SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 7
Baixar para ler offline
REFLEXOS DA CORTE DE D. JOÃO VI
                         EM GUARATINGUETÁ




                                      1808-2008



      Em 1808, a vila de Guaratinguetá era tipicamente rural e o seu núcleo urbano
circunscrito ao atual centro da cidade, entre o porto do rio do Paraíba, o ribeirão dos
Motas e o São Gonçalo.

      A atividade econômica mais expressiva era a cana-de-açúcar (83 engenhos),
cultivada principalmente nos bairros da Capela, Ribeirão de Guaratinguetá, Potim e
Jararaca, vindo depois a pecuária (cavalar, vacum, suína e muares), o transporte de
tropas, o comércio (próximo ao entorno urbano), o plantio de subsistência (mandioca,
milho e feijão) e, por último, o café, que começava a despontar em algumas
propriedades agrícolas.

      A política e a administração estava nas mãos do “Senado da Câmara”
(Câmara Municipal), formado por agricultores e senhores de engenho de prestígio.

      Sob essa perspectiva é que Guaratinguetá, assim como o Brasil, viveu a
chegada da Corte de Dom João VI no Rio de Janeiro. Nessa época, o trono de
Portugal não era ocupado por um rei, mas por um príncipe Regente. Dom João
reinava em nome de sua mãe, D. Maria I, declarada insana e incapaz e governar. A
fuga da família real para o Rio de Janeiro ocorreu num dos momentos mais
apaixonates e revolucionários do Brasil, de Portugal e do mundo. Sobre essa fuga,
assim se referiu Napoleão sobre Dom João VI, em suas memórias, escritas pouco
antes de morrer no exílio na Ilha de Santa Helena: “foi o único que me enganou”,
deixando Portugal e partindo para o Brasil (GOMES, p. 27).
Nos dias que antecederam a chegada da família real, houve uma intensa
movimentação em torno do acontecimento, muito comum nos dias considerados
importantes, principalmente quando dizia respeito à passagem de autoridades,
nascimento, morte e aniversário de pessoas da Casa Real, e festas religiosas. Assim,
por recomendação do governo da Capitania de São Paulo, representado pelo Capitão-
General Antônio José da Franca e Horta, foi expedida Carta Circular aos Capitães
Mores, assim expressa: “Paulistas, o Vosso Principe, acha-se na Capital do Estado,
Elle vem felicitar-vos; mas depende pr. emqto. do vosso auxilio; fazei-lhe ver a
nobreza, e Candura dos vossos Corações [...] acrescentando que “em tão
extraordinarias circusntancias se faz preciso socorrer, e auxiliar a Capital do
Estado” [...] enviando de imediato gêneros e mantimentos, como as boiadas que
havia no pasto, toucinho, carne de porco, feijão e milho, como ordenara o governo
(Documentos Interessantes, LVII, p. 235-237).

      A Câmara Municipal de Guaratinguetá também expediu ordens para que as
casas fossem caidas na frente e iluminadas à noite, e com certeza, também teve um
emissário enviado para a sede do Vice-Reino, com a finalidade de ser o portador de
documento de felicitações ao Principe Regente (1).        A exemplo dos costumes
religiosos da época, o governo da Capitania determinou ao Bispo de São Paulo que
ordenasse a realização de preces públicas em todas vilas (Documentos Interessantes,
LVII, p. 228) e missas de ação de graças (Te-Deum) ensejando uma feliz viagem ao
Regente (FLEURY, 1979: 503).

      Nesse contexto, é que D. João VI, entre as medidas que tomou, distribuiu
títulos e mercês aos homens que viviam da governança, de negócios (grandes
comerciantes) e da religião (padres), espalhados por todo o país, com a intenção de
consolidar ainda mais o seu prestígio e obter apoio para as reformas que viriam.

