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Administrar a própria vida
O evangelho de São Lucas nos oferece (cf. 12, 32-48) qualidades que os discípulos de Jesus
devem ter para segui-lo no seu caminho para Jerusalém, onde sabemos que acontecerá o
desfecho final de sua obra e missão. Através de uma série de elementos que estão também
presentes no famoso sermão da montanha em Mateus, Lucas nos apresenta um conjunto de ditos
e parábolas sobre a vigilância e a fidelidade ao Senhor.
Lucas, vivendo no ambiente mercantilista do Império Romano, escrevendo em uma cidade,
Éfeso ou Corinto, vê constantemente o mal causado pelas falsas ilusões da riqueza e bem estar,
além do escândalo da fome (cf.16,19-31). Ele é um evangelista que cuida, mais que nenhum
outro, deste aspecto tão determinante da vida social e econômica e como os cristãos deviam
tomar uma postura frente à injustiça e a divisão de classes. Se escrevesse hoje, não precisaria
mudar muito. Nesta realidade em que vivemos de uma sociedade consumista, diz-nos Jesus, que
a primeira coisa que temos que fazer é desapegar nosso coração do afeto imoderado ao dinheiro:
“Vendei vossos bens e daí esmola. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável
nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará
também o vosso coração.” (Lc 12,33-34) Se para nós o mais importante na vida é o dinheiro, se
temos posto nosso coração no dinheiro, dificilmente poderemos entender a mensagem
evangélica. Cristo nos diz que devemos por o coração nos valores do Reino de Deus, nos valores
evangélicos. Isto não é nada fácil, porque o dinheiro e os prazeres deste mundo nos tentam
continuamente. Por isso, devemos estar sempre vigilantes, para que não se introduza em nosso
coração o apego ao dinheiro e aos bens deste mundo. Cristo viveu totalmente desapegado do
afeto ao dinheiro, preocupado unicamente dos valores do Reino. Como cristãos, devemos fazer
nós o mesmo.
“Precisamos possuir alguns bens para viver, é certo; mas não são a fonte da vida nem está neles a
chave e o segredo para ser pessoa. Porque somente quem ama e vive em solidariedade e abertura
aos outros, dando-se a Deus e ao próximo, tem uma vida autêntica e, em última análise, é feliz
porque entende a vida com sabedoria. O sem-sentido da vida aparece quando o homem se fecha a
Deus e aos irmãos, pois sem relação com os valores perenes que Deus, Cristo e o próximo
representam, as coisas e os bens carecem de referência que lhes dê um valor que em si mesmos
não possuem para a felicidade humana, como demonstra a experiência.” (Caballero, B. 2000.)
Na teoria sabemos tudo isso! Que o mais importante não é o dinheiro e sim Deus e as coisas de
Deus, mas não é bem assim que se passa em nossa vida, quando nos decuidamos e não vigiamo o
dinheiro acaba se convertendo no mais importante. Talvez o problema real está em discernir qual
é o maior bem para nós e que meios usamos para consegui-lo. E por isso Jesus pergunta onde
está o teu tesouro?
Que tesouro tenho eu e que posso compartilhar com os outros? Essa é a força transformadora do
amor, que nos transforma a nós e transforma nossa relação com os outros. Quem descobriu este
tesouro do amor desprendido e o compartilha põe nele todo seu coração e se mantém
administrador vigilante e fiel.
“Qual é, então, o administrador fiel e prudente que o senhor constituirá sobre o seu pessoal para
dar em tempo oportuno a ração de trigo? (Lc 12,42) “Ao fazer uso da imagem do administrador,
procura Ele (Jesus) representar aqueles que têm alguma autoridade ou poder sobre outros. A
aplicação incidia diretamente sobre Pedro e os Apóstolos, que receberiam em suas mãos a
instituição da Igreja e também abrangeria os pais, tutores, etc. A primeiríssima obrigação do
administrador é a de não se apropriar de nenhum dos bens que o Senhor lhe confiou e por isso
não procurar seu prazer, sua glória e sua vontade, mas sim o puro interesse de seu senhor. Em
segundo lugar, deve ser prudente, discernindo com senso de hierarquia como distribuir os
trabalhos em proporção aos talentos e às forças de cada um. Ademais, deverá prover às
necessidades de todos, oferecendo-lhes os meios e instruções, sustento, etc., para o desempenho
das respectivas funções. Procedendo com esse amor à perfeição, a autoridade, ao encontrar-se
como seu senhor, além da bem-aventurança, receberá a administração de toda as suas
posses.”(Clá, 2012.)
Todos sabemos como é difícil administrar fiel e diligentemente uma empresa e administrar bem,
em geral, a vida dos outros. Que se pergunte a nossos políticos e governantes. Mas, eu creio que
governar bem nossa própria vida é ainda mais difícil que administrar bem a vida dos outros.
Porque o egoísmo, a ambição, os aparentes interesses, a falta de sinceridade, nos cegam
tremendamente e nos impedem de ver-nos a nós mesmos com imparcialidade e realismo. Muitas
vezes nem reconhecemos nossa incompetência para administrar nem a nossa vida, quanto mais a
dos outros.
A parábola do evangelho de hoje não é dirigida apenas aos governantes e administradores em
geral, mas também vai diretamente a seus discípulos, a “seu pequeno rebanho”. A eles lhes diz
Jesus, que devem estar sempre preparados para que quando chegar o Senhor lhes encontre
vigilantes, dispostos a abrir-lhe a porta, porque, “na hora em que menos pensais, virá o Filho do
Homem.” (Lc 12,40)
“O Senhor virá. É absolutamente certa sua vinda... Poderá ser, portanto, num dia inesperado;
numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos se multiplicavam, e, quiçá,
as inclinações já se lançavam nos prazeres, realizações, negócios...” (Ibid. Clá.) Um cristão, um
discípulo de Cristo, deve entender sempre sua vida como uma preparação para a vida eterna. Este
mundo é caminho para o outro, e cumpre ter bom tino administrativo para andar neste caminho
sem “errar”. O negócio mais importante de nossa vida é nossa vida mesma e nossa vida aqui na
terra, falando em cristão, deve conduzir-nos diretamente à vida eterna. Porque, se administramos
bem nossa vida, quando chegar o Senhor “nos fará sentar a sua mesa e nos irá servir”.
Administrar bem a nossa própria vida é viver de tal modo que sejamos dignos de receber a vida
eterna. O mais importante dessa mensagem é que cada um, assumindo o que Deus lhe confiou, a
sua responsabilidade de cuidar do mundo, de cuidar do bem de todos os que estão em casa,
conhecendo a vontade do Pai no dia-a-dia, está preparando sua eterna e alegre companhia junto a
Cristo.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Dias, Mons. João Scognamiglio Clá. O inédito sobre os Evangelhos, comentários aos Evangelhos dominicais Ano C – Domingos do Tempo Comum. Vol VI. São
Paulo, Instituto Lumen Sapientiae, 2012.
Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000.
Dar um sentido a vida
A Liturgia deste domingo faz-nos percorrer um itinerário de fé muito interessante e questionador.
A Palavra de Deus nos interroga: Que sentido tem a nossa vida? Qual é o centro da vida humana?
A vida se limita ao tempo presente? A vida consiste ou se realiza no desfrutar dos bens materiais?
Estes questionamentos, respondemos com nosso estilo de vida.
“Que sentido tem a nossa vida? Esta interrogação ocupa as mentes e as reflexões de muitas
pessoas. De fato muitos, embora tendo uma vida social e economicamente satisfatória, não
conseguem sentirem-se felizes; outros, perante as dificuldades, são tentados a entrar numa
espécie de amargo cinismo e a entregar-se à procura de prazeres. O ‘vazio’ pode ser a origem de
varias tristezas e depressões. Cria-se então a ilusão de que para sair deste estado de coisas é
suficiente uma espécie de ‘filosofia’ de vida: coerência; desinteresse; agressividade ou
fundamentalismo; ou então, simplesmente uma superficialidade e um espírito bonacheirão, que
dá a cada um o ‘seu’ e também a Deus, desde que seja salvaguardado o seu espaço pessoal.
Em nossa sociedade existe a convicção de que o importante para viver bem é ganhar, gastar,
desfrutar e satisfazer nossos desejos, muitas vezes disfarçados de necessidades. A Palavra de
Deus desmascara esta ilusão... O autor do Eclesiastes, (cf. Ecl 1,2;2.21-23) um sábio de Israel
comparado na sabedoria a Salomão, interroga-se para que afadigar-se na vida, agitar-se e
inquietar-se. A sua sentença irônica e lapidar, ‘tudo é vaidade’ (1,2), (em hebraico, ‘vaidade’ =
vazio) coloca a descoberto o fato de que nenhuma coisa, vista em si mesma, está em condições
de dar um sentido à vida, mesmo as coisas mais sagradas como o trabalho feito
conscienciosamente, a cultura mais profunda ou o sucesso merecido. O homem está como ‘nu’
perante a vida que o persegue de todos os lados com suas lógicas férreas, com a fragilidade, a
velhice e a morte. E o grotesco é que, quando uma pessoa constrói alguma coisa com esforço e
consciência, esta pode ser usufruída por um preguiçoso que o herda.” (1,21) (Casarin, 2010.)
Esta conduta do sábio a vemos, por exemplo, encarnada na pessoa de Jó, herói dos tempos
antigos, considerado o grande justo, que permaneceu fiel a Deus na provação e que exclama com
serenidade: “Nu sai do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá, o Senhor o deu, o Senhor o
tirou, bendito seja o nome do Senhor!” (Jo 1,21)
“Jesus no evangelho (cf. Lc 12,13-21) retoma o discurso das riquezas, mas numa chave bem
diferente. A ocasião lhe é oferecida por um fulano que, intrigado com o próprio irmão, se dirigiu
a ele para uma espécie de arbitragem; trata-se, talvez, de um irmão menor que quer convencer o
irmão mais velho a repartir com ele a herança paterna, em vez de mantê-la indivisa obrigando-o a
conviver na mesma família. Jesus não só recusa esta função de ‘juiz mediador’, mas denuncia a
raiz de todas essas discórdias entre irmãos: ‘Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez,
pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens’(12,15) e
acrescenta a parábola do rico tolo, para fazer entender quão errados são aqueles que põem todas
suas esperanças nos bens materiais.“ (Cantalamessa, 2012.)
A parábola (cf. Lc 12, 16-21) abriga esta mentalidade das pessoas que trabalham acumulando
bens e pensando que logo terão a vida toda pela frente para desfrutar de suas riquezas. Não se
quer censurar a preocupação por dispor dos bens necessários para a vida, mas sim, o que o
evangelho reprova é a acumulação, e a despreocupação com os outros. O desejo de açambarcar,
fruto da mais feroz falta de solidariedade, do mais selvagem egoísmo. É o “viver para si mesmo”
cujo ponto de referência de tudo é o ”eu”.
O “viver para si mesmo” é um modo de estar no mundo, de realizar a existência no arco de anos
entre o nascimento e a morte. É um modo de pensar, de atuar, de relacionar-se com as pessoas e
com as coisas, cujo ponto de referência de tudo é o “eu”. O saber, o trabalho, o esforço com seus
bons resultados aparecem, ante o velho eu.
Ora, se o ser humano é um ser destinado a morrer, para que serve seu saber, seu trabalho, se não
pode vencer o seu destino mortal? Desculpe-me o pessimismo! Por outro lado, há algo mais
efêmero que essa realidade? Como se pode fundar uma existência, que é breve, sobre algo que
hoje é e amanhã desaparece? Como se pode olhar de frente a morte, quando os grandes valores
que têm regido a vida têm sido os bens materiais e as aparências, a quem está proibido de passar
o umbral do mais além?
“Tudo é vaidade” quando o “eu” é o centro da vida, aí temos o chamado “homem velho”, incapaz
de por si mesmo sair do seu fechamento, cada vez mais submergindo no fundo do pecado, com o
olhar cada vez mais posto nas coisas da terra, sem possibilidade de alcançar as alturas. Então
você há de convir que com razão se possa aplicar a quem vive para si, as palavras de Jesus na
parábola do texto evangélico: "Insensato! Nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as
coisas que acumulaste, de quem serão?” (Lc 12,20)
Podemos entender esta palavra, “insensato”, ouvi-la como uma condenação. Mas, há outra
maneira de entendê-la. Podemos ouvir como se Jesus estivesse libertando este homem, ou o ser
humano, de seu pequeno, irreal e falso sonho. O homem ou a mulher estão presos no diminuto
mundo de si mesmos. Está totalmente só. Este é um mundo onde não se pode ser feliz. E quando
Jesus lhe chamou de “insensato”, o está libertando dessa pequena prisão que foi construindo.
Liberta-nos de nosso egoísmo, do vazio e da visão materialista da vida. É ao mesmo tempo um
convite a guardar-nos de toda forma de ambição, porque nossa vida não depende de nossos bens.
Esta libertação possibilita a realização do “homem novo”; a pessoa humana em sua plenitude;
que desenvolve uma nova vida em Cristo. Nós não podemos com as nossas forças dar um sentido
à nossa vida, este sentido vem-nos de Deus, através de Jesus Cristo.
Nas palavras de São Paulo (cf. Col 3,1-5.9-11) o cristão é um “homem novo”: “Se ressuscitastes
com Cristo, procurai as coisas do alto... pensai nas coisas do alto, e não nas da terra... Vós vos
desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para
o conhecimento segundo a imagem do seu Criador”. Isto é situar-nos em outro horizonte para
construir um novo ser humano, libertado de toda forma de cobiça, da injustiça, do egoísmo e
edificado sobre o mistério Pascal. É construir em Cristo o valor da fraternidade e da
solidariedade com os mais pobres, é também abrir os olhos ante a ambiguidade que se esconde
em um desenvolvimento econômico mundial e em uma técnica que desconhece a dignidade da
pessoa humana e a miséria na qual vive a maioria da humanidade.
Segundo dados atuais “as 300 maiores fortunas do mundo acumulam mais riqueza que os mais
de 3.000 milhões de pobres... ‘Citamos estes números porque nos oferece uma comparação clara
e impressionante: as 200 pessoas mais ricas possuem aproximadamente 2,7 trilhões de dólares e
isso é muito mais que o que possui as 3.500 milhões de pessoas, que possuem um total de 2,2
trilhões”, explica o economista Jason Hickel, citando um estudo recente da ONG Oxfam, que
salienta que o 1% dos mais ricos aumentou seus ingressos em 60% nos últimos 20 anos com a
radicalização das políticas imperialistas. De acordo com o economista, o crescimento da brecha
se deve em parte às políticas econômicas neoliberais que instituições internacionais como o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio
(OMC) impuseram aos países em desenvolvimento durante as últimas
décadas.” (http://www.adital.com.br/?n=cl74)
Egoísmo, ganância e injustiça sempre andam juntos. Por exemplo, a ganância está na origem da
corrupção das pessoas públicas, que não se conformam com o que lhes corresponde, mas sim que
intentam aproveitar-se do cargo privilegiado que ocupam. Tá na boca do povo: “a ambição do ter
é insaciável”. Converte os que deveriam ser servidores da sociedade em corruptos
aproveitadores. Inclusive leva-os a apropriar-se do que pertence aos excluídos de nossa
sociedade.
É necessário que todos compreendamos, que crer em Jesus Cristo nos leva a um comportamento
ético, a uma ética cristã. É urgente a regeneração ética de nossa sociedade. Talvez Gandhi tenha
razão quando dizia que com a mensagem evangélica ocorreu o que com uma pedra depositada no
fundo do lago. A água não impregnou seu interior.
Necessitamos mudar, converter-nos, transformar nossa vida, ser homens e mulheres novos,
encontrar o novo sentido da vida. Talvez, em nossa evangelização temos insistido
demasiadamente em alguns sacramentos e nos temos esquecido do principal, que é a prática do
amor e da justiça. Por exemplo, a Doutrina Social é uma grande desconhecida e ignorada por
grande parte dos cristãos. É necessário inverter nossa vida nos valores do Reino de Deus. Esta
vida nova que irrompe em nós quando, como diz o Apóstolo Paulo Cristo mesmo é “vossa
vida” (Col 3,4).
Que sejamos homens e mulheres novos com os pés firmados nesta realidade do mundo e na
desafiante tarefa de criar um mundo novo, mas tendo o olhar e o coração postos acima, no céu,
para onde caminhamos com confiança e esperança. Os bens do alto começam nesta vida. As
“coisas do alto” indicam os valores da vida nova em Cristo; que nos fazem ser ricos diante de
Deus, por entregar nossa vida, nossas capacidades ou dons na luta para alcançarmos a libertação
e a felicidade de todos.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas XVIII-XXXIV,
Lisboa (Portugal), Paulus, 2010.
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a palavra de Deus – Anos A,B,C.
São Paulo, Ave Maria, 2012.
A única coisa necessária
O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 10,38-42) nos apresenta neste domingo Jesus em Betânia, na
casa de Marta e Maria; uma casa de mulheres o que não podia ser bem visto naquela sociedade
judia. Mas, o evangelista Lucas é o evangelista da mulher e quer ressaltar o sentido do
discipulado cristão das mulheres no ambiente das comunidades primitivas.
Sintamo-nos na casa de Marta e Maria. A cena se dá num ambiente muito familiar, entre amigos,
em casa. Tudo pode ter acontecido mais ou menos assim: Enquanto algumas pessoas conversam,
outras preparam a comida. As duas coisas são importantes e necessárias, as duas se completam,
sobretudo quando se trata de acolher um hóspede querido. Marta, como anfitriã, segundo o
costume da época, está fazendo os trabalhos próprios de sua condição de mulher: a limpeza da
casa, a cozinha, a mesa, a acolhida e atenção aos hóspedes. Maria, sua irmã ao contrário, salta
seu papel de mulher e se atreve a realizar o que só correspondia aos homens: Maria se sente
autêntica discípula de Jesus e se agacha aos seus pés pondo-se a escutá-lo.
É obvio que Marta se chocou com aquela atitude “revolucionária” para uma mulher, e reprovou o
fato de sua irmã querer ser discípula. Pede então a Jesus que intervenha: “Senhor, a ti não
importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o trabalho? Dize-lhe, pois que me
ajude”. (Lc 10,40-41)
Marta reclama porque se considera uma servidora e pensa que o seu serviço (diaconia) de acolher
os hóspedes, preparar a comida e servir à mesa é mais importante que o de sua irmã que escuta e
conversa com Jesus. Para Marta, o que faz Maria não é serviço.
Mas, Marta deve entender que ela não é a única “serva”. Também Jesus assume o papel de servo
e o profeta Isaías fala que o serviço principal do “servo” é o de estar diante de Deus à escuta, em
oração para poder descobrir uma palavra de conforto para aqueles que estão cansados. (cf. Is
50,4) Então, surge a pergunta: quem realiza melhor o serviço de serva: Marta ou Maria?
Marta se preocupa em servir, queria ser ajudada por Maria no serviço da mesa. Mas qual é o
serviço que Deus deseja? Esta é a questão. O comportamento de Maria está mais de acordo com
o comportamento do “Servo de Deus”, porque, como ele, ela se encontra numa atitude de oração
e escuta diante de Jesus e não pode abandonar esta postura porque se o fizesse, não descobriria a
“palavra de conforto” para levar aos cansados e desanimados.
Através da imagem de Maria sentada a escutar o Mestre, isto é, uma vez formada, não irá ela
fazer que os outros se beneficiem de seu conhecimento
da boa nova? Não evoca esta postura de Maria o “ministério da Palavra”? Não quer fazer Lucas
uma alusão aos ministérios das mulheres: Marta (diaconia) Maria (anúncio da Palavra)? Ainda
que não o diga expressamente, Lucas se revela favorável aos ministérios desempenhados pelas
mulheres, concedendo-as um lugar importante na comunidade, como era o ministério da Palavra,
algo que poucas religiões antigas ofereciam. Como não nos perguntarmos hoje sobre o ministério
exercido pelas mulheres na Igreja?
Sem dúvida existiu o chamado de Jesus a Maria para o discipulado, pois do contrário Lucas não
teria contado algo que então não era bem visto: que um mestre tivesse discípulas. Os evangelhos
falam de umas mulheres que viajavam com Jesus, lhe ajudavam até economicamente com seus
próprios meios e que estiveram ao seu lado durante a crucifixão, quando a maioria dos discípulos
homens, lhe abandonaram por medo do perigo e da hostilidade. Não há a menor dúvida de que as
seguidoras de Jesus desempenharam um papel similar ao dos discípulos e reuniram as condições
para exercer o discipulado.
Jesus rompeu os moldes de seu tempo e de sua sociedade para mostrar-nos que no Reino de Deus
já não há distinções entre o homem e a mulher. Para Ele o que Maria está fazendo, ser discípula,
está bem e é correto para uma mulher, não só para os homens. Jesus dá assim o respaldo a Maria.
Assim não só é absolutamente revolucionária a atitude de Maria, mas também a de Jesus, que
admite uma mulher como discípula, evangelizadora. Por que Maria estava escutando o Senhor se
não fosse para transmiti-lo depois como anunciadora do evangelho?
Assim, pois, um dos aspectos da novidade do Evangelho consiste em acabar com a
marginalização da mulher dentro e fora da igreja, porque, diante de Deus, mulher e homem têm a
mesma dignidade. Jesus, no entanto, não está pondo em segundo lugar a atividade diária de
Marta e de tantas mulheres donas de casa, que com grande sacrifício e pouca valorização têm
levado o peso das famílias. O evangelho não quer dizer que o serviço de Maria é melhor que o de
Marta ou vice e versa. O que não pode acontecer é que o serviço da Palavra de Deus, da
evangelização, fique prejudicado pelas exigências imprevistas do serviço das mesas, da partilha,
da caridade. Assim Lucas reflete nos Atos dos Apóstolos a realidade das primeiras comunidades
cristãs (cf. At 6,1-5). A comunidade tinha a obrigação de enfrentar o problema preocupando-se de
ter gente suficiente em todos os serviços, para poder conservar, assim, o serviço da Palavra e da
evangelização em sua integridade.
Não se trata de uma opção entre os dois serviços: palavra e mesa. Os dois são necessários e
importantes para a vida da comunidade. Para os dois é necessário ter gente disponível. Além
disso, o serviço da evangelização é a raiz, a fonte. O serviço da mesa é o resultado, o fruto, é sua
revelação.
Jesus respondeu: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas, no entanto, pouca
coisa é necessária, até mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe
será tirada”. (Lc 10,41-42) Uma bela e muito humana resposta. Para Lucas e para os primeiros
cristãos, a “parte melhor” que Jesus fala a Marta é o serviço da evangelização, fonte de todo o
resto.
Para Jesus uma boa conversa com pessoas amigas é importante até mais que o comer (cf. Jo
4,32). Jesus não quer que o serviço da mesa interrompa a conversa, como se dissesse: Marta, não
há necessidade de preparar tantas coisas. Basta uma coisa. E logo vem participar da conversa.
Este é o significado das palavras de Jesus. A Jesus lhe agrada uma boa conversa, pois esta produz
conversão. Mas, no contexto do evangelho de Lucas, estas palavras decisivas de Jesus tomam um
significado simbólico mais profundo: Como Marta, também os discípulos na missão se
preocupavam com muita coisa, mas Jesus deixa claro que os muitos serviços devem ser
realizados a partir deste único serviço verdadeiramente necessário que é a escuta e oração diante
de Deus e a atenção e escuta amorosa das pessoas. Esta é a melhor parte que Maria escolheu e
que não lhe será tirada.
“A melhor parte” é uma expressão de contraste para dar importância ao discipulado e ao
ministério feminino, podemos até afirmar que no evangelho de Lucas se mostra que Jesus quer
que as mulheres desempenhem o discipulado e o ministério da Palavra e tudo o que isso implica
e mais com a promessa de que nunca isso lhes seria tirado. A história, por desgraça, parece nos
dizer outra coisa muito diferente, infelizmente!
