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Regulatório em Mudanças Climáticas no Brasil:
       Contribuições da Sociedade Civil




Parte I: Justificativa

Parte II : Estudo Científico, José Goldemberg

Parte III : Minuta de Projeto de lei




                     www.oc.org.br
Expediente

Autoria: Observatório do Clima – Rede Brasileira de ONGs e Movimentos Sociais em Mudanças
Climáticas – www.oc.org.br

Coordenação da Pesquisa e Facilitação: Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de
Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (GVces, EAESP-FGV) – www.fgv.br/ces

Coordenador do GVces: Mario Monzoni

Coordenação de Pesquisa e de Facilitação: Rachel Biderman Furriela

Orientação Estratégica: Fabio Feldmann e Paulo Moutinho

Estudo Científico: José Goldemberg

Revisão: Joana Setzer

Pesquisadores: Camila Haddad, Cintia Messias Dall’agnol, Deborah Baré Hubner, Evangelina
Vormittag, Joana Setzer, Juarez Campos, Luciana Stocco Betiol, Marina Schurr, Patrícia Mesquita,
Rafael Saghy, Raquel Luna Viggiani, Renata Portenoy, Ricardo Barretto

Apoiaram a execução desta iniciativa: Adriana Ramos, Alexandre Prado, Ana Cristina Barros,
André Ferretti, André Guimarães, Clovis Borges, Erika Paula, Florence Laloe, Guarany Osório,
Laura Valente de Macedo, Lidia Parente, Marcelo Furtado, Márcia Hirota, Marcio Santilli, Maria
José Gontijo, Mario Mantovani, Miguel Calmon, Nurit Bensusan, Osvaldo Stella, Paulo Prado,
Saulo Andrade, Sérgio Leitão

Agradecimentos Especiais: Adriana Kfouri, Agenor Mundim, Alex Hubner, André Trigueiro,
Aspásia Camargo, Clarissa Lins, Cristiane Fontes, Daniela Sanches, Débora Wainstock, Deputado
Eduardo Gomes, Deputado Fernando Gabeira, Deputado José Sarney Filho, Deputado Mendes
Tame, Deputado Rodrigo Rocha Loures, Eduardo Jorge, Gladis Ribeiro, Jaime Gesisky, Janine
Saponara, Israel Klabin, Roberto Schaeffer, Rogério Bento, Senadora Marina Silva, Sergio
Besserman, Simone Messias, Sonia Araripe


Organizações Apoiadoras:

Conservação Internacional - CI
Instituto Bioatlântica
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Internacional de Educação do Brasil - IEB
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável - FBDS
Fundação SOS Mata Atlântica
Fundação O Boticário
Governos Locais pela Sustentabilidade - ICLEI
Greenpeace
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem - SPVS
The Nature Conservancy - TNC


Apoio financeiro para viabilização desta iniciativa foi concedido pela Embaixada Britânica em
Brasília e pelas instituições apoiadoras acima descritas.


Brasília, 26 de Novembro de 2008

                                                                                              2
Índice de Ilustrações

Figura 1 – Oscilação da temperatura média da Terra ........................................................................ 8
Figura 2 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério
Norte .................................................................................................................................................... 9
Figura 3 - Aparelho de medição das bolhas de ar aprisionadas no gelo .......................................... 10
Figura 4 - Visão microscópica de bolhas de ar aprisionadas no gelo............................................... 10
Figura 5 - Estação Britânica de estudo do gelo do pólo Ártico ......................................................... 11
Figura 6 – Concentração de gases de efeito estufa na atmosfera ................................................... 11
Figura 7 - Aumento da Concentração de CO2 na Atmosfera (em partes por milhão), desde o início
da Revolução Industrial (1870), até o início do século 21. ............................................................... 12
Figura 8 – Imagem do Furacão Catarina .......................................................................................... 15
Figura 9 – Seca na Amazônia ........................................................................................................... 16
Figura 10 – Seca na Amazônia ......................................................................................................... 16
Figura 11 – Seca na Amazônia ......................................................................................................... 16
Figura 12 - Diagrama geral de um Estado ........................................................................................ 32
Figura 13 - Emissões de CO2 por mudança de uso do solo ............................................................ 59


Gráfico 1. Emissões mundiais de GEE por setor em 2000 - (inclui mudanças do uso do solo) ...... 20
Gráfico 2: Emissões líquidas de CO2 por mudanças de uso da terra ocorridas no Brasil, entre 1988
e 1994, por bioma. ............................................................................................................................ 23
Gráfico 3 - Emissões de Carbono por setor no Brasil em 2006 ........................................................ 36
Gráfico 4 - Consumo energético por setor ........................................................................................ 37
Gráfico 5 - Consumo energético do setor por fonte .......................................................................... 38
Gráfico 6 - Porcentagem de emissões em 2003 em relação às metas de Quioto ........................... 56
Gráfico 7- Emissões brasileiras por setor ......................................................................................... 61
Gráfico 8 -Taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal (1988 à 2006)............................... 61
Gráfico 9 - Consumo “per capita” de Eletricidade nos Estados Unidos e na California ................... 62


Tabela 1 – Ocorrência de desastres naturais no Brasil no intervalo entre 1970 .............................. 14
Tabela 2: Emissões mundiais cumulativas de CO2 devido à mudança histórica no uso da terra
entre 1700-1990 (Mt CO2) ................................................................................................................. 22
Tabela 3: Desflorestamento Mundial ................................................................................................ 22
Tabela 4: Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto no 1º período de
obtenção de crédito ........................................................................................................................... 26
Tabela 5: Amazônia Brasileira: variação percentual da vazão (2011 - 2100) .................................. 33
Tabela 6: Bacia do Rio Paraguai: variação percentual da vazão (2011 - 2100) .............................. 33
Tabela 7: Oferta Interna de Energia em 2005................................................................................... 40
Tabela 8: Países do Anexo I ............................................................................................................. 55
Tabela 9: Os 20 maiores emissores de CO2 (não incluindo mudanças de uso do solo) (mil tCO2) . 56
Tabela 10: Os 20 maiores emissores de CO2 (incluindo mudanças de solo do solo) (mil tCO2) ..... 58




                                                                                                                                                          3
Sumário

APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 5
PARTE II:: JUSTIIFIICATIIVA ................................................................................................................. 7
P ART E J UST F C AT V A
                      T
1. CONTEXTO GERAL ....................................................................................................................... 7
2. Introdução à Mudança Climática Global ..................................................................................... 8
    2.1. Eventos Climáticos Extremos ........................................................................................... 13
3. Mudança Climática e o Brasil..................................................................................................... 14
4. Marco regulatório internacional ................................................................................................ 17
5. Posição Brasileira ....................................................................................................................... 18
    5.1. Ações governamentais para redução de emissões ......................................................... 19
6. ASPECTOS SETORIAIS .............................................................................................................. 20
    6.1. Uso do Solo .......................................................................................................................... 21
    6.2. Desflorestamento ................................................................................................................ 21
    6.2.1. Redução de emissões pelo setor de LULUCF ............................................................... 24
    6.3. Uso e ocupação do solo urbano ........................................................................................ 26
    6.4. Resíduos sólidos ................................................................................................................. 28
    6.5. Recursos Hídricos ............................................................................................................... 31
    6.6. Transportes .......................................................................................................................... 35
    6.7. Energia .................................................................................................................................. 38
    6.8. Saúde .................................................................................................................................... 41
7. Referências .................................................................................................................................. 50
PARTE IIII : ESTUDO CIIENTÍÍÍFIICO .................................................................................................... 54
P ART E : EST UDO C E NT F C O
              ST
PARTE IIIII : MIIINUTA DE PROJETO DE LEII .................................................................................... 64
P ART E I : M N UTA D E PRO JETO DE LE
                           R




                                                                                                                                                    4
APRESENTAÇÃO GERAL DESTA PUBLICAÇÃO

Este documento organizado pelo Observatório do Clima – Rede Brasileira de Organizações Não-
Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas, um movimento criado em 2002
que integra organizações de todo o país, pretende contribuir para o processo de discussão no país
de um marco regulatório no tema das mudanças climáticas e auxiliar a sociedade brasileira para a
tomada de decisão e a realização de ações contundentes e urgentes para o combate às causas e
efeitos nocivos do aquecimento global. A premência de ações nessa esfera é notória, e torna-se
ainda mais relevante em face dos desafios recentes impostos pela crise financeira e ambiental
globais. A ação de todos os setores e atores sócio-econômicos em regime de solidariedade é
fundamental, e o futuro do país dependerá das decisões tomadas neste momento histórico, que
será definidor do modelo de desenvolvimento deste milênio. O desafio que se impõe é o da
instalação da ética, solidariedade, respeito aos direitos socioambientais, como valores supremos
que devem ser elevados ao mesmo nível de prioridade do desenvolvimento e sucesso
econômicos.


Espera-se do Brasil liderança e compromisso para a redução de suas emissões de gases de efeito
estufa (GEE) e demonstração de seriedade no ataque ao maior problema que afeta hoje a
humanidade. Seu papel dentre as maiores economias do mundo e sua riqueza em termos de
recursos naturais alçam o país à posição de líder natural no processo de negociações. O novo
período de compromissos das nações em matéria de mudanças climáticas globais terá início após
2012, e para isso espera-se do governo de nosso país responsabilidade, firmeza e liderança nas
tratativas internacionais e compromisso com as futuras gerações. Para tanto é fundamental que o
país assuma interna, e internacionalmente, compromisso obrigatório de redução de suas emissões
de gases de efeito estufa (GEE). Este documento e proposta procuram contribuir para a
construção de metas de redução de emissões para o país, identificando        problemas e ações
possíveis para enfrentá-los, tendo em vista a contribuição brasileira para o equilíbrio climático
planetário.


Esta publicação contém uma justificativa inicial, contendo descrição do contexto geral, para
orientação do leitor sobre o momento histórico e as urgências apresentadas pela sociedade
científica a fim de situar tomadores de decisão dentro do panorama complexo que constituem as
mudanças climáticas, incluindo suas causas e conseqüências. Este documento não se pretende
exaustivo. Constitui um resumo simplificado, cujo objetivo é apenas mostrar uma fotografia do
cenário em que a política pública pretendida é ensaiada.




                                                                                               5
A segunda parte deste documento contém artigo opinativo e científico de autoria do Professor José
Goldemberg (IEE-USP), cujo objetivo é justificar a assunção de metas de redução de emissões
pelo país nas tratativas internacionais, definindo-se metas internas para os diferentes setores da
economia brasileira.


A terceira parte deste documento contém proposta em formato de projeto de lei, para ser
considerada no processo legislativo de aprovação da Política Nacional de Mudanças Climáticas em
trâmite no Congresso Nacional. Pode servir também para outras esferas de governo, como
inspiração para a formulação de políticas sub-nacionais sobre o mesmo tema. Essa proposta
legislativa foi construída ao longo de seis meses, em consulta a especialistas no tema, o que
incluiu reuniões especiais para esse fim, e também, consultas públicas presenciais. As consultas
públicas presenciais foram realizadas em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro ao longo do
segundo semestre de 2008. Além disso, foi construída ferramenta de consulta pública on-line, que
permitiu a coleta da opinião de cidadãos e especialistas de todo o país, disponibilizada pelo site do
Observatório do Clima (www.oc.org.br). O documento é passível de aprimoramento, mas constitui
contribuição relevante para o processo legislativo nacional na matéria. Partiu de uma revisão do
estado da arte da literatura e ciência nessa matéria, incluindo revisão de marcos legais de vários
países do mundo, e de governos sub-nacionais, e da observação de ações promovidas pelo setor
empresarial para o combate do efeito estufa. Levou em consideração as peculiaridades da
economia, cultura, sociedade e meio ambiente nacionais, e também, o estado do conhecimento
sobre a realidade climática no país. Espera-se que seja devidamente aproveitado no processo
legislativo no congresso nacional, em reconhecimento à qualidade da contribuição de relevantes
atores e pensadores dessa matéria no país.




                                                                                                   6
PARTE II: JUSTIIFIICATIIVA
PARTE : JUST F CAT VA


1. CONTEXTO GERAL

O sistema climático terrestre é extremamente complexo e muito resta a ser compreendido pelos
cientistas com relação à magnitude, tempo e impactos das mudanças climáticas vividas na
atualidade. É inquestionável, no entanto, a existência de um aumento da temperatura média global,
e os cientistas, ambientalistas e governos têm buscado alertar a sociedade sobre os impactos
dramáticos que essas mudanças no clima podem ter sobre a saúde humana, os ecossistemas, a
segurança alimentar, a atividade econômica, os recursos hídricos e a infra-estrutura física.


Reconhecidas as incertezas intrinsecas ao processo cientifico, o Painel Intergovernamental de
Mudança Climática (IPCC), corpo de cientistas ligados à Organização Meteorológica Mundial
(OMM) e ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), aponta para a
necessidade de se promover uma urgente ‘descarbonização´ da matriz energética do planeta.
Essa proposta gera enormes impactos de ordem econômica e política, especialmente porque afeta
uma das maiores indústrias do mundo: a do petróleo. Por outro lado, muitos setores da economia
já estão começando a se adaptar e a utilizar fontes alternativas de energia. Diversos países e
governos subnacionais também têm promovido a adoção de políticas públicas no setor energético
com vistas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa antropogênicos.


De um lado, desde a assinatura da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima (UNFCCC) em 1992, a comunidade internacional vem ser esforçando para estabelecer
metas e mecanismos que promovam  a  estabilização das  concentrações  de  gases  de  efeito  estufa  na 
atmosfera.  Busca‐se  assim  alcançar  um  nível  de  emissões  que  impeça  uma  interferência  antrópica 
perigosa no sistema climático, em prazo suficiente a permitir aos ecossistemas uma adaptação natural à 
mudança do clima e a permitir que o desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável. De
outro lado, está claro que as normas internacionais não são suficientes para resolver o problema:
as negociações internacionais são lentas, as normas muito genéricas e de difícil aplicação prática.
A inexistência de um sistema de governo mundial, e a falta de mecanismos de sanção, torna
muitos tratados internacionais pouco eficazes. Sua aplicação depende em grande parte dos
acordos econômicos, subjacentes à ordem política e econômica mundial. Em virtude disso, faz-se
ainda mais premente a aprovação de normas de cunho vinculativo no âmbito dos governos
nacionais e subnacionais, e fortes medidas de combate ao fenômeno do agravamento do efeito
estufa também pelo setor privado, conforme se propõe neste texto.



                                                                                                         7
2. Introdução à Mudança Climática Global
Ao longo dos seus 4,6 bilhões de anos o planeta Terra passou por diferentes ciclos naturais de
aquecimento e resfriamento. Nos últimos 100 anos, entretanto, a escala de tempo em que ocorrem
as mudanças no clima global sugerem que as atividades humanas são fatores preponderantes na
pertubação dos padrões climáticos (Figura 1).1




                                                                                Figure 1.3




Figura 1 – Oscilação da temperatura média da Terra
Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I


Para o IPCC o “aquecimento do sistema climático é inequívoco e agora está evidente como
resultado das observações de aumento das temperaturas médias atmosféricas e oceânicas,
derretimento de neve e gelo generalizado, e aumento do nível médio do mar”. O relatório
prossegue e afirma que “as informações paleoclimáticas confirmam a interpretação de que o
aquecimento do último meio século não foi comum, pelo menos nos últimos 1.300 anos. Na última
vez em que as regiões polares ficaram significativamente mais quentes do que no presente
durante um período longo (cerca de 125.000 anos atrás), as reduções no volume do gelo polar
acarretaram uma elevação do nível do mar de 4 a 6 metros”.


O painel de cientistas da ONU ressalta o impacto das atividades humanas na modificação
inequívoca do clima global. O consumo excessivo de energia, principalmente pela queima de
combustíveis fósseis, promoveu um acúmulo de gases do efeito estufa, particularmente de dióxido

1
 A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aprovada em 1992, define esse fenômeno da
seguinte forma: “Mudança que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana, que altere a composição da
atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos
comparáveis.”



                                                                                                                      8
de carbono (CO2) e metano (CH4), levando a um aumento progressivo na temperatura global.
(HAINES e PATZ, 2004)


O Quarto Relatório do IPCC indica que as taxas anuais de gases do efeito estufa (GEE) estão em
expansão: no período entre 1970 e 2004 as emissões aumentaram 70%, de 21 para 38 bilhões de
toneladas anuais. O relatório afirma ainda que entre 1995 e 2006 encontram-se os anos mais
quentes desde que tiveram início os registros históricos de medição da temperatura da superfície
terrestre, em 1850. (IPCC, 2007) (Figura 2).




Figura 2 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte. (a)
temperatura média global da superfície, (b) média global da elevação do nível do mar (c) cobertura de neve do
Hemisfério Norte para março-abril. Todas as mudanças são relativas às médias correspondentes para o
período de 1961 a 1990.
Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I.


Caso não houvesse na atmosfera compostos como o CO2, em razão do balanço energético natural
do planeta com o sol, a atmosfera e o espaço a temperatura média próxima à superfície da Terra
seria cerca de 17oC abaixo de zero. A presença na atmosfera de gases com características
“estufa” - além do CO2, o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os hidrofluorcarbonos (HFCs), os
perfluorcarbonos (PFCs) e o hexafluoreto sulfúrico (SF6) - permite a passagem das radiações
solares juntamente com a absorção da radiação térmica emitida pela Terra, elevando a
temperatura média da atmosfera próxima à superfície terrestre para cerca de 15oC (SECRETARIA
DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2005).


                                                                                                           9
No entanto, a reconstrução da evolução da temperatura durante os últimos 1000 anos indica que
as modificações no clima global verificadas nas últimas décadas não estão relacionadas
exclusivamente a causas naturais e reforçam a influência da interferência humana. Estudos em
amostras de geleiras na Antártica indicam que as concentrações de carbono nos extratos mais
recentes são as mais altas dos últimos 420.000 anos e, provavelmente, dos últimos 20 milhões de
anos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007). Ou seja, a concentração de CO2 nas geleiras das
calotas polares comprovou que a presença desse gás na atmosfera vem aumentando de forma
acentuada – especialmente nos últimos dois séculos -, aumento este que intensifica a ocorrência o
chamado “efeito estufa” e, conseqüentemente, das condições climáticas do planeta (Figuras 3, 4 e
5). Neste sentido, porque as emissões de CO2 e de outros gases causadores do efeito estufa
provêm de atividades humanas, convencionou-se chamar o fenômeno de “efeito estufa
antropogênico” (SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO, 2005).




Figura 3 - Aparelho de medição das bolhas de ar aprisionadas no gelo
Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature




Figura 4 - Visão microscópica de bolhas de ar aprisionadas no gelo
Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature




                                                                                              10
Figura 5 - Estação Britânica de estudo do gelo do pólo Ártico
Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature


Esse acúmulo de GEE na atmosfera tem ainda como conseqüência a elevação das temperaturas
globais médias, resultando em uma ruptura dos sistemas naturais; mudanças nos regimes de
chuva e nos níveis de precipitação em muitas regiões, com impactos na oferta de água e na
produção de alimentos; aumento da incidência e da intensidade de eventos climáticos extremos,
tais como ondas de calor e estresse térmico, tempestades, enchentes, incêndios e secas; aumento
do nível do mar, com impactos nas áreas costeiras e em regiões de baixada; alterações de
ecossistemas, como a decorrente do aumento de vetores transmissores de doenças e sua
distribuição espacial (Figura 6 e 7).




