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Rachel tinha apenas dezoito anos de idade e uma certeza muito grande:
ela amava Jake Courtenay. Pouco lhe importava que ele fosse vinte e dois anos
mais velhos, que carregasse nas costas um casamento fracassado e que sua saúde
estivesse abalada por uma estafa. Ela o queria e aceitou casar-se com ele em duas
semanas. Orgulhosa da paixão e da atração física que sentia por seu marido.
Rachel ofereceu-lhe seu corpo, pediu a Jake que a amasse. Mas ele disse que não,
que eles tinham que esperar. O que significava aquilo? Então era verdade que
Jake havia casado com ela só para fazer ciúmes a primeira mulher?




                                     CAPITULO I




         Jake Courtenay se deteve nas compridas janelas da suíte do primeiro
andar do Hotel Tor Court, contemplando o porto. Durante o verão, o cais vivia
uma intensa atividade, com pequenos pesqueiros, lanchas e veleiros, todos
disputando espaço no porto lotado. Em novembro, porém, a maioria dos veleiros
estava coberta por lonas, e embora alguns iatistas persistentes enfrentassem os
ventos de outono, a maior parte dos proprietários já tinha se retirado.
         O rosto de Jake se contraiu. O cais de Tor em novembro não era nem um
pouco divertido e, se a escolha fosse sua jamais teria ido para aquele hotel. Claro
que poderia ter ficado no Boscombe Court em Bournemouth, ou no Helford Court
em Falmouth, e até mesmo no Fistral Court em Newquay, mas todos pareciam
iguais nessa época do ano. Em Nova York se hospedava no Parkway Court; em
Paris no Boulevard Court; e, se tivesse de descansar a beira-mar, seria então no
Court Mediterranée em Cannes ou no Court Itália em Juan ies Pins.
            Mas a escolha não havia sido sua. O conselho do especialista fora mais
que eloqüente. Na verdade, suas palavras haviam soado mais como um dogma
que como uma opinião: descanso completo por pelo menos seis meses; nada de
trabalho, viagens, negócios, reuniões sociais, álcool, etc.
            Maxwell Francis era um amigo, claro, bem como um médico de sucesso
entre os ricos e famosos. Ele estava acostumado a lidar com poderosos homens de
negócios, homens de vida agitada que alimentavam suas úlceras com champanhe
e caviar.
            O ponto crucial nisso tudo era que Jake jamais pensava em algum dia
precisar de Maxwell. Ele sempre sentira um certo desprezo pelas pessoas que se
entregavam por fadiga, por exaustão. Jake havia ignorado de propósito os avisos
que seu próprio corpo havia lhe dado.
            A rede Court de hotéis estava crescendo a cada ano, e sua reputação pela
boa comida e perfeito serviço era a arma contra os rivais no ramo. O sonho de seu
pai fora realizado, e a reputação nacional de Charles Courtenay fora expandida em
âmbito internacional por seu filho.
            Mas ser proprietário de hotéis nas cidades mais badaladas do mundo
exigia muitas viagens, muito desgaste físico em constantes encontros sociais,
além de muitas horas mal dormidas em aviões. Começou a perder peso, beber
muito e comer pouco, e a estafa inevitavelmente sobreveio. Mesmo assim ele
lutara contra ela. Sentado à mesa de negócios, ouvindo os executivos delineando
seus projetos para o ano seguinte, ele havia sentido uma terrível falta de
concentração, uma total incapacidade para coordenar suas idéias sobre o que
estava sendo discutido. Agora seu cérebro parecia vazio e tudo o que conseguia
ouvir eram as batidas do próprio coração. A mesa à sua frente parecia curvar-se e
mexer-se, como em alto-mar.
            Maxwell fora bastante compreensivo, mas inflexível: se Jake continuasse
naquele      ritmo   de   vida,   acabaria   se   matando.   Eram   palavras   pesadas,
principalmente para um homem que durante quarenta anos se orgulhara do seu
porte jovem. Jake a princípio não acreditou nele e resolveu ter um descanso
somente depois que o caso Pearman fosse resolvido, isto é, quando a cadeia
Pearman de hotéis tivesse sido adquirida pela organização Court.
        Mas isso não fora possível. Pela primeira vez em sua vida, Jake sentiu-se
incapaz. Tornou-se vítima da estafa que por muito tempo desprezara.
        Começou a pensar em que época seu ritmo de vida tinha se alterado pela
primeira vez. Quando o seu casamento com Denise terminou, talvez? Mesmo
naqueles dias havia trabalhado bastante; aliás, essa foi uma das razoes que
Denise alegou para pedir o divórcio: sua obsessão pelo trabalho. Mas Jake sabia
que era ela quem mais desfrutava do resultado daquele trabalho. Ela gostava da
vida agitada e quando Jake se ausentava, não tinha tido escrúpulos em procurar
outros homens para dividir seus carinhos e sua cama.
        Jake havia sido compreensivo até então, mesmo porque ele também não
era tão fiel, e se Denise necessitava daquele tipo de estímulo ele não poderia
proibi-la. Até que um obscuro príncipe italiano entrou em cena e acenou-lhe com
seu título e sua fortuna. A idéia de se tornar princesa era tentadora, por isso
Denise não levou em conta o fato de seu príncipe ser quarenta anos mais velho,
e que dificilmente agüentaria seu ritmo de vida.
        Da parte de Jake, foi um alívio estar livre novamente. Fora uma bênção
não terem tido filhos. Denise não os quisera e, apesar de Jake saber que seus pais
queriam muito um neto, ele próprio tinha percebido quanto essa criança sofreria.
        Depois, Jake não mantivera nenhum relacionamento mais sério com
mulheres, e seu trabalho o absorvera dias e noites também.
        E agora lá estava ele, hóspede em um de seus próprios hotéis, não
identificado por ninguém, exceto pelo gerente do hotel, Cari Yates. Isso também
fora ideia de Maxwell, e Jake teve de admitir que o médico sabia o que estava
fazendo. Ninguém procuraria por Jake Courtenay ali. Depois daquele período na
clínica ele precisava de tempo para se reintegrar à vida normal. Tinha superado já
a sensação de pânico provocada por seu internamento, mas sabia, em seu íntimo,
que a idéia de retornar a Londres e retomar o ritmo febril de antes era
insuportável.
        Tirou as mãos dos bolsos da calça marrom que usava e observou-as. Os
ossos eram visíveis, mas já não tremiam como antes.
Com um suspiro impaciente colocou-as no bolso novamente, afastando-se
da janela.
         Era fim de tarde, e o posto começava a se iluminar. Logo estaria escuro,
e outra longa noite se estenderia à sua frente. Seus olhos percorreram o quarto e
a estante onde se encontrava uma tevê colorida. Televisão pensou com desprezo.
Estava cansado de televisão. Nos últimos meses assistira a tudo, menos aos
noticiários. Esta era outra das exigências de Maxwell.
         O rosto de Jake se contraiu, amargo. Meu Deus, ele parecia ser criança
mais uma vez, protegido de tudo que pudesse aborrecê-lo! E pensar que ele, Jake
Courtenay, chegara a isso! Estafa mental!
         Uma batida na porta distraiu-o momentaneamente de seus pensamentos.
Um garçom entrou, empurrando um carrinho de chá. Sua refeição da tarde! Jake
puxou uma nota do bolso e entregou-a ao garçom, agradecendo. A idéia de ficar
ali sozinho tomando chá era uma tortura, pois estava há muito no quarto e sentia-
se aborrecido. Um bom sinal, talvez, mas qualquer coisa mais extenuante podia
deixá-lo fraco e tremulo. Era humilhante!
         A porta se fechou atrás do garçom e Jake começou a se servir
automaticamente de um sanduíche. Continuava sem apetite, e comer não era
mais que uma aborrecida necessidade. Viver! Um sorriso irônico aflorou em seus
lábios finos. Era isso viver? Ou existir, apenas? E qual seria o fim de tudo isso? Ele
conseguiria controlar para sempre seu entusiasmo pelo trabalho, que o motivara a
vida toda? Sem ele, Jake se sentia um homem pela metade.
         Levantou-se e foi novamente até a janela; tinha uma figura alta e
esbelta, que as calças justas amoldadas aos quadris e um suéter marrom e bege
acentuavam. Fios de cabelos loiros misturados a fios cinzentos ultrapassavam o
colarinho às suas costas. Os últimos meses haviam deixado marcas nele, e Jake
sabia que ninguém se enganaria sobre sua idade como antes. As linhas à volta de
sua boca e narizes estavam marcados e seus olhos pareciam muitos fundos.