Agora, “é preciso que nós esqueçamos a casa de Marta e Maria e nos transportemos com a mente
ao momento presente: nós somos neste instante a família que hospeda Jesus; esta Igreja e esta
nossa assembleia é a casa de Betânia na qual o Mestre fala; nós somos Marta e Maria!... Ele diz:
Amigo, tu te preocupas e te agitas com muitas coisas e descuidas a única realmente importante!
Como são verdadeiras estas palavras de Jesus! Ele tem razão: nossa vida é uma corrida
desenfreada atrás de mil coisas: sonhos, projetos, negócios, ocupações; somos Martas atarefadas
que pensam fazer as coisas mais importantes do mundo e ao invés perdemos tempo, fazemos
coisas inúteis, nos agitamos por coisas que são somente urgentes e não importantes, por coisas
que muitas vezes não acontecerão nunca.” (Cantalamessa, 2012.)
“Um só coisa é necessária”, Jesus nos convida a sair da dispersão e apresenta-nos o “único
necessário” que ninguém poderá tirar. “Qual é esta coisa realmente importante, esta ‘parte
melhor’ que não será nunca tirada de quem a escolheu? O evangelho no-la faz entender
claramente: é aquela escolhida por Maria. Mas o que escolheu Maria? Escolheu ouvir Jesus!
Escolheu Jesus! Com Jesus escolheu tudo: seu Reino, sua vontade, escolheu o que fica para
sempre... Maria escolheu a melhor parte: e nós? Temos nós realmente escolhido a parte melhor?
Ou somos tantas pobres Martas atarefadas em coisas que não servem e que irão acabar conosco?
Maria ouvia! Não só com os ouvidos, mas com o coração e com todo o seu ser ela prestava
atenção a Jesus. Também nós devemos aprender esta escuta profunda, de modo que a Palavra de
Jesus que escutamos na igreja, ou que lemos, nos volte à mente no momento oportuno, quando
estamos diante de uma escolha, de uma tentação a vencer.
Do episódio de Marta e Maria aprendemos, finalmente, também esta lição: que o melhor modo
de ser Marta é ser Maria! A escuta atenta da Palavra de Deus, manter o olho fixo em Jesus, o
hábito de rezar e refletir purificam a ação, impedem de procurar a si mesmo também quando se
pratica a caridade para com os irmãos; permitem perceber e respeitar as prioridades, executar
tudo com calma, o que afinal, é o melhor jeito para fazer bem as coisas e fazer mais.” (Ibid.
Cantalamessa.)
Senhor, dai-nos um coração de servos para escutarmos a Palavra do vosso Filho que hoje ressoa
ainda em tua Igreja e servi-lo como hóspede na pessoa dos nossos irmãos e irmãs.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Anos A,B,C.
São Paulo, Ave Maria, 2012.
A provocação de Jesus: “Um Deus-samaritano”
O Evangelho de São Lucas que escutamos neste domingo, “a parábola do bom samaritano” (cf.
Lc 10, 25-37) é uma das narrações mais majestosas do Novo Testamento e em particular deste
evangelho; um caminho de conduta para os seguidores de Cristo. Uma narração que só podia ter
saído dos lábios de Jesus, ainda que Lucas a situe junto a um diálogo com o escriba que quer
uma resposta “jurídica”, que pretende algo impossível quer uma garantia da vida eterna, da
salvação e quer que Jesus lhe aponte exatamente o que deve fazer para isso.
A pedagogia de Jesus mais uma vez se revela através da narração de uma parábola. O evangelista
Lucas diz que um escriba dirigiu a seguinte pergunta a Jesus: “Mestre, que farei para herdar a
vida eterna?” (v.25) para provocar Jesus e para testá-lo. Sabendo a resposta que a escritura dá a
esta pergunta, ele quer saber o que este jovem mestre e profeta da Galileia, sem estudo, dirá a
este respeito.
Quem lê ou escuta esta parábola inevitavelmente se sente provocado, interpelado: e eu, com que
personagem me identifico? Mas, o próprio conteúdo da parábola também é provocador pelos
próprios personagens que Jesus escolheu: um sacerdote, um levita e um samaritano. O
samaritano é como um estrangeiro para o judeu daquela época. O sacerdote e o levita, mestre da
Lei, que interroga Jesus justificam sua conduta com vários pretextos e põe à prova Jesus. Vai ser
o samaritano quem mostrará ao vivo o rosto do amor misericordioso de Deus.
Tudo é muito provocador e para os judeus devotos daquele tempo “um escândalo!” Comparar um
sacerdote, um levita, ou um letrado, com um samaritano era fortemente pejorativo. Os
samaritanos eram considerados como hereges e alijados do culto a Deus que se centrava no
templo de Jerusalém. Sem duvida, o interlocutor que iniciou o diálogo com Jesus sentiu-se
ofendido pela comparação.
A tradição cristã nos revelou que Jesus havia definido que a Lei se resumia em amar a Deus e ao
próximo em uma mesma experiência de amor. Não é distinto o amor a Deus do amor ao próximo,
mesmo que, Deus seja Deus e nós criaturas. Mas o escriba, que tinha uma concepção da Lei
demasiado legalista, quer precisar o que não se pode precisar: Quem é meu próximo, a quem
devo amar em concreto? Aqui é onde a parábola começa a converter-se em contradição com uma
mentalidade absurda e puritana.
Voltemos à pergunta do letrado: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” “O Senhor
remete-o simplesmente para a Escritura, que ele conhece, e deixa que o próprio escriba dê a
resposta. O escriba o faz de um modo muito preciso, numa ligação do Deuteronômio 6,5, com o
Levítico, 19,18: ‘Tu deves amar o Senhor teu Deus com todo o coração, com todas as tuas forças
e com todos os teus pensamentos, e: deves amar o teu próximo como a ti mesmo’. ‘Quem é,
então, o próximo’? A esta pergunta tão concreta, Jesus responde então com a parábola do homem
que caiu nas mãos dos ladrões no caminho que vai de Jerusalém para Jericó e que foi
abandonado saqueado e quase morto ao lado da estrada. Esta era uma história absolutamente
real, visto que ao longo daquele caminho aconteciam regularmente assaltos como este. Um
sacerdote e um levita – conhecedores da Lei, que conheciam a questão da salvação e que a
serviam por profissão – passam por ali e não prestam atenção no ocorrido. Eles não deviam
necessariamente ser pessoas duras de coração; talvez tivessem medo e por isso procuravam o
mais depressa possível chegar à cidade, talvez fossem pessoas sem habilidade e soubessem como
fazer para ajudar – além do que parecia que já nada mais havia que se pudesse fazer. Então
aparece no caminho o samaritano – provavelmente um comerciante, que tinha de passar por esta
estrada muitas vezes e que era conhecido do proprietário da estalagem mais próxima; um
samaritano – portanto, alguém que não pertence à comunidade solidária de Israel e não
precisava, consequentemente, olhar para o assaltado como seu ‘próximo’ [...] Aqui entra em ação
o samaritano. O que vai fazer? Não pergunta a respeito do raio de extensão dos seus deveres de
solidariedade nem sequer sobre merecimentos para a vida eterna. Acontece algo completamente
diferente: o seu coração como que se rasga; o Evangelho usa a palavra que originariamente em
hebraico se referia ao corpo materno e à relação maternal. Ele é atingido nas suas ‘entranhas’, na
sua alma, ao ver este homem assim. ‘Foi tomado de compaixão’, traduzimos hoje, atenuando
assim a originária vitalidade do texto. Por meio da luz fulminante da misericórdia que alcança a
sua alma, torna-se ele mesmo ‘próximo’, para além das perguntas e dos perigos. Neste ponto, a
questão vai em outra direção: já não se trata de saber quem é o meu próximo ou não. Trata-se de
mim mesmo. Eu tenho de me tornar próximo porque o outro conta comigo ‘como eu mesmo’.
(Bento XVI, 2007.)
Santo Agostinho interpreta de modo particular esta parábola, considerando todo o simbolismo.
No “homem que desce de Jerusalém para Jericó” vê a figura de Adão que representa toda a
humanidade expulsa do paraíso, por causa do pecado. “Nos assaltantes” vê o tentador que se
despoja da amizade com Deus e fere com suas trapaças e mantém na escravidão a humanidade
ferida pelo pecado. Na figura do “sacerdote e do levita” vê a insuficiência da lei antiga para
nossa salvação que será levada a cumprimento pelo “bom samaritano”, que é Jesus Cristo, nosso
Senhor e Salvador; que saindo também Ele da Jerusalém celeste vem ao encontro de nossa
condição de pecadores e nos cura com o “azeite” da graça e o “vinho” do Espírito. Na
“hospedaria” Agostinho vê a imagem da Igreja e na figura do “hospedeiro” os pastores, nas mãos
dos quais Jesus confia o cuidado de seu povo. A “partida do samaritano da hospedaria” a
interpreta como a ressurreição e ascensão de Jesus, a promessa de voltar para dar a cada um o
merecido. À Igreja deixa para nossa salvação os “dois denários”, ou seja, a Sagrada Escritura e
os Sacramentos que nos ajudam no caminho até a santidade.
A parábola de Jesus termina com uma pergunta provocadora: quem se fez próximo daquele
homem caído na estrada? Deste modo, Jesus dá a volta sutilmente à questão do escriba: não se
trata de se o outro é ou não meu próximo, mas sim se do outro eu me faço ou não próximo.
Enquanto o mestre da Lei quer indagar acerca do outro, acerca de quem devo ser considerado
próximo e quem não, Jesus muda a perspectiva pedindo-lhe que ponha o foco em si mesmo em
vez do outro. E assim converte o que lhe formulavam como uma questão eminentemente
especulativa, em um chamado a uma mudança de vida.
Quem é meu próximo? Todas as pessoas ajudam ao próximo, mas todos se perguntam quem é
meu próximo? Em que medida se considera esta proximidade? Nas sociedades primitivas,
sobretudo, segundo o parentesco de sangue: a família. Também as nações se consideravam como
uma extensão dos laços familiares. Quanto mais a sociedade evolui, tanto mais se manifesta a
tendência a superar os laços de sangue e estabelecer relações novas, baseadas na proximidade de
ideias, de planos e de projetos comuns. Trata-se de vínculos superiores. Mas, ainda hoje, há uma
tendência muito grande em favor dos antigos laços de sangue. Sem duvida, também esta
tendência pode deteriorar-se em nacionalismos e racismos de todo tipo.
Então, devemos nos perguntar sobre que fundamento se constrói nossas relações com o próximo?
Quem é meu próximo segundo o espírito do evangelho? Com que medida devo julgar minha
proximidade com ele? Não podemos esquecer que o parentesco de sangue, do povo, da raça era o
vínculo principal do povo de Deus no Antigo Testamento. Jesus não veio abolir a lei antiga, mas
sim cumpri-la. Jesus não vem destruir os laços de sangue, mas deu um novo espírito às antigas
uniões, o que antes eram as família e as nações segundo o sangue, agora devem ser também
segundo o espírito, do mesmo modo que o povo de Israel se transformou em povo de Deus, em
Igreja universal. Os profetas usam a imagem das núpcias, do amor esponsal para explicar a
relação das pessoas com Deus. Por meio do amor, a pessoa entra na família divina, mas esta é
uma família imensa. Seus membros são todos aqueles que fazem a vontade de Deus na terra. O
fariseu sabia que um dos primeiros mandamentos é o amor ao próximo. Porém não tinha claro de
quem se tratava o próximo.
O cristão jamais deveria fazer esta pergunta: Quem é o meu próximo? O próximo é quem é
amado. Deveria ser mais difícil mostrar quem não é meu próximo, dado que o amor verdadeiro é
universal, quer dizer, católica é a Igreja. Uma vez mais, o Evangelho insiste que o amor a Deus e
o amor ao ser humano não pode conceber-se de maneira separada ou independente. Mas, sim,
que de tanto repeti-lo não se nos esqueçamos de vivê-lo. Uma religião que deixa o homem em
sua morte, não é uma religião verdadeira; a religião verdadeira é aquela que dá vida, como faz o
Deus-samaritano. “É óbvia a atualidade da parábola... não encontramos também por acaso à
nossa volta pessoas saqueadas e destroçadas? As vítimas das drogas, do comércio de seres
humanos, do turismo sexual, homens interiormente destruídos, que estão vazios no meio de uma
riqueza material. Tudo isso nos diz respeito e nos chama para termos olhar e coração para o
próximo e também a coragem para o amor fraterno. Pois, como foi dito, o sacerdote e o levita
seguiram adiante talvez mais por temor do que por indiferença. De novo e a partir do interior é
que havemos de aprender o risco da bondade; só havemos de poder fazer isso se nós mesmos
formos ‘bons’ a começar de dentro, se a começar de dentro formos próximo e então estivermos
atentos ao modo do serviço que nos é exigido no nosso ambiente e no raio maior da nossa vida e
que a nós possivelmente, e a partir daí, nos é confiado como tarefa”. (Ibid. Bento XVI.)
Portanto, como nos ensinou alguns santos Padres esta parábola, quer falar de Deus, nosso Deus é
um Deus-samaritano “herege” que não lhe importa ser alguém que rompa as leis de pureza ou de
culto religiosas para mostrar amor a quem o necessita. “Vai, e também tu, faze o mesmo.” (v.37)
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Bento XVI, Jesus de Nazaré. São Paulo, Editora Planeta, 2007.
O olhar da Igreja sobre a Cidade
“O Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois à sua frente a toda cidade e
lugar aonde ele próprio devia ir.” Assim São Lucas inicia um discurso e ensinamento de Jesus
sobre a missão, (cf. Lc 10,1-12.17-20) não dos Doze, mas dos setenta e dois discípulos, isto é,
quase todos aqueles que o seguiam naquele momento, pois a evangelização não foi um privilégio
exclusivo dos Doze.
Jesus dá instruções aos discípulos a partir da realidade concreta de uma plantação pronta para a
colheita. Provocado pela urgência da missão nos “campos do Reino”, como o dono de um campo
agrícola que vê o trigo maduro em risco de se perder, caso não seja logo colhido; e preocupado
em encontrar braços para o urgentíssimo trabalho: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são
poucos.” (v. 2)
Nos campos, durante a colheita são as pessoas que recolhem as coisas. Na colheita para o Reino
de Deus, é necessário cuidar de pessoas. Cada uma delas tem um valor infinitamente maior que
tudo. Os autores espirituais afirmam que, se existisse no mundo um só homem, também por ele,
o Filho de Deus desceria e morreria para salvá-lo. Não podemos, portanto, imaginar que nos
campos confiados à Igreja fique nem sequer uma só espiga sem ser colhida, quer dizer, nem
sequer uma pessoa pela qual Deus não haveria de dar tudo para salvá-la. Por isso Jesus lamenta
que “os operários são poucos” para a colheita e que se deve pedir ao dono, o próprio Deus que
mande trabalhadores (cf. v.2) para que ninguém se perca.
Todos nós sabemos que as dificuldades são inerentes à missão de evangelizar. Nunca foi fácil
evangelizar nem antes nem nos dias atuais. Jesus é consciente disso e envia os seus
evangelizadores “como cordeiros para o meio de lobos.” (v. 3) O êxito da missão não está
assegurado porque é possível a rejeição da mensagem e do mensageiro; fato que o próprio Jesus
e a Igreja experimentou e experimenta em todos tempos.
Vendo o assustador panorama internacional onde a cada ano morrem no mundo cerca de 20.000
pessoas pelo fato de ser cristãs, mártires por causa da fé ou vítimas de leis que legislam contra a
vida etc. Constatamos que a pregação do evangelho foi e sempre será uma experiência tensa,
acompanhada de perseguições mas, ao mesmo tempo feliz, de uma alegria cheia de esperança
que acompanhou e sempre acompanhará a Igreja de todos os tempos. “Os setenta e dois voltaram
com alegria, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome!” (v.17) Esta
expressão quer dizer simplesmente que o mal do mundo se vence com a bondade do evangelho.
A outra imagem do evangelho de hoje é a da cidade como espaço de evangelização: Jesus envia
os setenta e dois “a toda cidade” (v. 1), povoados e aldeias para anunciar o evangelho. “A Igreja
em seu início se formou nas grandes cidades de seu tempo e se serviu delas para se
propagar.” (DA n. 513) O cristianismo nasce e cresce no ambiente urbano.
São Lucas no seu evangelho quis com a imagem da “viagem à cidade de Jerusalém”, colocar o
marco adequado para a iniciação de alguns seguidores de Jesus nesta tarefa que Ele não poderá
levar a cabo quando chegar em Jerusalém assim, quis adiantar o que será a missão da Igreja. Na
linguagem daquele tempo esta missão se expressava com a imagem da “nova Jerusalém”. Jesus
quis que toda a terra se convertesse em nova Jerusalém, cidade de paz e consolo, da
hospitalidade e presença de Deus.
O profeta Isaías (VIII a.C.) também queria animar a comunidade do pós exílio da Babilônia para
criar uma Jerusalém nova. A profecia (cf. Is 66,10-14) nos fala de uma restauração de Jerusalém,
depois do luto. Deus mesmo, em Jerusalém, cuidará dos seus filhos como uma mãe,
amamentando-os e saciando-os, consolando-os.
Jerusalém, capital do antigo reino de Israel é uma cidade condicionada por sua história e por sua
longa tradição religiosa. É uma cidade disputada ainda hoje por árabes, judeus e cristãos. No
Novo Testamento a Jerusalém, portanto fica constituída, como símbolo da Igreja de Cristo,
protótipo da cidade de Deus. “O projeto de Deus é a Cidade Santa, a nova Jerusalém, ‘vestida
como noiva que se adorna para seu esposo, a tenda que Deus instalou entre os homens.
Acampará com eles, eles serão seu povo e o próprio Deus estará com eles. Enxugará as lágrimas
de seus olhos, e não haverá morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo
terá desaparecido’ (Ap 21,2-4). Esse projeto em sua plenitude é futuro, mas já está se realizando
em Jesus Cristo.” (DA n. 515)
“A Igreja está a serviço da realização dessa Cidade Santa, mediante a proclamação e a vivência
da palavra, a celebração da Liturgia, a comunhão fraterna e o serviço, especialmente aos mais
pobres e aos que mais sofrem, e dessa forma vai transformando em Cristo, como fermento do
Reino, a cidade atual.” (DA n. 516)
Mas essa Jerusalém não existe, tem que ser criada em toda parte, alí onde cada comunidade for
capaz de sentir a ação libertadora de Deus. A realidade urbana é muito complexa. Na mesma
cidade os contrastes são gritantes: bairros residenciais de alto padrão de conforto, condomínios
fechados, grandes e ricos edifícios, ao lado de bairros da periferia sem as mínimas condições de
infraestrutura, onde a população se amontoa vivendo em sub-habitações, favelas, becos, cortiços
ou ocupações, correndo riscos constantes de desabamentos e inundações.
Contudo não basta para nós cristãos, o olhar somente sobre o tecido urbano, sobre a geografia da
cidade. É preciso aprofundar nosso olhar e perceber a diversidade de “culturas” isto é, os
diversos estilos de vida que convivem numa mesma cidade. Tudo isto se traduz no que se come,
como se veste, no transporte que se usa, no lazer que se tem (ou não se tem), até mesmo na
religião e no modo como se vive a fé, inclusive na Igreja Católica. Alguns cristãos da cidade
fazem da Igreja um bem de consumo ou espaço social do qual são meros usuários: o batizado, o
casamento etc. Para outros a participação na comunidade, a Igreja dá sentido profundo às suas
vidas. Para estes não existe a dicotomia, mas sim a unidade Fé-Vida.
Na verdade, a cidade é um espaço de culturas que convivem, mas também que se conflitam; se
fundem ou se fragmentam até à extinção. Esta realidade da cidade desafia a Pastoral da Igreja, o
seu modo de ser e de agir no mundo urbano. Com certeza a figura romântica da Igreja-Matriz no
meio da praça da cidade ou do bairro, não é mais o principal referencial dos cidadãos.
O Documento de Aparecida, da V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do
Caribe na parte referente à “Pastoral Urbana” é um bom exemplo do esforço que fizeram os
nossos bispos para encontrar um tom evangélico e até otimista para olhar a desafiadora realidade
da evangelização da cidade. Um olhar de fé sobre a cidade. Diante da complexidade desta
realidade: a cultura plural, as novas linguagens, as complexas transformações socioeconômicas,
culturais, políticas e religiosas, as diferenças sociais, as tensões desafiantes da tradição e da
modernidade… etc. (cf. DA ns. 509-512) Acontece algo curioso, se valoriza o passado, a origem
da Igreja ligada às cidades e se assinalam experiências de renovação. Mas, também se percebem
atitudes de medo em relação à pastoral urbana; muitos pastores manifestam seu desejo de
trabalhar na zona rural ou nas pequenas cidades e isso revela a tendência a se fechar nos métodos
antigos e a tomar atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de impotência diante
das grandes dificuldades das cidades. (cf. DA n. 513)
Aí os bispos fazem uma bela revelação, a missão evangelizadora da cidade não se opõe a ter que
aprender com ela: “A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a suas alegrias, desejos e
esperanças, e como também em meio a suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o
cotidiano das cidades, como exemplo a violência, pobreza, individualismo e exclusão, não nos
podem impedir que busquemos e contemplemos o Deus da vida também nos ambientes urbanos.
As cidades são lugares de liberdade e oportunidade. Nelas, as pessoas têm a possibilidade de
conhecer mais pessoas, interagir e conviver com elas. Nas cidades é possível experimentar
vínculos de fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o ser humano é constantemente
chamado a caminhar sempre mais ao encontro do outro, conviver com o diferente, aceitá-lo e ser
aceito por ele.” (DA n. 515)
O então Cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, (Argentina) hoje Papa Francisco disse na
abertura de um congresso de pastoral urbana em seu país: “O Papa Bento XVI no seu discurso
inaugural da assembleia de Aparecida perguntava: ‘Que é a realidade sem Deus?’ Nós podemos
fazer a mesma pergunta com respeito à cidade: ‘O que é a cidade sem Deus?’ Sem um ponto de
referência fundante e absoluto, a realidade da cidade se fragmenta e se dilui em mil
particularidades sem história e sem identidade... Em que termina um olhar sobre a cidade se não
se centra em uma fé aberta ao transcendente? Para ver a realidade faz falta um olhar de fé, um
olhar crente. Se não, a realidade se fragmenta.
Nosso Deus vive na cidade e Se mistura na sua vida quotidiana, não discrimina nem relativiza
porque é misericordioso e a misericórdia cria maior proximidade... Deus já vive na nossa cidade
e urge – enquanto refletimos – sair ao seu encontro, para O descobrir, para construir relações de
proximidade, para o acompanhar no seu crescimento e encarnar o fermento de sua palavra em
obras concretas. O olhar de fé cresce sempre que pomos a Palavra em prática.
A contemplação melhora no meio da ação. Agir como bons cidadãos – em qualquer cidade –
melhora a fé. Poder-se-á dizer que o olhar de fé nos leva a sair todos os dias e cada vez mais ao
encontro do próximo que habita a cidade. Leva-nos a sair ao encontro porque este olhar se
alimenta na proximidade. Não tolera a distância...”(Bergoglio, 2011.)
O olhar e a atitude de proximidade do cristão-missionário não pode ser o olhar parado ou de
espectador passivo, a atitude de ficar em casa; “a messe” está sempre fora, “o campo do Reino”
hoje é a cidade. Temos que sair para buscar a messe e estabelecer com ela uma relação mais
humana; humanizar a “cidade dos homens” tornando-a mais “cidade de Deus”, aí está uma
grande missão para os cristãos hoje e as palavras de Jesus estão cheias de urgência, põe-nos a
caminho, ligeiros “pois o Reino de Deus está próximo de vós.”(v. 9)
Bibliografia
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
CELAM. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado
latino Americano e do Caribe. São Paulo, CNBB/Paulus/Paulinas, 2007.