                                                   FAQ 2.1, Figure 1



Figura 6 – Concentração de gases de efeito estufa na atmosfera
Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I




                                                                                            11
Figura 7 - Aumento da Concentração de CO2 na Atmosfera (em partes por milhão), desde o início da
Revolução Industrial (1870), até o início do século 21.
Fonte: UNEP/GRID-Arendal, 2000


Para o IPCC, alguns dos eventos climáticos já sofreram modificação em sua frequência e
intensidade. Por exemplo, o nível do mar médio sofreu elevação de 17 centímetros durante o
século XX, enquanto a temperatura média da superfície terrestre aumentou cerca de 0,74ºC.
Nesse mesmo período os níveis de precipitação aumentaram significativamente em partes da
América do Norte e do Sul, no norte da Europa e nas áreas central e norte da Ásia, enquanto
reduções foram identificadas no sul da África e Ásia, bem como no Mediterrâneo2. A
disponibilidade de água também está sendo impactada: o aumento da temperatura aumenta a
oferta de água nos trópicos e nas latitudes elevadas, enquanto sua disponibilidade é reduzida em
áreas semi-áridas e em médias latitudes. Como consequência, milhões de pessoas serão expostas
ao estress hídrico provocado pelos efeitos da mudança do clima.


A gravidade da situação exige a adoção de medidas eficientes para lidar com a mudança do clima.
De fato, “a continuação das emissões de gases de efeito estufa nas taxas atuais ou acima delas
acarretaria um aquecimento adicional e induziria muitas mudanças no sistema climático global
durante o século XXI, as quais muito provavelmente seriam maiores do que as observadas durante
o século XX” (IPCC, 2007, 10.3).




2
 Discurso do Presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, na Sessão de Abertura do Forum Econômico Mundial em Davos, em
23 de janeiro de 2008.




                                                                                                               12
2.1. Eventos Climáticos Extremos

De forma geral, é comum na natureza a ocorrência de fenômenos climáticos extremos. Nas últimas
décadas, entretanto, tem se observado um aumento da freqüência e da intensidade desses
eventos. Esses fenômenos climáticos incluem períodos de temperaturas muito altas ou muito
baixas, inundações, secas e tempestades, em tal intensidade que superam a capacidade cultural,
social, psicológica e fisiológica de adaptação (INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO
BRASIL). As conseqüências desses fenômenos também são relevantes. Por exemplo, em 1998 o
furacão Mitch e intensas chuvas na América Central foram seguidas pelo aumento da incidência de
malária, cólera e dengue. Em 2000, a chuva e três ciclones inundaram Moçambique por seis
semanas, com conseqüente aumento em cinco vezes da incidência de malária. Em 2003, a onda
de calor no verão da Europa, com temperaturas 10ºC acima da média dos 30 anos anteriores,
acarretou de 21 a 35 mil mortes em cinco países, perda de colheitas, queima de florestas, e
derreteu 10% da massa glacial dos Alpes. Em 2005 o furacão Katrina causou devastação nas
comunidades costeiras (EPSTEIN, 2005).


Dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que a freqüência dos
desastres naturais relacionados às mudanças climática está aumentando. Apenas no decorrer do
primeiro semestre de 2007, 117 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas de cerca de
300 desastres naturais, incluindo secas devastadoras na China e na África e inundações na Ásia e
na África, que resultaram em um prejuízo total de US$ 15 bilhões (BBC BRASIL, 2007). A Ásia,
sede de oito dos dez maiores desastres de 2007, foi o continente mais afetado pelas catástrofes
naturais.


A combinação de crescimento populacional, pobreza e degradação ambiental aumentam ainda
mais a vulnerabilidade a catástrofes climáticas (HAINES e PATZ, 2004). Por este motivo, o impacto
das mudanças climáticas em países pobres pode ser de 20 a 30 vezes maior do que em países
desenvolvidos. As enchentes e secas devidas ao El Niño de 1982-1983, por exemplo, ocasionaram
perdas de cerca de 10% do Produto Nacional Bruto (PIB) na Bolívia, Chile, Equador e Peru
(INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL). Nos países africanos estima-se que
em 2020 a população estará exposta à falta de água para consumo, à redução da disponibilidade
de alimentos ocasionada pela redução da capacidade de produção agrícola, à queda das
condições de saúde de milhões de pessoas, ocasionando o aumento de doenças e mortes
relacionadas aos eventos climáticos extremos.


Ademais, alguns dos principais impactos da mudança do clima já estão sendo traduzidos em
custos, tais como os recursos gastos pela indústria de seguros com pagamentos. Entre 1960 e



                                                                                              13
1990 as perdas econômicas atribuídas à ocorrência de desastres naturais passaram de US$ 75,5
para US$ 659,9 bilhões. Para os segurados, as perdas por desastres naturais quase dobraram no
ano de 2007, chegando a valores da ordem de US$ 30 bilhões em escala global3.




3. Mudança Climática e o Brasil
De acordo com o Relatório de Caracterização do Clima Brasileiro, publicado pelo Ministério do
Meio Ambiente em 2007, existem ainda poucos estudos observacionais sobre mudanças nos
extremos de clima no Brasil (chuvas, temperaturas, tempestades) e os resultados são
comprometidos em razão da qualidade ou ausência de informação climatológica diária confiável.
Em relação à temperatura do ar, o estudo destaca variações nas diferentes regiões do país
relacionadas a causas naturais (aquecimento do Atlântico Sul) ou a causas antropogênicas (ilhas
de calor) e constata um aquecimento mais intenso no período do inverno e maiores taxas de
aquecimento nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,
2007).


Outros estudos indicam que a temperatura média no Brasil teria aumentado aproximadamente
0,75ºC ao longo do século XX, deixando o Norte e o Nordeste mais secos e aumentando a
incidencia de chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul (CARBONO BRASIL, 2007). Neste sentido,
estatísticas apresentadas no banco de dados Emergency Events Database (EM-DAT) mantido pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam um aumento da incidência de eventos climáticos
com temperaturas extremas e enchentes no território brasileiro no período entre 1970 e 2008
(Tabela 1). Eventos extremos como esses já causaram a morte de mais de 6 mil pessoas e
prejuízos da ordem de 10 bilhões de dólares (EM-DAT, 2007). O furacão Catarina, por exemplo,
que em março de 2004 atingiu 26 municípios no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, deixou 15 mil
pessoas desabrigadas e 11 mortos (Figura 8) (FOLHA ONLINE, 2004).


Tabela 1 – Ocorrência de desastres naturais no Brasil no intervalo entre 1970
e 2008, número de mortos e prejuízo total causado por esses desastres.

                                                  Evento climático
      Período
                                                 Temperatura                      Total no
    1970 a 2008        Estiagem    Epidemia                          Enchente
                                                   extrema                        período

     Total por
                          15          14               6               79           114
ocorrência climática



3
 Discurso do Presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, na Sessão de Abertura do Forum Econômico Mundial em Davos, em
23 de janeiro de 2008




                                                                                                               14
Total de mortos         20     2138          210          3.747        6.115

  Prejuízo (US$)   4.723.100      -        1.075.000     4.590.270   10.388.370
Fonte: EM-DAT, 2007




As tempestades ou ciclones tropicais também podem ser particularmente impactantes em áreas
densamente povoadas e empobrecidas. É muito comum a presença de populações menos
favorecisas em lugares de alto risco, como áreas ribeirinhas ou encostas, ainda mais suscetíveis a
esses eventos (INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL). O meteorologista
Luiz Fernando Nachtigall, da Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo (RS),
afirmou que os tornados no sul do Brasil têm sido freqüentes, e que o episódio mais devastador
ocorreu em Águas Claras, na Grande Porto Alegre, em outubro de 2000. De acordo com a Defesa
Civil nessa ocasião os prejuízos somaram mais de R$ 1 bilhão (FOLHA ONLINE, 2004).




Figura 8 – Imagem do Furacão Catarina
Fonte: CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS (CPTEC), 2004


Outro evento climático extremo que afetou o Brasil foi a seca intensa que assolou parte da
Amazônia em 2005, tendo como consequencia a redução do nível dos rios, mortandade de peixes,
redução da produção agrícola, além da maior sucetibilidade da floresta às queimadas (Figuras 9,
10 e 11) (IPAM, 2005).




                                                                                               15
Figura 9 – Seca na Amazônia
Fonte: GREENPEACE, 2004




Figura 10 – Seca na Amazônia
Fonte: GREENPEACE, 2004




Figura 11 – Seca na Amazônia
Fonte: GREENPEACE, 2004


                               16
4. Marco regulatório internacional

Em função dos graves fenômenos e impactos decorrentes da alteração do clima do planeta, foi
adotada em 1992 a UNFCCC, que estabeleceu um compromisso geral de redução da emissão de
gases de efeito estufa, impondo medidas específicas de redução de emissões aos países mais
industrializados do planeta. O objetivo da Convenção, definido em seu artigo 2º é:


                               (...) alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na
                               atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no
                               sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que
                               permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que
                               assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao
                               desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. (UNFCCC,
                               1992)


Apesar de não estabelecer obrigações vinculantes de redução de emissões um importante
princípio adotado pela Convenção foi a atribuição aos países industrializados da maior cota de
responsabilidade no combate à mudança do clima e também a maior parte da “conta a pagar”, já
que se industrializaram há mais tempo e, de modo geral, suas emissões atuais são mais
relevantes.


Em Dezembro de 1997, a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima aprovou
em Quioto, no Japão, um Protocolo estabelecendo compromissos e metas concretas para os
países desenvolvidos no que tange à redução das emissões de gases de efeito estufa. O chamado
“Protocolo de Quioto” estabeleceu que no período entre 2008-2012 os países desenvolvidos têm a
obrigação de reduzir suas emissões coletivas de seis GEE em pelo menos 5% com relação aos
níveis de 1990. Para auxiliar no cumprimento dessas metas o Protocolo de Quioto previu a
existencia de “mecanismos de flexibilização”4, que permitem o cumprimento das obrigações em
outros países. Desta forma o Protocolo de Quioto procurou reduzir o custo de implementação dos
projetos garantindo mesmo resultado em termos de retirada de carbono da atmosfera.


A comunidade científica alerta, no entanto, que para atingir o equilíbrio desejável de concentração
de GEE na atmosfera será necessário o estabelecimento de reduções mais significativas do que
aquelas previstas pelo Protocolo de Quito. Neste sentido, no Reino Unido a Royal Commission on
Environmental Pollution (RCEP, 2000) recomendou que até 2050 os países do Anexo 1 reduzam
suas emissões em 60% abaixo dos níveis de 1990 para seja possível atingir a meta de
estabilização de 550ppm. Além disso, na atual fase de negociação das novas regras referentes ao


4
 Instrumentos que permitem o cumprimento das obrigações dos países em outros países de forma a reduzir o custo de
implementação dos projetos, mas que tenham o mesmo resultado em termos de retirada de carbono da atmosfera.




                                                                                                                    17
período posterior a 2012, os governos do Brasil, China e Índia, entre os maiores emissores de
GEE, estão sendo pressionados para assumirem obrigações de redução de emissões, como as
que já estão estabelecidas para os países mais industrializados do mundo.


Em recente reunião do G8 – Grupo dos sete países mais ricos do mundo e a Rússia – realizada no
Japão, os países concordaram em reduzir as emissões de CO2 em 50% até 2050, como forma de
contribuir para controlar a mudança climática. Apesar de ser a primeira vez que os Estados Unidos
aceitam em adotar metas de redução de suas emissões, o acordo é considerado muito tímido
frente à necessidade premente de estabelecer ações eficientes para a redução das emissões de
GEE. A lentidão das negociações internacionais torna ainda mais relevante que a sociedade global
se prepare para enfrentar a discussão e participar desse processo decisório de forma ampla e
transparente (FOLHA ONLINE, 2008).


No nível nacional, as preocupações com as mudanças climáticas globais têm levado governos
centrais a adotarem políticas e programas para a resolução do problema, que muitas vezes
incluem a adoção de metas de redução de emissões de GEE. No nível regional, a União Européia
estabeleceu regras complexas e contundentes de redução das emissões. A adoção de políticas e
programas nacionais, no entanto, não acontecerá se as nações não perceberem vantagens reais
decorrentes dessa medida. A escolha do melhor instrumento para promover a adesão dos
diferentes setores às referidas metas é polêmica. Podem ser adotadas políticas que estabelecem
regras de comando-e-controle (metas e sanções pelo descumprimento de metas); políticas que
estabelecem instrumentos de mercado (incentivos ou desincentivos); ou um misto das duas
anteriores (STAVINS, 1997). Sem conhecimento dos custos e benefícios dessas medidas, é
impossível a adoção de políticas públicas eficazes nessa matéria.



5. Posição Brasileira
O Brasil exerce um papel importante e único nas mudanças climáticas. Está entre as dez maiores
economias do mundo e abriga um dos mais ricos ecossistemas e florestas do planeta: a Amazônia.
O Brasil é ainda o oitavo maior emissor de GEE, e o terceiro maior entre os países em
desenvolvimento, atrás apenas da China e da Índia (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2000). Ao
contrário da maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, enquanto o setor energético
do Brasil contribui pouco para as emissões nacionais, o uso insustentável e não planejado da terra
e desmatamento são os fatores responsáveis pela maior parte das emissões.


Espera-se do Brasil liderança e compromisso para a redução de suas emissões, demonstrando
seriedade no ataque ao maior problema que afeta hoje a humanidade. Seu papel dentre as



                                                                                               18
maiores economias do mundo e sua riqueza em termos de recursos naturais alçam o país à
posição de líder natural no processo de negociações. O novo período de compromissos das
nações terá início após 2012, e para isso espera-se do país responsabilidade, firmeza lideranças
nas tratativas internacionais e compromisso com as futuras gerações. Para tanto é fundamental
que o país assuma interna, e internacionalmente, compromisso obrigatório de redução de suas
emissões de GEE. Este documento e proposta procuram contribuir para a finalidade da construção
de metas setoriais de redução de emissões para o país.




5.1. Ações governamentais para redução de emissões

Ao longo dos anos o Brasil implementou uma série de programas cujo objetivo primário não era
limitar as emissões de GEEs, mas que tiveram esse resultado como “efeito colateral”, como é o
caso do Programa Conservação de Energia Elétrica (PROCEL). Outros, a exemplo do Programa
de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) e dos projetos de Biodiesel
foram criados com a intenção primeira de reduzir as emissões do país, mas torna-se necessária
maior atenção a esses programas, e principalmente, investimento financeiro, para torná-los
relevantes em termos de ação para combate ao agravamento do efeito estufa. Outros programas
dessa natureza são citados pelo Governo Brasileiro em sua comunicação nacional à UNFCCC, e
com criatividade, boa vontade e visão de longo prazo, certamente programas desse tipo entrarão
para o núcleo central de prioridades de governo e do setor privado no país.


A primeira política pública que resultou em uma significativa redução de GEE foi o Programa
Brasileiro do Etanol. Esse programa foi lançado em 1975, em reação ao aumento do preço do
petróleo desde a crise de 1973, à queda dos preços internacionais do açúcar e ao conseqüente
aumento das dívidas do país. O programa tem enorme interesse comercial e representa importante
fonte para a produção de energia no mundo. Outra contribuição significativa do mesmo se dá no
combate à poluição do ar nas grandes cidades e redução das emissões de GEE. Isaias Macedo
(1997) demonstrou que o uso do álcool e bagaço da cana evitou a emissão de 9,45 milhões de
toneladas de carbono em apenas um ano (1990-1991). Parte do carbono lançado na atmosfera
quando o bagaço e o etanol são consumidos é compensada por uma quantidade equivalente de
carbono absorvida pela cana durante o seu crescimento. Segundo o autor, considerando-se
apenas a gasolina que não é queimada em função do consumo do etanol, entre 1980 e 1990 o uso
desse combustível evitou o lançamento de 5,86 milhões de toneladas de carbono por ano na
atmosfera.


Outras melhorias resultaram do PROCEL, lançado pelo governo brasileiro em 1985. Não só o
programa buscou reduzir o desperdício de energia elétrica, mas em termos de redução de


                                                                                             19
emissões de GEE sua contribuição foi significativa. De acordo com o estudo conduzido por Emilio
La Rovere e Branca Americano (1999), enquanto em 1997 o setor energético emitiu o equivalente
a 17 milhões de toneladas de dióxido de carbono, as atividades do PROCEL evitaram a emissão
de 1,2 milhões de toneladas de GEE (em equivalência ao dióxido de carbono).


Mais recentemente e com vistas a promover o uso de fontes alternativas de energia, em 2002 foi
lançado o PROINFA. A lei que aprovou o Programa estabeleceu um mercado compulsório de
energia renovável, além de prever o suporte legal necessário para a criação de um esquema para
alimentar o grid nacional de eletricidade com energia de fontes renováveis. A primeira fase de
implantação do Programa consistiu na instalação de 3300 megawatts em capacidade de geração
de energia baseada em biomassa, pequenas plantas de hidrelétricas e energia eólica,
correspondente a quase 1% do total da produção de eletricidade em 2002. A segunda fase do
PROINFA aumentaria a participação destas fontes para 10% da produção. Contudo, novas
regulamentações do setor de energia revisaram esta meta, e ainda não há definição clara da
segunda fase. Espera-se mais investimentos e priorização de novas renováveis nesse programa,
para que tenha efeito significativo para a redução das emissões de GEE do setor elétrico.




6. ASPECTOS SETORIAIS

As emissões antrópicas de GEE possuem duas naturezas básicas: uma relacionada a energia
(geração, transformação, utilização em processos industriais e transporte) e outra não-relacionada
a energia (mudanças de uso do solo, resíduos e agricultura).



     Setor                                    MtCO2       %
     Energia                                26,980.4    62.7
      Eletricidade e aquecimento     11,581.5        26.9
      Manufatura e construção         4,748.4        11.0
      Transporte                      5,089.0        11.8
      Outros consumos de combustível  3,964.1         9.2
      Emissões fugitivas              1,597.4         3.7

      Processos industriais                    1,369.4    3.2
      Agricultura                              5,729.3   13.3
      Mudança do uso do solo e florestas       7,618.6   17.7
      Resíduos                                 1,360.5    3.2
      Total                                  43,058.3
Gráfico 1. Emissões mundiais de GEE por setor em 2000 - CO2, CH4, N2O, PFCs, HFCs, SF6 (inclui
mudanças do uso do solo)
Fonte: WIR/CAIT (2008)


Similarmente, já em 1992 a UNFCC fez expressa menção a cinco setores essenciais ao combate
às mudanças climáticas: energia; transportes; indústria; agricultura; silvicultura; e administração de


                                                                                                   20
resíduos sólidos. Com foco na realidade brasileira, as próximas seções analisam cada um desses
setores, levando em conta aspectos técnicos, sua previsão em acordos internacionais e o
tratamento conferido no país. Pretende-se, com essa descrição, alertar os tomadores de decisão
dos diferentes setores sócio-econômicos e de governo, para a necessidade de ação firme e
urgente para a redução de emissões em todas essas áreas.




6.1. Uso do Solo

A dinâmica dos ecossistemas terrestres depende de interações entre uma série de ciclos
bioquímicos, particularmente o ciclo de carbono, o ciclo de nutrientes e o ciclo hidrológico. Todos
esses ciclos estão sujeitos a alterações em decorrência de atividades humanas. No caso do
carbono, porque ele encontra-se retido na biomassa, em compostos orgânicos em decomposição e
no solo, o uso do solo, mudancas no uso do solo, florestamento, entre outras interferências
humanas tem a capacidade de alterar significativamente os estoques de carbono dos
ecossistemas terrestre (IPCC, 2000).




