O documento resume uma pesquisa sobre as relações entre crianças e natureza em uma escola de Educação Infantil. A pesquisa identificou que embora a natureza estivesse fisicamente presente na escola, as crianças raramente tinham contato com ela. As atividades eram abstratas e focadas nos "trabalhinhos", em vez de permitir a fruição e experimentação da natureza.
2. Pesquisa realizada em 2009 – dissertação.
Vinculada ao grupo de pesquisa INFOC.
Objeto de estudo: relações entre crianças e natureza.
Objetivos:
identificar as práticas escolares que envolvem a natureza na
Educação Infantil;
compreender se essas práticas favorecem a construção de
relações subjetivas de proximidade e pertencimento das
crianças com a natureza;
perceber se a concepção das crianças acerca da natureza é
coerente com a forma pela qual esta é apresentada pela
escola.
3. Realizada em uma escola de Educação Infantil pública de
um município da região metropolitana do Rio de Janeiro.
critérios para a escolha da escola.
Principais interlocutores teóricos: Felix Guattari, Edgar
Morin, Humberto Maturana, Henri Wallon e William
Corsaro.
Estratégias metodológicas:
Observação sistemática do cotidiano escolar de uma turma
de crianças de 4 anos;
Oficina com as crianças;
Questionário e entrevista com a equipe da Divisão de
Educação Infantil da Secretaria de Educação (vinculados à
pesquisa do grupo INFOC).
4. O ser humano é constituído por três dimensões
indissociáveis: afetiva, cognitiva e motora – Wallon.
Conhecimento não é representativo, mas sim corpóreo:
inclui, além da cognição, as sensações corporais e os
sentimentos vivenciados – Maturana.
Educação como processo que ocorre num “espaço de
convivência” - implica um ambiente acolhedor e de
reconhecimento da alteridade – Maturana.
Crianças são produzidas na cultura e produtoras de
cultura: se apropriam da cultura do mundo em que vivem e
contribuem de forma criativa e inovadora para a sua
produção e transformação – Corsaro.
5. Prédios
Área da escola
Praça
Brinquedos (escorrega, balanço
e gangorra)
Canteiro de plantas
Parquinho
Quadra de esportes
Espaço coberto
Portão de entrada
da escola
Ponto de ônibus
Bancos de cimento
Fonte: Googlemaps
6. “Os trabalhinhos”
Folhas mimeografadas, frequentemente voltadas à
alfabetização e caligrafia.
Atividades que não possibilitam a expressão da criatividade e
da singularidade.
Crianças cerca de 3 horas diárias sentadas fazendo
“trabalhinhos”: concepção de aprendizado mental, que
precisa de concentração e do corpo contido – o que, segundo
Wallon, dificulta o aprendizado.
Caráter preparatório para o Ensino Fundamental.
Educação Infantil como local de trabalho – brincadeira em
segundo plano.
7. “Perder o direito”
[Indo da sala para o refeitório] A Professora fala para as crianças:
“Se vocês se comportarem no almoço, comerem tudinho e sem
bagunça, a Tia leva vocês no parquinho depois. O que aconteceu
ontem? Vocês fizeram bagunça e a Tia não levou vocês no
parquinho. Combinado?” A crianças respondem em coro:
“Combinado!” [Permaneço na sala escrevendo, enquanto a turma
desce para almoçar.] Ouço a Professora falar: “P.A. e M.P., vocês
acabaram de perder o direito de ir no parquinho!” (DC, 10/07/09)
8. Fundamental na compreensão do funcionamento da
instituição.
Estratégia corriqueira para punir um comportamento
inadequado e pode ser: não brincar no pátio, permanecer
na escola após o horário ou ficar de pé ao lado da
Professora por tempo indefinido.
Estar no pátio não é percebido como direito, mas como um
prêmio que as crianças devem fazer por merecer,
comportando-se da forma esperada.
9. Consequências para além do momento: influência na
constituição da subjetividade das crianças - na forma como
se veem perante o mundo e na visão de que direito está
vinculado a mérito ou castigo.
Estar em contato com a natureza é direito das crianças,
porém neste contexto brincar e estar no pátio não são
atividades diárias.
10. Natureza presente, mas ausente: a presença física na escola
não garante que as crianças tenham contato.
De 32 dias de observações, em 11 as crianças estiveram no
pátio.
Observações realizadas de 2ª a 6ª feira: não estiveram no
pátio em nenhum momento.
Paradoxalmente, com frequencia a natureza aparece nos
“trabalhinhos” mimeografados: borboletas, flores, legumes
etc. (representados de forma antropomorfizada)
11. [Na sala] As crianças faziam um desenho, como atividade de preparação
para a festa de aniversário da escola, que aconteceria na Semana de Meio
Ambiente. A Professora e as crianças estão sentadas em suas mesas. A
Professora pergunta:
- “O que tem no meio ambiente?”
- “Animal!”
- “Sol forte!”
- “Planta!”
- “Raiz!”, respondem as crianças.
- “E o que mais? O que mais tem no meio ambiente?”
À medida que terminam os desenhos as crianças vão até a mesa da
Professora mostrar suas produções. Ao ver alguns desenhos, a Professora
fala:
- “Só tem sol? Ah, mas eu quero mais coisas nesse meio ambiente, tá muito
fraquinho... o sol fica embaixo ou em cima?” (DC, 01/06/09)
12. Atividade abstrata: faz sentido para crianças de 4 anos?
A natureza a serviço da atividade pedagógica – perspectiva
utilitária.
Representação do ambiente X estar no ambiente
O contato das crianças com a natureza contribui para que
elas aprendam.
