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O PROBLEMA DA INFERÊNCIA CAUSAL E AS SUAS
    IMPLICAÇÕES NO CONHECIMENTO DE EXPERIÊNCIA
                  EM DAVID HUME

JOSIANO NEREU
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa


        No presente trabalho será abordado o problema da inferência causal 1 em David
Hume e as suas implicações no conhecimento de experiência, tendo como pano de
fundo a obra de Hume Investigação Sobre o Entendimento Humano 2 .
        Para Hume “todos os objectos da razão (...) podem ser naturalmente divididos
em dois tipos, a saber, as relações de ideias e as questões de facto” 3 . Nas relações de
ideias estão incluídas todos os raciocínios que sejam dedutivos ou “intuitiva ou
demonstrativamente certos” 4 , ou seja, todos os raciocínios que não precisem de ser
confirmados empiricamente – embora tenham origem nas ideias ou cópias das
impressões –, ou, que não dependem da experiência para serem certos ou evidentes.
Deste primeiro tipo de ‘objectos da razão’ fazem parte “as ciências da geometria, da
álgebra e da aritmética (...)” 5 .
        As questões de facto, o segundo tipo de objectos da razão, ao contrário das
relações de ideias, não são do tipo dedutivos (demonstrativamente certos), dado que
dependem de uma base empírica, ou seja, as questões de facto não são objectos
meramente mentais ou conceptuais, são objectos – no sentido filosófico – que não são
imaginados, mas sim, que existem ou ocorrem de facto. Como escreve Hume, “o
contrário de toda e qualquer questão de facto permanece sendo possível, porque não
pode jamais implicar contradição (...). Que o sol não vai nascer amanhã não é uma
proposição menos inteligível nem implica maior contradição do que a afirmação de que
ele vai nascer” 6 . E nesta passagem torna-se claro o critério usado por Hume para
determinar os objectos da razão: aqueles objectos cuja hipótese do seu contrário implica
contradição (relações de ideias) e aqueles objectos cuja hipótese contrária não implica
contradição (questões de facto). Destes dois tipos de objectos da razão, Hume vai
debruçar-se sobre a investigação dos objectos do segundo tipo, as questões de facto.
        Enunciada já a natureza das questões de facto, Hume avança na procura do
fundamento dos raciocínios acerca das questões de facto: “todos os raciocínios relativos
a questões de facto parecem assentar na relação de causa e efeito” 7 . Há sempre uma
relação entre um facto presente e aquele que é dele inferido e essa relação é a de causa e
efeito, “se nada houvesse a ligá-los [facto presente e facto inferido] a inferência seria


1
  Optamos por esta denominação (inferência causal) em detrimento de «indução» ou «inferência indutiva», devido ao
facto de estes serem termos quase inexistentes nas exposições de David Hume e por, também, serem demasiado
abrangentes, na medida em que «indução» refere-se a um tipo de raciocínio – oposto ao raciocínio dedutivo –
enquanto que Hume tinha em vista apenas um grupo limitado de induções: as inferências causais. – Este é um ponto
de vista muito defendido por João Paulo Monteiro, um conceituado comentador de David Hume.
2
   Hume, D., Investigação Sobre o Entendimento Humano, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002.
Tradução e introdução de João Paulo Monteiro.
3
  Investigação..., p. 41.
4
  Ibidem.
5
  Ibid.
6
  Investigação..., pp. 41-42.
7
  Investigação..., p. 42.
inteiramente precária” 8 . Sem essa relação de causa e efeito qualquer inferência seria
totalmente arbitrária e viver-se-ia num mundo caótico. Eis alguns exemplos, de Hume,
de inferências causais: o facto de ouvirmos uma “voz articulada” e um “discurso
racional” no escuro assegura-nos da presença de uma pessoa, o facto de o calor e a luz
serem “efeitos colaterais” do fogo, etc.
        A relação de causa e efeito é o que nos permite inferir um evento a partir de
outro, relação essa que nunca pode ter como fundamento raciocínios a priori, mas
raciocínios com base na experiência.
        Porém, dito isto, Hume levanta uma dificuldade concernente à relação de causa e
efeito: “todo e qualquer efeito é um evento distinto da sua causa. Portanto ele nunca
poderia ser descoberto na sua causa, e a sua primeira invenção ou concepção a priori só
pode ser inteiramente arbitrária” 9 , isto é, nunca se consegue, a partir de raciocínios
dedutivos, inferir o efeito da causa (e vice-versa), “pois há sempre muitos outros efeitos
que, para a razão, devem parecer tão perfeitamente coerentes e naturais como o
primeiro” 10 .
        E aqui já se começa a esboçar o nosso problema. Já se sabe que o raciocínio
acerca das questões de facto assentam na relação de causa e efeito e que o fundamento
dos raciocínios acerca da relação de causa e efeito é a experiência. “Mas se ainda
continuar-mos com o nosso espírito inquiridor e perguntar-mos Qual é o fundamento de
todos os nossos raciocínios a partir da experiência? Isto implica uma nova questão, que
pode ser de ainda mais difícil solução e esclarecimento” 11 . O que Hume quer dizer com
isto é que “mesmo depois de termos experiência das operações de causa e efeito, as
conclusões que tiramos dessa experiência não estão fundadas no raciocínio ou em
qualquer processo do entendimento” 12 , isto é, as conclusões (ou inferências causais) que
tiramos da relação de causa e efeito entre objectos da experiência, são conclusões (ou
inferências) que não derivam de qualquer processo do entendimento, ou seja, não
podem ser justificadas pela razão, segundo Hume. E, neste ponto, já chegamos ao centro
da questão de Hume, e que é o objecto deste trabalho: o problema da inferência causal.