Bergoglio, Card. Jorge sJ. Palavra de Abertura no I Congresso de Pastoral Urbana de Buenos
Aires, (Argentina): “Deus vive na cidade”. 2011. www.vanthuanobservatory.org
São Pedro e são Paulo, origem e meta da Igreja
Como todos sabem, Jesus escolheu alguns discípulos, aos quais deu o nome de apóstolos. Num
só dia celebramos o martírio de dois destes apóstolos: Pedro e Paulo. Na realidade, os dois eram
como um só. Embora tenham sido martirizados na perseguição de Nero, em datas diferentes
entre os anos 64 e 67, deram o mesmo testemunho. Pedro foi à frente; Paulo o seguiu.
A Liturgia reúne em uma única celebração estes dois grandes apóstolos: Pedro, o escolhido para
conduzir a Igreja e confirmar seus irmãos na fé e Paulo, o eleito por Deus, para ser o
evangelizador, aquele que com suas cartas e suas pregações ensinou de modo profundo as
palavras do Mestre.
Celebramos o dia festivo consagrado para nós pelo sangue desses dois apóstolos. Amemos sua
fé, vida, trabalhos, sofrimentos, testemunhos e as pregações. “São Pedro e São Paulo são os
últimos dois aneis de uma corrente que nos une ao próprio Cristo. Em certo sentido, nossa
comunhão com Jesus passa através deles. Nós celebramos, por isso, a festa dos ‘fundadores’ de
nossa fé, dos antepassados do povo cristão.” (Cantalamessa, 2012.)
Pedro é o primeiro a quem Jesus chamou. Nasceu em Betsaida, junto ao lago de Tiberíades e se
mudou para Cafarnaum, onde junto ao seu irmão André, seu pai Jonas, aos filhos de Zebedeu,
montou uma pequena empresa familiar de pesca. Escolhidos os três por Jesus, Pedro Tiago e
João se converteram nos discípulos mais íntimos e foram testemunhas dos maiores
acontecimentos de sua vida, como a Transfiguração no Tabor e a agonia do Getsemani. Pedro
seguiu a Jesus da Galileia à Judeia e depois da morte de Jesus transferiu-se para Antioquia e
enfim chegou a Roma.
Dentre os apóstolos, somente Pedro mereceu ouvir estas palavras de Jesus: “Tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei minha Igreja." (Mt 16,18) A ele e seus sucessores lhes concede Jesus uma
missão única na Igreja, missão apresentada através da imagem da construção de um edifício,
“quem edifica a Igreja é Cristo. É ele que escolhe livremente um homem e o põe na base do
edifício. Pedro é apenas um instrumento, a primeira pedra do edifício, enquanto Cristo é aquele
que põe a primeira pedra. Todavia, doravante, não se poderá estar verdadeira e plenamente na
Igreja, como pedra viva, se não se está em comunhão com a fé de Pedro e sua autoridade ou, ao
menos, se não se procura estar.” (Ibid. Cantalamessa.) "Ninguém pode por outro fundamento do que o
que foi posto: Jesus Cristo." (1Cor 3,10). Se o fundamento invisível é Cristo Ressuscitado, o visível é
a chamada “cátedra de Pedro”, os que o sucederam até o atual sucessor o papa Francisco. Neles,
Pedro continua a ser a “rocha”, garantindo misteriosamente a indefectibilidade da Igreja no
tempo e nas tormentas que tem que superar essa “barca”, outra alegoria apropriada ao pescador
de Galileia, acostumado a enfrentar as tempestades e ressacas do mar.
Outra metáfora expressa o poder especial de Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o
que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mt
16,19) “Ligar e desligar” é símbolo do poder de permitir e proibir, o que significa o governo da
Igreja como sociedade. Mas, como no mundo o poder corrompe, Jesus quer que "o maior dentre
vós seja aquele que serve a todos." (Mt 23,11) Poder exercido a partir do amor: por isso o
Ressuscitado pergunta a Pedro: "Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15)
Esta é a segunda vocação de Pedro, que teve que experimentar visível e publicamente, sua
debilidade: negou três vezes seu Mestre. Quando se arrependeu e chorou amargamente, Jesus
converteu sua volta ao amor em cura de amor, com suas três promessas de amor, com o qual o
purificou para ser o pastor dos cordeiros e das ovelhas.
Quando Jesus lhe pergunta pela terceira vez se o ama mais que os outros, Pedro não responde
como antes, mas sim com um: “Senhor, tu sabes tudo: tu sabes que te amo." (Jo 21,17) Pedro, um
pecador arrependido, foi escolhido por Jesus para ser o guia de sua Igreja, santa.
É que aquele que haveria de ser pastor de pecadores é necessário que experimente a prova
humilhante de ser ele mesmo pecador. Se não como poderia compreender as experiências de uma
comunidade de pecadores? Só depois da Ressurreição, aquele que havia recebido a promessa de
que a Igreja seria construída sobre sua Pedra, agora um Pedro humanizado pela derrota do
pecado, é confirmado em sua missão de apascentar o rebanho, o constitui Pastor Universal.
São Paulo foi um homem fascinado pela pessoa de Cristo. “Ele se encontrava em Jerusalém nos
dias em que Jesus foi morto. Filho de um judeu de Tarso, Saulo estava na Cidade santa
aperfeiçoando-se em estudos bíblicos. Em seu zelo ardente pela lei, pensava dar glória a Deus
perseguindo a jovem Igreja. Mas Jesus o esperava no caminho de Damasco: Saulo, ‘Saulo, por
que me persegues?’ (At 9,4) Teve apenas a força de balbuciar: ‘Quem és, Senhor?’ Mas tarde
repensando aquela experiência, teve a sensação que naquele dia Cristo o tinha agarrado na alma e
no corpo (Fl 3,12). Cristo tornou-se sua chama interior, sua paixão... percorreu o mundo conhecido
de então pregando Cristo aos judeus e aos pagãos. Suas viagens formam uma teia sobre o mapa
daquele do tempo.” (Ibid. Cantalamessa.)
Encontrar-se com Jesus Ressuscitado foi sua experiência maior, mais profunda, comprometida e
decisiva de sua vida. Experiência de amor e de liberdade. Cristo rompeu a pedra do sepulcro de
seu orgulho e autossuficiência, que era própria dos fariseus, e lhe ressuscitou por dentro. Daí em
diante sentirá a necessidade de evangelizar: "Anunciar o evangelho não é título de glória para
mim; é, antes uma necessidade que se me impõe. A¡ de mim, se eu não anunciar o
evangelho!" (1Cor 9,16)
Prega a verdade desnudada de todo ornato humano, “e proclama a palavra, insiste, no tempo
oportuno e inoportuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e doutrina.”(2Tm 4,2) Seus
sofrimentos, sabe que são valiosíssimos, pois são principalmente as portas que abrem as portas
ao Evangelho por toda a parte: "Eu não me apresentei com adulações, como sabeis; nem com
secreta ganância, Deus é testemunha! Tampouco procuramos o elogio dos homens... Pelo
contrário, apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade, como uma mãe que acaricia os
filhinhos. Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de Deus,
mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos. Ainda vos lembrais, meus irmãos, dos
nossos trabalhos e fadigas. Trabalhamos de noite e de dia, para não sermos pesados à nenhum de
vós. Foi assim que pregamos o Evangelho de Deus." (1Ts 2,5-9)
Sofreu torturas espirituais, abandono de seus companheiros de missão e evangelizados,
perseguições, solidão. E apesar de tudo, é alegre, “transbordo de alegria em toda a nossa
tribulação.” (2Cor 7,4)
Chegando a Roma, foi encarcerado e como cidadão romano, decapitado: Assim o escreve nas
vésperas de seu martírio: "quanto a mim, já fui oferecido em libação e chegou o tempo de minha
partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé." (2Tm 4,6-7)
Façamos hoje nossa profissão de fé nesta Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja e também
nosso exame de consciência. Quem é a Igreja? Para os católicos, a Igreja é nosso “eu” plural, o
Corpo Místico de Jesus do qual eu sou membro. Na Igreja, portanto, devemos ao invés de criticá-
la examinar nosso amor para com ela.
Nascido pelo Batismo na Igreja, espaço onde atua o Espírito Santo, para viver filialmente com
Deus; cresci e cresço na Igreja para servi-la; recebi na Igreja o melhor que tenho em mim; realizo
na Igreja, o mais valioso que posso fazer por seu ministério; sou enamorado da Igreja, dei a ela o
melhor dos meus anos, a minha juventude e dou dia a dia a minha vida por ela; sofri muito pela
Igreja, por seus erros; e sigo sofrendo, desejo e luto por uma Igreja mais pura, mais unida e
humilde, mais interior e evangélica, mais samaritana e materna, mais simples, mais servidora.
Quem só vê na Igreja uma organização meramente humana e pecadora e não sabe ver sua
qualidade de santa porque é vivificada pelo Espírito de Cristo, sempre com ela, logo se
escandaliza e deixa de crer nela. Quem a vê como um povo maravilhoso que caminha nestes
vinte séculos, vindo de todos os lugares, atraindo a si todos os povos, assimilando todas as
civilizações, traduzindo-se em todas as culturas, falando em todas as línguas, sempre fazendo o
bem, ainda que não o tenha feito sempre bem, a amará e a respeitará, como a uma mãe anciã, que
apesar das rugas que assimilou na luta, sempre se renova e rejuvenesce para o seu Divino
Esposo.
A Igreja sempre me ofereceu um acervo riquíssimo de sabedoria, de santos, místicos e gênios
atuais, que forjaram a formação da minha personalidade. Os erros que detectei na Igreja sempre
os vi retificados por outros homens mais lúcidos e provectos e comprovo que os obstáculos
exerceram o papel de adubo, pois como já disse alguém: as coisas crescem pelo que nascem, e o
que nasce da cruz cresce pela mesma cruz, ainda que ao ritmo peculiar da vida.
Que seria do mundo sem a cultura e sem a arte criada e conservada na e pela Igreja? Que seria da
educação; das escolas e universidades nascidas nos claustros dos mosteiros? Que seria dos
órfãos, dos abandonados, pobres e excluídos da sociedade, sem a Igreja?
Como posso esquecer o sacerdote que me fascinou quando ainda criança e adolescente até o
ponto de querer ser como ele, padre? E tantas santas mulheres, religiosas anônimas e
verdadeiramente pobres, trabalhando e orando por toda a humanidade no silêncio dos seus
claustros?
Gostaria de como santa Teresa de Jesus dizer: Minha glória e minha vida será servir sempre à
Igreja, e morrer como filho da Igreja.
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C. São
Paulo, Ave Maria, 2012.
Duas virtudes evangélicas: a fé e a humildade
Ao longo do Ano Litúrgico não celebramos temas, celebramos o mistério de Cristo, o Filho de
Deus feito homem, morto e ressuscitado para nossa salvação, segundo a nossa profissão de fé.
Para nós cristãos católicos a celebração litúrgica é fonte de vida cristã e "na liturgia Deus fala ao
seu povo; Cristo continua a anunciar o Evangelho e o povo responde a Deus com o canto e a
oração." (Sacrosanctum Concilium n.33) Por isso acrescenta o Concílio Vaticano II: "Para
realizar uma obra tão grande (a salvação), Cristo está presente na sua Igreja, sobretudo na ação
litúrgica..., nos sacramentos..., e na Palavra, pois quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é ele
quem fala". (SC 7) Daqui se conclui uma presença de Cristo no mesmo nível, embora diversa, na
Palavra e nas espécies eucarísticas.
Por essa razão, "a Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do
Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada liturgia, de tomar e distribuir aos fieis o pão
da vida, quer da mesa da Palavra de Deus, quer da do Corpo de Cristo”. (Dei Verbum 21)
É muito estreita a ligação entre a Palavra de Deus (leituras bíblicas e homilia) e o mistério
eucarístico, que constitui assim as duas partes da Missa; liturgia da Palavra e liturgia Eucarística,
unidas “num só ato de culto” (SC 56). Tanto a celebração litúrgica como a Palavra de Deus
atualizam o mistério de Cristo.
Passado o Tempo Pascal, retornamos ao Tempo Comum. Na leitura evangélica seguimos este ano
o terceiro evangelho, que segundo uma tradição eclesial seu autor juntamente com o livro dos
Atos dos Apóstolos seria Lucas, mas, segundo os especialistas, isso não é totalmente seguro.
Escrito por volta do ano 80 da era apostólica o evangelho de Lucas tem um estilo literário melhor
e mais rico dos três sinóticos. Para alguns é o mais atual e humano de todos os livros do Novo
Testamento. É considerado o evangelho da misericórdia, do acolhimento e do perdão e é também
o evangelho dos pobres e da pobreza proclamada como uma das bem-aventuranças e o próprio
Jesus alerta para o perigo das riquezas à medida que caminha da Galiléia para Jerusalém, onde o
espera o fracasso aparente da morte e a vitória da ressurreição.
“O capitulo sétimo de Lucas apresenta uma serie de encontros que acontecem fora do povo de
Israel: um soldado estrangeiro; uma viúva; uma delegação enviada por João Batista; uma mulher
julgada pecadora na cidade. A cada uma destas pessoas Jesus manifesta-se como Messias de
misericórdia.” (Casarin, 2010.) Segundo o texto deste Domingo (cf. Lc 7,1-10), um pagão,
centurião romano (oficial que comandava cem soldados, pertencentes às tropas de ocupação da
Palestina) que tinha um criado a quem gostava muito e que estava doente, ao ouvir falar de Jesus,
enviou-lhe alguns anciãos amigos, pois era amigo dos judeus de Cafarnaum, tendo construído
para eles uma sinagoga pedindo-lhe, que viesse curar o seu criado.
“Os centuriões romanos deixaram uma boa reputação no Novo Testamento; recordam-se três e
todos eles muito piedosos. Um é aquele do evangelho de hoje, outro aquele que ao pé da cruz
exclamou: Este homem era realmente o Filho de Deus (Mc 15,39), e o último, de nome Cornélio
foi o primeiro pagão a entrar na Igreja (cf. At 10,1ss). No evangelho, porém, as coisas não
seguem o ritmo do mundo: no mundo uma alta patente do exército é admirada e distinguida com
honrarias pelo seu valor militar, pelo seu orgulho e pelas vitórias sobre seus inimigos; aqui, ao
contrário, estes são louvados pela humildade, pela fé, pela esmola e pela oração... são os
paradoxos do Reino, a exemplificação dos valores novos proclamados pelas bem-aventuranças;
ninguém está excluído do Reino – nem sequer um general do exército de ocupação – uma vez
que aceite entrar pela porta certa, que é a ‘porta estreita’.” (Cantalamessa, 2012.)
Quando Jesus já estava perto da casa, o centurião lhe mandou dizer por uns amigos: “Senhor não
te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa; nem mesmo me achei digno
de ir ao seu encontro. Dize, porém uma palavra, para que o meu criado seja curado. Pois também
eu estou sob uma autoridade, e tenho soldados às minhas ordens; e a um digo ‘Vai!’ E ele vai; e a
outro ‘Vem!’ E ele vem; e a meu servo ‘Faze isto!’ e ele o faz.” (v.6-8)
A fé supera a distância, nem o centurião nem Jesus se conhece um ao outro, porém há um
diálogo muito próximo, porque a fé humilde do suplicante encurta esta distância. Se fosse
qualquer um de nós, pediríamos a Jesus para vir à nossa casa, tocar-nos, abençoar-nos porque
essa presença física nos daria a garantia da cura. Mas, o oficial romano dispensa este contato
físico, pois com fé no poder de Jesus confia na “Palavra” de ordem de Jesus. “A fé é a certeza do
que se espera e a prova do que não se vê.” (Hb 11,1)
“Jesus ficou admirado e, voltando-se para a multidão que o seguia disse: ‘Eu vos digo que nem
mesmo em Israel encontrei tamanha fé”. (v.9) A fé deste homem é uma fé humilde, sua
humildade é surpreendente e transparece, sobretudo nas palavras: “Senhor, Eu não sou digno”.
Essas palavras ficaram na tradição cristã como límpida expressão de humildade cristã e por isso
as repetimos antes da comunhão eucarística. É uma estranha coincidência! As pronunciou um
não cristão e revelam uma virtude que os não cristãos não conheciam e que consideravam como
uma atitude falsa que impede a coragem de viver.
A palavra “humildade”, do latim “humilitas”, proveniente de “humus”, terra, barro conduz o
significado da palavra humildade para algo terreno. Alguém que se coloca abaixo, que se
humilha, em uma posição de submissão. Para os cristãos, humilde seria a pessoa que tem a
consciência de suas capacidades e de suas debilidades. Quais são nossas medidas diante de
Deus? No Antigo Testamento se repete que diante de Deus o homem não é nada, “disse Abraão:
‘eu me atrevo a falar do meu Senhor, eu que sou poeira e cinza.” (Gn 18,27)
Pensar em não temer a Deus é soberba imperdoável. Como não ter necessidade de Deus?
Geralmente, aqui caem os ricos e os poderosos que só confiam em sua riqueza e em seus grandes
conhecimentos. Totalmente o contrário daqueles que a Bíblia chama de “anawin”, os pobres.
Eles não têm nada e a nada em que poder apoiar-se, senão em Deus. Por isso o Senhor cuida
deles. Jesus no sermão da montanha disse que os pobres são “bem-aventurados” porque o Reino
de Deus lhes pertence. O mesmo motivo o encontramos no Magnificat da Virgem Maria, (cf. Lc
1,46-56) que agradece ao Senhor que “olhou para a humilde condição de sua serva” e o próprio
Jesus é modelo de humildade: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mt
11,29) Ele manifesta esta humildade em sua vida, pois se apresenta como alguém que provém da
classe dos pobres. Mas, sobretudo na atitude de obediência ao Pai, disposto a seguir sua vontade
até a morte. (cf. Fl 2)
Diante do exemplo de fé e humildade do centurião romano às vezes exclama-se: “Se eu tivesse
essa fé... Por que é que não alcançamos esse nível, nós que conhecemos muito melhor que o
soldado romano o amor e o poder de Deus? Que cada um dê a si próprio a resposta... Precisamos
de uma margem de confiança em Deus, em Jesus Cristo, sua imagem pessoal, e aceitar o claro-
escuro da fé sem ceder à psicose de segurança palpável que gera mecanismos de magia. Porque
se torna tão difícil para o homem acreditar, confiando em Deus e entregando-se a Ele? Não pode
haver fé verdadeira sem uma profunda humildade.
O centurião de Cafarnaum é modelo de ambas as virtudes. Todos os grandes crentes da história
foram humildes diante de Deus e dos outros, mesmo sendo grandes personalidades, grandes
sábios ou grandes santos. Para crer em Deus é, pois, necessária a humildade, embora não seja
essa uma virtude muito cotada no nosso mundo. A humildade parece não casar com a psicologia
agressiva e de triunfador que o homem de hoje necessita para fazer-se valer e subir na vida.
Contudo, somente o que é humilde pode acreditar em profundidade e realizar-se plenamente
como pessoa, individual e comunitariamente”. (Caballero, 2000.)
Que neste ano da fé, mantenhamos nosso olhar fixo sobre Jesus Cristo, “autor e consumador da
fé” (Hb 12,2): nele encontra plena realização toda a ânsia e aspiração do coração humana.
Aprendamos com o centurião romano a procurar e a professar a fé e peçamos a Jesus que a
aumente sempre mais e que sejamos capazes de a testemunharmos não só com palavras, mas,
sobretudo com obras, pois a fé sem obras está completamente morta (cf. Tg 2,14ss). “A fé sem a
caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da
dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar
seu caminho... É a fé que permite reconhecer Cristo, é o seu próprio amor que impele a socorrê-
lo sempre que se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com
esperança nosso serviço no mundo, aguardando ‘novos céus e uma nova terra, onde habite a
justiça.’” (Pd 3,13; cf. Ap 21,1) (Bento XVI, 2012.)
Bibliografia
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C. São
Paulo, Ave Maria, 2012.
Casarin, Giuseppe (org.). Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas I-XVII. Lisboa
(Portugal), Paulus, 2010.
Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000.
Bento XVI. Porta Fidei. Brasilia, Edições CNBB, 2012.
Como é Deus?
Terminado o tempo pascal, concluído no domingo passado com a festa de Pentecostes, voltamos
ao Tempo Comum. Voltamos pela Liturgia a esse caminho habitual de Jesus em seus anos de
ensinamento pelas terras da Judéia e Galiléia e caminho espiritual de todo cristão.
Depois da grandeza da Páscoa e Pentecostes a Igreja quer recordar-nos o Mistério da Santíssima
Trindade não com o objetivo de decifrá-lo, como um complicado teorema. Nossa fé nos convida
a aceitá-lo e reconhecê-lo nas múltiplas manifestações que Deus mesmo nos dá ao longo da
história da humanidade.
Este domingo, num certo sentido recapitula a revelação de Deus que aconteceu nos mistérios
pascais: morte e ressurreição, ascensão e efusão do Espírito Santo. Com esta celebração a
Liturgia, elo entre o tempo pascal e o tempo ordinário, a Igreja nos propõe chaves para descobrir
a impressionante riqueza deste grande mistério que é sem duvida a luz, a força e o alimento que
necessitamos em nossa caminhada para Deus.
Quem é Deus ou como é Deus? Na Liturgia da Palavra, “as três leituras bíblicas que ouvimos são
como três janelas; através de cada uma lançamos um olhar sobre uma etapa da história da
salvação, observando a ação ora de uma, ora de outra das três Pessoas divinas (embora todas três
operem contemporaneamente).” (Cantalamessa, 2012.) O autor do Livro dos Provérbios, (cf. Pr
8,22-31) acertou em suas imagens literárias. “A Sabedoria de Deus” chega a se personificar no
Filho, gerado desde o princípio, dialoga com o Pai e é seu colaborador e conselheiro em todas as
suas obras. "Eu estava junto com ele como mestre-de-obra, eu era o seu encanto todos os
dias.” (v. 30)
O texto nos propõe um ambiente de total familiaridade, inocência, quase infantil. “Todo o tempo
brincava na superfície da terra, encontrava minhas delicias entre os homens.” (vv. 30-
31) “Brincava em sua presença”, jogava com a bola da terra, um modo de expressar
poeticamente a ausência total de maldade, conflito ou divisão no seio da Trindade. Tudo é beleza,
paz, harmonia e ordem. Deus não é um solitário. A criação é expressão dessa divina
comunicação. Desde a eternidade, Deus já pensa em nós e nos ama.
“Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai Santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as
coisas: criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo..” (Oração
Eucarística IV)
O Apóstolo Paulo (cf. Rm 5,1-5) “nos introduz numa atmosfera diferente: o homem, criado à
imagem de Deus, perdeu sua amizade por causa do pecado, sendo destinado à perdição; porém,
Deus não o abandona ao poder da morte, mas empreende um grande plano de salvação – o da
encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo –, e foi na execução desse plano que se
revelou plenamente ao homem o Filho de Deus... O Filho unigênito de Deus, escondido desde a
eternidade no seio do Pai e que estava com ele quando criava os céus, manifestou-se, portanto,
como Pessoa em Jesus Cristo e nos introduziu no conhecimento do mistério de Deus Uno e
Trino.” (Ibid. Cantalamessa.)
