1. EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR SUBPROCURADOR-GERAL DE
JUSTIÇA DE DIREITOS HUMANOS E FISCALIZAÇÃO
ALEXANDRE DO NASCIMENTO, brasileiro, solteiro, professor, IFP/RJ - 07726028-9
de 05/03/1991, residente na Rua Julio Berkowitz, S/N, lote 99A, Cabuis, Nilópolis-RJ,
ANDRÉ MAGALHÃES BARROS, brasileiro, solteiro, advogado, OAB/RJ – 129773,
com escritório na rua Senador Dantas n. 117, sala 610, Centro, Rio de Janeiro/RJ, e
RODRIGO GUÉRON, brasileiro, solteiro, professor universitário, IFP/RJ 07157512-0,
residente na Rua Marquês de São Vicente, 96, Bl `B`, apto 404, Gávea, Rio de Janeiro/RJ,
vêm submeter à apreciação de Vossa Excelência a seguinte REPRESENTAÇÃO contra o
JORNAL O GLOBO, pelos fatos e fundamentos seguintes:
Organizações não-governamentais e cidadãos em várias partes do país buscaram publicar,
mediante compra de espaço de uma página inteira em jornais de grande circulação, um
`Manifesto`, cujo objetivo central é divulgar a constitucionalidade das políticas de ação
afirmativa, das quais as cotas são um importante mecanismo.
Para alcançar os seus objetivos, desde o início de janeiro de 2010, articularam uma
campanha nacional – denominada `Afirme-se!` - visando sensibilizar os brasileiros e
arrecadar fundos para o pagamento dos custos da publicação do referido `Manifesto` nos
jornais.
Dessa campanha resultou, inclusive, a adesão de uma agência profissional de publicidade, a
`Propeg`, com sede em Salvador, cuja equipe assumiu a criação das peças de campanha,
bem como as negociações com as empresas jornalísticas visando a veiculação do material.
Foi assim que a `Propeg` passou a negociar preços e prazos de pagamento com os veículos,
durante a última semana do mês de fevereiro. A pretensão foi veicular o `Manifesto` nos
jornais `Folha de S. Paulo`, `O Estado de S. Paulo`, `Correio Braziliense` e `O Globo`.
2. Justifica-se a escolha desses jornais por seu forte poder de mercado e a pretensão de atingir
os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal e suas equipes, vez que pautaram o debate
sobre as cotas naquela corte, para se iniciar a partir do dia 3 de março de 2010.
Em sua negociação com o setor comercial dos referidos jornais, no dia 23 de fevereiro, a
`Propeg` recebeu e apresentou ao cliente a planilha de custos dos preços de inserção do
`Manifesto`, negociados em nome de uma Organização Não-Governamental, o `Omi-
Dùdú`, para a qual seria faturado o débito. Conforme pode ser visto em troca de
correspondência entre as partes (Anexo I), o setor comercial de `O Globo` enviou proposta
de mídia naquele dia 23 de fevereiro, na qual se estabelece o custo de uma página
(colorida) naquele jornal um valor negociado de até R$ 67.704,00, valor este ainda sem o
abatimento da comissão de agência. Conforme pode ser visto no plano de mídia inicial
(Anexo III), tal valor caiu para R$ 54.163,20, depois de abatido o percentual da agência de
publicidade.
Entretanto, no dia 26 de fevereiro, depois que a `Propeg` enviou o anúncio criado “para
análise da equipe editorial do jornal”, obedecendo a uma exigência do veículo, aquele valor
saltou para absurdos R$ 712.608,00. A alegação de `O Globo` para tal alteração foi
expressa nos seguintes termos: “o anúncio foi analisado pela diretoria e ficou definido que
será `Expressão de Opinião`, pois, o seu conteúdo levou a esta decisão.”
Informe-se que o valor inicialmente cobrado pelo `O Globo` está dentro da tabela média
cobrada no mercado de publicidade em jornais. Seria, portanto, realista e competitivo, sem
resultar em nenhuma concessão ou abatimento excepcional. Isto pode ser demonstrado
pelos valores cobrados para veiculação do mesmo anúncio pelos jornais `Folha de S. Paulo`
(R$ 38.160,00), `O Estado de S. Paulo` (R$ 37.607,23) e outro, que decidimos incluir, `A
Tarde` (R$ 36.048,48). (Anexo II).
Deve ser dito que, dos jornais mencionados, a `Folha de S. Paulo`, `O Estado de S. Paulo` e
`O Globo` competem, no mercado editorial, em distribuição, circulação e influência
nacionais. Em termos de linha editorial, esses três veículos são, nitidamente, contrários às
cotas e às políticas de ação afirmativa. No entanto, diferentemente de `O Globo`, todos os
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3. demais aceitaram publicar o `Manifesto`, custeado pela sociedade civil por um preço
comercialmente realista.
O `Manifesto` tem o objetivo de informar a sociedade a respeito da constitucionalidade das
cotas – tão atacadas nos editoriais, artigos e comentários difundidos, entre outros, pelo
jornal `O Globo`. No intuito de publicá-lo, um dos responsáveis pela campanha `Afirme-se!
` tentou, fazendo uso dos canais oferecidos na página eletrônica do jornal, negociar com o
setor comercial de `O Globo`, durante os dias 1 e 2 de março, sem obter qualquer resposta.
Se o `Manifesto` não for publicado no jornal `O Globo`, grande parte dos leitores do Rio de
Janeiro e outras cidades do Brasil será prejudicada no acesso a essa informação. De forma
alguma, a publicação do manifesto visa provocar quem quer que seja.
