1. FIQUEMOS ALERTAS, POIS DEUS ESTÁ CHEGANDO
Pe. José Bortoline - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 1° DOMINGO DO ADVENTO – COR: ROXO / LILAS
I. INTRODUÇÃO GERAL
2. O Advento marca nova etapa na caminhada de nossas
comunidades. Este é um tempo de espera da manifestação
plena do Filho de Deus, até que cheguemos à comunhão
definitiva com Jesus Cristo (2ª leitura: 1Cor 1,3-9). En-quanto
caminhamos rumo a essa vocação comum, vamos
colaborando na construção de um mundo novo e liberto,
pois Deus, que é nosso Pai e Redentor (1ª leitura: Is
63,l6b-17;64,1.3b-8), quebra continuamente seu silêncio e
se manifesta a nós em nossa caminhada. Ele está sempre
chegando, e a atitude fundamental de quem o espera é a
vigilância ativa que nos torna co-responsáveis por sua
"casa"... (evangelho: Mc 13,33-37).
3. Nenhuma de nossas comunidades pode se considerar
modelo histórico de perfeição. Por isso o Advento é tempo
de construir e de caminhar, na solidariedade e na partilha.
Jesus vem continuamente e de muitos modos. Só a vigilân-cia
ativa será capaz de descobri-lo nas novas situações em
que se apresenta.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Is 63,l6b-17;64,1.3b-8): O silêncio de Deus
4. Is 63,7 – 64,12 é uma oração coletiva de súplica que
consta de quatro momentos: 1. Uma meditação histórica
(63,7-14); 2. uma invocação a Deus, em que é chamado de
Pai e Redentor (63,15-19); 3. um pedido para que rompa o
silêncio e se manifeste (64,1-64,5a); 4. a confissão coletiva
dos pecados (64,5b-12). O texto que constitui a primeira
leitura de hoje recolhe alguns versículos significativos
desse salmo de súplica.
5. O povo está passando por sérias dificuldades. É difícil
determinar a data e os acontecimentos históricos que pro-vocaram
esse clamor. Alguns estudiosos situam o texto
logo no início do exílio, sustentando que pertenceria ao
Segundo Isaías (Is 40-55); outros afirmam que a época
mais provável seria a do pós-exílio (ano 530 a.C. em dian-te,
tempo do Terceiro Isaías, Is 56-66), quando os que
voltaram à terra sentiram na pele as dificuldades para re-construir
o país. De qualquer forma, o texto fala do sofri-mento
do povo, o que não constitui fato raro na vida dessa
gente. Além do mais, as mediações ou lideranças (reis,
sacerdotes), bem como as instituições, são ignoradas nessa
súplica. Temos uma vaga alusão "às tribos que são a he-rança"
de Deus, o que faz sonhar com o período de igual-dade
e justiça social do tempo em que vigorava o sistema
das tribos (período dos Juízes). A isso soma-se uma espé-cie
de "silêncio" ou ausência de Deus diante do sofrimento
do povo, impressão esta que torna o texto tão próximo à
nossa realidade brasileira e latino-americana. Daí o pedido
do v. 64,1: "Oh! Se fendesses os céus e descesses! Se os
montes tremessem na tua presença". O que se pede é uma
nova teofania, semelhante à do Sinai, quando Deus se deu
a conhecer ao povo como o Deus próximo e aliado na
conquista e construção de uma sociedade justa e fraterna.
As montanhas, nesse sentido, seriam os novos desafios
sociais a serem superados. Como conseguir isso se Deus
parece estar incomunicável?
6. Deus é chamado de "Pai", ou seja, continua sendo a
fonte da vida para o povo. Além disso, é invocado com o
título de "nosso Redentor" (v. 16b). Redentor (go'el) era o
membro do clã encarregado de vingar o sangue derramado
ou de resgatar membros da família escravizados. A súpli-ca,
portanto, associa Deus à vida (pai) e à liberdade (resga-tador)
do seu povo. Contudo, vida e liberdade, no momen-to,
não passam de esperança, pois o povo se sente impuro,
manchado, murcho, carregado pelo mal como folhas leva-das
pelo vento (64,6). Por quê? O próprio texto nos dá a
razão disso tudo: Porque "ninguém há que invoque o teu
nome, que se desperte e te detenha; porque escondes de
nós o rosto e nos consomes por causa das nossas iniqüida-des."
(64,7). Tem-se a impressão de que, afastando-se,
Deus tornou o povo incapaz de se reerguer pelas próprias
forças. O texto insinua que o culpado disso tudo é o pró-prio
Deus: "por que nos fazes desviar dos teus caminhos?
Por que endureces o nosso coração, para que te não tema-mos?"