Apesar disso, ele era um homem que sempre atrairia as mulheres, com seus olhos
negros irresistíveis.
         Muitas pessoas se apressavam para as filas de ônibus nas calçadas, e as
luzes das lojas já estavam acesas em todo o porto. Carros se dirigiam para os
subúrbios da cidade de Paignton, mais além, uma massa de luzes piscando. Seu
próprio carro se encontrava na garagem do hotel, somente para ser usado em
raras ocasiões. Guiar, como tudo de que mais gostava, havia se tornado um
esforço demasiado.
        O pátio em frente ao hotel não era grande. Um muro baixo de pedra
separava-o da calçada, e dentro havia palmeiras entre plantas e outros arbustos.
        Olhando para a rua. Jake observou dois dos hóspedes retornando ao
hotel. Eram duas mulheres — uma mais ou menos de sua idade, a outra bem mais
jovem. Ele sabia os seus nomes, pois quando chegou Cari Yates tinha lhe dado à
lista de pessoas que estavam no hotel. Eram a Sra. Fauikner-Stewart e sua
acompanhante, srta. Lesley. Jake já as tinha visto algumas vezes, no saguão e no
restaurante, embora quase sempre fizesse suas refeições no quarto. Entretanto,
de vez em quando sentia falta de companhia e ia então ao restaurante, sabendo-
se observado por vários olhos curiosos.
        Olhando mais atentamente as duas mulheres, viu-as entrar pelo portão e
uma inexplicáveí curiosidade em relação a elas tomou conta dele. A jovem não
devia ter mais de dezoito anos e parecia jovem demais para acompanhar uma
mulher da idade da Sra. Fauikner-Stewart. Começou a pensar na aparente
aceitação da garota daquele modo de vida que estava levando.
        Não havia gente jovem no hotel e, pelo pouco que pudera observar da
Sra. Faulkner-Stewart, ela não lhe pareceu ser muito paciente; mas a garota
parecia feliz o bastante para lhe sorrir de maneira amigável na portaria do hotel
quando saía para levar o cachorro de sua patroa passear. Alta, magra, com longos
cabelos loiros ondulados nas pontas, a ela não deviam faltar admiradores, embora
parecesse perfeitamente feliz atendendo aos caprichos de uma mulher com idade
para ser sua mãe.
        Jake percebeu que seu chá estava esfriando e voltou-se para o carrinho
com impaciência. Que diabos lhe importava se a moça se contentava em correr
atrás de uma senhora rabugenta em vez de ter um outro emprego melhor? Ele
não tinha nada a ver com isso. E, pensando melhor, a julgar pela quantidade de
jóias que a Sra. Faulkner-Stewart usava, e pelo preço de suas peles, ela
obviamente podia pagar bem, e provavelmente a garota lhe tirava todo o dinheiro
que podia.
        Quando terminou o chá estava escuro lá fora e, num impulso, decidiu dar
um passeio; pelo menos este era um passatempo permitido. Antes de sair vestiu
seu casaco grosso e pesado. O frio era outra coisa da qual devia se resguardar,
embora se recusasse a usar o cachecol de lã que a mãe tricotara para ele.
        O elevador levou-o ao térreo, onde Cari estava conversando com a
recepcionista. O gerente ergueu a mão, cumprimentando-o, mas Jake não queria
parar, e com um breve aceno de cabeça dirigiu-se às portas giratórias. Estava
para empurrá-las quando percebeu a garota, que ocupara seus pensamentos há
pouco, se aproximando. Ela estava sendo arrastada pelos entusiásticos pulos do
poodle negro de sua patroa.
        Jake se deteve, e esse segundo de hesitação foi o bastante para criar
uma situação em que teria sido muito rude de sua parte sair sem cumprimentá-la.
Percebeu que ela ia usar a porta de serviço para sair com o cão e apressou-se em
abri-la para que ela passasse.
        Adivinhando sua intenção, a moça apertou o passo, e seu ombro roçou os
botões do casaco de Jake quando lhe agradeceu. Usando uma jaqueta curta de
couro e calça azul, ela parecia pouco agasalhada para o frio, mas Jake criticou-se
por se preocupar com isso. Ela era jovem e saudável! Isso bastava.
        Jake esperava que a moça seguisse, e ficou um pouco desconcertado ao
encontrá-la esperando por ele, repreendendo firmemente o animal para se manter
quieto. Ela o fitou e sorriu, e um sentimento ilógico de desconforto apoderou-se
dele.
        — Está uma noite fria, não? —- comentou ela, encurtando o passo do cão
e caminhando ao lado de Jake, e ele foi obrigado a responder:
        — Sim, muito fria — concordou, um pouco seco, e ela o olhou de lado.
        — Quanto tempo você vai ficar no hotel? —- perguntou, e ele se
impacientou com sua curiosidade.
        — Não muito tempo — respondeu rápido e parou, passando por trás dela
para atravessar a rua. — Vou por aqui — acrescentou. — Boa noite.
        A garota também se deteve.
— Também vou — disse-lhe.
         Será que ela sabia quanto ele queria se ver livre dela? Jake estava
irritado por se encontrar em tal situação, e mais ainda com ela, por querer segui-
lo assim. Será que nunca lhe falaram dos perigos que uma moça corre, sobretudo
ao se aproximar de homens que nem conhecia? Ela é jovem, mas não uma
criança, ele pensou, irritadamente consciente de seus seios firmes delineados sob
a blusa. A menos que ela fosse mais velha do que aparentasse.
         Apertou os lábios; não queria demonstrar seus pensamentos. Além disso,
as garotas de hoje pareciam acreditar em valores diferentes.
         A calçada que margeava a costa era espaçosa e ele podia manter-se a
uma boa distância dela, mas depois de soltar o cão ela parecia satisfeita em
caminhar a seu lado, acenando com algum esforço seus passos com os dele.
         —- Você é o Sr. Allan, não? — perguntou num dado momento.
         O nome diferente soou estranho aos ouvidos de Jake. Allan era seu
segundo nome — Jake Allan Courtenay — e tinha achado uma boa ideia usá-lo
para evitar um possível reconhecimento. Ainda assim fez uma pausa. Começou a
pensar em como ela sabia seu nome, e resolveu que chamaria a atenção de Cari
Yates na próxima vez que o visse.
         Assentiu com a cabeça, pressionando as mãos mais fundo no bolso do
casaco, e ela respondeu à sua muda pergunta sem mesmo percebê-lo.
         — Delia, quero dizer, a Sra. Faulkner-Stewart perguntou para a
recepcionista quem era o senhor — disse ela. — Delia sempre quer saber o nome
dos outros hóspedes. Espero que não se incomode.
         Jake olhou para a garota e viu que sua expressão bem-humorada dava-
lhe a exata impressão de que ela sabia muito bem que ele se importava. Mas não
ia lhe dar o prazer de admitir o fato.
         — Não é segredo — disse abruptamente, e ela levantou os ombros,
colocando as mãos nos bolsos da jaqueta.
         O vento batia em seus cabelos, e a todo o momento ela tinha que afastá-
los de seus olhos e boca. Às vezes batiam no casaco de Jake e isso o irritava
profundamente. Por alguns minutos andaram em silêncio, e então ela falou
novamente:
— Meu nome é Rachel, Rachel Lesley. Eu trabalho para a Sra. Faulkner-
Stewart.
           Jake deu um suspiro fundo, mas não fez comentários. Mas estava
totalmente despreparado para o ataque que sobreveio.
           — Você não é muito educado, não é? — perguntou ela, com audácia. —
Por que você não me diz logo pra eu dar o fora, se é o que você quer?
           As palavras o paralisaram, e ele se virou e fitou-a com raiva.
           — Como disse?
           — Você ouviu o que eu disse —- afirmou ela. Jake então notou que os
olhos dela eram raiados de âmbar, a mesma cor de seus cabelos. — Se você quer
ficar sozinho, por que não diz logo?
           As mãos de Jake se fecharam dentro dos bolsos.
           — Não vejo razão para verbalizar o que me parece óbvio! -— exclamou,
seco.
           — Eu só estava tentando ser simpática!
           — Pois eu acho que a Sra. Faulkner-Stewart, se este é o nome de sua
patroa, deveria prestar mais atenção na educação de quem ela emprega, em vez
de se meter na vida alheia! Então talvez você fizesse coisa melhor que ficar por aí
seguindo estranhos!
           Rachel engoliu em seco.
           — Eu não fico por aí seguindo estranhos! Eu...     Senti pena de você, só
isso!
