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O Impressionismo Literário da Erudição (uma resenha crítica de A
 Heresia Humanista – Ensaio Sobre as Paixões de Fim de Século, de José
 Fernando Tavares)
                                          «Colocando-nos no papel do
                                          ensaísta, dir-se-ia ainda que o
                                          interesse pelo tempo que nos é
                                          presente também se fundamenta
                                          numa tentativa de vivissecção de
                                          um estádio da história que
                                          procuramos valorizar a todo o
                                          custo, como se dessa valorização
                                          dependesse      o     grau     de
                                          importância da vida e do destino
                                          que nos coube.»
                                          José      Fernando       Tavares,
                                          «Balanço Literário de 2002», In
                                          VÉRTICE,       113,     Setembro-
                                          Outubro 2003.

      1. Uma nota sobre o autor.

      José Fernando Tavares nasceu em 1965 e é professor. Docente do
Ensino Secundário já leccionou, a nível universitário, Literatura Comparada,
Teoria da Literatura e Literatura Medieval. Entre a Redacção Principal e a
Direcção de jornais e revistas, foi também professor universitário de Língua e
Cultura Portuguesa, Evolução da Comunicação Linguística IV, Literatura
Infanto-Juvenil, e Expressão Poética. Mestre em Literatura Comparada prepara
doutoramento na área da Literatura Portuguesa do século XVI. Crítico,
ficcionista, ensaísta e autor de inúmeras recensões literárias, bem como de
textos sobre arte, conferencista convidado em várias latitudes do nosso país, já
editou mais de duas mil páginas, não publicadas outras tantas.
      Obviamente que José Fernando Tavares não vive da sua pena – quem
vive dela em Portugal?!... Também não é a quantidade que implica a qualidade
(a inversa também é verdadeira). No entanto, e sabendo quanto é forte o
desapego que a nossa praça estrangeirada e consumista demonstra pelos
ditosos filhos da pátria sua amada, queremos acreditar que algum dia virá em
que não deitemos fora o que de melhor temos. Somos um país de luxo cultural:
desperdiçamos sem pestanejar!


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Dos nove livros publicados pelo autor destacamos três (pela importância
que possuem para a cultura actual): Fernando Pessoa e as Estratégias da
Razão Política (1998), Damião de Góis: Um Paradigma no Humanismo
Português (1999) e Fernando Pessoa: da Razão Histórica à Utopia
Teleológica (2002).

      2. Identificação da obra.

      José Fernando Tavares, A Heresia Humanista – Ensaio Sobre as
Paixões de Fim de Século, Instituto Piaget, Colecção Epistemologia e
Sociedade, n º 196, Lisboa, 2002, 342 pp., 23 x 15,5 cm, (aprox.) 18 Eur. A
capa, menos aberrante do que é habitual na «imagem de marca» das Edições
Piaget, remete-nos para uma figura alquímica algo diabólica (não identificada
na Ficha Técnica).
      Das diversas componentes textuais da obra mais susceptíveis de serem
objecto de um estudo crítico, referimos toda a Segunda Parte, intitulada
«Paixões de fim de século», nomeadamente os Capítulos 10 («O lugar dos
monstros numa sociedade da aparência») e 11 («A loucura domesticada»).
      Munido de uma densa, vasta e apreciável bibliografia, de Hecateus de
Mileto e Aristóteles a Sartre e a José Gil, de Edgar Allan Poe a José Régio, de
Duarte Pacheco Pereira a Jacques Le Goff, com autores Hebraicos e Latinos
medievais, o décimo capítulo refere, do modo mais excelente, toda a
cosmovisão do passado século eivada pelo espírito da fantasia e do terror
exacerbados. Como consequência natural do imaginário colectivo estudam-se,
por exemplo, a esfinge, a serpente, o dragão, o unicórnio e a sereia (enquanto
enigmáticas figuras da por assim dizer categoria do monstro nos finais da
Idade Média); os homens monstruosos das várias tradições geográficas e das
narrativas da literatura de viagens, como os acéfalos, amanos, anotitos,
centauros, gigantes, etc.); todo um fabulário de animais monstruosos (a
anfisbena, o caládrio, a cerasta, os dragões) e as entidades sobrenaturais (fadas,
                                                                                     2
elfos, lobisomens, Satanás, Lúcifer, Belzebu ou, simplesmente, a Besta) – eis
«a emergência do grotesco no seio da vida quotidiana» (p.180). Também, da
literatura ao cinema, o autor proclama toda uma original «estética da
monstruosidade» (Drácula, Golem, Dr. Jekill e o Sr. Hyde, Quasimodo, etc.),
associando-se   o   sangue    à   sexualidade   numa    mesma     personalidade
antropomórfica, através de um fascinante bestiário da imaginação humana.
      O capítulo 11, menos munido de bibliografia é certo, ensaia no entanto
prosseguir com o espírito sistemático da investigação. Estuda-se a possibilidade
da relação das perturbações mentais com a superstição e revisita-se o tema pela
óptica psicossocial, nomeadamente em Portugal. Desde a profana e medieval
«festa dos loucos», eventual antecessora do (não menos católico) Carnaval, até
ao «louco perigoso» (passando pela «loucura normal», a «camisa de forças», a
loucura invertida, loucura domesticada, etc. – conceptualização inspirada em
parte pela leitura de Foucault, em parte pela de historiadores não-filósofos como
Jacques Heers – tudo isto marca este capítulo com um tom fortemente
subjectivo, com uma aceitável componente dóxica, tanto quanto é aceitável (e
de acordo com o grau de exigência de cada leitor) a maior ou menor
cientificidade em ensaios de livre interpretação/investigação temática ou
panorâmica.
      3. Leitura da obra.
      3.1. Interesse geral.