      No Vale do Paraíba, o princípe regente distribuiu inúmeros títulos de
comendador do Hábito de Cristo a moradores da região, logo nos primeiros meses do
ano (Ordens Régias – Códice 128 – Livro 12): em São Luiz do Paraitinga, ao Vigário
Antônio Flávio de Carvalho Reis (o primeiro na região, em 24/06/1808), ao Capitão
Mor José Gomes de Gouvêa (05/08/1808); em Areias, ao Vigário Manuel Teixeira de
Azevedo; em Pindamonhangaba, ao Vigário Luiz Justino Velho Columbreiro; em
Cunha, ao Sargento Mor Luiz Manuel de Andrade, e ao Capitão Antônio José de
Macedo Sampaio (11/08/1808). De Guaratinguetá, o único foi o vigário da vila de
Cunha, o Padre Antônio Galvão Freire, filho do Alferes Francisco Nabo Freire e de
sua mulher, Francisca Xavier de França (irmã do Santo Frei Galvão), ricos senhores
de engenho na região do Morro Vermelho e no bairro do Potim.

      Na década de 1810, receberam a mesma mercê, Inácio de Loyola Freire Bueno
(12/10/1812), capitão reformado das milícias da vila de Cunha, natural de
Guaratinguetá (irmão do Padre Antônio Galvão Freire) e o Padre Bento Cortez de
Toledo, vigário da vila de Taubaté (11/03/1809). Anos mais tarde, tornando praxe
fazer construir no Brasil uma nobreza titulada, principalmente durante o 2º Império,
receberam também, a Ordem de Cristo, entre outros: o Vigário Manuel da Costa
Pinto (29/08/1842), o Capitão João de Moura Fialho (02/03/1844), e o Capitão Mor
Manuel José de Mello, por contribuirem para a “ordem nas províncias”, durante a
Revolução Liberal de 1842 (Ordens Honoríficas – Caixa 787 – fundo 69).

      No âmbito econômico da região e da vila de Guaratinguetá, as medidas
tomadas pelo Regente tiveram resultados a curto prazo e longo prazo, e mesmo assim
não abrangentes em termos coletivos.

      Com a abertra dos portos, a quebra do monópolio de determinados produtos e o
término das restrições impostas para exportação, a pequena parcela de grandes
proprietários do Vale do Paraíba e de Guaratinguetá, obtiveram maior facilidade e
rentabilidade para exportar os principais produtos tropicais, que já vinha ocorrendo,
mas em menor escala, proporcionando, desse modo, o aumento e diversificação das
atividades econômicas, principalmente as ligadas ao comércio de tropas, ao
transporte de cargas e ao tráfico de escravos, e montando uma estrutura que serviria
de base para a passagem da cana-de-açúcar para o café, quando realmente aconteceria
um boom na economia da região, quando houve aumento no plantel de escravos e a
sofisticação e o luxo chegaram em algumas casas e chácaras através da importação de
produtos da Europa, principalmente da Inglaterra, com quem o Brasil foi obrigado a
firmar acordos comerciais.

      De inicio, em Guaratinguetá, as exportações mais significativas foram o açucar
e a aguardente, em parte enviados para o Rio de Janeiro, e dali vendidos, por grandes
comerciantes, para o exterior. Na vila teve grande destaque o Engenho da Conceição,
do Capitão Mor Manuel José de Melo, como o maior produtor do genêro.

      As importações, também praticadas anteriormente, tiveram uma mudança de
eixo, entrando na região produtos de origem inglesa, em detrimento dos franceses e
locais, estes produzidos e consumidos pela maioria da população residente.

      Por conta dessas mudanças, surgiu, também, a possibilidade para diversificar
as atividades para além da agricultura. Com a vinda da família real, a praça do Rio de
Janeiro solidificou sua importância como o principal porto e eixo econômico do país,
e tal espectro beneficiou imensamente a exploração do comércio, atraindo, sob risco,
muitos individuos da região de Guaratinguetá e Cunha, como o Alferes José Monteiro
Silva, que trabalhou de 1809 a 1821 no comércio carioca, estabelecendo-se,
posteriormente, em Guaratinguetá, montando uma bem sucedida rede de comércio
baseado em sua loja de “fazendas”, em sociedade com o genro, Antônio Tertuliano
dos Santos, outro comerciante residente no Rio.