        “Mas apesar desta ignorância dos poderes e princípios naturais, sempre supomos,
quando vemos qualidades sensíveis idênticas, que elas têm idênticos poderes secretos, e
esperamos que delas se sigam efeitos semelhantes àqueles de que tivemos experiência. (...) Mas
por que deveria esta experiência ser levada a abranger tempos futuros, e outros objectos que,
tanto quanto sabemos, lhes podem ser similares apenas em aparência?” 13


        Por que é que a partir da experiência passada somos levados a projectar essas
mesmas experiências no futuro se “quanto à experiência passada, pode-se conceder que
ela oferece informação directa e certa apenas acerca dos precisos objectos que lhe foi
dado conhecer, e apenas durante aquele preciso período de tempo?” 14 Por que é que de
eventos similares esperamos similares efeitos? Esta é a principal questão à qual David
Hume dedica todo um livro, nomeadamente aquele que aqui nos serve de base para este
trabalho (Investigação sobre o entendimento humano).

8
  Ibidem.
9
  Investigação..., p. 45.
10
   Ibidem.
11
   Investigação..., p. 48.
12
   Investigação..., p. 49.
13
   Ibidem. (Sublinhado meu.)
14
   Ibid. (Sublinhado meu.)
Este é o problema ao qual a partir de Hume foi dada a designação de «o
problema da indução» – embora erradamente, segundo João Paulo Monteiro, dado que,
segundo este comentador de David Hume, este não aborda o problema da indução em
geral, senão apenas o problema da inferência causal isoladamente. 15
        O que é o problema da inferência causal?
        Segundo Hume, o problema da inferência causal, ou raciocínio causal, é o
seguinte: Como é que nós, humanos, a partir de experiências, quer sejam singulares 16
(dado que é possível fazer-se, segundo Hume, inferências causais a partir de uma única
experiência, desde que feita com “critério”) quer sejam repetidas, projectamos causas e
efeitos passados para o futuro, esperando que quando ocorrerem eventos similares as
suas causas e os seus efeitos sejam idênticos se as experiências passadas concedem-nos
informação concreta “apenas acerca dos precisos objectos que lhes foi dado conhecer
apenas durante aquele preciso período de tempo”? Como é que os homens têm a
capacidade de, por outras palavras, esperar do futuro o mesmo que aconteceu no
passado, e ainda, sem quaisquer evidências concretas de que, de facto, o futuro será
igual ao passado?
        Imagine-se, por exemplo, que alguém aproxima a mão de uma chama acesa num
fogão e que essa pessoa se queima, naturalmente essa pessoa ficará com a crença de
que, no futuro, sempre que ela se aproximar de uma chama acesa num fogão voltará a se
queimar.
        Mas qual é o fundamento dessa tal crença de que o futuro (a aproximação de
uma chama acesa) será como o passado (o queimar-se)?
        Segundo Hume, uma tal crença tem o seu fundamento num único princípio,
“esse princípio é o costume ou o hábito. Pois sempre que a repetição de algum acto ou
operação particulares produz uma propensão para realizar outra vez esse mesmo acto ou
operação, sem que seja impelido por qualquer raciocínio ou processo do entendimento,
sempre dizemos que essa propensão é efeito do hábito” 17 . Logo, “todas as inferências
tiradas da experiência são, portanto, efeitos do hábito e não do raciocínio” 18 .
        O hábito, através da memória de experiências passadas, é o fundamento de todas
as nossas inferências causais, é o único fundamento da nossa crença de que o futuro será
semelhante ao passado, “é o único princípio que torna a nossa experiência útil para nós,
e nos faz esperar, no futuro, um curso de eventos similar aos que ocorreram no
passado” 19 . Então esta transição de uma causa passada para um efeito futuro “não
procede da razão, mas deriva toda a sua origem do costume e da experiência” 20 .
        Esta foi a ‘solução’ encontrada por David Hume, solução essa que, longe de ser
uma solução de facto, a meu ver, tem fortes implicações (teóricas) negativas na noção
de conhecimento de experiência (ou experiência científica). São sobre essas implicações
que, agora, nos iremos debruçar.




