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Jorge Barbosa
Filosofia
Curso de ArtesVisuais
Abril, 2013
S O C I E DA D E E M R I S C O
Os observadores dos perigos que ameaçam a segurança individual e coletiva, os
investigadores e profissionais que trabalham no campo dos problemas sociais são,
seguramente, os últimos a acreditar na possibilidade de uma “sociedade sem riscos”,
mas isso não quer dizer que nunca sonhem com uma sociedade desse tipo. A
proximidade diária face ao perigo não impede ninguém de desejar a paz e a segurança;
pelo contrário, essa proximidade alimenta mesmo esse desejo. Com efeito, é para os
tornar mais improváveis que tentamos prever os riscos e reduzir a sua incidência.
A questão do risco é, em si mesma, um assunto que inquieta os cidadãos e divide os
investigadores. A respeito da capacidade para o discriminar e prever, os cientistas das
áreas das ciências naturais e físicas e das ciências da saúde têm, normalmente, visões
diferentes das de um bom número de investigadores em ciências sociais e humanas:
✓ Os físicos e os matemáticos acreditam que os seus conceitos e métodos
permitem, em certa medida, prever o risco, ainda que, por vezes, as coisas se
revelem mais difíceis do que inicialmente era suposto. O mesmo acontece com os
especialistas das ciências da saúde.
✓ Já na família das ciências sociais e humanas, apesar de um grupo importante
partilhar as crenças dos especialistas das ciências naturais, um conjunto cada vez
maior de investigadores prefere abordar as questões do ponto de vista
hermenêutico e das teorias do significado: sem desprezar os dados “duros” e as
séries estatísticas, que consideram preciosos instrumentos de previsão, estes
investigadores reconhecem que os seus resultados se referem a probabilidades.
No caso concreto do estudo do risco, a sua abordagem privilegia os fundamentos
da prevenção, uma vez que as suas investigações se interessam sobretudo por
sujeitos em situação, pela sua perceção da ameaça, pelos fatores que constroem
essa ameaça, e pela consciência da responsabilidade dos sujeitos na manifestação
dos perigos.
Os autores que consagraram uma boa parte das suas investigações à análise das
sociedades avançadas e da sua cultura1 acham que a nossa sociedade atual não se
assemelha a nenhuma outra e, sobretudo, que ela se distingue nitidamente da que a
precedeu. Vimos de uma primeira “modernidade”, e estamos a entrar no que alguns
chamam “modernidade avançada”, ou “hipermodernidade”, ou “segunda modernidade”
e a que outros preferem chamar “pós-modernidade”. A maior parte dos especialistas
das ciências humanas situa a emergência deste novo tipo de sociedade na década de
1950 a 1960, logo a seguir à segunda guerra mundial.
Todos concordam que a extensão das transformações é enorme. Elas traduzem-se
em alterações profundas, de efeitos “des-securizantes”, pois afetam a nossa forma de
pensar o mundo, de nos percepcionarmos a nós mesmos, de representarmos o
presente e o futuro, e tudo isto conduz ainda a modificações nas nossas práticas
culturais, nas nossas relações inter-individuais e inter-grupos, e nos nossos valores.
Todavia, e embora concordem com o cenário global, os investigadores dividem-se
em vários aspetos. Primeiro, a respeito do nome que deve ser dado a este período.
Para simplificar, podemos dividir os autores em dois campos. Enquanto Lyotard (1979)
e Rorty (1990) acham que entramos num período de pós-modernidade, outros
autores, como Giddens (1990), Habermas (1986, 1988) e Touraine (1992) preferem
falar de segunda modernidade, ou de modernidade avançada, ou hipermodernidade.
Esta divergência a respeito do nome reflete divergências mais profundas.
Para os pós-modernos, Lyotard e Rorty, a nossa época está em ruptura com a
que a precedeu. Dela rejeita os “grandes dogmas” e diversos valores. O prefixo “pós”
não designa só o que vem a seguir, mas também e sobretudo o que é contrário ao que
o precede. As noções metafísicas, nas quais tínhamos o costume de basear os nossos
1 Por cultura, deve entender-se, neste caso, a representação que uma sociedade faz do seu
conhecimento, da sua ciência, das suas artes, dos seus valores, das suas formas de viver em
conjunto, do seu bem-estar, das suas instituições sociais e políticas e da sua pertinência.