      Em sua residência mantinha, em 1827, a loja comercial, que vendia produtos
de diversas categorias e procedências, como objetos de vidro, prata, porcelana e
material para agricultura,. Mantinha, ainda, um excelente atendimento para tropas
que circulavam pela antiga estrada Rio-São Paulo, assim como, uma rede clientelar
de crédito, tropas para transporte das mercadorias e agentes para a venda dos
produtos em diversos locais da região. Os chefes de famílias mais opulentos da vila,
ao mesmo tempo que se utilizavam da produção local, como roupas de algodão
usadas no cotidiano, levavam para casa, também, a sofisticação representada por
talheres, sopeiras, terrinas, pratos ricamente desenhados, lençóis e travesseiros de
seda, bules e conjunto de xícaras, etc.

      No plano social, para a maioria da sociedade guaratinguetaense, que no período
contava com cerca de 10.000 habitantes, em boa parte escravos, as mudanças foram
poucas, pois a preocupação com a sobrevivência alimentar era a única possibilidade
naquele cotidiano. A maior parte continuava na prática da pequena agricultura de
subsistência, na produção do artesanato, no cultivo do algodão, na venda de beira de
estrada, nos serviços de jornaleiro, carpinteiro, seleiro, etc. As casas urbanas
permanceram simples, sem maior requeinte interno e os sítios e pequenas fazendas
agrícolas e de criar animais estariam em mãos próprias, alheias ou aforadas,
mantendo, assim, a complexa rede de diferenças e dependência entre as diversas
camadas da população, predominando aqueles que já haviam conseguido algum
patrimônio durante a segunda metade do século XVIII.

      A situação só vai apresentar melhorias com o plantio do café, iniciado nas
primeiras décadas do século XIX.

      Quanto ao príncipe regente, sua aclamação como Rei, com o título de Dom
João VI, só aconteceu em 1816, dois anos após a morte da mãe e oito depois da
chegada ao Brasil.

      Voltando para Portugal, em 1821, deixou no Brasil seu filho, o Príncipe Dom
Pedro, futuro Imperador do Brasil.

                                                         Joaquim Roberto Fagundes

                                          NOTAS



(1) Infelizmente não existe a ata da Câmara Municipal de Guaratinguetá referente ao
ano de 1808, onde poderíamos constatar as medidas tomadas para marcar o evento.
(2) A maior parte da população não tinha acesso às novidades, e utilizavam-se de
produtos da terra, feito por artesãos, principalmente por mulheres que viviam de fiar
algodão e por homens que trabalhavam com o barro.



                                 REFERÊNCIAS



Fontes Primárias



Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Ordens Régias e Honoríficas .

Museu Frei Galvão/Arquivo Memória de Guaratinguetá. Inventários e Testamentos
do 1º Ofício.



Bibliografia



ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Documentos Interessantes para a
História e Costumes de São Paulo. Edição do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo, 1937.

CALDEIRA, Jorge. A nação Mercantilista: Ensaio sobre o Brasil. São Paulo:
Editora 34, 1999.

COELHO, Lucinda Coutinho de Mello. Ensaio Sócio-Econômico de Áreas
Valeparaibanas. Rio de Janeiro: Asa Artes Gráficas, 1984.

FAUSTO, Bóris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do
Estado, 2002.
GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma
corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do
Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil Ltda., 2007.



Nota: O desenho de Dom João VI foi extraído do logotipo criado pela Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro para as comemorações dos 200 anos da chegada de Dom
João VI ao Brasil. O texto é uma homenagem do Museu Frei Galvão ao evento.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Espírito santo república - 2M3 , G3
Espírito santo república - 2M3 , G3Espírito santo república - 2M3 , G3
Espírito santo república - 2M3 , G3Guilherme da Silva
 
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa genteMato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa genteJanicélia Feijó Garcia
 
História de Goiás
História de GoiásHistória de Goiás
História de Goiásprofrogerio1
 
2. a economia no brasil imperial
2. a economia no brasil imperial2. a economia no brasil imperial
2. a economia no brasil imperialdayvidprofessor
 