15
   Sobre este ponto de vista do autor citado (JPM), cf. A sua seguinte obra: Novos estudos humeanos, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003. As referências a este assunto ocorrem por toda a obra, mas com mais
frequência no capítulo 5 (Russell e as inferências humeanas, pp.79-96), por exemplo: “Em sentido estrito, e com as
devidas precauções, poderíamos até arriscar dizer que para Hume... não existia qualquer problema da indução em
geral.”(p.84); “O que Hume realmente rejeita é que o princípio gerador de inferências causais (e não o das inferências
indutivas em geral) possa alguma vez ser derivado da razão.”(p.92).
16
   Sobre as experiências singulares cf. Novos Estudos Humeanos, cap. 3 (Indução e experiência singular), pp. 51-66.
17
   Investigação..., p. 57.
18
   Investigação..., p. 58.
19
   Investigação..., p. 59.
20
   Investigação..., p. 67.
Quais são as implicações da teoria de Hume, acerca do carácter não necessário
da verdade das inferências causais, sobre a noção de conhecimento de experiência?
         As implicações da teoria de Hume são as piores possíveis. Segundo a teoria de
Hume todo o conhecimento obtido a partir de inferências causais é injustificado. Isto é,
todo o conhecimento humano acerca da experiência, quer seja comum quer seja mais
técnica (ou científica), tem valor de verdade apenas no momento exacto em que
ocorreu, ou seja, no passado. Porém, quando se projecta o conhecimento do passado
para o futuro, isto é, quando se fazem previsões com base em experiências passadas –
previsões essas que são a base de todo o nosso conhecimento (científico) –, o carácter
de verdade dessas previsões tem como fundamento apenas uma crença (individual ou
geral). Por outras palavras, à luz da tese de Hume, todo o conhecimento científico (com
base em inferências causais) tem como justificação uma crença. E o mesmo é dizer que
essa previsão, que se projecta para o futuro com vista a adquirir conhecimento, é
injustificada.
         É um facto comprovado (cientificamente) que da união entre um espermatozóide
de um indivíduo (masculino) da espécie Homem e um óvulo de um indivíduo
(feminino) da mesma espécie sempre teve origem um indivíduo (um bebé) da mesma
espécie. Ora, à luz da tese de Hume esta nossa crença – de que da união entre um
espermatozóide e um óvulo terá origem uma criança – é injustificada. Isto é, caso o
curso (regular) da Natureza mudasse, poderia dar-se o caso em que da união de um
espermatozóide e um óvulo humanos tivesse origem, não um ser humano (uma criança)
mas, por exemplo, um cabrito.
         Será que David Hume aceitaria este exemplo – que é de todo análogo ao
exemplo de “ o sol nascer ou não” 21 ? Seria ridículo, segundo Hume, argumentar que o
sol vai nascer, ou não, amanhã, assim como seria igualmente ridículo argumentar que
aquela mulher que está em trabalho de parto irá dar à luz uma criança ou um cabrito (ou
outro animal, ou objecto, qualquer). O que se queria mostrar com este exemplo – assaz
bizarro – é que, segundo Hume, qualquer inferência causal que façamos não tem, valor
de necessidade, assim como não é necessário que o sol nasça amanhã, não é, também,
necessário que o sol não nasça amanhã. Analogamente não é também necessário que
uma mulher que esteja em trabalho de parto dê à luz uma criança.
         Obviamente que neste ponto Hume tem toda a razão acerca da contingência da
inferência causal e que, de facto, não é uma impossibilidade lógica uma mulher dar à
luz uma cabrito – embora seja uma impossibilidade biológica ou física (isto no contexto
de que o curso da natureza se mantenha, é claro).
         Porém, será que todo o nosso conhecimento acerca da experiência tem como
fundamento meras crenças? Será que quando se vê uma mulher em trabalho de parto, o
facto de se acreditar que ela dará à luz uma criança (e não um cabrito) é um mero efeito
de uma crença? Será apenas por nos termos habituado a ver uma mulher dar à luz uma
criança que acreditamos que ela, efectivamente, sempre que der à luz, dará à luz uma
criança? Ou haverá um outro motivo, um outro fundamento? Bem, segundo David
Hume, o único fundamento do facto de projectarmos os efeitos de causas passadas para
o futuro é mesmo a crença (com base no costume ou hábito).
         Resumidamente, à luz da teoria de Hume, todo o conhecimento com base em
inferências causais (conhecimento científico), não sendo irracional no sentido forte do
termo é, no entanto, irracional no sentido fraco do termo, na medida em que, esse
“princípio gerador de inferências causais” não provém da razão, mas do hábito com
base na experiência empírica. Todo o conhecimento científico ‘produzido’ até agora, se

21
     Investigação..., pp.41-42.
se levar a teoria de Hume até às últimas consequências, é válido e verdadeiro apenas até
agora, isto é, daqui para diante todo esse mesmo conhecimento torna-se contingente –
por que diz respeito apenas ao passado – no sentido mais forte do termo, isto é,
dependendo unicamente do curso regular da natureza: se o curso da natureza mudar
esse conhecimento (que garante a nossa sobrevivência), simplesmente, esvai-se ou
torna-se nulo, e o mesmo é dizer que seria o fim da Humanidade como a conhecemos.
        Mas o que vem a ser este pressuposto de Hume de “curso regular da natureza”?
        Toda a crítica humeana ao conhecimento com base na inferência causal está
assente no curso regular da natureza, ou melhor, na possibilidade de o curso da natureza
mudar. Até agora as mulheres sempre deram à luz crianças, porém se o curso da
natureza mudasse – o que não é nem lógica nem fisicamente impossível (e.g. antes desta
era glaciar os pólos eram quentes e o equador frio) – seria uma possibilidade que as
mulheres passassem a dar à luz seres que não fossem humanos, ou então que o pão em
vez de nos servir de sustento (alimento) fosse altamente tóxico, ou ainda que o fogo em
vez de nos consumir funcionasse como bálsamo, etc.
        Para Hume, a crença de que de eventos similares provêm similares efeitos,
embora seja um “grande guia da vida humana” 22 , ou seja, um princípio essencial à
“sobrevivência da nossa espécie, e à direcção da nossa conduta” 23 , não significa senão
que “objectos idênticos foram sempre colocados em idênticas relações de contiguidade
e sucessão” 24 , e mais ainda, “parece evidente, pelo menos à primeira vista, que, por este
meio nunca podemos descobrir qualquer ideia nova e apenas podemos multiplicar, mas
não aumentar, os objectos do nosso espírito” 25 . Segundo Hume, o conhecimento com
base na inferência causal é um ‘pseudo-conhecimento’, isto é, não nos dá garantias de
que servirá para nos orientar-mos com relação a experiências futuras – tendo em conta
que a manutenção da regularidade da natureza é contingente, ou seja, é possível que o
curso da natureza se altere. Esse ‘conhecimento’, do qual acreditamos ser detentores,
segundo Hume, na verdade, não é mais do que isso mesmo, uma crença. E ainda por
cima uma crença a partir da qual “nunca podemos descobrir qualquer ideia nova”, ou
seja, qualquer ‘ conhecimento’ que tenha como fundamento uma mera crença não pode,
efectivamente, ser considerada de facto um conhecimento, dado que o verdadeiro
conhecimento não se fundamenta em crenças (quer sejam supersticiosas, populares, ou
científicas), mas sim em factos concretos, independentemente de se acreditar ou não.