Isto quer dizer que as diferentes modalidades de uso do solo, incluindo atividades florestais e de
agricultura, constituem uma importante fonte de emissões antropogênicas de GEE. De fato, em
2000 o setor de uso do solo, mudança do uso do solo e florestas (LULUCF) foi responsavel por
mais de 30% do total das emissoes humanas de GEE. Por este motivo, atividades de LULUCF são
essenciais para evitar interferências perigosas ao sistema climático global.




6.2. Desflorestamento


Dentre as diferentes modalidades de uso do solo, a supressão de florestas, ou desflorestamento,
responde pelo maior volume de carbono lançado na atmosfera. Das emissões cumulativas devido
às mudanças de uso da terra no período entre 1700-1990 (tabela 2), os Estados Unidos, China,
Rússia e Brasil são responsáveis por mais da metade das emissões históricas.




                                                                                                21
Tabela 2: Emissões mundiais cumulativas de CO2 devido à mudança histórica no uso da terra entre
1700-1990 (Mt CO2)

 Ranking     País                        1700-1990        %                   Soma
                                                                              acumulada
                                                                              18.6%
                                                          18.6%
                                         94.510.039
             Estados Unidos 
 1
                                                                              36.6% 
                                                          18.1% 
                                         91.966.840 
             China 
 2
                                                                              46.0% 
                                                          9.4% 
                                         47.947.918 
             Russia 
 3
                                                                              51.3% 
                                                          5.3% 
                                         26.874.135 
             Brasil 
 4
                                                                              55.9% 
                                                          4.6% 
                                         23.449.961 
             Argentina 
 5
                                                                              58.8% 
                                                          2.9% 
                                         14.845.516 
             Colômbia 
 6
                                                                              61.7% 
                                                          2.9% 
                                         14.524.112 
             Indonésia 
 7
                                                                              64.4% 
                                                          2.7% 
                                         13.687.125 
             Canadá 
 8
                                                                              66.4% 
                                                          2.1% 
                                         10.485.305 
             Ucrânia 
 9
                                                                              68.4% 
                                                          2.0% 
                                         10.150.583 
             Austrália 
 10
                                                                              70.3% 
 11                                                       1.9% 
                                         9.712.561 
             México 
 12                                                                           72.2% 
                                                          1.8% 
                                         9.325.574 
             Índia 
 13                                                                           73.8% 
                                                          1.7% 
                                         8.408.154 
             Peru 
 14                                                                           75.0% 
                                                          1.2% 
                                         5.895.131 
             África do Sul 
 15                                                                           76.1% 
                                                          1.1% 
                                         5.759.179 
             Nova Zelândia 
 16                                                                           77.1% 
                                                          1.0% 
                                         5.266.281 
             Uruguai 
 17                                                                           78.1% 
                                                          1.0% 
                                         5.015.104 
             Madagascar 
 18                                                                           79.1% 
                                                          0.9% 
                                         4.835.512 
             Bolívia 
 19                                                                           80.0% 
                                                          0.9% 
                                         4.490.826 
             Etiópia 
 20                                                                           80.8
                                                          0.8% 
                                         4.323.450
             Nigéria 

             TOTAL                       509.171.975      100,00%
Fonte: CAMPOS et al. (2005)


Uma análise de padrões mais recentes de mudança de uso da terra (2000-2005) confirma a alta
taxa de mudança anual de área florestada. Com base em dados coletados pelo Programa das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Instituto Virtual Internacional de Mudanças
Globais (IVIG) da COPPE-UFRJ conclui que por apresentar maior estoque de carbono por unidade
de área, o desflorestamento é a mudança de uso da terra que mais emite CO2. No Brasil, a taxa
de mudança anual de desmatamento entre 2000 e 2005 (0,6% a.a.) foi mais de três vezes a média
mundial (0,18%), em boa medida porque o país possui um maior percentual de área ainda com
florestas primárias.

Tabela 3: Desflorestamento Mundial

Região       Área           Área          Área         Mudança      Mudança      Taxa de     Taxa de     %        de
             florestada     florestada    florestada   anual        anual        mudança     mudança     florestas
             1990           2000          2005         (1990-       (2000-       anual (%)   anual (%)   primárias
             (km2)          (km2)         (km2)        2000)        2005)        (1990-      (2000-      em
                                                       (km2)        (km2)        2000)       2005)       relação ao
                                                                                                         status em
                                                                                                         8000 AC
             6.993.610      6.556.130     6.354.120    ‐43.750      ‐40.400      ‐0,64       ‐0,62       7,8
África
             2.986.480      3.022.940     3.030.890    3.650        1.590        0,12        0,05        34,4
América
do Norte
             9.238.070      8.823.390     8.599.250    ‐41.470      ‐44.830      ‐0,46       ‐0,51       48,8
América
Latina
             9.893.200      9.980.910     10.013.940   8.770        6.610        0,09        0,07        0,3
Europa
             7.438.250      7.310.770     7342430      ‐12.750      6.330        ‐0,17       0,09        7,0
Asia     e



                                                                                                                   22
Oceania
           4.776.980                              -26.810   -31.030   -0,5    -0,6        69,3
BRASIL                  -            -

                                     39.520.250   -88.680   -73.170   -0,22   -0,18       24,1
Mundo      40.772.910   39.886.100
Fonte: FAO (2007), in IVIG (2007)


Com vistas a estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que
impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático, o artigo 4 da UNFCCC requer
dos Estados parte - tanto os países desenvolvidos (anexo 1) quando países em desenvolvimento
(não-anexo 1) – que reportem as emissões decorrentes de atividades de LULUCF em suas
comunicações nacionais. No Brasil, o primeiro – e até hoje único – Inventário Brasileiro de
Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa: emissões e remoções de dióxido de carbono por
conversão de florestas e abandono de terras cultivadas demonstra que a Amazônia responde pela
maior parte de ambas as emissões e remoções brutas do país.




Gráfico 2: Emissões líquidas de CO2 por mudanças de uso da terra ocorridas no Brasil, entre 1988 e
1994, por bioma.
Fonte: MCT (2004)


Como resultado dos dados constantes desse inventário, chegou-se ao número de que mais de
75% das emissões brasileiras tem como origem o desmatamento de florestas. Cabe destacar, o
inventário brasileiro tem por base o ano de 1994, e embora fossem necessários dados sobre um
período mínimo de dez anos, considera o cenário somente a partir de 1988, a partir de quando
houve disponibilidade de dados confiáveis sobre a taxa de deflorestamento bruto da Amazônia
Legal. Contudo, já em 1995, com a recuperação econômica que resultou do plano Real, verificou-
se um pico na taxa anual de desmatamento, e em 2004 o Brasil atingiu valores muito altos de
desmatamento, chegando a 27.000 km2.




                                                                                                     23
Além de provocar alterações regionais e globais do clima, o desmatamento constitui uma ameaça à
biodiversidade e às populações indígenas e demais povos da floresta. Além de essencial como
reservatório e fonte de carbono, a Floresta Amazônica oferece inúmeros serviços ambientais,
muitos dos quais direta ou indiretamente afetam o clima. Por exemplo, a vegetação mantém a
umidade do solo e do ar, reduz a penetração de raios de sol e do vento. Porque 50% do vapor
d’água de chuva na Bacia Amazônica provem de processos locais de evaporação e transpiração
da floresta, a supressão de vegetação resulta em uma alteração na circulação do vento, a qual
impacta o volume de chuva e nebulosidade na região. Ademais, porque o solo naquela região é
pobre em matéria orgânica e metais, a supressão de vegetação implica em que as chuvas lavem a
matéria orgânica acumulada, dificultando a regeneração da floresta (COTTON e PIELKE, 2007).


Há inúmeras outras conseqüências do desmatamento amazônico para o clima no país, e no nível
planetário, que não serão descritos neste estudo, mas devem ser avaliados por quem busca
informações mais completas. Informações adicionais podem ser encontradas em estudos de
organizações como o INPA, Museu Goeldi, IPAM, INPE, IMAZON, dentre outras instituições
destinadas à pesquisa nessa matéria.




6.2.1. Redução de emissões pelo setor de LULUCF

Como mencionado, a UNFCCC expressamente reconheceu a importância do setor de uso do solo
e florestas para a mitigação das mudanças climáticas e estabilização das concentrações de GEE
na atmosfera, prevendo medidas genéricas a serem adotadas pelo setor. Essas medidas foram
definidas no artigo 4 da UNFCCC e levam em consideração o princípio da responsabilidade
comum, porém diferenciada, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, além de
reconhecerem as diferentes prioridades, objetivos e circunstâncias de desenvolvimento das
diferentes nações. O artigo 4 também faz menção às medidas a serem adotadas pelo setor de
LULUCF. São elas: elaborar, atualizar periodicamente, publicar e colocar à disposição do publico
inventários nacionais de emissões antrópicas por fontes e de remoções antrópicas por sumidouros
de todos GEE (parágrafo 1(a)); e promover e cooperar na conservação e fortalecimento de
sumidouros e reservatórios de GEE incluindo a biomassa, as florestas e os oceanos como também
outros ecossistemas terrestres, costeiros e marinhos (parágrafo 1(d)).


Diante dessas exigências, questionamentos acerca da elaboração de inventários de GEE
ocuparam grande parte das primeiras discussões referentes às atividades de LULUCF.
Inicialmente, os debates diziam respeito à confiabilidade dos dados – por exemplo, à falta de
imagens de satélite, inventários ou dados históricos de países em desenvolvimento –, aos métodos
de cálculo das emissões e remoções por sumidouros, e à falta de evidência científica sobre o tema.


                                                                                               24
Como conseqüência, durante as negociações do Protocolo de Quioto as questões referentes a
atividades de LULUCF foram consideradas complexas demais e receberam pouca atenção no
texto final do Protocolo.


Basicamente, pelo Protocolo de Quioto, os países desenvolvidos (Anexo 1) concordaram em
reduzir suas emissões de GEE, sendo que emissões e reduções decorrentes de atividades de
LULUCF passaram a ser consideradas passíveis de utilização para o alcance das metas
acordadas. Assim sendo, pelo artigo 3.3 desse Protocolo as variações nas emissões e remoções
de GEE resultantes do florestamento, reflorestamento e desflorestamento devem ser utilizadas
para atender os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos. O artigo 3.4, por sua vez,
refere-se a atividades adicionais induzidas pelo homem relacionadas com mudanças nas emissões
por fontes e remoções por sumidouros de GEE em solos agrícolas e de mudança no uso da terra e
florestas


No entanto, ao prever a inclusão de atividades de LULUCF como parte dos esforços de
implementação de medidas mitigadoras, o Protocolo de Quioto suscitou uma série de novos
questionamentos sobre quais atividades poderiam ser consideradas, como medir o alcance das
metas e como reportar as medidas tomadas. Por esse motivo, em 1998 foi encomendada ao IPCC
a elaboração de um relatório que examinasse as implicações técnicas e científicas do seqüestro de
carbono ligado a atividades de LULUCF. O relatório especial do IPCC sobre LULUCF, publicado
em 2000, analisa os fluxos de carbono entre a atmosfera e cinco reservatórios de carbono
(biomassa acima do solo, biomassa abaixo do solo, serrapilheira, madeira morta e matéria
orgânica do solo) e como os reservatórios de carbono se alteram ao longo do tempo.


Em 2001, por ocasiao da 7ª Conferencia das Partes da UNFCCC, ficou estabelecido que somente
as atividades de florestamento e reflorestamento seriam elegíveis dentro do Mecanismo de
Deselvolvimento Limpo (MDL). O MDL é um dos instrumentos de flexibilização criados pelo
Protocolo de Quioto para auxiliar países do Anexo I a reduzir suas emissões de GEE por meio da
compensação de emissões em países não-Anexo 1 (como o Brasil). Em 2005, na 11ª Conferencia
das Partes, foi pela primeira vez considerada a proposta de redução das emissões por
desmatamento em países em desenvolvimento (REDD - do inglês, Reduced Emissions from
Deforestation and Forest Degradation). Essa proposta de REDD leva em conta não somente os
seus benefícios climáticos decorrentes da redução do desmatamento, como também outros
benefícios sociais e ambientais com os quais países em desenvolvimento podem se beneficiar.
Finalmente, na 13ª Conferencia das Partes realizada em dezembro de 2007, foi adotado um Plano
de Ação estabelecendo que políticas e incentivos positivos deveriam ser adotados com vistas a
reduzir as emissões decorrentes do desmatamento e da degradação de florestas em países em




                                                                                              25
desenvolvimento. Ao longo de 2008 um programa de trabalho está sendo desenvolvido para
estabelecer metodologias próprias e formas de medir a degradação de florestas.


Para o Brasil medidas de mitigação como estas discutidas no âmbito da UNFCCC apresentam
especial relevância. No entanto, por tratar-se de uma alternativa recentemente regulamentada e
que depende de um conhecimento especializado sobre as modalidades, procedimentos e
metodologias, até hoje ações mitigadoras no setor florestal ainda apresentam escopo limitado. De
acordo com o relatório de atividades de projetos no âmbito do MDL, até 30/9/2008 somente um
projeto de reflorestamento foi apresentado no Brasil.


Tabela 4: Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto no 1º período de
obtenção de crédito

                                                                                              Redução
                                                   Redução de      Número       Redução
Projetos        em      Número       Redução
                                                                                              de
                                                   emissão         de           anual de
validação/aprovação     de           anual   de
                                                                                              emissão
                                                                   projetos     emissão
                        projetos     emissão
Energia renovável       150          16.431.099    115.440.422     47%          39%           36%
Suinocultura            55           2.737.322     25.667.400      17%          6%            8%
Aterro sanitário        29           10.036.702    73.855.179      9%           24%           23%
Processos               7            832.946       6.131.592       2%           2%            2%
industriais
Eficiência              21           1.490.288     14.535.192      7%           4%            5%
Energética
Resíduos                10           1.160.797     9.360.545       3%           3%            3%
Redução de N2O          5            6.373.896     44.617.272      2%           15%           14%
Troca              de   39           2.907.977     24.284.745      12%          7%            8%
combustível fóssil
Emissões fugitivas      1            34.685        242.795         0%           0%            0%
Reflorestamento         1            262.352       7.870.560       0%           1%            2%
Fonte: MCT (2008)


Desta forma, é essencial que o país reduza suas elevadas taxas de desmatamento e avance as
políticas publicas e práticas de uso do solo, sobretudo na Amazônia, explorando o potencial de
redução de emissões nesse setor. Existe hoje um enorme potencial de desenvolvimento
sustentável para o setor florestal e iniciativas agrícolas de alimentos e biomassa que pode ser
melhor explorado. A ameaça das mudanças climáticas e a promulgação de normas com vistas a
proteger o clima global e a biodiversidade constituem, portanto, um motor para o aceleramento
dessas iniciativas.


6.3. Uso e ocupação do solo urbano

O desafio da sustentabilidade urbana consiste em compatibilizar as necessidades do homem
relativas à ocupação e ao uso do solo, com a capacidade de suporte do território que pretende
ocupar. O modelo de ocupação intensiva dos espaços sacrifica elementos significativos do



                                                                                                    26
ambiente urbano e compromete qualidade ambiental. Esse modelo tem regido a ocupação urbana
no país. Uma política sustentável de ocupação e uso do solo pressupõe a promoção do equilíbrio
ecológico, a proteção dos recursos naturais e o controle das variáveis que afetam a saúde física e
mental do homem. Nesse sentido, os sistemas de ordenamento do território são essenciais para a
execução de políticas urbanas de desenvolvimento sustentável. Nesse processo, devem ser
considerados ameaças, limites, vulnerabilidades de um sistema urbano, e as expectativas e
necessidades da comunidade humana inserida nesse espaço.


O conhecimento das vulnerabilidades e potencialidades ambientais são fatores determinantes para
a construção das propostas de ocupação e uso do solo. Dessa avaliação podem ser propostas
orientações e restrições à apropriação dos territórios. A questão ambiental costuma mostrar a
necessidade de modelos alternativos de ocupação do solo, para garantia da sustentabilidade de
um determinado espaço territorial. Hoje, a dimensão climática deve se somar à abordagem
ambiental, para definição de políticas de uso do solo urbano.


A situação de uso do solo nos centros urbanos brasileiros é influenciada pela pressão exercida
em decorrência da expansão da área urbanizada e assentamentos não autorizados. Há no país
centros urbanos onde a moradia precária em favelas e em loteamentos irregulares constituem a
principal ameaça à qualidade de vida dos cidadãos. Parte significativa da população desses
centros urbanos vive problemas crônicos de moradia, residindo em favelas, cortiços e loteamentos
clandestinos. A ocupação desordenada do solo urbano, nos loteamentos clandestinos, agrava o
déficit de infra-estrutura. A falta de áreas verdes e grande concentração de moradias tornam a
maioria dos assentos urbanos locais impróprios para morar.


Nesse cenário, ainda deve ser destacado o fato de que diferentes práticas de uso do solo podem
impactar significativamente o    volume das emissões humanas de GEE. As características e
diferentes modalidades de uso e ocupação do solo urbano também são capazes de influenciar a
biodiversidade, o consumo de energia e o transporte.


As regras de uso e ocupação do solo têm duas funções básicas - planejar o desenvolvimento e
controlá-lo -, que por sua vez competem a diferentes setores e esferas de governo. Na última
década a questão do uso e ocupação do solo passou a estar diretamente ligada com o tema da
promoção do desenvolvimento sustentável. Mais especificamente, hoje se sabe que as diferentes
modalidades de uso e ocupação do solo urbano têm um papel essencial na promoção de políticas
de mitigação e adaptação das mudanças climáticas. Em áreas urbanas, essas políticas influenciam
a localização e a densidade das ocupações, o desenho das cidades, bairros e construções, e estão
diretamente ligadas à redução do consumo de energia de novos empreendimentos.




                                                                                               27
De um lado, governos locais exercem um papel fundamental na promoção de políticas que tenham
como fim a redução da emissão de GEE em centros urbanos (BULKELEY e BETSILL, 2003).
Especialmente nas cidades cabe às políticas locais e regionais estabelecer um planejamento
estratégico, regras de zoneamento e definir especificidades para a concessão de licenças para
construir. De outro lado, regras nacionais são essenciais para estabelecer diretrizes gerais sobre
transportes, energia, bem como sobre o uso e ocupação do solo urbano. Neste sentido, é preciso
evitar conflitos de competência entre governos locais, estaduais e nacionais no que se refere ao
estabelecimento de políticas de uso e ocupação do solo destinadas a tratar de mudanças
climáticas.


Além disso, para que políticas que regulem o uso e ocupação do solo urbano efetivamente
resultem em reduções das emissões de GEE é preciso que as medidas sejam complementadas e
conectadas a outras politicas, especialmente nas áreas de transporte e energia. Por exemplo, sem
politicas destinadas a reduzir a dependência de automóveis nos centros urbanos, políticas isoladas
de uso e ocupação do solo serão ineficazes.




6.4. Resíduos sólidos

Resíduos sólidos podem ser definidos como o resultado, ou produto final, de algo que um dia teve
uso ou finalidade e que agora não mais o tem. Nos termos da norma NBR 10.004:2004, da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que
resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços
e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de
água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como
determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de
esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em
face à melhor tecnologia disponível.