     A estrutura geral utilizada por José Fernando Tavares revela um consciente
espírito académico, ao mesmo tempo que uma necessidade literária de exaltação
pessoal. Na verdade toda a literatura traduz o modo de ser do seu autor.
      Formalmente organizado em Prólogo («O espírito herético e a condição
temporal»), Primeira Parte («Falência do espírito») com seis capítulos, Segunda
Parte («Paixões de fim de século») com cinco capítulos, Terceira Parte
(«Problemática da cultura») com cinco capítulos, Epílogo Provisório («Da
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heresia humanista à ordem cósmica») e Índice Onomástico, este ensaio peca
pela ausência de uma bibliografia no final, pela pobreza do Índice Geral (uma
vez que existem dezenas de subtítulos, ou parágrafos, que pela sua importância
literária e filosófica deveriam constar nesse índice para fácil consulta) e,
inclusive, pela inexistência de um Índice Analítico (que por si só seria
riquíssimo e justificaria uma segunda edição desta obra), bem como de uma
Introdução (o que conferiria ao volume uma outra unidade sistemática mais
envolvente, para o leitor sem dúvida mas também para a compleição temática
do livro, que veria, assim, criar-se nele um texto específico de resumo ou
sumário mais alargado para primeiríssima leitura. O mesmo poderia dizer-se de
uma Conclusão acerca das principais teses lançadas a lume em páginas
anteriores. De facto, tanto o Prólogo como o Epílogo, e mais este do que aquele,
se resumem, na sua essência, a um texto aberto, a um conjunto de considerações
ou meditações pessoais que, no nosso ponto de vista, fariam ainda, em termos
práticos, parte do próprio corpo da obra.
      Mas, convenhamos, a importância do interesse geral do livro não se deixa
subsumir nas críticas acima descritas. Sob o signo do pessimismo, que de
alguma forma aparece mitigado mediante uma fulgurante crença na humanidade
(futura...) do homem, encontramo-nos perante um ensaio algo disperso em
dezenas de grandes temas literário-filosóficos (e não filosófico-literários) que
teimam em unificar-se através de uma grelha tipificada no próprio título,
heresia humanista. Todavia, o subtítulo, Ensaio Sobre as Paixões de Fim de
Século, impõe uma visão de conjunto em detrimento de uma (suposta) visão
temática de cariz (mais) sistematizante. Sem dúvida que nos confrontamos com
uma excelente reflexão (e informação) sobre cultura (e literatura) de massas.
        Trata-se portanto de uma escrita a que gostaríamos de chamar
«impressionista», quer dizer, procedimento e atitude pessoalista não-sistemática
de extensa e antidogmática explicitação panorâmica de(os) assunto(s)
autodidacta, propondo uma arriscada experimentação polémica e persuasiva de
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factos vivenciados de forma mais ou menos quotidiana e mais ou menos
científica. Tal predisposição experimental para o confronto - como bem referiu
o clássico Sílvio Lima (Ensaio Sobre a Natureza do Ensaio, 1944) implica uma
autonomia mental e juízo crítico – é o que melhor caracteriza esta obra de José
Fernando Tavares. Denota-se pois uma implicação experiencial do sujeito na
reflexão produzida, propondo uma outra forma de conhecimento que não o
filosófico ou científico estritos na literatura, que não a ciência literária portanto.
Tal modo de escrever ensaio, tal «filosofia sem doutrina» - para seguir uma
contundente expressão de A. Tournon – é o que ilustra o impressionismo
literário deste autor, eventualmente o que marca também grande parte, se não a
maior, do ensaio produzido em Portugal.
      Gostaríamos ainda de indicar algumas das grandes teses de A Heresia
Humanista, aquelas que mais directamente concretizam o seu cariz
antidogmático. Assim nos surge a principal ideia que cobre a temática do livro:
a «traição do humanismo» abordada numa perspectiva por assim dizer de
Sociologia da Cultura, já que se admite o «desinteresse generalizado pela
cultura dita erudita e o crescente interesse por manifestações culturais de
conteúdo marcadamente medíocre» (p.96). Detecta-se uma crítica directa ao
homem contemporâneo enquanto aprendiz da história e da sua própria vida,
pois a «impreparação cultural» é gritante e a cegueira perante o que mais
«directamente pode afectar a sua vida» transforma o aparente em ilusório e o
essencial em acidental. Eis o pessimismo da triste realidade confessado (em
agressividade latente) pelo autor: «É o pecado da ira que nos faz escrever desta
maneira.» (p.125). Eis o que ensombra, pela sua «diabólica» escrita, o livro de
José Fernando Tavares.
      Por conseguinte, a «insistência nas paixões humanas» (p.134), justifica-
se pela existência de toda uma prática ritual que se mantém, ora bela ora
grotesca, nas sociedades contemporâneas, mais especificamente na sociedade
portuguesa. A intolerância, o fanatismo, o ódio, são apenas alguns dos
                                                                                         5
elementos da vitória da morte sobre a vida. Escreve o ensaísta: «Seria uma
qualidade maior da humanidade se pudéssemos assistir por dentro ao
espectáculo da morte. Assim ela deixaria de ser uma verdade pressentida e
tornar-se-ia uma disciplina do conhecimento, uma manifestação autêntica do
saber. O arrepiante testemunho da morte seria essencial para a conquista de
uma humanidade igualmente essencial, uma humildade construtiva que
ascende ao absoluto, também este uma qualidade humana maior raramente
explorada pela vida quotidiana. Ela representa a justiça máxima, a verdadeira
justiça divina, mesmo que aos nossos olhos essa justiça se afigure contrária
aos princípios que nela gostaríamos de lhe reconhecer.» (p.135). Daqui a
alusão às entidades demoníacas, um tema trabalhado no estatuto de metáfora
que possibilita a explicação de que «a criatividade nunca esteve em
concordância com o poder instituído» (p.148), e advertindo para isso o leitor
mais desprevenido, já que a crença no demónio é a contradição do bom-senso,
afigurando-se mais como uma forma de desespero próxima da loucura.
      O ensaísmo impressionista do autor materializa-se de igual modo nas
multifacetadas visões (históricas, estéticas, sociológicas, filosóficas) que
compõem este estudo – como é dito: «A reflexão também se cumpre na
imponderabilidade, e será esta, talvez, o seu desafio maior.» (p.179). Reflecte-
se essencialmente com o objectivo de compreender «de que modo o homem
ocidental penetrou no coração do fantástico» (p.180), examinando-se assim o
modo de ser do grotesco. Tal preocupação temática pauta-se também por uma
séria exigência feita à razão: esta tem de se equilibrar com a sensibilidade sob
pena deixar escapar a compreensão da «existência de uma dimensão oculta»
(p.189).
      Daí a importância conferida à chamemo-lhe assim «categoria da
monstruosidade» que, através da literatura, do cinema e da BD, se imiscuiu
totalmente na mundividência do homem contemporâneo (p.195) e na sociedade
ocidental (p.214). Ironicamente são referidos os «monstros sagrados» do
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cinema e do rock e as «aves raras» das artes, enquanto evidentes exemplos do
«bestiário privado do imaginário burguês» (p.291), para em seguida se partir
ao encontro da grave e profunda função catártica da teratologia – outra das
grandes teses de A Heresia Humanista.
      Dentro da lógica reflexiva tomam inclusive lugar as utopias, elas
representam «o anseio de verdade». E afinal, a própria arte literária «consiste
em descortinar novos caminhos para a humanidade». Em boa verdade, toda a
utopia é um «grande projecto literário» (p.254). Mas a utopia não se esgota na
«simples matéria literária» (p. 253), por isso invariavelmente anuncia a sua
essência mitológica (desde o fenómeno sebástico até à Revolução dos Cravos).
      No fundo, tudo gira à volta da questão da eternidade (ideia previamente
anunciada logo no início da obra numa belíssima epígrafe de Jean Guiton),
especialmente aquela que é personificada pela arte, «o verdadeiro rosto de
Deus reflectido» (p. 282).
      José Fernando Tavares não pretende que esta obra seja uma distracção do
espírito mas uma reflexão sobre a própria criação, nomeadamente a criação
literária. É esta, pois, o «verdadeiro ADN da alma» (p.285), é ela que explica o
que identifica uma cultura e os seus modos de vida. Não a morte da literatura
como Foucault a concebeu, ou a «morte do autor» mas, em vez disso, a
«decadência» ou a «falência do espírito», o «esmorecimento» ou o
«desinteresse generalizado». E é aqui que radica a «suspeição metafísica»
(capítulo 14), algo que de alguma forma já Nathalie Sarraute anunciara, em
1956, na sua L’Ere du Soupçon. A juntar à falência do espírito humanista
encontramos a «aceitação generalizada» dos subprodutos culturais, aceitação
essa que bastas vezes é feita de modo consciente pelo público que a consome.
Só a poesia consegue ainda escapar a tal suspeição metafísica, se bem que não é
sobre a poesia que recai (in)felizmente(?!...) a atenção do consumista (p. 297).
Todavia, e apesar da «falência interior» dos tipos de fenómenos literários, há
que perceber a sua incontornável importância filosófica geral: são eles quem
                                                                                   7
revelam uma determinada consciência do mundo e concepção do homem.
Diríamos que apesar da heresia do humanismo é o próprio homem que (pode)
mata(r) essa heresia.
      Este último tema é defendido num capítulo intitulado «A crise do
humanismo ou a divergência à tradição». Escreve José Fernando Tavares: «O
humanismo instalou-se no seio da história dos homens para que estes, mais
tarde, pudessem negá-lo e, eventualmente, esquecê-lo. Trata-se, contudo, de
um esquecimento temporário, pois toda a humanidade, mesmo que sucumba ao
peso do tempo, acaba por sobreviver a si mesma – todo o homem poderá
sobreviver a si mesmo desde que reconheça a sua força anímica, desde que
saiba reconhecer o seu próprio canto.» (p.307). Existe por isso uma esperança:
a «saudade do futuro» ou a transmutação do mesmo.
      É num tom hegeliano de dialéctica que o autor se move para apresentar,
finalmente, uma última tese da A Heresia Humanista, a violência. Esta, a
violência, mesmo que tão-só psicológica, corresponde a um fenómeno de
nadificação, é a «obscura política dos escombros» (p.324). O homem actual
não se encontra ainda preparado para converter as sua próprias limitações em
qualidades civilizacionais maiores.


      3. 2. Doutrinas.


      No que diz respeito à posição retratada nas ideias de José Fernando
Tavares relativamente a doutrinas destacamos, sem dúvida, a presença de
doutrinas filosóficas. O autor anuncia, logo à partida, no Prólogo, a apologia da
relação entre o estádio estético de Kierkegaard e a dimensão dionisíaca da
Paideia grega vista por Nietzsche. Pretende-se justificar por um lado, com o
filósofo dinamarquês, a fundamentação da falência espiritual do nosso tempo
mas também a procura da superação da humanidade por si própria, na dimensão
estética da vida portanto (ideia esta retomada mais à frente, v. g. p.262), e por
                                                                                    8
outro justificar também, com o autor de A Origem da Tragédia e a antevisão
grega representada nas divindades Diónisos e Apolo, a existência de um traço
comum a todo o desenvolvimento futuro do homem, mais especificamente, o
equilíbrio e a justa medida numa parte, e o excesso e o vício noutra. José
Fernando Tavares recorre também e preferencialmente a Hegel (treze registos),
contrariamente ao que seria de supor, uma vez que os dois filósofos enunciados
no Prólogo seriam os preferidos para defender as suas ideias. Mas é de facto
com Hegel que se pretende justificar o seguinte: é na tomada de consciência do
espírito por si mesmo, através da dialéctica da negação e da superação, que
reside a emancipação do humanismo do homem.
      Nesta medida, as recorrências aos filósofos são de um modo geral ditadas
pela necessidade idiossincrática do próprio escritor, e não por imperiosa
fundamentação do trabalho científico – sabemos que estamos falar, nesta
resenha crítica, de um claro exemplo de impressionismo ensaístico português.
São, na verdade, «impressões» que José Fernando Tavares oferece ao seu leitor
quando tematiza as ideias filosóficas. Defende, por exemplo, recorrendo a
Platão, que toda a «reflexão filosófica séria» encontra na «estesia poética uma
das suas forças mais sólidas» (p.258) – o adjectivo «sério» está a mais!
      De outro modo interpreta também a metafísica num sentido não-
sistemático, mas não descortina quais os alicerces teóricos que sustentam este
tipo de metafísica (p.266). Alude ainda a um «preconceito cósmico» para
explicitar que tanto na história da humanidade como na história da natureza
existe uma ordem pré-estabelecida: o princípio da sincronia negadora do
excesso, uma vez que «não é permitido ao homem ultrapassar os limites que a
humanidade lhe impõe» (p.307), recorrendo para isso uma vez mais a Hegel –
resta justificar a relação entre essa ordem pré-estabelecida e a própria dialéctica!
      Em síntese, e é o próprio autor que auto-criticamente escreve: «[...] se
aqui existe uma abordagem filosófica, ela refere-se apenas àquilo que a


                                                                                       9
filosofia pode conter de especulação intuitiva; nem a nossa dissertação poderia
ter sido realizada de outro modo.» (p.325).
      É ainda importante referir a doutrina cristã. É ela que, assumida pelo
autor enquanto forma ideológica, é também criticada na sua dimensão patrística
e moralista extremas (pp. 149 e ss. - «Os prazeres proibidos e a criação do
obstáculo moral»). Assume-a, todavia, como ponto de partida da sua reflexão,
dado que foi ela que permitiu compreender duas coisas: que «o homem é por
natureza intolerante» e que «todo o homem é vítima de si mesmo quando não
coexiste uma inteligência uniforme» (Prólogo, p.16).


      4. Coerência expositiva, estilo e linguagem.


      A conexão de cada uma das dezenas de partes constituintes de A Heresia
Humanista de José Fernando Tavares, advém do estilo utilizado. O seu
ensaísmo caracteriza-se pela coragem da arrogância, suficiente para escrever o
que pensa e dá-lo à estampa. Estamos perante uma escrita empolgante,
moderadamente adjectivada e cheia daquele brilho literário próprio dos
escritores de qualidade.
      Este conjunto de reflexões, todas elas envolvidas num mesmo
denominador comum, as paixões heréticas fruto do humanismo, acolhe um
modo de expressão dialógico essencialmente caracterizado pelo recurso à
convicção na argumentação e à refutação de teses contrárias devidamente
anunciadas, não se preocupando tanto com a estrita progressão lógica do
raciocínio (a indução ou a dedução por exemplo) nem com a adaptação do texto
ao destinatário (uma vez que este se pode alargar desde o público-alvo
filosófico ao senso comum mais ilustrado – daqui inclusive, a grande riqueza
desta obra).
      Relativamente à convicção na argumentação, o discurso de José Fernando
Tavares pauta-se, invariavelmente, por algumas coordenadas. A produção de
                                                                                  10
afirmações categóricas, com conotações positivas (quando defende) e negativas
(quando ataca). Por isso, a sua contra-argumentação e/ou refutação sai ligeira e
encadeada numa credível e legítima narrativa que, por sua vez, a torna robusta.
A metáfora por exemplo, esse verdadeiro instrumento de persuasão, é mantida,
suavemente, pelo (já antigo) treino da escrita ficcional – com a qual José
Fernando Tavares se estreou no mundo da literatura em 1985 1- permitindo ligar
ideias que à partida viveriam eventualmente separadas para o leitor. Nesta
perspectiva, também o recurso ao exemplo ilustra de modo constante o
argumento, nomeadamente as partes mais dedicadas à cultura de massas. Enfim,
faz participar o leitor da «verdade» do seu raciocínio.
           O léxico apropriado ao grau de certeza que se pretende transmitir; o
campo do verosímil que brota das palavras e expressões que persuadem (pelo
sentimento) e convencem (pelo raciocínio lógico); o estilo intelectual mas algo
familiar; a celeridade de compreensão cognitiva com que brinda quem o lê;
alguma impertinência semântica inclusive; permitem, com mestria, associar
pelo menos(!) o subconsciente do leitor à tese em discussão.
           Finalmente encontramos duas mensagens contidas nesta «heresia» de
José Fernando Tavares: uma objectiva, que nos indica o pessimismo e mal-estar
característicos da chamada «modernidade» e da «pós-modernidade» - conceitos
discutidos com rigor - como vector dinâmico da cultura humanista desde há
vários séculos; outra subjectiva, que abre ao intérprete não só os resultados da
investigação do próprio autor mas também a possibilidade de os questionar, de
os colocar sob perspectiva - o que torna este livro numa obra notável a reter na
nossa biblioteca pessoal ou para consulta em qualquer escola do país.
           Como disse Joseph Vialatoux: «O pensamento do homem inquieto e à
busca da sabedoria deve ser um pensamento corajoso, porque é um pensamento
dramático».


1
    Cf. Kauchemar, O Touro Vermelho, o n º 12 da saudosa Colecção Fantástica das Edições Rolim.
                                                                                                  11
Joaquim Carlos Araújo




                        12

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O Impressionismo Literário da Erudição

  • 1. O Impressionismo Literário da Erudição (uma resenha crítica de A Heresia Humanista – Ensaio Sobre as Paixões de Fim de Século, de José Fernando Tavares) «Colocando-nos no papel do ensaísta, dir-se-ia ainda que o interesse pelo tempo que nos é presente também se fundamenta numa tentativa de vivissecção de um estádio da história que procuramos valorizar a todo o custo, como se dessa valorização dependesse o grau de importância da vida e do destino que nos coube.» José Fernando Tavares, «Balanço Literário de 2002», In VÉRTICE, 113, Setembro- Outubro 2003. 1. Uma nota sobre o autor. José Fernando Tavares nasceu em 1965 e é professor. Docente do Ensino Secundário já leccionou, a nível universitário, Literatura Comparada, Teoria da Literatura e Literatura Medieval. Entre a Redacção Principal e a Direcção de jornais e revistas, foi também professor universitário de Língua e Cultura Portuguesa, Evolução da Comunicação Linguística IV, Literatura Infanto-Juvenil, e Expressão Poética. Mestre em Literatura Comparada prepara doutoramento na área da Literatura Portuguesa do século XVI. Crítico, ficcionista, ensaísta e autor de inúmeras recensões literárias, bem como de textos sobre arte, conferencista convidado em várias latitudes do nosso país, já editou mais de duas mil páginas, não publicadas outras tantas. Obviamente que José Fernando Tavares não vive da sua pena – quem vive dela em Portugal?!... Também não é a quantidade que implica a qualidade (a inversa também é verdadeira). No entanto, e sabendo quanto é forte o desapego que a nossa praça estrangeirada e consumista demonstra pelos ditosos filhos da pátria sua amada, queremos acreditar que algum dia virá em que não deitemos fora o que de melhor temos. Somos um país de luxo cultural: desperdiçamos sem pestanejar! 1
  • 2. Dos nove livros publicados pelo autor destacamos três (pela importância que possuem para a cultura actual): Fernando Pessoa e as Estratégias da Razão Política (1998), Damião de Góis: Um Paradigma no Humanismo Português (1999) e Fernando Pessoa: da Razão Histórica à Utopia Teleológica (2002). 2. Identificação da obra. José Fernando Tavares, A Heresia Humanista – Ensaio Sobre as Paixões de Fim de Século, Instituto Piaget, Colecção Epistemologia e Sociedade, n º 196, Lisboa, 2002, 342 pp., 23 x 15,5 cm, (aprox.) 18 Eur. A capa, menos aberrante do que é habitual na «imagem de marca» das Edições Piaget, remete-nos para uma figura alquímica algo diabólica (não identificada na Ficha Técnica). Das diversas componentes textuais da obra mais susceptíveis de serem objecto de um estudo crítico, referimos toda a Segunda Parte, intitulada «Paixões de fim de século», nomeadamente os Capítulos 10 («O lugar dos monstros numa sociedade da aparência») e 11 («A loucura domesticada»). Munido de uma densa, vasta e apreciável bibliografia, de Hecateus de Mileto e Aristóteles a Sartre e a José Gil, de Edgar Allan Poe a José Régio, de Duarte Pacheco Pereira a Jacques Le Goff, com autores Hebraicos e Latinos medievais, o décimo capítulo refere, do modo mais excelente, toda a cosmovisão do passado século eivada pelo espírito da fantasia e do terror exacerbados. Como consequência natural do imaginário colectivo estudam-se, por exemplo, a esfinge, a serpente, o dragão, o unicórnio e a sereia (enquanto enigmáticas figuras da por assim dizer categoria do monstro nos finais da Idade Média); os homens monstruosos das várias tradições geográficas e das narrativas da literatura de viagens, como os acéfalos, amanos, anotitos, centauros, gigantes, etc.); todo um fabulário de animais monstruosos (a anfisbena, o caládrio, a cerasta, os dragões) e as entidades sobrenaturais (fadas, 2
  • 3. elfos, lobisomens, Satanás, Lúcifer, Belzebu ou, simplesmente, a Besta) – eis «a emergência do grotesco no seio da vida quotidiana» (p.180). Também, da literatura ao cinema, o autor proclama toda uma original «estética da monstruosidade» (Drácula, Golem, Dr. Jekill e o Sr. Hyde, Quasimodo, etc.), associando-se o sangue à sexualidade numa mesma personalidade antropomórfica, através de um fascinante bestiário da imaginação humana. O capítulo 11, menos munido de bibliografia é certo, ensaia no entanto prosseguir com o espírito sistemático da investigação. Estuda-se a possibilidade da relação das perturbações mentais com a superstição e revisita-se o tema pela óptica psicossocial, nomeadamente em Portugal. Desde a profana e medieval «festa dos loucos», eventual antecessora do (não menos católico) Carnaval, até ao «louco perigoso» (passando pela «loucura normal», a «camisa de forças», a loucura invertida, loucura domesticada, etc. – conceptualização inspirada em parte pela leitura de Foucault, em parte pela de historiadores não-filósofos como Jacques Heers – tudo isto marca este capítulo com um tom fortemente subjectivo, com uma aceitável componente dóxica, tanto quanto é aceitável (e de acordo com o grau de exigência de cada leitor) a maior ou menor cientificidade em ensaios de livre interpretação/investigação temática ou panorâmica. 3. Leitura da obra. 3.1. Interesse geral. A estrutura geral utilizada por José Fernando Tavares revela um consciente espírito académico, ao mesmo tempo que uma necessidade literária de exaltação pessoal. Na verdade toda a literatura traduz o modo de ser do seu autor. Formalmente organizado em Prólogo («O espírito herético e a condição temporal»), Primeira Parte («Falência do espírito») com seis capítulos, Segunda Parte («Paixões de fim de século») com cinco capítulos, Terceira Parte («Problemática da cultura») com cinco capítulos, Epílogo Provisório («Da 3
  • 4. heresia humanista à ordem cósmica») e Índice Onomástico, este ensaio peca pela ausência de uma bibliografia no final, pela pobreza do Índice Geral (uma vez que existem dezenas de subtítulos, ou parágrafos, que pela sua importância literária e filosófica deveriam constar nesse índice para fácil consulta) e, inclusive, pela inexistência de um Índice Analítico (que por si só seria riquíssimo e justificaria uma segunda edição desta obra), bem como de uma Introdução (o que conferiria ao volume uma outra unidade sistemática mais envolvente, para o leitor sem dúvida mas também para a compleição temática do livro, que veria, assim, criar-se nele um texto específico de resumo ou sumário mais alargado para primeiríssima leitura. O mesmo poderia dizer-se de uma Conclusão acerca das principais teses lançadas a lume em páginas anteriores. De facto, tanto o Prólogo como o Epílogo, e mais este do que aquele, se resumem, na sua essência, a um texto aberto, a um conjunto de considerações ou meditações pessoais que, no nosso ponto de vista, fariam ainda, em termos práticos, parte do próprio corpo da obra. Mas, convenhamos, a importância do interesse geral do livro não se deixa subsumir nas críticas acima descritas. Sob o signo do pessimismo, que de alguma forma aparece mitigado mediante uma fulgurante crença na humanidade (futura...) do homem, encontramo-nos perante um ensaio algo disperso em dezenas de grandes temas literário-filosóficos (e não filosófico-literários) que teimam em unificar-se através de uma grelha tipificada no próprio título, heresia humanista. Todavia, o subtítulo, Ensaio Sobre as Paixões de Fim de Século, impõe uma visão de conjunto em detrimento de uma (suposta) visão temática de cariz (mais) sistematizante. Sem dúvida que nos confrontamos com uma excelente reflexão (e informação) sobre cultura (e literatura) de massas. Trata-se portanto de uma escrita a que gostaríamos de chamar «impressionista», quer dizer, procedimento e atitude pessoalista não-sistemática de extensa e antidogmática explicitação panorâmica de(os) assunto(s) autodidacta, propondo uma arriscada experimentação polémica e persuasiva de 4
  • 5. factos vivenciados de forma mais ou menos quotidiana e mais ou menos científica. Tal predisposição experimental para o confronto - como bem referiu o clássico Sílvio Lima (Ensaio Sobre a Natureza do Ensaio, 1944) implica uma autonomia mental e juízo crítico – é o que melhor caracteriza esta obra de José Fernando Tavares. Denota-se pois uma implicação experiencial do sujeito na reflexão produzida, propondo uma outra forma de conhecimento que não o filosófico ou científico estritos na literatura, que não a ciência literária portanto. Tal modo de escrever ensaio, tal «filosofia sem doutrina» - para seguir uma contundente expressão de A. Tournon – é o que ilustra o impressionismo literário deste autor, eventualmente o que marca também grande parte, se não a maior, do ensaio produzido em Portugal. Gostaríamos ainda de indicar algumas das grandes teses de A Heresia Humanista, aquelas que mais directamente concretizam o seu cariz antidogmático. Assim nos surge a principal ideia que cobre a temática do livro: a «traição do humanismo» abordada numa perspectiva por assim dizer de Sociologia da Cultura, já que se admite o «desinteresse generalizado pela cultura dita erudita e o crescente interesse por manifestações culturais de conteúdo marcadamente medíocre» (p.96). Detecta-se uma crítica directa ao homem contemporâneo enquanto aprendiz da história e da sua própria vida, pois a «impreparação cultural» é gritante e a cegueira perante o que mais «directamente pode afectar a sua vida» transforma o aparente em ilusório e o essencial em acidental. Eis o pessimismo da triste realidade confessado (em agressividade latente) pelo autor: «É o pecado da ira que nos faz escrever desta maneira.» (p.125). Eis o que ensombra, pela sua «diabólica» escrita, o livro de José Fernando Tavares. Por conseguinte, a «insistência nas paixões humanas» (p.134), justifica- se pela existência de toda uma prática ritual que se mantém, ora bela ora grotesca, nas sociedades contemporâneas, mais especificamente na sociedade portuguesa. A intolerância, o fanatismo, o ódio, são apenas alguns dos 5
  • 6. elementos da vitória da morte sobre a vida. Escreve o ensaísta: «Seria uma qualidade maior da humanidade se pudéssemos assistir por dentro ao espectáculo da morte. Assim ela deixaria de ser uma verdade pressentida e tornar-se-ia uma disciplina do conhecimento, uma manifestação autêntica do saber. O arrepiante testemunho da morte seria essencial para a conquista de uma humanidade igualmente essencial, uma humildade construtiva que ascende ao absoluto, também este uma qualidade humana maior raramente explorada pela vida quotidiana. Ela representa a justiça máxima, a verdadeira justiça divina, mesmo que aos nossos olhos essa justiça se afigure contrária aos princípios que nela gostaríamos de lhe reconhecer.» (p.135). Daqui a alusão às entidades demoníacas, um tema trabalhado no estatuto de metáfora que possibilita a explicação de que «a criatividade