História de MT - considerações gerais
História de MT -  considerações geraisHistória de MT -  considerações gerais
História de MT - considerações geraisEdenilson Morais
 
A crise feudal e a ascensão dos estados modernos
A crise feudal e a ascensão dos estados modernosA crise feudal e a ascensão dos estados modernos
A crise feudal e a ascensão dos estados modernosEdenilson Morais
 
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...Marco Aurélio Gondim
 
G2 - 2M5 - Espírito Santo Imperial
G2 - 2M5 - Espírito Santo ImperialG2 - 2M5 - Espírito Santo Imperial
G2 - 2M5 - Espírito Santo ImperialYara Ribeiro
 
2º ano mineração e inconfidência mineira
2º ano   mineração e inconfidência mineira2º ano   mineração e inconfidência mineira
2º ano mineração e inconfidência mineiraDaniel Alves Bronstrup
 
Rio Grande do Sul
Rio Grande do SulRio Grande do Sul
Rio Grande do SulCooltiva-te
 
Revista de história
Revista de históriaRevista de história
Revista de históriamahhhluiza
 

Mais procurados (17)

Espírito santo república - 2M3 , G3
Espírito santo república - 2M3 , G3Espírito santo república - 2M3 , G3
Espírito santo república - 2M3 , G3
 
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa genteMato grosso do sul-Nossa história nossa gente
Mato grosso do sul-Nossa história nossa gente
 
História de Goiás
História de GoiásHistória de Goiás
História de Goiás
 
Erva mate no mato grosso do sul
Erva mate no mato grosso do sulErva mate no mato grosso do sul
Erva mate no mato grosso do sul
 
2. a economia no brasil imperial
2. a economia no brasil imperial2. a economia no brasil imperial
2. a economia no brasil imperial
 
História de MT - considerações gerais
História de MT -  considerações geraisHistória de MT -  considerações gerais
História de MT - considerações gerais
 
Historia de goiania
Historia de goianiaHistoria de goiania
Historia de goiania
 
A crise feudal e a ascensão dos estados modernos
A crise feudal e a ascensão dos estados modernosA crise feudal e a ascensão dos estados modernos
A crise feudal e a ascensão dos estados modernos
 
Revoltas do brasil colonial
Revoltas do brasil colonialRevoltas do brasil colonial
Revoltas do brasil colonial
 
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...
História do Mato Grosso do Sul - Erva-mate. Prof. Marco Aurelio Gondim. www.m...
 
G2 - 2M5 - Espírito Santo Imperial
G2 - 2M5 - Espírito Santo ImperialG2 - 2M5 - Espírito Santo Imperial
G2 - 2M5 - Espírito Santo Imperial
 
2º ano mineração e inconfidência mineira
2º ano   mineração e inconfidência mineira2º ano   mineração e inconfidência mineira
2º ano mineração e inconfidência mineira
 
História do Paraná
História do ParanáHistória do Paraná
História do Paraná
 
Rio Grande do Sul
Rio Grande do SulRio Grande do Sul
Rio Grande do Sul
 
Revoltas e Conspirações Coloniais
Revoltas e Conspirações ColoniaisRevoltas e Conspirações Coloniais
Revoltas e Conspirações Coloniais
 
HP
HPHP
HP
 
Revista de história
Revista de históriaRevista de história
Revista de história
 

Semelhante a Reflexos da chegada da Corte de D. João VI em Guaratinguetá entre 1808-1808

Chegada da família real ao brasil
Chegada da família real ao brasilChegada da família real ao brasil
Chegada da família real ao brasilGeová da Silva
 
Espírito santo colonial
Espírito  santo colonialEspírito  santo colonial
Espírito santo colonialYara Ribeiro
 
A américa portuguesa e a presença holandesa
A américa portuguesa e a presença holandesaA américa portuguesa e a presença holandesa
A américa portuguesa e a presença holandesaPatrícia Sanches
 
Segundo Império - Economia.pptx
Segundo Império - Economia.pptxSegundo Império - Economia.pptx
Segundo Império - Economia.pptxvaleria908734
 