       Nesta parte do trabalho iremos enunciar uma ‘quase-solução’, que, não
pretendendo solucionar o problema da inferência causal, seja talvez, uma tentativa de
minimizar o impacto negativo do mesmo problema. Essa quase-solução é o
probabilismo ou o conhecimento – se é que se pode chamar conhecimento – estatístico.
       O que é que significa dizer que o conhecimento com base na inferência causal é
um conhecimento estatístico ou probabilístico?
       Significa dizer que o conhecimento com base na inferência causal proporciona
um fundamento meramente provável de que de eventos similares provirão
(provavelmente) efeitos similares. Isto é, é mais provável que amanhã o sol nasça de que
não nasça. E porquê que é mais provável pensar-mos que amanhã o sol se vai levantar
em vez de pensarmos o contrário: que não se vai levantar? Pensamos que é mais
provável que amanhã o sol se levante porque, segundo Hume, no passado o sol sempre
se levantou; por outras palavras, dado que no passado o sol sempre se levantou

22
   Investigação..., p. 59.
23
   Investigação..., p. 68.
24
   Tratado..., p. 123.
25
   Ibidem. (sublinhado meu.)
(repetição) e que nós sempre percepcionamos esse evento (memória) e que sempre
esperamos que o sol se levantasse amanhã (hábito), então acreditamos (crença) que é
mais provável que amanhã o sol se levante de que o seu contrário (probabilidade). Logo,
essa nossa crença, apesar de ser meramente probabilística é, de certo modo, razoável. –
Mas há que fazer uma distinção entre probabilidade matemática e probabilidade lógica:
a primeira é a probabilidade comum ou simplesmente estatística, por exemplo, o facto
de haver 70% (ou qualquer outra percentagem) de probabilidade de jovens com menos
de 15 anos já terem experimentado drogas; a segunda (a probabilidade lógica) é, por
exemplo, o facto de o sol ter as mesmas probabilidades de se levantar amanhã ou não,
independentemente de nunca o sol ter ficado sem se levantar um único dia. Aqui temos
em conta estes dois tipos de probabilidade, a matemática e a lógica.
        Porém, temos de ter em conta, segundo Hume, que é igualmente razoável pensar
que de eventos similares poderão surgir causas distintas, “pois todos esses diversos
efeitos devem ocorrer ao espírito quando se transfere o passado para o futuro, e devem
ser levados em conta ao determinar-mos a probabilidade do resultado” 26 . Ou seja, não é
mais razoável pensarmos que uma mulher dará à luz uma criança do que pensarmos que
essa mesma mulher dará à luz uma outra ‘coisa’ qualquer. Embora estejamos mais
justificados a acreditar na primeira hipótese, dado o facto de, tanto quanto sei, uma
mulher nunca ter dado à luz algo que não fosse um ser humano.

        Embora o conhecimento com base na inferência causal seja sempre
probabilístico, isto é, sem valor de necessidade (não é necessário que o sol se levante
amanhã), uma forma de tentar justificar – no sentido forte do termo – o raciocínio e o
conhecimento com base na inferência causal seria, a meu ver, dizer que o conhecimento
com base na inferência causal é válido dentro de um determinado espaço de tempo. O
mesmo é dizer que o conhecimento com base na inferência causal é válido enquanto o
curso regular da natureza se manter: é correcto, válido e justificado dizer que amanhã o
sol vai-se levantar, tendo como pressuposto a continuidade da regularidade da natureza.
Porém, esta inferência é válida e justificada apenas enquanto a regularidade da natureza
se manter.
        O ponto fraco desta forma de ver o problema é que esta tentativa de justificação
assenta inteiramente no pressuposto de a natureza manter o seu curso regular,
pressuposto que é ele próprio contingente. Porém, a meu ver, é um pressuposto que
temos de aceitar obrigatoriamente, pois no dia em que o curso da natureza se alterar,
dado que já não poderemos fazer inferências indutivas em geral, “teremos o mérito de
nos deixarmos eliminar pela selecção natural” 27 .


BIBLIOGRAFIA:


     •   Hume, D., Investigação Sobre o Entendimento Humano, Imprensa Nacional-
         Casa da Moeda, Lisboa, 2002. Tradução e introdução de João Paulo Monteiro.