nunca esteve em concordância com o poder instituído» (p.148), e advertindo para isso o leitor mais desprevenido, já que a crença no demónio é a contradição do bom-senso, afigurando-se mais como uma forma de desespero próxima da loucura. O ensaísmo impressionista do autor materializa-se de igual modo nas multifacetadas visões (históricas, estéticas, sociológicas, filosóficas) que compõem este estudo – como é dito: «A reflexão também se cumpre na imponderabilidade, e será esta, talvez, o seu desafio maior.» (p.179). Reflecte- se essencialmente com o objectivo de compreender «de que modo o homem ocidental penetrou no coração do fantástico» (p.180), examinando-se assim o modo de ser do grotesco. Tal preocupação temática pauta-se também por uma séria exigência feita à razão: esta tem de se equilibrar com a sensibilidade sob pena deixar escapar a compreensão da «existência de uma dimensão oculta» (p.189). Daí a importância conferida à chamemo-lhe assim «categoria da monstruosidade» que, através da literatura, do cinema e da BD, se imiscuiu totalmente na mundividência do homem contemporâneo (p.195) e na sociedade ocidental (p.214). Ironicamente são referidos os «monstros sagrados» do 6
  • 7. cinema e do rock e as «aves raras» das artes, enquanto evidentes exemplos do «bestiário privado do imaginário burguês» (p.291), para em seguida se partir ao encontro da grave e profunda função catártica da teratologia – outra das grandes teses de A Heresia Humanista. Dentro da lógica reflexiva tomam inclusive lugar as utopias, elas representam «o anseio de verdade». E afinal, a própria arte literária «consiste em descortinar novos caminhos para a humanidade». Em boa verdade, toda a utopia é um «grande projecto literário» (p.254). Mas a utopia não se esgota na «simples matéria literária» (p. 253), por isso invariavelmente anuncia a sua essência mitológica (desde o fenómeno sebástico até à Revolução dos Cravos). No fundo, tudo gira à volta da questão da eternidade (ideia previamente anunciada logo no início da obra numa belíssima epígrafe de Jean Guiton), especialmente aquela que é personificada pela arte, «o verdadeiro rosto de Deus reflectido» (p. 282). José Fernando Tavares não pretende que esta obra seja uma distracção do espírito mas uma reflexão sobre a própria criação, nomeadamente a criação literária. É esta, pois, o «verdadeiro ADN da alma» (p.285), é ela que explica o que identifica uma cultura e os seus modos de vida. Não a morte da literatura como Foucault a concebeu, ou a «morte do autor» mas, em vez disso, a «decadência» ou a «falência do espírito», o «esmorecimento» ou o «desinteresse generalizado». E é aqui que radica a «suspeição metafísica» (capítulo 14), algo que de alguma forma já Nathalie Sarraute anunciara, em 1956, na sua L’Ere du Soupçon. A juntar à falência do espírito humanista encontramos a «aceitação generalizada» dos subprodutos culturais, aceitação essa que bastas vezes é feita de modo consciente pelo público que a consome. Só a poesia consegue ainda escapar a tal suspeição metafísica, se bem que não é sobre a poesia que recai (in)felizmente(?!...) a atenção do consumista (p. 297). Todavia, e apesar da «falência interior» dos tipos de fenómenos literários, há que perceber a sua incontornável importância filosófica geral: são eles quem 7
  • 8. revelam uma determinada consciência do mundo e concepção do homem. Diríamos que apesar da heresia do humanismo é o próprio homem que (pode) mata(r) essa heresia. Este último tema é defendido num capítulo intitulado «A crise do humanismo ou a divergência à tradição». Escreve José Fernando Tavares: «O humanismo instalou-se no seio da história dos homens para que estes, mais tarde, pudessem negá-lo e, eventualmente, esquecê-lo. Trata-se, contudo, de um esquecimento temporário, pois toda a humanidade, mesmo que sucumba ao peso do tempo, acaba por sobreviver a si mesma – todo o homem poderá sobreviver a si mesmo desde que reconheça a sua força anímica, desde que saiba reconhecer o seu próprio canto.» (p.307). Existe por isso uma esperança: a «saudade do futuro» ou a transmutação do mesmo. É num tom hegeliano de dialéctica que o autor se move para apresentar, finalmente, uma última tese da A Heresia Humanista, a violência. Esta, a violência, mesmo que tão-só psicológica, corresponde a um fenómeno de nadificação, é a «obscura política dos escombros» (p.324). O homem actual não se encontra ainda preparado para converter as sua próprias limitações em qualidades civilizacionais maiores. 3. 2. Doutrinas. No que diz respeito à posição retratada nas ideias de José Fernando Tavares relativamente a doutrinas destacamos, sem dúvida, a presença de doutrinas filosóficas. O autor anuncia, logo à partida, no Prólogo, a apologia da relação entre o estádio estético de Kierkegaard e a dimensão dionisíaca da Paideia grega vista por Nietzsche. Pretende-se justificar por um lado, com o filósofo dinamarquês, a fundamentação da falência espiritual do nosso tempo mas também a procura da superação da humanidade por si própria, na dimensão estética da vida portanto (ideia esta retomada mais à frente, v. g. p.262), e por 8
  • 9. outro justificar também, com o autor de A Origem da Tragédia e a antevisão grega representada nas divindades Diónisos e Apolo, a existência de um traço comum a todo o desenvolvimento futuro do homem, mais especificamente, o equilíbrio e a justa medida numa parte, e o excesso e o vício noutra. José Fernando Tavares recorre também e preferencialmente a Hegel (treze registos), contrariamente ao que seria de supor, uma vez que os dois filósofos enunciados no Prólogo seriam os preferidos para defender as suas ideias. Mas é de facto com Hegel que se pretende justificar o seguinte: é na tomada de consciência do espírito por si mesmo, através da dialéctica da negação e da superação, que reside a emancipação do humanismo do homem. Nesta medida, as recorrências aos filósofos são de um modo geral ditadas pela necessidade idiossincrática do próprio escritor, e não por imperiosa fundamentação do trabalho científico – sabemos que estamos falar, nesta resenha crítica, de um claro exemplo de impressionismo ensaístico português. São, na verdade, «impressões» que José Fernando Tavares oferece ao seu leitor quando tematiza as ideias filosóficas. Defende, por exemplo, recorrendo a Platão, que toda a «reflexão filosófica séria» encontra na «estesia poética uma das suas forças mais sólidas» (p.258) – o adjectivo «sério» está a mais! De outro modo interpreta também a metafísica num sentido não- sistemático, mas não descortina quais os alicerces teóricos que sustentam este tipo de metafísica (p.266). Alude ainda a um «preconceito cósmico» para explicitar que tanto na história da humanidade como na história da natureza existe uma ordem pré-estabelecida: o princípio da sincronia negadora do excesso, uma vez que «não é permitido ao homem ultrapassar os limites que a humanidade lhe impõe» (p.307), recorrendo para isso uma vez mais a Hegel – resta justificar a relação entre essa ordem pré-estabelecida e a própria dialéctica! Em síntese, e é o próprio autor que auto-criticamente escreve: «[...] se aqui existe uma abordagem filosófica, ela refere-se apenas àquilo que a 9
  • 10. filosofia pode conter de especulação intuitiva; nem a nossa dissertação poderia ter sido realizada de outro modo.» (p.325). É ainda importante referir a doutrina cristã. É ela que, assumida pelo autor enquanto forma ideológica, é também criticada na sua dimensão patrística e moralista extremas (pp. 149 e ss. - «Os prazeres proibidos e a criação do obstáculo moral»). Assume-a, todavia, como ponto de partida da sua reflexão, dado que foi ela que permitiu compreender duas coisas: que «o homem é por natureza intolerante» e que «todo o homem é vítima de si mesmo quando não coexiste uma inteligência uniforme» (Prólogo, p.16). 4. Coerência expositiva, estilo e linguagem. A conexão de cada uma das dezenas de partes constituintes de A Heresia Humanista de José Fernando Tavares, advém do estilo utilizado. O seu ensaísmo caracteriza-se pela coragem da arrogância, suficiente para escrever o que pensa e dá-lo à estampa. Estamos perante uma escrita empolgante, moderadamente adjectivada e cheia daquele brilho literário próprio dos escritores de qualidade. Este conjunto de reflexões, todas elas envolvidas num mesmo denominador comum, as paixões heréticas fruto do humanismo, acolhe um modo de expressão dialógico essencialmente caracterizado pelo recurso à convicção na argumentação e à refutação de teses contrárias devidamente anunciadas, não se preocupando tanto com a estrita progressão lógica do raciocínio (a indução ou a dedução por exemplo) nem com a adaptação do texto ao destinatário (uma vez que este se pode alargar desde o público-alvo filosófico ao senso comum mais ilustrado – daqui inclusive, a grande riqueza desta obra). Relativamente à convicção na argumentação, o discurso de José Fernando Tavares pauta-se, invariavelmente, por algumas coordenadas. A produção de 10
  • 11. afirmações categóricas, com conotações positivas (quando defende) e negativas (quando ataca). Por isso, a sua contra-argumentação e/ou refutação sai ligeira e encadeada numa credível e legítima narrativa que, por sua vez, a torna robusta. A metáfora por exemplo, esse verdadeiro instrumento de persuasão, é mantida, suavemente, pelo (já antigo) treino da escrita ficcional – com a qual José Fernando Tavares se estreou no mundo da literatura em 1985 1- permitindo ligar ideias que à partida viveriam eventualmente separadas para o leitor. Nesta perspectiva, também o recurso ao exemplo ilustra de modo constante o argumento, nomeadamente as partes mais dedicadas à cultura de massas. Enfim, faz participar o leitor da «verdade» do seu raciocínio. O léxico apropriado ao grau de certeza que se pretende transmitir; o campo do verosímil que brota das palavras e expressões que persuadem (pelo sentimento) e convencem (pelo raciocínio lógico); o estilo intelectual mas algo familiar; a celeridade de compreensão cognitiva com que brinda quem o lê; alguma impertinência semântica inclusive; permitem, com mestria, associar pelo menos(!) o subconsciente do leitor à tese em discussão. Finalmente encontramos duas mensagens contidas nesta «heresia» de José Fernando Tavares: uma objectiva, que nos indica o pessimismo e mal-estar característicos da chamada «modernidade» e da «pós-modernidade» - conceitos discutidos com rigor - como vector dinâmico da cultura humanista desde há vários séculos; outra subjectiva, que abre ao intérprete não só os resultados da investigação do próprio autor mas também a possibilidade de os questionar, de os colocar sob perspectiva - o que torna este livro numa obra notável a reter na nossa biblioteca pessoal ou para consulta em qualquer escola do país. Como disse Joseph Vialatoux: «O pensamento do homem inquieto e à busca da sabedoria deve ser um pensamento corajoso, porque é um pensamento dramático». 1 Cf. Kauchemar, O Touro Vermelho, o n º 12 da saudosa Colecção Fantástica das Edições Rolim. 11