“Tendo sido, pois, justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus
Cristo.” (v. 1) O ser humano, criado para a comunhão com Deus e com os outros, a perdeu pelo
pecado. Deus restaura a unidade perdida pela encarnação de Jesus Cristo. E como prova da
“esperança, que não decepciona… o Espírito Santo foi derramado em nossos corações.” (v. 5)
O Evangelho nos abre uma janela sobre a última fase da história da salvação: o tempo da Igreja,
o tempo em que se irá revelar a presença do Espírito Santo. (cf. Jo 16,12-15) Na cena da última
ceia, Jesus fala aos discípulos com palavras de despedida, carregadas de ternura, quase
“nostalgia” do Pai e do Espírito, desejando “voltar” e de algum modo desejando que os
discípulos cheguem à verdade plena: “Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as
podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade
plena.”(vv. 12-13)
A mente e a linguagem humanas são inapropriadas para explicar a relação existente entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Pouco a pouco, paulatinamente, ao longo da vida terrena, Deus se nos
vai aproximando, se adaptando à nossa capacidade limitada, para sermos capazes de descobrir
sua grandeza sem limites. O Espírito Santo guiou os discípulos e a nós para a Verdade plena. Ao
dizer que “tudo o que o Pai tem é meu” (v.15), Jesus nos revela sua igualdade de natureza e
dignidade com o Pai Criador do Universo e também anuncia o Espírito Santo, que também com
Ele é um, igual a Ele. Estamos assim nos umbrais da revelação do mistério da Santíssima
Trindade, mistério insondável e incompreensível, diante do qual só cabe a humilde aceitação. “E
a fim de não mais vivermos para nós, mas para ele que por nós morreu e ressuscitou, enviou de
vós, ó Pai, o Espírito Santo, como primeiro dom aos vossos fieis para santificar toas as coisas,
levando à plenitude a sua obra.” (Oração Eucarística IV)
Em algum momento de nossa vida já nos perguntamos quem é Deus? Como pode ser Deus? Vã
ilusão seria pretender conhecê-lo, compreendê-lo, abarcar ao “Deus vivo e verdadeiro que
(existe) antes de todo o tempo e (permanece) para sempre, habitando em luz
inacessível.” (Oração Eucarística IV) A grandeza divina é tão imensa que a mais penetrante
inteligência humana se sente embotada e lenta para compreender. A verdade plena do mistério da
Trindade está além de nossa capacidade humana de entender. Os mistérios não se podem
entender, nem explicar racionalmente; os que temos fé os adoramos, guiados pela fé e pelo amor
a Deus que nos revelou.
Deus é um mistério que nos ultrapassa. Já o disse Santo Agostinho: “Se o entendes, não é Deus”.
Deus se foi revelando não como uma “ideia” ou “conceito filosófico”. Mas, sim como um Deus-
Amor que se dá até o fim da Encarnação do Verbo e o envio do Espírito Santo.
Como é Deus? Ante esta pergunta, vêm mil respostas: Deus é assim, mas... É muito mais que
isso. A festa da Santíssima Trindade nos põe frente a uma realidade: Alguns se conformam em
pensar em Deus sem se dar conta de que Ele se encarnou, assumiu a nossa condição humana,
“verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a
condição humana, menos o pecado, anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos, a liberdade,
aos tristes, a alegria. E para realizar o plano de amor (do Pai), entregou-se à morte e,
ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida”. (Oração Eucarística IV) Que pena!
Certamente desejavam um Deus perdido entre as nuvens. Talvez lhes incomode pensar num Deus
tão humano e tão próximo, como um Deus encarnado.
Outros, por outro lado, se esqueceram do Deus do céu e se têm aferrado a Jesus de Nazaré. A um
Senhor sem referência ao divino. Querem um Jesus sem a transcendência que acompanhou a sua
história: homem comprometido com os pobres, defensor dos oprimidos e contra o sistema
estabelecido. Talvez porque, o Senhor Divino, lhes incomoda ante um mundo que pretende só
um discurso humanizante, só terreno e pagão.
E finalmente, há aqueles que ficam no sentimentalismo da fé. Uma fé sem mais referência que
aquilo que o momento exige. Os sentimentos são bons quando vão acompanhado da fé. Um
Espírito, sem referência a Aquele que o envia, se converte em seita, em sentimentalismo, emoção
ou lágrimas que brotam mais de um coração fingido, forçado que das entranhas comprometidas
com a conversão; comovidas pela Palavra de um Deus que falou por Cristo e atua pelo Espírito
Santo.
Como é Deus? Quando perguntaram João, o discípulo testemunha ocular do mistério da Cruz do
Senhor: Diga-nos algo sobre Deus? Ele, respondeu: “Deus é Amor!” (1Jo 4,16) Neste sentido
devemos dizer, com João, que Deus é o mesmo Amor quando é Pai e quando é Filho e quando é
Espírito Santo. Deus, o Deus de Jesus Cristo, nosso Deus, sempre é Amor. Mas o mundo prefere
reger-se por outros deuses que se propagam como uma peste e confunde o amor em prazer, a
unidade com a imposição de ideologias ou a caridade com gestos inconsistentes.
Nosso Deus não é isolado, frio e distante. Primordialmente é comunhão, é “comunidade”. È um
ser relacional em suas três pessoas, na Unidade e na Diversidade. Frente ao individualismo do
nosso tempo, a Trindade, nos apresenta um impressionante ícone da família: São três em um!
Cada um com sua personalidade, mas cada um, com sua própria cor. Cada um diferente, mas os
três, olhando na mesma direção.
“Teremos que nos perguntar hoje com sinceridade o que significa o mistério trinitário na nossa
vida de batizados. Deixamo-nos guiar pelo Espírito da Verdade? Realizamos, pela fé, o encontro
pessoal com o Deus uno e trino que mora em nós, em cada um e na comunidade eclesial da qual
fazemos parte?... Somos guiados pelo espírito de Jesus sempre que servimos a verdade da vida,
das relações e direitos humanos, o amor e a fraternidade, a dignidade e a libertação integral do
homem; numa palavra, sempre que servimos o Reino de Deus... Em qualquer campo da atividade
humana, é o Espírito de Deus quem nos guia, que nos faz filhos e dando-nos consciência de o ser.
Este será o sinal visível de que Deus mora em nós como no seu templo, e nos acompanha Cristo
com o Espírito de filiação, liberdade, comunhão e abertura aos irmãos.” (Caballero, 2000.)
Em um mundo tão dividido, desagregador, com rupturas interiores, com individualismos e
diferenças tão marcantes. Deus Uno e Trino nos chama a ser novamente Uno, a voltar por sua
graça, à “imagem e semelhança” perdida. E isto começando pelos espaços que temos mais ao
nosso alcance: a família, a paróquia, a comunidade, a pastoral, o movimento eclesial etc. Se
somos unidade no pequeno e acessível espaço, ao final o seremos também em grande escala.
Com a Bem-Aventurada Isabel da Trindade, (França 1880-1906) suplicamos: “Ó meu Deus,
Trindade que eu adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente, para me estabelecer em Vós,
imóvel e pacifica, como se já a minha alma estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a
minha paz, nem fazer-me sair de Vós, ó meu imutável, mas que cada minuto me leve mais longe
na profundeza do vosso Mistério... Ó meu Três, meu Tudo... Intensidade em que me perco,
entrego-me a Vós.” (Ibid. Casarin.)
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Anos A,B,C.
São Paulo, Ave Maria, 2012.
Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionário Comentado, Tempo Comum Semanas I-XVII. Lisboa
(Portugal) Paulus, 2010.
Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000.
Pentecostes, nasce a Igreja.
Chegamos ao ponto culminante da Páscoa, o Domingo de Pentecostes. Com esta festa litúrgica
encerra-se o tempo pascal, centrado no mistério de Cristo Ressuscitado e glorioso.
Os textos litúrgicos da festa de Pentecostes sublinham a importância fundamental da presença do
Espírito Santo na vida da Igreja. Na Sagrada Escritura, frequentemente se fala do Espírito do
Senhor, do Espírito de Cristo, do Espírito da Verdade etc. Os teólogos interpretam todas estas
expressões fundamentalmente em um único sentido: se trata do Espírito Santo.
A cena de Pentecostes, descrita nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1-11), é muito rica em símbolos
com grande significado religioso. “Lucas situa a efusão do Espírito Santo sobre o grupo dos
discípulos de Jesus reunidos em oração durante a festa hebraica do Pentecostes (v. 1). O dom do
Espírito é acompanhado por fenômenos extraordinários (‘forte rajada de vento’, ‘uma espécie de
línguas de fogo’: cf. vv.2-3) e por um efeito carismático (‘falar outras línguas’: v. 4). O
acontecimento adquire imediatamente ressonância universal, devido à presença, em Jerusalém,
de judeus provenientes de varias partes do mundo, cada um deles capaz de compreender na sua
língua o que O Espírito Santo faz dizer aos Apóstolos (vv. 5-11)”. (Casarin, 2009.)
Lucas narra a chegada do Espírito como se narram no Antigo Testamento as manifestações de
Deus. Em especial, nos textos em que Deus faz Aliança com seu povo no Sinai. A festa judaica
de Pentecostes fazia memória deste acontecimento, se fala também de fenômenos parecidos:
ruídos, ventos, estrondos, trovões… é o momento fundacional de Israel como povo de Deus. O
mesmo acontece no Novo Testamento. Já reunidos por Jesus, se constitui agora a comunidade
plenamente em Igreja, em comunidade que ora, prega e convive: sem medo e com alegria. Esta
Igreja no dia de Pentecostes recebe o dom do Espírito Santo. É a Nova Lei, que faz possível a
criação de uma humanidade nova, uma vida nova que é participação antecipada da vida divina.
Uma vida ideal, de liberdade, de paz, de alegria, de perdão e de comunidade.
Na criação de uma humanidade nova, de um grande corpo do qual cada um de nós faz parte, o
Espírito torna possível a unidade graças à diversidade e não a unidade apesar da diversidade:
sendo diferentes, tendo cada um características pessoais e gozando de dons distintos, todos temos
que estar implicados na
construção da comunidade humana. É o Espírito que suscita a pluralidade: a variedade e a
diferença são os dons gratuitos do mesmo Deus. “Todas as manifestações da vida cristã são
consequência direta do Espírito Santo. São Paulo os chama carismas e enumera muitos: ‘Assim o
Espírito a um concede falar com sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, falar com
conhecimento profundo; a um lhe concede o dom da fé; a outro, o poder de curar os enfermos; a
outro, o dom de fazer milagres; a outro, o de dizer profecias; a outro, o saber discernir entre os
espíritos falsos e o Espírito verdadeiro; a outro, falar línguas estranhas e saber interpretá-las; a
outro, dom de interpretá-las. Tudo isto o leva a cabo o único e mesmo Espírito, repartindo a cada
um seus dons como quer.” (cf. 1Cor 12,8-11) Somos homicidas de nós mesmos se pretendermos
uniformizar o que Deus fez diferente. Anulando as diferenças suscitadas pelo mesmo Espírito
mutilamos o corpo de Cristo.
Por isso o “primeiro efeito do dom do Espírito, significativamente, é o falar em línguas: os
discípulos são habilitados a fazer-se entender por uma multidão internacional nas diversas
línguas (vv. 6-11). Desde o início, portanto, o Espírito abre a Igreja nascente à missão universal:
o Evangelho está destinado a ser compreendido em todas as línguas e culturas, e proclamado em
todas as nações.” (Ibid. Casarin.)
Apesar de manter cada um suas diferenças pessoais, culturais e linguísticas, a todos chega a Boa
Nova. O dom de línguas nos fala desta universalidade intrínseca ao Evangelho e à catolicidade
da Igreja. Sua proposta de salvação é para todos os homens e mulheres do mundo. Não porque
devam uniformizar-se, mas sim porque devem perdoar-se e trabalhar na construção do bem
comum respeitando as diferenças, conjugando as diversidades de línguas em uma gramática
humana universal.
Cabe aqui uma nota, “depois do Concílio Vaticano II se assiste a um sinal grandioso em toda a
Igreja Católica: o reaparecimento dos carismas; não se trata somente do assim chamado
“movimento carismático”; quase todos os movimentos de renovação que florescem cá e lá na
Igreja Católica e em outras confissões cristãs mostram esta surpreendente nota comum. Através
deles o povo cristão recupera sua espontaneidade, sua criatividade, sua força de testemunho que
são o sinal típico da ação do Espírito de Deus.” (Cantalamessa, 2012.)
O Evangelho de João (cf. Jo 20,19-23), escolhido para esta festa por nele se falar também de uma
comunicação do Espírito Santo, nos diz que desde o dia mesmo em que Jesus ressuscitou dentre
os mortos sua comunicação com os discípulos se realizou por meio do Espírito. O Espírito que o
Ressuscitado “insuflou” neles lhes dava o discernimento, a alegria e o poder para perdoar os
pecados: “Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão
perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos.” (v. 23)
Pentecostes é como a representação decisiva e programática de como a Igreja, nascida da Páscoa,
tem que abrir-se a toda humanidade, sua universalidade. Para o autor do quarto evangelho a
verdade é que o Espírito do Senhor esteve presente em toda a Páscoa e foi o autêntico artífice da
igreja primitiva desde o primeiro dia em que Jesus já não estava mais historicamente com eles.
Mas, estava com eles, por meio do Espírito que como Ressuscitado lhes dava.
Pentecostes é a festa do Espírito, da Igreja e da comunidade. É a culminância da Páscoa. A vida
nova que Jesus conseguiu é também nossa vida. Muitas vezes não somos suficientemente
convencidos da atuação do Espírito em nós. Talvez seja porque não lhe deixamos atuar... Dá a
sensação de que estamos como os discípulos antes de Pentecostes: dizemos que cremos em Jesus,
nos confessamos cristãos, mas vivemos medrosos, apáticos, desestimulados, sem garra. Então
nos refugiamos em nossa fortaleza por medo de sair ao mundo. Mas, a imagem que define
melhor a Igreja não é a da fortaleza e sim a da “tenda” que se arma no meio do mundo.
Também os discípulos estavam dentro de casa, com portas e janelas fechadas por medo dos
judeus. Compartilham medos, ilusões e recordações de Jesus. O Espírito se apresentou como
vento e chamas de fogo. O vento e o fogo purificam e transformam. E então... saíram a anunciar
e testemunhar o Evangelho sem medo, sem utilizar a força, sustentados em sua debilidade pelo
Espírito. Quando a Igreja se fecha em si mesma por medo de se contaminar com o mundo, a
imagem que dá é a de uma fortaleza firme, mas infelizmente não convence, por vezes até se
converte em pedra de escândalo para muitos.
Disse Bento XVI que “a Igreja vive constantemente da efusão do Espírito Santo, sem o qual ela
esgotaria as próprias forças, como uma barca a vela à qual faltasse o vento. O Pentecostes
renova-se de modo particular em alguns momentos fortes, tanto a nível local como universal, em
pequenas assembleias ou em grandes convocações... Mas a Igreja conhece numerosos
“pentecostes” que vivificam em comunidades locais: pensemos nas liturgias, em particular nas
que foram vividas em momentos especiais para a vida da comunidade, nas quais a força de Deus
se sentiu de modo evidente, infundido alegria e entusiasmo nos corações. Pensemos em tantos
encontros de oração, nos quais os jovens sentem claramente a o chamado de Deus a enraizar a
sua vida no seu amor, também consagrando-se inteiramente a Ele. Portanto, não há Igreja sem
Pentecostes...” (Bento XVI, Regina Caeli, 23.05.2010)
“Espírito de Deus, enviai dos céus, um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres daí aos corações vossos
sete dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alivio, vinde!... Dai à vossa Igreja, que espera e
deseja, vossos sete dons.” Esta “sequência” que cantamos na liturgia desta festa, antes da proclamação
do evangelho, é um dos hinos e orações mais fervorosamente rezados pelos cristãos. É uma
oração que, rezada com devoção e amor, nos dá paz interior, consolo e descanso na difícil
caminhada por este mundo. O Espírito Santo, quando se apodera de uma alma cristã, a ilumina e
vivifica. A vida da alma cristã é o Espírito Santo, porque nos fortalece quando estamos fracos,
nos enche quando nos sentimos pobres e vazios, nos dá luz e calor quando estamos apagados e
frios, nos orienta e cura sempre nosso coração enfermo e desorientado, muitas vezes perdido e
abandonado.
O ser humano é por natureza, um ser demasiado egoísta e frágil. Se nos deixamos arrastar por
nossos instintos mais primários caímos facilmente em atitudes e comportamentos mais animais
que espirituais. Necessitamos a força do espírito, a graça e a força do alto, para nos sobrepor às
tentações do mal. Para conseguir isto necessitamos que o Espírito Santo nos encha por dentro,
seja o “doce hóspede da alma”, brisa nas horas de fogo, alegria que enxugue as lágrimas, dom,
em seus dons esplêndidos.
Peçamos nesta festa de Pentecostes, que o Espírito Santo seja a água viva que regue nossos
corações tantas vezes áridos e secos; Que com seu amor, guie e encha nossos corações quase
sempre inquietos e insatisfeitos.”Vinde Espírito Santo!”
Bibliografia:
Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 200.2
Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionário Comentado, Quaresma – Páscoa. Lisboa (Portugal) Paulus,
2009.
Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz Carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – A,B.C. São
Paulo, Ave Maria, 2012.
Amor marca indelével do cristão
Estamos neste V Domingo da Páscoa no evangelho de João (cf. Jo 13, 31-35) na última ceia de
Jesus e seu discurso de despedida, seu testamento aos seus discípulos: “Dou-vos um
mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos
outros.” (v. 34) A eucaristia celebrada hoje à luz deste mandamento novo adquire uma força toda
especial: é o encontro com a fonte daquele amor novo e a manifestação daquela nova
comunidade que Jesus imaginou.
A última ceia de Jesus com seus discípulos ficaria gravada em suas mentes e em seus corações. O
redator do evangelho de João sabe que aquela noite foi especialmente significativa para Jesus,
não tanto para os discípulos, que somente a puderam recordar e recriar a partir da ressurreição,
como a contemplamos neste tempo pascal.
João é o evangelista que mais profundamente tratou esse momento, mesmo não descrevendo nele
a instituição da eucaristia, preferindo outros sinais e outras palavras, certo que já se conheciam as
palavras eucarísticas dadas pelos outros evangelistas.
Sabe-se que para João a hora da morte de Jesus é a hora da sua “glorificação”, por isso não estão
presentes os indícios de tragédia. A saída de Judas do cenáculo (v.30) desencadeia a
“glorificação”, não a tragédia, mas sim o prodígio do amor consumado: “Tendo amado os seus
que estavam no mundo, amou-os até o fim.” (v.1)
Jesus veio para amar e este amor se faz mais intenso frente ao poder deste mundo e ao poder do
mal. Na realidade esta não pode ser mais que uma leitura “glorificada” da paixão e entrega de
Jesus, que a páscoa da ressurreição que celebramos nos permite fazer. E não se pode fazer outro
tipo de leitura da que fez o próprio Jesus e das razões pelas quais a fez. Por isso, falar apenar da
paixão e crueldade do seu sofrimento não leva lugar nenhum. O evangelista entende que isto
experimentou Jesus, por amor. Ele deu a sua vida e assim deve ser vivido por seus discípulos. Ou
alguém duvida que o que fez Jesus na cruz foi uma prova de obediência de amor ao Pai por todos
nós? O amor foi o “culpado” do que se passou no Gólgota.
Com a morte de Jesus aparecerá a glória de Deus comprometido com Ele e com sua causa. Por
outro lado, Ele já nos está preparando, como aos discípulos, para o momento de passar da Páscoa
a Pentecostes; do tempo de Jesus ao tempo da Igreja. É lógico pensar que naquela noite em que
Jesus sabia o que poderia passar tinha que preparar os seus para quando não estivesse mais
presente. Não os havia chamado para uma guerra e uma conquista militar, nem contra o Império
de Roma. Os havia chamado para a guerra do amor sem medida, do amor consumado. Por isso, a
pergunta que devemos fazer é: Como podem identificar-se no mundo hostil aqueles que lhe
seguiram e os que lhe seguirão? “Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos.” (v. 35)
Ser cristão, discípulo ou discípula de Jesus, é “amar uns aos outros”. Esse é o catecismo que
devemos viver. Tudo o mais encontra sua razão de ser nesta lei suprema da comunidade que
Jesus imaginou para seus discípulos, Igreja casa do amor fraterno. Tudo o que não seja isso é
trair, é abandonar como Judas, a comunhão com o Senhor ressuscitado e desistir da verdadeira
causa do evangelho, desistir e assassinar o amor.
Sempre nos ronda a tentação de confundir o sinal de identidade dos discípulos de Jesus. Temos
posto demasiadas normas, algumas muito pesadas e outras um tanto discriminatórias, onde só
devia estar o amor. Cumprir mandamentos não resulta de todo difícil; ficar no exterior, na
superficialidade é muito cômodo. A raiz e o centro, a razão de nossa fé é exclusivamente o amor:
o que experimentamos de Deus, Ele nos amou primeiro o que vivemos com paixão e exigência.
Frequentemente confundimos o amor com a sensação de “estar bem”, “estar gostando”, uma
experiência meramente sensível, afetiva, superficial. Essa que quando aparecem as dificuldades
surpreendentemente desaparece. Não é o amor o antídoto que tira a dor. A vida humana corre
paralela a essas duras realidades, que a vão marcando. Deus, a adesão a Ele, não evita o
sofrimento: o Reino não se accede sem ser curtido humanamente na dor ou na dificuldade.
O amor não é uma ideia, nem se reduz a um sentimento, mas se traduz em atitudes, em ações,
neste caso em testemunho. O testemunho da experiência de amor que foi a entrega de Jesus na
cruz e sua ressurreição há de traduzir-se no amor entre os discípulos desse Cristo. E é dessa nova
forma de amar que Ele nos fala hoje.
“O amor não pode ser mandado; é em definitivo, um sentimento que pode existir ou não, mas
não pode ser criado pela vontade... (Deus) amou-nos primeiro e continua a ser o primeiro a amar-
nos; por isso, também nós podemos responder com amor. Deus não nos ordena um sentimento
que não possamos suscitar em nós mesmos. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar seu amor, e
desta ‘antecipação’ de Deus pode, como resposta, despontar também em nós o seu amor. No
desenrolar desse encontro, revela-se com clareza que o amor não é apenas um sentimento. Os
sentimentos vão e vêm. O sentimento pode ser uma maravilhosa centelha inicial, mas não é a
totalidade do amor... É próprio da maturidade do amor abranger todas as potencialidades do
homem e incluir, por assim dizer, o homem em sua totalidade.” (Bento XVI, 2006.)
Esse “mandamento novo” é duro de entender e mais duro de testemunhar, ou seja, praticar,
porque só olhando Jesus saberemos como Ele nos amou. Sabemos que quando se está
apaixonado se se nota no olhar. Pois entre nós, os cristãos, se deveria notar que nos amamos,
porque somos discípulos de um Deus que é amor até as últimas consequências e que nos amou
desde sempre e nos amará para sempre. Quando amarmos assim, então daremos ao mundo que
nos rodeia, o verdadeiro testemunho de que somos discípulos e discípulas de Jesus.
Seremos examinados ao final no amor, mas na matéria amor a maioria dos cristãos somos
reprovados no exame. Nem se quer amamos aos nossos familiares e nem tampouco aos vizinhos.
No mundo moderno se tem instalado um egoísmo solitário e duríssimo. Uma situação de
fechamento tal que leva as pessoas a um isolamento que não só é produzido pela vergonha de
expor sua crise, mas também porque as poucas aproximações que tenham experimentado para
contar seu problema são recebidas com frieza ou hostilidade... e muitos até saem da comunidade
cristã por não se sentirem acolhidas, amadas...
O amor não reina na terra e só uns poucos praticam realmente o mandamento principal de Cristo.