Capítulo 8-Independência do Brasil.ppt
Capítulo 8-Independência do Brasil.pptCapítulo 8-Independência do Brasil.ppt
Capítulo 8-Independência do Brasil.pptBetoFonseca8
 
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.ppt
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.pptA Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.ppt
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.pptRenataRodrigues504820
 
Revoltas Regenciais- farrapos.pdf
Revoltas Regenciais- farrapos.pdfRevoltas Regenciais- farrapos.pdf
Revoltas Regenciais- farrapos.pdfoobetimm
 
Revisão de história 2º ano 2º bimestre
Revisão de história 2º ano 2º bimestreRevisão de história 2º ano 2º bimestre
Revisão de história 2º ano 2º bimestreeunamahcado
 
Mineração e Crise do Sistema Colonial
Mineração e Crise do Sistema ColonialMineração e Crise do Sistema Colonial
Mineração e Crise do Sistema ColonialJoão Medeiros
 
História do brasil, invasões holandesas e francesa
História do brasil, invasões holandesas e francesaHistória do brasil, invasões holandesas e francesa
História do brasil, invasões holandesas e francesaÓcio do Ofício
 
O empreendimento colonial na América portuguesa
O empreendimento colonial na América portuguesaO empreendimento colonial na América portuguesa
O empreendimento colonial na América portuguesajefersondutra08
 
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptx
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptxHISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptx
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptxMarsellus Cardousous
 
Cidade Do Rio De Janeiro
Cidade Do Rio De JaneiroCidade Do Rio De Janeiro
Cidade Do Rio De Janeiroecsette
 
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesa
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesaCap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesa
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesaGustavo Cuin
 
Revisão 8º ano - Família Real até Independência
Revisão 8º ano - Família Real até Independência Revisão 8º ano - Família Real até Independência
Revisão 8º ano - Família Real até Independência Janaína Bindá
 

Semelhante a Reflexos da chegada da Corte de D. João VI em Guaratinguetá entre 1808-1808 (20)

Chegada da família real ao brasil
Chegada da família real ao brasilChegada da família real ao brasil
Chegada da família real ao brasil
 
Espírito santo colonial
Espírito  santo colonialEspírito  santo colonial
Espírito santo colonial
 
A américa portuguesa e a presença holandesa
A américa portuguesa e a presença holandesaA américa portuguesa e a presença holandesa
A américa portuguesa e a presença holandesa
 
Segundo Império - Economia.pptx
Segundo Império - Economia.pptxSegundo Império - Economia.pptx
Segundo Império - Economia.pptx
 
Independência do Brasil
Independência do BrasilIndependência do Brasil
Independência do Brasil
 
Capítulo 8-Independência do Brasil.ppt
Capítulo 8-Independência do Brasil.pptCapítulo 8-Independência do Brasil.ppt
Capítulo 8-Independência do Brasil.ppt
 
3ão - Fim da Colonização
3ão - Fim da Colonização 3ão - Fim da Colonização
3ão - Fim da Colonização
 
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.ppt
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.pptA Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.ppt
A Corte portuguesa no Brasil o Reino Unido.ppt
 
A Corte portuguesa ppt.ppt
A Corte portuguesa ppt.pptA Corte portuguesa ppt.ppt
A Corte portuguesa ppt.ppt
 
Revoltas Regenciais- farrapos.pdf
Revoltas Regenciais- farrapos.pdfRevoltas Regenciais- farrapos.pdf
Revoltas Regenciais- farrapos.pdf
 
Nova friburgo
Nova friburgoNova friburgo
Nova friburgo
 
Revisão de história 2º ano 2º bimestre
Revisão de história 2º ano 2º bimestreRevisão de história 2º ano 2º bimestre
Revisão de história 2º ano 2º bimestre
 
Mineração e Crise do Sistema Colonial
Mineração e Crise do Sistema ColonialMineração e Crise do Sistema Colonial
Mineração e Crise do Sistema Colonial
 