           A reação de Jake foi violenta. Como aquela menina, aquela criança —
porque ela era pouco mais que isso — podia sentir pena dele! Ela não sabia com
quem estava falando! Ela não o conhecia! Mas era claro que ela não sabia. Até o
momento, ele era o Sr. Allan, provavelmente uma figura bem diferente da de
antes, quando era Jake Courtenay. Este pensamento foi-lhe estranhamente
reconfortante e, apesar da impaciência, sua raiva começou a desaparecer.
           — Desculpe-me — disse finalmente, tentando mostrar-se amigável. — Eu.
... Bem, não ouve muito contato humano ultimamente. . . E parece que perdi o
hábito da civilidade.
Imediatamente o rosto de Rachel se transformou e um sorriso largo deu-
lhe uma beleza que ele não havia percebido antes.
          — Tudo bem — disse ela, sem rancor. — Eu deduzi que você estava
doente.   Você não parece o tipo de homem que escolhesse ficar no Tor Court
nesta época do ano.
          Jake não sabia como responder à observação.
          — Não? — perguntou, irônico. — Bem, acho que não.
          O poodle desviou a atenção deles naquele momento, fazendo barulho
para um pequinês briguento que estava sendo arrastado pela dona. Rachel correu
para segurar o poodle pela coleira, sob olhar irritado da dona do outro cachorro.
          Jake observava a cena quando se deu conta de que estava perdendo uma
magnífica oportunidade para ir embora. Curiosamente, estava menos ansioso para
ir-se agora, mas a lembrança do que a garota lhe dissera ainda persistia. Podia ser
ridículo, mas ele estava ressentido por ser alvo de pena de alguém.
          Mesmo assim, não pôde evitar uma olhada e sentiu um momento de
alívio ao vê-la afastar-se em direção ao hotel. Era uma menina simpática, e
provavelmente ele a tinha julgado muito rudemente. Afinal, hoje em dia os jovens
pareciam ter bem poucas inibições, e ela apenas tentara ser simpática, como ela
mesma dissera.
          Mas não estava interessado em tornar-se amigo de ninguém no hotel.
Não interessava o quanto gentil as pessoas fossem, elas sempre queriam
especular, e Jake queria evitar isso. Além disso, ele podia imaginar a reação da
Sra. Faulkner-Stewart se soubesse que sua acompanhante estava se tornando
amiga de um homem de sua idade.
          Por mais inocente que fosse essa relação, sempre haveria alguém para
lhe dar uma interpretação errada. Ele já podia antever a manchete dos jornais:
quot;Industrial de meia-idade busca descanso com garota de colégio!quot; Deus, só de
pensar nisso sentia calafrios. O poodle havia lhe dado uma boa oportunidade de
escapar e, das próximas vezes, ele tomaria cuidado para que suas caminhadas
não coincidissem com os passeios do cachorro.


                              CAPITULO II
Rachel não o viu por vários dias, e todas as noites, quando saía para
levar Menestrel a passear, detinha-se por alguns minutos no térreo, na esperança
de encontrá-lo. Mesmo assim, não havia sinal do homem alto e bronzeado cuja
feição sombria a perseguia em sonhos. Ele nunca mais aparecera no restaurante
e, apesar das tentativas de Delia de conversar com o gerente do hotel, este se
mostrara bastante arredio em falar sobre o hóspede da suíte do primeiro andar.
        Rachel mesma não compreendia o porquê de seu interesse por ele. Afinal,
ele havia demonstrado que não desejava companhia, e estava claro que a
considerava tola e inconsequente, apesar de ter-lhe pedido desculpas. Ela não
comentara sobre o encontro com Delia.
        Ao   entrar   com   o   pequeno   carro   de   Delia   Faulkner-Stewart   no
estacionamento ao lado do hotel, lembrou-se de que há seis meses jamais
consideraria a possibilidade de aceitar esse emprego, mas as circunstâncias às
vezes mudam nossas vontades! Seis meses atrás ela ainda sonhava em ir para
Oxford, pensava em graduar-se. Seu pai então ficou doente e morreu em apenas
três semanas, e sua mãe, desequilibrada com isso, faleceu num acidente ao
atravessar de carro um trilho, quando o trem estava passando. O veredicto do
delegado fora este, mas Rachel no íntimo sabia que sua mãe não queria mais
viver. Ela era filha única, e desde criança percebera que sua presença não era
necessária. Seus pais se completavam e ela às vezes se sentia um estorvo para os
dois.
        A dupla tragédia a chocara muito, e ao saber que além de algum dinheiro
do seguro ela não tinha mais nada, tornou-se curiosamente indiferente.
        Foi então que Delia Faulkner-Stewart lhe fez aquela proposta. Delia havia
sido amiga de sua mãe e, apesar de não se encontrarem a muitos anos, ela tinha
ido a Nottingham para os funerais de seu pai. Segundo Delia, foi uma bênção que
ela ainda estivesse na cidade quando sua mãe sofreu o acidente, pois assim
Rachel não ficou só. Rachel desconfiava que Delia tinha ido a Nottingham para
convidar sua mãe, e não ela, como acompanhante, mas Delia nunca deixou
transparecer nada. Na época, insistiu para que ela não fizesse seus exames finais,
e que se tornasse sua acompanhante, já que sua acompanhante anterior havia se
casado.
          No estado em que se encontrava, Rachel aceitou de bom grado que
alguém se responsabilizasse por ela. Somente semanas mais tarde, já refeita do
choque, ao se ver sob os constantes mandos e desmandos de Delia, é que se deu
conta do que havia feito. Mesmo assim, ainda lhe sobrara algum dinheiro, o
suficiente para que pudesse pagar seus exames, o que já a confortava bastante.
          O marido de Delia também falecera, e, embora a tivesse deixado em
situação bastante confortável, ela se ressentia por não ter um homem a seu lado.
E não era muito atenciosa com Rachel. Delia ficava muito pouco em sua casa de
Londres, preferindo viver em hotéis, sempre na esperança de encontrar algum
novo marido. Sua única exigência era que esse homem fosse inglês, pois
desprezava os europeus em geral e raras vezes ia para o exterior.
          Mesmo assim, Rachel não se sentia infeliz; pelo contrário, por ser de
natureza alegre, fora um ou outro pequeno aborrecimento, vivia bastante bem.
          Manobrou o carro na vaga reservada e, acalmando o poodle que vinha no
banco de trás, abriu a porta, segurando-o antes que ele manchasse de lama sua
calça cor-de-rosa. Havia um carro desconhecido estacionado ao lado, e ela
observou suas linhas elegantes antes de se dirigir para o hotel. Quando se
aproximava da entrada viu dois homens que saíam, conversando, e seu coração
bateu mais forte quando reconheceu que um deles era o Sr. Allan.
          Notou a relutância dele em cumprimentá-la. Será que ele sabia quanto
aquele olhar a perturbava? Seu coração bateu mais rápido quando ele disse:
          — Olá!
          Rachel     conteve     sua    ansiedade,     procurando      responder
despreocupadamente:
          — Olá, Sr. Allan. Como vai?
          — Bem, obrigado.
          Ele olhou para o senhor que o acompanhava, como se o desafiasse a
contradizê-lo. Rachel observou o outro homem. Havia alguma semelhança entre
eles, poderiam ser pai e filho. Estava claro que não seriam apresentados, e antes
que pudesse pensar em dizer algo já haviam passado por ela.
Mordendo o lábio, entrou no hotel de mau humor, censurando-se por sua
criancice. O que esperava dele, afinal? Ele parecia tão velho quanto seu pai, e a
olhava como uma colegial, claro. Só porque ele lhe despertara alguma simpatia. . .
            Mas não, não era só simpatia. Ele tinha o olhar mais sensual que ela já
vira e, apesar de sua aparência cansada, a deixava excitada. Rachel sabia que
Delia teria um ataque histérico se soubesse de suas fantasias. Mas são apenas
fantasias, pensou, (puxando Menestrel) para que ele entrasse no elevador.
            A suíte de Delia era no segundo andar; ela havia reservado uma sala e
um quarto duplo com banheiro para ela e um quarto simples para Rachel, o que
significava que Rachel era obrigada a dividir o banheiro com mais dois outros
quartos do mesmo andar. Mesmo assim, ela não se importava. Tomava banho
invariavelmente à noite, quando os outros hóspedes estavam no bar tomando
aperitivos antes do jantar, e. ao contrário de Delia, não gostava de se juntar a
outros hóspedes conhecidos.
            Assim que ela e Menestrel entraram na suíte, Delia perguntou do quarto,
com voz irritada:
            —- Rachel, é você? — O rosto da garota apareceu à porta do quarto. —
Você demorou muito.