     •   Monteiro, J. P., Novos Estudos Humeanos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
         Lisboa, 2003


26
   Investigação..., p.73.
27
   Ontological Relativity and Other Essays, Columbia University Press, Nova York e Londres, 1969, p. 126. (A
citação não foi retirada directamente da ‘fonte’, mas da obra Novos Estudos Humeanos.)

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  • 1. O PROBLEMA DA INFERÊNCIA CAUSAL E AS SUAS IMPLICAÇÕES NO CONHECIMENTO DE EXPERIÊNCIA EM DAVID HUME JOSIANO NEREU Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa No presente trabalho será abordado o problema da inferência causal 1 em David Hume e as suas implicações no conhecimento de experiência, tendo como pano de fundo a obra de Hume Investigação Sobre o Entendimento Humano 2 . Para Hume “todos os objectos da razão (...) podem ser naturalmente divididos em dois tipos, a saber, as relações de ideias e as questões de facto” 3 . Nas relações de ideias estão incluídas todos os raciocínios que sejam dedutivos ou “intuitiva ou demonstrativamente certos” 4 , ou seja, todos os raciocínios que não precisem de ser confirmados empiricamente – embora tenham origem nas ideias ou cópias das impressões –, ou, que não dependem da experiência para serem certos ou evidentes. Deste primeiro tipo de ‘objectos da razão’ fazem parte “as ciências da geometria, da álgebra e da aritmética (...)” 5 . As questões de facto, o segundo tipo de objectos da razão, ao contrário das relações de ideias, não são do tipo dedutivos (demonstrativamente certos), dado que dependem de uma base empírica, ou seja, as questões de facto não são objectos meramente mentais ou conceptuais, são objectos – no sentido filosófico – que não são imaginados, mas sim, que existem ou ocorrem de facto. Como escreve Hume, “o contrário de toda e qualquer questão de facto permanece sendo possível, porque não pode jamais implicar contradição (...). Que o sol não vai nascer amanhã não é uma proposição menos inteligível nem implica maior contradição do que a afirmação de que ele vai nascer” 6 . E nesta passagem torna-se claro o critério usado por Hume para determinar os objectos da razão: aqueles objectos cuja hipótese do seu contrário implica contradição (relações de ideias) e aqueles objectos cuja hipótese contrária não implica contradição (questões de facto). Destes dois tipos de objectos da razão, Hume vai debruçar-se sobre a investigação dos objectos do segundo tipo, as questões de facto. Enunciada já a natureza das questões de facto, Hume avança na procura do fundamento dos raciocínios acerca das questões de facto: “todos os raciocínios relativos a questões de facto parecem assentar na relação de causa e efeito” 7 . Há sempre uma relação entre um facto presente e aquele que é dele inferido e essa relação é a de causa e efeito, “se nada houvesse a ligá-los [facto presente e facto inferido] a inferência seria 1 Optamos por esta denominação (inferência causal) em detrimento de «indução» ou «inferência indutiva», devido ao facto de estes serem termos quase inexistentes nas exposições de David Hume e por, também, serem demasiado abrangentes, na medida em que «indução» refere-se a um tipo de raciocínio – oposto ao raciocínio dedutivo – enquanto que Hume tinha em vista apenas um grupo limitado de induções: as inferências causais. – Este é um ponto de vista muito defendido por João Paulo Monteiro, um conceituado comentador de David Hume. 2 Hume, D., Investigação Sobre o Entendimento Humano, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2002. Tradução e introdução de João Paulo Monteiro. 3 Investigação..., p. 41. 4 Ibidem. 5 Ibid. 6 Investigação..., pp. 41-42. 7 Investigação..., p. 42.
  • 2. inteiramente precária” 8 . Sem essa relação de causa e efeito qualquer inferência seria totalmente arbitrária e viver-se-ia num mundo caótico. Eis alguns exemplos, de Hume, de inferências causais: o facto de ouvirmos uma “voz articulada” e um “discurso racional” no escuro assegura-nos da presença de uma pessoa, o facto de o calor e a luz serem “efeitos colaterais” do fogo, etc. A relação de causa e efeito é o que nos permite inferir um evento a partir de outro, relação essa que nunca pode ter como fundamento raciocínios a priori, mas raciocínios com base na experiência. Porém, dito isto, Hume levanta uma dificuldade concernente à relação de causa e efeito: “todo e qualquer efeito é um evento distinto da sua causa. Portanto ele nunca poderia ser descoberto na sua causa, e a sua primeira invenção ou concepção a priori só pode ser inteiramente arbitrária” 9 , isto é, nunca se consegue, a partir de raciocínios dedutivos, inferir o efeito da causa (e vice-versa), “pois há sempre muitos outros efeitos que, para a razão, devem parecer tão perfeitamente coerentes e naturais como o primeiro” 10 . E aqui já se começa a esboçar o nosso problema. Já se sabe que o raciocínio acerca das questões de facto assentam na relação de causa e efeito e que o fundamento dos raciocínios acerca da relação de causa e efeito é a experiência. “Mas se ainda continuar-mos com o nosso espírito inquiridor e perguntar-mos Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios a partir da experiência? Isto implica uma nova questão, que pode ser de ainda mais difícil solução e esclarecimento” 11 . O que Hume quer dizer com isto é que “mesmo depois de termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões que tiramos dessa experiência não estão fundadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento” 12 , isto é, as conclusões (ou inferências causais) que tiramos da relação de causa e efeito entre objectos da experiência, são conclusões (ou inferências) que não derivam de qualquer processo do entendimento, ou seja, não podem ser justificadas pela razão, segundo Hume. E, neste ponto, já chegamos ao centro da questão de Hume, e que é o objecto deste trabalho: o problema da inferência causal. “Mas apesar desta ignorância dos poderes e princípios naturais, sempre supomos, quando vemos qualidades sensíveis idênticas, que elas têm idênticos poderes secretos, e esperamos que delas se sigam efeitos semelhantes àqueles de que tivemos experiência. (...) Mas por que deveria esta experiência ser levada a abranger tempos futuros, e outros objectos que, tanto quanto sabemos, lhes podem ser similares apenas em aparência?” 13 Por que é que a partir da experiência passada somos levados a projectar essas mesmas experiências no futuro se “quanto à experiência passada, pode-se conceder que ela oferece informação directa e certa apenas acerca dos precisos objectos que lhe foi dado conhecer, e apenas durante aquele preciso período de tempo?” 14 Por que é que de eventos similares esperamos similares efeitos? Esta é a principal questão à qual David Hume dedica todo um livro, nomeadamente aquele que aqui nos serve de base para este trabalho (Investigação sobre o entendimento humano). 8 Ibidem. 9 Investigação..., p. 45. 10 Ibidem. 11 Investigação..., p. 48. 12 Investigação..., p. 49. 13 Ibidem. (Sublinhado meu.) 14 Ibid. (Sublinhado meu.)
  • 3. Este é o problema ao qual a partir de Hume foi dada a designação de «o problema da indução» – embora erradamente, segundo João Paulo Monteiro, dado que, segundo este comentador de David Hume, este não aborda o problema da indução em geral, senão apenas o problema da inferência causal isoladamente. 15 O que é o problema da inferência causal? Segundo Hume, o problema da inferência causal, ou raciocínio causal, é o seguinte: Como é que nós, humanos, a partir de experiências, quer sejam singulares 16 (dado que é possível fazer-se, segundo Hume, inferências causais a partir de uma única experiência, desde que feita com “critério”) quer sejam repetidas, projectamos causas e efeitos passados para o futuro, esperando que quando ocorrerem eventos similares as suas causas e os seus efeitos sejam idênticos se as experiências passadas concedem-nos informação concreta “apenas acerca dos precisos objectos que lhes foi dado conhecer apenas durante aquele preciso período de tempo”? Como é que os homens têm a capacidade de, por outras palavras, esperar do futuro o mesmo que aconteceu no passado, e ainda, sem quaisquer evidências concretas de que, de facto, o futuro será igual ao passado? Imagine-se, por exemplo, que alguém aproxima a mão de uma chama acesa num fogão e que essa pessoa se queima, naturalmente essa pessoa ficará com a crença de que, no futuro, sempre que ela se aproximar de uma chama acesa num fogão voltará a se queimar. Mas qual é o fundamento dessa tal crença de que o futuro (a aproximação de uma chama acesa) será como o passado (o queimar-se)? Segundo Hume, uma tal crença tem o seu fundamento num único princípio, “esse princípio é o costume ou o hábito. Pois sempre que a repetição de algum acto ou operação particulares produz uma propensão para realizar outra vez esse mesmo acto ou operação, sem que seja impelido por qualquer raciocínio ou processo do entendimento, sempre dizemos que essa propensão é efeito do hábito” 17 . Logo, “todas as inferências tiradas da experiência são, portanto, efeitos do hábito e não do raciocínio” 18 . O hábito, através da memória de experiências passadas, é o fundamento de todas as nossas inferências causais, é o único fundamento da nossa crença de que o futuro será semelhante ao passado, “é o único princípio que torna a nossa experiência útil para nós, e nos faz esperar, no futuro, um curso de eventos similar aos que ocorreram no passado” 19 . Então esta transição de uma causa passada para um efeito futuro “não procede da razão, mas deriva toda a sua origem do costume e da experiência” 20 . Esta foi a ‘solução’ encontrada por David Hume, solução essa que, longe de ser uma solução de facto, a meu ver, tem fortes implicações (teóricas) negativas na noção de conhecimento de experiência (ou experiência científica). São sobre essas implicações que, agora, nos iremos debruçar. 15 Sobre este ponto de vista do autor citado (JPM), cf. A sua seguinte obra: Novos estudos humeanos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003. As referências a este assunto ocorrem por toda a obra, mas com mais frequência no capítulo 5 (Russell e as inferências humeanas, pp.79-96), por exemplo: “Em sentido estrito, e com as devidas precauções, poderíamos até arriscar dizer que para Hume... não existia qualquer problema da indução em geral.”(p.84); “O que Hume realmente rejeita é que o princípio gerador de inferências causais (e não o das inferências indutivas em geral) possa alguma vez ser derivado da razão.”(p.92). 16 Sobre as experiências singulares cf. Novos Estudos Humeanos, cap. 3 (Indução e experiência singular), pp. 51-66. 17 Investigação..., p. 57. 18 Investigação..., p. 58. 19 Investigação..., p. 59. 20 Investigação..., p. 67.
