Este documento fornece um resumo do livro "Elementos de uma Cosmovisão Cristã". O livro apresenta diferentes perspectivas sobre como os cristãos podem desenvolver uma visão de mundo baseada na fé, abordando tópicos como ciência, trabalho, lazer, ética, arte e entretenimento. O livro é compilado e editado por Michael D. Palmer e inclui contribuições de diversos autores especialistas nos temas discutidos.
5. Dedicatória
Para meus pais,
Don eThelm a Palmer,
que foram bem-sucedidos em me transmitir
a fé e sempre me incentivaram para que eu
buscasse a verdade,e para meu filho de 18
anos, Bradley Charley Palmer
que, na época de sua morte trágica ocorrida
em 22 de novembro de 1997,
já sabia profundamente muitos dos conceitos
centrais apresentados neste livro.
6. Sumário
Introdução / 7
Prefácio / 11
Agradecimentos / 13
Lista de Colaboradores / 15
1. Panorama do Pensamento Cristão / 1 7
Michael D. Palmer
2. O Rapei da Bíblia na Formação do Pensamento Cristão / 79
Edgar R. Lee
3. Vozes do Passado: Tentativas Históricas para Formar um
Pensamento Cristão / 109
Gregory J. Miller
4. O Cristão e a Ciência Natural / 149
Lawrence T. McHargue
5. Uma Perspectiva Sobre a Natureza Humana / 181
Billie Davis
6. Trabalho / 223
Miroslav Volf
7. Entrando no "Descanso Divino": Rumo a uma Visão Cris
tã de Lazer / 247
Charles W. Nienkirchen
8. A Ética de Ser: Caráter, Comunidade, Práxis / 293
Cheryl Bridges Johns e Vardaman W. White
9. Música que Vem do Coração da Fé / 325
Johnathan David Horton
10. O Lugar da Literatura no Pensamento Cristão/ 351
Twíla Brown Edwards
11. Os Cristãos e a Cultura da Mídia de Entretenimento / 391
Terrence R. Lindvall e J. Matthew Mellon
12. Política para Cristãos (e Outros Pecadores) / 427
Dennis McNutt
Apêndice 1: Reflexões sobre os Significados da Verdade / 470
Michael D. Palmer
Apêndice 2: Jean-Paul Sartre / 487
Michael D. Palmer
Apêndice 3: Karl Marx / 489
Michael D. Palmer
Apêndice 4: A Música e o Espaço de Execução / 493
7. ELEMENTOS DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ
Johnathan David Horton
Apêndice 5: A Música e o Estilo de Adoração / 497
Johnathan David Horton
Apêndice 6: C . K. Chesterton no Poder dos Contos
de Fada / 502
Twila Brown Edwards
Apêndice 7: C. S. Lewis / 504
Twila Brown Edwards
Apêndice 8: Thomas FJobbes e a Teoria de Contrato
de Ju stiça /506
Michael D. Palmer
Apêndice 9: John Locke e a Teoria dos Direitos
Naturais / 509
Michael D. Palmer
Apêndice 10: Os D ireitos/ 512
Michael D. Palmer
Apêndice 11: A Justiça / 516
Michael D. Palmer
8. Introdução
Muitas palavras do vocabulário inglês (e também do portugu
ês) vêm dos idiomas grego e latino. Palavras tão comuns quanto
agenda ou exit (saída) vêm diretamente do tempo dos autores clás
sicos. Outras palavras, entretanto, entraram em nossa língua sem
serem percebidas, provenientes de alguma outra cultura. Khaki
(cáqui) é originária de um termo paquistanês. Bureau (agência,
repartição) é francês puro. Corridor (corredor), palio (pátio) e plaza
(praça) são termos espanhóis autênticos, e chocolate provém dire
tamente do dialeto asteca.
Cosmovisão, a palavra que define o ponto central deste livro,
alcança a língua portuguesa como se também fosse um emigrante
linguístico. O idioma alemão tem uma grande propensão para pa
lavras compostas. Só para dar um exemplo extremo, eis um termo
alemão para tanque m ilitar: Schutzengrabenzerstõrungsautomobil.
Pelas mesmas leis do idioma, este é um sinónimo: der Panzer. A
palavra “ cosmovisão” junta lado a lado duas palavras equivalen
tes em português como tradução lite ra l do termo alemão
Weltanschauung — termo com longa e nobre herança filosófica.
Inventado por filósofos alemães, Weltanschauung descreve um
modo de ver o mundo. Alguém poderia supor que o mundo é uma
ilusão; que as coisas não são reais. Outros poderiam dizer, como
fazem os idealistas de todas os tempos, que existe mais coisas no
mundo do que se pode ver. Outros ainda poderiam concluir que o
mundo é inóspito e irremediável, levando ao desespero.
Em vez de aportuguesar Weltanschauung para a palavra “ cos
movisão” , os linguistas teriam feito um favor aos povos de fala
portuguesa sendo um pouco menos com plicados. Trad u zir
Weltanschauung como “perspectiva” ou mesmo “ atitude” não te
ria representado uma tradução longe do seu significado, a não ser
pelo fato de que o termo técnico alemão refere-se especificamente
à atitude da pessoa para com o mundo.
Que “mundo” ? A s vastas extensões do universo estrelado? O
pleno complemento das culturas humanas de nosso globo? Ou
possivelmente o “mundo” que entra em nosso vocabulário medi
ante alguma pressão que alguém exerce de maneira incorreta e
forçada sobre a Escritura? Ao usar essa palavra, a tradição filosó
fica alemã certamente tinha em mente o mundo material e o uni
verso invisível, o mundo visível e as galáxias que o nosso intelec
to é capaz de imaginar que existam. A noção que as pessoas têm
da realidade constitui a cosmovisão delas.
Até onde sei, não há palavra bíblica que possa equivaler à pa
lavra “ cosmovisão” . Porém encontramos nas páginas das Escritu
ras uma atitude normativa em relação ao mundo visível e in visí
vel. A li existe - ainda que os teólogos não façam muita conta dis
so - uma teologia do mundo.
A cosmologia é qualificada como um termo que descreve como
9. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
as pessoas pensam a respeito do mundo. Os astrónomos e cientis
tas usam o termo para definir uma ciência do universo distante.
Os teólogos usam o mesmo termo para reunir doutrinas bíblicas
relacionadas com a origem e o destino do mundo visível — cha
mado em grego (inclusive o grego do Novo Testamento) de cos
mo. (O termo “ cosmético” obteve sua qualidade de beleza prove
niente da admiração grega da simetria deslumbrante dos céus.)
A outra palavra importante no Novo Testamento grego traduzida
por “mundo” vai numa direção diferente. Oikoumenê descreve a
soma total das culturas humanas. Considerando que esta palavra
primeiro definia uma casa de fam ília, é fácil entender como veio
significar sociedade organizada, levando, por um lado, à palavra
“economia” e, por outro, à palavra “ ecuménico” . Assim , as pala
vras bíblicas usadas para descrever o mundo foram tomadas de
outros significados comuns. Mas neste livro só nos preocupare
mos em falar sobre uma teologia do mundo.
Detectei no Novo Testamento um uso duplo da idéia de mundo
e como os cristãos deveriam vê-lo. Há uma visão joanina do mun
do — um sistema organizado de oposição humana, demoníaca até,
e que peca contra Deus. Deste ponto de vista, segundo um grupo
de passagens do Evangelho de João, das Epístolas de João e do
Apocalipse, os verdadeiros crentes são aconselhados a “evitar o
mundo” — o que pode ser chamado de “este mundo mal” , um
setor da sociedade que acha-se em oposição à Igreja. Este é o
mundo a evitar, a afastar-se, e sua existência torna necessária a
nossa santidade (separação do mundo).
O outro elemento da idéia de mundo na Escritura é paulino. A
visão de Paulo do mundo é mais sanguínea do que a de João. Essa
diferença pode refletir as diferentes experiências de suas respecti
vas vidas. Tradicionalmente, João foi considerado um pescador
rural; Paulo, como cidadão de Roma, um sofisticado e frequente
viajante. Há, portanto, contrastes distintos nas atitudes de João e
de Paulo em relação ao mundo. Nutridos pelas Escrituras judai
cas, ambos vêem Deus como o Criador de tudo o que há. Ambos
encaram Deus como estando no controle de todos os aconteci
mentos humanos. Ambos sabem que o sistema mundial presente é
passageiro, que logo passará. Ambos, junto com Pedro, esperam
um novo céu e uma nova terra.
Porém, a diferença entre os dois jaz na opinião sobre o que fazer
no campo da cultura humana neste tempo presente. João mal conse
gue achar alguma coisa boa no atual mundo de pessoas e coisas. Por
outro lado, Paulo eleva sua retórica majestosa em louvor do controle
de Deus sobre todo empreendimento humano, o que ele vê como
reflexos manchados, mas autênticos, da imagem de Deus residente
em toda pessoa e, por conseguinte, em toda cultura humana.
Claro que tanto João quanto Paulo levam em conta o pecado
para fazerem a análise fundamentalmente correta da condição hu
mana falha. Ambos olham para as metáforas da transformação di-
10. vina da biologia — novo nascimento, segundo nascimento, vinhas
e podas, vida etema e coisa parecida. Paulo, treinado como advo
gado, prefere a linguagem judicial — culpa, julgamento, adoção,
justificação, absolvição.
Os cristãos pensantes podem obter ajuda de Paulo e João. As
maquinações da humanidade caída realmente agrupam-se nos
bolsões da cultura humana — pornografia, leis injustas, trapaças
sistemáticas nos negócios ou na educação, para nomear apenas
algumas. Os cristãos de tradições arminianas, que ressaltam a li
berdade humana, parecem inclinar-se às obscuras visões do mun
do como algo a evitar, um reino do qual se separar. Tais idéias
vagas foram teologizadas especialmente nos setores metodista,
holiness e pentecostal da Igreja.
Porém, noções igualmente bíblicas sobre a cultura humana
emergem dos escritos do apóstolo Paulo e aparecem em partes da
Igreja afetada pela tradição reformada. Por exemplo, considere
esta afirmação feita por Paulo num contexto de aconselhamento
dado aos cristãos coríntios que se limitavam aos embaixadores
favorecidos da verdade cristã: “ Tudo é vosso: seja Paulo, seja
Apoio, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o
presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de
Deus” (1 Coríntios 3.21-23).