            Delia tivera uma daquelas dores de cabeça insuportáveis, coisa não muito
rara, e que eram seu tormento. Ficara a tarde toda na cama, recostada no
travesseiro, muito pálida, e era uma figura triste no seu negligê cor-de-rosa.
            Ela tinha quarenta e três anos, e passava a maior parte do seu tempo
procurando parecer mais jovem, no que obtinha invariavelmente o resultado
oposto. Já tingira tanto os cabelos finos, que eles mais pareciam palha seca, e sua
pele fina como papel, era cheias de pequenas veias, resultado de muita comida e
pouco exercício.
            Consciente da juventude de Rachel Delia a tratava com um misto de
inveja e irritação, pois não gostava de se sentir em desvantagem. Rachel segurou
Menestrel com desespero pela coleira, pois ele avistara o tapete peludo e tentador
ao lado da cama.
            — Não consegui encontrar aquela marca de creme em lugar nenhum —
explicou.
A ruga que momentaneamente ocupara as sobrancelhas de Delia sumiu
por completo.
          — Está bem, querida.
          Rachel continuava a lutar com o poodle.
          — Já tomou chá?
          — Não. Fiquei descansando desde que você saiu.
          — Está se sentindo melhor agora?
          — Um pouco. — Delia tentava esconder de Rachel a capa de um livro
sensacionalista, e Rachel se virou para que ela não visse seu riso.
          — Vou dar água para Menestrel.
          — Está bem, e peça um chá também, querida.
          Rachel fechou a porta, apesar dos latidos do cão. Desde o desastre de
alguns dias antes, quando ele derrubara todos os cosméticos e vidros de Delia,
estava proibido de entrar em seu quarto.
          Encheu a tigela de Menestrel com água e, enquanto ele bebia rui-
dosamente, pediu o chá. Depois foi até a janela e começou a divagar. Quando
veria o Sr. Allan de novo? Ele ficaria mais tempo no hotel? E sua mulher, onde
estaria? Claro, pois um homem como ele devia ser casado. Mas por que ela não o
acompanhava?
          A chegada do chá e de Delia interrompeu seus pensamentos. Só mais
tarde, quando tomava banho, retomou-os. O que ele pensava sobre ela? Se for o
que ele pensava! Ou ela era para ele apenas uma adolescente atrevida? Talvez ele
a achasse provocativa e insinuante! Rachel alcançou a esponja e começou a se
ensaboar. Estava confusa, confusa como nunca estivera antes.
          Todas as noites no hotel eram iguais. Delia descia para o bar antes do
jantar e ficava conversando com alguns hóspedes amigos, enquanto Rachel
arrumava a suíte, dava comida a Menestrel tomava banho. Mais tarde, elas se
encontravam no restaurante e jantavam. Depois de comer, alguns hóspedes se
juntavam para jogar bridge, e como Delia apreciava cartas era invariavelmente
convidada. Este era o momento em que Rachel poderia fazer o que quisesse, mas
normalmente ela levava Menestrel para passear, depois assistia televisão e ia
dormir.
Nesta noite, entretanto, Rachel se sentia agitada. Ficou se arrumando
mais tempo que o normal, e se atrasou para o jantar. Hesitara bastante sobre o
que vestir. Desistiu de pôr um vestido branco que planejara usar, em favor de
uma calça de veludo e uma túnica bordada, mas acabou por voltar à primeira
escolha, sentindo-se tola por imaginar que isso importaria alguma coisa. O vestido
era longo, de algodão branco, com um cordão bem abaixo do busto, que o
realçava. Não era, definitivamente, o tipo de vestido que uma mulher mais velha
usaria, e foi por isso que hesitara em colocá-lo. Mas ela não era velha, afinal, e
não havia razão para querer parecer, mais velha.
         O elevador parecia mais lento que de costume, e Rachel mordia os lábios
nervosamente quando ele parou no primeiro andar. Deu um passo atrás quando
reconheceu o homem que ia entrar no elevador e sentiu-se enrubescer. Sua
expressão era neutra e, após um instante de hesitação, resolveu entrar, juntando-
se a ela na repentina atmosfera de intimidade do elevador.
         Usando um terno azul-escuro com camisa combinando e o pesado casaco
da outra noite por cima, ele reduzia as proporções do elevador de maneira
alarmante, e ela se sentiu consciente da masculinidade que emanava dele. Seus
seios excitados subiam e desciam num ritmo acelerado, os bicos endurecendo
visivelmente por baixo do vestido.
         Se o Sr. Allan percebeu a sua agitação não o demonstrou e seu boa-noite
foi o mais impessoal possível. Ela nunca estivera tão perto dele, e pôde ver um
movimento de contração em seu rosto. Talvez ele não seja tão indiferente a mim
quanto parece, pensou. O que teria provocado aquela tensão em sua boca?
         Impaciente pelo modo como ela o observava, Jake a olhou firme e suas
pernas fraquejaram. Por sorte estava de saia comprida, pois o tremor de suas
pernas seria perfeitamente visível.
         — Eu...    Você vai descer para o jantar? — conseguiu perguntar e ele
sacudiu a cabeça.
         — Já tentei — respondeu, seco.
         — Estou atrasada — disse ela, quando a porta do elevador se abriu.
         Jake se deteve para que ela o precedesse. Rachel sentia-se magoada;
mais uma vez ficara em desvantagem em relação a ele. Se ao menos tivesse
trazido Menestrel, teria uma boa desculpa para acompanhá-lo onde quer que
fosse. Ele a estava seguindo, parecendo ler seus pensamentos.
          — Não tem cão para passear hoje?
          — Não.
          — Gosto do seu vestido.
          Mais uma vez ela se sentiu enrubescer.
          — Obrigada.
          Como se estivesse se censurando pelo elogio que fizera, ele se virou
rapidamente e disse;
          — Bom apetite.
          Rachel observou-o atravessar o saguão e desaparecer pelas portas
giratórias, sentindo uma profunda frustração. Por que ele havia dito aquilo? Ele
realmente tinha gostado do seu vestido, ou sentira pena dela? Puxa vida! Ela
agora estava perturbada, e ainda tinha de encarar a irritação de Delia por seu
atraso.
          Estava se dirigindo para o restaurante quando a voz de Cari Yates a fez
parar. O jovem gerente do Tor Court podia conquistar um bocado de corações com
seu charme, mas Rachel não gostava de seu tipo louro de olhos azuis.
          — Srta. Lesley... -— Seus olhos revelavam um interesse exagerado.
          — A Sra. Faulkner-Stewart pediu-me que lhe arrumasse entradas para o
concerto no conservatório. -— Ele lhe estendeu um envelope branco.
          — Pode entregá-las?
          — Obrigada.
          Rachel pegou os bilhetes, intrigada. Por que ele não os enviara pelos
mensageiros, já que sabia que Delia estava jantando àquela hora?
          — Está especialmente bonita esta noite, srta. Lesley. — Cari Yates falava
com a segurança de quem nunca foi repelido por mulher alguma. — Eu não sabia
que conhecia Jake Allan.
          — Darei os bilhetes a Sra. Faulkner-Stewart. — Seu sorriso era forçado e
sentiu uma certa satisfação ao perceber o desapontamento dele na medida em
que se afastava.
Delia não a esperara; saboreava salmão defumado e recebeu o envelope
das mãos de Rachel com visível aborrecimento.
         — Não lhe pago para ficar fazendo hora em portarias de hotéis, Rachel! —
falou alto e Rachel preferiu se calar.
         Naquela noite, em sua cama, Rachel viu-se relembrando os momentos no
elevador. Então seu nome era Jake! Pelo menos podia agradecer Cari Yates por
aquela informação. Jake Allan? Sim, era um nome bonito, caía-lhe bem.
         Durante os dias seguintes Rachel teve pouco tempo para si mesma; Delia
ficou de cama por um problema estomacal e seus enervantes chamados e
exigências a atormentaram o tempo todo. Não havia nem mesmo as sessões de
bridge à noite para quebrar a monotonia e, fora algumas vezes que conseguia
escapar sob o pretexto de levar Menestrel para passear, ela se mantivera ocupada
o tempo todo cuidando de Delia.
         A verdade é que à vontade de ver Jake aumentava dia a dia, e Rachel
começou a pensar que talvez ele tivesse tido uma recaída e não tivesse ninguém
para cuidar dele. Mas não havia a quem perguntar sobre ele, a não ser Cari Yates,
e ela preferia não revelar seu interesse para o gerente.