Conforme pode ser conferido no respectivo site institucional do Supremo Tribunal Federal,
o ministro Ricardo Lewandowski designou para de 3 a 5 de março de 2010 a realização de
audiência pública, a fim de ouvir interessados nas duas argüições judiciais sobre políticas
de ação afirmativa adotadas por universidades brasileiras que lá tramitam, das quais
Lewandowski é o relator: “O debate em questão consubstancia-se na constitucionalidade do
sistema de reserva de vagas, baseado em critérios raciais, como forma de ação afirmativa de
inclusão no ensino superior”, informa o Edital de Convocação da Audiência assinado pelo
ministro. No referido debate, estarão em discussão:
1. uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF/186), de
autoria do Partido Democratas (DEM), contra a Universidade de Brasilia (UnB) e
seus responsáveis, por essa universidade adotar o sistema de cotas em seu
vestibular.
2. um Recurso Extraordinário (RE/597285), de autoria de Giovane Pasqualito Fialho,
contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que também adota o
sistema de cotas em seu vestibular. O autor questiona o fato de ter obtido nota que o
habilitaria a uma vaga naquela universidade, mas que, por conta das cotas, teria sido
ocupada por outro candidato aprovado.
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4. A audiência pública convocada por Lewandowski configura-se como um dos momentos
cruciais para o futuro das políticas de ação afirmativa. Dela, deverão participar trinta e uma
pessoas selecionadas pelo STF, para se manifestarem pró ou contra a constitucionalidade
das ações afirmativas. Este projeto visa minorar o desequilíbrio existente, ao oferecer maior
suporte midiático aos que são a favor das cotas, considerando que, na mídia, há uma
diferença gritante no espaço que vem sendo dado aos que são contra essa política de ação
afirmativa.
No Brasil, a tardia adoção de tais políticas, que vêm sendo implementadas, timidamente, há
menos de uma década, por algumas instituições públicas, e mesmo privadas, em especial no
campo da educação superior, tem sofrido ataques poderosos de setores da grande mídia.
Há uma verdadeira campanha que objetiva duas coisas: 1) extinguir, vetar, destruir as
poucas iniciativas institucionais de ação afirmativa já existentes; 2) impedir, bloquear,
derrotar qualquer possibilidade de implantação ou criação de novos instrumentos legais e
institucionais de ação afirmativa.
Na hipótese de a maioria dos ministros do STF acatar, integralmente, o que a ação do DEM
contra a UnB e o RE contra a UFRGS demandam, as políticas de ação afirmativa,
executadas hoje por cerca de 80 instituições de ensino superior, deixarão de existir,
impedindo que milhares de estudantes indígenas e afrodescendentes realizem suas
expectativas de ingresso e conclusão do ensino superior.
Estão sob ameaça de se tornarem inconstitucionais o `Estatuto da Igualdade Racial`, que
por 15 anos tramita entre a Câmara dos Deputados e o Senado, e demais projetos de lei,
como o 73/99 incorporado ao projeto de lei 3.627/2004, do governo federal. Poderá ser
declarado ilegal tudo o que estabelece políticas públicas compensatórias para setores da
sociedade historicamente discriminados e excluídos
A campanha `Afirme-se` foi publicamente lançada entre a última semana de fevereiro e a
primeira semana de março de 2010. E seguirá, num segundo momento, assim que for
definida a data de discussão e votação do tema em plenário do Supremo Tribunal Federal.
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5. A ação midiática proposta busca sensibilizar a maioria dos 11 ministros do STF para a
justeza e para a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa já existentes, a favor de
indígenas e afrodescendentes. Exemplos dessas políticas são: as cotas em universidades, a
regularização de terras dos remanescentes dos quilombos, os programas especiais dos
ministérios das Relações Exteriores e da Reforma Agrária, dentre outros.
No episódio em tela, além dos indícios de afronta ao Estado Democrático de Direito e aos
fundamentos da República, diversos dispositivos constitucionais foram contrariados. Sendo
comprovadas tais práticas e a finalidade de violar a Carta Política nos artigos abaixo
elencados, os representantes esperam que medidas legais sejam tomadas pelo fiscal da lei:
``Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
…....
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
…......
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
…...
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
…...
5
6. IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
…..
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
…..
CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV,
V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.
…......
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação
independe de licença de autoridade.
…......``
No âmbito doutrinário, destacamos a concepção de Daniel Sarmento, em “A Vinculação
dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil”, segundo a
qual, a Constituição indica, como primeiro objetivo fundamental da nossa República,
“construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF), indicando que o modelo
constitucional brasileiro se afastou da visão liberal de que o Estado é o único violador
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7. dos direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 irradia, portanto, os seus
princípios para todo o sistema jurídico, inclusive para as relações entre particulares, que
devem estar vinculados aos Direitos Fundamentais garantidos constitucionalmente. Trata-se
da denominada EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, que
recebeu acolhida no Supremo Tribunal Federal, na seguinte decisão:
STF, RE 201819 / RJ, Relator Min. ELLEN GRACIE, Relator p/
Acórdão Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/10/2005, DJ
27-10-2006, Órgão Julgador: Segunda Turma
``As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no
âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente
nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito
privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos,
estando direcionados também à proteção dos particulares em face
dos poderes privados.
(...)
A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem
jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito
aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade
não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e
atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e
definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa
também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações
privadas, em tema de liberdades fundamentais.``
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8. Pelo exposto, sendo apurados e comprovados, pelo Parquet, os fatos e os fortes indícios de
práticas infrativas à liberdade de expressão e ao direito à informação, os representantes vêm
requerer a Vossa Excelência que sejam tomadas as medidas legais.
Rio de Janeiro, 8 de março de 2010
ALEXANDRE NASCIMENTO
IFP/RJ – 07726028-9
ANDRÉ MAGALHÃES BARROS
OAB/RJ - 129773
RODRIGO GUÉRON
IFP/RJ 07157512-0
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