“Tudo é vosso” , a herança dos cristãos. Tudo da cultura huma
na: toda arte, toda música, todos os atos heróicos da abnegação,
toda nobreza, toda compaixão. Nada foi omitido. Tudo pertence
ao cristão. Os heróis da fé. O violinista mestre. Os fabricantes de
filigrana de prata pura. O evangelista eloquente. Corrie ten Boom.
Albert Einstein. Os bosques de tigre. Paulo, Apoio e Cefas: O Se
nhor não pretendeu que ninguém limitasse a receptividade a qual
quer uma das criaturas de Deus. Tudo é vosso: todas as pessoas,
até todas as coisas.
O editor dos capítulos deste livro, e os próprios autores, forne
cem aqui recursos repletos de reflexão para que por meio deles
possa ser construída uma cosmovisão de amplitude que mescle
Paulo e João. Estas palavras sábias ajudarão seguidores pensati
vos de Jesus a saber o que evitar no mundo, do que se afastar. Mas
também serão de ajuda na avaliação de tudo o que é bom na cultu
ra humana, e na consideração das reflexões coletadas das mais
altas criaturas do Senhor que, embora manchadas e sozinhas entre
todos os seres viventes, encarnam a imagem de Deus.
Recomendo este livro aos cristãos pensativos de todos os
lugares, e especialmente aos adultos jovens que estão come
çando a aprender a considerar a imensidão e diversidade do
mundo de Deus.
— Russel P. Slittler
Reitor e Professor do Novo Testamento
no Fuller Theological Seminary
11. Prefácio do Editor
O prefácio é frequentemente a parte menos lida de um livro.
Espero que este seja uma exceção, porque o objetivo deste livro e
as preocupações filosóficas que o inspiraram estão explicadas aqui.
Conforme o título dá a entender, este livro considera certos
componentes ou fatores — elementos, como os chamo — que cons
tituem uma cosmovisão. E um livro escrito por estudiosos cristãos
destinado a cristãos que buscam respostas claras e sólidas às ques
tões fundamentais que estão a confrontá-los nos inúmeros aspec
tos da vida. Mais particularmente, foi escrito para todos os cris
tãos que se sentem intensam ente confrontados por esses
questionamentos. Alguns capítulos alicerçam-se em algumas dis
ciplinas académicas. Outros tratam de assuntos cotidianos da vida.
E outros, ainda, concentram-se em fenómenos culturais.
Enquanto medito na distribuição dos capítulos e as ligações
entre eles, a palavra mais descritiva que me vem à mente é monta
gem: quadros separados foram combinados para formar um qua
dro composto. Embora os capítulos sejam unidos uns aos outros
de vários modos, cada um pode ser lido independentemente.
Conseqiientemente, o leitor procurará em vão por um único e
contínuo argumento do princípio ao fim . Não se trata desse tipo
de livro. Não obstante, ele exibe periodicamente certo tema recor
rente: a integração da fé, da aprendizagem e da vida. Integrar é
coordenar ou misturar informações, fatos e conclusões num todo
funcional e unificado. Integrar a fé, a aprendizagem e a vida signi
fica desenvolver para nós mesmo um modo completamente cris
tão de pensar e responder a assuntos e todos os tipos de situações
da vida. Significa desenvolver uma perspectiva distintamente cristã
em todos os assuntos da fé, todos os modos de investigação e to
das as profundas questões que a vida levanta.
A integração em sua expressão mais rica — pensar e agir de
modo completamente cristão — não é nem facilmente alcançada,
nem alcançada de uma vez por todas. De fato, é melhor não pen
sar nela como uma realização, absolutamente. E la é na verdade
mais um processo que continua ao longo da vida à medida que
refletimos no significado de nossa fé e intentamos permitir que
isso molde nossas respostas a novas idéias e experiências.
Infelizmente, o que vemos com mais frequência que integração
é alguma forma de justaposição. Justapor duas coisas é pô-las uma
ao lado da outra. A interação entre elas pode ser real de certa ma
neira, mas o âmbito da interação total está limitado, e as duas nun
ca estão verdadeiramente unidas. O estudante de psicologia estará
tão-somente justapondo sua fé e seu curso universitário se não
pensar cuidadosamente sobre como suas convicções cristãs rela-
cionam-se com as teorias da personalidade que ele está estudando
em sala de aula. O jovem gerente empresarial está meramente jus
tapondo sua fé e sua profissão, se ele não permite que as im plica
12. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
ções morais do seu sistema cristão de convicção influenciem sua
política de administração.
Em geral, justapomos (ou colocamos lado a lado) nossa fé e
nosso curso universitário, ou nossa fé e nossa profissão, ou nossa
fé e qualquer outro aspecto de nossa vida.
Quando falamos da fé fazendo evidente diferença sobre como
pensamos e nos expressamos, queremos dizer mais que simples
mente poder declarar nossas convicções clara e sucintamente. A
doutrinação pode alcançar esses resultados. Mas integração e dou
trinação não são a mesma coisa. A doutrinação busca a aceitação
inquestionável de respostas desenvolvidas por outra pessoa, nor
malmente uma figura de autoridade, enquanto que a integração
requer que descubramos para nós mesmos, mesmo que alguém
nos ajude no processo. A integração, mesmo quando d ifícil e do
lorosa, promove a fé madura.
Com estas distinções em mente, apresso-me em observar que
este livro é uma tentativa deliberada de dirigir-se àqueles a quem a
doutrinação não é uma resposta aceitável para as grandes (e d ifí
ceis) questões da vida. E um livro que explora idéias, conceitos e
princípios, alguns dos quais controversos e todos resistentes a res
postas fáceis. Presume uma medida de maturidade por parte do
leitor. Além disso, pressupõe e encoraja uma abordagem integra
da aos assuntos de que trata.
O primeiro capítulo apresenta os elementos básicos de qual
quer cosmovisão. São, segundo minha concepção: 1) ideologia,
2) narrativa, 3) normas morais e estéticas, 4) rituais, 5) experiên
cia e 6) o elemento social. O restante dos capítulos lida, de uma
maneira ou de outra, com aqueles seis elementos enquanto os ve
mos desenvolvidos numa cosmovisão cristã. Em cada caso, os
autores dos capítulos se esforçaram por fornecer mais que infor
mação sobre suas respectivas disciplinas e campos de habilidade.
Eles procuraram modelar o que significa pensar cristãmente —
para verdadeiramente integrar a fé, a aprendizagem e a vida. É
minha esperança que as palavras deles venham a servir de estímu
lo a muitos cristãos, para que vivenciem o significado de sua fé
em cada aspecto de suas vidas.
— Michael D. Palmer
Professor de Filosofia
Evangel University
13. Agradecimentos
Os autores em geral isentam todas as pessoas que os ajudaram
da responsabilidade por quaisquer erros ou deficiências no texto.
Porém, mesmo que os erros e as deficiências sejam meus, o crédi
to deles pertence a muitos amigos e colegas. Todos somos produ
tos do que as outras pessoas nos ajudaram a ser. Com relação a
este livro, muitas pessoas ajudaram no processo — desde a for
mação da idéia in icial até a criação do produto final — e desejo
reconhecer minha considerável dívida para com eles.
A junta diretora editorial da Logion Press merece crédito pela
confiança depositada em mim para empreender este projeto, e pela
paciência e apoio no processo. David Bundrick, presidente da junta
quando este livro foi proposto pela primeira vez, trabalhou com
afinco para assegurar que o projeto tivesse um bom começo. Dayton
Kingsriter, que sucedeu Bundrick como presidente da junta dire
tora editorial, dedicou muitas horas a este trabalho. Agradeço-lhe
pelo empenho como facilitador. Jean Lawson, editor administrati
vo, e Glen Ellard , editor de publicações, foram de grande auxílio,
agradáveis e profissionais em todos os sentidos. Sou grato a Leta
Sapp pelo design do lay-out e texto. Kim Kelley fez excelente
trabalho coordenando o lay-out e design do livro. Desejo expres
sar agradecimento especial ao Dr. Stanley Horton, editor geral,
pela atenção cuidadosa que deu aos vários desenhos de cada capítulo.
Além do mais, desejo agradecer-lhe pelo apoio moral e paciência que
me estendeu durante o desenvolvimento do livro. Acabei tendo pro
fundo afeto por ele como pessoa e considerável respeito por sua habi
lidade como editor. Trata-se de um homem em quem não há dolo —
um cavalheiro no mais verdadeiro sentido da palavra — e considero
um privilégio ter trabalhado com ele.
Que prazer foi trabalhar com os autores colaboradores! Seus
escritos estimularam meu pensamento além de qualquer coisa que
eu tivesse imaginado no início.
Localmente, a Evangel University tem sido um lugar maravi
lhoso para eu amadurecer como estudioso desde que cheguei no
campus em 1985. Desde os primórdios deste projeto, o Dr. Glenn
H . Bemet Jr., Vice-presidente para Assuntos Académicos, deu
encorajamento para o projeto — e dinheiro! Ele tem sido o principal
responsável por eu haver recebido subsídio do Fundo para Projetos
dos Alunos/Faculdade da universidade que subscreveu as várias des
pesas associadas com o desenvolvimento do livro.
Muitos estudantes na Evangel University também contribuí
ram para a qualidade global deste livro . Durante duas sessões de
verão (1996 e 1997), os estudantes de um curso de educação geral
intitulado Filosofia Cristã leram as primeiras versões de alguns
dos capítulos que aparecem aqui e fizeram comentários proveito
sos. Estou satisfeito por terem levado a sério meu convite para
fazerem um comentário sobre todos os aspectos do manuscrito.
14. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
Estou em débito com vários colegas que leram e teceram co
mentários sobre certos capítulos. Larry Dissmore, do Departamento
de Música, fez comentários sobre o capítulo de música. Turner
Collins, do Departamento de Ciência e Tecnologia, propôs nume
rosos comentários úteis no capítulo de ciência. Eu mesmo não
poderia ter escrito meu principal capítulo sobre cosmovisão sem a
ajuda generosa de Tw ila Edwards (Estudos Bíb lico s) e James
Edwards (Humanidades). Quando em certo ponto no desenvolvi
mento do capítulo cheguei a um impasse, eles dedicaram quase
um fim de semana inteiro lendo o manuscrito e discutindo comigo
numerosos assuntos organizacionais e substantivos.
Michael Buesking, do Departamento de Humanidades, produ
ziu virtualmente todos os trabalhos de arte no texto. Os esbo
ços do seu lápis me são fonte contínua de satisfação e orgulho.