         Perto do fim da semana Delia já se restabelecera, e Rachel, que até então
tinha tomado as refeições no quarto, estava ansiosa para descer para o jantar. E
se ele fosse ao restaurante? Teria sentido a sua falta? Dificilmente, pois ele quase
não comia no restaurante. De caso pensado, escolheu o vestido branco para usar
naquela noite. Era bonito, e com os cabelos soltos sobre os ombros nus ela ficava
bastante atraente perto de outras garotas de sua idade. Quem sabe ele estaria lá?
         Mas Jake não estava jantando no restaurante. A mesa que ocasio-
nalmente ocupava estava vazia, e a falta de talheres indicava que ele não viria.
Rachel apertou os lábios, desapontada, e Delia, excepcionalmente atenta após o
longo período de repouso, percebeu sua inquietação.
         — O que aconteceu? — perguntou, olhando à volta, curiosa. — O coronel
está tentando atrair sua atenção novamente? Mas esse velho canastrão é
realmente impossível! Vou ter uma conversinha com o Sr. Yates sobre isso.
— Por favor, — Rachel interrompeu-a, balançando a cabeça ner-
vosamente. — O coronel nem está olhando para este lado! Eu... Estava pensando,
é só.
         — Posso saber no quê? — Delia estava curiosa.
         — Nada em especial. — Rachel tentou distraí-la, abrindo o cardápio. —
Veja! Hoje têm seu prato predileto, panquecas. Eles devem ter adivinhado que
você havia sarado hoje.
         Terminada a refeição, o velho coronel sobre o qual Delia havia reclamado
aproximou-se. Após submeter Rachel a uma pequena inspeção com os olhos,
virou-se para Delia e exclamou galantemente:
         — Que bom vê-la novamente, querida.       O jogo não tem sido o mesmo
sem você. Espero que se junte a nós essa noite.
         — Senti falta de nossa dupla também, coronel. —- A indignação de antes
se desmanchara por completo com as galanterias. — Eu sei que bridge não é
divertido com três jogadores apenas!
         O olhar brilhante do coronel perscrutava Rachel novamente e, voltando
sua atenção para Delia, ele tentou prestar atenção ao que ela falava.
         — Como? Ah, claro. Mas, para dizer a verdade, conseguimos persuadir
outro de nossos hóspedes a jogar conosco ontem. Você já deve tê-lo visto, o Sr.
Allan.
         Rachel controlou o sobressalto que as palavras do coronel lhe causaram,
enquanto Delia, animada, respondia:
         — Sr. Allan! — Seu interesse era evidente. — Claro, sei quem é. Mas...
— ela fez uma pequena pausa, obviamente procurando as melhores palavras para
se expressar — ele parece tão quieto, tão só. Um homem bastante resguardado.
         — É. — O coronel estava perdendo o interesse pela conversa. — Então,
vamos jogar mais tarde?
         — Claro. — Delia umedeceu os lábios. — O Sr... Allan também estará no
jogo?
         O coronel balançou a cabeça e, vendo que Rachel sequer o olhava,
começou a se afastar.
— Acho que não. Ontem já foi difícil trazê-lo! Tive de insistir muito. Vejo-
a mais tarde, querida.
          Depois que o coronel se afastou, Delia soltou um suspiro de excitação.
          — Imagine só! Ele jogando cartas. É bom saber que ele não é tão
inatingível assim, não é? — Rachel não respondeu. — Não é? — repetiu.
          Rachel forçou-se a erguer a cabeça, mas tudo o que podia pensar era que
na noite anterior, quando passara na portaria com Menestrel, ele estava a poucos
metros dela, jogando bridge! Era de enlouquecer!
          — Você parece estar bem interessada — disse ela por fim, escondendo a
própria frustração.
          — E por que não? Ele é o homem mais interessante do hotel, afinal de
contas!
          — Você acha?
          — Claro! Você não? Ah, não, claro, ele é muito velho. Cari Yates é mais
adequado a você. Aliás, estou surpresa por não corresponder, já que parece
ansioso para sair com você.
          O rosto de Rachel ficou vermelho, tanto pela observação de Delia quanto
pelo que ela dissera sobre Jake. Felizmente, Delia só enxergava o que queria, e
agora sem dúvida devia estar fazendo planos para cercar Jake e convidá-lo para
seu círculo de amigos.
          Depois de várias xícaras de chá, Delia retirou-se para jogar enquanto
Rachel se dirigia desconsoladamente para o elevador no saguão. Havia uma
televisão colorida na sala de estar, mas ela preferia ficar em seu quarto, mesmo
com um aparelho menor. Mais adiante havia o bar, onde fregueses costumeiros se
misturavam aos hóspedes, mas entrar naquele ambiente enfumaçado também não
lhe atraía.
          Estava para se virar e entrar no elevador quando avistou Cari Yates à sua
frente. Ele lhe sorriu.
          — Está só?
          Rachel lhe dirigiu um olhar frio.
          — Parece que sim, não?
          — Então, você não é fanática por bridge?
— Não.
           Rachel fez menção de andar, mas ele era insistente.
           — Posso lhe oferecer um drinque?
           — Não, obrigada.
           — Por que não?
           Ela hesitou, tentada a tirá-lo de seu caminho de uma vez por todas, mas
com o canto do olho avistou Jake Allan entrando no hotel e atravessando o saguão
na direção deles. Se fosse embora agora, perderia uma ótima oportunidade de lhe
falar, pois sem dúvida ele se aproximava para trocar algumas palavras com o
gerente.
           — Eu... Bem, eu não bebo — respondeu, medindo mentalmente à
distância entre ela e Jake.
           — Podemos tomar um suco de tomate — sugeriu Cari prontamente, mas
antes que ela pudesse responder uma sombra acercou-se deles. Cari virou-se,
impaciente, para ver quem ousava interrompê-los, mas assim que reconheceu
Jake suas feições mudaram.
           Rachel ficou impressionada. Quem quer que fosse, Jake Allan certamente
tinha autoridade sobre ele.
           — Boa noite. — Os olhos escuros se detiveram sobre Rachel.
           — Boa noite. Cari.
           Cari sorriu, procurando parecer simpático.
           — Aproveitou o seu passeio, Sr. Allan?
           Sr. Allan! Rachel ergueu as sobrancelhas. Por que não o tratava pelo
primeiro nome?
           — Muito. O jantar já acabou?
           — Oh, sim, há alguns minutos. O jogo já começou.
           — Está bem. — O olhar de Jake voltou-se para Rachel novamente. —
Como vai, srta. Lesley? Não a tenho visto ultimamente.
           — Eu... A Sra. Faulkner-Stewart esteve. . . Indisposta. Estive cuidando
dela.
— E cuidando bem, com certeza — disse ele com um brilho irônico nos
olhos. Dirigiu um olhar a Cari, como se estivesse se certificando da situação. —
Agora, com licença...
        Rachel mal olhou para Cari e, tropeçando nas palavras, fez uma pergunta
que saiu de repente:
        — Vai subir, Sr. Allan?
        — Sim.
        — Também vou. Bem, boa noite, Sr. Yates.
        O gerente apertou os lábios, mas Rachel o ignorou. Seu coração batia
forte enquanto ela apressava o passo para se juntar a Jake em direção aos
elevadores.
        — Você não devia ter feito isso.
        — Feito... O quê? — O rosto de Rachel queimava. Jake olhou-a
acusadoramente.
        — Yates terá uma impressão errada sobre nós.
        — Não estou preocupada. — Rachel tremia.
        — Talvez eu esteja.
        — Mas por quê? Eu estava indo para meu quarto quando ele me parou.
        Jake arrumou o cabelo atrás do colarinho e Rachel teve dificuldade para
desviar os olhos da pele bronzeada de sua nuca.
        Entraram no elevador e Jake apertou o botão do primeiro andar, sem
olhar para ela. Quando as portas se abriram e ele deu um passo para sair, Rachel
se anteviu chorando em seu quarto a noite toda. Então, de repente, ele se deteve.
        — O que você pretende fazer agora? Rachel engoliu em seco.
        — O que eu... Bem, assistir televisão e dormir, acho.
        — E se eu lhe oferecesse outra alternativa? — Seu olhar firme acabava
com os pobres nervos dela.
        — Que alternativa?
        Ele suspirou, impaciente consigo mesmo e com ela.
        — Qual o seu nome? Rachel? Rachel sabe quantos anos eu tenho?
        Ela ergueu os ombros, incerta.
        — Trinta e oito trinta e nove...
— Quarenta anos. E você?
          — Quase dezenove.
          — Dezoito!
          — Está bem, dezoito.
          Jake olhou para cima, como se estivesse se censurando.
          — Devo estar ficando louco!