História do brasil, invasões holandesas e francesa
História do brasil, invasões holandesas e francesaHistória do brasil, invasões holandesas e francesa
História do brasil, invasões holandesas e francesa
 
O empreendimento colonial na América portuguesa
O empreendimento colonial na América portuguesaO empreendimento colonial na América portuguesa
O empreendimento colonial na América portuguesa
 
Mato grosso
Mato grossoMato grosso
Mato grosso
 
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptx
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptxHISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptx
HISTORIA DE MATO GROSSO - UNEMAT.pptx
 
Cidade Do Rio De Janeiro
Cidade Do Rio De JaneiroCidade Do Rio De Janeiro
Cidade Do Rio De Janeiro
 
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesa
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesaCap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesa
Cap. 1 cap 12 1º ano ocupação portuguesa
 
Revisão 8º ano - Família Real até Independência
Revisão 8º ano - Família Real até Independência Revisão 8º ano - Família Real até Independência
Revisão 8º ano - Família Real até Independência
 

Reflexos da chegada da Corte de D. João VI em Guaratinguetá entre 1808-1808

  • 1. REFLEXOS DA CORTE DE D. JOÃO VI EM GUARATINGUETÁ 1808-2008 Em 1808, a vila de Guaratinguetá era tipicamente rural e o seu núcleo urbano circunscrito ao atual centro da cidade, entre o porto do rio do Paraíba, o ribeirão dos Motas e o São Gonçalo. A atividade econômica mais expressiva era a cana-de-açúcar (83 engenhos), cultivada principalmente nos bairros da Capela, Ribeirão de Guaratinguetá, Potim e Jararaca, vindo depois a pecuária (cavalar, vacum, suína e muares), o transporte de tropas, o comércio (próximo ao entorno urbano), o plantio de subsistência (mandioca, milho e feijão) e, por último, o café, que começava a despontar em algumas propriedades agrícolas. A política e a administração estava nas mãos do “Senado da Câmara” (Câmara Municipal), formado por agricultores e senhores de engenho de prestígio. Sob essa perspectiva é que Guaratinguetá, assim como o Brasil, viveu a chegada da Corte de Dom João VI no Rio de Janeiro. Nessa época, o trono de Portugal não era ocupado por um rei, mas por um príncipe Regente. Dom João reinava em nome de sua mãe, D. Maria I, declarada insana e incapaz e governar. A fuga da família real para o Rio de Janeiro ocorreu num dos momentos mais apaixonates e revolucionários do Brasil, de Portugal e do mundo. Sobre essa fuga, assim se referiu Napoleão sobre Dom João VI, em suas memórias, escritas pouco antes de morrer no exílio na Ilha de Santa Helena: “foi o único que me enganou”, deixando Portugal e partindo para o Brasil (GOMES, p. 27).
  • 2. Nos dias que antecederam a chegada da família real, houve uma intensa movimentação em torno do acontecimento, muito comum nos dias considerados importantes, principalmente quando dizia respeito à passagem de autoridades, nascimento, morte e aniversário de pessoas da Casa Real, e festas religiosas. Assim, por recomendação do governo da Capitania de São Paulo, representado pelo Capitão- General Antônio José da Franca e Horta, foi expedida Carta Circular aos Capitães Mores, assim expressa: “Paulistas, o Vosso Principe, acha-se na Capital do Estado, Elle vem felicitar-vos; mas depende pr. emqto. do vosso auxilio; fazei-lhe ver a nobreza, e Candura dos vossos Corações [...] acrescentando que “em tão extraordinarias circusntancias se faz preciso socorrer, e auxiliar a Capital do Estado” [...] enviando de imediato gêneros e mantimentos, como as boiadas que havia no pasto, toucinho, carne de porco, feijão e milho, como ordenara o governo (Documentos Interessantes, LVII, p. 235-237). A Câmara Municipal de Guaratinguetá também expediu ordens para que as casas fossem caidas na frente e iluminadas à noite, e com certeza, também teve um emissário enviado para a sede do Vice-Reino, com a finalidade de ser o portador de documento