Sinto-me honrado por seus nomes aparecerem neste livro. Stan
Maples, do Departamento de Humanidades, projetou a capa para
o livro. Agradeço a Stan por sua paciência em ouvir minhas idéi
as para o design da capa e reconheço sua considerável habilidade
em transformar minhas idéias imprecisas em imagens que pren
dem a atenção.
Aos meus colegas do Departamento de Estudos Bíblicos e F i
losofia, que me incentivaram para que eu empreendesse este pro
jeto e que me proporcionaram ajuda ao longo dele, expresso meus
agradecimentos. Gary Liddle, cujas funções pedagógicas habitu
ais encontram-se nos estudos bíblicos, mas que é na verdade um
generalista ao estilo renascentista, é o herói não aclamado por trás
deste livro. Ele crê nos conceitos, entende-os de certa maneira
melhor do que eu e, portanto, suas palavras tiveram peso especial
nas conjunturas cruciais ao longo do caminho. Ele ofereceu análi
se extensa sobre vários capítulos. Suas perguntas eram investiga
doras e seus comentários muito prestimosos.
M inha esposa, C onnie M arie , fo i e tem sido m inha
incentivadora e minha companheira favorita— no desenvolvimen
to deste livro, como em tudo o mais, sine qua non.
— M . D. P.
15. Lista de Colaboradores
Billie Davis, Ed.D. (Administração & Sociologia, University of
Miami, Flórida), é Professor Emérito e ex-Cátedra do Departamento de
Ciências Behavioristas da Evangel University, em Springfield, Missouri.
Twila Edwards, M.A. (Literatura Inglesa, Southwest M issouri
State U niversity), M A. (Literatura B íb lica, Assemblies of God
Theological Seminary), é Professora Associada de Estudos B íb li
cos na Evangel University, em Springfield, M issouri.
Johnathan David Horton, Ph.D. (M úsica, George Peabody
College for Teachers), é Professor de M úsica na Lee University,
em Cleveland, Tennessee.
Cheryl Bridges Johns, Ph.D. (Educação C ristã, Southern
B ap tist Theo lo g ical Sem inary), é Professor A ssociado de
Discipulado e Formação Cristã no Church of God Theological
Seminary, em Cleveland, Tennessee.
Edgar R. Lee, S.T.D. (Teologia, Em ory U niversity), é Vice-
presidente para Assuntos Académicos no Assem blies o f God
Theological Seminary, em Springfield, M issouri.
Terrence Lindvall, M.Div. (Fu ller Theological Sem inary),
Ph.D. (Comunicação, University of Southern Califórnia), é Pro
fessor de Cinema e Estudos de Comunicação na Regent University,
em Virginia Beach, Virgínia.
Lawrence T. McHargue, Ph.D. (B io lo g ia, U niversity of
Califórnia, Irvine), é Professor de Biologia na Southern Califórnia
College, em Costa Mesa, Califórnia.
Dennis McNutt, Ph.D. (Governo, Claremont Graduate School),
é Professor de História e Ciências Políticas na Southern Califórnia
College, em Costa Mesa, Califórnia.
J. Matthew Melton, Ph.D. (Regent U niversity), é Cátedra de
Comunicação e Letras na Lee University, em Cleveland, Tennessee.
Gregory J. Miller, Ph.D. (Estudos Religiosos — História do
Cristianismo, Boston University), é Professor Associado de H is
tó ria E c le siá stic a no V a lle y Forge C h ristian C o lleg e, em
Phoenixville, Pensilvânia.
C harles W. N ienkirchen, Ph.D. (H istó ria , W aterloo
U niversity), é Professor de História Cristã e Espiritualidade no
Rocky Mountain College em Calgary, Alberta, Canadá. Ele tam
bém serve como Professor Adjunto em faculdades de graduação
de diversos seminários canadenses.
Michael D. Palmer, Ph.D. (Filosofia, Marquette University), é
Professor de Filosofia e Cátedra do Departamento de Estudos B íb li
cos e Filosofia na Evangel University, em Springfield, Missouri.
Miroslav Volf, Th.D. (Teologia Sistemática, Eberhard-Karls
Universitát, Túbingen), é Professor em Teologia do Henry B .
Wright na Yale University, em New Haven, Connecticut.
Vardaman W. White, candidato a Ph.D. (Teologia e Ética,
University of Iowa), vive e trabalha em Atlanta, Geórgia.
17. 18 MICHAEL D. PALMER
ão é frequente ler um livro que me surpreenda, muito me
N nos um que cause em mim uma impressão impactante. Mas
fiquei surpreso e impressionado com o romance de Chiam
Potok, The Chosen (O Escolhido). No início do romance, Reuven,
o narrador, confessa: “Durante os primeiros quinze anos de nos
sas vidas, Danny e eu morávamos a cinco quarteirões um do outro
e nenhum de nós sabia da existência do outro” .1Minha infância e
primeiros anos de adulto foram passados numa cidade de tama
nho médio nas montanhas do Estado de Montana ocidental, Esta
dos Unidos, onde eu conhecia todos os vizinhos de vários quartei
rões em todas as direções. Assim , quando essa observação no li
vro de Potok, minha imaginação foi instigada. Descobri, enquan
to lia, que Reuven e Danny estavam impedidos de ser amigos,
porque seus amigos mais chegados, fam ília e especialmente seus
pais, tinham adotado cosmovisões competidoras. Observar a coli
são destas cosmovisões impressionou minha imaginação e mar
cou um ponto crucial em minha reflexão sobre as principais for
ças da convicção e do sentimento que animam minha própria cos-
movisão cristã.
Dois Meninos, Dois Mundos
Reuven Malter e Danny Saunders eram meninos judeus que
cresceram nos anos de 1940, em um bairro densamente povoado
do Brooklyn. Até os anos da adolescência, não sabiam nada um
do outro porque pertenciam a seitas diferentes, ou da mesma ra
mificação do judaísmo, com marcantes diferenças na cosmovisão.
A fam ília e amigos de Danny eram judeus hassídicos, profunda
mente conservadores com origens na Rússia. Em sua vida cotidi-
ana, comunicavam-se em iídiche e observavam certas práticas cul
turais que inequivocamente os identificavam como hassidim.
Por exemplo, os homens usavam chapéus pretos e casacos pre
tos longos, e cultivavam barbas fartas e cachos de cabelo pegados
aos lados do rosto; os meninos usavam cachos de cabelo pegados
O hassidismo é um movimento judaico incentiva a expressão religiosa jo vial por
fundado na Polónia no século X V III por meio da música e da dança, e ensina que a
um homem chamado B aal Shem Tov. O pureza de coração é mais agradável a Deus
nome “ hassid ism o” d eriva da p alavra do que a aprendizagem . Em 1781, os
hassidim , que significa “ os piedosos” . O talm udistas declararam herético o
movimento hassídico surgiu como reação hassidism o. Não obstante, o movimento
às perseguições e ao formalismo académi continuou crescendo e hoje é uma presen
co do judaísmo rabínico. Desde seu início, ça forte e vital na vida judaica.
18. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 19
aos lados do rosto e tinham franjas no lado de fora de suas calças
compridas. A fam ília e amigos de Reuven, ao contrário, pratica
vam uma ortodoxia judaica menos conservadora. Em sua vida
cotidiana comunicavam-se principalmente em inglês, usavam rou-
O iídiche é um idioma do alto alemão escri Antes do aniquilamento de 6 milhões dejudeus
to em caracteres hebraicos que se desenvolveu pelos nazistas durante a década de 1940, o iídiche
durante a Idade Média. A palavra “iídiche” é a era a língua de mais de 11 milhões de pessoas.
forma abreviada de iídiche daytsh, que signifi Embora não seja uma língua nacional, hoje o
ca literalmente “judeu-alemão” . Os linguistas iídiche é falado no mundo inteiro por mais de 4
classificam o idioma como membro do grupo milhões de judeus, especialmente nos Estados
germânico ocidental, da subfamília germânica Unidos, Israel, Argentina, Canadá, França, Mé
pertencente à família indo-européia de idiomas. xico, Rússia, Ucrânia e Roménia.
pa americana comum e não tinham barba ou cachos de cabelo ao
lado do rosto. Enquanto tanto os Maiter e os Saunders ansiavam
pelo retorno dos judeus à sua pátria, suas ideologias ditavam ca
minhos muito diferentes para que isso acontecesse. O pai de Danny,
o rabino Saunders, como outros na comunidade hassídica, asseve
rava que os judeus só poderiam voltar à sua pátria depois da che
gada do seu tão esperado Messias.
O pai de Reuven, por outro lado, juntava-se ao sionismo, um
movimento ideológico que lutava para estabelecer o Estado de
Israel. Além de diferirem sobre assuntos políticos importantes, os
Saunders e os Maiter divergiam nas atividades cotidianas, como o
*7oná
Torá quer dizer “ ensinos” ou “ apren amplo para re
dizagem” . Os judeus usam a palavra de ferir-se a todos
duas maneiras relacionadas, mas distin os ensinos do
tas. Prim eiro, Torá é o nome hebraico para ju d a ísm o , in
o Pentateuco, os cinco primeiros livros da c lu s iv e toda a
B íb lia. A Torá, ou Le i Escrita, que os ju escritura hebrai
deus ortodoxos acreditam que foi revela ca, o Talmude e
da diretam ente por Deus a M oisés no qualquer outra
monte S in a i, estabelecia certas le is da in te rp re t a ç ã o
moral e comportamento físico . Segundo, rab ín ica g eral
o nome Torá é usado num sentido mais mente aceitada.
19. 20 MICHAEL D. PALMER
entretenimento. Danny e Reuven nunca teriam se encontrado em
um teatro, porque a cosmovisão do rabino Saunders proibia assis
tir film es.
Tanto o ramo hassídico de Danny quanto o ramo ortodoxo de
Reuven acreditavam em Deus e ressaltavam a importância da Torá.
Não obstante, os hassidim viam o povo de Reuven com suspeita.
Eles os chamavam de apikorsim, termo de zombaria usado para
referir-se aos judeus que abandonavam as práticas culturais tradi
cionais e negavam certas doutrinas básicas da fé judaica, como a
existência de Deus, sua revelação e a ressurreição dos mortos.