Jesus nos disse que se saberá que somos seus discípulos ao ver-se que nos amamos uns aos
outros. Mas não é assim agora, nem tem sido antes. E não só não há amor, mas até em muitos
casos o que circula entre nós é uma coisa muito próxima do ódio. “Depois de quase dois mil anos
que Cristo proclamou o mandamento novo. Em nossa cidade daqui debaixo não se ouve ainda o
canto novo do amor, mas se ouve o canto antigo das armas que disparam, das sirenes que gritam
depois de ter recolhido nas estradas as vitimas do ódio e da violência. Há ainda tanto lamento,
tanta angustia, tanto luto e tanta morte sobre nossa terra; há ainda muitas lágrimas nos olhos das
pessoas e quase todas causadas pela falta de amor ou pela traição do amor... Mas não devemos
vacilar na fé e na esperança, como se tudo tivesse sido uma ilusão, um sonho efêmero da
humanidade, como se Cristo tivesse se enganado em considerar possível a tal coisa nova que é o
amor.” (Cantalamessa, 2012.)
Se fossemos capazes de amar a todos, o mundo viveria em paz. E na busca do amor talvez nos
falte a capacidade para fazê-lo. Não amamos porque não buscamos os caminhos que nos levam a
isso. A mensagem de Cristo fica na maioria dos casos como um adorno. E, sem duvida a fé sem
obras não é fé, porque, de certo modo, se está negando a principal característica de Cristo, o
amor.
Há muitas instâncias da Igreja Católica e de seus fieis que lutam contra esse mundo atroz. E, por
certo, muitos caminhos para exercitar, com obras nosso amor aos outros. Mas temos de ser
perseverante e ter aberto o coração ao que nos manda Cristo no respeito aos nossos irmãos. O
problema emerge porque muitas vezes esse coração está fechado às palavras de Jesus.
Temos que trabalhar duro para que não haja violência, egoísmo, falta de solidariedade e que tudo
isso saia dos setores da sociedade que se diz cristã, aliás, esta sociedade está sendo honesta em
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TODOS OS ARTIGOS DE PADRE ASSIS

  • 1. Administrar a própria vida O evangelho de São Lucas nos oferece (cf. 12, 32-48) qualidades que os discípulos de Jesus devem ter para segui-lo no seu caminho para Jerusalém, onde sabemos que acontecerá o desfecho final de sua obra e missão. Através de uma série de elementos que estão também presentes no famoso sermão da montanha em Mateus, Lucas nos apresenta um conjunto de ditos e parábolas sobre a vigilância e a fidelidade ao Senhor. Lucas, vivendo no ambiente mercantilista do Império Romano, escrevendo em uma cidade, Éfeso ou Corinto, vê constantemente o mal causado pelas falsas ilusões da riqueza e bem estar, além do escândalo da fome (cf.16,19-31). Ele é um evangelista que cuida, mais que nenhum outro, deste aspecto tão determinante da vida social e econômica e como os cristãos deviam tomar uma postura frente à injustiça e a divisão de classes. Se escrevesse hoje, não precisaria mudar muito. Nesta realidade em que vivemos de uma sociedade consumista, diz-nos Jesus, que a primeira coisa que temos que fazer é desapegar nosso coração do afeto imoderado ao dinheiro: “Vendei vossos bens e daí esmola. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” (Lc 12,33-34) Se para nós o mais importante na vida é o dinheiro, se temos posto nosso coração no dinheiro, dificilmente poderemos entender a mensagem evangélica. Cristo nos diz que devemos por o coração nos valores do Reino de Deus, nos valores evangélicos. Isto não é nada fácil, porque o dinheiro e os prazeres deste mundo nos tentam continuamente. Por isso, devemos estar sempre vigilantes, para que não se introduza em nosso coração o apego ao dinheiro e aos bens deste mundo. Cristo viveu totalmente desapegado do afeto ao dinheiro, preocupado unicamente dos valores do Reino. Como cristãos, devemos fazer nós o mesmo. “Precisamos possuir alguns bens para viver, é certo; mas não são a fonte da vida nem está neles a chave e o segredo para ser pessoa. Porque somente quem ama e vive em solidariedade e abertura aos outros, dando-se a Deus e ao próximo, tem uma vida autêntica e, em última análise, é feliz porque entende a vida com sabedoria. O sem-sentido da vida aparece quando o homem se fecha a Deus e aos irmãos, pois sem relação com os valores perenes que Deus, Cristo e o próximo representam, as coisas e os bens carecem de referência que lhes dê um valor que em si mesmos não possuem para a felicidade humana, como demonstra a experiência.” (Caballero, B. 2000.) Na teoria sabemos tudo isso! Que o mais importante não é o dinheiro e sim Deus e as coisas de Deus, mas não é bem assim que se passa em nossa vida, quando nos decuidamos e não vigiamo o dinheiro acaba se convertendo no mais importante. Talvez o problema real está em discernir qual é o maior bem para nós e que meios usamos para consegui-lo. E por isso Jesus pergunta onde está o teu tesouro? Que tesouro tenho eu e que posso compartilhar com os outros? Essa é a força transformadora do amor, que nos transforma a nós e transforma nossa relação com os outros. Quem descobriu este tesouro do amor desprendido e o compartilha põe nele todo seu coração e se mantém administrador vigilante e fiel. “Qual é, então, o administrador fiel e prudente que o senhor constituirá sobre o seu pessoal para dar em tempo oportuno a ração de trigo? (Lc 12,42) “Ao fazer uso da imagem do administrador, procura Ele (Jesus) representar aqueles que têm alguma autoridade ou poder sobre outros. A aplicação incidia diretamente sobre Pedro e os Apóstolos, que receberiam em suas mãos a
  • 2. instituição da Igreja e também abrangeria os pais, tutores, etc. A primeiríssima obrigação do administrador é a de não se apropriar de nenhum dos bens que o Senhor lhe confiou e por isso não procurar seu prazer, sua glória e sua vontade, mas sim o puro interesse de seu senhor. Em segundo lugar, deve ser prudente, discernindo com senso de hierarquia como distribuir os trabalhos em proporção aos talentos e às forças de cada um. Ademais, deverá prover às necessidades de todos, oferecendo-lhes os meios e instruções, sustento, etc., para o desempenho das respectivas funções. Procedendo com esse amor à perfeição, a autoridade, ao encontrar-se como seu senhor, além da bem-aventurança, receberá a administração de toda as suas posses.”(Clá, 2012.) Todos sabemos como é difícil administrar fiel e diligentemente uma empresa e administrar bem, em geral, a vida dos outros. Que se pergunte a nossos políticos e governantes. Mas, eu creio que governar bem nossa própria vida é ainda mais difícil que administrar bem a vida dos outros. Porque o egoísmo, a ambição, os aparentes interesses, a falta de sinceridade, nos cegam tremendamente e nos impedem de ver-nos a nós mesmos com imparcialidade e realismo. Muitas vezes nem reconhecemos nossa incompetência para administrar nem a nossa vida, quanto mais a dos outros. A parábola do evangelho de hoje não é dirigida apenas aos governantes e administradores em geral, mas também vai diretamente a seus discípulos, a “seu pequeno rebanho”. A eles lhes diz Jesus, que devem estar sempre preparados para que quando chegar o Senhor lhes encontre vigilantes, dispostos a abrir-lhe a porta, porque, “na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem.” (Lc 12,40) “O Senhor virá. É absolutamente certa sua vinda... Poderá ser, portanto, num dia inesperado; numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos se multiplicavam, e, quiçá, as inclinações já se lançavam nos prazeres, realizações, negócios...” (Ibid. Clá.) Um cristão, um discípulo de Cristo, deve entender sempre sua vida como uma preparação para a vida eterna. Este mundo é caminho para o outro, e cumpre ter bom tino administrativo para andar neste caminho sem “errar”. O negócio mais importante de nossa vida é nossa vida mesma e nossa vida aqui na terra, falando em cristão, deve conduzir-nos diretamente à vida eterna. Porque, se administramos bem nossa vida, quando chegar o Senhor “nos fará sentar a sua mesa e nos irá servir”. Administrar bem a nossa própria vida é viver de tal modo que sejamos dignos de receber a vida eterna. O mais importante dessa mensagem é que cada um, assumindo o que Deus lhe confiou, a sua responsabilidade de cuidar do mundo, de cuidar do bem de todos os que estão em casa, conhecendo a vontade do Pai no dia-a-dia, está preparando sua eterna e alegre companhia junto a Cristo. Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. Dias, Mons. João Scognamiglio Clá. O inédito sobre os Evangelhos, comentários aos Evangelhos dominicais Ano C – Domingos do Tempo Comum. Vol VI. São Paulo, Instituto Lumen Sapientiae, 2012. Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000. Dar um sentido a vida A Liturgia deste domingo faz-nos percorrer um itinerário de fé muito interessante e questionador. A Palavra de Deus nos interroga: Que sentido tem a nossa vida? Qual é o centro da vida humana?
  • 3. A vida se limita ao tempo presente? A vida consiste ou se realiza no desfrutar dos bens materiais? Estes questionamentos, respondemos com nosso estilo de vida. “Que sentido tem a nossa vida? Esta interrogação ocupa as mentes e as reflexões de muitas pessoas. De fato muitos, embora tendo uma vida social e economicamente satisfatória, não conseguem sentirem-se felizes; outros, perante as dificuldades, são tentados a entrar numa espécie de amargo cinismo e a entregar-se à procura de prazeres. O ‘vazio’ pode ser a origem de varias tristezas e depressões. Cria-se então a ilusão de que para sair deste estado de coisas é suficiente uma espécie de ‘filosofia’ de vida: coerência; desinteresse; agressividade ou fundamentalismo; ou então, simplesmente uma superficialidade e um espírito bonacheirão, que dá a cada um o ‘seu’ e também a Deus, desde que seja salvaguardado o seu espaço pessoal. Em nossa sociedade existe a convicção de que o importante para viver bem é ganhar, gastar, desfrutar e satisfazer nossos desejos, muitas vezes disfarçados de necessidades. A Palavra de Deus desmascara esta ilusão... O autor do Eclesiastes, (cf. Ecl 1,2;2.21-23) um sábio de Israel comparado na sabedoria a Salomão, interroga-se para que afadigar-se na vida, agitar-se e inquietar-se. A sua sentença irônica e lapidar, ‘tudo é vaidade’ (1,2), (em hebraico, ‘vaidade’ = vazio) coloca a descoberto o fato de que nenhuma coisa, vista em si mesma, está em condições de dar um sentido à vida, mesmo as coisas mais sagradas como o trabalho feito conscienciosamente, a cultura mais profunda ou o sucesso merecido. O homem está como ‘nu’ perante a vida que o persegue de todos os lados com suas lógicas férreas, com a fragilidade, a velhice e a morte. E o grotesco é que, quando uma pessoa constrói alguma coisa com esforço e consciência, esta pode ser usufruída por um preguiçoso que o herda.” (1,21) (Casarin, 2010.) Esta conduta do sábio a vemos, por exemplo, encarnada na pessoa de Jó, herói dos tempos antigos, considerado o grande justo, que permaneceu fiel a Deus na provação e que exclama com serenidade: “Nu sai do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá, o Senhor o deu, o Senhor o tirou, bendito seja o nome do Senhor!” (Jo 1,21) “Jesus no evangelho (cf. Lc 12,13-21) retoma o discurso das riquezas, mas numa chave bem diferente. A ocasião lhe é oferecida por um fulano que, intrigado com o próprio irmão, se dirigiu a ele para uma espécie de arbitragem; trata-se, talvez, de um irmão menor que quer convencer o irmão mais velho a repartir com ele a herança paterna, em vez de mantê-la indivisa obrigando-o a conviver na mesma família. Jesus não só recusa esta função de ‘juiz mediador’, mas denuncia a raiz de todas essas discórdias entre irmãos: ‘Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens’(12,15) e acrescenta a parábola do rico tolo, para fazer entender quão errados são aqueles que põem todas suas esperanças nos bens materiais.“ (Cantalamessa, 2012.) A parábola (cf. Lc 12, 16-21) abriga esta mentalidade das pessoas que trabalham acumulando bens e pensando que logo terão a vida toda pela frente para desfrutar de suas riquezas. Não se quer censurar a preocupação por dispor dos bens necessários para a vida, mas sim, o que o evangelho reprova é a acumulação, e a despreocupação com os outros. O desejo de açambarcar, fruto da mais feroz falta de solidariedade, do mais selvagem egoísmo. É o “viver para si mesmo” cujo ponto de referência de tudo é o ”eu”. O “viver para si mesmo” é um modo de estar no mundo, de realizar a existência no arco de anos entre o nascimento e a morte. É um modo de pensar, de atuar, de relacionar-se com as pessoas e com as coisas, cujo ponto de referência de tudo é o “eu”. O saber, o trabalho, o esforço com seus bons resultados aparecem, ante o velho eu.
  • 4. Ora, se o ser humano é um ser destinado a morrer, para que serve seu saber, seu trabalho, se não pode vencer o seu destino mortal? Desculpe-me o pessimismo! Por outro lado, há algo mais efêmero que essa realidade? Como se pode fundar uma existência, que é breve, sobre algo que hoje é e amanhã desaparece? Como se pode olhar de frente a morte, quando os grandes valores que têm regido a vida têm sido os bens materiais e as aparências, a quem está proibido de passar o umbral do mais além? “Tudo é vaidade” quando o “eu” é o centro da vida, aí temos o chamado “homem velho”, incapaz de por si mesmo sair do seu fechamento, cada vez mais submergindo no fundo do pecado, com o olhar cada vez mais posto nas coisas da terra, sem possibilidade de alcançar as alturas. Então você há de convir que com razão se possa aplicar a quem vive para si, as palavras de Jesus na parábola do texto evangélico: "Insensato! Nessa mesma noite ser-te-á reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem serão?” (Lc 12,20) Podemos entender esta palavra, “insensato”, ouvi-la como uma condenação. Mas, há outra maneira de entendê-la. Podemos ouvir como se Jesus estivesse libertando este homem, ou o ser humano, de seu pequeno, irreal e falso sonho. O homem ou a mulher estão presos no diminuto mundo de si mesmos. Está totalmente só. Este é um mundo onde não se pode ser feliz. E quando Jesus lhe chamou de “insensato”, o está libertando dessa pequena prisão que foi construindo. Liberta-nos de nosso egoísmo, do vazio e da visão materialista da vida. É ao mesmo tempo um convite a guardar-nos de toda forma de ambição, porque nossa vida não depende de nossos bens. Esta libertação possibilita a realização do “homem novo”; a pessoa humana em sua plenitude; que desenvolve uma nova vida em Cristo. Nós não podemos com as nossas forças dar um sentido à nossa vida, este sentido vem-nos de Deus, através de Jesus Cristo. Nas palavras de São Paulo (cf. Col 3,1-5.9-11) o cristão é um “homem novo”: “Se ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto... pensai nas coisas do alto, e não nas da terra... Vós vos desvestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador”. Isto é situar-nos em outro horizonte para construir um novo ser humano, libertado de toda forma de cobiça, da injustiça, do egoísmo e edificado sobre o mistério Pascal. É construir em Cristo o valor da fraternidade e da solidariedade com os mais pobres, é também abrir os olhos ante a ambiguidade que se esconde em um desenvolvimento econômico mundial e em uma técnica que desconhece a dignidade da pessoa humana e a miséria na qual vive a maioria da humanidade. Segundo dados atuais “as 300 maiores fortunas do mundo acumulam mais riqueza que os mais de 3.000 milhões de pobres... ‘Citamos estes números porque nos oferece uma comparação clara e impressionante: as 200 pessoas mais ricas possuem aproximadamente 2,7 trilhões de dólares e isso é muito mais que o que possui as 3.500 milhões de pessoas, que possuem um total de 2,2 trilhões”, explica o economista Jason Hickel, citando um estudo recente da ONG Oxfam, que salienta que o 1% dos mais ricos aumentou seus ingressos em 60% nos últimos 20 anos com a radicalização das políticas imperialistas. De acordo com o economista, o crescimento da brecha se deve em parte às políticas econômicas neoliberais que instituições internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) impuseram aos países em desenvolvimento durante as últimas décadas.” (http://www.adital.com.br/?n=cl74) Egoísmo, ganância e injustiça sempre andam juntos. Por exemplo, a ganância está na origem da corrupção das pessoas públicas, que não se conformam com o que lhes corresponde, mas sim que intentam aproveitar-se do cargo privilegiado que ocupam. Tá na boca do povo: “a ambição do ter
  • 5. é insaciável”. Converte os que deveriam ser servidores da sociedade em corruptos aproveitadores. Inclusive leva-os a apropriar-se do que pertence aos excluídos de nossa sociedade. É necessário que todos compreendamos, que crer em Jesus Cristo nos leva a um comportamento ético, a uma ética cristã. É urgente a regeneração ética de nossa sociedade. Talvez Gandhi tenha razão quando dizia que com a mensagem evangélica ocorreu o que com uma pedra depositada no fundo do lago. A água não impregnou seu interior. Necessitamos mudar, converter-nos, transformar nossa vida, ser homens e mulheres novos, encontrar o novo sentido da vida. Talvez, em nossa evangelização temos insistido demasiadamente em alguns sacramentos e nos temos esquecido do principal, que é a prática do amor e da justiça. Por exemplo, a Doutrina Social é uma grande desconhecida e ignorada por grande parte dos cristãos. É necessário inverter nossa vida nos valores do Reino de Deus. Esta vida nova que irrompe em nós quando, como diz o Apóstolo Paulo Cristo mesmo é “vossa vida” (Col 3,4). Que sejamos homens e mulheres novos com os pés firmados nesta realidade do mundo e na desafiante tarefa de criar um mundo novo, mas tendo o olhar e o coração postos acima, no céu, para onde caminhamos com confiança e esperança. Os bens do alto começam nesta vida. As “coisas do alto” indicam os valores da vida nova em Cristo; que nos fazem ser ricos diante de Deus, por entregar nossa vida, nossas capacidades ou dons na luta para alcançarmos a libertação e a felicidade de todos. Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas XVIII-XXXIV, Lisboa (Portugal), Paulus, 2010. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a palavra de Deus – Anos A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012. A única coisa necessária O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 10,38-42) nos apresenta neste domingo Jesus em Betânia, na casa de Marta e Maria; uma casa de mulheres o que não podia ser bem visto naquela sociedade judia. Mas, o evangelista Lucas é o evangelista da mulher e quer ressaltar o sentido do discipulado cristão das mulheres no ambiente das comunidades primitivas. Sintamo-nos na casa de Marta e Maria. A cena se dá num ambiente muito familiar, entre amigos, em casa. Tudo pode ter acontecido mais ou menos assim: Enquanto algumas pessoas conversam, outras preparam a comida. As duas coisas são importantes e necessárias, as duas se completam, sobretudo quando se trata de acolher um hóspede querido. Marta, como anfitriã, segundo o costume da época, está fazendo os trabalhos próprios de sua condição de mulher: a limpeza da casa, a cozinha, a mesa, a acolhida e atenção aos hóspedes. Maria, sua irmã ao contrário, salta seu papel de mulher e se atreve a realizar o que só correspondia aos homens: Maria se sente autêntica discípula de Jesus e se agacha aos seus pés pondo-se a escutá-lo.
  • 6. É obvio que Marta se chocou com aquela atitude “revolucionária” para uma mulher, e reprovou o fato de sua irmã querer ser discípula. Pede então a Jesus que intervenha: “Senhor, a ti não importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o trabalho? Dize-lhe, pois que me ajude”. (Lc 10,40-41) Marta reclama porque se considera uma servidora e pensa que o seu serviço (diaconia) de acolher os hóspedes, preparar a comida e servir à mesa é mais importante que o de sua irmã que escuta e conversa com Jesus. Para Marta, o que faz Maria não é serviço. Mas, Marta deve entender que ela não é a única “serva”. Também Jesus assume o papel de servo e o profeta Isaías fala que o serviço principal do “servo” é o de estar diante de Deus à escuta, em oração para poder descobrir uma palavra de conforto para aqueles que estão cansados. (cf. Is 50,4) Então, surge a pergunta: quem realiza melhor o serviço de serva: Marta ou Maria? Marta se preocupa em servir, queria ser ajudada por Maria no serviço da mesa. Mas qual é o serviço que Deus deseja? Esta é a questão. O comportamento de Maria está mais de acordo com o comportamento do “Servo de Deus”, porque, como ele, ela se encontra numa atitude de oração e escuta diante de Jesus e não pode abandonar esta postura porque se o fizesse, não descobriria a “palavra de conforto” para levar aos cansados e desanimados. Através da imagem de Maria sentada a escutar o Mestre, isto é, uma vez formada, não irá ela fazer que os outros se beneficiem de seu conhecimento da boa nova? Não evoca esta postura de Maria o “ministério da Palavra”? Não quer fazer Lucas uma alusão aos ministérios das mulheres: Marta (diaconia) Maria (anúncio da Palavra)? Ainda que não o diga expressamente, Lucas se revela favorável aos ministérios desempenhados pelas mulheres, concedendo-as um lugar importante na comunidade, como era o ministério da Palavra, algo que poucas religiões antigas ofereciam. Como não nos perguntarmos hoje sobre o ministério exercido pelas mulheres na Igreja? Sem dúvida existiu o chamado de Jesus a Maria para o discipulado, pois do contrário Lucas não teria contado algo que então não era bem visto: que um mestre tivesse discípulas. Os evangelhos falam de umas mulheres que viajavam com Jesus, lhe ajudavam até economicamente com seus próprios meios e que estiveram ao seu lado durante a crucifixão, quando a maioria dos discípulos homens, lhe abandonaram por medo do perigo e da hostilidade. Não há a menor dúvida de que as seguidoras de Jesus desempenharam um papel similar ao dos discípulos e reuniram as condições para exercer o discipulado. Jesus rompeu os moldes de seu tempo e de sua sociedade para mostrar-nos que no Reino de Deus já não há distinções entre o homem e a mulher. Para Ele o que Maria está fazendo, ser discípula, está bem e é correto para uma mulher, não só para os homens. Jesus dá assim o respaldo a Maria. Assim não só é absolutamente revolucionária a atitude de Maria, mas também a de Jesus, que admite uma mulher como discípula, evangelizadora. Por que Maria estava escutando o Senhor se não fosse para transmiti-lo depois como anunciadora do evangelho? Assim, pois, um dos aspectos da novidade do Evangelho consiste em acabar com a marginalização da mulher dentro e fora da igreja, porque, diante de Deus, mulher e homem têm a mesma dignidade. Jesus, no entanto, não está pondo em segundo lugar a atividade diária de Marta e de tantas mulheres donas de casa, que com grande sacrifício e pouca valorização têm levado o peso das famílias. O evangelho não quer dizer que o serviço de Maria é melhor que o de Marta ou vice e versa. O que não pode acontecer é que o serviço da Palavra de Deus, da evangelização, fique prejudicado pelas exigências imprevistas do serviço das mesas, da partilha,
  • 7. da caridade. Assim Lucas reflete nos Atos dos Apóstolos a realidade das primeiras comunidades cristãs (cf. At 6,1-5). A comunidade tinha a obrigação de enfrentar o problema preocupando-se de ter gente suficiente em todos os serviços, para poder conservar, assim, o serviço da Palavra e da evangelização em sua integridade. Não se trata de uma opção entre os dois serviços: palavra e mesa. Os dois são necessários e importantes para a vida da comunidade. Para os dois é necessário ter gente disponível. Além disso, o serviço da evangelização é a raiz, a fonte. O serviço da mesa é o resultado, o fruto, é sua revelação. Jesus respondeu: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas, no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”. (Lc 10,41-42) Uma bela e muito humana resposta. Para Lucas e para os primeiros cristãos, a “parte melhor” que Jesus fala a Marta é o serviço da evangelização, fonte de todo o resto. Para Jesus uma boa conversa com pessoas amigas é importante até mais que o comer (cf. Jo 4,32). Jesus não quer que o serviço da mesa interrompa a conversa, como se dissesse: Marta, não há necessidade de preparar tantas coisas. Basta uma coisa. E logo vem participar da conversa. Este é o significado das palavras de Jesus. A Jesus lhe agrada uma boa conversa, pois esta produz conversão. Mas, no contexto do evangelho de Lucas, estas palavras decisivas de Jesus tomam um significado simbólico mais profundo: Como Marta, também os discípulos na missão se preocupavam com muita coisa, mas Jesus deixa claro que os muitos serviços devem ser realizados a partir deste único serviço verdadeiramente necessário que é a escuta e oração diante de Deus e a atenção e escuta amorosa das pessoas. Esta é a melhor parte que Maria escolheu e que não lhe será tirada. “A melhor parte” é uma expressão de contraste para dar importância ao discipulado e ao ministério feminino, podemos até afirmar que no evangelho de Lucas se mostra que Jesus quer que as mulheres desempenhem o discipulado e o ministério da Palavra e tudo o que isso implica e mais com a promessa de que nunca isso lhes seria tirado. A história, por desgraça, parece nos dizer outra coisa muito diferente, infelizmente! Agora, “é preciso que nós esqueçamos a casa de Marta e Maria e nos transportemos com a mente ao momento presente: nós somos neste instante a família que hospeda Jesus; esta Igreja e esta nossa assembleia é a casa de Betânia na qual o Mestre fala; nós somos Marta e Maria!... Ele diz: Amigo, tu te preocupas e te agitas com muitas coisas e descuidas a única realmente importante! Como são verdadeiras estas palavras de Jesus! Ele tem razão: nossa vida é uma corrida desenfreada atrás de mil coisas: sonhos, projetos, negócios, ocupações; somos Martas atarefadas que pensam fazer as coisas mais importantes do mundo e ao invés perdemos tempo, fazemos coisas inúteis, nos agitamos por coisas que são somente urgentes e não importantes, por coisas que muitas vezes não acontecerão nunca.” (Cantalamessa, 2012.) “Um só coisa é necessária”, Jesus nos convida a sair da dispersão e apresenta-nos o “único necessário” que ninguém poderá tirar. “Qual é esta coisa realmente importante, esta ‘parte melhor’ que não será nunca tirada de quem a escolheu? O evangelho no-la faz entender claramente: é aquela escolhida por Maria. Mas o que escolheu Maria? Escolheu ouvir Jesus! Escolheu Jesus! Com Jesus escolheu tudo: seu Reino, sua vontade, escolheu o que fica para sempre... Maria escolheu a melhor parte: e nós? Temos nós realmente escolhido a parte melhor? Ou somos tantas pobres Martas atarefadas em coisas que não servem e que irão acabar conosco?