  • 4. Quais são as implicações da teoria de Hume, acerca do carácter não necessário da verdade das inferências causais, sobre a noção de conhecimento de experiência? As implicações da teoria de Hume são as piores possíveis. Segundo a teoria de Hume todo o conhecimento obtido a partir de inferências causais é injustificado. Isto é, todo o conhecimento humano acerca da experiência, quer seja comum quer seja mais técnica (ou científica), tem valor de verdade apenas no momento exacto em que ocorreu, ou seja, no passado. Porém, quando se projecta o conhecimento do passado para o futuro, isto é, quando se fazem previsões com base em experiências passadas – previsões essas que são a base de todo o nosso conhecimento (científico) –, o carácter de verdade dessas previsões tem como fundamento apenas uma crença (individual ou geral). Por outras palavras, à luz da tese de Hume, todo o conhecimento científico (com base em inferências causais) tem como justificação uma crença. E o mesmo é dizer que essa previsão, que se projecta para o futuro com vista a adquirir conhecimento, é injustificada. É um facto comprovado (cientificamente) que da união entre um espermatozóide de um indivíduo (masculino) da espécie Homem e um óvulo de um indivíduo (feminino) da mesma espécie sempre teve origem um indivíduo (um bebé) da mesma espécie. Ora, à luz da tese de Hume esta nossa crença – de que da união entre um espermatozóide e um óvulo terá origem uma criança – é injustificada. Isto é, caso o curso (regular) da Natureza mudasse, poderia dar-se o caso em que da união de um espermatozóide e um óvulo humanos tivesse origem, não um ser humano (uma criança) mas, por exemplo, um cabrito. Será que David Hume aceitaria este exemplo – que é de todo análogo ao exemplo de “ o sol nascer ou não” 21 ? Seria ridículo, segundo Hume, argumentar que o sol vai nascer, ou não, amanhã, assim como seria igualmente ridículo argumentar que aquela mulher que está em trabalho de parto irá dar à luz uma criança ou um cabrito (ou outro animal, ou objecto, qualquer). O que se queria mostrar com este exemplo – assaz bizarro – é que, segundo Hume, qualquer inferência causal que façamos não tem, valor de necessidade, assim como não é necessário que o sol nasça amanhã, não é, também, necessário que o sol não nasça amanhã. Analogamente não é também necessário que uma mulher que esteja em trabalho de parto dê à luz uma criança. Obviamente que neste ponto Hume tem toda a razão acerca da contingência da inferência causal e que, de facto, não é uma impossibilidade lógica uma mulher dar à luz uma cabrito – embora seja uma impossibilidade biológica ou física (isto no contexto de que o curso da natureza se mantenha, é claro). Porém, será que todo o nosso conhecimento acerca da experiência tem como fundamento meras crenças? Será que quando se vê uma mulher em trabalho de parto, o facto de se acreditar que ela dará à luz uma criança (e não um cabrito) é um mero efeito de uma crença? Será apenas por nos termos habituado a ver uma mulher dar à luz uma criança que acreditamos que ela, efectivamente, sempre que der à luz, dará à luz uma criança? Ou haverá um outro motivo, um outro fundamento? Bem, segundo David Hume, o único fundamento do facto de projectarmos os efeitos de causas passadas para o futuro é mesmo a crença (com base no costume ou hábito). Resumidamente, à luz da teoria de Hume, todo o conhecimento com base em inferências causais (conhecimento científico), não sendo irracional no sentido forte do termo é, no entanto, irracional no sentido fraco do termo, na medida em que, esse “princípio gerador de inferências causais” não provém da razão, mas do hábito com base na experiência empírica. Todo o conhecimento científico ‘produzido’ até agora, se 21 Investigação..., pp.41-42.
  • 5. se levar a teoria de Hume até às últimas consequências, é válido e verdadeiro apenas até agora, isto é, daqui para diante todo esse mesmo conhecimento torna-se contingente – por que diz respeito apenas ao passado – no sentido mais forte do termo, isto é, dependendo unicamente do curso regular da natureza: se o curso da natureza mudar esse conhecimento (que garante a nossa sobrevivência), simplesmente, esvai-se ou torna-se nulo, e o mesmo é dizer que seria o fim da Humanidade como a conhecemos. Mas o que vem a ser este pressuposto de Hume de “curso regular da natureza”? Toda a crítica humeana ao conhecimento com base na inferência causal está assente no curso regular da natureza, ou melhor, na possibilidade de o curso da natureza mudar. Até agora as mulheres sempre deram à luz crianças, porém se o curso da natureza mudasse – o que não é nem lógica nem fisicamente impossível (e.g. antes desta era glaciar os pólos eram quentes e o equador frio) – seria uma possibilidade que as mulheres passassem a dar à luz seres que não fossem humanos, ou então que o pão em vez de nos servir de sustento (alimento) fosse altamente tóxico, ou ainda que o fogo em vez de nos consumir funcionasse como bálsamo, etc. Para Hume, a crença de que de eventos similares provêm similares efeitos, embora seja um “grande guia da vida humana” 22 , ou seja, um princípio essencial à “sobrevivência da nossa espécie, e à direcção da nossa conduta” 23 , não significa senão que “objectos idênticos foram sempre colocados em idênticas relações de contiguidade e sucessão” 24 , e mais ainda, “parece evidente, pelo menos à primeira vista, que, por