Dependendo de sua classificação, os resíduos sólidos podem ser dispostos em aterros sanitários
ou controlados, ou levados para usinas de compostagem, reciclagem ou incineração, os dois
últimos existentes em menor escala no Brasil. O chamado lixão é forma arcaica e condenável de
disposição final, sendo os resíduos lançados ao solo, em área a tal destinada, sem qualquer
estudo prévio, monitoramento ou tratamento. De acordo com um levantamento efetuado em 2005
pelo Ministério das Cidades, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento,
34% das unidades de destinação final de resíduos no país utilizam a disposição em solo, sendo
40,3% consideradas por seus operadores como aterros sanitários, 33,0% como aterros
controlados, e 26,7% como lixões.


                                                                                                 28
No que se refere ao volume de resíduos gerados no país, a Pesquisa Nacional de Saneamento
Básico realizada pelo IBGE (2000) indica um total de massa coletada per capita da ordem de
0,71Kg/hab./dia, para municípios de 30.001 até 100.000 habitantes e de 1,07 Kg/hab./dia, para
mais de 3.000.000 de habitantes. Isto quer dizer que 125.281 toneladas de lixo domiciliar são
coletadas diariamente no país e devem receber destino final adequado. Porém, o crescimento
demográfico, combinado com mudanças de hábitos e desenvolvimento industrial, resultou em um
aumento na quantidade de resíduos gerada, com crescente participação percentual de
embalagens e outros materiais inertes, agravando os problemas de disposição. Ainda, a crescente
urbanização limita as áreas disponíveis para a disposição final dos resíduos, fazendo com que
resíduos sejam dispostos em áreas inadequadas ou encaminhados para municípios vizinhos. O
limitado orçamento municipal dedicado à coleta, destino e tratamento de resíduos também traz
dificuldades na manutenção da qualidade dos serviços prestados, pois dificilmente esta se
configura como a atividade prioritária na alocação dos recursos municipais (IBGE, 2000).


Resíduos e Clima


Dispostos em lixões, em aterros controlados ou mesmo em aterros sanitários, os resíduos sólidos
entram em decomposição pela ação de microorganismos, que empreendem processos de
biodigestão da fração orgânica desses resíduos. Esses processos de biodigestão, com
características aeróbias e/ou anaeróbias, dependendo das condições da disposição, transformam
a fração orgânica dos resíduos em líquidos e gases que devem ser coletados e tratados. A mistura
dos gases gerados, chamada de biogás, é composta principalmente por dióxido de carbono (CO2)
e metano (CH4). Emissões descontroladas de biogás podem ser perigosas; o gás sulfídrico (H2S),
presente em baixas concentrações no biogás, pode causar danos à vegetação e odores, e o gás
metano, em altas concentrações, pode ser explosivo.


De especial relevância, sabe-se que o gás metano contribui consideravelmente para as emissões
globais de GEE, sendo 21 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. A queima de lixo
também contribui para a emissão deste GEE. As estimativas das emissões globais de metano,
proveniente de aterros, oscilam entre 20 e 70 Tg/ano, enquanto que o total das emissões globais
pelas fontes antropogênicas equivale a 360 Tg/ano, indicando que os aterros podem produzir cerca
de 6 a 20% do total de metano (IPCC,1995).


No Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) designou a Companhia de Tecnologia e
Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) para realizar o Inventário Nacional de
Emissões de Metano pelo Manejo de Resíduos, podendo assim cumprir o compromisso assumido
na UNFCCC no que se refere à elaboração de inventários de emissões de GEE. Os inventários de


                                                                                             29
emissão de metano por resíduos, sólidos e líquidos, utilizaram a metodologia do IPCC e levaram
em conta o período entre 1990 e 1994. Os resultados, publicados pelo MCT, apontam para uma
emissão de aproximadamente 800 mil toneladas de metano por ano pela digestão anaeróbia de
resíduos. A partir desse dado projeta-se uma emissão anual de metano da ordem de 900 mil
toneladas anuais para este início de século, 84% dos quais decorrentes dos resíduos sólidos
(ALVES, 2000).


Além dos resíduos sólidos, os efluentes líquidos provenientes dos esgotos domésticos e das
indústrias alimentícias, de bebidas e de papel e celulose, com altos teores de matéria orgânica,
também possuem grande potencial para emissão de metano. A matéria orgânica presente nesses
efluentes é expressa em termos de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) - quantidade de
oxigênio consumida por microorganismos na oxidação bioquímica da matéria orgânica - e constitui
o principal fator determinante do potencial de geração de metano.


A destinação adequada de resíduos nos centros urbanos, constitui, portanto, importante desafio
para a gestão das emissões de emissões de GEE no país.


O Metano como fonte energética


A realização do inventário brasileiro permitiu uma reflexão mais profunda a respeito do uso
energético do biogás e das condições de saneamento do Brasil. De fato, o uso do metano para
geração de energia tem grande importância como medida mitigadora do efeito estufa, pois evita
que o metano seja lançado na atmosfera. Como uma fonte de energia renovável a recuperação e o
uso energético do biogás apresentam vantagens ambientais, sociais, estratégicas e tecnológicas
significativas (COELHO, 2001).


Por um lado, não se pode pensar nessa recuperação energética como solução para uma crise de
escassez de energia, já que um programa que empregasse todo o gás de lixo na geração de
eletricidade, não representaria 1% daquilo que é consumido hoje no país. Por outro lado, não se
pode desprezar essa energia. Considerando apenas os 13 grandes aterros do país, o potencial de
geração de eletricidade é de 150 MW, suficiente para abastecer durante um ano uma cidade de
100 mil habitantes (ALVES e LUCON, 2001).


Ademais, alguns países vem conferindo um tratamento fiscal diferenciado à energia gerada a partir
do biogás. Em países como a Alemanha, Espanha, Itália e Inglaterra, por exemplo, existem
políticas especiais de incentivos para aumentar a geração de energia com o biogás e que são tidas
como instrumentos de desenvolvimento sustentável (COELHO, 2001). Neste sentido, é importante
considerar que existem numerosas oportunidades de introduzir novas tecnologias no sistema de


                                                                                              30
gestão de resíduos sólidos. O desafio é incentivar o desenvolvimento de tecnologias que sejam
mais conservadoras de recursos naturais e economicamente viáveis (TCHOBANOGLOUS,
THEISEN E VIGIL, 1994). Dificuldades com a obtenção de financiamento e com mecanismos
regionais integrados com diferentes esferas de governo são fatores que dificultam a
implementação de inovações nos sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos. Mas o
esgotamento das reservas de combustíveis fósseis no futuro e a crescente procura por
combustíveis alternativos e ambientalmente sustentáveis levam ao desenvolvimento das
tecnologias de aproveitamento energético dos resíduos (ALVES e VIEIRA, 1998).


Considerando que os grandes desafios encontrados por comunidades na gestão de resíduos
sólidos consistem em encontrar soluções ambientalmente seguras para os problemas decorrentes
da geração do lixo em grandes aglomerações urbanas, assim como em pequenas e médias
comunidades com poucos recursos (IPT, 2000), a utilização do metano para fins energéticos
mostra-se uma alternativa importante e economicamente viável. Por meio da captação de metano
nos aterros e do tratamento anaeróbio (processo biológico sob presença insuficiente de oxigênio)
de esgoto e águas residuárias em reatores, é possível promover com facilidade operacional a
recuperação do biogás produzido no processo de decomposição.




6.5. Recursos Hídricos

A disponibilidade de recursos hídricos, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos,
é essencial para a manutenção da vida e para o equilíbrio dos ecossistemas. Da mesma forma os
recursos hídricos possuem relevância social e econômica para uma nação: no saneamento básico,
na geração de energia, na agricultura e na atividade industrial, enfim, seu uso é indispensável em
quase todas as atividades produtivas. Porque a água é um bem de domínio público e ao mesmo
tempo um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, seu gerenciamento cuidadoso é
crucial.


Mas dada a complexidade dos sistemas hídricos naturais esta não é uma tarefa fácil. A
movimentação da água na atmosfera depende do clima e da distribuição da cobertura vegetal.
Ainda, tem-se que considerar a precipitação local e regional e a sua distribuição ao longo do
tempo. Outro fator importante que tem grande influência na circulação da água é a
evapotranspiração da cobertura vegetal, a qual está muito relacionada com as condições da
atmosfera, ou seja, a temperatura, os ventos, a luminosidade e a exposição do relevo. Para além
dos fatores naturais, a ação antropomórfica e a vida nos centros urbanos contribuem para que o
ciclo da água insira-se em uma realidade muito mais complexa, como é possível observar no
esquema que segue.


                                                                                               31
Figura 12 - Diagrama geral de um Estado
Fonte: UNICAMP, 2008.


Focando nos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, uma possível análise
faz-se sob ambos os aspectos da oferta e demanda (MENDES et al, 2004). No lado da oferta,
mudanças no clima podem provocar alterações no regime de precipitações, que por sua vez
alteram o volume e a distribuição temporal da água superficial e subterrânea, impactando a
quantidade e a qualidade da água disponível. No lado da demanda os impactos serão observados
nos volumes de água consumidos, sobretudo na irrigação e na produção de energia. Os impactos
das alterações poderão ainda ser sentidos sobre a intensidade e a freqüência de situações de
cheias e de secas.


Nesse sentido, o aumento da temperatura média do planeta previsto para os próximos 50 anos
devido às emissões de GEE deverá provocar impactos diversos em relação aos recursos hídricos,
dentre os quais estão alterações no regime de chuvas, intensificando os fenômenos como secas,
inundações, furacões e tempestades severas. Ainda, a elevação do nível dos oceanos devido ao
derretimento das geleiras e das calotas polares fará com que, nas zonas costeiras, cidades que
estiverem abaixo do nível do mar, bem como algumas ilhas fiquem submersas; podendo ocorrer
também a mistura da água salgada dos oceanos com a água doce, diminuindo a quantidade de
água potável disponível no planeta, além de modificar a salinidade dos solos (IPCC, 2001).




                                                                                             32
No contexto brasileiro as conseqüências do aquecimento sobre os recursos hídricos podem ser
desastrosas. A intensificação do ciclo hidrológico acarretará profundas assimetrias espaciais e
temporais de precipitação nas diferentes regiões do país. Igualmente, o aumento do nível do mar
provocará impactos importantes, especialmente nas regiões costeiras. Quer pela relação direta da
água sobre o clima, quer porque sua disponibilidade afeta muitos setores da atividade
socioeconômica, os impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos serão
particularmente significativos. Estes possíveis impactos das mudanças climáticas nos recursos
hídricos seguem expostos, de forma mais detalhada, por tipo de conseqüência resultante.


Impactos sobre o escoamento. Uma diminuição da precipitação, acompanhada por um aumento
da evapotranspiração potencial, relacionada com o aumento da temperatura, tenderá a provocar
uma diminuição das disponibilidades anuais de água. O escoamento dos rios tenderá a reduzir nas
latitudes mais altas e decrescer nas latitudes médias. Como conseqüência, haverá um
agravamento da assimetria Norte-Sul no que se diz respeito aos recursos hídricos (Santos, 2003).
No Brasil, estudos apontaram que as principais Bacias Hidrográficas sofrerão alterações de vazão,
tanto nos cenários de redução quanto de manutenção das emissões de GEE (Salatti, 2007).


Tabela 5: Amazônia Brasileira: variação percentual da vazão (2011 - 2100)




Fonte: SALATI, 2007.




Tabela 6: Bacia do Rio Paraguai: variação percentual da vazão (2011 - 2100)




Fonte: SALATI, 2007.


Um estudo conduzido pela Universidade Federal do Maranhão também confirmou que o aumento
da evaporação provocado pelo aumento da temperatura e a variabilidade dos deflúvios impactam
negativamente as disponibilidades hídricas do Rio Anil. Quando aumentado 1K na temperatura
média anual de referência (300,3 K) e mantida a precipitação de referência (2196 mm), é
observado um decréscimo na descarga fluvial de 0.26 m3/s. Mantida a temperatura de referência e


                                                                                              33
diminuindo 10% da precipitação de referência a perda aumenta para 0.54 m3/s (ALCÂNTARA,
2004).


Impactos sobre cheias e secas. Visto que se espera, como resultado do aquecimento global, um
acréscimo da precipitação na época úmida e um decréscimo da precipitação na época seca, o
regime de escoamento deverá seguir esta tendência, intensificando as cheias e secas. No
nordeste do Brasil o aumento de secas hidrológicas resultará numa redução ainda maior dos
recursos hídricos e a vegetação semi-árida provavelmente será substituída por uma vegetação
típica da região árida (WWF, 2008). A região da Bacia Amazônica também poderá ser afetada.
Apesar de ainda haver um debate sobre as causas da seca que afetou a região e mais de 250 mil
pessoas no segundo semestre de 2005, pesquisadores afirmam que a intensificação do efeito
estufa teria sido a principal causa. Nesse caso, o aumento na temperatura das águas do Oceano
Atlântico, próximo ao norte da América do Sul, teria causado uma grande concentração de chuvas
no mar, acarretando a diminuição da formação de nuvens na bacia. As inundações também
acarretam graves problemas ambientais, sociais e econômicos. Quase todas as grandes cidades
brasileiras já sofrem sérias conseqüências decorrentes de enchentes anuais, e essas inundações
urbanas, cujos efeitos já se mostram trágicos e desastrosos devido ao uso inadequado do solo e
da adoção de técnicas pouco eficientes de drenagem, podem ser agravadas face a um cenário de
ciclos hidrológicos alterados.


Impactos sobre a qualidade da água. O aumento da temperatura resultante das alterações
climáticas globais terá impactos diretos sobre a qualidade da água, uma vez que acarretará:
decréscimo do nível de saturação de oxigênio dissolvido na água e condicionamento dos
processos químicos e biológicos que ocorrem nos meios hídricos, influenciando nos fenômenos
como a eutrofização – proliferação excessiva de algas devido a uma grande quantidade de
nutrientes na água – e o comportamento dos ecossistemas. Ainda, também devem ser
considerados os impactos indiretos na qualidade da água devido às alterações na quantidade de
escoamento, em virtude, por exemplo, da modificação das condições de absorção das cargas
poluentes pelos meios hídricos.


Impactos sobre o nível do mar. Uma conseqüência inevitável das alterações climáticas é a
elevação do nível do mar devido ao derretimento das calotas polares. Com base em dados de
marés, estima-se que o nível do mar subiu entre 0.1 e 0.2 metros durante o século XX (IPCC,
2001). Para o Brasil, o aumento previsto para os próximos anos poderá provocar erosão e
inundações em vários pontos da costa. No Rio de Janeiro, por exemplo, prevê-se que os impactos
da elevação do nível freático, da inundação das zonas baixas e conseqüentemente do bloqueio do
escoamento de canais e rios das baixadas serão ainda mais negativos do que os efeitos previstos
para a erosão da orla (NEVES, 2007). Em outras palavras, qualquer cenário de elevação do nível


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do mar trará problemas idênticos aos que já ocorrem, porém espacialmente ampliados e com maior
número de pessoas atingidas.


Impactos sobre as águas subterrâneas. Além dos impactos diretos das inundações, na medida
em que o mar “invade” um maior espaço do continente, nascentes e reservatórios subterrâneos
podem ser atingidos, impactando o equilíbrio entre a água doce e a água salgada presentes nos
aqüíferos, num fenômeno conhecido como ‘intrusão salina costeira’. Variações de precipitação
ocasionadas pelas mudanças climáticas podem também impactar a recarga dos aqüíferos. Ainda
não se sabe como os reservatórios de água subterrâneos reagirão às alterações dos regimes
sazonais e interanuais de precipitação, mas comparando índices de 1961-1990 à década de 2050,
estima-se que a recarga dos lençóis freáticos irá diminuir em mais de 70% no nordeste brasileiro
(WWF, 2008).


Impactos indiretos. Os impactos diversos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos
trazem conseqüências indiretas sobre outros fatores ambientais, sociais e econômicos. Devido ao
papel da água na manutenção dos ecossistemas, dentre os impactos indiretos estão previstas a
deslocação de zonas bióticas e a extinção de espécies, que influenciarão na habitabilidade, nas
migrações e na saúde pública. Além disso, são inúmeros os setores que se utilizam da água como
insumo básico para suas atividades. Os conflitos de interesse com relação ao uso da água,
representados pelo setor hidrelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de
abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a necessidade de
articulação interinstitucional e a adoção de uma política de gestão integrada de recursos hídricos
no que diz respeito às mudanças climáticas. Desse modo, é preciso que os critérios e normas
setoriais sejam consistentes com a legislação específica, de forma a permitir o disciplinamento
desses diferentes usos.




6.6. Transportes

O setor de transportes é uma das mais importantes forças motrizes da economia mundial, pois
permite a movimentação de pessoas, bens e serviços. Estima-se que o valor adicionado à
economia pelo setor de transportes corresponda a 3 até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de um
país. A demanda pelo transporte de passageiros e de carga, na maioria dos países em
desenvolvimento, cresce de 1,5 a 2 vezes mais rápido que o PIB, sendo que a maior parte deste
crescimento é no transporte rodoviário. Segundo dados do Banco Mundial, este setor representa
de 5 a 8% do total pago aos trabalhadores.




                                                                                               35
Com o aumento da população mundial e a concentração das pessoas nos grandes centros
urbanos, o setor de transportes cresce, muitas vezes, de forma desordenada, causando diversos
impactos ambientais locais, regionais ou até mesmo globais. As preocupações habituais com os
transportes dizem respeito principalmente aos custos relacionados à segurança, poluição do ar e
sonora, competição pelo espaço urbano e riscos associados ao problema de desabastecimento de
petróleo e derivados.


Na discussão mundial a respeito das mudanças climáticas o setor de transportes ocupa um lugar
central. No Brasil o problema não é diferente: dentre as atividades energéticas o transporte
representa o setor com maior participação nas emissões de GEE e, ao mesmo tempo, é o de
controle mais difícil devido a sua grande dispersão. O crescimento das áreas urbanas no país,
relacionado à explosão populacional nas cidades, teve por conseqüência uma maior necessidade
de transporte, de massa e individual. Somando-se a isso a opção pelo sistema rodoviário no
escoamento da produção tem-se que participação do setor de transportes foi de 42% nas emissões
totais de CO2 por atividades energéticas no país em 2006.



                        S. Energético
        Comercial e                            Outros
                             7%
          Público                               3%
                                                        Industrial
            1%
                                                          30%

               Residencial
                  5%

        Geração de
        Eletricidade
             8%
                Agropecuário
                    4%
                                 Transportes
                                    42%



Gráfico 3 - Emissões de Carbono por setor no Brasil em 2006
Fonte: Adaptado de SILVA, 2007


Intimamente ligada às emissões do setor está o intenso consumo de energia não-renovável pelos
transportes. A energia usada é primariamente para o transporte de passageiros e deslocamento de
cargas e cada modal apresenta uma intensidade energética diferente, ou seja, consome diferentes
quantidades de combustível. Outros fatores que influenciam no consumo de energia são a
freqüência das viagens, a distância viajada e a tecnologia empregada. Conforme o
desenvolvimento das cidades, através de planos de urbanização, podem ser estabelecidas
diretrizes para o uso do solo que resultem em menor demanda por deslocamentos, reduzindo a




                                                                                            36
freqüência das viagens e a distância viajada, significando, portanto menor consumo de energia e
emissão de GEE.


Hoje, no Brasil, o setor de transportes é responsável por 28,3% da demanda energética no país,
perdendo apenas para o setor Industrial.