  • 8. Maria ouvia! Não só com os ouvidos, mas com o coração e com todo o seu ser ela prestava atenção a Jesus. Também nós devemos aprender esta escuta profunda, de modo que a Palavra de Jesus que escutamos na igreja, ou que lemos, nos volte à mente no momento oportuno, quando estamos diante de uma escolha, de uma tentação a vencer. Do episódio de Marta e Maria aprendemos, finalmente, também esta lição: que o melhor modo de ser Marta é ser Maria! A escuta atenta da Palavra de Deus, manter o olho fixo em Jesus, o hábito de rezar e refletir purificam a ação, impedem de procurar a si mesmo também quando se pratica a caridade para com os irmãos; permitem perceber e respeitar as prioridades, executar tudo com calma, o que afinal, é o melhor jeito para fazer bem as coisas e fazer mais.” (Ibid. Cantalamessa.) Senhor, dai-nos um coração de servos para escutarmos a Palavra do vosso Filho que hoje ressoa ainda em tua Igreja e servi-lo como hóspede na pessoa dos nossos irmãos e irmãs. Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Anos A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012. A provocação de Jesus: “Um Deus-samaritano” O Evangelho de São Lucas que escutamos neste domingo, “a parábola do bom samaritano” (cf. Lc 10, 25-37) é uma das narrações mais majestosas do Novo Testamento e em particular deste evangelho; um caminho de conduta para os seguidores de Cristo. Uma narração que só podia ter saído dos lábios de Jesus, ainda que Lucas a situe junto a um diálogo com o escriba que quer uma resposta “jurídica”, que pretende algo impossível quer uma garantia da vida eterna, da salvação e quer que Jesus lhe aponte exatamente o que deve fazer para isso. A pedagogia de Jesus mais uma vez se revela através da narração de uma parábola. O evangelista Lucas diz que um escriba dirigiu a seguinte pergunta a Jesus: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (v.25) para provocar Jesus e para testá-lo. Sabendo a resposta que a escritura dá a esta pergunta, ele quer saber o que este jovem mestre e profeta da Galileia, sem estudo, dirá a este respeito. Quem lê ou escuta esta parábola inevitavelmente se sente provocado, interpelado: e eu, com que personagem me identifico? Mas, o próprio conteúdo da parábola também é provocador pelos próprios personagens que Jesus escolheu: um sacerdote, um levita e um samaritano. O samaritano é como um estrangeiro para o judeu daquela época. O sacerdote e o levita, mestre da Lei, que interroga Jesus justificam sua conduta com vários pretextos e põe à prova Jesus. Vai ser o samaritano quem mostrará ao vivo o rosto do amor misericordioso de Deus. Tudo é muito provocador e para os judeus devotos daquele tempo “um escândalo!” Comparar um sacerdote, um levita, ou um letrado, com um samaritano era fortemente pejorativo. Os samaritanos eram considerados como hereges e alijados do culto a Deus que se centrava no templo de Jerusalém. Sem duvida, o interlocutor que iniciou o diálogo com Jesus sentiu-se ofendido pela comparação.
  • 9. A tradição cristã nos revelou que Jesus havia definido que a Lei se resumia em amar a Deus e ao próximo em uma mesma experiência de amor. Não é distinto o amor a Deus do amor ao próximo, mesmo que, Deus seja Deus e nós criaturas. Mas o escriba, que tinha uma concepção da Lei demasiado legalista, quer precisar o que não se pode precisar: Quem é meu próximo, a quem devo amar em concreto? Aqui é onde a parábola começa a converter-se em contradição com uma mentalidade absurda e puritana. Voltemos à pergunta do letrado: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” “O Senhor remete-o simplesmente para a Escritura, que ele conhece, e deixa que o próprio escriba dê a resposta. O escriba o faz de um modo muito preciso, numa ligação do Deuteronômio 6,5, com o Levítico, 19,18: ‘Tu deves amar o Senhor teu Deus com todo o coração, com todas as tuas forças e com todos os teus pensamentos, e: deves amar o teu próximo como a ti mesmo’. ‘Quem é, então, o próximo’? A esta pergunta tão concreta, Jesus responde então com a parábola do homem que caiu nas mãos dos ladrões no caminho que vai de Jerusalém para Jericó e que foi abandonado saqueado e quase morto ao lado da estrada. Esta era uma história absolutamente real, visto que ao longo daquele caminho aconteciam regularmente assaltos como este. Um sacerdote e um levita – conhecedores da Lei, que conheciam a questão da salvação e que a serviam por profissão – passam por ali e não prestam atenção no ocorrido. Eles não deviam necessariamente ser pessoas duras de coração; talvez tivessem medo e por isso procuravam o mais depressa possível chegar à cidade, talvez fossem pessoas sem habilidade e soubessem como fazer para ajudar – além do que parecia que já nada mais havia que se pudesse fazer. Então aparece no caminho o samaritano – provavelmente um comerciante, que tinha de passar por esta estrada muitas vezes e que era conhecido do proprietário da estalagem mais próxima; um samaritano – portanto, alguém que não pertence à comunidade solidária de Israel e não precisava, consequentemente, olhar para o assaltado como seu ‘próximo’ [...] Aqui entra em ação o samaritano. O que vai fazer? Não pergunta a respeito do raio de extensão dos seus deveres de solidariedade nem sequer sobre merecimentos para a vida eterna. Acontece algo completamente diferente: o seu coração como que se rasga; o Evangelho usa a palavra que originariamente em hebraico se referia ao corpo materno e à relação maternal. Ele é atingido nas suas ‘entranhas’, na sua alma, ao ver este homem assim. ‘Foi tomado de compaixão’, traduzimos hoje, atenuando assim a originária vitalidade do texto. Por meio da luz fulminante da misericórdia que alcança a sua alma, torna-se ele mesmo ‘próximo’, para além das perguntas e dos perigos. Neste ponto, a questão vai em outra direção: já não se trata de saber quem é o meu próximo ou não. Trata-se de mim mesmo. Eu tenho de me tornar próximo porque o outro conta comigo ‘como eu mesmo’. (Bento XVI, 2007.) Santo Agostinho interpreta de modo particular esta parábola, considerando todo o simbolismo. No “homem que desce de Jerusalém para Jericó” vê a figura de Adão que representa toda a humanidade expulsa do paraíso, por causa do pecado. “Nos assaltantes” vê o tentador que se despoja da amizade com Deus e fere com suas trapaças e mantém na escravidão a humanidade ferida pelo pecado. Na figura do “sacerdote e do levita” vê a insuficiência da lei antiga para nossa salvação que será levada a cumprimento pelo “bom samaritano”, que é Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador; que saindo também Ele da Jerusalém celeste vem ao encontro de nossa condição de pecadores e nos cura com o “azeite” da graça e o “vinho” do Espírito. Na “hospedaria” Agostinho vê a imagem da Igreja e na figura do “hospedeiro” os pastores, nas mãos dos quais Jesus confia o cuidado de seu povo. A “partida do samaritano da hospedaria” a interpreta como a ressurreição e ascensão de Jesus, a promessa de voltar para dar a cada um o
  • 10. merecido. À Igreja deixa para nossa salvação os “dois denários”, ou seja, a Sagrada Escritura e os Sacramentos que nos ajudam no caminho até a santidade. A parábola de Jesus termina com uma pergunta provocadora: quem se fez próximo daquele homem caído na estrada? Deste modo, Jesus dá a volta sutilmente à questão do escriba: não se trata de se o outro é ou não meu próximo, mas sim se do outro eu me faço ou não próximo. Enquanto o mestre da Lei quer indagar acerca do outro, acerca de quem devo ser considerado próximo e quem não, Jesus muda a perspectiva pedindo-lhe que ponha o foco em si mesmo em vez do outro. E assim converte o que lhe formulavam como uma questão eminentemente especulativa, em um chamado a uma mudança de vida. Quem é meu próximo? Todas as pessoas ajudam ao próximo, mas todos se perguntam quem é meu próximo? Em que medida se considera esta proximidade? Nas sociedades primitivas, sobretudo, segundo o parentesco de sangue: a família. Também as nações se consideravam como uma extensão dos laços familiares. Quanto mais a sociedade evolui, tanto mais se manifesta a tendência a superar os laços de sangue e estabelecer relações novas, baseadas na proximidade de ideias, de planos e de projetos comuns. Trata-se de vínculos superiores. Mas, ainda hoje, há uma tendência muito grande em favor dos antigos laços de sangue. Sem duvida, também esta tendência pode deteriorar-se em nacionalismos e racismos de todo tipo. Então, devemos nos perguntar sobre que fundamento se constrói nossas relações com o próximo? Quem é meu próximo segundo o espírito do evangelho? Com que medida devo julgar minha proximidade com ele? Não podemos esquecer que o parentesco de sangue, do povo, da raça era o vínculo principal do povo de Deus no Antigo Testamento. Jesus não veio abolir a lei antiga, mas sim cumpri-la. Jesus não vem destruir os laços de sangue, mas deu um novo espírito às antigas uniões, o que antes eram as família e as nações segundo o sangue, agora devem ser também segundo o espírito, do mesmo modo que o povo de Israel se transformou em povo de Deus, em Igreja universal. Os profetas usam a imagem das núpcias, do amor esponsal para explicar a relação das pessoas com Deus. Por meio do amor, a pessoa entra na família divina, mas esta é uma família imensa. Seus membros são todos aqueles que fazem a vontade de Deus na terra. O fariseu sabia que um dos primeiros mandamentos é o amor ao próximo. Porém não tinha claro de quem se tratava o próximo. O cristão jamais deveria fazer esta pergunta: Quem é o meu próximo? O próximo é quem é amado. Deveria ser mais difícil mostrar quem não é meu próximo, dado que o amor verdadeiro é universal, quer dizer, católica é a Igreja. Uma vez mais, o Evangelho insiste que o amor a Deus e o amor ao ser humano não pode conceber-se de maneira separada ou independente. Mas, sim, que de tanto repeti-lo não se nos esqueçamos de vivê-lo. Uma religião que deixa o homem em sua morte, não é uma religião verdadeira; a religião verdadeira é aquela que dá vida, como faz o Deus-samaritano. “É óbvia a atualidade da parábola... não encontramos também por acaso à nossa volta pessoas saqueadas e destroçadas? As vítimas das drogas, do comércio de seres humanos, do turismo sexual, homens interiormente destruídos, que estão vazios no meio de uma riqueza material. Tudo isso nos diz respeito e nos chama para termos olhar e coração para o próximo e também a coragem para o amor fraterno. Pois, como foi dito, o sacerdote e o levita seguiram adiante talvez mais por temor do que por indiferença. De novo e a partir do interior é que havemos de aprender o risco da bondade; só havemos de poder fazer isso se nós mesmos formos ‘bons’ a começar de dentro, se a começar de dentro formos próximo e então estivermos atentos ao modo do serviço que nos é exigido no nosso ambiente e no raio maior da nossa vida e que a nós possivelmente, e a partir daí, nos é confiado como tarefa”. (Ibid. Bento XVI.)
  • 11. Portanto, como nos ensinou alguns santos Padres esta parábola, quer falar de Deus, nosso Deus é um Deus-samaritano “herege” que não lhe importa ser alguém que rompa as leis de pureza ou de culto religiosas para mostrar amor a quem o necessita. “Vai, e também tu, faze o mesmo.” (v.37) Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. Bento XVI, Jesus de Nazaré. São Paulo, Editora Planeta, 2007. O olhar da Igreja sobre a Cidade “O Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois à sua frente a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir.” Assim São Lucas inicia um discurso e ensinamento de Jesus sobre a missão, (cf. Lc 10,1-12.17-20) não dos Doze, mas dos setenta e dois discípulos, isto é, quase todos aqueles que o seguiam naquele momento, pois a evangelização não foi um privilégio exclusivo dos Doze. Jesus dá instruções aos discípulos a partir da realidade concreta de uma plantação pronta para a colheita. Provocado pela urgência da missão nos “campos do Reino”, como o dono de um campo agrícola que vê o trigo maduro em risco de se perder, caso não seja logo colhido; e preocupado em encontrar braços para o urgentíssimo trabalho: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos.” (v. 2) Nos campos, durante a colheita são as pessoas que recolhem as coisas. Na colheita para o Reino de Deus, é necessário cuidar de pessoas. Cada uma delas tem um valor infinitamente maior que tudo. Os autores espirituais afirmam que, se existisse no mundo um só homem, também por ele, o Filho de Deus desceria e morreria para salvá-lo. Não podemos, portanto, imaginar que nos campos confiados à Igreja fique nem sequer uma só espiga sem ser colhida, quer dizer, nem sequer uma pessoa pela qual Deus não haveria de dar tudo para salvá-la. Por isso Jesus lamenta que “os operários são poucos” para a colheita e que se deve pedir ao dono, o próprio Deus que mande trabalhadores (cf. v.2) para que ninguém se perca. Todos nós sabemos que as dificuldades são inerentes à missão de evangelizar. Nunca foi fácil evangelizar nem antes nem nos dias atuais. Jesus é consciente disso e envia os seus evangelizadores “como cordeiros para o meio de lobos.” (v. 3) O êxito da missão não está assegurado porque é possível a rejeição da mensagem e do mensageiro; fato que o próprio Jesus e a Igreja experimentou e experimenta em todos tempos. Vendo o assustador panorama internacional onde a cada ano morrem no mundo cerca de 20.000 pessoas pelo fato de ser cristãs, mártires por causa da fé ou vítimas de leis que legislam contra a vida etc. Constatamos que a pregação do evangelho foi e sempre será uma experiência tensa, acompanhada de perseguições mas, ao mesmo tempo feliz, de uma alegria cheia de esperança que acompanhou e sempre acompanhará a Igreja de todos os tempos. “Os setenta e dois voltaram com alegria, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome!” (v.17) Esta expressão quer dizer simplesmente que o mal do mundo se vence com a bondade do evangelho. A outra imagem do evangelho de hoje é a da cidade como espaço de evangelização: Jesus envia os setenta e dois “a toda cidade” (v. 1), povoados e aldeias para anunciar o evangelho. “A Igreja em seu início se formou nas grandes cidades de seu tempo e se serviu delas para se propagar.” (DA n. 513) O cristianismo nasce e cresce no ambiente urbano.
  • 12. São Lucas no seu evangelho quis com a imagem da “viagem à cidade de Jerusalém”, colocar o marco adequado para a iniciação de alguns seguidores de Jesus nesta tarefa que Ele não poderá levar a cabo quando chegar em Jerusalém assim, quis adiantar o que será a missão da Igreja. Na linguagem daquele tempo esta missão se expressava com a imagem da “nova Jerusalém”. Jesus quis que toda a terra se convertesse em nova Jerusalém, cidade de paz e consolo, da hospitalidade e presença de Deus. O profeta Isaías (VIII a.C.) também queria animar a comunidade do pós exílio da Babilônia para criar uma Jerusalém nova. A profecia (cf. Is 66,10-14) nos fala de uma restauração de Jerusalém, depois do luto. Deus mesmo, em Jerusalém, cuidará dos seus filhos como uma mãe, amamentando-os e saciando-os, consolando-os. Jerusalém, capital do antigo reino de Israel é uma cidade condicionada por sua história e por sua longa tradição religiosa. É uma cidade disputada ainda hoje por árabes, judeus e cristãos. No Novo Testamento a Jerusalém, portanto fica constituída, como símbolo da Igreja de Cristo, protótipo da cidade de Deus. “O projeto de Deus é a Cidade Santa, a nova Jerusalém, ‘vestida como noiva que se adorna para seu esposo, a tenda que Deus instalou entre os homens. Acampará com eles, eles serão seu povo e o próprio Deus estará com eles. Enxugará as lágrimas de seus olhos, e não haverá morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que é antigo terá desaparecido’ (Ap 21,2-4). Esse projeto em sua plenitude é futuro, mas já está se realizando em Jesus Cristo.” (DA n. 515) “A Igreja está a serviço da realização dessa Cidade Santa, mediante a proclamação e a vivência da palavra, a celebração da Liturgia, a comunhão fraterna e o serviço, especialmente aos mais pobres e aos que mais sofrem, e dessa forma vai transformando em Cristo, como fermento do Reino, a cidade atual.” (DA n. 516) Mas essa Jerusalém não existe, tem que ser criada em toda parte, alí onde cada comunidade for capaz de sentir a ação libertadora de Deus. A realidade urbana é muito complexa. Na mesma cidade os contrastes são gritantes: bairros residenciais de alto padrão de conforto, condomínios fechados, grandes e ricos edifícios, ao lado de bairros da periferia sem as mínimas condições de infraestrutura, onde a população se amontoa vivendo em sub-habitações, favelas, becos, cortiços ou ocupações, correndo riscos constantes de desabamentos e inundações. Contudo não basta para nós cristãos, o olhar somente sobre o tecido urbano, sobre a geografia da cidade. É preciso aprofundar nosso olhar e perceber a diversidade de “culturas” isto é, os diversos estilos de vida que convivem numa mesma cidade. Tudo isto se traduz no que se come, como se veste, no transporte que se usa, no lazer que se tem (ou não se tem), até mesmo na religião e no modo como se vive a fé, inclusive na Igreja Católica. Alguns cristãos da cidade fazem da Igreja um bem de consumo ou espaço social do qual são meros usuários: o batizado, o casamento etc. Para outros a participação na comunidade, a Igreja dá sentido profundo às suas vidas. Para estes não existe a dicotomia, mas sim a unidade Fé-Vida. Na verdade, a cidade é um espaço de culturas que convivem, mas também que se conflitam; se fundem ou se fragmentam até à extinção. Esta realidade da cidade desafia a Pastoral da Igreja, o seu modo de ser e de agir no mundo urbano. Com certeza a figura romântica da Igreja-Matriz no meio da praça da cidade ou do bairro, não é mais o principal referencial dos cidadãos. O Documento de Aparecida, da V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe na parte referente à “Pastoral Urbana” é um bom exemplo do esforço que fizeram os nossos bispos para encontrar um tom evangélico e até otimista para olhar a desafiadora realidade da evangelização da cidade. Um olhar de fé sobre a cidade. Diante da complexidade desta
  • 13. realidade: a cultura plural, as novas linguagens, as complexas transformações socioeconômicas, culturais, políticas e religiosas, as diferenças sociais, as tensões desafiantes da tradição e da modernidade… etc. (cf. DA ns. 509-512) Acontece algo curioso, se valoriza o passado, a origem da Igreja ligada às cidades e se assinalam experiências de renovação. Mas, também se percebem atitudes de medo em relação à pastoral urbana; muitos pastores manifestam seu desejo de trabalhar na zona rural ou nas pequenas cidades e isso revela a tendência a se fechar nos métodos antigos e a tomar atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de impotência diante das grandes dificuldades das cidades. (cf. DA n. 513) Aí os bispos fazem uma bela revelação, a missão evangelizadora da cidade não se opõe a ter que aprender com ela: “A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a suas alegrias, desejos e esperanças, e como também em meio a suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das cidades, como exemplo a violência, pobreza, individualismo e exclusão, não nos podem impedir que busquemos e contemplemos o Deus da vida também nos ambientes urbanos. As cidades são lugares de liberdade e oportunidade. Nelas, as pessoas têm a possibilidade de conhecer mais pessoas, interagir e conviver com elas. Nas cidades é possível experimentar vínculos de fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o ser humano é constantemente chamado a caminhar sempre mais ao encontro do outro, conviver com o diferente, aceitá-lo e ser aceito por ele.” (DA n. 515) O então Cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, (Argentina) hoje Papa Francisco disse na abertura de um congresso de pastoral urbana em seu país: “O Papa Bento XVI no seu discurso inaugural da assembleia de Aparecida perguntava: ‘Que é a realidade sem Deus?’ Nós podemos fazer a mesma pergunta com respeito à cidade: ‘O que é a cidade sem Deus?’ Sem um ponto de referência fundante e absoluto, a realidade da cidade se fragmenta e se dilui em mil particularidades sem história e sem identidade... Em que termina um olhar sobre a cidade se não se centra em uma fé aberta ao transcendente? Para ver a realidade faz falta um olhar de fé, um olhar crente. Se não, a realidade se fragmenta. Nosso Deus vive na cidade e Se mistura na sua vida quotidiana, não discrimina nem relativiza porque é misericordioso e a misericórdia cria maior proximidade... Deus já vive na nossa cidade e urge – enquanto refletimos – sair ao seu encontro, para O descobrir, para construir relações de proximidade, para o acompanhar no seu crescimento e encarnar o fermento de sua palavra em obras concretas. O olhar de fé cresce sempre que pomos a Palavra em prática. A contemplação melhora no meio da ação. Agir como bons cidadãos – em qualquer cidade – melhora a fé. Poder-se-á dizer que o olhar de fé nos leva a sair todos os dias e cada vez mais ao encontro do próximo que habita a cidade. Leva-nos a sair ao encontro porque este olhar se alimenta na proximidade. Não tolera a distância...”(Bergoglio, 2011.) O olhar e a atitude de proximidade do cristão-missionário não pode ser o olhar parado ou de espectador passivo, a atitude de ficar em casa; “a messe” está sempre fora, “o campo do Reino” hoje é a cidade. Temos que sair para buscar a messe e estabelecer com ela uma relação mais humana; humanizar a “cidade dos homens” tornando-a mais “cidade de Deus”, aí está uma grande missão para os cristãos hoje e as palavras de Jesus estão cheias de urgência, põe-nos a caminho, ligeiros “pois o Reino de Deus está próximo de vós.”(v. 9) Bibliografia Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002.