este meio nunca podemos descobrir qualquer ideia nova e apenas podemos multiplicar, mas não aumentar, os objectos do nosso espírito” 25 . Segundo Hume, o conhecimento com base na inferência causal é um ‘pseudo-conhecimento’, isto é, não nos dá garantias de que servirá para nos orientar-mos com relação a experiências futuras – tendo em conta que a manutenção da regularidade da natureza é contingente, ou seja, é possível que o curso da natureza se altere. Esse ‘conhecimento’, do qual acreditamos ser detentores, segundo Hume, na verdade, não é mais do que isso mesmo, uma crença. E ainda por cima uma crença a partir da qual “nunca podemos descobrir qualquer ideia nova”, ou seja, qualquer ‘ conhecimento’ que tenha como fundamento uma mera crença não pode, efectivamente, ser considerada de facto um conhecimento, dado que o verdadeiro conhecimento não se fundamenta em crenças (quer sejam supersticiosas, populares, ou científicas), mas sim em factos concretos, independentemente de se acreditar ou não. Nesta parte do trabalho iremos enunciar uma ‘quase-solução’, que, não pretendendo solucionar o problema da inferência causal, seja talvez, uma tentativa de minimizar o impacto negativo do mesmo problema. Essa quase-solução é o probabilismo ou o conhecimento – se é que se pode chamar conhecimento – estatístico. O que é que significa dizer que o conhecimento com base na inferência causal é um conhecimento estatístico ou probabilístico? Significa dizer que o conhecimento com base na inferência causal proporciona um fundamento meramente provável de que de eventos similares provirão (provavelmente) efeitos similares. Isto é, é mais provável que amanhã o sol nasça de que não nasça. E porquê que é mais provável pensar-mos que amanhã o sol se vai levantar em vez de pensarmos o contrário: que não se vai levantar? Pensamos que é mais provável que amanhã o sol se levante porque, segundo Hume, no passado o sol sempre se levantou; por outras palavras, dado que no passado o sol sempre se levantou 22 Investigação..., p. 59. 23 Investigação..., p. 68. 24 Tratado..., p. 123. 25 Ibidem. (sublinhado meu.)
  • 6. (repetição) e que nós sempre percepcionamos esse evento (memória) e que sempre esperamos que o sol se levantasse amanhã (hábito), então acreditamos (crença) que é mais provável que amanhã o sol se levante de que o seu contrário (probabilidade). Logo, essa nossa crença, apesar de ser meramente probabilística é, de certo modo, razoável. – Mas há que fazer uma distinção entre probabilidade matemática e probabilidade lógica: a primeira é a probabilidade comum ou simplesmente estatística, por exemplo, o facto de haver 70% (ou qualquer outra percentagem) de probabilidade de jovens com menos de 15 anos já terem experimentado drogas; a segunda (a probabilidade lógica) é, por exemplo, o facto de o sol ter as mesmas probabilidades de se levantar amanhã ou não, independentemente de nunca o sol ter ficado sem se levantar um único dia. Aqui temos em conta estes dois tipos de probabilidade, a matemática e a lógica. Porém, temos de ter em conta, segundo Hume, que é igualmente razoável pensar que de eventos similares poderão surgir causas distintas, “pois todos esses diversos efeitos devem ocorrer ao espírito quando se transfere o passado para o futuro, e devem ser levados em conta ao determinar-mos a probabilidade do resultado” 26 . Ou seja, não é mais razoável pensarmos que uma mulher dará à luz uma criança do que pensarmos que essa mesma mulher dará à luz uma outra ‘coisa’ qualquer. Embora estejamos mais justificados a acreditar na primeira hipótese, dado o facto de, tanto quanto sei, uma mulher nunca ter dado à luz algo que não fosse um ser humano. Embora o conhecimento com base na inferência causal seja sempre probabilístico, isto é, sem valor de necessidade (não é necessário que o sol se levante amanhã), uma forma de tentar justificar – no sentido forte do termo – o raciocínio e o conhecimento com base na inferência causal seria, a meu ver, dizer que o conhecimento com base na inferência causal é válido dentro de um determinado espaço de tempo. O mesmo é dizer que o conhecimento com base na inferência causal é válido enquanto o curso regular da natureza se manter: é correcto, válido e justificado dizer que amanhã o sol vai-se levantar, tendo como pressuposto a continuidade da regularidade da natureza. Porém, esta inferência é válida e justificada apenas enquanto a regularidade da natureza se manter. O ponto fraco desta forma de ver o problema é que esta tentativa de justificação assenta inteiramente no pressuposto de a natureza manter o seu curso regular, pressuposto que é ele próprio contingente. Porém, a meu ver, é um pressuposto que temos de aceitar obrigatoriamente, pois no dia em que o curso da natureza se alterar, dado que já não poderemos fazer inferências indutivas em geral, “teremos o mérito de nos deixarmos eliminar pela selecção natural” 27 . BIBLIOGRAFIA: • Hume, D., Investigação Sobre o Entendimento Humano, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 2002. Tradução e introdução de João Paulo Monteiro. • Monteiro, J. P., Novos Estudos Humeanos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003 26 Investigação..., p.73. 27 Ontological Relativity and Other Essays, Columbia University Press, Nova York e Londres, 1969, p. 126. (A citação não foi retirada directamente da ‘fonte’, mas da obra Novos Estudos Humeanos.)