Importância de possibilitar às crianças experiências de
observação e fruição: tocar, sentir, apreciar, ouvir, observar,
cheirar, saborear são ações importantes para a construção do
conhecimento.
13. Cartaz exposto na escola:
“Água é fonte de vida; Sem ela não dá pra viver; Mas se houver
desperdício; Já sabemos o que vai acontecer; Vai faltar água pra
beber; Vai falta água pra lavar; Vai faltar água pras plantas; Por
isso vamos economizar.”
Importância da presença do tema do esgotamento dos
recursos naturais na escola.
Perspectiva utilitarista.
14. Postura antropocêntrica: argumentos se restringem à
sobrevivência do ser humano (não mencionam a natureza
como fundamental para a preservação de todas as
espécies).
Valor da natureza X valor na natureza. (Grun)
Ética secundária, administrativa e utilitarista: a natureza
deve ser preservada em função das necessidades humanas.
Necessidade de ética primária: considere o valor intrínseco à
natureza.
15. Plantio realizado na praça:
Atividade não colocou as crianças como protagonistas:
posicionadas em filas, covas feitas anteriormente pelo
servente, ações diretivas.
[Orientadora conversa com as crianças sobre o plantio]: “Vocês
acreditam que dessa semente nasce uma plantinha? E pode
arrancar as folhinhas? O que tem que fazer para a plantinha
crescer?”
“Quando vocês chegarem na escola, tem de passar e dar bom dia para
a plantinha! Tem de ver se ela está bem. Agora vamos aplaudir as
plantinhas! Agora vamos dar tchau para as plantinhas!” (DC,
02/06/09)
16. Plantar: atividade que inclui corpo, sensações, afeto e
experimentação.
Mas como foi feita?
Perguntas feitas às crianças: Conotação pedagógica
(Barbosa, 2004) - conteúdo a ser ensinado que precisa ser
sistematizado.
Atividade pontual: as crianças não retornaram ao canteiro
nos 6 meses subsequentes - a questão não é acreditar que
daquela semente nasça uma planta, mas sim acompanhar
esse processo.
Lógica de fragmentação do conhecimento X perspectiva da
complexidade (Morin).
17. Destacar a importância da presença do tema da crise
ambiental na Educação Infantil.
Problematizar a forma como esse tema aparece: pensar
função social da educação, qual o norte?
Estamos educando quem, para quê? O que queremos com
essa educação? O que fazemos é coerente com o que
desejamos?
Função da Educação Infantil: que as crianças aprendam a
viver, a se relacionar e a conhecer o mundo*.
Enquanto primeira instituição pública da qual as crianças
fazem parte, tem imensa responsabilidade na mediação da
construção das relações da criança com o mundo.
18. Guattari: necessidade de educação que contribua para a
construção de relações subjetivas criativas do ser humano
consigo, com os outros seres humanos e com a natureza.
Superação de:
estereótipos;
postura antropocêntrica;
Caráter pontual das atividades de Educação Ambiental -
concepção fragmentada de conhecimento; que não
privilegiam a atribuição de significados pelas crianças e,
portanto, não colaboram para a construção de um sentimento
de pertencimento em relação à natureza.
Perspectiva utilitarista da natureza.
19. Agir na perspectiva de:
ética primária, que considere o valor intrínseco à natureza
(Grün).
Consideração da cognição, corpo (sensações) e afetividade
como dimensões constituidora do humano. (Wallon e
Maturana)
Possibilitar às crianças experiências de observação e fruição
– apreciação estética.
Garantia dos direitos das crianças: movimentar-se em
espaços amplos, correr, pular, brincar, estar e, contato com a
natureza, desenvolver sua curiosidade, imaginação,
capacidade de expressão. (Campos e Rosenberg)
20. Ensinar às crianças seus “endereços ecológicos”.
Da lógica de competição para a de cooperação e
solidariedade.
Situação incongruente:
Questão ambiental: cada dia mais urgente e cada vez mais
presente nas escolas...
... Continua-se a reproduzir nas atividades escolares uma
forma inadequada de relação com a natureza, que não
contempla nem a apreciação estética, nem o cuidado, nem
o afeto.
Notas do Editor
INFOC – Infância, Formação e Cultura – coord. Profa. Sonia Kramer – PUC-Rio.
Critérios de escolha da escola: espaço físico privilegiado e que realizasse atividades de educação ambiental. Interlocutores: Guattari, Morin e Maturana (do campo da educação ambiental); wallon (psicologia/educação) Corsaro (sociologia da infância). Pesquisa do grupo INFOC: pesquisa quantitativa e qualitativa, macro e micro, com objetivo de conhecer a situação da Educação Infantil no Est. do Rio de Janeiro 15 anos após a LDB e 10 anos após a realização de pesq. com este mesmo objetivo.
Ressaltar os elementos naturais.
Esta apresentação é um recorte da pesquisa, que traz mais elementos para se pensar as relações entre crianças e natureza e de que forma a natureza e as ações de educação ambiental são pensadas na/pela escola e apresentadas às crianças.
Natureza presente fisicamente, mas crianças sem contato. Esses dados quantitativos por si só são relevantes. Parecem corroborar o lugar menor destinado à brincadeira e à vivência da infância, em detrimento do ensino, do que é considerado pedagógico. Antropomorfizada = com rostos e expressões humanas.
Explicar o plantio! Cças em fila Posicionadas em frente às covas Algumas não plantaram (pois não alcançavam o canteiro) – preocupação com a sujeira (tese da léa – percepção da natureza como lugar da sujeira,m da doença e do incontrolável)
A despeito do processo de aceleração para o Ensino Fundamental que temos acompanhando (e lutado contra) acontecer.