raciocínios, de fundamentar as nossas ações e os nossos juízos sobre o Verdadeiro, o
Bem, e o Belo, perderam a sua autoridade; por outro lado, nenhuma verdade pode ser
considerada universal. Este estilhaçar dos grandes discursos (os três R, a Razão, a
Religião e a Revolução) é um facto social que não pára de nos inquietar. No entanto,
para estes dois pensadores pós-modernos, esta viragem e as inquietações que suscita
têm algumas vantagens: por exemplo, o “fim das verdades universais” dá lugar à
“diferença” - individual, sexual, moral, étnica; por outro lado, o fim da fé na Autoridade
intelectual dos sábios e dos juízos dos chefes políticos e religiosos remete-nos para a
nossa própria consciência - o que já acontecia na época das “Luzes”, mas, na época
contemporânea, é possível procurar e encontrar, entre todos os conhecimentos
disponíveis, os mais adequados, os melhor adaptados à situação vivida, local, real, de
acordo com o nosso juízo. Podemos agora criticar as opiniões dos especialistas;
tomamos consciência da responsabilidade humana naquilo que nos acontece. A partir
de agora, para os pós-modernos, a verdade, o bem, o belo são transitórios e locais. São
a conclusão de debates e o fruto de consensos. São “pequenos discursos” por
oposição às “Grandes Narrativas” que estiveram na base das certezas da época das
“Luzes”.
Esta visão dos pós-modernos tem parecido demasiado radical à maioria dos
investigadores e analistas que refletem sobre a nossa época.; nos seus escritos dos anos
1990, rejeitam-na violentamente, receosos das consequências; no entanto, vários sem
nunca o confessar, adotam alguns dos seus elementos nos escritos dos anos 2000.
Comecemos, então, pelo que é semelhante nos diversos autores deste segundo grupo,
que qualificam a nossa época como “segunda modernidade” ou “modernidade
avançada” e pelo que os distingue dos pós-modernos. Segundo eles, o nosso tempo
não rompe com a época precedente. Reconhecendo que as ideias revolucionárias
mostraram os seus limites, e que as religiões estão em perda de velocidade (dois R),
acham, no entanto, que a razão ainda não disse a sua última palavra e que continua a
ser o instrumento indispensável do conhecimento; se está em perigo, há que salvá-la
(Touraine, 1992). Entre os partidários da “segunda modernidade”, podemos distinguir
dois subgrupos: os observadores nostálgicos que se transformam muitas vezes em
censores pessimistas diante de uma cultura contemporânea caracterizada pelo
individualismo, pelo hedonismo, pelo “instantaneismo”, pelo culto da imagem; e outros
mais inventivos, como Giddens e sobretudo Habermas, que confiam no diálogo e no
consenso como novos fundamentos da verdade e do bem.
Em resumo, e para além das diferenças, os estudiosos da nossa época reconhecem
que ela é perturbadora, traz consigo a insegurança e é geradora de sentimentos de
incerteza. Enquanto os pós-modernos vêem vantagens nestas mudanças de que não
negam o alcance e a profundidade, no outro grupo, uns ficam desolados e fazem apelo
ao retorno puro e simples à “boa velha” modernidade, enquanto outros acreditam em
possíveis acomodações entre a primeira e a segunda modernidade; entre estes, alguns
reconhecem que estes tempos perturbados são favoráveis a uma postura reflexiva e,
sem dúvida, preventiva, pois os conhecimentos científicos e a sua disseminação
permitem agora entrever a extensão da responsabilidade humana nos riscos e perigos
que nos ameaçam.
A maioria dos autores reconhece três causas para estas grandes mudanças da
cultura:
1. Os desenvolvimentos científicos e as transformações tecnológicas
Todos os autores referidos atribuem a responsabilidade por uma grande parte das
mudanças que caracterizam a época contemporânea ao fulgor dos progressos
científicos e tecnológicos de que as sociedades avançadas beneficiaram desde o fim da
segunda guerra mundial. São estas as causas principais da transformação da cultura, da
economia e das relações humanas.A emergência das preocupações ecológicas são uma
manifestação destas mudanças perturbadoras.
2. As transformações institucionais
Nem todos os riscos são “físicos” e nem todos afetam diretamente a saúde e o
ambiente. Nos países avançados, é evidente também a fragilização das instituições
tradicionais, a família, a escola e a organização do trabalho. Esta vulnerabilidade
crescente das instituições sociais, em especial no que diz respeito ao pleno emprego,
constitui o risco mais extenso e o mais atual.
3. A economia de mercado
Uma outra mudança social de grande impacto veio perturbar todas as relações
desde meados dos anos 1980: a passagem do capitalismo de Estado ao neo-liberalismo
e à lei do mercado, a que os Estados nacionais longe de resistir, têm vindo a recorrer,
submetendo a ele os seus funcionários, os profissionais de saúde e dos serviços sociais.