Gráfico 4 - Consumo energético por setor
Fonte: BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL, 2007


De toda esta energia consumida, a maioria (71%) é proveniente de combustíveis não renováveis e
intensivos em emissões de GEE. Apesar de o Brasil também utilizar o álcool etílico anidro e
hidratado provenientes da biomassa, sendo menos dependente de petróleo do que os demais
países, esta proporção permanece preocupante. Combustíveis alternativos, como o gás natural
veicular e a eletricidade, também são utilizados como substitutos aos fósseis derivados de petróleo
no transporte rodoviário, no entanto ainda numa pequena escala.




                                                                                               37
Gráfico 5 - Consumo energético do setor por fonte
Fonte: BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL, 2007


Pesquisas desenvolvidas pelo Centro Clima/COPPE/UFRJ demonstram que com a expansão das
emissões de gases da queima de combustíveis fósseis, devido ao crescimento da população e da
economia do Brasil, ações visando à eficiência energética e a ampliação do uso de fontes
renováveis vão constituir medidas de importância vital para a mitigação das emissões de GEE.
Políticas governamentais já em curso como Proálcool, Programa Nacional de Biodiesel, além das
não relacionadas ao setor de transportes como PROINFA, PROCEL e CONPET, deverão induzir a
redução de 14% das emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis em 2020, em relação a
um quadro de projeções em que essas iniciativas não tivessem sido implementadas.


No âmbito das Políticas Governamentais, muito mais pode ser feito para construir um programa
consistente de redução de emissões no setor. Ações que permeiam desde a ampliação de
incentivos ao uso de biocombustíveis até a construção de infra-estrutura para os modais ferroviário
e hidroviário devem ser contempladas em políticas específicas para o setor, de forma evitar ou
mitigar as contribuições do mesmo para o problema das Mudanças Climáticas.




6.7. Energia

Energia é a capacidade de realizar trabalho. Embora este seja um conceito básico ensinado em
cursos elementares de Física, ainda hoje provoca controvertidas discussões acerca de uma
definição mais precisa.   Ainda que não sejamos capazes de formular tal definição precisa e



                                                                                               38
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Marco Regulatório Mudanças Climáticas Brasil