Também dizia respeito aos judeus que liam a Torá em hebraico e
não em Iídiche, um pecado imperdoável aos olhos dos hassidim,
porque o hebraico era a língua santa. Usá-la em discurso comum
de sala de aula era considerado uma profanação do nome de Deus.
Claro que o povo de Reuven não negava a existência de Deus.
Porém, sua educação diferia de maneira notável da educação das
crianças hassídicas. Enquanto a cosmovisão hassídica restringia a
educação principalmente aos assuntos religiosos aprovados, a cos
movisão ortodoxa acrescentava à religião tais estudos como ciên
cia moderna e psicologia, tópicos profundamente suspeitos para o
rabino Saunders.
No princípio da década de 1940, com o país completamente
comprometido com os esforços da guerra, alguns professores de
inglês nas escolas paroquiais judaicas (yeshiva) sentiram a neces
sidade de fazer uma declaração ao “mundo gentio” . Eles queriam
mostrar que os estudantes yeshiva, conhecidos por seu estilo de
*7atwtude
A palavra Ta/mude quer dizer literalmente nhamento (escrito em aramaico) é chamado
“ aprendizagem” ou “ instrução” . No judaísmo, Gemara. A Gemara desenvolveu-se das inter
é o nome de uma obra composta de duas par pretações da Mishná feitas por estudiosos ju
tes: A Lei Oral judaica e os comentários deus (fariseus de c. 200 a.C. a c. 500 d .C .),
rabínicos de acompanhamento. O texto da Lei cujos argumentos excessivamente minuciosos
Oral (escrito em hebraico) é chamado Mishná; tornaram a obra fonte valiosa de informação
í o texto dos comentários rabínicos de acompa- suplementar e comentário.
vida repleto de estudos, eram fisicamente capazes como qualquer
outro. Para fazerem isso, organizaram as escolas de bairro numa
liga de softball, forma modificada de beisebol jogado com bola
mais macia e maior. Como era de se esperar, os rabinos que ensi
navam nas yeshivas encararam o beisebol com ceticismo. Para
eles, era um nocivo desperdício de tempo. Eles temiam seu forte
apelo, temiam que seduziria os jovens a abandonar sua identidade
judaica, temiam que faria com que os jovens quisessem assim ilar
as idéias e cultura americanas. Mas os jovens resolveram adotar o
20. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
jogo e enfrentar o preconceito de serem americanos. Para eles,
uma vitória no beisebol entre as ligas “representou somente um
valor menos significativo do que uma nota alta no Talmude” . O
sucesso no beisebol permitiu-lhes considerar-se a si mesmos par
ticipantes plenos na vida da nação: “Foi uma inquestionável mar
ca do americanismo, e ser considerado um americano leal tinha se
tomado cada vez mais importante para nós durante esses últimos
dias da guerra” .2
Danny e Reuven encontraram-se pela primeira vez durante uma
competição de beisebol entre suas duas escolas. Durante o jogo, o
olho de Reuven ficou seriamente ferido, quando foi atingido por
uma bola batida por Danny. A interação dos rapazes, inclusive sua
consequente amizade depois do acidente, fornece base concreta
para considerar o que significa manter uma cosmovisão. Também
proporciona modelo proveitoso para refletir cuidadosamente e com
precisão nas principais linhas de uma cosmovisão cristã. Na ver
dade, a história destes rapazes judeus merece consideração, por
causa das importantes questões que evoca, pois são as mesmas
que os cristãos enfrentam hoje: perguntas sobre Deus, sobre nós
mesmos, sobre nossa comunidade, sobre o que podemos esperar,
sobre o que temos de fazer.
Nas páginas que se seguem, exploraremos o que significa ter
uma cosmovisão em geral, e em particular o que significa ter uma
cosmovisão cristã. Quando tivermos terminado, disporemos de
(como Danny e Reuven) uma avaliação profunda das questões e
um melhor entendimento de como nossa cosmovisão pode perma
necer unida.
O que É uma Cosmovisão?
Como definição in icial de nosso tópico, podemos dizer que
uma cosmovisão é um conjunto de crenças que a pessoa mantém.
Contudo, nem todo conjunto de crenças forma uma cosmovisão.
Alguns desses conjuntos são meramente coleções fortuitas ou sor
timentos estranhos de crenças. Ao olhar os livros numa estante em
meu gabinete de estudos, identifico um chamado Triviata. Seu
subtítulo descreve-o como Um Compêndio de Informações Inú
teis. Um amigo me deu o livro como uma brincadeira. As declara
ções desconexas dos fatos que ele contém seguramente não cons
tituem uma cosmovisão. As convicções numa cosmovisão perma
necem unidas, de certo modo coesas. Em vez de ser uma lista de
idéias desconexas (um compêndio de informações inúteis, por as
sim dizer), estas crenças ajustam-se umas às outras de modo uni
ficado e formam um todo. Neste ponto, ninguém poderia encon
trar contraste mais forte do que entre a Triviata e o Talmude.
Na tradição judaica, o Talmude representa um esforço ao lon
go dos séculos feito por muitos comentaristas rabínicos para che
gar a uma interpretação unificada da L e i Oral judaica. Mesmo
21. 22 MICHAEL D. PALMER
quando os rabinos diferem em suas interpretações da Le i Oral,
eles continuam se empenhando na busca de uma interpretação
unificada que não contenha nenhuma contradição.
No mínimo, uma cosmovisão é um conjunto de crenças que
são consistentes entre si e que formam um ponto de vista unifica
do. Mas até esta descrição não é adequada. Por exemplo, um con
junto de crenças sobre geometria, outro sobre o equilíbrio do or
çamento nacional e outro sobre a navegação numa grande rede de
computadores como a Internet podem exibir consistência e unida
de de perspectiva, mas nenhum destes conjuntos de crenças cons
titui uma cosmovisão. Isto é assim por pelo menos duas razões.
Prim eiro, embora consistentes e unificados em seu ponto de
vista, são bastante estreitos em seu enfoque e lidam principalmen
te com assuntos técnicos. Ao contrário, as crenças centrais de uma
cosmovisão abordam interesses centrais ao significado da vida hu
mana. Segundo, as crenças sobre geometria, a
dívida interna ou a Internet têm poucas cone
xões diretas para as outras coisas em que acre
Uma cosmovisão é um conjunto de
ditamos ou fazemos. O geômetra não tem de
crenças e práticas que moldam o aplicar seu conhecimento para construir casas;
envolvimento da pessoa nos assuntos uma teoria sobre o equilíbrio orçamentário na
mais importantes da vida. cional pode muito bem nunca ver a luz do dia
além da porta do economista que a desenvol
veu; saber como navegar na Internet não diz
nada sobre que tipo de informação a pessoa
deve procurar ou compartilhar.
Ao contrário, as crenças centrais de uma cosmovisão têm im
plicações importantes para muitas outras crenças e práticas na vida
diária. Na comunidade hassídica de Danny, por exemplo, crer em
Deus afetou profundamente todas as outras crenças e práticas. Se
melhantemente, porque acreditavam que a Torá era a lei de Deus,
os hassidim também acreditavam que deveriam reunir-se regular
mente na sinagoga para oração e estudo. Além disso, expressaram
sua fé e lealdade comunitária por meio de seus rituais (ritos de
passagem, como o bar mitzvah para os meninos), as roupas (cha
péus pretos e casacos pretos longos), aparência externa (barbas
fartas e cachos de cabelo pegados aos lados do rosto) e práticas
tradicionais (matrimónios arranjados pelos pais). Em resumo, as
crenças centrais de uma cosmovisão não são estreitas em seu foco,
mas tocam quase todas as outras crenças e práticas daqueles que
mantêm-se fiéis à cosmovisão.
As questões enfrentadas por pessoas como Danny e Reuven na
tradição judaica e por pessoas pensativas na tradição cristã são
realmente questões sobre nossas crenças e práticas mais básicas.
Quer estejamos cientes disso ou não, nossas crenças centrais e
práticas formam um ponto de vista ou perspectiva que é distinta
mente nosso. Esta perspectiva distintiva constitui nossa cosmovi
são-, nossas várias crenças centrais e práticas são os elementos dessa
22. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 23
cosmovisão. Uma cosmovisão é um conjunto de crenças e práti
cas que moldam a abordagem da pessoa aos assuntos mais impor
tantes da vida. Por meio de nossa cosmovisão, determinamos pri
oridades, explicamos nossa relação com Deus e com os seres hu
manos, avaliamos o significado dos acontecimentos e ju stifica
mos nossas ações.
Nossa cosmovisão também influencia as práticas mais comuns
da vida cotidiana, inclusive os tipos de coisas que lemos e vemos,
os tipos de entretenimento e atividades de lazer que buscamos,
nossa abordagem ao trabalho e muito mais.
Quem Tem uma Cosmovisão?
Qualquer pessoa capaz de considerar esse assunto tem uma
cosmovisão. O modo como falamos e agimos dá evidência que
temos uma cosmovisão. Isto mostra que mantemos certas crenças,
que adotamos determinado conjunto de prioridades, que certas
histórias nos impressionam como particularmente eficazes e pro
váveis de mexer conosco, e que certas práticas e situações sociais
têm importância especial para nós.
Claro que não é verdade que todas as pessoas que têm uma
cosmovisão a possuem precisamente da mesma maneira. A cos
movisão de algumas pessoas só existe no sentido de que herdaram
um conjunto de crenças e práticas de sua fam ília e comunidade
imediata. Elas não entendem suas crenças e não alcançam o signi
ficado maior de suas ações. Acreditam e agem __________________
de forma não crítica e ingénua em vez de um
modo auto-reflexivo. Na grande maioria das Quem tem uma cosmovisão?
vezes explicarão por que acreditam ou fazem
Todas as pessoas capazes de
algo, referindo-se às tradições da fam ília, aos
padrões da igreja ou à afiliação partidária po considerar esse assunto.
lítica. Em resumo, elas só têm uma cosmovi
são no sentido de que outra pessoa a impôs
nelas, e não porque elas refletiram cuidadosamente sobre as ques
tões importantes e escolheram sua cosmovisão.