          Sem qualquer outra palavra saiu do elevador, cuja porta se fechou logo
em seguida. Sem conseguir se conter, Rachel apertou o botão de emergência e
saiu para o corredor, sentindo-se terrivelmente só quando as portas se fecharam
às suas costas.
          Jake, que estava se dirigindo para sua suíte, olhou para trás com raiva ao
avistá-la ali parada. Virou-se lentamente, com as mãos no bolso.
          — O que você pensa que está fazendo?
          Rachel balançou a cabeça, sem conseguir se explicar.
          — Eu... Eu posso usar as escadas de serviço.
          — É melhor que você se vá. Se alguém a vir aqui, neste andar... —Jake
se interrompeu, ao ver que os lábios de Rachel tremiam.
          — E daí? — Rachel perguntou em voz alta, já que se sentia humilhada.
          Jake olhou para ela duramente.
          — Está bem, está bem. Se você não se importa, por que me preocupar?
— Indicou a porta de seu quarto e acrescentou: — Venha!
          — Poderíamos tomar alguma coisa.
          — Pensei tê-la ouvido dizer que não bebia.
          —- E não bebo. Não muito.
          — Nem eu. Meu... Médico não me permite.
          Essa frase foi dita com sarcasmo, e Rachel adivinhou que nem sempre
fora assim; antes ele devia beber bastante.
          — Bem... Poderíamos tomar café — arriscou ela, mas ele balançou a
cabeça.
          — Acho que não.
          — E por que não?
— Não tenho pretensões de tomar café com você e depois enfrentar sua
temível guardiã.
         — Ela não é minha guardiã — protestou Rachel. —- Ela apenas me
empregou como sua acompanhante, e eu sou maior. Posso fazer o que quiser.
         — E o que você quer? — Ele contemplou seu rosto severamente. —
Rachel, por que eu? Por que não Cari, ou qualquer outro?
         Rachel deu um passo involuntário para frente. — Você... Quer-me? Jake
torceu os lábios.
         — Sim, eu quero você.
         Virando-se, ele colocou a chave na porta e estava para abri-la quando
duas   senhoras     surgiram   no   corredor,   e   seus   olhares   se   aguçaram   ao
reconhecerem Rachel. Ao se entreolharem, elas demonstraram claramente o que
estavam pensando.
         Rachel sentiu o rosto queimar, mas Jake as ignorou, abrindo a porta e
acendendo a luz. Ele se virou e esperou que ela o olhasse novamente. Sua voz
soou calma:
         — Então? Por que não aproveita e vai com elas?
         Rachel hesitou, mas depois entrou com determinação na suíte lu-
xuosamente mobiliada. Deu um suspiro de alívio quando a porta se fechou e se viu
longe dos olhares acusadores que sentira as suas costas.




                                                    CAPITULO III


         O ambiente era reconfortante. Devia ser a melhor suíte do hotel. Os tons
verdes e ouro do tapete se repetiam nas cortinas e almofadas, combinando. Havia
várias pequenas mesas, uma televisão tão grande quanto à de baixo, e uma mesa
de jantar ao lado da janela, com uma vista magnífica do cais.
         Na medida em que ela observava tudo, Jake tirou o casaco e deixou-o
sobre uma cadeira, junto à porta. Depois se dirigiu para a enorme lareira de
mármore, obsoleta agora que havia aquecimento central. Seu perfil bronzeado
contra o mármore tinha uma beleza e um mistério proibidos, e por um momento
ela se sentiu assustada.
          — Já está se recriminando? — perguntou ele, irônico.
          — Não.
          — Quem eram aquelas mulheres?
          — Conhecidas da Sra. Faulkner-Stewart — respondeu Rachel. — Que
vista maravilhosa você tem daqui.
          — Você acha que elas lhe dirão que esteve aqui? Rachel suspirou,
resignada.
          — Não sei.
          — Você não está preocupada?
          — Não!
          Ele ergueu os ombros, e os olhos de Rachel se sentiram irresistivelmente
atraídos pela musculatura visível sob as roupas elegantes. Parecia despreocupado.
          — Se você insiste.     Fale-me da Sra. Faulkner-Stewart. Ela é alguma
parente sua?
          — Já lhe disse. Ela me empregou como sua acompanhante.
          Somente isso? — Ele parecia surpreso. — É uma ocupação incomum para
uma menina da sua idade e da sua geração.
          — Ela era muito amiga de minha mãe.       Quando meus pais morreram,
primeiro meu pai e minha mãe poucas semanas depois, Delia resolveu tomar
conta de mim.
          — Mas com certeza não era isso o que você pretendia fazer da vida. Uma
menina como você.
          — Para falar a verdade, eu estava planejando entrar na Universidade em
Oxford quando meus pais morreram. Delia achou que seria melhor eu dar um
tempo para mim mesma.
          — E assim ela teria uma acompanhante à mão.
          —- Não foi assim — protestou Rachel. — Eu poderia não ter passado nos
exames.
          — E você ainda pretende fazê-los? No ano que vem, por exemplo?
          — Talvez, se eu tiver dinheiro. . .
— Dinheiro! — Jake repetiu a palavra de Rachel com um grunhido. —
Claro. Tudo gira em torno de dinheiro, não é?
         — Não diria isso — protestou, indignada.
         — Não?
         — Não.
         — Então, ainda por cima é romântica!
         — Quer que eu vá embora? — perguntou Rachel, de cabeça baixa.
         — Isso não merece resposta! Ora, Rachel, você não está lidando com um
garoto inexperiente.
         — Como?
         — Falsa modéstia não combina com você! — disse ele friamente,
descansando um pé na pequena grade de ferro que rodeava a lareira. — Como eu
lhe disse antes, devo estar ficando louco!
         — Bem. . . Não quero incomodá-lo. . .
         Rachel virou-se repentinamente, pois não conseguia mais agüentar
aquele jogo de gato e rato; ela o havia iniciado, então era bom que ela mesma
acabasse com ele.
         Mas, antes que Rachel desse outro passo, ele se interpôs entre ela e a
porta   com   surpreendente   agilidade,     seus   dedos   apertando   o   braço   dela
dolorosamente. Tentou livrar-se dele, assustada com o brilho de seus olhos, mas
Jake a puxou contra si e ela sentiu a dureza e o tamanho do corpo dele contra o
seu. Os braços de Jake a envolveram, deslizando por suas costas, trazendo-a para
mais perto, e pela primeira vez Rachel percebeu que ele a desejava.
         — Você não faz idéia de como me perturba! — exclamou Jake e curvou-se
para alcançar seu pescoço com a boca.
         O pânico de Rachel começou a diminuir.
         — Pensei. . . Que estivesse zangado comigo.
         — E estou — respondeu ele. — Eu não deveria estar segurando você
assim e nem você deveria estar permitindo.
         — Por que não? — Sua boca estava seca, e ela molhou os lábios com a
língua, enquanto as mãos dele deslizaram até seus seios e começaram a acariciá-
los.
Mas Rachel sabia por quê. Seus instintos a avisaram de que ela estava
brincando com fogo, mas não estava disposta a desistir.
         — Jake. . . — Sua voz saiu como um soluço, usando seu nome pela
primeira vez sem perceber, e ele a apertou mais, beijando-a calorosamente.
         Um milhão de estrelas pareceram explodir a sua frente. Parecia que
estava sendo beijada pela primeira vez. Suas experiências anteriores não eram
nada em comparação ao que sentia naquele momento. As coxas rígidas de Jake
demonstravam claramente para que ela estava sendo convidada.
         Ele deixou seus lábios para afundar o rosto em seu pescoço, as mãos se
emaranhando pelos longos cabelos. Rachel notou que ele tremia e era uma
sensação deliciosa perceber que, podia lhe provocar tais perturbações. Enfiou as
mãos por baixo do suéter dele e acariciou-lhe as costas um tanto úmido. Sentia-se
excitada, deliciando-se ao contato com as pernas dele.
         De repente, com um murmúrio abafado, Jake a soltou, virando-se
violentamente e arrumando os cabelos com os dedos. Ele foi até o outro lado da
sala, fitando-a com o olhar atormentado. Rachel ficou chocada com sua atitude,
perturbada com seu olhar e encarou-o ansiosa enquanto ele obviamente se
esforçava para voltar ao normal.
         — O que foi? O que há de errado? — perguntou.
         — Acho melhor você ir. — Ele parecia calmo.
         — Jake.
         Ele virou de costas, com as mãos nos bolsos.
         — Deus, preciso beber algo! Por favor, Rachel, não torne as coisas mais
difíceis do que já estão. Saia.