  • 1. Elementos para Formulação de um Marco Regulatório em Mudanças Climáticas no Brasil: Contribuições da Sociedade Civil Parte I: Justificativa Parte II : Estudo Científico, José Goldemberg Parte III : Minuta de Projeto de lei www.oc.org.br
  • 2.
  • 3. Expediente Autoria: Observatório do Clima – Rede Brasileira de ONGs e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas – www.oc.org.br Coordenação da Pesquisa e Facilitação: Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (GVces, EAESP-FGV) – www.fgv.br/ces Coordenador do GVces: Mario Monzoni Coordenação de Pesquisa e de Facilitação: Rachel Biderman Furriela Orientação Estratégica: Fabio Feldmann e Paulo Moutinho Estudo Científico: José Goldemberg Revisão: Joana Setzer Pesquisadores: Camila Haddad, Cintia Messias Dall’agnol, Deborah Baré Hubner, Evangelina Vormittag, Joana Setzer, Juarez Campos, Luciana Stocco Betiol, Marina Schurr, Patrícia Mesquita, Rafael Saghy, Raquel Luna Viggiani, Renata Portenoy, Ricardo Barretto Apoiaram a execução desta iniciativa: Adriana Ramos, Alexandre Prado, Ana Cristina Barros, André Ferretti, André Guimarães, Clovis Borges, Erika Paula, Florence Laloe, Guarany Osório, Laura Valente de Macedo, Lidia Parente, Marcelo Furtado, Márcia Hirota, Marcio Santilli, Maria José Gontijo, Mario Mantovani, Miguel Calmon, Nurit Bensusan, Osvaldo Stella, Paulo Prado, Saulo Andrade, Sérgio Leitão Agradecimentos Especiais: Adriana Kfouri, Agenor Mundim, Alex Hubner, André Trigueiro, Aspásia Camargo, Clarissa Lins, Cristiane Fontes, Daniela Sanches, Débora Wainstock, Deputado Eduardo Gomes, Deputado Fernando Gabeira, Deputado José Sarney Filho, Deputado Mendes Tame, Deputado Rodrigo Rocha Loures, Eduardo Jorge, Gladis Ribeiro, Jaime Gesisky, Janine Saponara, Israel Klabin, Roberto Schaeffer, Rogério Bento, Senadora Marina Silva, Sergio Besserman, Simone Messias, Sonia Araripe Organizações Apoiadoras: Conservação Internacional - CI Instituto Bioatlântica Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM Instituto Socioambiental - ISA Instituto Internacional de Educação do Brasil - IEB Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável - FBDS Fundação SOS Mata Atlântica Fundação O Boticário Governos Locais pela Sustentabilidade - ICLEI Greenpeace Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem - SPVS The Nature Conservancy - TNC Apoio financeiro para viabilização desta iniciativa foi concedido pela Embaixada Britânica em Brasília e pelas instituições apoiadoras acima descritas. Brasília, 26 de Novembro de 2008 2
  • 4. Índice de Ilustrações Figura 1 – Oscilação da temperatura média da Terra ........................................................................ 8 Figura 2 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte .................................................................................................................................................... 9 Figura 3 - Aparelho de medição das bolhas de ar aprisionadas no gelo .......................................... 10 Figura 4 - Visão microscópica de bolhas de ar aprisionadas no gelo............................................... 10 Figura 5 - Estação Britânica de estudo do gelo do pólo Ártico ......................................................... 11 Figura 6 – Concentração de gases de efeito estufa na atmosfera ................................................... 11 Figura 7 - Aumento da Concentração de CO2 na Atmosfera (em partes por milhão), desde o início da Revolução Industrial (1870), até o início do século 21. ............................................................... 12 Figura 8 – Imagem do Furacão Catarina .......................................................................................... 15 Figura 9 – Seca na Amazônia ........................................................................................................... 16 Figura 10 – Seca na Amazônia ......................................................................................................... 16 Figura 11 – Seca na Amazônia ......................................................................................................... 16 Figura 12 - Diagrama geral de um Estado ........................................................................................ 32 Figura 13 - Emissões de CO2 por mudança de uso do solo ............................................................ 59 Gráfico 1. Emissões mundiais de GEE por setor em 2000 - (inclui mudanças do uso do solo) ...... 20 Gráfico 2: Emissões líquidas de CO2 por mudanças de uso da terra ocorridas no Brasil, entre 1988 e 1994, por bioma. ............................................................................................................................ 23 Gráfico 3 - Emissões de Carbono por setor no Brasil em 2006 ........................................................ 36 Gráfico 4 - Consumo energético por setor ........................................................................................ 37 Gráfico 5 - Consumo energético do setor por fonte .......................................................................... 38 Gráfico 6 - Porcentagem de emissões em 2003 em relação às metas de Quioto ........................... 56 Gráfico 7- Emissões brasileiras por setor ......................................................................................... 61 Gráfico 8 -Taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal (1988 à 2006)............................... 61 Gráfico 9 - Consumo “per capita” de Eletricidade nos Estados Unidos e na California ................... 62 Tabela 1 – Ocorrência de desastres naturais no Brasil no intervalo entre 1970 .............................. 14 Tabela 2: Emissões mundiais cumulativas de CO2 devido à mudança histórica no uso da terra entre 1700-1990 (Mt CO2) ................................................................................................................. 22 Tabela 3: Desflorestamento Mundial ................................................................................................ 22 Tabela 4: Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto no 1º período de obtenção de crédito ........................................................................................................................... 26 Tabela 5: Amazônia Brasileira: variação percentual da vazão (2011 - 2100) .................................. 33 Tabela 6: Bacia do Rio Paraguai: variação percentual da vazão (2011 - 2100) .............................. 33 Tabela 7: Oferta Interna de Energia em 2005................................................................................... 40 Tabela 8: Países do Anexo I ............................................................................................................. 55 Tabela 9: Os 20 maiores emissores de CO2 (não incluindo mudanças de uso do solo) (mil tCO2) . 56 Tabela 10: Os 20 maiores emissores de CO2 (incluindo mudanças de solo do solo) (mil tCO2) ..... 58 3
  • 5. Sumário APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 5 PARTE II:: JUSTIIFIICATIIVA ................................................................................................................. 7 P ART E J UST F C AT V A T 1. CONTEXTO GERAL ....................................................................................................................... 7 2. Introdução à Mudança Climática Global ..................................................................................... 8 2.1. Eventos Climáticos Extremos ........................................................................................... 13 3. Mudança Climática e o Brasil..................................................................................................... 14 4. Marco regulatório internacional ................................................................................................ 17 5. Posição Brasileira ....................................................................................................................... 18 5.1. Ações governamentais para redução de emissões ......................................................... 19 6. ASPECTOS SETORIAIS .............................................................................................................. 20 6.1. Uso do Solo .......................................................................................................................... 21 6.2. Desflorestamento ................................................................................................................ 21 6.2.1. Redução de emissões pelo setor de LULUCF ............................................................... 24 6.3. Uso e ocupação do solo urbano ........................................................................................ 26 6.4. Resíduos sólidos ................................................................................................................. 28 6.5. Recursos Hídricos ............................................................................................................... 31 6.6. Transportes .......................................................................................................................... 35 6.7. Energia .................................................................................................................................. 38 6.8. Saúde .................................................................................................................................... 41 7. Referências .................................................................................................................................. 50 PARTE IIII : ESTUDO CIIENTÍÍÍFIICO .................................................................................................... 54 P ART E : EST UDO C E NT F C O ST PARTE IIIII : MIIINUTA DE PROJETO DE LEII .................................................................................... 64 P ART E I : M N UTA D E PRO JETO DE LE R 4
  • 6. APRESENTAÇÃO GERAL DESTA PUBLICAÇÃO Este documento organizado pelo Observatório do Clima – Rede Brasileira de Organizações Não- Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas, um movimento criado em 2002 que integra organizações de todo o país, pretende contribuir para o processo de discussão no país de um marco regulatório no tema das mudanças climáticas e auxiliar a sociedade brasileira para a tomada de decisão e a realização de ações contundentes e urgentes para o combate às causas e efeitos nocivos do aquecimento global. A premência de ações nessa esfera é notória, e torna-se ainda mais relevante em face dos desafios recentes impostos pela crise financeira e ambiental globais. A ação de todos os setores e atores sócio-econômicos em regime de solidariedade é fundamental, e o futuro do país dependerá das decisões tomadas neste momento histórico, que será definidor do modelo de desenvolvimento deste milênio. O desafio que se impõe é o da instalação da ética, solidariedade, respeito aos direitos socioambientais, como valores supremos que devem ser elevados ao mesmo nível de prioridade do desenvolvimento e sucesso econômicos. Espera-se do Brasil liderança e compromisso para a redução de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e demonstração de seriedade no ataque ao maior problema que afeta hoje a humanidade. Seu papel dentre as maiores economias do mundo e sua riqueza em termos de recursos naturais alçam o país à posição de líder natural no processo de negociações. O novo período de compromissos das nações em matéria de mudanças climáticas globais terá início após 2012, e para isso espera-se do governo de nosso país responsabilidade, firmeza e liderança nas tratativas internacionais e compromisso com as futuras gerações. Para tanto é fundamental que o país assuma interna, e internacionalmente, compromisso obrigatório de redução de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Este documento e proposta procuram contribuir para a construção de metas de redução de emissões para o país, identificando problemas e ações possíveis para enfrentá-los, tendo em vista a contribuição brasileira para o equilíbrio climático planetário. Esta publicação contém uma justificativa inicial, contendo descrição do contexto geral, para orientação do leitor sobre o momento histórico e as urgências apresentadas pela sociedade científica a fim de situar tomadores de decisão dentro do panorama complexo que constituem as mudanças climáticas, incluindo suas causas e conseqüências. Este documento não se pretende exaustivo. Constitui um resumo simplificado, cujo objetivo é apenas mostrar uma fotografia do cenário em que a política pública pretendida é ensaiada. 5
  • 7. A segunda parte deste documento contém artigo opinativo e científico de autoria do Professor José Goldemberg (IEE-USP), cujo objetivo é justificar a assunção de metas de redução de emissões pelo país nas tratativas internacionais, definindo-se metas internas para os diferentes setores da economia brasileira. A terceira parte deste documento contém proposta em formato de projeto de lei, para ser considerada no processo legislativo de aprovação da Política Nacional de Mudanças Climáticas em trâmite no Congresso Nacional. Pode servir também para outras esferas de governo, como inspiração para a formulação de políticas sub-nacionais sobre o mesmo tema. Essa proposta legislativa foi construída ao longo de seis meses, em consulta a especialistas no tema, o que incluiu reuniões especiais para esse fim, e também, consultas públicas presenciais. As consultas públicas presenciais foram realizadas em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro ao longo do segundo semestre de 2008. Além disso, foi construída ferramenta de consulta pública on-line, que permitiu a coleta da opinião de cidadãos e especialistas de todo o país, disponibilizada pelo site do Observatório do Clima (www.oc.org.br). O documento é passível de aprimoramento, mas constitui contribuição relevante para o processo legislativo nacional na matéria. Partiu de uma revisão do estado da arte da literatura e ciência nessa matéria, incluindo revisão de marcos legais de vários países do mundo, e de governos sub-nacionais, e da observação de ações promovidas pelo setor empresarial para o combate do efeito estufa. Levou em consideração as peculiaridades da economia, cultura, sociedade e meio ambiente nacionais, e também, o estado do conhecimento sobre a realidade climática no país. Espera-se que seja devidamente aproveitado no processo legislativo no congresso nacional, em reconhecimento à qualidade da contribuição de relevantes atores e pensadores dessa matéria no país. 6
  • 8. PARTE II: JUSTIIFIICATIIVA PARTE : JUST F CAT VA 1. CONTEXTO GERAL O sistema climático terrestre é extremamente complexo e muito resta a ser compreendido pelos cientistas com relação à magnitude, tempo e impactos das mudanças climáticas vividas na atualidade. É inquestionável, no entanto, a existência de um aumento da temperatura média global, e os cientistas, ambientalistas e governos têm buscado alertar a sociedade sobre os impactos dramáticos que essas mudanças no clima podem ter sobre a saúde humana, os ecossistemas, a segurança alimentar, a atividade econômica, os recursos hídricos e a infra-estrutura física. Reconhecidas as incertezas intrinsecas ao processo cientifico, o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), corpo de cientistas ligados à Organização Meteorológica Mundial (OMM) e ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), aponta para a necessidade de se promover uma urgente ‘descarbonização´ da matriz energética do planeta. Essa proposta gera enormes impactos de ordem econômica e política, especialmente porque afeta uma das maiores indústrias do mundo: a do petróleo. Por outro lado, muitos setores da economia já estão começando a se adaptar e a utilizar fontes alternativas de energia. Diversos países e governos subnacionais também têm promovido a adoção de políticas públicas no setor energético com vistas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa antropogênicos. De um lado, desde a assinatura da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) em 1992, a comunidade internacional vem ser esforçando para estabelecer metas e mecanismos que promovam  a  estabilização das  concentrações  de  gases  de  efeito  estufa  na  atmosfera.  Busca‐se  assim  alcançar  um  nível  de  emissões  que  impeça  uma  interferência  antrópica  perigosa no sistema climático, em prazo suficiente a permitir aos ecossistemas uma adaptação natural à  mudança do clima e a permitir que o desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável. De outro lado, está claro que as normas internacionais não são suficientes para resolver o problema: as negociações internacionais são lentas, as normas muito genéricas e de difícil aplicação prática. A inexistência de um sistema de governo mundial, e a falta de mecanismos de sanção, torna muitos tratados internacionais pouco eficazes. Sua aplicação depende em grande parte dos acordos econômicos, subjacentes à ordem política e econômica mundial. Em virtude disso, faz-se ainda mais premente a aprovação de normas de cunho vinculativo no âmbito dos governos nacionais e subnacionais, e fortes medidas de combate ao fenômeno do agravamento do efeito estufa também pelo setor privado, conforme se propõe neste texto. 7
  • 9. 2. Introdução à Mudança Climática Global Ao longo dos seus 4,6 bilhões de anos o planeta Terra passou por diferentes ciclos naturais de aquecimento e resfriamento. Nos últimos 100 anos, entretanto, a escala de tempo em que ocorrem as mudanças no clima global sugerem que as atividades humanas são fatores preponderantes na pertubação dos padrões climáticos (Figura 1).1 Figure 1.3 Figura 1 – Oscilação da temperatura média da Terra Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I Para o IPCC o “aquecimento do sistema climático é inequívoco e agora está evidente como resultado das observações de aumento das temperaturas médias atmosféricas e oceânicas, derretimento de neve e gelo generalizado, e aumento do nível médio do mar”. O relatório prossegue e afirma que “as informações paleoclimáticas confirmam a interpretação de que o aquecimento do último meio século não foi comum, pelo menos nos últimos 1.300 anos. Na última vez em que as regiões polares ficaram significativamente mais quentes do que no presente durante um período longo (cerca de 125.000 anos atrás), as reduções no volume do gelo polar acarretaram uma elevação do nível do mar de 4 a 6 metros”. O painel de cientistas da ONU ressalta o impacto das atividades humanas na modificação inequívoca do clima global. O consumo excessivo de energia, principalmente pela queima de combustíveis fósseis, promoveu um acúmulo de gases do efeito estufa, particularmente de dióxido 1 A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aprovada em 1992, define esse fenômeno da seguinte forma: “Mudança que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana, que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis.” 8
  • 10. de carbono (CO2) e metano (CH4), levando a um aumento progressivo na temperatura global. (HAINES e PATZ, 2004) O Quarto Relatório do IPCC indica que as taxas anuais de gases do efeito estufa (GEE) estão em expansão: no período entre 1970 e 2004 as emissões aumentaram 70%, de 21 para 38 bilhões de toneladas anuais. O relatório afirma ainda que entre 1995 e 2006 encontram-se os anos mais quentes desde que tiveram início os registros históricos de medição da temperatura da superfície terrestre, em 1850. (IPCC, 2007) (Figura 2). Figura 2 - Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte. (a) temperatura média global da superfície, (b) média global da elevação do nível do mar (c) cobertura de neve do Hemisfério Norte para março-abril. Todas as mudanças são relativas às médias correspondentes para o período de 1961 a 1990. Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I. Caso não houvesse na atmosfera compostos como o CO2, em razão do balanço energético natural do planeta com o sol, a atmosfera e o espaço a temperatura média próxima à superfície da Terra seria cerca de 17oC abaixo de zero. A presença na atmosfera de gases com características “estufa” - além do CO2, o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os hidrofluorcarbonos (HFCs), os perfluorcarbonos (PFCs) e o hexafluoreto sulfúrico (SF6) - permite a passagem das radiações solares juntamente com a absorção da radiação térmica emitida pela Terra, elevando a temperatura média da atmosfera próxima à superfície terrestre para cerca de 15oC (SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2005). 9
  • 11. No entanto, a reconstrução da evolução da temperatura durante os últimos 1000 anos indica que as modificações no clima global verificadas nas últimas décadas não estão relacionadas exclusivamente a causas naturais e reforçam a influência da interferência humana. Estudos em amostras de geleiras na Antártica indicam que as concentrações de carbono nos extratos mais recentes são as mais altas dos últimos 420.000 anos e, provavelmente, dos últimos 20 milhões de anos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007). Ou seja, a concentração de CO2 nas geleiras das calotas polares comprovou que a presença desse gás na atmosfera vem aumentando de forma acentuada – especialmente nos últimos dois séculos -, aumento este que intensifica a ocorrência o chamado “efeito estufa” e, conseqüentemente, das condições climáticas do planeta (Figuras 3, 4 e 5). Neste sentido, porque as emissões de CO2 e de outros gases causadores do efeito estufa provêm de atividades humanas, convencionou-se chamar o fenômeno de “efeito estufa antropogênico” (SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2005). Figura 3 - Aparelho de medição das bolhas de ar aprisionadas no gelo Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature Figura 4 - Visão microscópica de bolhas de ar aprisionadas no gelo Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature 10
  • 12. Figura 5 - Estação Britânica de estudo do gelo do pólo Ártico Fonte: European Project for Ice Coring in Antarctica (Epica); BBC News, Nature Esse acúmulo de GEE na atmosfera tem ainda como conseqüência a elevação das temperaturas globais médias, resultando em uma ruptura dos sistemas naturais; mudanças nos regimes de chuva e nos níveis de precipitação em muitas regiões, com impactos na oferta de água e na produção de alimentos; aumento da incidência e da intensidade de eventos climáticos extremos, tais como ondas de calor e estresse térmico, tempestades, enchentes, incêndios e secas; aumento do nível do mar, com impactos nas áreas costeiras e em regiões de baixada; alterações de ecossistemas, como a decorrente do aumento de vetores transmissores de doenças e sua distribuição espacial (Figura 6 e 7). FAQ 2.1, Figure 1 Figura 6 – Concentração de gases de efeito estufa na atmosfera Fonte: IPCC, 2007, Grupo de Trabalho I 11
  • 13. Figura 7 - Aumento da Concentração de CO2 na Atmosfera (em partes por milhão), desde o início da Revolução Industrial (1870), até o início do século 21. Fonte: UNEP/GRID-Arendal, 2000 Para o IPCC, alguns dos eventos climáticos já sofreram modificação em sua frequência e intensidade. Por exemplo, o nível do mar médio sofreu elevação de 17 centímetros durante o século XX, enquanto a temperatura média da superfície terrestre aumentou cerca de 0,74ºC. Nesse mesmo período os níveis de precipitação aumentaram significativamente em partes da América do Norte e do Sul, no norte da Europa e nas áreas central e norte da Ásia, enquanto reduções foram identificadas no sul da África e Ásia, bem como no Mediterrâneo2. A disponibilidade de água também está sendo impactada: o aumento da temperatura aumenta a oferta de água nos trópicos e nas latitudes elevadas, enquanto sua disponibilidade é reduzida em áreas semi-áridas e em médias latitudes. Como consequência, milhões de pessoas serão expostas ao estress hídrico provocado pelos efeitos da mudança do clima. A gravidade da situação exige a adoção de medidas eficientes para lidar com a mudança do clima. De fato, “a continuação das emissões de gases de efeito estufa nas taxas atuais ou acima delas acarretaria um aquecimento adicional e induziria muitas mudanças no sistema climático global durante o século XXI, as quais muito provavelmente seriam maiores do que as observadas durante o século XX” (IPCC, 2007, 10.3). 2 Discurso do Presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, na Sessão de Abertura do Forum Econômico Mundial em Davos, em 23 de janeiro de 2008. 12
  • 14. 2.1. Eventos Climáticos Extremos De forma geral, é comum na natureza a ocorrência de fenômenos climáticos extremos. Nas últimas décadas, entretanto, tem se observado um aumento da freqüência e da intensidade desses eventos. Esses fenômenos climáticos incluem períodos de temperaturas muito altas ou muito baixas, inundações, secas e tempestades, em tal intensidade que superam a capacidade cultural, social, psicológica e fisiológica de adaptação (INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL). As conseqüências desses fenômenos também são relevantes. Por exemplo, em 1998 o furacão Mitch e intensas chuvas na América Central foram seguidas pelo aumento da incidência de malária, cólera e dengue. Em 2000, a chuva e três ciclones inundaram Moçambique por seis semanas, com conseqüente aumento em cinco vezes da incidência de malária. Em 2003, a onda de calor no verão da Europa, com temperaturas 10ºC acima da média dos 30 anos anteriores, acarretou de 21 a 35 mil mortes em cinco países, perda de colheitas, queima de florestas, e derreteu 10% da massa glacial dos Alpes. Em 2005 o furacão Katrina causou devastação nas comunidades costeiras (EPSTEIN, 2005). Dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que a freqüência dos desastres naturais relacionados às mudanças climática está aumentando. Apenas no decorrer do primeiro semestre de 2007, 117 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas de cerca de 300 desastres naturais, incluindo secas devastadoras na China e na África e inundações na Ásia e na África, que resultaram em um prejuízo total de US$ 15 bilhões (BBC BRASIL, 2007). A Ásia, sede de oito dos dez maiores desastres de 2007, foi o continente mais afetado pelas catástrofes naturais. A combinação de crescimento populacional, pobreza e degradação ambiental aumentam ainda mais a vulnerabilidade a catástrofes climáticas (HAINES e PATZ, 2004). Por este motivo, o impacto das mudanças climáticas em países pobres pode ser de 20 a 30 vezes maior do que em países desenvolvidos. As enchentes e secas devidas ao El Niño de 1982-1983, por exemplo, ocasionaram perdas de cerca de 10% do Produto Nacional Bruto (PIB) na Bolívia, Chile, Equador e Peru (INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL). Nos países africanos estima-se que em 2020 a população estará exposta à falta de água para consumo, à redução da disponibilidade de alimentos ocasionada pela redução da capacidade de produção agrícola, à queda das condições de saúde de milhões de pessoas, ocasionando o aumento de doenças e mortes relacionadas aos eventos climáticos extremos. Ademais, alguns dos principais impactos da mudança do clima já estão sendo traduzidos em custos, tais como os recursos gastos pela indústria de seguros com pagamentos. Entre 1960 e 13