de felicitações ao Principe Regente (1). A exemplo dos costumes religiosos da época, o governo da Capitania determinou ao Bispo de São Paulo que ordenasse a realização de preces públicas em todas vilas (Documentos Interessantes, LVII, p. 228) e missas de ação de graças (Te-Deum) ensejando uma feliz viagem ao Regente (FLEURY, 1979: 503). Nesse contexto, é que D. João VI, entre as medidas que tomou, distribuiu títulos e mercês aos homens que viviam da governança, de negócios (grandes comerciantes) e da religião (padres), espalhados por todo o país, com a intenção de consolidar ainda mais o seu prestígio e obter apoio para as reformas que viriam. No Vale do Paraíba, o princípe regente distribuiu inúmeros títulos de comendador do Hábito de Cristo a moradores da região, logo nos primeiros meses do ano (Ordens Régias – Códice 128 – Livro 12): em São Luiz do Paraitinga, ao Vigário
  • 3. Antônio Flávio de Carvalho Reis (o primeiro na região, em 24/06/1808), ao Capitão Mor José Gomes de Gouvêa (05/08/1808); em Areias, ao Vigário Manuel Teixeira de Azevedo; em Pindamonhangaba, ao Vigário Luiz Justino Velho Columbreiro; em Cunha, ao Sargento Mor Luiz Manuel de Andrade, e ao Capitão Antônio José de Macedo Sampaio (11/08/1808). De Guaratinguetá, o único foi o vigário da vila de Cunha, o Padre Antônio Galvão Freire, filho do Alferes Francisco Nabo Freire e de sua mulher, Francisca Xavier de França (irmã do Santo Frei Galvão), ricos senhores de engenho na região do Morro Vermelho e no bairro do Potim. Na década de 1810, receberam a mesma mercê, Inácio de Loyola Freire Bueno (12/10/1812), capitão reformado das milícias da vila de Cunha, natural de Guaratinguetá (irmão do Padre Antônio Galvão Freire) e o Padre Bento Cortez de Toledo, vigário da vila de Taubaté (11/03/1809). Anos mais tarde, tornando praxe fazer construir no Brasil uma nobreza titulada, principalmente durante o 2º Império, receberam também, a Ordem de Cristo, entre outros: o Vigário Manuel da Costa Pinto (29/08/1842), o Capitão João de Moura Fialho (02/03/1844), e o Capitão Mor Manuel José de Mello, por contribuirem para a “ordem nas províncias”, durante a Revolução Liberal de 1842 (Ordens Honoríficas – Caixa 787 – fundo 69). No âmbito econômico da região e da vila de Guaratinguetá, as medidas tomadas pelo Regente tiveram resultados a curto prazo e longo prazo, e mesmo assim não abrangentes em termos coletivos. Com a abertra dos portos, a quebra do monópolio de determinados produtos e o término das restrições impostas para exportação, a pequena parcela de grandes proprietários do Vale do Paraíba e de Guaratinguetá, obtiveram maior facilidade e rentabilidade para exportar os principais produtos tropicais, que já vinha ocorrendo, mas em menor escala, proporcionando, desse modo, o aumento e diversificação das atividades econômicas, principalmente as ligadas ao comércio de tropas, ao transporte de cargas e ao tráfico de escravos, e montando uma estrutura que serviria de base para a passagem da cana-de-açúcar para o café, quando realmente aconteceria
  • 4. um boom na economia da região, quando houve aumento no plantel de escravos e a sofisticação e o luxo chegaram em algumas casas e chácaras através da importação de produtos da Europa, principalmente da Inglaterra, com quem o Brasil foi obrigado a firmar acordos comerciais. De inicio, em Guaratinguetá, as exportações mais significativas foram o açucar e a aguardente, em parte enviados para o Rio de Janeiro, e dali vendidos, por grandes comerciantes, para o exterior. Na vila teve grande destaque o Engenho da Conceição, do Capitão Mor Manuel José de Melo, como o maior produtor do genêro. As importações, também praticadas anteriormente, tiveram uma mudança de eixo, entrando na região produtos de origem inglesa, em detrimento dos franceses e locais, estes produzidos e consumidos pela maioria da população residente. Por conta dessas mudanças, surgiu, também, a possibilidade para diversificar as atividades para além da