         — Mas por quê? O que eu fiz? — Sentia-se confusa. — Você ainda está
bravo comigo?
         — Acho que você compreende, muito bem. Talvez eu devesse lhe pedir
desculpas, mas foi você quem pediu.
         Rachel sacudiu a cabeça.
         — Jake, não fale assim! Eu... Bem, sinto muito se fiz algo errado, mas eu
nunca. . .
-— Você nunca! É exatamente isso. Você nunca, mas eu já. E eu quis
agora, Deus, mas não posso!
           — Por que não? Ou. . . É esse o seu problema? — Seu rosto ardia e ela
estava surpreendida com a própria audácia.
           — É o que você pensa? — perguntou ele, autoritário.
           — Eu não sei, sei?
           —- Bem, acho que não. Mas eu não sou um cafajeste que se aproveita de
mocinhas, e muito menos de uma garota com idade para ser minha filha!
           — Se você pensa assim...
           — Você quer saber o que tive? Foi estafa! Fiquei arrasado. Não podia
trabalhar, não conseguia dormir, nem ao menos pensar! Eu estava um lixo. Mas
não impotente!
           Rachel levou as mãos ao rosto.
           — Você. . . Quer dizer que eu não sou muito boa nisso, não é? Jake olhou
para ela, e a intensidade de seu olhar a fez mais uma vez prender a respiração.
           — Está bem. Você não é muito boa. É muito inexperiente.
           A indelicadeza daquela afirmação pôs fim ao orgulho que lhe restava.
           — Então por que. . . Por que fingiu que estava gostando? — perguntou
entre lágrimas. Tentando se recompor, dirigiu-se para a porta da suíte.
           — Rachel! — Ela parou. Jake tentava se justificar: — Rachel, desculpe-
me, mas eu sou muito velho para você, acredite!
           Ela se virou, procurando alguma mostra de sinceridade em sua ex-
pressão.
           — Você não é velho!
           — Acho quê ambos sabemos disso. E tem mais: se a Sra. Faulkner-
Stewart descobrir que você esteve aqui, eu corro o risco de ir para a lista negra do
hotel.
           Rachel curvou a cabeça, inconsciente da sensualidade que emanava de
seus cabelos desalinhados sobre os ombros.
           — Não acredito que você se importe com o que o hotel pense a seu
respeito — disse ela.
           — Está bem, vamos dizer que eu me preocupo com você.
— Mesmo? — Seus olhos procuraram os dele.
           — O bastante para não querer arruinar a sua vida — respondeu. — De
qualquer forma, obrigado pelo cumprimento.
           — Qual cumprimento? Ele sorriu, zombeteiro.
           — È bom para meu moral saber que uma linda garota não ficou
indiferente quando a beijei.
           — Oh, Jake!— Ela deu um passo em sua direção, mas ele sacudiu a
cabeça.
           — Vá dormir, Rachel. Você me agradecerá por isso um dia. Vá embora.
           Rachel não teve outro remédio senão sair. Quando chegou ao seu quarto,
sentiu-se inquieta; andava sem parar de um lado para o outro. Que desastre fora
aquele encontro! O breve prazer que sentira nos braços dele havia se desvanecido
logo após. É, embora ela reconhecesse que devia se sentir grata por Jake ter
preservado sua virgindade, não se sentia bem. Estava ainda possuída pelo desejo
que ele despertara em seu corpo, e quando fechava os olhos não conseguia ver
nada mais a não ser Jake. Ela teria se entregado se ele assim o quisesse.
           Rachel não estava consciente de quanto tempo esteve parada, sonhando,
até que Delia bateu à porta. Não sabendo do que se tratava, ligou rapidamente a
televisão e foi abrir, tentando parecer o mais sonolenta possível. Delia estava
furiosa.
           — Você não levou Menestrel para passear!
           — Menestrel?
           — Sim, Menestrel. — Delia olhou-a, desconfiada. — O que aconteceu com
você? — Deu uma olhada para dentro do quarto. — Você adormeceu ou o quê?
São dez e meia, e Menestrel não foi passear. Em conseqüência, tive de chamar a
arrumadeira para limpar o presente que ele deixou na suíte.
           — Sinto muito. — Rachel sacudiu a cabeça, desconsolada. — Não pensei
que fosse tão tarde. Eu devo ter dormido um pouco. Estava assistindo televisão.
           Felizmente Delia estava por demais aborrecida para perceber sua
hesitação.
           — Bem, acho que não é demais lembrá-la de que deve levar o cão para
seu exercício diário! Você não está sobrecarregada de trabalho, está?
— Não, desculpe, Delia. Não acontecerá de novo. — O que Rachel menos
queria no momento era discutir com Delia.
         —   É   bom que não aconteça mesmo!
         Sem ao menos dizer boa noite, ela se retirou, tremendo de indignação.
         Rachel respirou, aliviada. Conhecia Delia o suficiente para saber que ela
não soubera de nada.
         Não conseguia dormir bem, pois continuava excitada. De madrugada
soprou um vento quente e a temperatura do quarto se tornou insuportável, pois o
aquecimento estava ligado.
         Às oito horas estava vestida e pegou o poodle para o passeio matinal.
         A praia estava quase deserta. Rachel soltou o cão, que começou a correr
feito louco atrás de gaivotas e outros pássaros.
         De volta ao hotel, encontrou-se com Delia, que ia tomar café. Olhou para
as patas de Menestrel com reprovação.
         — Não o deixe solto por aqui. O serviço do hotel não parece muito
satisfeito quando tem que limpar sujeira de cães.
         — Já lhe disse que sinto muito que aconteceu ontem, Delia. Eu. . . Não
sei como perdi a noção do tempo.
         — Nem eu. Vai tomar café?
         Rachel entendeu o olhar de desaprovação em relação a suas roupas e
balançou a cabeça.
         — Vou limpar Menestrel e depois trocar de roupa. Satisfeita, Delia foi
para o restaurante.
         Rachel desceu quinze minutos depois, e encontrou-a já comendo ovos
mexidos com bacon. Delia preferia iniciar sua primeira refeição só, pois a de
Rachel era bastante frugal perto da dela.
         Rachel não podia deixar de pensar sobre o que estaria Jake fazendo
naquele momento. Desde que acordou tentava afastar esse pensamento. Mas,
agora que Delia estava calada, não conseguia evitá-lo. Relembrou o que ele tinha
falado, palavra por palavra, pensando na doença que ro trouxera para lá e na
atração que sentia por aquele homem que era, como ele mesmo tinha dito, muito
velho para ela.
Mordeu raivosamente uma torrada, irritada com a piscada que o coronel
lhe deu. Aborrecida por pensar que ele a estivera observando sem ela perceber,
comprimiu os lábios com força.
         — Qual é o problema? — perguntou Delia. — Só porque tive que
repreendê-la por causa de Menestrel, não é razão para você ficar mal-humorada.
         — Não estou mal-humorada. — Rachel segurou sua xícara de café e
quase    a    derramou    quando   avistou    as   duas   senhoras   da   noite   anterior
aproximando-se da mesa.
         Delia olhou-a com impaciência evidente, mas logo sorriu ao avistar as
duas mulheres.
         — Bom dia — disse ela, indicando o desconforto de Rachel com um gesto
condescendente. — Esses jovens de hoje! Estão sempre apressados quase que ela
derruba o café!
         As duas olharam para Rachel sem simpatia, e ela desejou poder
desaparecer dali. Então uma delas resolveu falar:
         — Teve um bom jogo ontem, Delia? Ouvi falar que você e o coronel
fizeram uma dupla incrível!
             Delia não escondia seu prazer.
         — Bem... Não exatamente — disse modestamente. — Mas nós nos
saímos bem.
         — Sei. - Os olhos da mulher brilhavam, cúmplices. — Que pena que sua
acompanhante não jogue cartas. Poderíamos fazer uma outra mesa com o Sr.
Allan.
         Rachel apertou as mãos, nervosa.
         — Não sabia que ele jogava cartas até que o coronel me disse — disse
Delia, despreocupada. — Mas ele parece um tanto reservado, não?
         As duas mulheres trocaram um olhar significativo e Rachel esperou pelo
pior. Mas, em vez disso, concordaram com Delia, desculparam-se e se retiraram.
         Rachel suspirou, aliviada, mas as palavras de Delia que se seguiram
foram pouco reconfortantes.
— Estou pensando em dar um pequeno jantar amanhã à noite. Poderia
convidar o coronel, e um ou dois outros hóspedes. Vou convidar também o Sr.
Allan. Espero que ele aceite o convite!