  • 15. 1990 as perdas econômicas atribuídas à ocorrência de desastres naturais passaram de US$ 75,5 para US$ 659,9 bilhões. Para os segurados, as perdas por desastres naturais quase dobraram no ano de 2007, chegando a valores da ordem de US$ 30 bilhões em escala global3. 3. Mudança Climática e o Brasil De acordo com o Relatório de Caracterização do Clima Brasileiro, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2007, existem ainda poucos estudos observacionais sobre mudanças nos extremos de clima no Brasil (chuvas, temperaturas, tempestades) e os resultados são comprometidos em razão da qualidade ou ausência de informação climatológica diária confiável. Em relação à temperatura do ar, o estudo destaca variações nas diferentes regiões do país relacionadas a causas naturais (aquecimento do Atlântico Sul) ou a causas antropogênicas (ilhas de calor) e constata um aquecimento mais intenso no período do inverno e maiores taxas de aquecimento nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007). Outros estudos indicam que a temperatura média no Brasil teria aumentado aproximadamente 0,75ºC ao longo do século XX, deixando o Norte e o Nordeste mais secos e aumentando a incidencia de chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul (CARBONO BRASIL, 2007). Neste sentido, estatísticas apresentadas no banco de dados Emergency Events Database (EM-DAT) mantido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam um aumento da incidência de eventos climáticos com temperaturas extremas e enchentes no território brasileiro no período entre 1970 e 2008 (Tabela 1). Eventos extremos como esses já causaram a morte de mais de 6 mil pessoas e prejuízos da ordem de 10 bilhões de dólares (EM-DAT, 2007). O furacão Catarina, por exemplo, que em março de 2004 atingiu 26 municípios no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, deixou 15 mil pessoas desabrigadas e 11 mortos (Figura 8) (FOLHA ONLINE, 2004). Tabela 1 – Ocorrência de desastres naturais no Brasil no intervalo entre 1970 e 2008, número de mortos e prejuízo total causado por esses desastres. Evento climático Período Temperatura Total no 1970 a 2008 Estiagem Epidemia Enchente extrema período Total por 15 14 6 79 114 ocorrência climática 3 Discurso do Presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, na Sessão de Abertura do Forum Econômico Mundial em Davos, em 23 de janeiro de 2008 14
  • 16. Total de mortos 20 2138 210 3.747 6.115 Prejuízo (US$) 4.723.100 - 1.075.000 4.590.270 10.388.370 Fonte: EM-DAT, 2007 As tempestades ou ciclones tropicais também podem ser particularmente impactantes em áreas densamente povoadas e empobrecidas. É muito comum a presença de populações menos favorecisas em lugares de alto risco, como áreas ribeirinhas ou encostas, ainda mais suscetíveis a esses eventos (INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL). O meteorologista Luiz Fernando Nachtigall, da Rede de Estações de Climatologia Urbana de São Leopoldo (RS), afirmou que os tornados no sul do Brasil têm sido freqüentes, e que o episódio mais devastador ocorreu em Águas Claras, na Grande Porto Alegre, em outubro de 2000. De acordo com a Defesa Civil nessa ocasião os prejuízos somaram mais de R$ 1 bilhão (FOLHA ONLINE, 2004). Figura 8 – Imagem do Furacão Catarina Fonte: CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS (CPTEC), 2004 Outro evento climático extremo que afetou o Brasil foi a seca intensa que assolou parte da Amazônia em 2005, tendo como consequencia a redução do nível dos rios, mortandade de peixes, redução da produção agrícola, além da maior sucetibilidade da floresta às queimadas (Figuras 9, 10 e 11) (IPAM, 2005). 15
  • 17. Figura 9 – Seca na Amazônia Fonte: GREENPEACE, 2004 Figura 10 – Seca na Amazônia Fonte: GREENPEACE, 2004 Figura 11 – Seca na Amazônia Fonte: GREENPEACE, 2004 16
  • 18. 4. Marco regulatório internacional Em função dos graves fenômenos e impactos decorrentes da alteração do clima do planeta, foi adotada em 1992 a UNFCCC, que estabeleceu um compromisso geral de redução da emissão de gases de efeito estufa, impondo medidas específicas de redução de emissões aos países mais industrializados do planeta. O objetivo da Convenção, definido em seu artigo 2º é: (...) alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. (UNFCCC, 1992) Apesar de não estabelecer obrigações vinculantes de redução de emissões um importante princípio adotado pela Convenção foi a atribuição aos países industrializados da maior cota de responsabilidade no combate à mudança do clima e também a maior parte da “conta a pagar”, já que se industrializaram há mais tempo e, de modo geral, suas emissões atuais são mais relevantes. Em Dezembro de 1997, a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima aprovou em Quioto, no Japão, um Protocolo estabelecendo compromissos e metas concretas para os países desenvolvidos no que tange à redução das emissões de gases de efeito estufa. O chamado “Protocolo de Quioto” estabeleceu que no período entre 2008-2012 os países desenvolvidos têm a obrigação de reduzir suas emissões coletivas de seis GEE em pelo menos 5% com relação aos níveis de 1990. Para auxiliar no cumprimento dessas metas o Protocolo de Quioto previu a existencia de “mecanismos de flexibilização”4, que permitem o cumprimento das obrigações em outros países. Desta forma o Protocolo de Quioto procurou reduzir o custo de implementação dos projetos garantindo mesmo resultado em termos de retirada de carbono da atmosfera. A comunidade científica alerta, no entanto, que para atingir o equilíbrio desejável de concentração de GEE na atmosfera será necessário o estabelecimento de reduções mais significativas do que aquelas previstas pelo Protocolo de Quito. Neste sentido, no Reino Unido a Royal Commission on Environmental Pollution (RCEP, 2000) recomendou que até 2050 os países do Anexo 1 reduzam suas emissões em 60% abaixo dos níveis de 1990 para seja possível atingir a meta de estabilização de 550ppm. Além disso, na atual fase de negociação das novas regras referentes ao 4 Instrumentos que permitem o cumprimento das obrigações dos países em outros países de forma a reduzir o custo de implementação dos projetos, mas que tenham o mesmo resultado em termos de retirada de carbono da atmosfera. 17
  • 19. período posterior a 2012, os governos do Brasil, China e Índia, entre os maiores emissores de GEE, estão sendo pressionados para assumirem obrigações de redução de emissões, como as que já estão estabelecidas para os países mais industrializados do mundo. Em recente reunião do G8 – Grupo dos sete países mais ricos do mundo e a Rússia – realizada no Japão, os países concordaram em reduzir as emissões de CO2 em 50% até 2050, como forma de contribuir para controlar a mudança climática. Apesar de ser a primeira vez que os Estados Unidos aceitam em adotar metas de redução de suas emissões, o acordo é considerado muito tímido frente à necessidade premente de estabelecer ações eficientes para a redução das emissões de GEE. A lentidão das negociações internacionais torna ainda mais relevante que a sociedade global se prepare para enfrentar a discussão e participar desse processo decisório de forma ampla e transparente (FOLHA ONLINE, 2008). No nível nacional, as preocupações com as mudanças climáticas globais têm levado governos centrais a adotarem políticas e programas para a resolução do problema, que muitas vezes incluem a adoção de metas de redução de emissões de GEE. No nível regional, a União Européia estabeleceu regras complexas e contundentes de redução das emissões. A adoção de políticas e programas nacionais, no entanto, não acontecerá se as nações não perceberem vantagens reais decorrentes dessa medida. A escolha do melhor instrumento para promover a adesão dos diferentes setores às referidas metas é polêmica. Podem ser adotadas políticas que estabelecem regras de comando-e-controle (metas e sanções pelo descumprimento de metas); políticas que estabelecem instrumentos de mercado (incentivos ou desincentivos); ou um misto das duas anteriores (STAVINS, 1997). Sem conhecimento dos custos e benefícios dessas medidas, é impossível a adoção de políticas públicas eficazes nessa matéria. 5. Posição Brasileira O Brasil exerce um papel importante e único nas mudanças climáticas. Está entre as dez maiores economias do mundo e abriga um dos mais ricos ecossistemas e florestas do planeta: a Amazônia. O Brasil é ainda o oitavo maior emissor de GEE, e o terceiro maior entre os países em desenvolvimento, atrás apenas da China e da Índia (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2000). Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, enquanto o setor energético do Brasil contribui pouco para as emissões nacionais, o uso insustentável e não planejado da terra e desmatamento são os fatores responsáveis pela maior parte das emissões. Espera-se do Brasil liderança e compromisso para a redução de suas emissões, demonstrando seriedade no ataque ao maior problema que afeta hoje a humanidade. Seu papel dentre as 18
  • 20. maiores economias do mundo e sua riqueza em termos de recursos naturais alçam o país à posição de líder natural no processo de negociações. O novo período de compromissos das nações terá início após 2012, e para isso espera-se do país responsabilidade, firmeza lideranças nas tratativas internacionais e compromisso com as futuras gerações. Para tanto é fundamental que o país assuma interna, e internacionalmente, compromisso obrigatório de redução de suas emissões de GEE. Este documento e proposta procuram contribuir para a finalidade da construção de metas setoriais de redução de emissões para o país. 5.1. Ações governamentais para redução de emissões Ao longo dos anos o Brasil implementou uma série de programas cujo objetivo primário não era limitar as emissões de GEEs, mas que tiveram esse resultado como “efeito colateral”, como é o caso do Programa Conservação de Energia Elétrica (PROCEL). Outros, a exemplo do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) e dos projetos de Biodiesel foram criados com a intenção primeira de reduzir as emissões do país, mas torna-se necessária maior atenção a esses programas, e principalmente, investimento financeiro, para torná-los relevantes em termos de ação para combate ao agravamento do efeito estufa. Outros programas dessa natureza são citados pelo Governo Brasileiro em sua comunicação nacional à UNFCCC, e com criatividade, boa vontade e visão de longo prazo, certamente programas desse tipo entrarão para o núcleo central de prioridades de governo e do setor privado no país. A primeira política pública que resultou em uma significativa redução de GEE foi o Programa Brasileiro do Etanol. Esse programa foi lançado em 1975, em reação ao aumento do preço do petróleo desde a crise de 1973, à queda dos preços internacionais do açúcar e ao conseqüente aumento das dívidas do país. O programa tem enorme interesse comercial e representa importante fonte para a produção de energia no mundo. Outra contribuição significativa do mesmo se dá no combate à poluição do ar nas grandes cidades e redução das emissões de GEE. Isaias Macedo (1997) demonstrou que o uso do álcool e bagaço da cana evitou a emissão de 9,45 milhões de toneladas de carbono em apenas um ano (1990-1991). Parte do carbono lançado na atmosfera quando o bagaço e o etanol são consumidos é compensada por uma quantidade equivalente de carbono absorvida pela cana durante o seu crescimento. Segundo o autor, considerando-se apenas a gasolina que não é queimada em função do consumo do etanol, entre 1980 e 1990 o uso desse combustível evitou o lançamento de 5,86 milhões de toneladas de carbono por ano na atmosfera. Outras melhorias resultaram do PROCEL, lançado pelo governo brasileiro em 1985. Não só o programa buscou reduzir o desperdício de energia elétrica, mas em termos de redução de 19
  • 21. emissões de GEE sua contribuição foi significativa. De acordo com o estudo conduzido por Emilio La Rovere e Branca Americano (1999), enquanto em 1997 o setor energético emitiu o equivalente a 17 milhões de toneladas de dióxido de carbono, as atividades do PROCEL evitaram a emissão de 1,2 milhões de toneladas de GEE (em equivalência ao dióxido de carbono). Mais recentemente e com vistas a promover o uso de fontes alternativas de energia, em 2002 foi lançado o PROINFA. A lei que aprovou o Programa estabeleceu um mercado compulsório de energia renovável, além de prever o suporte legal necessário para a criação de um esquema para alimentar o grid nacional de eletricidade com energia de fontes renováveis. A primeira fase de implantação do Programa consistiu na instalação de 3300 megawatts em capacidade de geração de energia baseada em biomassa, pequenas plantas de hidrelétricas e energia eólica, correspondente a quase 1% do total da produção de eletricidade em 2002. A segunda fase do PROINFA aumentaria a participação destas fontes para 10% da produção. Contudo, novas regulamentações do setor de energia revisaram esta meta, e ainda não há definição clara da segunda fase. Espera-se mais investimentos e priorização de novas renováveis nesse programa, para que tenha efeito significativo para a redução das emissões de GEE do setor elétrico. 6. ASPECTOS SETORIAIS As emissões antrópicas de GEE possuem duas naturezas básicas: uma relacionada a energia (geração, transformação, utilização em processos industriais e transporte) e outra não-relacionada a energia (mudanças de uso do solo, resíduos e agricultura). Setor MtCO2 % Energia 26,980.4 62.7 Eletricidade e aquecimento 11,581.5 26.9 Manufatura e construção 4,748.4 11.0 Transporte 5,089.0 11.8 Outros consumos de combustível 3,964.1 9.2 Emissões fugitivas 1,597.4 3.7 Processos industriais 1,369.4 3.2 Agricultura 5,729.3 13.3 Mudança do uso do solo e florestas 7,618.6 17.7 Resíduos 1,360.5 3.2 Total 43,058.3 Gráfico 1. Emissões mundiais de GEE por setor em 2000 - CO2, CH4, N2O, PFCs, HFCs, SF6 (inclui mudanças do uso do solo) Fonte: WIR/CAIT (2008) Similarmente, já em 1992 a UNFCC fez expressa menção a cinco setores essenciais ao combate às mudanças climáticas: energia; transportes; indústria; agricultura; silvicultura; e administração de 20
  • 22. resíduos sólidos. Com foco na realidade brasileira, as próximas seções analisam cada um desses setores, levando em conta aspectos técnicos, sua previsão em acordos internacionais e o tratamento conferido no país. Pretende-se, com essa descrição, alertar os tomadores de decisão dos diferentes setores sócio-econômicos e de governo, para a necessidade de ação firme e urgente para a redução de emissões em todas essas áreas. 6.1. Uso do Solo A dinâmica dos ecossistemas terrestres depende de interações entre uma série de ciclos bioquímicos, particularmente o ciclo de carbono, o ciclo de nutrientes e o ciclo hidrológico. Todos esses ciclos estão sujeitos a alterações em decorrência de atividades humanas. No caso do carbono, porque ele encontra-se retido na biomassa, em compostos orgânicos em decomposição e no solo, o uso do solo, mudancas no uso do solo, florestamento, entre outras interferências humanas tem a capacidade de alterar significativamente os estoques de carbono dos ecossistemas terrestre (IPCC, 2000). Isto quer dizer que as diferentes modalidades de uso do solo, incluindo atividades florestais e de agricultura, constituem uma importante fonte de emissões antropogênicas de GEE. De fato, em 2000 o setor de uso do solo, mudança do uso do solo e florestas (LULUCF) foi responsavel por mais de 30% do total das emissoes humanas de GEE. Por este motivo, atividades de LULUCF são essenciais para evitar interferências perigosas ao sistema climático global. 6.2. Desflorestamento Dentre as diferentes modalidades de uso do solo, a supressão de florestas, ou desflorestamento, responde pelo maior volume de carbono lançado na atmosfera. Das emissões cumulativas devido às mudanças de uso da terra no período entre 1700-1990 (tabela 2), os Estados Unidos, China, Rússia e Brasil são responsáveis por mais da metade das emissões históricas. 21
  • 23. Tabela 2: Emissões mundiais cumulativas de CO2 devido à mudança histórica no uso da terra entre 1700-1990 (Mt CO2) Ranking País 1700-1990 % Soma acumulada 18.6% 18.6% 94.510.039 Estados Unidos  1 36.6%  18.1%  91.966.840  China  2 46.0%  9.4%  47.947.918  Russia  3 51.3%  5.3%  26.874.135  Brasil  4 55.9%  4.6%  23.449.961  Argentina  5 58.8%  2.9%  14.845.516  Colômbia  6 61.7%  2.9%  14.524.112  Indonésia  7 64.4%  2.7%  13.687.125  Canadá  8 66.4%  2.1%  10.485.305  Ucrânia  9 68.4%  2.0%  10.150.583  Austrália  10 70.3%  11 1.9%  9.712.561  México  12 72.2%  1.8%  9.325.574  Índia  13 73.8%  1.7%  8.408.154  Peru  14 75.0%  1.2%  5.895.131  África do Sul  15 76.1%  1.1%  5.759.179  Nova Zelândia  16 77.1%  1.0%  5.266.281  Uruguai  17 78.1%  1.0%  5.015.104  Madagascar  18 79.1%  0.9%  4.835.512  Bolívia  19 80.0%  0.9%  4.490.826  Etiópia  20 80.8 0.8%  4.323.450 Nigéria  TOTAL 509.171.975 100,00% Fonte: CAMPOS et al. (2005) Uma análise de padrões mais recentes de mudança de uso da terra (2000-2005) confirma a alta taxa de mudança anual de área florestada. Com base em dados coletados pelo Programa das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG) da COPPE-UFRJ conclui que por apresentar maior estoque de carbono por unidade de área, o desflorestamento é a mudança de uso da terra que mais emite CO2. No Brasil, a taxa de mudança anual de desmatamento entre 2000 e 2005 (0,6% a.a.) foi mais de três vezes a média mundial (0,18%), em boa medida porque o país possui um maior percentual de área ainda com florestas primárias. Tabela 3: Desflorestamento Mundial Região Área Área Área Mudança Mudança Taxa de Taxa de % de florestada florestada florestada anual anual mudança mudança florestas 1990 2000 2005 (1990- (2000- anual (%) anual (%) primárias (km2) (km2) (km2) 2000) 2005) (1990- (2000- em (km2) (km2) 2000) 2005) relação ao status em 8000 AC 6.993.610  6.556.130 6.354.120 ‐43.750 ‐40.400 ‐0,64 ‐0,62 7,8 África 2.986.480    3.022.940 3.030.890 3.650 1.590 0,12 0,05 34,4 América do Norte 9.238.070  8.823.390 8.599.250 ‐41.470 ‐44.830 ‐0,46 ‐0,51 48,8 América Latina 9.893.200  9.980.910 10.013.940 8.770 6.610 0,09 0,07 0,3 Europa 7.438.250    7.310.770 7342430 ‐12.750 6.330 ‐0,17 0,09 7,0 Asia e 22
  • 24. Oceania 4.776.980 -26.810 -31.030 -0,5 -0,6 69,3 BRASIL - - 39.520.250 -88.680 -73.170 -0,22 -0,18 24,1 Mundo 40.772.910 39.886.100 Fonte: FAO (2007), in IVIG (2007) Com vistas a estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático, o artigo 4 da UNFCCC requer dos Estados parte - tanto os países desenvolvidos (anexo 1) quando países em desenvolvimento (não-anexo 1) – que reportem as emissões decorrentes de atividades de LULUCF em suas comunicações nacionais. No Brasil, o primeiro – e até hoje único – Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa: emissões e remoções de dióxido de carbono por conversão de florestas e abandono de terras cultivadas demonstra que a Amazônia responde pela maior parte de ambas as emissões e remoções brutas do país. Gráfico 2: Emissões líquidas de CO2 por mudanças de uso da terra ocorridas no Brasil, entre 1988 e 1994, por bioma. Fonte: MCT (2004) Como resultado dos dados constantes desse inventário, chegou-se ao número de que mais de 75% das emissões brasileiras tem como origem o desmatamento de florestas. Cabe destacar, o inventário brasileiro tem por base o ano de 1994, e embora fossem necessários dados sobre um período mínimo de dez anos, considera o cenário somente a partir de 1988, a partir de quando houve disponibilidade de dados confiáveis sobre a taxa de deflorestamento bruto da Amazônia Legal. Contudo, já em 1995, com a recuperação econômica que resultou do plano Real, verificou- se um pico na taxa anual de desmatamento, e em 2004 o Brasil atingiu valores muito altos de desmatamento, chegando a 27.000 km2. 23
  • 25. Além de provocar alterações regionais e globais do clima, o desmatamento constitui uma ameaça à biodiversidade e às populações indígenas e demais povos da floresta. Além de essencial como reservatório e fonte de carbono, a Floresta Amazônica oferece inúmeros serviços ambientais, muitos dos quais direta ou indiretamente afetam o clima. Por exemplo, a vegetação mantém a umidade do solo e do ar, reduz a penetração de raios de sol e do vento. Porque 50% do vapor d’água de chuva na Bacia Amazônica provem de processos locais de evaporação e transpiração da floresta, a supressão de vegetação resulta em uma alteração na circulação do vento, a qual impacta o volume de chuva e nebulosidade na região. Ademais, porque o solo naquela região é pobre em matéria orgânica e metais, a supressão de vegetação implica em que as chuvas lavem a matéria orgânica acumulada, dificultando a regeneração da floresta (COTTON e PIELKE, 2007). Há inúmeras outras conseqüências do desmatamento amazônico para o clima no país, e no nível planetário, que não serão descritos neste estudo, mas devem ser avaliados por quem busca informações mais completas. Informações adicionais podem ser encontradas em estudos de organizações como o INPA, Museu Goeldi, IPAM, INPE, IMAZON, dentre outras instituições destinadas à pesquisa nessa matéria. 6.2.1. Redução de emissões pelo setor de LULUCF Como mencionado, a UNFCCC expressamente reconheceu a importância do setor de uso do solo e florestas para a mitigação das mudanças climáticas e estabilização das concentrações de GEE na atmosfera, prevendo medidas genéricas a serem adotadas pelo setor. Essas medidas foram definidas no artigo 4 da UNFCCC e levam em consideração o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, além de reconhecerem as diferentes prioridades, objetivos e circunstâncias de desenvolvimento das diferentes nações. O artigo 4 também faz menção às medidas a serem adotadas pelo setor de LULUCF. São elas: elaborar, atualizar periodicamente, publicar e colocar à disposição do publico inventários nacionais de emissões antrópicas por fontes e de remoções antrópicas por sumidouros de todos GEE (parágrafo 1(a)); e promover e cooperar na conservação e fortalecimento de sumidouros e reservatórios de GEE incluindo a biomassa, as florestas e os oceanos como também outros ecossistemas terrestres, costeiros e marinhos (parágrafo 1(d)). Diante dessas exigências, questionamentos acerca da elaboração de inventários de GEE ocuparam grande parte das primeiras discussões referentes às atividades de LULUCF. Inicialmente, os debates diziam respeito à confiabilidade dos dados – por exemplo, à falta de imagens de satélite, inventários ou dados históricos de países em desenvolvimento –, aos métodos de cálculo das emissões e remoções por sumidouros, e à falta de evidência científica sobre o tema. 24
  • 26. Como conseqüência, durante as negociações do Protocolo de Quioto as questões referentes a atividades de LULUCF foram consideradas complexas demais e receberam pouca atenção no texto final do Protocolo. Basicamente, pelo Protocolo de Quioto, os países desenvolvidos (Anexo 1) concordaram em reduzir suas emissões de GEE, sendo que emissões e reduções decorrentes de atividades de LULUCF passaram a ser consideradas passíveis de utilização para o alcance das metas acordadas. Assim sendo, pelo artigo 3.3 desse Protocolo as variações nas emissões e remoções de GEE resultantes do florestamento, reflorestamento e desflorestamento devem ser utilizadas para atender os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos. O artigo 3.4, por sua vez, refere-se a atividades adicionais induzidas pelo homem relacionadas com mudanças nas emissões por fontes e remoções por sumidouros de GEE em solos agrícolas e de mudança no uso da terra e florestas No entanto, ao prever a inclusão de atividades de LULUCF como parte dos esforços de implementação de medidas mitigadoras, o Protocolo de Quioto suscitou uma série de novos questionamentos sobre quais atividades poderiam ser consideradas, como medir o alcance das metas e como reportar as medidas tomadas. Por esse motivo, em 1998 foi encomendada ao IPCC a elaboração de um relatório que examinasse as implicações técnicas e científicas do seqüestro de carbono ligado a atividades de LULUCF. O relatório especial do IPCC sobre LULUCF, publicado em 2000, analisa os fluxos de carbono entre a atmosfera e cinco reservatórios de carbono (biomassa acima do solo, biomassa abaixo do solo, serrapilheira, madeira morta e matéria orgânica do solo) e como os reservatórios de carbono se alteram ao longo do tempo. Em 2001, por ocasiao da 7ª Conferencia das Partes da UNFCCC, ficou estabelecido que somente as atividades de florestamento e reflorestamento seriam elegíveis dentro do Mecanismo de Deselvolvimento Limpo (MDL). O MDL é um dos instrumentos de flexibilização criados pelo Protocolo de Quioto para auxiliar países do Anexo I a reduzir suas emissões de GEE por meio da compensação de emissões em países não-Anexo 1 (como o Brasil). Em 2005, na 11ª Conferencia das Partes, foi pela primeira vez considerada a proposta de redução das emissões por desmatamento em países em desenvolvimento (REDD - do inglês, Reduced Emissions from Deforestation and Forest Degradation). Essa proposta de REDD leva em conta não somente os seus benefícios climáticos decorrentes da redução do desmatamento, como também outros benefícios sociais e ambientais com os quais países em desenvolvimento podem se beneficiar. Finalmente, na 13ª Conferencia das Partes realizada em dezembro de 2007, foi adotado um Plano de Ação estabelecendo que políticas e incentivos positivos deveriam ser adotados com vistas a reduzir as emissões decorrentes do desmatamento e da degradação de florestas em países em 25
  • 27. desenvolvimento. Ao longo de 2008 um programa de trabalho está sendo desenvolvido para estabelecer metodologias próprias e formas de medir a degradação de florestas. Para o Brasil medidas de mitigação como estas discutidas no âmbito da UNFCCC apresentam especial relevância. No entanto, por tratar-se de uma alternativa recentemente regulamentada e que depende de um conhecimento especializado sobre as modalidades, procedimentos e metodologias, até hoje ações mitigadoras no setor florestal ainda apresentam escopo limitado. De acordo com o relatório de atividades de projetos no âmbito do MDL, até 30/9/2008 somente um projeto de reflorestamento foi apresentado no Brasil. Tabela 4: Distribuição das atividades de projeto no Brasil por tipo de projeto no 1º período de obtenção de crédito Redução Redução de Número Redução Projetos em Número Redução de emissão de anual de validação/aprovação de anual de emissão projetos emissão projetos emissão Energia renovável 150 16.431.099 115.440.422 47% 39% 36% Suinocultura 55 2.737.322 25.667.400 17% 6% 8% Aterro sanitário 29 10.036.702 73.855.179 9% 24% 23% Processos 7 832.946 6.131.592 2% 2% 2% industriais Eficiência 21 1.490.288 14.535.192 7% 4% 5% Energética Resíduos 10 1.160.797 9.360.545 3% 3% 3% Redução de N2O 5 6.373.896 44.617.272 2% 15% 14% Troca de 39 2.907.977 24.284.745 12% 7% 8% combustível fóssil Emissões fugitivas 1 34.685 242.795 0% 0% 0% Reflorestamento 1 262.352 7.870.560 0% 1% 2% Fonte: MCT (2008) Desta forma, é essencial que o país reduza suas elevadas taxas de desmatamento e avance as políticas publicas e práticas de uso do solo, sobretudo na Amazônia, explorando o potencial de redução de emissões nesse setor. Existe hoje um enorme potencial de desenvolvimento sustentável para o setor florestal e iniciativas agrícolas de alimentos e biomassa que pode ser melhor explorado. A ameaça das mudanças climáticas e a promulgação de normas com vistas a proteger o clima global e a biodiversidade constituem, portanto, um motor para o aceleramento dessas iniciativas. 6.3. Uso e ocupação do solo urbano O desafio da sustentabilidade urbana consiste em compatibilizar as necessidades do homem relativas à ocupação e ao uso do solo, com a capacidade de suporte do território que pretende ocupar. O modelo de ocupação intensiva dos espaços sacrifica elementos significativos do 26