agricultura. Com a vinda da família real, a praça do Rio de Janeiro solidificou sua importância como o principal porto e eixo econômico do país, e tal espectro beneficiou imensamente a exploração do comércio, atraindo, sob risco, muitos individuos da região de Guaratinguetá e Cunha, como o Alferes José Monteiro Silva, que trabalhou de 1809 a 1821 no comércio carioca, estabelecendo-se, posteriormente, em Guaratinguetá, montando uma bem sucedida rede de comércio baseado em sua loja de “fazendas”, em sociedade com o genro, Antônio Tertuliano dos Santos, outro comerciante residente no Rio. Em sua residência mantinha, em 1827, a loja comercial, que vendia produtos de diversas categorias e procedências, como objetos de vidro, prata, porcelana e material para agricultura,. Mantinha, ainda, um excelente atendimento para tropas que circulavam pela antiga estrada Rio-São Paulo, assim como, uma rede clientelar de crédito, tropas para transporte das mercadorias e agentes para a venda dos produtos em diversos locais da região. Os chefes de famílias mais opulentos da vila, ao mesmo tempo que se utilizavam da produção local, como roupas de algodão usadas no cotidiano, levavam para casa, também, a sofisticação representada por
  • 5. talheres, sopeiras, terrinas, pratos ricamente desenhados, lençóis e travesseiros de seda, bules e conjunto de xícaras, etc. No plano social, para a maioria da sociedade guaratinguetaense, que no período contava com cerca de 10.000 habitantes, em boa parte escravos, as mudanças foram poucas, pois a preocupação com a sobrevivência alimentar era a única possibilidade naquele cotidiano. A maior parte continuava na prática da pequena agricultura de subsistência, na produção do artesanato, no cultivo do algodão, na venda de beira de estrada, nos serviços de jornaleiro, carpinteiro, seleiro, etc. As casas urbanas permanceram simples, sem maior requeinte interno e os sítios e pequenas fazendas agrícolas e de criar animais estariam em mãos próprias, alheias ou aforadas, mantendo, assim, a complexa rede de diferenças e dependência entre as diversas camadas da população, predominando aqueles que já haviam conseguido algum patrimônio durante a segunda metade do século XVIII. A situação só vai apresentar melhorias com o plantio do café, iniciado nas primeiras décadas do século XIX. Quanto ao príncipe regente, sua aclamação como Rei, com o título de Dom João VI, só aconteceu em 1816, dois anos após a morte da mãe e oito depois da chegada ao Brasil. Voltando para Portugal, em 1821, deixou no Brasil seu filho, o Príncipe Dom Pedro, futuro Imperador do Brasil. Joaquim Roberto Fagundes NOTAS (1) Infelizmente não existe a ata da Câmara Municipal de Guaratinguetá referente ao ano de 1808, onde poderíamos constatar as medidas tomadas para marcar o evento.
  • 6. (2) A maior parte da população não tinha acesso às novidades, e utilizavam-se de produtos da terra, feito por artesãos, principalmente por mulheres que viviam de fiar algodão e por homens que trabalhavam com o barro. REFERÊNCIAS Fontes Primárias Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Ordens Régias e Honoríficas . Museu Frei Galvão/Arquivo Memória de Guaratinguetá. Inventários e Testamentos do 1º Ofício. Bibliografia ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Edição do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1937. CALDEIRA, Jorge. A nação Mercantilista: Ensaio sobre o Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. COELHO, Lucinda Coutinho de Mello. Ensaio Sócio-Econômico de Áreas Valeparaibanas. Rio de Janeiro: Asa Artes Gráficas, 1984. FAUSTO, Bóris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado, 2002.
  • 7. GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil Ltda., 2007. Nota: O desenho de Dom João VI foi extraído do logotipo criado pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro para as comemorações dos 200 anos da chegada de Dom João VI ao Brasil. O texto é uma homenagem do Museu Frei Galvão ao evento.