Por exemplo, os controlos sociais e penais sobre os marginais e os socialmente
carecidos têm obedecido cada vez mais a considerações “económicas” do que a
preocupações com o bem comum e com os valores do Estado moderno.

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  • 1. Jorge Barbosa Filosofia Curso de ArtesVisuais Abril, 2013 S O C I E DA D E E M R I S C O Os observadores dos perigos que ameaçam a segurança individual e coletiva, os investigadores e profissionais que trabalham no campo dos problemas sociais são, seguramente, os últimos a acreditar na possibilidade de uma “sociedade sem riscos”, mas isso não quer dizer que nunca sonhem com uma sociedade desse tipo. A proximidade diária face ao perigo não impede ninguém de desejar a paz e a segurança; pelo contrário, essa proximidade alimenta mesmo esse desejo. Com efeito, é para os tornar mais improváveis que tentamos prever os riscos e reduzir a sua incidência. A questão do risco é, em si mesma, um assunto que inquieta os cidadãos e divide os investigadores. A respeito da capacidade para o discriminar e prever, os cientistas das áreas das ciências naturais e físicas e das ciências da saúde têm, normalmente, visões diferentes das de um bom número de investigadores em ciências sociais e humanas: ✓ Os físicos e os matemáticos acreditam que os seus conceitos e métodos permitem, em certa medida, prever o risco, ainda que, por vezes, as coisas se revelem mais difíceis do que inicialmente era suposto. O mesmo acontece com os especialistas das ciências da saúde. ✓ Já na família das ciências sociais e humanas, apesar de um grupo importante partilhar as crenças dos especialistas das ciências naturais, um conjunto cada vez maior de investigadores prefere abordar as questões do ponto de vista hermenêutico e das teorias do significado: sem desprezar os dados “duros” e as séries estatísticas, que consideram preciosos instrumentos de previsão, estes investigadores reconhecem que os seus resultados se referem a probabilidades. No caso concreto do estudo do risco, a sua abordagem privilegia os fundamentos da prevenção, uma vez que as suas investigações se interessam sobretudo por sujeitos em situação, pela sua perceção da ameaça, pelos fatores que constroem
  • 2. essa ameaça, e pela consciência da responsabilidade dos sujeitos na manifestação dos perigos. Os autores que consagraram uma boa parte das suas investigações à análise das sociedades avançadas e da sua cultura1 acham que a nossa sociedade atual não se assemelha a nenhuma outra e, sobretudo, que ela se distingue nitidamente da que a precedeu. Vimos de uma primeira “modernidade”, e estamos a entrar no que alguns chamam “modernidade avançada”, ou “hipermodernidade”, ou “segunda modernidade” e a que outros preferem chamar “pós-modernidade”. A maior parte dos especialistas das ciências humanas situa a emergência deste novo tipo de sociedade na década de 1950 a 1960, logo a seguir à segunda guerra mundial. Todos concordam que a extensão das transformações é enorme. Elas traduzem-se em alterações profundas, de efeitos “des-securizantes”, pois afetam a nossa forma de pensar o mundo, de nos percepcionarmos a nós mesmos, de representarmos o presente e o futuro, e tudo isto conduz ainda a modificações nas nossas práticas culturais, nas nossas relações inter-individuais e inter-grupos, e nos nossos valores. Todavia, e embora concordem com o cenário global, os investigadores dividem-se em vários aspetos. Primeiro, a respeito do nome que deve ser dado a este período. Para simplificar, podemos dividir os autores em dois campos. Enquanto Lyotard (1979) e Rorty (1990) acham que entramos num período de pós-modernidade, outros autores, como Giddens (1990), Habermas (1986, 1988) e Touraine (1992) preferem falar de segunda modernidade, ou de modernidade avançada, ou hipermodernidade. Esta divergência a respeito do nome reflete divergências mais profundas. Para os pós-modernos, Lyotard e Rorty, a nossa época está em ruptura com a que a precedeu. Dela rejeita os “grandes dogmas” e diversos valores. O prefixo “pós” não designa só o que vem a seguir, mas também e sobretudo o que é contrário ao que o precede. As noções metafísicas, nas quais tínhamos o costume de basear os nossos 1 Por cultura, deve entender-se, neste caso, a representação que uma sociedade faz do seu conhecimento, da sua ciência, das suas artes, dos seus valores, das suas formas de viver em conjunto, do seu bem-estar, das suas instituições sociais e políticas e da sua pertinência.