(63,17).
7. O caso não é sem solução. O autor entrevê uma saída,
pois Deus vai ao encontro de quem pratica a justiça com
alegria e de quem, nos seus caminhos, se lembra dele (cf.
64,5). É preciso, portanto, que o povo se deixe modelar
novamente pelo Pai, sendo como barro nas mãos do oleiro,
pois "somos todos obra de tuas mãos" (64,8). Este versícu-lo
recorda a narração javista da criação (Gn 2,7). Nas mãos
de Deus, deixando-se trabalhar por ele, o povo irá reencon-trar
o caminho da vida, pois "é nos caminhos de outrora
que seremos salvos" (64,5). O povo continua tendo espe-rança
de que Deus, por ser Pai e Redentor, irá novamente
dar atenção a seus servos (63,17), fender o céu e descer
(64,1a) e ir ao encontro de quem pratica a justiça (64,5a).
O silêncio de Deus é só aparência, pois ele está sempre
disposto a refazer, com os que praticam a justiça, a criação
de nova realidade.
Evangelho (Mc 13,33-37): Deus está sempre chegando
8. O capo 13 de Marcos é um discurso escatológico (ins-pirador
de Mt 24). O motor desse capítulo é a pergunta que
os discípulos fazem a Jesus depois que este afirmou não
ficar do Templo pedra sobre pedra (13,2). Eles querem
saber "quando vai acontecer isso, e qual será o sinal de que
essas coisas estarão para acabar" (v. 4). Jesus não está
interessado em satisfazer a curiosidade dos seus seguidores
a respeito da destruição do Templo nem em relação ao
final dos tempos. Mostra, ao contrário, mediante uma
comparação, qual é a atitude fundamental de quem espera:
a vigilância. De fato, o trecho em questão repete quatro
vezes o verbo vigiar, fornecendo também seu significado.
9. Em primeiro lugar, constata-se a impossibilidade de se
conhecer a hora, pois o fim de tudo não é algo pré-datado
nem detectável mediante cálculos: "Estai de sobreaviso,
vigiai [e orai]; porque não sabeis quando será o tempo" (v.
33).
10. Em segundo lugar, vem a comparação (v. 34). Ela fala
de um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou a
casa sob a responsabilidade dos empregados, distribuindo
2. a cada um sua tarefa; e mandou o porteiro ficar vigiando.
Jesus se compara a alguém que viajou e pode chegar a
qualquer hora. Antes de viajar, confiou ao porteiro e aos
empregados a administração da casa. Quais são os bens
que Jesus confiou a cada um de nós? Certamente a tarefa
de continuar o que ele iniciou, baseada no serviço (cf. 9,35
e 10,44) que liberta as pessoas e a sociedade inteira das
estruturas alienantes geradoras de morte.
11. A comparação dá ênfase ao papel do porteiro, perso-nagem
que lembra logo as lideranças das comunidades. A
função do porteiro é igual à dos empregados: vigiar. Po-rém,
ele não deve fazer tudo sozinho: simplesmente coor-dena
as tarefas e estimula a cada um dos empregados a
exercê-la com responsabilidade. Para Jesus, todos são
responsáveis pela "casa" que é o mundo, cada qual com
sua função específica.
12. O que significa, então, vigiar? Em primeiro lugar, não
é atitude passiva de espera, mas ação concreta de quem se
sente responsável, junto com tantos outros, pela "casa" de
Deus... Em outras palavras, vigiar é testemunhar a ação e
presença de Deus no meio das pessoas (no mundo). Isso
porque, diante do projeto de Deus, que é liberdade e vida
para todos, os seguidores de Jesus podem se acomodar:
quer "tirando o corpo fora" diante dos compromissos e
acomodando-se com o presente, quer desanimando quando
a vitória sobre a injustiça e a morte parece impossível.
13. Não sabemos quando o dono da casa vai voltar: pode
ser ao anoitecer, à meia-noite, de madrugada ou ao ama-nhecer
(v. 35). Esse era o modo como se dividia a noite de
acordo com o costume romano. Durante a noite inteira, que
é o hoje da nossa história, somos convocados a não dormir:
"Se ele vier de repente, não deve encontrá-los dormindo"
(v. 36). "Dormir" não é só ignorar a volta do patrão, mas
sobretudo relaxar no compromisso com o projeto de Deus.
A comparação que Jesus usou dá a impressão de que o
dono da casa está para chegar a qualquer hora, e a atitude
básica dos discípulos-empregados é a de espera ativa que
vai construindo em nossa sociedade o Reino de Deus. Isso
não vale somente para algumas pessoas, e sim para todos
os que entram em contato com o projeto de Deus: "O que
digo a vocês, digo a todos: Fiquem vigiando" (v. 37).
2ª leitura (1Cor 1,3-9): Chamados à comunhão plena
com Jesus Cristo
14. Os versículos que servem de segunda leitura para este
domingo pertencem à introdução da primeira carta aos
Coríntios. Nessa introdução, além de exprimir o desejo de
que a graça e a plenitude dos bens divinos estejam com os
que abraçaram a fé (v. 3), Paulo manifesta seu agradeci-mento
a Deus pela graça concedida a essas comunidades
por meio de Cristo Jesus (v. 4). Este se tornou, para os
coríntios, o mediador de todos os bens que o Pai desejava
comunicar. De fato, em Cristo os coríntios foram enrique-cidos
em tudo, em toda a palavra e em todo o conhecimen-to
(v. 5), de modo que o testemunho de Cristo, ou seja, o
Evangelho, lançou raízes profundas nessa comunidade (v.
6).
15. As comunidades de Corinto eram muito ricas em pala-vra
e conhecimento. A palavra recorda as intervenções
espontâneas das pessoas nos encontros litúrgicos. Essas
intervenções eram movidas pelo Espírito Santo. O conhe-cimento
é um dom que o Espírito concede a algumas pes-soas.
Por meio desse dom, as comunidades vão descobrin-do
o projeto de Deus na sua caminhada. Os coríntios gos-tavam
desses e dos outros dons do Espírito, a ponto de
Paulo constatar que não lhes falta nada (v. 7a). É costume
de Paulo, na introdução das cartas, esboçar já alguns dos
temas que desenvolverá no corpo da mesma. É o que acon-tece
com a questão dos carismas em 1Cor. Desde a intro-dução,
porém, ele dá a entender que os carismas não são
fim em si mesmos. Ao contrário, são instrumentos para a
caminhada, enquanto as comunidades esperam a revelação
de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 7b), ou seja, a plenitude
dos tempos. A questão dos carismas esquentara os ânimos
nessas comunidades, pois as pessoas que possuíam os dons
mais vistosos consideravam-se satisfeitas e acabadas, co-mo
se as comunidades de Corinto – ou qualquer comuni-dade
de nossos dias – pudessem se considerar modelo
histórico de perfeição. Mais adiante Paulo ironiza a posi-ção
dos "perfeitos": "Vocês já estão ricos e satisfeitos e se
sentem reis sem nós" (4,8). Desde a introdução ele procura
iluminar essa questão, afirmando que os dons ou carismas
são resultado da gratuidade de Deus (cf. v. 5). Por isso não
há razão para contar vantagem, nem motivo para deixar de
caminhar ou crescer.
16. Ser comunidade é estar em contínua tensão para o
futuro: "Ele manterá vocês firmes até o fim, livres de qual-quer
acusação no dia de nosso Senhor Jesus Cristo" (v. 8).
O tempo presente, portanto, é tempo de construir. A co-munidade
cristã tem um passado e um presente, além de
um futuro ainda não manifesto, para o qual é chamada pelo
Deus fiel. Negar ou desprezar um desses aspectos é negar a
própria ação do Deus fiel no passado, no presente e no
futuro da comunidade, pois a meta à qual fomos chamados
é a da plena comunhão com Jesus Cristo (cf. v. 9). Aí se
manifesta a fidelidade total de Deus: quando Cristo for
tudo em todos. Enquanto isso não acontecer, precisamos
caminhar rumo à vocação comum a todos: a da plena co-munhão
com Deus. Isso deve nos manter continuamente
vigilantes (cf. evangelho), pois a Igreja jamais poderá se
considerar modelo histórico de perfeição.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
17. Advento é tempo de despertar. Deus não está incomunicável. Seu silêncio prepara a grande manifesta-ção,
pois ele é Pai e Redentor. Os sofrimentos do povo e os aparentes silêncios de Deus terão uma resposta.
Nossas esperanças não irão ser frustradas. É preciso que as comunidades se deixem modelar pelo projeto de
Deus, como o barro se deixa transformar nas mãos do oleiro (1ª leitura: Is 63,l6b-17;64,1.3b-8). Deixar-se
modelar é sentir-se responsáveis e coresponsáveis pela "casa" de Deus..., não relaxando no compromisso
com a construção de uma sociedade baseada na justiça e na fraternidade (evangelho: Mc 13,33-37). Nossas
comunidades são ricas em dons e serviços. Mas nenhuma delas pode se considerar modelo histórico de per-feição.
O que já somos não é tudo, visto que caminhamos em direção à comunhão plena com Jesus Cristo
(2ª leitura: 1Cor 1,3-9).