Não é incomum para os indivíduos que tão-somente herdaram
sua cosmovisão presumirem que as crenças e práticas de todo o
mundo são semelhantes às suas. Não desafiados por qualquer ou
tro ponto de vista, eles podem tornar-se apáticos com relação ao
seu próprio ponto de vista. Em meados dos da década de 60, numa
canção intitulada “Nowhere Man” (O Homem de Nenhum Lu
gar), os Beatles capturaram o sentido da vida para aquele que cres
ceu indiferente à sua cosmovisão.3 De acordo com a letra da can
ção, o homem de nenhum lugar ocupa um lugar na terra de ne
nhum lugar fazendo planos sem sentido para ninguém. Ao que
tudo indica, ele não faz a mínima idéia para onde vai. Talvez no
ponto mais comovente da canção, ouvimos que o homem de ne
nhum lugar “não tem um ponto de vista” . A frase levanta pergunta
23. 24 MICHAEL D. PALMER
constrangedora: É possível não ter nenhum ponto de vista? Prova
velmente não. E mais provável é que o verdadeiro problema do
homem de nenhum lugar não seja que ele não tenha literalmente
nenhum ponto de vista. Seu caso é pior. Ele é indiferente ao único
ponto de vista que lhe é fam iliar. Portanto, ele pode muito bem
não ter um porque não tem nenhuma idéia para onde está indo
na vida.
A descoberta de que nem todo o mundo
"Somos os capitães de nosso segue os padrões de crença e prática similares
às suas próprias pode surgir como um desper
destino e os mestres de nossa alma
tar abrupto. Quando isso ocorre, dois tipos de
em nossa capacidade de decidir reação são comuns. Algumas pessoas reagem
acerca da vida que levamos". defensivamente. Elas se retiram para trás dos
— Vincent E. Rush dogmas memorizados e dos clichés familiares
e geralmente adotam a posição de que não têm
nada a aprender de estranhos. (Em The Chosen,
os hassidim — particularmente os adolescen
tes jovens — adotaram esta postura em relação aos judeus não-
hassídicos.) Outras pessoas reagem com embaraço.
Ao compararem suas crenças ou práticas com as dos outros, as
suas podem parecer sem importância, triviais ou ingénuas. Elas
podem tentar menosprezá-las ou mesmo escondê-las quando
interagem com estranhos. (Uma das questões que Danny enfren
tou quando foi para a universidade foi se deveria cortar seus ca
chos de cabelos e usar roupas que não o identificassem como ju
deu hassídico.) Defesa e embaraço frequentemente são sinais de
imaturidade. Indicam que o indivíduo em questão não está com
pletamente confortável com sua própria cosmovisão.
Estamos falando sobre o modo como as pessoas obtêm sua
cosmovisão. Alguns indivíduos, já dissemos, meramente herdam
sua cosmovisão. Aqueles que obtêm sua cosmovisão apenas por
este meio limitado podem muito bem tornar-se apáticos ou indife
rentes a ela. Ou, se inesperadamente encontram alguém que tenha
uma cosmovisão diferente, podem reagir defensivamente ou com
embaraço. Por outro lado, uma cosmovisão pode ser obtida por
escolha. Escolher, no sentido pretendido aqui, não significa sim
plesmente que a pessoa escolhe uma cosmovisão dentre várias
opções disponíveis — como se fosse uma criança que escolhe um
cachorrinho numa loja de animais domésticos.
Escolher também não significa que a pessoa rejeita a cosmovisão
herdada. Escolher diz respeito a um processo deliberativo que é qua
se mais um estilo do que uma ação. Prontidão, consciência, auto-
reflexão, estar presente nas alternativas — tudo isso significa o que se
pretende dizer por escolha. Escolher significa que a pessoa não é
lançada ao sabor do vento como os despojos que o mar da vida traz à
praia. Como certo autor ressaltou: “Podemos não ser os capitães de
nosso destino e os mestres de nossa alma, com capacidade total para
controlar o ambiente que nos cerca, mas somos os capitães de nosso
24. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 25
destino e os mestres de nossa alma em nossa capacidade de decidir
acerca da vida que levamos...”4Em suma, o indivíduo que escolhe é o
oposto do homem de nenhum lugar dos Beatles.
Toda pessoa capaz de refletir sobre as questões da cosmovisão
já tem uma cosmovisão? A pergunta crítica é: Como afinal de contas
se obtém essa cosmovisão. Obtê-la como herança da fam ília e da
comunidade imediata pode ser uma boa forma de começar. Na
verdade, esse é o modo como todo o mundo obtém uma cosmovi
são. Mas em certo sentido importante, uma cosmovisão herdada
ainda não é inteiramente da pessoa. Tê-la inteiramente como sua
— vivenciá-la com convicção e acreditar nela com entendimento
— requer que o indivíduo a escolha. Aquele que escolhe uma cos
movisão tomando-a uma questão de escolha deliberada e reflexi
va não ficará apático ou indiferente a ela. Nem é provável que tal
indivíduo se porte defensivamente ou fique envergonhado com ela.
Finalm ente, aquele que escolhe uma cosmovisão está melhor
posicionado para avaliar as deficiências de sua própria cosmovi
são e para aprender de outras cosmovisões.
‘ eâ&uçâa de ‘r¥oCme& de uma,
D
Nas últimas décadas, os cristãos têm en 3. É um processo exploratório, sondan
frentado tremendos desafios intelectuais em do a relação de uma área após a outra para a
várias frentes. E o menor deles certamente perspectiva unificada.
não é o de enunciar uma cosmovisão que sir 4. É pluralista no sen
va para as doutrinas centrais da fé do cristi tido de que a mesma pers
anismo e ao mesmo tempo funcione adequa pectiva básica pode ser
damente como resposta aos desenvolvimen enunciada de maneiras um
tos contemporâneos da ciência empírica, da tanto diferentes.
teoria moral, das artes e da filosofia. Um dos 5. Tem resultados de
líderes em enfrentar este desafio desde a se ação , pois o que pensamos
gunda metade do século X X tem sido o filó e o que avaliamos guiam
sofo Arthur Holmes. No trecho apresentado o que faremos.”
a seguir, Holmes oferece um resumo dos Este trecho é um
principais critérios de uma estmtura intelec excerto de The Making of
tual que pode de maneira justa ser chamada a C hristian Mind, A
de cosmovisão. Christian World View & the Academ ic
“ Uma cosmovisão global apresentará as Enterprise (A Estrutura de uma Mente C ris
seguintes características: tã, Uma Cosmovisão Cristã e o Empreen
1. Tem uma meta globalizada, buscando dimento A cad ém ico). Downers G rove,
ver cada área da vida e do pensamento de Illin o is: InterV arsily Press, 1985, p. 17.
uma forma integrada. Outras obras notáveis de Holmes são AI.I
2. E uma abordagem sob um determina Truth is G od’s Truth (Toda Verdade é a
do aspecto, versando as coisas de um ponto Verdade de D eus) e C ontours o f a
de vista previamente adotado que agora pro Christian Worldwide (Contornos de uma
porciona uma estrutura integrada. Cosmovisão C ristã).
25. Elementos de Uma Cosmovisão
Uma cosmovisão bem desenvolvida fornece tipicamente um
amplo quadro das preocupações essenciais da vida. Portanto, uma
cosmovisão bem desenvolvida evidencia em geral certos compo
nentes ou elementos essenciais. Na ciência como a química, um
elemento é uma substância fundamental que consiste em átomos
de um só tipo. Usamos a palavra elemento deste modo quando
falamos de elementos químicos, como o hidrogénio ou o hélio da
tabela periódica. Na matemática um elemento é um membro bási
co de uma questão matemática ou lógica. Na fé cristã, usamos a
palavra elementos (plural) para nos referirmos ao pão e ao vinho
associados com a memória da última ceia de Cristo.
Entretanto, dentro do contexto de falar sobre cosmovisão, um
elemento é mais como um aspecto definível de como os seres hu
manos explicam e praticam o que acreditam. Uma cosmovisão
bem desenvolvida mostra caracteristicamente pelo menos seis ele
mentos distintos.5 Podem ser descritos sucintamente da seguinte
forma:
1. Ideologia. O elemento ideológico de uma cosmovisão con
siste em crenças centrais. Estas crenças normalmente são expres
sadas de uma maneira formal e precisa, como nas proposições fi
losóficas, declarações de credo, fórmulas autorizadas ou doutri
nas. A ideologia de uma cosmovisão também é geralmente ex
pressada de um modo sistemático, significando que algum esfor
ço é feito para assegurar que as declarações chaves sejam consis
tentes entre si. Em The Chosen, o rabino Saunders ensinou a Danny
as ideologias do hassidismo mediante estudo intensivo do Talmude.
2. Narrativa. O elemento narrativo de uma cosmovisão reconta
certos eventos significativos da história daqueles que mantêm a
cosmovisão. Em alguns casos, as narrativas também tratam de
eventos futuros. As narrativas podem ser sobre muitas coisas, por
exemplo, uma pessoa famosa, a fundação de um povo ou nação, o
começo do mundo ou a interação de alguém com Deus ou com
práticas religiosas. Com frequência, os narradores expressam es
ses eventos em escritos sagrados, mitos, contos históricos, históri
as, lendas ou até na letra de um hino.
As vezes, os artistas também representam temas narrativos em
pinturas ou outras formas de arte. Se a ideologia expressa crenças
centrais em linguagem precisa e formal, as narrativas expressam
crenças centrais pelo exemplo, imagem, símbolo ou metáfora. As
histórias bíblicas de Abraão, Isaque e Jacó são centrais para a cos
movisão hassídica.
3. Normas. Uma norma é um padrão de algum tipo. Quando se
trata de uma cosmovisão, dois dos mais importantes tipos de nor
mas são as normas morais ou éticas e as normas estéticas. As nor
mas estéticas proporcionam base para a tomada de decisão sobre
o que é bonito, agradável ou sublime.6 A s normas morais estabe
26. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 27
lecem exigências para a conduta correta, estipulam nossas res-
ponsabilidades e geralmente nos explicam que tipo de pessoa de
vemos ser. Em The Chosen, o lugar das normas morais no judaís
mo emerge vigorosamente em certo ponto, quando Danny visita
Reuven no hospital logo depois de ferir-lhe o olho. Com raiva de
Danny, Reuven a princípio recusa-se a falar, mas depois explode:
“Vá para inferno e leve junto esse seu grupo esnobe de hassidim ” .
