2. • CAPÍTULO 1 •
DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA
O filósofo não cria a moral; reflecte
sobre a que já existe, critica-a, depura-a
e sistematiza-a, mas não a inventa.
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3. FILOSOFIA
ética como uma realidade se distingue do pensamento
que sobre ela se exerce. Numa primeira aproximação,
A Dimensão Ético-Política. podemos, então, dizer que a ética é uma reflexão sobre a
3 Março 2009 moral.
Assim sendo, a moral é um conjunto de princípios,
normas, juízos e valores de carácter prescritivo que,
vigentes numa dada sociedade, são interiorizados pelos
seus membros, antes de qualquer reflexão sobre o seu
Intenção Ética e Norma Moral. significado e a sua importância. Por seu turno, a ética
será a reflexão sobre essa esfera da conduta humana,
Ética e Moral. tendo por finalidade encontrar o agir bem, a vida
orientada pelo bem. Reflectindo sobre a conduta e o
“Os especialistas de filosofia moral não se entendem
comportamento dos seres humanos, sob o prisma da
quanto à repartição do sentido entre os termos moral e
bondade e da maldade, da justiça e da injustiça, a ética
ética. A etimologia é, a este propósito, inútil, na medida
propõe-se encontrar o sentido moral da vida, com vista
em que um dos termos vem do latim e outro do grego e
à sua realização.
os dois se referem, de uma maneira ou de outra, ao
domínio comum dos costumes.” Paul Ricoeur. Existe, por conseguinte, um primado da ética sobre a
moral. A lei moral, a norma, será apenas um meio para
O texto indica-nos que a etimologia dos termos moral e
se alcançar a verdadeira finalidade, isto é, uma vida
ética não é suficiente para clarificar as diferenças que
moralmente realizada.
existem entre eles. Moral provém do latim, enquanto
ética provém do grego e tinham nas suas línguas de A disciplina que reflecte sobre essa finalidade é,
origem significados muito semelhantes. No entanto, na obviamente, a ética. Por isso, cabe à ética estudar os
linguagem filosófica habitual, a moral distingue-se da comportamentos e os diversos códigos morais,
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4. analisando os problemas morais e proporcionando Esta tarefa do filósofo revela-nos a importância da ética
princípios e critérios que justifiquem estas ou aquelas na nossa vida. Ela ajuda-nos a fazer avaliações morais
normas. mais justas, a fundamentar racionalmente as nossas
Nesse sentido, a moral é objecto da ética ao nível da decisões, a conhecermo-nos melhor e a aperfeiçoarmo-
fundamentação, proporcionando à ética um conjunto de nos, possibilitando-nos um maior discernimento em
códigos e normas sobre os quais ela reflecte. Sendo uma matéria de moral individual e no âmbito da moral
reflexão teórica sobre a moral, a ética fornece a pública. Em especial, recorremos à reflexão ética,
justificação e a validação da moral, influenciando assim quando se nos deparam dilemas morais. Dilemas
os comportamentos e as atitudes. Ela analisa a morais são conflitos de valores, que decorrem da
natureza, a função e o valor dos juízos morais, circunstância de esses valores se revestirem de idêntica
ajudando-nos a fazer avaliações morais mais importância.
ponderadas, quer quanto ao comportamento alheio e ao Um exemplo simples permite perceber este problema.
papel das instituições, quer, sobretudo, quanto ao nosso Suponhamos que um amigo nosso cometeu um roubo.
comportamento e às nossas decisões. Se nos inquirirem quanto ao crime, devemos denunciar
“O filósofo não cria a moral; reflecte sobre a que já o nosso amigo ou não? A verdade e a amizade são os
existe, critica-a, depura-a e sistematiza-a, mas não a dois valores que aqui estão em conflito.
inventa. O que faz é: Existem inúmeras situações na nossa vida que nos
✓ Analisar a linguagem da moral. colocam perante estes conflitos: a eutanásia, o aborto, a
fecundação in vitro, a poluição ambiental, etc.,
✓ Mostrar o carácter moral do homem
representam outras tantas situações que nos colocam
individualmente e em comunidade.
perante a necessidade de reflexão ética, sublinhando a
✓ Rever filosoficamente a moral histórica já criada
sua importância, não só na esfera individual, como
e, especificamente, os problemas morais da
também no domínio público.
actualidade.” (Paul Ricoeur)
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5. normas exteriores, nem sempre coincidentes com a
Intenção Ética e Norma Moral. interioridade.
Assim, a intenção é avaliada pela norma.
Sendo objecto de estudo teórico por parte da ética, as A norma será o padrão de medida, servindo de modelo
normas morais servem de guias de acção, embora não de comportamento a nível social. Uma vez que o
sejam absolutas e estejam sempre sujeitas a posterior indivíduo vive sempre inserido numa sociedade, a qual
revisão. Se as normas conduzem a impasses práticos, se rege por códigos de conduta institucionalizados que
então é preciso recorrer à intenção ética para as aplicar servem de padrão ou medida de avaliação das acções
ou, até, reformular. praticadas pelos diversos membros, a intenção ética
confronta-se necessariamente com o contexto moral
Mas qual é a diferença entre intenção e norma?
próprio dessa cultura.
“As minhas intenções são inclinações conscientemente
Assim sendo, enquanto a intenção representa o lado
aceites e assumidas por mim. (...) A intenção é sempre
pessoal e íntimo da acção, as normas são
intenção de realizar algo, é sempre activa, implica uma
institucionalizadas, suprapessoais, encontrando-se fora
certa tensão, tendo em vista a realização de uma acção
do indivíduo, embora este as interiorize.
(...). Quando tencionamos realizar algo, pomo-nos
numa certa tensão para executar o que Enquanto a intenção é da responsabilidade do sujeito
tencionamos.” (Paul Ricoeur) da acção, remetendo para a sua autonomia, a norma
impõe-se a partir do exterior, remetendo para a
Se a intenção é conscientemente aceite e assumida por
heteronomia. Enquanto a intenção é conscientemente
mim, então isso significa que ela é o fundamento
assumida, as normas integram-se em códigos, servindo
interior da acção. Mas nem toda a intenção pode ser
de modelos de avaliação das acções e tendo subjacentes
satisfeita; ela confronta-se com os costumes e com as
a si um conjunto de valores socialmente legitimados.
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6. Em conclusão, importa sublinhar que as normas
obrigam, porque expressam valores em que a sociedade
acredita e o indivíduo também, desde que já tenha
passado pelo processo de socialização e integrado esses
valores. É por isso que, em parte, as alternativas morais
individuais já se encontram canonizadas, havendo uma
coincidência dos códigos externos com a nossa
autodeterminação. Mas nem todas as normas são
universais. Os dilemas morais servem de exemplo disso
mesmo. Além disso, poderão existir certas normas
sociais que será sensato questionar, sobretudo se
puserem em causa a dignidade da pessoa humana.
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7. • CAPÍTULO 2 •
A DIMENSÃO PESSOAL E SOCIAL DA ÉTICA – O SI MESMO, O OUTRO E AS
INSTITUIÇÕES
A opinião que cada um tem de si mesmo
reflecte a opinião dos outros sobre si, ou, para
sermos mais rigorosos, reflecte a maneira como
cada indivíduo imagina que os outros o
avaliam.
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8. A Dimensão Pessoal e Social da Ética – o si Cada sociedade possui uma série de normas, acerca dos
mesmo, o outro e as instituições. comportamento desejáveis e indesejáveis, que os
indivíduos devem ou não realizar. Além disso, a moral
Ser Humano – ser de interacção. também não teria sentido, se não houvesse da parte do
indivíduo, integrado na sociedade, o desejo de uma vida
O ser humano constrói a sua identidade pessoal através melhor e mais perfeita. Este desejo articula-se com a
da interacção social. É um ser relacional. Segundo Paul auto-estima, que conduz ao reconhecimento da
Ricoeur, a ética distribui-se por três pólos em reciprocidade.
interacção: De facto, o si só de reconhece a si mesmo na vivência
➡ O pólo-eu com e para os outros. A auto-estima dará lugar à
➡ O pólo-tu solicitude, quando o outro aparece diminuído na sua
capacidade de agir. A solicitude permite reduzir as
➡ O pólo-ele.
desigualdades na relação com os outros.
Este último refere-se às instituições. Sendo assim, a
Mas esta relação é, na maior parte das vezes, mediada
felicidade individual constrói-se na relação com os
pelas instituições. São as instituições que permitem a
outros, através de instituições justas. Uma vida
aplicação da justiça, por forma a garantirem a
realizada e feliz é o fim último da acção moral. Mas,
igualdade, mas respeitando as diferenças.
para além destas três dimensões, não podemos esquecer
a Natureza, enquanto morada na qual decorre a
existências humana. Do Si Mesmo à Consciência Moral.
A ética e a moral não teriam, portanto, qualquer sentido A expressão si mesmo designa o conceito ou a imagem
se o ser humano não fosse um ser natural e se não que o indivíduo tem de si mesmo, isto é, a percepção
vivesse em comunidade. que cada indivíduo tem a respeito de si próprio. A
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9. construção desta representação é complexa e vai é a intuição dos nossos pensamentos, sentimentos e
evoluindo ao longo do tempo. estados psíquicos. Ora, a consciência possui a
Em última análise, a ideia que cada um tem de si capacidade de se desdobrar, ou seja, ela é consciência
mesmo é equivalente ao auto-conceito e à consciência das coisas exteriores e também é consciência de si.
de si como pessoa com identidade própria. Esta Assim, a consciência moral é uma espécie de juiz
representação é constituída por duas dimensões: interior, que ordena o que deve o não deve ser feito,
➡ A auto-imagem. tendo em conta a realização do bem e o impedimento do
mal. Ela aparece como uma força crítica relativamente à
➡ A auto-estima.
acção.
Enquanto a auto-imagem se refere ao modo como a
Mas consciência moral não se forma de uma vez por
pessoa se vê a si própria, ao nível das suas
todas. Ela é fruto de uma lenta evolução. Esta evolução
características corporais, psicológicas e relacionais, a
depende do desenvolvimento cognitivo, das relações
auto-estima diz respeito ao valor que a pessoa atribui a
sociais que o indivíduo estabelece e do meio
si própria.
sociocultural onde vive.
Por outro lado, a opinião que cada um tem de si mesmo
De um modo geral, podemos dizer que a consciência
reflecte a opinião dos outros sobre si, ou, para sermos
moral evolui da heteronomia para a autonomia, ou seja,
mais rigorosos, reflecte a maneira como cada indivíduo
começamos por interiorizar as normas e obedecemos-
imagina que os outros o avaliam.
lhes por medo de castigo – heteronomia -, e esta
O si mesmo vai-se organizando e estruturando em
situação evolui para um patamar mais elevado, ao qual
função das experiências. O sujeito interpreta estas
nem todos chegam, que consiste em nos auto-
experiências, a partir da sua própria consciência.
determinarmos em função de princípios e valores
O que é, então, a consciência? É o conhecimento mais morais justificados de forma racional – autonomia.
ou menos claro e imediato daquilo que se passa em nós;
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10. Para além de tudo o mais, a consciência moral é uma ou optar pelo Mal. Destas escolhas, obteremos ou a
presença intermitente, porque só intervém quando satisfação do dever cumprido ou o remorso do seu
temos de enfrentar problemas e conflitos de natureza incumprimento.
moral. Mas a liberdade moral pode também ser encarada a um
outro nível.
Liberdade. Com efeito, ao assumir a responsabilidade por uma
Sendo dotados de consciência moral, podemos optar determinada acção, estou também a assumir a
livremente. autonomia e o poder para dar a mim próprio uma lei
moral.
Tendo consciência das consequências dos nossos actos,
podemos ser responsabilizados por eles. Deste modo, sou um legislador moral e detenho uma
autonomia e independência em relação às leis da
Em que consiste, então, a liberdade moral?
natureza.
A experiência mostra-nos que alguns dos nossos actos
Sendo assim, serei livre, por uma lado, enquanto
escapam ao domínio da razão, sendo provocados por
manifesto a minha independência relativamente aos
forças e causas que não somo capazes de controlar.
desejos naturais e às inclinações egoístas, e, por outro
Além disso, existem acções involuntárias que só
lado, enquanto desenvolvo uma atitude de submissão às
dificilmente poderemos fazer depender da nossa
lei morais que dou a mim próprio.
liberdade.
Ainda assim, não deixamos de nos considerar livres.
O Outro e a Responsabilidade.