  • 3. raciocínios, de fundamentar as nossas ações e os nossos juízos sobre o Verdadeiro, o Bem, e o Belo, perderam a sua autoridade; por outro lado, nenhuma verdade pode ser considerada universal. Este estilhaçar dos grandes discursos (os três R, a Razão, a Religião e a Revolução) é um facto social que não pára de nos inquietar. No entanto, para estes dois pensadores pós-modernos, esta viragem e as inquietações que suscita têm algumas vantagens: por exemplo, o “fim das verdades universais” dá lugar à “diferença” - individual, sexual, moral, étnica; por outro lado, o fim da fé na Autoridade intelectual dos sábios e dos juízos dos chefes políticos e religiosos remete-nos para a nossa própria consciência - o que já acontecia na época das “Luzes”, mas, na época contemporânea, é possível procurar e encontrar, entre todos os conhecimentos disponíveis, os mais adequados, os melhor adaptados à situação vivida, local, real, de acordo com o nosso juízo. Podemos agora criticar as opiniões dos especialistas; tomamos consciência da responsabilidade humana naquilo que nos acontece. A partir de agora, para os pós-modernos, a verdade, o bem, o belo são transitórios e locais. São a conclusão de debates e o fruto de consensos. São “pequenos discursos” por oposição às “Grandes Narrativas” que estiveram na base das certezas da época das “Luzes”. Esta visão dos pós-modernos tem parecido demasiado radical à maioria dos investigadores e analistas que refletem sobre a nossa época.; nos seus escritos dos anos 1990, rejeitam-na violentamente, receosos das consequências; no entanto, vários sem nunca o confessar, adotam alguns dos seus elementos nos escritos dos anos 2000. Comecemos, então, pelo que é semelhante nos diversos autores deste segundo grupo, que qualificam a nossa época como “segunda modernidade” ou “modernidade avançada” e pelo que os distingue dos pós-modernos. Segundo eles, o nosso tempo não rompe com a época precedente. Reconhecendo que as ideias revolucionárias mostraram os seus limites, e que as religiões estão em perda de velocidade (dois R), acham, no entanto, que a razão ainda não disse a sua última palavra e que continua a ser o instrumento indispensável do conhecimento; se está em perigo, há que salvá-la (Touraine, 1992). Entre os partidários da “segunda modernidade”, podemos distinguir dois subgrupos: os observadores nostálgicos que se transformam muitas vezes em censores pessimistas diante de uma cultura contemporânea caracterizada pelo individualismo, pelo hedonismo, pelo “instantaneismo”, pelo culto da imagem; e outros
  • 4. mais inventivos, como Giddens e sobretudo Habermas, que confiam no diálogo e no consenso como novos fundamentos da verdade e do bem. Em resumo, e para além das diferenças, os estudiosos da nossa época reconhecem que ela é perturbadora, traz consigo a insegurança e é geradora de sentimentos de incerteza. Enquanto os pós-modernos vêem vantagens nestas mudanças de que não negam o alcance e a profundidade, no outro grupo, uns ficam desolados e fazem apelo ao retorno puro e simples à “boa velha” modernidade, enquanto outros acreditam em possíveis acomodações entre a primeira e a segunda modernidade; entre estes, alguns reconhecem que estes tempos perturbados são favoráveis a uma postura reflexiva e, sem dúvida, preventiva, pois os conhecimentos científicos e a sua disseminação permitem agora entrever a extensão da responsabilidade humana nos riscos e perigos que nos ameaçam. A maioria dos autores reconhece três causas para estas grandes mudanças da cultura: 1. Os desenvolvimentos científicos e as transformações tecnológicas Todos os autores referidos atribuem a responsabilidade por uma grande parte das mudanças que caracterizam a época contemporânea ao fulgor dos progressos científicos e tecnológicos de que as sociedades avançadas beneficiaram desde o fim da segunda guerra mundial. São estas as causas principais da transformação da cultura, da economia e das relações humanas.A emergência das preocupações ecológicas são uma manifestação destas mudanças perturbadoras. 2. As transformações institucionais Nem todos os riscos são “físicos” e nem todos afetam diretamente a saúde e o ambiente. Nos países avançados, é evidente também a fragilização das instituições tradicionais, a família, a escola e a organização do trabalho. Esta vulnerabilidade crescente das instituições sociais, em especial no que diz respeito ao pleno emprego, constitui o risco mais extenso e o mais atual.
  • 5. 3. A economia de mercado Uma outra mudança social de grande impacto veio perturbar todas as relações desde meados dos anos 1980: a passagem do capitalismo de Estado ao neo-liberalismo e à lei do mercado, a que os Estados nacionais longe de resistir, têm vindo a recorrer, submetendo a ele os seus funcionários, os profissionais de saúde e dos serviços sociais. Por exemplo, os controlos sociais e penais sobre os marginais e os socialmente carecidos têm obedecido cada vez mais a considerações “económicas” do que a preocupações com o bem comum e com os valores do Estado moderno.