa. A coisa na caixa não pertence, de nenhum modo, ao jogo de linguagem nem mesmo como um algo: pois a caixa poderia também estar vazia. Não, por meio desta coisa na caixa, pode-se 'abreviar'; seja o que for, é suprimido. Isto significa: quando se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de 'objeto de designação', então o objeto cai fora de consideração, como irrelevante" (IF § 293). Isso quer dizer que não importa a sensação que tenhamos - a suposta "essência" de nossa linguagem -, mas simplesmente sua função, seu uso no cotidiano. CONHECIMENTO EMPÍRICO As reflexões de Wittgenstein o levam a concluir que é impossível falar de uma linguagem privada, pois o que se aprende não é uma palavra que designa uma coisa, mas um conjunto de regras sociais para cada uso que fazemos da linguagem. Isso tem, pelo menos, duas consequências para a filosofia analítica: PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 19
  • 20. Especial Vestibular Como a linguagem não descreve sensações de objetos físicos exteriores, não há nenhum sentido em se falar de enunciados verdadeiros ou falsos em relação à palavra com seu objeto. Não tendo como distinguir entre enunciados verdadeiros ou falsos em relação a questões de fato, se torna impossível fundamentar o conhecimento empírico nos dados dos sentidos, com queriam os positivistas lógicos. As especulações de Wittgenstein iriam repercutir no trabalho de teóricos importantes, como no pragmatismo do filósofo americano Willard Van Orman Quine (1908-2000) e na teoria dos atos de fala do filósofo inglês John Langshaw Austin (1911-1960). Referência bibliográfica WITTGENSTEIN, Ludwig. "Investigações Filosóficas", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1991. [Citados como IF, seguido do parágrafo]. FONTE: UOL VESTIBULAR PROVESTIBULLAR.BLOGSPOT.COM.BR Página 20