          O resto da manhã passou rápido, com Delia tentando convencer Cari
Yates a ceder-Ihe uma das salas de recepção do hotel. Estava excitada demais
para perceber a palidez de Rachel.
          Durante à tarde, Rachel foi dar um longo passeio sozinha. Teria levado
Menestrel de bom grado, mas Delia resolveu sair com o cão e dera permissão para
ela fazer o que quisesse. Talvez Delia tinha visto Jake saindo para passear, pensou
Rachel. Talvez tenha esperança de encontrá-lo enquanto passeia com Menestrel.
Todos esses pensamentos faziam-na sofrer. Tremia de frio ao voltar para o hotel.
          Entrou no saguão de cabeça baixa, com passos rápidos. De repente, uma
mão forte segurou-a pelo braço.
          — Rachel! — Aquela voz grave era lhe familiar. Encarou Jake, armando-
se inconscientemente contra a atração que ele exercia sobre ela. — Você está
bem?
          Rachel estava assustada por se sentir tão perturbada assim. Nunca em
sua vida um homem a fizera sofrer tanto; nunca ninguém lhe despertara tanto
desejo!
          — Rachel! — A sua demora para responder causou em Jake certa
impaciência. Deu uma olhada rápida pelo saguão, pois sabia que ninguém passava
despercebidamente pela portaria do hotel, e perguntou: -— Onde você esteve?
          — Passeando. Eu. . . Está frio, não? Minhas mãos estão geladas. . .
          — Rachel! — ele insistiu, não querendo mais perder tempo ali dentro. —
Meu Deus, não podemos ficar aqui parados! Venha, vamos conversar lá fora.
          Mas Rachel encontrou forças para desvencilhar-se de sua mão e
conseguiu se recompor.
          — Desculpe-me, Sr. Allan, mas tenho de subir.
          — Rachel! — O tom da voz dele quase a convenceu a parar, mas ela
estava determinada a não se humilhar mais, e muito menos ali, no saguão do
hotel.
À distância até o elevador pareceu-lhe interminável, mas logo estava a
salvo no pequeno cubículo. A última coisa que viu foi Jake parado onde ela o
deixara. Notou nele uma expressão curiosamente vulnerável, mas as lágrimas a
impediram de ver mais.
         Felizmente Delia estava tomando chá. Menestrel veio ao seu encontro,
parecendo querer animá-la com seus pulos e ganidos.
         Naquela noite, alegando que não se sentia bem, jantou em seu quarto e
mais tarde saiu com Menestrel.
         Quando voltou de seu passeio, Cari Yates foi falar com Rachel perto do
elevador. A admiração que ele sentia por ela era de cena forma um bálsamo para
seu orgulho ferido.
         — A Sra. Faulkner-Stewart já preparou tudo para amanhã à noite — disse
ele, curvando-se para afagar o animal. — Isso significa que você estará livre nesse
período, não?
         — Espero que sim —respondeu ela, cautelosa.
         Cari ergueu-se.
         — Pensei em convidá-la para sair, ir a algum lugar.
         — Bem, não costumo sair muito. . ,
         — Talvez fosse bom você sair, para quebrar a monotonia...
         — Preciso saber primeiro se a Sra. Faulkner-Stewart não vai precisar de
mim.
         — Então, me avise depois. — Ele se aproveitava de sua indecisão.—
Poderíamos ir a um clube que conheço, jantar e dançar. Rachel ia recusar, mas
algo a fez dar um sorriso. Em seguida, retirou-se.
         Na manhã seguinte, quando entrou na suíte para levar Menestrel para
seu passeio matinal, encontrou Delia já vestida; mas logo descobriu a razão de
seu alvoroço.
         — Sobre o jantar de hoje à noite — começou ela e Rachel preparou-se
para ouvir um monólogo. — Seremos oito ao todo. O coronel, claro, e o Sr. e a
Sra. Strange. Depois, a srta. Hardy.
         Rachel enfiou a mão nos bolsos, aflita ao ouvir o nome das duas senhoras
que a tinham visto com Jake.
— E finalmente eu e o Sr. Allan. Sim, ele aceitou o convite. Não é
fantástico? Espero fazer um torneio de bridge depois, já que somos oito.
          Rachel se virou, fingindo brincar com Menestrel. Como é que ele podia
fazer aquilo? E por quê?
          — Não vai me dizer nada? — Delia esperava por sua resposta. — Nem
parabéns?
          — Parabéns?
          Delia parecia irritada.
          — Sim, parabéns! Você sabe quanto o Sr. Allan se mostrou incomunicável
esse tempo todo! Não é incrível que ele tenha aceitado o convite para o meu
jantar?
          —- Ah, sim, claro. — Rachel lutava para se controlar. — Então. . . Não vai
precisar de mim esta noite?
          — Não, não — disse Delia. — Você pode fazer o que quiser, querida. Só
vou precisar de você antes, para arrumar o cabelo. Depois, está tudo certo.
          — Está bem. Agora, posso sair para levar Menestrel?
          Ela sabia que Delia queria conversar mais, mas não podia fingir
entusiasmo. Sentia-se ferida por Jake lhe mostrar as diferenças existentes entre
eles, não só de idade, mas também sociais. Era como ele havia dito: seus mundos
eram diferentes, e sem dúvida Delia o satisfaria mais do que ela.
          Ao descer, encontrou-se com Cari Yates e, num impulso, dirigiu-se a ele.
          — O convite ainda está de pé, Sr. Yates?
          — Cari — corrigiu-a. — Claro que está.
          — Então, aceito. A que horas podemos sair?
          — Sete? Sete e meia?
          Rachel lembrou-se do cabelo de Delia, que sempre demorava um pouco.
          — Sete e meia, está bem? Encontro-o aqui.
          — Estarei esperando.
          Rachel saiu, sentindo o frio da manhã em seu rosto e esperando que Cari
não pensasse que ela estava interessada nele. Nunca havia marcado encontros
assim antes, mas havia muitas coisas que ela nunca fizera antes de conhecer Jake
Allan.
CAPITULO IV


        Delia arrumou-se com cuidado especial naquela noite. Seu vestido leve
de seda cor-de-rosa esvoaçava quando ela se movia e as jóias à volta do pescoço
e nas mãos demonstravam uma riqueza raramente vista no Tor Court. No entanto,
o modo ostensivo como Delia as exibia a tornava vulgar e exagerada. O cabelo
estava impecável, e os dedos de Rachel doíam quando terminou de enrolá-lo e
penteá-lo.
        — Você está ficando cada vez melhor — cumprimentou-a Delia,
admirando-se no espelho.
        Rachel guardou as escovas e pentes.
        — Isso é tudo?
        — O que você pretende fazer esta noite? — Delia parecia curiosa. —- Vai
jantar sozinha no restaurante ou vai comer em seu quarto?
        — Nenhum dos dois. Vou jantar fora com o Sr... Com Cari Yates. —
Esperava que Delia a repreendesse, mas não o fez.
        — Fico feliz por isso, querida. Não gosto de vê-la solitária. Rachel pensou
que Delia jamais se preocupara com suas noites, quando ficava completamente
só, assistindo televisão, mas parecia que o entusiasmo por Jake Allan lhe havia
subido à cabeça. Agora, o que ela mais queria era ir para seu quarto e tomar um
chuveiro rápido, recusando-se a admitir para si mesma que não estava com von-
tade de sair com Cari Yates.
        Raramente usava calça comprida à noite, mas escolheu uma de veludo
preto, que combinava com uma blusa branca de mangas bufantes e um colete
também de veludo. Olhando-se no espelho, ficou satisfeita com o resultado.
        Cari não escondeu seu entusiasmo quando a viu sair do elevador.
        Isso a reconfortou um pouco, pois se sentia triste por não ter encontrado
Jake quando fora se despedir de Delia, que já tomava um aperitivo com alguns de
seus convidados para o jantar.
O clube onde Cari a levou era bastante simpático: um antigo porão
reformado, com música ao vivo, e muita gente jovem dançando. Rachel, que no
começo se mostrou tímida, logo depois estava dançando e se divertindo.
           Jantaram frutos do mar e salada e Cari apresentou-a a diversos amigos.
Rachel dançou bastante e seu sucesso fez com que conseguisse afastar da mente
as imagens de Jake conversando com Delia, segurando sua mão, tocando seus
lábios. . .
           — Não devo chegar muito tarde — disse ela. Já eram quase dez e meia, e
ela começou a se preocupar. — Delia combinou com um dos porteiros para deixar
Menestrel passear um pouco, mas preciso ver se ele não se meteu em confusão.
           — Ele quem? O porteiro ou o cachorro?
           — