Este documento compara as teorias de Aristóteles e John Locke sobre a origem do Estado. Segundo Aristóteles, o Estado resulta de um processo natural, uma vez que o ser humano é um "animal político" por natureza. Já para Locke, o Estado resulta de um processo convencional através de um contrato social, uma vez que os indivíduos decidem criar o Estado para proteger direitos naturais como vida e propriedade.
4. Para Aristóteles, o Homem é por natureza um “animal político”.
A natureza do ser humano só é cumprida pela política (governo da polis), libertando-o
de formas de associação mais imperfeitas.
É de uma forma natural que o ser humano se associa em sociedades ou
comunidades de modo a suprir as suas diversas necessidades e/ou carências.
É na relação com os outros que o ser humano se constrói a si próprio (parafraseando
Aristóteles: aquele que não precisa do outro ou é uma “besta” ou um “deus”).
Não podemos considerar uma parte sem termos em atenção o seu todo; é por isso
que, para Aristóteles, não devemos isolar o indivíduo do todo a que pertence (crítica
de Aristóteles ao “individualismo”).
5. Segundo Aristóteles, a cidade é anterior ao indivíduo, pois o todo é anterior às partes.
Deste modo, tal como um braço só o é no organismo que o suporta e só cumpre a sua
função nesse organismo, também o Homem só o é se estiver inserido na cidade, ou
seja, só assim completa a sua natureza e cumpre a sua função. O organismo é anterior
aos seus órgãos na medida em que sem o organismo os órgãos não cumpririam a sua
função. O mesmo se passa com a cidade: ela é anterior ao indivíduo porque este só o é
se fizer parte integrante de uma sociedade.
A cidade é a forma mais perfeita de associação entre os homens, sendo nela que o
cidadão pode ascender à plena concretização da sua vida política e do seu próprio ser,
da sua própria natureza. O exercício político, assim, permitir-lhe-á realizar-se
integralmente como ser humano.
Só a cidade, pela sua autossuficiência, cumpre a verdadeira natureza do Homem,
permitindo-lhe realizar o seu ideal de vida boa (eu zen)/felicidade (eudaimonia),
possibilitando-lhe atingir a excelência (aretê), a virtude de uma vida superior.
Deste modo, para Aristóteles, a Política é indissociável da Ética, sendo a finalidade do
Estado permitir ao Homem a realização da sua humanidade na relação com os outros.
Não há Homem sem sociabilidade e sem Política.
6. As várias formas de associação do ser humano (família, aldeia, cidade) indicam
os vários níveis de necessidades inerentes ao Homem; são elas de ordem
física, intelectual e moral (ex.: a auto-preservação (relação senhor-escravo), a
reprodução (relação homem-mulher) são necessidades primárias do ser
humano; a vida ativa na polis e a procura do saber são necessidades de ordem
superior.
Concluindo: para Aristóteles, a cidade (cidade-Estado) é a forma mais perfeita
de associação humana porque é o culminar de todo um processo organizativo e
racional porque só aí o ser humano se cumpre e realiza totalmente.
7. Cidade-Estado
Polis
Aldeia
Kome
Família
Oikos
• É uma comunidade completa,
formada por uma conjunto de aldeias;
é autossuficiente
(ἀυταϱχεία/autarkheia), autónoma.
• Para além de preservar a vida,
assegura e proporciona a vida boa.
• Conjunto de famílias.
• Supre algumas necessidades
que vão para além das
necessidades quotidianas.
• Supre as necessidades mais
básicas do ser humano.
• É a forma mais elementar de
associação dos homens.
8. Texto de apoio
“A razão pela qual o homem, mais do que uma abelha ou um animal gregário,
é um ser vivo político em sentido pleno é óbvia. A natureza, conforme dizemos,
não faz nada ao desbarato, e só o homem, de entre todos os seres vivos,
possui a palavra. Assim, enquanto a voz indica prazer ou sofrimento, e nesse
sentido é também atributo de outros animais, (…) o discurso, por outro lado,
serve para tornar claro o útil e o prejudicial e, por conseguinte, o justo e o
injusto. É que, perante os outros seres vivos, o homem tem as suas
peculiaridades: só ele sente o bem e o mal, o justo e o injusto; é a comunidade
destes sentimentos que produz a família e a cidade.