  • 28. ambiente urbano e compromete qualidade ambiental. Esse modelo tem regido a ocupação urbana no país. Uma política sustentável de ocupação e uso do solo pressupõe a promoção do equilíbrio ecológico, a proteção dos recursos naturais e o controle das variáveis que afetam a saúde física e mental do homem. Nesse sentido, os sistemas de ordenamento do território são essenciais para a execução de políticas urbanas de desenvolvimento sustentável. Nesse processo, devem ser considerados ameaças, limites, vulnerabilidades de um sistema urbano, e as expectativas e necessidades da comunidade humana inserida nesse espaço. O conhecimento das vulnerabilidades e potencialidades ambientais são fatores determinantes para a construção das propostas de ocupação e uso do solo. Dessa avaliação podem ser propostas orientações e restrições à apropriação dos territórios. A questão ambiental costuma mostrar a necessidade de modelos alternativos de ocupação do solo, para garantia da sustentabilidade de um determinado espaço territorial. Hoje, a dimensão climática deve se somar à abordagem ambiental, para definição de políticas de uso do solo urbano. A situação de uso do solo nos centros urbanos brasileiros é influenciada pela pressão exercida em decorrência da expansão da área urbanizada e assentamentos não autorizados. Há no país centros urbanos onde a moradia precária em favelas e em loteamentos irregulares constituem a principal ameaça à qualidade de vida dos cidadãos. Parte significativa da população desses centros urbanos vive problemas crônicos de moradia, residindo em favelas, cortiços e loteamentos clandestinos. A ocupação desordenada do solo urbano, nos loteamentos clandestinos, agrava o déficit de infra-estrutura. A falta de áreas verdes e grande concentração de moradias tornam a maioria dos assentos urbanos locais impróprios para morar. Nesse cenário, ainda deve ser destacado o fato de que diferentes práticas de uso do solo podem impactar significativamente o volume das emissões humanas de GEE. As características e diferentes modalidades de uso e ocupação do solo urbano também são capazes de influenciar a biodiversidade, o consumo de energia e o transporte. As regras de uso e ocupação do solo têm duas funções básicas - planejar o desenvolvimento e controlá-lo -, que por sua vez competem a diferentes setores e esferas de governo. Na última década a questão do uso e ocupação do solo passou a estar diretamente ligada com o tema da promoção do desenvolvimento sustentável. Mais especificamente, hoje se sabe que as diferentes modalidades de uso e ocupação do solo urbano têm um papel essencial na promoção de políticas de mitigação e adaptação das mudanças climáticas. Em áreas urbanas, essas políticas influenciam a localização e a densidade das ocupações, o desenho das cidades, bairros e construções, e estão diretamente ligadas à redução do consumo de energia de novos empreendimentos. 27
  • 29. De um lado, governos locais exercem um papel fundamental na promoção de políticas que tenham como fim a redução da emissão de GEE em centros urbanos (BULKELEY e BETSILL, 2003). Especialmente nas cidades cabe às políticas locais e regionais estabelecer um planejamento estratégico, regras de zoneamento e definir especificidades para a concessão de licenças para construir. De outro lado, regras nacionais são essenciais para estabelecer diretrizes gerais sobre transportes, energia, bem como sobre o uso e ocupação do solo urbano. Neste sentido, é preciso evitar conflitos de competência entre governos locais, estaduais e nacionais no que se refere ao estabelecimento de políticas de uso e ocupação do solo destinadas a tratar de mudanças climáticas. Além disso, para que políticas que regulem o uso e ocupação do solo urbano efetivamente resultem em reduções das emissões de GEE é preciso que as medidas sejam complementadas e conectadas a outras politicas, especialmente nas áreas de transporte e energia. Por exemplo, sem politicas destinadas a reduzir a dependência de automóveis nos centros urbanos, políticas isoladas de uso e ocupação do solo serão ineficazes. 6.4. Resíduos sólidos Resíduos sólidos podem ser definidos como o resultado, ou produto final, de algo que um dia teve uso ou finalidade e que agora não mais o tem. Nos termos da norma NBR 10.004:2004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível. Dependendo de sua classificação, os resíduos sólidos podem ser dispostos em aterros sanitários ou controlados, ou levados para usinas de compostagem, reciclagem ou incineração, os dois últimos existentes em menor escala no Brasil. O chamado lixão é forma arcaica e condenável de disposição final, sendo os resíduos lançados ao solo, em área a tal destinada, sem qualquer estudo prévio, monitoramento ou tratamento. De acordo com um levantamento efetuado em 2005 pelo Ministério das Cidades, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 34% das unidades de destinação final de resíduos no país utilizam a disposição em solo, sendo 40,3% consideradas por seus operadores como aterros sanitários, 33,0% como aterros controlados, e 26,7% como lixões. 28
  • 30. No que se refere ao volume de resíduos gerados no país, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE (2000) indica um total de massa coletada per capita da ordem de 0,71Kg/hab./dia, para municípios de 30.001 até 100.000 habitantes e de 1,07 Kg/hab./dia, para mais de 3.000.000 de habitantes. Isto quer dizer que 125.281 toneladas de lixo domiciliar são coletadas diariamente no país e devem receber destino final adequado. Porém, o crescimento demográfico, combinado com mudanças de hábitos e desenvolvimento industrial, resultou em um aumento na quantidade de resíduos gerada, com crescente participação percentual de embalagens e outros materiais inertes, agravando os problemas de disposição. Ainda, a crescente urbanização limita as áreas disponíveis para a disposição final dos resíduos, fazendo com que resíduos sejam dispostos em áreas inadequadas ou encaminhados para municípios vizinhos. O limitado orçamento municipal dedicado à coleta, destino e tratamento de resíduos também traz dificuldades na manutenção da qualidade dos serviços prestados, pois dificilmente esta se configura como a atividade prioritária na alocação dos recursos municipais (IBGE, 2000). Resíduos e Clima Dispostos em lixões, em aterros controlados ou mesmo em aterros sanitários, os resíduos sólidos entram em decomposição pela ação de microorganismos, que empreendem processos de biodigestão da fração orgânica desses resíduos. Esses processos de biodigestão, com características aeróbias e/ou anaeróbias, dependendo das condições da disposição, transformam a fração orgânica dos resíduos em líquidos e gases que devem ser coletados e tratados. A mistura dos gases gerados, chamada de biogás, é composta principalmente por dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4). Emissões descontroladas de biogás podem ser perigosas; o gás sulfídrico (H2S), presente em baixas concentrações no biogás, pode causar danos à vegetação e odores, e o gás metano, em altas concentrações, pode ser explosivo. De especial relevância, sabe-se que o gás metano contribui consideravelmente para as emissões globais de GEE, sendo 21 vezes mais potente do que o dióxido de carbono. A queima de lixo também contribui para a emissão deste GEE. As estimativas das emissões globais de metano, proveniente de aterros, oscilam entre 20 e 70 Tg/ano, enquanto que o total das emissões globais pelas fontes antropogênicas equivale a 360 Tg/ano, indicando que os aterros podem produzir cerca de 6 a 20% do total de metano (IPCC,1995). No Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) designou a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) para realizar o Inventário Nacional de Emissões de Metano pelo Manejo de Resíduos, podendo assim cumprir o compromisso assumido na UNFCCC no que se refere à elaboração de inventários de emissões de GEE. Os inventários de 29
  • 31. emissão de metano por resíduos, sólidos e líquidos, utilizaram a metodologia do IPCC e levaram em conta o período entre 1990 e 1994. Os resultados, publicados pelo MCT, apontam para uma emissão de aproximadamente 800 mil toneladas de metano por ano pela digestão anaeróbia de resíduos. A partir desse dado projeta-se uma emissão anual de metano da ordem de 900 mil toneladas anuais para este início de século, 84% dos quais decorrentes dos resíduos sólidos (ALVES, 2000). Além dos resíduos sólidos, os efluentes líquidos provenientes dos esgotos domésticos e das indústrias alimentícias, de bebidas e de papel e celulose, com altos teores de matéria orgânica, também possuem grande potencial para emissão de metano. A matéria orgânica presente nesses efluentes é expressa em termos de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) - quantidade de oxigênio consumida por microorganismos na oxidação bioquímica da matéria orgânica - e constitui o principal fator determinante do potencial de geração de metano. A destinação adequada de resíduos nos centros urbanos, constitui, portanto, importante desafio para a gestão das emissões de emissões de GEE no país. O Metano como fonte energética A realização do inventário brasileiro permitiu uma reflexão mais profunda a respeito do uso energético do biogás e das condições de saneamento do Brasil. De fato, o uso do metano para geração de energia tem grande importância como medida mitigadora do efeito estufa, pois evita que o metano seja lançado na atmosfera. Como uma fonte de energia renovável a recuperação e o uso energético do biogás apresentam vantagens ambientais, sociais, estratégicas e tecnológicas significativas (COELHO, 2001). Por um lado, não se pode pensar nessa recuperação energética como solução para uma crise de escassez de energia, já que um programa que empregasse todo o gás de lixo na geração de eletricidade, não representaria 1% daquilo que é consumido hoje no país. Por outro lado, não se pode desprezar essa energia. Considerando apenas os 13 grandes aterros do país, o potencial de geração de eletricidade é de 150 MW, suficiente para abastecer durante um ano uma cidade de 100 mil habitantes (ALVES e LUCON, 2001). Ademais, alguns países vem conferindo um tratamento fiscal diferenciado à energia gerada a partir do biogás. Em países como a Alemanha, Espanha, Itália e Inglaterra, por exemplo, existem políticas especiais de incentivos para aumentar a geração de energia com o biogás e que são tidas como instrumentos de desenvolvimento sustentável (COELHO, 2001). Neste sentido, é importante considerar que existem numerosas oportunidades de introduzir novas tecnologias no sistema de 30
  • 32. gestão de resíduos sólidos. O desafio é incentivar o desenvolvimento de tecnologias que sejam mais conservadoras de recursos naturais e economicamente viáveis (TCHOBANOGLOUS, THEISEN E VIGIL, 1994). Dificuldades com a obtenção de financiamento e com mecanismos regionais integrados com diferentes esferas de governo são fatores que dificultam a implementação de inovações nos sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos. Mas o esgotamento das reservas de combustíveis fósseis no futuro e a crescente procura por combustíveis alternativos e ambientalmente sustentáveis levam ao desenvolvimento das tecnologias de aproveitamento energético dos resíduos (ALVES e VIEIRA, 1998). Considerando que os grandes desafios encontrados por comunidades na gestão de resíduos sólidos consistem em encontrar soluções ambientalmente seguras para os problemas decorrentes da geração do lixo em grandes aglomerações urbanas, assim como em pequenas e médias comunidades com poucos recursos (IPT, 2000), a utilização do metano para fins energéticos mostra-se uma alternativa importante e economicamente viável. Por meio da captação de metano nos aterros e do tratamento anaeróbio (processo biológico sob presença insuficiente de oxigênio) de esgoto e águas residuárias em reatores, é possível promover com facilidade operacional a recuperação do biogás produzido no processo de decomposição. 6.5. Recursos Hídricos A disponibilidade de recursos hídricos, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos, é essencial para a manutenção da vida e para o equilíbrio dos ecossistemas. Da mesma forma os recursos hídricos possuem relevância social e econômica para uma nação: no saneamento básico, na geração de energia, na agricultura e na atividade industrial, enfim, seu uso é indispensável em quase todas as atividades produtivas. Porque a água é um bem de domínio público e ao mesmo tempo um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, seu gerenciamento cuidadoso é crucial. Mas dada a complexidade dos sistemas hídricos naturais esta não é uma tarefa fácil. A movimentação da água na atmosfera depende do clima e da distribuição da cobertura vegetal. Ainda, tem-se que considerar a precipitação local e regional e a sua distribuição ao longo do tempo. Outro fator importante que tem grande influência na circulação da água é a evapotranspiração da cobertura vegetal, a qual está muito relacionada com as condições da atmosfera, ou seja, a temperatura, os ventos, a luminosidade e a exposição do relevo. Para além dos fatores naturais, a ação antropomórfica e a vida nos centros urbanos contribuem para que o ciclo da água insira-se em uma realidade muito mais complexa, como é possível observar no esquema que segue. 31
  • 33. Figura 12 - Diagrama geral de um Estado Fonte: UNICAMP, 2008. Focando nos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos, uma possível análise faz-se sob ambos os aspectos da oferta e demanda (MENDES et al, 2004). No lado da oferta, mudanças no clima podem provocar alterações no regime de precipitações, que por sua vez alteram o volume e a distribuição temporal da água superficial e subterrânea, impactando a quantidade e a qualidade da água disponível. No lado da demanda os impactos serão observados nos volumes de água consumidos, sobretudo na irrigação e na produção de energia. Os impactos das alterações poderão ainda ser sentidos sobre a intensidade e a freqüência de situações de cheias e de secas. Nesse sentido, o aumento da temperatura média do planeta previsto para os próximos 50 anos devido às emissões de GEE deverá provocar impactos diversos em relação aos recursos hídricos, dentre os quais estão alterações no regime de chuvas, intensificando os fenômenos como secas, inundações, furacões e tempestades severas. Ainda, a elevação do nível dos oceanos devido ao derretimento das geleiras e das calotas polares fará com que, nas zonas costeiras, cidades que estiverem abaixo do nível do mar, bem como algumas ilhas fiquem submersas; podendo ocorrer também a mistura da água salgada dos oceanos com a água doce, diminuindo a quantidade de água potável disponível no planeta, além de modificar a salinidade dos solos (IPCC, 2001). 32
  • 34. No contexto brasileiro as conseqüências do aquecimento sobre os recursos hídricos podem ser desastrosas. A intensificação do ciclo hidrológico acarretará profundas assimetrias espaciais e temporais de precipitação nas diferentes regiões do país. Igualmente, o aumento do nível do mar provocará impactos importantes, especialmente nas regiões costeiras. Quer pela relação direta da água sobre o clima, quer porque sua disponibilidade afeta muitos setores da atividade socioeconômica, os impactos das alterações climáticas sobre os recursos hídricos serão particularmente significativos. Estes possíveis impactos das mudanças climáticas nos recursos hídricos seguem expostos, de forma mais detalhada, por tipo de conseqüência resultante. Impactos sobre o escoamento. Uma diminuição da precipitação, acompanhada por um aumento da evapotranspiração potencial, relacionada com o aumento da temperatura, tenderá a provocar uma diminuição das disponibilidades anuais de água. O escoamento dos rios tenderá a reduzir nas latitudes mais altas e decrescer nas latitudes médias. Como conseqüência, haverá um agravamento da assimetria Norte-Sul no que se diz respeito aos recursos hídricos (Santos, 2003). No Brasil, estudos apontaram que as principais Bacias Hidrográficas sofrerão alterações de vazão, tanto nos cenários de redução quanto de manutenção das emissões de GEE (Salatti, 2007). Tabela 5: Amazônia Brasileira: variação percentual da vazão (2011 - 2100) Fonte: SALATI, 2007. Tabela 6: Bacia do Rio Paraguai: variação percentual da vazão (2011 - 2100) Fonte: SALATI, 2007. Um estudo conduzido pela Universidade Federal do Maranhão também confirmou que o aumento da evaporação provocado pelo aumento da temperatura e a variabilidade dos deflúvios impactam negativamente as disponibilidades hídricas do Rio Anil. Quando aumentado 1K na temperatura média anual de referência (300,3 K) e mantida a precipitação de referência (2196 mm), é observado um decréscimo na descarga fluvial de 0.26 m3/s. Mantida a temperatura de referência e 33
  • 35. diminuindo 10% da precipitação de referência a perda aumenta para 0.54 m3/s (ALCÂNTARA, 2004). Impactos sobre cheias e secas. Visto que se espera, como resultado do aquecimento global, um acréscimo da precipitação na época úmida e um decréscimo da precipitação na época seca, o regime de escoamento deverá seguir esta tendência, intensificando as cheias e secas. No nordeste do Brasil o aumento de secas hidrológicas resultará numa redução ainda maior dos recursos hídricos e a vegetação semi-árida provavelmente será substituída por uma vegetação típica da região árida (WWF, 2008). A região da Bacia Amazônica também poderá ser afetada. Apesar de ainda haver um debate sobre as causas da seca que afetou a região e mais de 250 mil pessoas no segundo semestre de 2005, pesquisadores afirmam que a intensificação do efeito estufa teria sido a principal causa. Nesse caso, o aumento na temperatura das águas do Oceano Atlântico, próximo ao norte da América do Sul, teria causado uma grande concentração de chuvas no mar, acarretando a diminuição da formação de nuvens na bacia. As inundações também acarretam graves problemas ambientais, sociais e econômicos. Quase todas as grandes cidades brasileiras já sofrem sérias conseqüências decorrentes de enchentes anuais, e essas inundações urbanas, cujos efeitos já se mostram trágicos e desastrosos devido ao uso inadequado do solo e da adoção de técnicas pouco eficientes de drenagem, podem ser agravadas face a um cenário de ciclos hidrológicos alterados. Impactos sobre a qualidade da água. O aumento da temperatura resultante das alterações climáticas globais terá impactos diretos sobre a qualidade da água, uma vez que acarretará: decréscimo do nível de saturação de oxigênio dissolvido na água e condicionamento dos processos químicos e biológicos que ocorrem nos meios hídricos, influenciando nos fenômenos como a eutrofização – proliferação excessiva de algas devido a uma grande quantidade de nutrientes na água – e o comportamento dos ecossistemas. Ainda, também devem ser considerados os impactos indiretos na qualidade da água devido às alterações na quantidade de escoamento, em virtude, por exemplo, da modificação das condições de absorção das cargas poluentes pelos meios hídricos. Impactos sobre o nível do mar. Uma conseqüência inevitável das alterações climáticas é a elevação do nível do mar devido ao derretimento das calotas polares. Com base em dados de marés, estima-se que o nível do mar subiu entre 0.1 e 0.2 metros durante o século XX (IPCC, 2001). Para o Brasil, o aumento previsto para os próximos anos poderá provocar erosão e inundações em vários pontos da costa. No Rio de Janeiro, por exemplo, prevê-se que os impactos da elevação do nível freático, da inundação das zonas baixas e conseqüentemente do bloqueio do escoamento de canais e rios das baixadas serão ainda mais negativos do que os efeitos previstos para a erosão da orla (NEVES, 2007). Em outras palavras, qualquer cenário de elevação do nível 34
  • 36. do mar trará problemas idênticos aos que já ocorrem, porém espacialmente ampliados e com maior número de pessoas atingidas. Impactos sobre as águas subterrâneas. Além dos impactos diretos das inundações, na medida em que o mar “invade” um maior espaço do continente, nascentes e reservatórios subterrâneos podem ser atingidos, impactando o equilíbrio entre a água doce e a água salgada presentes nos aqüíferos, num fenômeno conhecido como ‘intrusão salina costeira’. Variações de precipitação ocasionadas pelas mudanças climáticas podem também impactar a recarga dos aqüíferos. Ainda não se sabe como os reservatórios de água subterrâneos reagirão às alterações dos regimes sazonais e interanuais de precipitação, mas comparando índices de 1961-1990 à década de 2050, estima-se que a recarga dos lençóis freáticos irá diminuir em mais de 70% no nordeste brasileiro (WWF, 2008). Impactos indiretos. Os impactos diversos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos trazem conseqüências indiretas sobre outros fatores ambientais, sociais e econômicos. Devido ao papel da água na manutenção dos ecossistemas, dentre os impactos indiretos estão previstas a deslocação de zonas bióticas e a extinção de espécies, que influenciarão na habitabilidade, nas migrações e na saúde pública. Além disso, são inúmeros os setores que se utilizam da água como insumo básico para suas atividades. Os conflitos de interesse com relação ao uso da água, representados pelo setor hidrelétrico, pelos complexos industriais, pelas necessidades de abastecimento urbano, irrigação e adensamento urbano industrial, evidenciam a necessidade de articulação interinstitucional e a adoção de uma política de gestão integrada de recursos hídricos no que diz respeito às mudanças climáticas. Desse modo, é preciso que os critérios e normas setoriais sejam consistentes com a legislação específica, de forma a permitir o disciplinamento desses diferentes usos. 6.6. Transportes O setor de transportes é uma das mais importantes forças motrizes da economia mundial, pois permite a movimentação de pessoas, bens e serviços. Estima-se que o valor adicionado à economia pelo setor de transportes corresponda a 3 até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de um país. A demanda pelo transporte de passageiros e de carga, na maioria dos países em desenvolvimento, cresce de 1,5 a 2 vezes mais rápido que o PIB, sendo que a maior parte deste crescimento é no transporte rodoviário. Segundo dados do Banco Mundial, este setor representa de 5 a 8% do total pago aos trabalhadores. 35
  • 37. Com o aumento da população mundial e a concentração das pessoas nos grandes centros urbanos, o setor de transportes cresce, muitas vezes, de forma desordenada, causando diversos impactos ambientais locais, regionais ou até mesmo globais. As preocupações habituais com os transportes dizem respeito principalmente aos custos relacionados à segurança, poluição do ar e sonora, competição pelo espaço urbano e riscos associados ao problema de desabastecimento de petróleo e derivados. Na discussão mundial a respeito das mudanças climáticas o setor de transportes ocupa um lugar central. No Brasil o problema não é diferente: dentre as atividades energéticas o transporte representa o setor com maior participação nas emissões de GEE e, ao mesmo tempo, é o de controle mais difícil devido a sua grande dispersão. O crescimento das áreas urbanas no país, relacionado à explosão populacional nas cidades, teve por conseqüência uma maior necessidade de transporte, de massa e individual. Somando-se a isso a opção pelo sistema rodoviário no escoamento da produção tem-se que participação do setor de transportes foi de 42% nas emissões totais de CO2 por atividades energéticas no país em 2006. S. Energético Comercial e Outros 7% Público 3% Industrial 1% 30% Residencial 5% Geração de Eletricidade 8% Agropecuário 4% Transportes 42% Gráfico 3 - Emissões de Carbono por setor no Brasil em 2006 Fonte: Adaptado de SILVA, 2007 Intimamente ligada às emissões do setor está o intenso consumo de energia não-renovável pelos transportes. A energia usada é primariamente para o transporte de passageiros e deslocamento de cargas e cada modal apresenta uma intensidade energética diferente, ou seja, consome diferentes quantidades de combustível. Outros fatores que influenciam no consumo de energia são a freqüência das viagens, a distância viajada e a tecnologia empregada. Conforme o desenvolvimento das cidades, através de planos de urbanização, podem ser estabelecidas diretrizes para o uso do solo que resultem em menor demanda por deslocamentos, reduzindo a 36
  • 38. freqüência das viagens e a distância viajada, significando, portanto menor consumo de energia e emissão de GEE. Hoje, no Brasil, o setor de transportes é responsável por 28,3% da demanda energética no país, perdendo apenas para o setor Industrial. Gráfico 4 - Consumo energético por setor Fonte: BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL, 2007 De toda esta energia consumida, a maioria (71%) é proveniente de combustíveis não renováveis e intensivos em emissões de GEE. Apesar de o Brasil também utilizar o álcool etílico anidro e hidratado provenientes da biomassa, sendo menos dependente de petróleo do que os demais países, esta proporção permanece preocupante. Combustíveis alternativos, como o gás natural veicular e a eletricidade, também são utilizados como substitutos aos fósseis derivados de petróleo no transporte rodoviário, no entanto ainda numa pequena escala. 37
  • 39. Gráfico 5 - Consumo energético do setor por fonte Fonte: BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL, 2007 Pesquisas desenvolvidas pelo Centro Clima/COPPE/UFRJ demonstram que com a expansão das emissões de gases da queima de combustíveis fósseis, devido ao crescimento da população e da economia do Brasil, ações visando à eficiência energética e a ampliação do uso de fontes renováveis vão constituir medidas de importância vital para a mitigação das emissões de GEE. Políticas governamentais já em curso como Proálcool, Programa Nacional de Biodiesel, além das não relacionadas ao setor de transportes como PROINFA, PROCEL e CONPET, deverão induzir a redução de 14% das emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis em 2020, em relação a um quadro de projeções em que essas iniciativas não tivessem sido implementadas. No âmbito das Políticas Governamentais, muito mais pode ser feito para construir um programa consistente de redução de emissões no setor. Ações que permeiam desde a ampliação de incentivos ao uso de biocombustíveis até a construção de infra-estrutura para os modais ferroviário e hidroviário devem ser contempladas em políticas específicas para o setor, de forma evitar ou mitigar as contribuições do mesmo para o problema das Mudanças Climáticas. 6.7. Energia Energia é a capacidade de realizar trabalho. Embora este seja um conceito básico ensinado em cursos elementares de Física, ainda hoje provoca controvertidas discussões acerca de uma definição mais precisa. Ainda que não sejamos capazes de formular tal definição precisa e 38