Quando o senhor Malter fica sabendo da atitude indelicada de
Reuven, diz: “Você fez uma coisa tola, Reuven. Lembre-se do que
diz o Talmude. Se alguém vem se desculpar por tê-lo ferido, você
tem de ouvi-lo e perdoá-lo” .7
Estes três elementos de uma cosmovisão — ideologia, narrati
va e normas — formam um complicado padrão de crenças. Con
tudo, este padrão não existe meramente na teoria. Ele se torna
vital e dinâmico no contexto da experiência e da prática. No juda
ísmo ortodoxo, por exemplo, as crenças acerca de Deus (ideolo
gia) não são meros conceitos sobre alguma deidade neutra e dis
tante considerada como o Mestre do Universo.8E le é um ser que é
ativamente adorado. Os hassidim retratados em The Chosen oram
a Ele nas sinagogas do bairro e falam sobre Ele nas casas, ruas e
lojas. Sua influência é sentida em todas as facetas de suas vidas,
porque eles acreditam que são seu povo escolhido. A história (nar
rativa) que eles recontam sobre os atos de Deus na história do
povo deles é célebre e representada de novo em certos rituais, como
aqueles associados com a Páscoa e o Hanuká. As narrativas cen
trais juntamente com os rituais tradicionais evo
cam intensas experiências para o crente.
4. Ritual. Um ritual é um ato cerimonial Estes três elementos de uma
executado periodicamente em ocasiões espe
cosmovisão — ideologia, narrativa e
ciais. E projetado a representar novamente ou
recordar um acontecimento especial. Um ritu normas — formam um complicado
al pode ser sombrio ou festivo, formal ou in padrão de crenças.
formal. Em todo caso, os rituais proporcionam
uma ocasião para se refletir no significado das
crenças centrais do indivíduo e evocam uma resposta afetiva a
essas crenças. Ambas as funções são tencionadas a integrar os pa
drões de crença no trama da vida interior e no caráter da pessoa.
Por exemplo, observar a Páscoa envolve celebrar e, de certo modo,
reviver a libertação dos hebreus da escravidão egípcia descrita no
Livro de Êxodo.
5. Experiência. Quando falamos do elemento experiencial de
uma cosmovisão, queremos dizer o modo como alguém se dá con
ta vivamente das verdades expressadas nas crenças centrais. As
crenças já não parecem abstratas e distantes. Ao invés disso, tor
nam-se imediatamente presentes. Os hassidim são famosos por
nutrir experiências altamente místicas e pessoais.
6. Elemento Social. As crenças centrais de qualquer cosmovi
são evaporarão como a névoa ao sol da manhã, se não estiverem
27. embutidas numa situação social. Isto é assim porque a situação
social fornece as estruturas organizacionais e outros meios que
permitem que as crenças sejam perpetuadas de uma geração para
outra. Uma das características mais notáveis de The Chosen é o
modo como Potok fornece insight na vida comunitária hassídica.
Cada seita hassídica tinha seu próprio rabino, sua própria sinago
ga e yeshiva, seus próprios costumes, suas próprias lealdades fer
renhas. Em um comentário bastante expressivo sobre a vida na
comunidade, Reuven diz: “Em um sábado ou manhã festiva, os
membros de cada seita podiam ser vistos caminhando para as suas
respectivas sinagogas, vestidos com seus trajes particulares, ansi
osos para orar com seu rabino particular e esquecer o tumulto da
semana...” 9
Comentamos anteriormente que uma cosmovisão é um con
junto de crenças e práticas que moldam a abordagem de uma pes
soa para as mais importantes (e muitas outras) questões da vida.
Todo mundo, dissemos, tem uma cosmovisão. Também fizemos
uma descrição breve de seis elementos mais importantes de uma
cosmovisão. A seguir, examinaremos estes seis elementos com mais
detalhes em preparação à descrição de uma cosmovisão cristã.
O Elemento Ideológico
A s cosmovisões geralmente surgem da experiência e das nar
rativas que exemplificam e desenvolvem-se nessa experiência. Mas
as experiências variam de uma pessoa para outra, e as narrativas
por sua própria natureza prestam-se a múltiplas interpretações. Por
estes motivos as cosmovisões comumente desenvolvem um con
junto de declarações autorizadas que constituem seu elemento ide
ológico. Estas declarações formam uma estrutura central, ou sis
tema, para explicar a realidade. Já nos referimos a elas como cren
ças centrais. Por exemplo, o judaísmo ortodoxo expressa diversas
crenças centrais, entre elas: Há um só Deus, Deus criou o mundo,
Deus está ativamente envolvido na história. Estas crenças essenci
ais são parte do elemento ideológico do judaísmo ortodoxo. Estas
doutrinas (e outras importantes) explicam a natureza de Deus e
sua relação com o resto da criação, inclusive os seres humanos.
F u n ç õ e s G e r a is da I d e o l o g ia
O elemento ideológico de uma cosmovisão exerce diversas
funções. Uma dessas função é trazer ordem e coerência à vasta
série de dados proporcionados na experiência. Superficialmente,
as coisas que vivenciamos parecem não ter nenhuma relação uma
com outra. Além disso, as experiências de uma pessoa afiguram-
se não ter conexão com as de outra pessoa, especialmente se a
outra pessoa mora em outro país ou se viveu no passado. Mas a
ideologia pode fornecer um senso de ligação entre eventos apa
rentemente discrepantes e entre pessoas separadas geograficamente
28. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 29
e pelo tempo. Este ponto é vividamente notório na ideologia do
judaísmo. Durante o tempo em que Moisés estava procurando as
segurar a libertação dos hebreus, as pragas que sobrevieram aos
egípcios não eram catástrofes simplesmente fortuitas e isoladas.
Faziam parte de um destino maior: A obra de Deus nos eventos
históricos. O judaísmo também nutriu sempre um forte senso de
identidade do seu povo. Os judeus não são
meros indivíduos isolados, mas membros de
um povo histórico. Os Livros da Le i os lem
As cosmovisões comumente
bram desta conexão histórica com seus ante
passados. No Livro de Deuteronômio, quando desenvolvem um conjunto de
Moisés está a ponto de pronunciar os manda declarações autorizadas que
mentos de Deus, ele diz: “ O SEN H O R, nosso constituem seu elemento ideológico.
Deus, fez conosco concerto, em Horebe [mon
te Sinai]. Não foi com nossos pais que fez o
SEN H O R este concerto, senão conosco, todos os que hoje aqui
estamos vivos” (Deuteronômio 5.2,3). Os indivíduos a quem estas
palavras foram ditas não estavam presentes quando o concerto foi
feito em Horebe. Não obstante, o concerto é válido para eles em
cada detalhe tanto quanto o era para seus antepassados, porque
eles são parte de um povo escolhido por Deus desde tempos
imemoriais. Em resumo, uma função da ideologia é trazer ordem
e coerência à experiência.
Uma segunda função é fornecer base para avaliar os valores,
os insights e as declarações de conhecimento dos outros. Tem ha
vido poucas épocas na história humana em que os partidários de
qualquer determinada cosmovisão viveram uma geração inteira,
ou mesmo várias gerações, sem encontrar pessoas cuja cosmovi
são diferia radicalmente da deles. Mesmo os mais isolados povos
ocasionalmente interagiam com estranhos. No ponto do fato his
tórico, a maioria dos povos interagia com estranhos de maneira
frequente e diversa, desde o comércio à guerra e à troca cultural.
Sempre que ocorre interação entre uma pessoa e outra, a per
gunta surge naturalmente: Como iremos avaliar e dar sentido àquilo
que estas pessoas (os estranhos) dizem e fazem? A ideologia da
cosmovisão do indivíduo fornece uma estrutura de referência para
responder à pergunta.
Quando Daniel e outros membros jovens da nobreza judaica
foram levados cativos para a Babilónia no século V II a.C ., eles
mantiveram sua identidade, enfrentaram e venceram a cosmovi
são de seus captores, em parte porque estavam bem fundamentos
em sua própria cosmovisão. Eles julgaram o que era bom e mau,
certo e errado, proibido e permitido. Mas sem uma compreensão
clara das crenças centrais de seus captores, eles facilmente pode
riam ter sido assimilados pela vida e cultura babilónicas.
Uma terceira função do elemento ideológico é definir a comu
nidade. Em outras palavras, a ideologia ajuda a separar as pessoas
íntimas dos estranhos, aqueles que pertencem ao grupo daqueles
29. 30 MICHAEL D. PALMER
que não pertencem ao grupo. Em cada cosmovisão, as crenças
tipicamente aceitas por aqueles que mantêm-se fiéis à determina
da cosmovisão formam uma estrutura, um esqueleto, que dá for
ma ao mundo como percebidas pelos membros da comunidade.
Enquanto normalmente há alguma abertura em como interpretar e
aplicar as crenças centrais, qualquer um que estira demasiadamente
os lim ites arrisca ser separado da comunidade. Grandes diferen
ças nas crenças centrais não podem em geral ser toleradas indefi
nidamente.
Considere, por exemplo, que os cristãos da Igreja prim itiva
eram judeus. Uma profunda divisão ideológica aconteceu quase
que imediatamente dentro do judaísmo, porque os seguidores de
Jesus declararam que Ele era divino e igual a Deus — uma noção
ideológica inaceitável para os judeus ortodoxos.
C o n t e ú d o I d e o l ó g ic o G e r a l
As cosmovisões que de outra forma diferem uma da outra em
seu conteúdo específico — mesmo aquelas que são radicalmente
opostas uma a outra — mostram uma semelhança interessante no
modo como desenvolvem seu conteúdo ideológico em geral. Em
outras palavras, as cosmovisões tendem a falar sobre tópicos se
melhantes. Por exemplo, as cosmovisões naturalistas (como o
existencialismo ateísta marxista) e as cosmovisões teístas (como
o judaísmo ou o cristianismo) divergem em muitos pontos impor
tantes. Elas são tão diferentes em alguns pontos que entram em
conflito uma com a outra, às vezes até se contradizem. Não
obstante, falam sobre tópicos similares. Por exemplo, ambas ex
pressam visões ideológicas sobre o que existe e ambas fazem as-
severações sobre a natureza humana. Vamos examinar estes tópi
cos mais de perto.
~j O alem ão K a rl M arx apelava aos direitos naturais para justificar
(1818-1883) fo i o filósofo a reforma social. M arx invocou o que acre
social e revolucionário que ditou ser as leis da história que inevitavel
viveu e escreveu na plenitu mente levariam ao triunfo da classe operá
de da Revolução Industrial ria. M arx foi exilado da Europa depois das
do século X IX . E le e revoluções de 1848. Em sua monumental
Friedrich Engels são conside obra O Capital (3 volumes, 1867-1894), a
rados os fundadores do mo qual foi escrita quando ele morava em Lon
derno socialismo e do comu dres, M arx apresentou uma crítica cortante
nismo. Com Engels, ele es à teoria económica capitalista e desenvolveu
creveu o Manifesto Comunis uma teoria económica própria.
ta (1848) e outras obras que quebraram a tra Para mais informações sobre M arx, veja o
dição de teoristas como John Locke, que Apêndice 3, “K arl M arx” , no fim deste livro.
30. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
T e o r ia de F undo sobre o que E x is t e
A s declarações ideológicas gerais sobre o que existe constitu
em o que podemos chamar de teoria de fundo sobre a natureza do
universo. Uma teoria de fundo aborda pelo menos três tópicos: o
cosmo, Deus e a história.1 0
O Cosmo. A expressão cosmo foi usada pela primeira vez pe
los gregos antigos para referir-se a algo formoso e sistematica
mente organizado — como as linhas numa tapeçaria. O oposto de
cosmo era o caos ou a desordem. Desde então, os gregos usaram o
termo para descrever o arranjo ordenado e harmonioso das estre
las e dos planetas como apareciam no céu à noite. Hoje, o signifi
cado do termo foi ampliado para incluir não só a harmonia dos
corpos celestiais, mas o universo em geral — literalmente, tudo o
que existe.
Inclui as coisas que prontamente vemos como também as coi
sas difíceis de se ver, por exemplo, os elétrons. Também inclui
coisas que não podemos ver de jeito nenhum, mas que podemos
apenas pensar nelas, como números, conceitos, leis da natureza.
Apesar destas mudanças em seu uso nos tempos modernos, o ter
mo cosmo ainda levanta questões que os gregos antigos pondera
vam. Se os corpos celestiais no céu à noite estão distribuídos de
um modo ordenado e harmonioso, o que explica essa ordem e har
monia? Alguém ou algo os organizou de acordo com algum plano,
ou sua aparência é só produto do acaso?
Uma cosmovisão naturalista é aquela que nega que qualquer
evento ou objeto tenha algum significado sobrenatural. As moder
nas cosmovisões naturalistas asseveram que leis científicas ou
princípios são adequados para explicar todos os fenómenos, tais
como o arranjo dos corpos celestiais e o movimento dos elétrons.
Uma cosmovisão teísta, por contraste, é aquela que adota a idéia
de que poderes sobrenaturais desempenham um papel no desdo
bramento dos eventos. Portanto, as cosmovisões teístas de hoje
rejeitam a reivindicação de que as leis científicas em si podem
explicar o mundo e a nossa experiência dele. O marxismo e o
existencialismo ateísta são exemplos de cosmovisões naturalistas.
O judaísmo, o islamismo, o hinduísmo e o cristianismo são exem
plos de cosmovisões teístas.
Deus. É bastante óbvio que nem todas as cosmovisões reco
nhecem a existência de Deus. Entretanto, todas as principais cos
movisões afirmam, ou pelo menos implicam, uma posição relati
va à existência dEle. O judaísmo, o islamismo e o cristianismo
como cosmovisões teístas têm muito a dizer em suas declarações
ideológicas, doutrinárias, sobre a existência de Deus, seus atribu
tos, suas atividades. Como era de se esperar, o marxismo, como
cosmovisão naturalista, tem menos a dizer sobre Deus. Não
obstante, não ficou calado no assunto nem é neutro. O próprio
M arx negava a existência de Deus. De fato, ele é famoso por ter
declarado que a religião é “ o ópio do povo” , querendo com isso
31. 32 MICHAEL D. PALMER
afirmar que a vida de fé é enganosa e ilusória: Não oferece espe
rança alguma para resolver os problemas existenciais, e só é bem-
sucedida em encobri-los temporariamente.
A História. Toda importante teoria de fundo do universo tam
bém afirma ou im plica algo sobre a história em sua ideologia. As
cosmovisões teístas enfatizam a obra de Deus no fluxo da histó
ria. Elas destacam o modo como Deus usa as pessoas e os aconte
cimentos, em momentos e em locais específicos, para cumprir seus
propósitos supremos, que são infinitos.
Por exemplo, o hassidismo, tanto na realidade quanto descrito
no romance de Potok, identifica um homem chamado Baal Shem
Tov como alguém especialmente chamado por Deus em cerca de
1750 para viver uma vida piedosa e ensinar os outros a viver pia
mente. (Hassidim quer dizer “ os piedosos” .)
O judaísmo em geral também tem um forte senso da interven
ção de Deus na história: Deus criou o universo e os seres humanos
(Génesis 1— 2), deu uma promessa histórica a Abraão (“ Por pai
da multidão de nações te tenho posto” [Génesis 17.5]) e até usou
os inimigos dos hebreus (por exemplo, Faraó e Ciro) para cumprir
seus propósitos. Uma cosmovisão cristã diverge de qualquer cos
movisão judaica em um aspecto crucial: Jesus, ao mesmo tempo
divino e humano, é a figura central no relato do tratamento de
Deus para com a humanidade.
As cosmovisões naturalistas afirmam uma visão cegamente
mecânica da história. A história é o produto dos seres humanos
interagindo entre si e com as forças naturais impessoais. Entretan
to, os naturalistas estão divididos no que tange a se a história exi
be padrões — quer sejam de progresso ou de regresso. O filósofo
francês Jean-Paul Sartre rejeitou qualquer noção da ordem natural
“participante” , ou que ela seja responsável por qualquer coisa como
eanr
O francês Jean-Paul causa do seu envolvimento com as forças da
Sartre (1905-1980) foi fi resistência francesa e em parte por causa do
lósofo, dramaturgo e no- seu brilho filosófico, depois da guerra Sartre
velista. A partir de 1936, emergiu como figura dominante no m ovi
publicou estudos filosó mento existencialista francês. (3 próprio
ficos e romances, sendo Sartre era ateu. Durante os anos imediatos
os mais notáveis A Náu depois da guerra, ele escreveu vários roman
sea (1938) e O Muro ces e peças teatrais que lhe deram fama mun
(1939). Durante a Segun dial.
da Guerra M undial, ele Para informações adicionais, veja Apên
completou sua obra filosófica mais impor dice 2, “ Jean-Paul Sartre” , no final deste
tante, O Ser e o Nada (1943). Em parte por
32. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
o progresso histórico. Para ele, a natureza não tem nenhum propó
sito último, nenhuma intenção, nenhuma direção — simplesmen
te existe.
Por outro lado, K a rl M arx, que certamente rejeitava qualquer
noção de propósito divino ou plano para a história, declarou que a
natureza mostra padrões de progresso. Os seres humanos são par
te da natureza; portanto, também mostram padrões de progresso
em sua história.
Relato da Natureza Humana
Além de fornecer uma teoria de fundo do universo, as cosmo
visões oferecem um relato geral do que significa ser humano. Este
relato trata de certos temas importantes da teoria de fundo. Por
exemplo, se a teoria de fundo rejeita (ou é silenciosa sobre) a no
ção de que o universo tem um propósito e um destino último, en
tão o relato associado da natureza humana também rejeitará (ou
estará silencioso sobre) se a pessoa individual tem um propósito
ou um destino último.
Semelhantemente, se a teoria de fundo diz que o universo tem
um propósito e um destino último, então o relato associado da
natureza humana expressará a mesma visão sobre a pessoa in divi
dual. Sartre, um existencialista ateísta, retrata o universo como
totalmente destituído de propósito e destino último. A natureza
não existe para os seres humanos. Na verdade, a natureza não
existe para qualquer coisa. Simplesmente existe — sem plano,
propósito, intenção, esperança ou destino.1 (Certo personagem em
1
um dos romances de Sartre, percebendo este ponto enquanto pon
dera junto às raízes de um castanheiro gigante, sente repugnância
pelo pensamento e vom ita.)1 Consistente com esta visão do uni
2
verso, Sartre afirma que os seres humanos, no início da vida, tam
bém carecem de qualquer propósito essencial ou destino. Nem
Deus nem a natureza dão significado à vida. Se a vida algum dia
vier a ter um propósito ou significado, acontecerá apenas porque a
pessoa escolhe tomá-la significativa.
Por contraste, o judaísmo e o cristianismo asseveram que Deus
criou o universo, que E le está atuando no universo para pôr em
execução seus propósitos, e que o universo tem um destino último
de acordo com o seu plano. E a humanidade se ajusta no propósito
último de Deus para o universo? Sim , com certeza! O livro de
Génesis, sagrado tanto para o judaísmo quanto para o cristianis
mo, declara que fomos feitos à imagem de Deus. Potok, referin
do-se ao fundador do hassidismo, diz: “ Ele os ensinou que o pro
pósito do homem é tornar a vida santa — cada aspecto da vida:
comer, beber, orar, dormir” .13
Obviamente que uma cosmovisão que descreve o indivíduo
como tendo um propósito e um destino último também expressará
um conjunto de ideais para cada pessoa. Esses ideais podem ser
traços de caráter interior. Por exemplo, o apóstolo Paulo, falando
33. 34 MICHAEL D. PALMER
no século I d .C ., descreve a tarefa de cada pessoa como a de confor
mar-se à imagem de Cristo. E le estabelece certos ideais de caráter
em referência a Jesus. Cada pessoa tem de esforçar-se para encarnar
os ideais de caráter modelados por Jesus, inclusive a integridade
pessoal, a humildade, a mansidão, a paciência, o amor e a compai
xão. Os ideais também podem ser expressos como situações soci
ais. Os antigos profetas judeus, por exemplo, exaltavam a justiça
como um ideal social. Para eles, a sociedade justa seria aquela em
que o pobre e o fraco seriam adequadamente cuidados.
Se as cosmovisões propositadas parecem naturalmente expres
sar ideais para seus partidários, as cosmovisões naturalistas tam
bém oferecem ideais? A resposta parece ser um qualificado sim.
Como observamos anteriormente, M arx negou a existência de
Deus. Portanto, ele não deixou lugar em sua cosmovisão para um
conceito de propósito divino para os seres humanos. Neste sentido, a
humanidade não tem nenhum destino e nenhum ideal a alcançar.