Sentimo-nos detentores de uma liberdade interior, que
escapa a qualquer coacção externa. Isto significa que Agindo livremente, somo responsáveis pelas nossas
podemos respeitar ou infringir as normas morais, acções. E o que é a responsabilidade?
podemos cumprir ou não o nosso dever, escolher o Bem
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11. Em termos do Direito Civil, a responsabilidade é a nossa relação com os outros. Por isso, somos também
obrigação de reparar o mal feito a alguém. Em termos responsáveis perante o outro.
de Direito Penal, exprime a situação daquele que pode Mas quem é o outro?
ser punido por um delito ou por um crime.
Em muitos discursos filosóficos contemporâneos, o ser
Na filosofia e na moral, a responsabilidade é a humano passou a ser definido essencialmente como
consciência de se ser autor de determinado acto ou relação. Ao primado do indivíduo, sobrepõe-se o
objecto. É facto de o indivíduo ter de responder pelos primado da relação, do encontro, da comunicação, da
seus actos, assumindo-os e reconhecendo-se autor recirpocidade.
deles.
➡ O sermos-uns-com-os-outros é um dado
A quem pedir responsabilidades? primário da existência humana. O outro é
À pessoa, naturalmente, porque é livre e capaz de imprescindível à constituição do eu. O outro é o
discernir o bem do mal. Ainda assim, podemos admitir meu semelhante, sendo, ao mesmo tempo,
a existência de uma partilha de responsabilidades por diferente de mim. Na minha relação com ele,
parte de várias pessoas envolvidas numa acção comum. posso encará-lo sob três aspectos:
É o que alguns autores designam de responsabilidade ➡ Como concorrente. – o outro é aquele com
solidária. quem nada tenho a ver, aquele que disputa o
Perante quem somos responsáveis? meu lugar e contra quem tenho de competir,
Desde logo, somos responsáveis perante nós mesmos e numa relação de conflito, por vezes até de
perante a nossa consciência. aniquilação. (escusado será dizer que, a este
nível, não existe preocupação ética).
Cada um dos nossos actos contribui para a construção
de nós próprios. Por outro lado, esses actos definem a ➡ Como elemento de um contrato. – certas
teorias sociopolíticas consideram que os
indivíduos são mónadas que estabelecem
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12. contratos entre si, uma vez que não podem benefícios usufruímos. Além disso, somos responsáveis
sobreviver uns sem os outros. A relação com o para com as gerações futuras. A nossa acção de hoje não
outro é apenas acidental e estratégica, deve comprometer a sobrevivência humana no futuro.
reduzindo-se a um pacto de não agressão, uma A relação intersubjectiva (relação eu-tu) passa
forma de assegurar a defesa de interesses sobretudo pelo diálogo, num contexto social,
distintos e antagónicos. caracterizado pela existência de instituições.
➡ Como um tu-como-eu. – quando o outro for Instituições, perante as quais temos uma dívida
visto como um outro eu, a quem se concede a cultural.
dignidade de pessoa. Só assim estaremos diante
E o que são instituições, afinal?
dessa dimensão ética de sermos uns-com-os-
São conjuntos de convenções ou regras constitutivas,
outros. Nas experiências do acolhimento, do
que definem e determinam posições e relações numa
amo r, da am izade é que se de scobre
área determinada de modo convencional. Ou seja. As
autenticamente essa dimensão, reconhecendo-
instituições estabelecem, através de regras, os papéis e
se o outro como um valor absoluto, com
os estatutos de cada indivíduo, impondo limites e
dignidade própria.
obrigações.
Reconhecendo no outro essa dignidade, sou capaz de
Desde a família às instituições educativas, económicas,
ver nele uma identidade distinta, um universo de
políticas, culturais, religiosas, o objectivo destas
significações diferentes do meu, exigindo da minha
diferentes esferas consiste em regular e pautar as
parte uma atitude ética.
relações interpessoais. Por isso, na vida em sociedade, o
O outro possui direitos e perante ele devo assumir os
agir individual encontra-se mais ou menos
meus deveres.
institucionalizado, o que significa que existem regras de
Temos uma responsabilidade actual perante o outro que comportamento que definem o que é aceitável ou
vive sob o nosso encargo e perante a sociedade, de cujos reprovável.
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13. É neste contexto que podemos falar de consciência
cívica. Inseparável da consciência moral, ela refere-se à
convivência social.
A consciência cívica é, portanto, o que nos permite
compreender as regras e normas institucionais, mas
também pôr essas regras em causa, em função da nossa
consciência moral.
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