  • 14. CELAM. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado latino Americano e do Caribe. São Paulo, CNBB/Paulus/Paulinas, 2007. Bergoglio, Card. Jorge sJ. Palavra de Abertura no I Congresso de Pastoral Urbana de Buenos Aires, (Argentina): “Deus vive na cidade”. 2011. www.vanthuanobservatory.org São Pedro e são Paulo, origem e meta da Igreja Como todos sabem, Jesus escolheu alguns discípulos, aos quais deu o nome de apóstolos. Num só dia celebramos o martírio de dois destes apóstolos: Pedro e Paulo. Na realidade, os dois eram como um só. Embora tenham sido martirizados na perseguição de Nero, em datas diferentes entre os anos 64 e 67, deram o mesmo testemunho. Pedro foi à frente; Paulo o seguiu. A Liturgia reúne em uma única celebração estes dois grandes apóstolos: Pedro, o escolhido para conduzir a Igreja e confirmar seus irmãos na fé e Paulo, o eleito por Deus, para ser o evangelizador, aquele que com suas cartas e suas pregações ensinou de modo profundo as palavras do Mestre. Celebramos o dia festivo consagrado para nós pelo sangue desses dois apóstolos. Amemos sua fé, vida, trabalhos, sofrimentos, testemunhos e as pregações. “São Pedro e São Paulo são os últimos dois aneis de uma corrente que nos une ao próprio Cristo. Em certo sentido, nossa comunhão com Jesus passa através deles. Nós celebramos, por isso, a festa dos ‘fundadores’ de nossa fé, dos antepassados do povo cristão.” (Cantalamessa, 2012.) Pedro é o primeiro a quem Jesus chamou. Nasceu em Betsaida, junto ao lago de Tiberíades e se mudou para Cafarnaum, onde junto ao seu irmão André, seu pai Jonas, aos filhos de Zebedeu, montou uma pequena empresa familiar de pesca. Escolhidos os três por Jesus, Pedro Tiago e João se converteram nos discípulos mais íntimos e foram testemunhas dos maiores acontecimentos de sua vida, como a Transfiguração no Tabor e a agonia do Getsemani. Pedro seguiu a Jesus da Galileia à Judeia e depois da morte de Jesus transferiu-se para Antioquia e enfim chegou a Roma. Dentre os apóstolos, somente Pedro mereceu ouvir estas palavras de Jesus: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja." (Mt 16,18) A ele e seus sucessores lhes concede Jesus uma missão única na Igreja, missão apresentada através da imagem da construção de um edifício, “quem edifica a Igreja é Cristo. É ele que escolhe livremente um homem e o põe na base do edifício. Pedro é apenas um instrumento, a primeira pedra do edifício, enquanto Cristo é aquele que põe a primeira pedra. Todavia, doravante, não se poderá estar verdadeira e plenamente na Igreja, como pedra viva, se não se está em comunhão com a fé de Pedro e sua autoridade ou, ao menos, se não se procura estar.” (Ibid. Cantalamessa.) "Ninguém pode por outro fundamento do que o que foi posto: Jesus Cristo." (1Cor 3,10). Se o fundamento invisível é Cristo Ressuscitado, o visível é a chamada “cátedra de Pedro”, os que o sucederam até o atual sucessor o papa Francisco. Neles, Pedro continua a ser a “rocha”, garantindo misteriosamente a indefectibilidade da Igreja no tempo e nas tormentas que tem que superar essa “barca”, outra alegoria apropriada ao pescador de Galileia, acostumado a enfrentar as tempestades e ressacas do mar.
  • 15. Outra metáfora expressa o poder especial de Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mt 16,19) “Ligar e desligar” é símbolo do poder de permitir e proibir, o que significa o governo da Igreja como sociedade. Mas, como no mundo o poder corrompe, Jesus quer que "o maior dentre vós seja aquele que serve a todos." (Mt 23,11) Poder exercido a partir do amor: por isso o Ressuscitado pergunta a Pedro: "Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15) Esta é a segunda vocação de Pedro, que teve que experimentar visível e publicamente, sua debilidade: negou três vezes seu Mestre. Quando se arrependeu e chorou amargamente, Jesus converteu sua volta ao amor em cura de amor, com suas três promessas de amor, com o qual o purificou para ser o pastor dos cordeiros e das ovelhas. Quando Jesus lhe pergunta pela terceira vez se o ama mais que os outros, Pedro não responde como antes, mas sim com um: “Senhor, tu sabes tudo: tu sabes que te amo." (Jo 21,17) Pedro, um pecador arrependido, foi escolhido por Jesus para ser o guia de sua Igreja, santa. É que aquele que haveria de ser pastor de pecadores é necessário que experimente a prova humilhante de ser ele mesmo pecador. Se não como poderia compreender as experiências de uma comunidade de pecadores? Só depois da Ressurreição, aquele que havia recebido a promessa de que a Igreja seria construída sobre sua Pedra, agora um Pedro humanizado pela derrota do pecado, é confirmado em sua missão de apascentar o rebanho, o constitui Pastor Universal. São Paulo foi um homem fascinado pela pessoa de Cristo. “Ele se encontrava em Jerusalém nos dias em que Jesus foi morto. Filho de um judeu de Tarso, Saulo estava na Cidade santa aperfeiçoando-se em estudos bíblicos. Em seu zelo ardente pela lei, pensava dar glória a Deus perseguindo a jovem Igreja. Mas Jesus o esperava no caminho de Damasco: Saulo, ‘Saulo, por que me persegues?’ (At 9,4) Teve apenas a força de balbuciar: ‘Quem és, Senhor?’ Mas tarde repensando aquela experiência, teve a sensação que naquele dia Cristo o tinha agarrado na alma e no corpo (Fl 3,12). Cristo tornou-se sua chama interior, sua paixão... percorreu o mundo conhecido de então pregando Cristo aos judeus e aos pagãos. Suas viagens formam uma teia sobre o mapa daquele do tempo.” (Ibid. Cantalamessa.) Encontrar-se com Jesus Ressuscitado foi sua experiência maior, mais profunda, comprometida e decisiva de sua vida. Experiência de amor e de liberdade. Cristo rompeu a pedra do sepulcro de seu orgulho e autossuficiência, que era própria dos fariseus, e lhe ressuscitou por dentro. Daí em diante sentirá a necessidade de evangelizar: "Anunciar o evangelho não é título de glória para mim; é, antes uma necessidade que se me impõe. A¡ de mim, se eu não anunciar o evangelho!" (1Cor 9,16) Prega a verdade desnudada de todo ornato humano, “e proclama a palavra, insiste, no tempo oportuno e inoportuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência e doutrina.”(2Tm 4,2) Seus sofrimentos, sabe que são valiosíssimos, pois são principalmente as portas que abrem as portas ao Evangelho por toda a parte: "Eu não me apresentei com adulações, como sabeis; nem com secreta ganância, Deus é testemunha! Tampouco procuramos o elogio dos homens... Pelo contrário, apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade, como uma mãe que acaricia os filhinhos. Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos. Ainda vos lembrais, meus irmãos, dos nossos trabalhos e fadigas. Trabalhamos de noite e de dia, para não sermos pesados à nenhum de vós. Foi assim que pregamos o Evangelho de Deus." (1Ts 2,5-9)
  • 16. Sofreu torturas espirituais, abandono de seus companheiros de missão e evangelizados, perseguições, solidão. E apesar de tudo, é alegre, “transbordo de alegria em toda a nossa tribulação.” (2Cor 7,4) Chegando a Roma, foi encarcerado e como cidadão romano, decapitado: Assim o escreve nas vésperas de seu martírio: "quanto a mim, já fui oferecido em libação e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé." (2Tm 4,6-7) Façamos hoje nossa profissão de fé nesta Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja e também nosso exame de consciência. Quem é a Igreja? Para os católicos, a Igreja é nosso “eu” plural, o Corpo Místico de Jesus do qual eu sou membro. Na Igreja, portanto, devemos ao invés de criticá- la examinar nosso amor para com ela. Nascido pelo Batismo na Igreja, espaço onde atua o Espírito Santo, para viver filialmente com Deus; cresci e cresço na Igreja para servi-la; recebi na Igreja o melhor que tenho em mim; realizo na Igreja, o mais valioso que posso fazer por seu ministério; sou enamorado da Igreja, dei a ela o melhor dos meus anos, a minha juventude e dou dia a dia a minha vida por ela; sofri muito pela Igreja, por seus erros; e sigo sofrendo, desejo e luto por uma Igreja mais pura, mais unida e humilde, mais interior e evangélica, mais samaritana e materna, mais simples, mais servidora. Quem só vê na Igreja uma organização meramente humana e pecadora e não sabe ver sua qualidade de santa porque é vivificada pelo Espírito de Cristo, sempre com ela, logo se escandaliza e deixa de crer nela. Quem a vê como um povo maravilhoso que caminha nestes vinte séculos, vindo de todos os lugares, atraindo a si todos os povos, assimilando todas as civilizações, traduzindo-se em todas as culturas, falando em todas as línguas, sempre fazendo o bem, ainda que não o tenha feito sempre bem, a amará e a respeitará, como a uma mãe anciã, que apesar das rugas que assimilou na luta, sempre se renova e rejuvenesce para o seu Divino Esposo. A Igreja sempre me ofereceu um acervo riquíssimo de sabedoria, de santos, místicos e gênios atuais, que forjaram a formação da minha personalidade. Os erros que detectei na Igreja sempre os vi retificados por outros homens mais lúcidos e provectos e comprovo que os obstáculos exerceram o papel de adubo, pois como já disse alguém: as coisas crescem pelo que nascem, e o que nasce da cruz cresce pela mesma cruz, ainda que ao ritmo peculiar da vida. Que seria do mundo sem a cultura e sem a arte criada e conservada na e pela Igreja? Que seria da educação; das escolas e universidades nascidas nos claustros dos mosteiros? Que seria dos órfãos, dos abandonados, pobres e excluídos da sociedade, sem a Igreja? Como posso esquecer o sacerdote que me fascinou quando ainda criança e adolescente até o ponto de querer ser como ele, padre? E tantas santas mulheres, religiosas anônimas e verdadeiramente pobres, trabalhando e orando por toda a humanidade no silêncio dos seus claustros? Gostaria de como santa Teresa de Jesus dizer: Minha glória e minha vida será servir sempre à Igreja, e morrer como filho da Igreja. Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012.
  • 17. Duas virtudes evangélicas: a fé e a humildade Ao longo do Ano Litúrgico não celebramos temas, celebramos o mistério de Cristo, o Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado para nossa salvação, segundo a nossa profissão de fé. Para nós cristãos católicos a celebração litúrgica é fonte de vida cristã e "na liturgia Deus fala ao seu povo; Cristo continua a anunciar o Evangelho e o povo responde a Deus com o canto e a oração." (Sacrosanctum Concilium n.33) Por isso acrescenta o Concílio Vaticano II: "Para realizar uma obra tão grande (a salvação), Cristo está presente na sua Igreja, sobretudo na ação litúrgica..., nos sacramentos..., e na Palavra, pois quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é ele quem fala". (SC 7) Daqui se conclui uma presença de Cristo no mesmo nível, embora diversa, na Palavra e nas espécies eucarísticas. Por essa razão, "a Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada liturgia, de tomar e distribuir aos fieis o pão da vida, quer da mesa da Palavra de Deus, quer da do Corpo de Cristo”. (Dei Verbum 21) É muito estreita a ligação entre a Palavra de Deus (leituras bíblicas e homilia) e o mistério eucarístico, que constitui assim as duas partes da Missa; liturgia da Palavra e liturgia Eucarística, unidas “num só ato de culto” (SC 56). Tanto a celebração litúrgica como a Palavra de Deus atualizam o mistério de Cristo. Passado o Tempo Pascal, retornamos ao Tempo Comum. Na leitura evangélica seguimos este ano o terceiro evangelho, que segundo uma tradição eclesial seu autor juntamente com o livro dos Atos dos Apóstolos seria Lucas, mas, segundo os especialistas, isso não é totalmente seguro. Escrito por volta do ano 80 da era apostólica o evangelho de Lucas tem um estilo literário melhor e mais rico dos três sinóticos. Para alguns é o mais atual e humano de todos os livros do Novo Testamento. É considerado o evangelho da misericórdia, do acolhimento e do perdão e é também o evangelho dos pobres e da pobreza proclamada como uma das bem-aventuranças e o próprio Jesus alerta para o perigo das riquezas à medida que caminha da Galiléia para Jerusalém, onde o espera o fracasso aparente da morte e a vitória da ressurreição. “O capitulo sétimo de Lucas apresenta uma serie de encontros que acontecem fora do povo de Israel: um soldado estrangeiro; uma viúva; uma delegação enviada por João Batista; uma mulher julgada pecadora na cidade. A cada uma destas pessoas Jesus manifesta-se como Messias de misericórdia.” (Casarin, 2010.) Segundo o texto deste Domingo (cf. Lc 7,1-10), um pagão, centurião romano (oficial que comandava cem soldados, pertencentes às tropas de ocupação da Palestina) que tinha um criado a quem gostava muito e que estava doente, ao ouvir falar de Jesus, enviou-lhe alguns anciãos amigos, pois era amigo dos judeus de Cafarnaum, tendo construído para eles uma sinagoga pedindo-lhe, que viesse curar o seu criado. “Os centuriões romanos deixaram uma boa reputação no Novo Testamento; recordam-se três e todos eles muito piedosos. Um é aquele do evangelho de hoje, outro aquele que ao pé da cruz exclamou: Este homem era realmente o Filho de Deus (Mc 15,39), e o último, de nome Cornélio foi o primeiro pagão a entrar na Igreja (cf. At 10,1ss). No evangelho, porém, as coisas não seguem o ritmo do mundo: no mundo uma alta patente do exército é admirada e distinguida com honrarias pelo seu valor militar, pelo seu orgulho e pelas vitórias sobre seus inimigos; aqui, ao contrário, estes são louvados pela humildade, pela fé, pela esmola e pela oração... são os paradoxos do Reino, a exemplificação dos valores novos proclamados pelas bem-aventuranças;
  • 18. ninguém está excluído do Reino – nem sequer um general do exército de ocupação – uma vez que aceite entrar pela porta certa, que é a ‘porta estreita’.” (Cantalamessa, 2012.) Quando Jesus já estava perto da casa, o centurião lhe mandou dizer por uns amigos: “Senhor não te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa; nem mesmo me achei digno de ir ao seu encontro. Dize, porém uma palavra, para que o meu criado seja curado. Pois também eu estou sob uma autoridade, e tenho soldados às minhas ordens; e a um digo ‘Vai!’ E ele vai; e a outro ‘Vem!’ E ele vem; e a meu servo ‘Faze isto!’ e ele o faz.” (v.6-8) A fé supera a distância, nem o centurião nem Jesus se conhece um ao outro, porém há um diálogo muito próximo, porque a fé humilde do suplicante encurta esta distância. Se fosse qualquer um de nós, pediríamos a Jesus para vir à nossa casa, tocar-nos, abençoar-nos porque essa presença física nos daria a garantia da cura. Mas, o oficial romano dispensa este contato físico, pois com fé no poder de Jesus confia na “Palavra” de ordem de Jesus. “A fé é a certeza do que se espera e a prova do que não se vê.” (Hb 11,1) “Jesus ficou admirado e, voltando-se para a multidão que o seguia disse: ‘Eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”. (v.9) A fé deste homem é uma fé humilde, sua humildade é surpreendente e transparece, sobretudo nas palavras: “Senhor, Eu não sou digno”. Essas palavras ficaram na tradição cristã como límpida expressão de humildade cristã e por isso as repetimos antes da comunhão eucarística. É uma estranha coincidência! As pronunciou um não cristão e revelam uma virtude que os não cristãos não conheciam e que consideravam como uma atitude falsa que impede a coragem de viver. A palavra “humildade”, do latim “humilitas”, proveniente de “humus”, terra, barro conduz o significado da palavra humildade para algo terreno. Alguém que se coloca abaixo, que se humilha, em uma posição de submissão. Para os cristãos, humilde seria a pessoa que tem a consciência de suas capacidades e de suas debilidades. Quais são nossas medidas diante de Deus? No Antigo Testamento se repete que diante de Deus o homem não é nada, “disse Abraão: ‘eu me atrevo a falar do meu Senhor, eu que sou poeira e cinza.” (Gn 18,27) Pensar em não temer a Deus é soberba imperdoável. Como não ter necessidade de Deus? Geralmente, aqui caem os ricos e os poderosos que só confiam em sua riqueza e em seus grandes conhecimentos. Totalmente o contrário daqueles que a Bíblia chama de “anawin”, os pobres. Eles não têm nada e a nada em que poder apoiar-se, senão em Deus. Por isso o Senhor cuida deles. Jesus no sermão da montanha disse que os pobres são “bem-aventurados” porque o Reino de Deus lhes pertence. O mesmo motivo o encontramos no Magnificat da Virgem Maria, (cf. Lc 1,46-56) que agradece ao Senhor que “olhou para a humilde condição de sua serva” e o próprio Jesus é modelo de humildade: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” (Mt 11,29) Ele manifesta esta humildade em sua vida, pois se apresenta como alguém que provém da classe dos pobres. Mas, sobretudo na atitude de obediência ao Pai, disposto a seguir sua vontade até a morte. (cf. Fl 2) Diante do exemplo de fé e humildade do centurião romano às vezes exclama-se: “Se eu tivesse essa fé... Por que é que não alcançamos esse nível, nós que conhecemos muito melhor que o soldado romano o amor e o poder de Deus? Que cada um dê a si próprio a resposta... Precisamos de uma margem de confiança em Deus, em Jesus Cristo, sua imagem pessoal, e aceitar o claro- escuro da fé sem ceder à psicose de segurança palpável que gera mecanismos de magia. Porque se torna tão difícil para o homem acreditar, confiando em Deus e entregando-se a Ele? Não pode haver fé verdadeira sem uma profunda humildade.
  • 19. O centurião de Cafarnaum é modelo de ambas as virtudes. Todos os grandes crentes da história foram humildes diante de Deus e dos outros, mesmo sendo grandes personalidades, grandes sábios ou grandes santos. Para crer em Deus é, pois, necessária a humildade, embora não seja essa uma virtude muito cotada no nosso mundo. A humildade parece não casar com a psicologia agressiva e de triunfador que o homem de hoje necessita para fazer-se valer e subir na vida. Contudo, somente o que é humilde pode acreditar em profundidade e realizar-se plenamente como pessoa, individual e comunitariamente”. (Caballero, 2000.) Que neste ano da fé, mantenhamos nosso olhar fixo sobre Jesus Cristo, “autor e consumador da fé” (Hb 12,2): nele encontra plena realização toda a ânsia e aspiração do coração humana. Aprendamos com o centurião romano a procurar e a professar a fé e peçamos a Jesus que a aumente sempre mais e que sejamos capazes de a testemunharmos não só com palavras, mas, sobretudo com obras, pois a fé sem obras está completamente morta (cf. Tg 2,14ss). “A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar seu caminho... É a fé que permite reconhecer Cristo, é o seu próprio amor que impele a socorrê- lo sempre que se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança nosso serviço no mundo, aguardando ‘novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça.’” (Pd 3,13; cf. Ap 21,1) (Bento XVI, 2012.) Bibliografia Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002 Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Ano A.B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012. Casarin, Giuseppe (org.). Leccionário Comentado, Tempo Comum, semanas I-XVII. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010. Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000. Bento XVI. Porta Fidei. Brasilia, Edições CNBB, 2012. Como é Deus? Terminado o tempo pascal, concluído no domingo passado com a festa de Pentecostes, voltamos ao Tempo Comum. Voltamos pela Liturgia a esse caminho habitual de Jesus em seus anos de ensinamento pelas terras da Judéia e Galiléia e caminho espiritual de todo cristão. Depois da grandeza da Páscoa e Pentecostes a Igreja quer recordar-nos o Mistério da Santíssima Trindade não com o objetivo de decifrá-lo, como um complicado teorema. Nossa fé nos convida
  • 20. a aceitá-lo e reconhecê-lo nas múltiplas manifestações que Deus mesmo nos dá ao longo da história da humanidade. Este domingo, num certo sentido recapitula a revelação de Deus que aconteceu nos mistérios pascais: morte e ressurreição, ascensão e efusão do Espírito Santo. Com esta celebração a Liturgia, elo entre o tempo pascal e o tempo ordinário, a Igreja nos propõe chaves para descobrir a impressionante riqueza deste grande mistério que é sem duvida a luz, a força e o alimento que necessitamos em nossa caminhada para Deus. Quem é Deus ou como é Deus? Na Liturgia da Palavra, “as três leituras bíblicas que ouvimos são como três janelas; através de cada uma lançamos um olhar sobre uma etapa da história da salvação, observando a ação ora de uma, ora de outra das três Pessoas divinas (embora todas três operem contemporaneamente).” (Cantalamessa, 2012.) O autor do Livro dos Provérbios, (cf. Pr 8,22-31) acertou em suas imagens literárias. “A Sabedoria de Deus” chega a se personificar no Filho, gerado desde o princípio, dialoga com o Pai e é seu colaborador e conselheiro em todas as suas obras. "Eu estava junto com ele como mestre-de-obra, eu era o seu encanto todos os dias.” (v. 30) O texto nos propõe um ambiente de total familiaridade, inocência, quase infantil. “Todo o tempo brincava na superfície da terra, encontrava minhas delicias entre os homens.” (vv. 30- 31) “Brincava em sua presença”, jogava com a bola da terra, um modo de expressar poeticamente a ausência total de maldade, conflito ou divisão no seio da Trindade. Tudo é beleza, paz, harmonia e ordem. Deus não é um solitário. A criação é expressão dessa divina comunicação. Desde a eternidade, Deus já pensa em nós e nos ama. “Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai Santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as coisas: criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo..” (Oração Eucarística IV) O Apóstolo Paulo (cf. Rm 5,1-5) “nos introduz numa atmosfera diferente: o homem, criado à imagem de Deus, perdeu sua amizade por causa do pecado, sendo destinado à perdição; porém, Deus não o abandona ao poder da morte, mas empreende um grande plano de salvação – o da encarnação, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo –, e foi na execução desse plano que se revelou plenamente ao homem o Filho de Deus... O Filho unigênito de Deus, escondido desde a eternidade no seio do Pai e que estava com ele quando criava os céus, manifestou-se, portanto, como Pessoa em Jesus Cristo e nos introduziu no conhecimento do mistério de Deus Uno e Trino.” (Ibid. Cantalamessa.) “Tendo sido, pois, justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo.” (v. 1) O ser humano, criado para a comunhão com Deus e com os outros, a perdeu pelo pecado. Deus restaura a unidade perdida pela encarnação de Jesus Cristo. E como prova da “esperança, que não decepciona… o Espírito Santo foi derramado em nossos corações.” (v. 5) O Evangelho nos abre uma janela sobre a última fase da história da salvação: o tempo da Igreja, o tempo em que se irá revelar a presença do Espírito Santo. (cf. Jo 16,12-15) Na cena da última ceia, Jesus fala aos discípulos com palavras de despedida, carregadas de ternura, quase “nostalgia” do Pai e do Espírito, desejando “voltar” e de algum modo desejando que os discípulos cheguem à verdade plena: “Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena.”(vv. 12-13) A mente e a linguagem humanas são inapropriadas para explicar a relação existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pouco a pouco, paulatinamente, ao longo da vida terrena, Deus se nos
  • 21. vai aproximando, se adaptando à nossa capacidade limitada, para sermos capazes de descobrir sua grandeza sem limites. O Espírito Santo guiou os discípulos e a nós para a Verdade plena. Ao dizer que “tudo o que o Pai tem é meu” (v.15), Jesus nos revela sua igualdade de natureza e dignidade com o Pai Criador do Universo e também anuncia o Espírito Santo, que também com Ele é um, igual a Ele. Estamos assim nos umbrais da revelação do mistério da Santíssima Trindade, mistério insondável e incompreensível, diante do qual só cabe a humilde aceitação. “E a fim de não mais vivermos para nós, mas para ele que por nós morreu e ressuscitou, enviou de vós, ó Pai, o Espírito Santo, como primeiro dom aos vossos fieis para santificar toas as coisas, levando à plenitude a sua obra.” (Oração Eucarística IV) Em algum momento de nossa vida já nos perguntamos quem é Deus? Como pode ser Deus? Vã ilusão seria pretender conhecê-lo, compreendê-lo, abarcar ao “Deus vivo e verdadeiro que (existe) antes de todo o tempo e (permanece) para sempre, habitando em luz inacessível.” (Oração Eucarística IV) A grandeza divina é tão imensa que a mais penetrante inteligência humana se sente embotada e lenta para compreender. A verdade plena do mistério da Trindade está além de nossa capacidade humana de entender. Os mistérios não se podem entender, nem explicar racionalmente; os que temos fé os adoramos, guiados pela fé e pelo amor a Deus que nos revelou. Deus é um mistério que nos ultrapassa. Já o disse Santo Agostinho: “Se o entendes, não é Deus”. Deus se foi revelando não como uma “ideia” ou “conceito filosófico”. Mas, sim como um Deus- Amor que se dá até o fim da Encarnação do Verbo e o envio do Espírito Santo. Como é Deus? Ante esta pergunta, vêm mil respostas: Deus é assim, mas... É muito mais que isso. A festa da Santíssima Trindade nos põe frente a uma realidade: Alguns se conformam em pensar em Deus sem se dar conta de que Ele se encarnou, assumiu a nossa condição humana, “verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado, anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos, a liberdade, aos tristes, a alegria. E para realizar o plano de amor (do Pai), entregou-se à morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida”. (Oração Eucarística IV) Que pena! Certamente desejavam um Deus perdido entre as nuvens. Talvez lhes incomode pensar num Deus tão humano e tão próximo, como um Deus encarnado. Outros, por outro lado, se esqueceram do Deus do céu e se têm aferrado a Jesus de Nazaré. A um Senhor sem referência ao divino. Querem um Jesus sem a transcendência que acompanhou a sua história: homem comprometido com os pobres, defensor dos oprimidos e contra o sistema estabelecido. Talvez porque, o Senhor Divino, lhes incomoda ante um mundo que pretende só um discurso humanizante, só terreno e pagão. E finalmente, há aqueles que ficam no sentimentalismo da fé. Uma fé sem mais referência que aquilo que o momento exige. Os sentimentos são bons quando vão acompanhado da fé. Um Espírito, sem referência a Aquele que o envia, se converte em seita, em sentimentalismo, emoção ou lágrimas que brotam mais de um coração fingido, forçado que das entranhas comprometidas com a conversão; comovidas pela Palavra de um Deus que falou por Cristo e atua pelo Espírito Santo. Como é Deus? Quando perguntaram João, o discípulo testemunha ocular do mistério da Cruz do Senhor: Diga-nos algo sobre Deus? Ele, respondeu: “Deus é Amor!” (1Jo 4,16) Neste sentido devemos dizer, com João, que Deus é o mesmo Amor quando é Pai e quando é Filho e quando é Espírito Santo. Deus, o Deus de Jesus Cristo, nosso Deus, sempre é Amor. Mas o mundo prefere
  • 22. reger-se por outros deuses que se propagam como uma peste e confunde o amor em prazer, a unidade com a imposição de ideologias ou a caridade com gestos inconsistentes. Nosso Deus não é isolado, frio e distante. Primordialmente é comunhão, é “comunidade”. È um ser relacional em suas três pessoas, na Unidade e na Diversidade. Frente ao individualismo do nosso tempo, a Trindade, nos apresenta um impressionante ícone da família: São três em um! Cada um com sua personalidade, mas cada um, com sua própria cor. Cada um diferente, mas os três, olhando na mesma direção. “Teremos que nos perguntar hoje com sinceridade o que significa o mistério trinitário na nossa vida de batizados. Deixamo-nos guiar pelo Espírito da Verdade? Realizamos, pela fé, o encontro pessoal com o Deus uno e trino que mora em nós, em cada um e na comunidade eclesial da qual fazemos parte?... Somos guiados pelo espírito de Jesus sempre que servimos a verdade da vida, das relações e direitos humanos, o amor e a fraternidade, a dignidade e a libertação integral do homem; numa palavra, sempre que servimos o Reino de Deus... Em qualquer campo da atividade humana, é o Espírito de Deus quem nos guia, que nos faz filhos e dando-nos consciência de o ser. Este será o sinal visível de que Deus mora em nós como no seu templo, e nos acompanha Cristo com o Espírito de filiação, liberdade, comunhão e abertura aos irmãos.” (Caballero, 2000.) Em um mundo tão dividido, desagregador, com rupturas interiores, com individualismos e diferenças tão marcantes. Deus Uno e Trino nos chama a ser novamente Uno, a voltar por sua graça, à “imagem e semelhança” perdida. E isto começando pelos espaços que temos mais ao nosso alcance: a família, a paróquia, a comunidade, a pastoral, o movimento eclesial etc. Se somos unidade no pequeno e acessível espaço, ao final o seremos também em grande escala. Com a Bem-Aventurada Isabel da Trindade, (França 1880-1906) suplicamos: “Ó meu Deus, Trindade que eu adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente, para me estabelecer em Vós, imóvel e pacifica, como se já a minha alma estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem fazer-me sair de Vós, ó meu imutável, mas que cada minuto me leve mais longe na profundeza do vosso Mistério... Ó meu Três, meu Tudo... Intensidade em que me perco, entrego-me a Vós.” (Ibid. Casarin.) Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2002 Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – Anos A,B,C. São Paulo, Ave Maria, 2012. Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionário Comentado, Tempo Comum Semanas I-XVII. Lisboa (Portugal) Paulus, 2010. Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelação (Portugal), Paulus, 2000. Pentecostes, nasce a Igreja.
  • 23. Chegamos ao ponto culminante da Páscoa, o Domingo de Pentecostes. Com esta festa litúrgica encerra-se o tempo pascal, centrado no mistério de Cristo Ressuscitado e glorioso. Os textos litúrgicos da festa de Pentecostes sublinham a importância fundamental da presença do Espírito Santo na vida da Igreja. Na Sagrada Escritura, frequentemente se fala do Espírito do Senhor, do Espírito de Cristo, do Espírito da Verdade etc. Os teólogos interpretam todas estas expressões fundamentalmente em um único sentido: se trata do Espírito Santo. A cena de Pentecostes, descrita nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1-11), é muito rica em símbolos com grande significado religioso. “Lucas situa a efusão do Espírito Santo sobre o grupo dos discípulos de Jesus reunidos em oração durante a festa hebraica do Pentecostes (v. 1). O dom do Espírito é acompanhado por fenômenos extraordinários (‘forte rajada de vento’, ‘uma espécie de línguas de fogo’: cf. vv.2-3) e por um efeito carismático (‘falar outras línguas’: v. 4). O acontecimento adquire imediatamente ressonância universal, devido à presença, em Jerusalém, de judeus provenientes de varias partes do mundo, cada um deles capaz de compreender na sua língua o que O Espírito Santo faz dizer aos Apóstolos (vv. 5-11)”. (Casarin, 2009.) Lucas narra a chegada do Espírito como se narram no Antigo Testamento as manifestações de Deus. Em especial, nos textos em que Deus faz Aliança com seu povo no Sinai. A festa judaica de Pentecostes fazia memória deste acontecimento, se fala também de fenômenos parecidos: ruídos, ventos, estrondos, trovões… é o momento fundacional de Israel como povo de Deus. O mesmo acontece no Novo Testamento. Já reunidos por Jesus, se constitui agora a comunidade plenamente em Igreja, em comunidade que ora, prega e convive: sem medo e com alegria. Esta Igreja no dia de Pentecostes recebe o dom do Espírito Santo. É a Nova Lei, que faz possível a criação de uma humanidade nova, uma vida nova que é participação antecipada da vida divina. Uma vida ideal, de liberdade, de paz, de alegria, de perdão e de comunidade. Na criação de uma humanidade nova, de um grande corpo do qual cada um de nós faz parte, o Espírito torna possível a unidade graças à diversidade e não a unidade apesar da diversidade: sendo diferentes, tendo cada um características pessoais e gozando de dons distintos, todos temos que estar implicados na construção da comunidade humana. É o Espírito que suscita a pluralidade: a variedade e a diferença são os dons gratuitos do mesmo Deus. “Todas as manifestações da vida cristã são consequência direta do Espírito Santo. São Paulo os chama carismas e enumera muitos: ‘Assim o Espírito a um concede falar com sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, falar com conhecimento profundo; a um lhe concede o dom da fé; a outro, o poder de curar os enfermos; a outro, o dom de fazer milagres; a outro, o de dizer profecias; a outro, o saber discernir entre os espíritos falsos e o Espírito verdadeiro; a outro, falar línguas estranhas e saber interpretá-las; a outro, dom de interpretá-las. Tudo isto o leva a cabo o único e mesmo Espírito, repartindo a cada um seus dons como quer.” (cf. 1Cor 12,8-11) Somos homicidas de nós mesmos se pretendermos uniformizar o que Deus fez diferente. Anulando as diferenças suscitadas pelo mesmo Espírito mutilamos o corpo de Cristo. Por isso o “primeiro efeito do dom do Espírito, significativamente, é o falar em línguas: os discípulos são habilitados a fazer-se entender por uma multidão internacional nas diversas línguas (vv. 6-11). Desde o início, portanto, o Espírito abre a Igreja nascente à missão universal: o Evangelho está destinado a ser compreendido em todas as línguas e culturas, e proclamado em todas as nações.” (Ibid. Casarin.)
  • 24. Apesar de manter cada um suas diferenças pessoais, culturais e linguísticas, a todos chega a Boa Nova. O dom de línguas nos fala desta universalidade intrínseca ao Evangelho e à catolicidade da Igreja. Sua proposta de salvação é para todos os homens e mulheres do mundo. Não porque devam uniformizar-se, mas sim porque devem perdoar-se e trabalhar na construção do bem comum respeitando as diferenças, conjugando as diversidades de línguas em uma gramática humana universal. Cabe aqui uma nota, “depois do Concílio Vaticano II se assiste a um sinal grandioso em toda a Igreja Católica: o reaparecimento dos carismas; não se trata somente do assim chamado “movimento carismático”; quase todos os movimentos de renovação que florescem cá e lá na Igreja Católica e em outras confissões cristãs mostram esta surpreendente nota comum. Através deles o povo cristão recupera sua espontaneidade, sua criatividade, sua força de testemunho que são o sinal típico da ação do Espírito de Deus.” (Cantalamessa, 2012.) O Evangelho de João (cf. Jo 20,19-23), escolhido para esta festa por nele se falar também de uma comunicação do Espírito Santo, nos diz que desde o dia mesmo em que Jesus ressuscitou dentre os mortos sua comunicação com os discípulos se realizou por meio do Espírito. O Espírito que o Ressuscitado “insuflou” neles lhes dava o discernimento, a alegria e o poder para perdoar os pecados: “Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos.” (v. 23) Pentecostes é como a representação decisiva e programática de como a Igreja, nascida da Páscoa, tem que abrir-se a toda humanidade, sua universalidade. Para o autor do quarto evangelho a verdade é que o Espírito do Senhor esteve presente em toda a Páscoa e foi o autêntico artífice da igreja primitiva desde o primeiro dia em que Jesus já não estava mais historicamente com eles. Mas, estava com eles, por meio do Espírito que como Ressuscitado lhes dava. Pentecostes é a festa do Espírito, da Igreja e da comunidade. É a culminância da Páscoa. A vida nova que Jesus conseguiu é também nossa vida. Muitas vezes não somos suficientemente convencidos da atuação do Espírito em nós. Talvez seja porque não lhe deixamos atuar... Dá a sensação de que estamos como os discípulos antes de Pentecostes: dizemos que cremos em Jesus, nos confessamos cristãos, mas vivemos medrosos, apáticos, desestimulados, sem garra. Então nos refugiamos em nossa fortaleza por medo de sair ao mundo. Mas, a imagem que define melhor a Igreja não é a da fortaleza e sim a da “tenda” que se arma no meio do mundo. Também os discípulos estavam dentro de casa, com portas e janelas fechadas por medo dos judeus. Compartilham medos, ilusões e recordações de Jesus. O Espírito se apresentou como vento e chamas de fogo. O vento e o fogo purificam e transformam. E então... saíram a anunciar e testemunhar o Evangelho sem medo, sem utilizar a força, sustentados em sua debilidade pelo Espírito. Quando a Igreja se fecha em si mesma por medo de se contaminar com o mundo, a imagem que dá é a de uma fortaleza firme, mas infelizmente não convence, por vezes até se converte em pedra de escândalo para muitos. Disse Bento XVI que “a Igreja vive constantemente da efusão do Espírito Santo, sem o qual ela esgotaria as próprias forças, como uma barca a vela à qual faltasse o vento. O Pentecostes renova-se de modo particular em alguns momentos fortes, tanto a nível local como universal, em pequenas assembleias ou em grandes convocações... Mas a Igreja conhece numerosos “pentecostes” que vivificam em comunidades locais: pensemos nas liturgias, em particular nas que foram vividas em momentos especiais para a vida da comunidade, nas quais a força de Deus se sentiu de modo evidente, infundido alegria e entusiasmo nos corações. Pensemos em tantos encontros de oração, nos quais os jovens sentem claramente a o chamado de Deus a enraizar a
  • 25. sua vida no seu amor, também consagrando-se inteiramente a Ele. Portanto, não há Igreja sem Pentecostes...” (Bento XVI, Regina Caeli, 23.05.2010) “Espírito de Deus, enviai dos céus, um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres daí aos corações vossos sete dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alivio, vinde!... Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons.” Esta “sequência” que cantamos na liturgia desta festa, antes da proclamação do evangelho, é um dos hinos e orações mais fervorosamente rezados pelos cristãos. É uma oração que, rezada com devoção e amor, nos dá paz interior, consolo e descanso na difícil caminhada por este mundo. O Espírito Santo, quando se apodera de uma alma cristã, a ilumina e vivifica. A vida da alma cristã é o Espírito Santo, porque nos fortalece quando estamos fracos, nos enche quando nos sentimos pobres e vazios, nos dá luz e calor quando estamos apagados e frios, nos orienta e cura sempre nosso coração enfermo e desorientado, muitas vezes perdido e abandonado. O ser humano é por natureza, um ser demasiado egoísta e frágil. Se nos deixamos arrastar por nossos instintos mais primários caímos facilmente em atitudes e comportamentos mais animais que espirituais. Necessitamos a força do espírito, a graça e a força do alto, para nos sobrepor às tentações do mal. Para conseguir isto necessitamos que o Espírito Santo nos encha por dentro, seja o “doce hóspede da alma”, brisa nas horas de fogo, alegria que enxugue as lágrimas, dom, em seus dons esplêndidos. Peçamos nesta festa de Pentecostes, que o Espírito Santo seja a água viva que regue nossos corações tantas vezes áridos e secos; Que com seu amor, guie e encha nossos corações quase sempre inquietos e insatisfeitos.”Vinde Espírito Santo!” Bibliografia: Textos e referências bíblicas: Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 200.2 Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionário Comentado, Quaresma – Páscoa. Lisboa (Portugal) Paulus, 2009. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz Carne, reflexão sobre a Palavra de Deus – A,B.C. São Paulo, Ave Maria, 2012. Amor marca indelével do cristão Estamos neste V Domingo da Páscoa no evangelho de João (cf. Jo 13, 31-35) na última ceia de Jesus e seu discurso de despedida, seu testamento aos seus discípulos: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.” (v. 34) A eucaristia celebrada hoje à luz deste mandamento novo adquire uma força toda especial: é o encontro com a fonte daquele amor novo e a manifestação daquela nova comunidade que Jesus imaginou. A última ceia de Jesus com seus discípulos ficaria gravada em suas mentes e em seus corações. O redator do evangelho de João sabe que aquela noite foi especialmente significativa para Jesus,
  • 26. não tanto para os discípulos, que somente a puderam recordar e recriar a partir da ressurreição, como a contemplamos neste tempo pascal. João é o evangelista que mais profundamente tratou esse momento, mesmo não descrevendo nele a instituição da eucaristia, preferindo outros sinais e outras palavras, certo que já se conheciam as palavras eucarísticas dadas pelos outros evangelistas. Sabe-se que para João a hora da morte de Jesus é a hora da sua “glorificação”, por isso não estão presentes os indícios de tragédia. A saída de Judas do cenáculo (v.30) desencadeia a “glorificação”, não a tragédia, mas sim o prodígio do amor consumado: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” (v.1) Jesus veio para amar e este amor se faz mais intenso frente ao poder deste mundo e ao poder do mal. Na realidade esta não pode ser mais que uma leitura “glorificada” da paixão e entrega de Jesus, que a páscoa da ressurreição que celebramos nos permite fazer. E não se pode fazer outro tipo de leitura da que fez o próprio Jesus e das razões pelas quais a fez. Por isso, falar apenar da paixão e crueldade do seu sofrimento não leva lugar nenhum. O evangelista entende que isto experimentou Jesus, por amor. Ele deu a sua vida e assim deve ser vivido por seus discípulos. Ou alguém duvida que o que fez Jesus na cruz foi uma prova de obediência de amor ao Pai por todos nós? O amor foi o “culpado” do que se passou no Gólgota. Com a morte de Jesus aparecerá a glória de Deus comprometido com Ele e com sua causa. Por outro lado, Ele já nos está preparando, como aos discípulos, para o momento de passar da Páscoa a Pentecostes; do tempo de Jesus ao tempo da Igreja. É lógico pensar que naquela noite em que Jesus sabia o que poderia passar tinha que preparar os seus para quando não estivesse mais presente. Não os havia chamado para uma guerra e uma conquista militar, nem contra o Império de Roma. Os havia chamado para a guerra do amor sem medida, do amor consumado. Por isso, a pergunta que devemos fazer é: Como podem identificar-se no mundo hostil aqueles que lhe seguiram e os que lhe seguirão? “Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos.” (v. 35) Ser cristão, discípulo ou discípula de Jesus, é “amar uns aos outros”. Esse é o catecismo que devemos viver. Tudo o mais encontra sua razão de ser nesta lei suprema da comunidade que Jesus imaginou para seus discípulos, Igreja casa do amor fraterno. Tudo o que não seja isso é trair, é abandonar como Judas, a comunhão com o Senhor ressuscitado e desistir da verdadeira causa do evangelho, desistir e assassinar o amor. Sempre nos ronda a tentação de confundir o sinal de identidade dos discípulos de Jesus. Temos posto demasiadas normas, algumas muito pesadas e outras um tanto discriminatórias, onde só devia estar o amor. Cumprir mandamentos não resulta de todo difícil; ficar no exterior, na superficialidade é muito cômodo. A raiz e o centro, a razão de nossa fé é exclusivamente o amor: o que experimentamos de Deus, Ele nos amou primeiro o que vivemos com paixão e exigência. Frequentemente confundimos o amor com a sensação de “estar bem”, “estar gostando”, uma experiência meramente sensível, afetiva, superficial. Essa que quando aparecem as dificuldades surpreendentemente desaparece. Não é o amor o antídoto que tira a dor. A vida humana corre paralela a essas duras realidades, que a vão marcando. Deus, a adesão a Ele, não evita o sofrimento: o Reino não se accede sem ser curtido humanamente na dor ou na dificuldade. O amor não é uma ideia, nem se reduz a um sentimento, mas se traduz em atitudes, em ações, neste caso em testemunho. O testemunho da experiência de amor que foi a entrega de Jesus na cruz e sua ressurreição há de traduzir-se no amor entre os discípulos desse Cristo. E é dessa nova forma de amar que Ele nos fala hoje.
  • 27. “O amor não pode ser mandado; é em definitivo, um sentimento que pode existir ou não, mas não pode ser criado pela vontade... (Deus) amou-nos primeiro e continua a ser o primeiro a amar- nos; por isso, também nós podemos responder com amor. Deus não nos ordena um sentimento que não possamos suscitar em nós mesmos. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar seu amor, e desta ‘antecipação’ de Deus pode, como resposta, despontar também em nós o seu amor. No desenrolar desse encontro, revela-se com clareza que o amor não é apenas um sentimento. Os sentimentos vão e vêm. O sentimento pode ser uma maravilhosa centelha inicial, mas não é a totalidade do amor... É próprio da maturidade do amor abranger todas as potencialidades do homem e incluir, por assim dizer, o homem em sua totalidade.” (Bento XVI, 2006.) Esse “mandamento novo” é duro de entender e mais duro de testemunhar, ou seja, praticar, porque só olhando Jesus saberemos como Ele nos amou. Sabemos que quando se está apaixonado se se nota no olhar. Pois entre nós, os cristãos, se deveria notar que nos amamos, porque somos discípulos de um Deus que é amor até as últimas consequências e que nos amou desde sempre e nos amará para sempre. Quando amarmos assim, então daremos ao mundo que nos rodeia, o verdadeiro testemunho de que somos discípulos e discípulas de Jesus. Seremos examinados ao final no amor, mas na matéria amor a maioria dos cristãos somos reprovados no exame. Nem se quer amamos aos nossos familiares e nem tampouco aos vizinhos. No mundo moderno se tem instalado um egoísmo solitário e duríssimo. Uma situação de fechamento tal que leva as pessoas a um isolamento que não só é produzido pela vergonha de expor sua crise, mas também porque as poucas aproximações que tenham experimentado para contar seu problema são recebidas com frieza ou hostilidade... e muitos até saem da comunidade cristã por não se sentirem acolhidas, amadas... O amor não reina na terra e só uns poucos praticam realmente o mandamento principal de Cristo. Jesus nos disse que se saberá que somos seus discípulos ao ver-se que nos amamos uns aos outros. Mas não é assim agora, nem tem sido antes. E não só não há amor, mas até em muitos casos o que circula entre nós é uma coisa muito próxima do ódio. “Depois de quase dois mil anos que Cristo proclamou o mandamento novo. Em nossa cidade daqui debaixo não se ouve ainda o canto novo do amor, mas se ouve o canto antigo das armas que disparam, das sirenes que gritam depois de ter recolhido nas estradas as vitimas do ódio e da violência. Há ainda tanto lamento, tanta angustia, tanto luto e tanta morte sobre nossa terra; há ainda muitas lágrimas nos olhos das pessoas e quase todas causadas pela falta de amor ou pela traição do amor... Mas não devemos vacilar na fé e na esperança, como se tudo tivesse sido uma ilusão, um sonho efêmero da humanidade, como se Cristo tivesse se enganado em considerar possível a tal coisa nova que é o amor.” (Cantalamessa, 2012.) Se fossemos capazes de amar a todos, o mundo viveria em paz. E na busca do amor talvez nos falte a capacidade para fazê-lo. Não amamos porque não buscamos os caminhos que nos levam a isso. A mensagem de Cristo fica na maioria dos casos como um adorno. E, sem duvida a fé sem obras não é fé, porque, de certo modo, se está negando a principal característica de Cristo, o amor. Há muitas instâncias da Igreja Católica e de seus fieis que lutam contra esse mundo atroz. E, por certo, muitos caminhos para exercitar, com obras nosso amor aos outros. Mas temos de ser perseverante e ter aberto o coração ao que nos manda Cristo no respeito aos nossos irmãos. O problema emerge porque muitas vezes esse coração está fechado às palavras de Jesus. Temos que trabalhar duro para que não haja violência, egoísmo, falta de solidariedade e que tudo isso saia dos setores da sociedade que se diz cristã, aliás, esta sociedade está sendo honesta em