Porém M arx reivindicou descobrir padrões de progresso na
história humana: E le raciocinou que os seres humanos progredi
ram do antigo barbarismo através dos estágios da escravidão e do
feudalismo para as formas capitalistas da sociedade e da econo
mia. O estágio fin al, acreditava ele, era aquele no qual os traba
lhadores viriam a controlar a indústria e outros meios de produ
ção. O controle destas forças económicas lhes perm itiria mudar as
instituições sociais e políticas para melhor e, assim, ocasionar as
melhores relações possíveis (quer dizer, o ideal) entre todos os
seres humanos. Em suma, embora a cosmovisão de M arx certa
mente não seja propositada, parece identificar certos ideais e de
fender o empenho por eles.
Albert Camus, como Jean-Paul Sartre, rejeitou não apenas a
noção de propósito como se evidencia na cosmovisão teísta, mas
também qualquer coisa como os padrões de progresso descritos
por M arx. Para ele, a realidade é absurda — totalmente destituída
de significado, propósito ou plano. Isto significa que, para Camus,
as escolhas humanas são no final das contas arbitrárias. Coisas e
eventos são o que lhes fazemos ser, e realmente não há razão para
fazê-las de um jeito em vez do outro. Isto significa que Camus
não reconheceu nenhum ideal? A resposta é: De fato, ele reconhe
ceu ideais.
Em sua mais famosa publicação ideológica, O Mito de Sísifo,
Camus adapta aos seus próprios propósitos filosóficos o antigo
mito grego de S ísifo .1 De acordo com o mito, certo dia, Sísifo, rei
4
de Corinto, incorreu na ira inexorável de Zeus. No Hades, o
submundo, Zeus castigou Sísifo forçando-o a rodar uma pedra para
cima e repetir este ciclo para sempre. Para Camus, Sísifo é “o
operário fútil do submundo” . Sua atividade é totalmente sem sen
tido, completamente destituída de propósito. Deve Sísifo — deve
aqueles cujas vidas refletem a vida de Sísifo — desesperar-se?
Camus acha que não. A alegria é uma opção: “A pessoa tem de
34. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO 35
imaginar Sísifo fe liz” .1 Mas como? E onde está o ideal nesta re
5
presentação da condição humana?
A alegria é possível porque o significado de destino é no fim
uma questão de ser resolvida pelos seres humanos. Segundo
Camus, Zeus pode ditar nosso destino, mas somente nós podemos
determinar o que esse destino sig nificará para nós e se nos
desgraçará. “ Sísifo” , diz Camus, “ ensina a mais alta fidelidade
que nega os deuses e levanta pedras.” 1 O ideal de Camus — sua
6
figura heróica — é alguém que logo reconhece que o universo é
implacavelmente frio e indiferente para com os interesses huma
nos, mas que, não obstante, resolve alcançar um tipo de “ vitória
absurda” ao determinar para si que suas experiências tenham sig
nificado.
Os ideais estabelecem que tipo de pessoa devemos ser e
exemplificam o que vale a pena alcançar. Os ideais representam a
realidade e a condição humana como elas devem ser, e não como
são. A implicação é que as coisas podem ser melhores do que são.
Assim , quando uma cosmovisão inclui um conjunto de ideais, tam
bém costumeiramente oferece uma explicação sobre porquê as
pessoas não alcançam esses ideais.
Nas cosmovisões judaica e cristã os seres humanos vivem
idealmente em comunidades fraternais entre si e em harmonia com
o seu Criador. Estas relações ideais existiram no princípio, numa
situação como o jardim . Elas foram quebradas pelo fato de terem
as escolhas humanas rejeitado os propósitos de Deus. Numa cos
movisão existencialista com a de Sartre ou Camus, os seres huma
nos vivem idealmente vidas autênticas, executando projetos que
tóent &uuu&
O francês Albert Camus (1913-1960) foi po, afirmam sua humani
romancista e homem de letras. Nascido em dade ao se rebelarem con
Algiers, Argélia, grande parte de sua vida tra essa mesma situação (a
intelectual foi dedicada a explorar sua con volta humanística distinta
vicção de que a condição humana é absurda. mente de Camus). Os tra
Este fato, juntamente com sua associação balhos mais notáveis de Camus são os ro
com o filósofo francês Jean-Paul Sartre, le mances O Estrangeiro (1942), A Peste (1947)
varam muitos a identificá-lo como membro e A Queda ( 1956), e seus ensaios O Mito de
do movimento existencialista, embora sua Sísifo (1942) c O Rebelde ( 1951). Em 1957,
marca particular de humanismo o distinguisse Camus foi premiado com o prémio Nobel
daquele movimento. Os personagens de suas de literatura. Morreu num acidente de auto
peças e romances são obviamente apresentados móvel em 1960. Na época de sua morte, ele
como reconhecedores do absurdo e da falta estava trabalhando num romance autobiográ
de sentido da situação deles (um tema fico, postumamente publicado em 1995 sob
existencialista proeminente); ao mesmo tem o título O Primeiro Homem.
35. 36 MICHAEL D. PALMER
eles escolheram livremente. Eles ficam aquém do ideal, porque
recusam a aceitar o fardo de sua própria liberdade e porque fa
lham em assumir a plena responsabilidade pelo vasto alcance das
escolhas implicadas por aquela liberdade.
Na cosmovisão marxista, os seres humanos existem idealmente
em harmonia (e não em competição) entre si, trabalham em tare
fas que satisfazem (e não humilham) e desfrutam o fruto do seu
trabalho (em vez de vê-lo tomado por outros e usado contra eles).
O ideal foge ao entendimento deles, por causa de certos arranjos
económicos capitalistas subjacentes, e por cau
sa das estruturas sociais e políticas que refor
Em geral, cada cosmovisão não çam a economia capitalista. Em geral, cada
só enuncia certos ideais, mas cosmovisão não só enuncia certos ideais, mas
também explica por que os seres humanos não
também explica por que os seres os alcançam.
humanos não os alcançam. Ordinariamente, quando uma cosmovisão
enuncia um conjunto de ideais e então explica
como os seres humanos e suas instituições so
ciais ficam aquém dos ideais, também oferece alguma solução. Se
os ideais (ou algo parecido com eles) outrora existiram , então a
cosmovisão explicará como recuperar o que estava perdido.
Por exemplo, o judaísmo identifica um tempo sob o governo
dos reis D avi e Salomão quando Israel era uma nação unificada.
Se esse tempo não era bastante ideal, com certeza representava
um ponto político e social culm inante para os judeus. O ideal foi
perdido quando os exércitos estrangeiros repetidamente invadi
ram a pátria deles. O ideal só pode ser recuperado quando os ju
deus se preparam espiritualmente e Deus intervém na história para
prover o M essias.
Claro que para algumas cosmovisões, os principais ideais na
verdade nunca existiram . Só existem no futuro, no horizonte do
tempo. Neste caso, a cosmovisão explicará como alcançá-los. O
marxismo é justamente tal cosmovisão. Os marxistas acreditam
que nunca houve um tempo na história humana em que a maioria
dos seres humanos de algum modo não sentiu falta de comunida
de, não sofreu as indignidades do trabalho forçado, não perdeu o
controle sobre suas ferramentas e os produtos do seu trabalho.
Mas com o capitalismo desenfreado na plenitude da Revolução
Industrial na Europa e nos Estados Unidos no século X IX , estas
condições pioraram. As mulheres trabalhavam em miseráveis es
tabelecimentos escravizantes e morriam prematuramente. Os ho
mens competiam entre si por empregos de baixos salários. Mes
mo as crianças trabalhavam horas dolorosamente longas em con
dições imundas. Para M arx, a causa e a solução eram económicas.
O capitalismo desenfreado, em vez dos arranjos sociais ou políti
cos, era responsável pela prevalecente miséria e alienação. Uma
vida melhor — na verdade, a vida ideal — só pode ser alcançada
no futuro à medida que as condições económicas são mudadas.
36. PANORAMA DO PENSAMENTO CRISTÃO
Resumo
Nesta seção, discutimos o elemento ideológico de uma cosmo
visão. Prim eiro, citamos três funções gerais da ideologia: 1) trazer
ordem e consistência aos dados proporcionados pela experiência,
2) fornecer base para avaliar os valores, os insights e as declara
ções de conhecimento dos outros e 3) definir a comunidade. Estas
funções da ideologia não pertencem a uma cosmovisão específi
ca. Antes, são funções comuns de qualquer cosmovisão. Em
seguida, fornecemos um esboço do conteúdo ideológico geral de
uma cosmovisão. Aqui comentamos mais uma vez que embora as
cosmovisões possam ser diferentes em seu conteúdo específico,
elas falam sobre tópicos semelhantes. Por exemplo, eles forne
cem uma teoria de fundo sobre o que existe. Três tópicos cen
trais da teoria de fundo são o cosmo, Deus e a história. A s cos
movisões também fornecem um relato geral da natureza huma
na. Este relato explicará se a vida humana tem ou não propósi
to, que ideais valem a pena alcançar, em que aspecto os seres
humanos ficam aquém dos ideais e como os ideais podem ser
alcançados.
O conteúdo ideológico de uma cosmovisão é ordinariamente
expresso em proposições filosóficas, declarações de credo, fór
mulas autorizadas ou doutrinas. Em geral também é expresso de
modo sistemático, significando que algum esforço é feito para
assegurar que as declarações chaves sejam consistentes entre si. A
natureza preposicional formal da ideologia a distingue de outro
elemento importante de uma cosm ovisão, a narrativa, que
comumente tem uma qualidade semelhante à história.
O Elemento Narrativo
Ressaltamos anteriormente que o elemento narrativo de uma
cosmovisão reconta certos eventos passados ou futuros, tendo a
ver com aqueles que mantém a cosmovisão. Porém, as narrativas
da cosmovisão não são simples registros de acontecimentos coin
cidentes ou resumos de eventos interessantes, mas fortuitos. São
histórias que contam algo especial sobre a cosmovisão ou sobre as
pessoas que a mantêm. Podem ser sobre uma pessoa famosa, a
fundação de um povo ou nação, o começo ou fim do mundo, a
interação de alguém com Deus ou deuses, ou algum outro evento
integralmente ligado à cosmovisão.
As narrativas são uma característica bem reconhecida das cos
movisões religiosas. Todas as principais religiões do mundo estão
repletas delas. O elemento narrativo do cristianismo, por exem
plo, enfoca a criação do mundo; o primeiro homem e a primeira
mulher afastando-se de Deus; os subsequentes concertos entre Deus
e a humanidade; o nascimento, morte e ressurreição de Cristo; a
formação da Igreja, e a promessa de que Cristo voltará à terra para
orquestrar os eventos finais da história. Mas as narrativas não são