Além disso, a cidade é por natureza anterior à família e a cada um de nós,
individualmente considerado; é que o todo é, necessariamente, anterior à
parte. (…) É evidente que a cidade é, por natureza, anterior ao indivíduo,
porque se um indivíduo separado não é autossuficiente, permanecerá em
relação à cidade como as partes em relação ao todo. Quem for incapaz de se
associar ou que não sente essa necessidade por causa da sua
autossuficiência não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho ou um
deus.”
Aristóteles, Política, ps. 52-56
9. Segundo John Locke, a origem do Estado não é natural, é da
ordem da convenção, resultando da decisão e da vontade humanas.
Para Locke, existem dois momentos fundamentais na História da Humanidade: o
Estado de Natureza (Direito Natural) e o Estado Político ou Positivo (Direito
Positivo).
No Estado de Natureza, o Homem tem para si individualmente uma lei natural
que lhe é inerente enquanto ser racional; nasce, por isso, livre e igual, como
indivíduo, com direitos que lhe são próprios (direitos naturais). Destes direitos há
que destacar os seguintes: liberdade, vida e propriedade.
Nesse Estado de Natureza, anterior à organização política do Homem, os
indivíduos viviam uma espécie de paz, cooperação e concórdia auto-regida pela
lei natural, que cada um interpretava individualmente.
10. Ao surgirem desentendimentos relativamente à interpretação da lei natural, com o
eclodir de constantes conflitos que punham em causa os direitos naturais e também
devido à falta de leis que regulassem e protegessem os indivíduos e os bens, os
homens sentem a necessidade de criarem convencionalmente um contrato social de
modo a minorarem os problemas referidos – surgem então o Estado como
Sociedade civil ou Estado em que vigora o direito positivo e a vida política.
O contrato social pelo qual os indivíduos transferem os seus próprios direitos para o
Estado, fez com que este último velasse pelo cumprimento da lei, possibilitando a
paz, a autoconservação, a liberdade e outros direitos naturais. Surge, assim,
convencionalmente, a divisão tripartida dos poderes: poder legislativo, poder
executivo e poder judicial.
No Estado resultante do Contrato Social e em que vigora o direito positivo cada
um abdica de parte da sua liberdade para poder garantir a sua segurança e a dos
seus bens, sacrificando assim a sua liberdade natural para construir uma
comunidade política fundada na lei .
11. O poder do Estado, nesta conceção, não é absoluto, é antes condicionado e
legitimado enquanto garante e salvaguarda do bem comum e da defesa dos
direitos naturais – vida, liberdade e propriedade.
Concluindo: segundo Locke, a organização política do Homem na sociedade
não é algo de natural, mas algo que resulta de uma convenção, de um
contrato – posição contratualista. Assim, e diferentemente de Aristóteles,
Locke considera que o indivíduo ou a parte existe e está antes do todo e só
deste modo o todo ganha legitimidade.
12. Texto de apoio
“Portanto, o género humano, não obstante todos os privilégios do estado
natural, (…) bem depressa procura a sociedade (…). As inconveniências a que
eles aí estão expostos, em consequência do exercício irregular e incerto do
poder que todo o homem tem de punir as transgressões dos outros, fá-los
procurar o abrigo de leis estabelecidas, e o de um governo a fim de
assegurarem as suas propriedades. Isto é o que os faz ceder
espontaneamente o seu poder de punir, a fim de ele ser unicamente exercido
por aquelas pessoas que para isso forem por ele escolhidas, e de ser dirigido
somente por aquelas regras, que a sociedade, ou os autorizados por eles para
esse fim estabelecerem; e é nisto em que consiste o direito original e o
princípio do poder tanto legislativo como executivo, bem como o dos governos
das mesmas sociedades.”
J. Locke, Ensaio sobre a Verdadeira Origem, Extensão e Fim do
Governo Civil, ps. 105-106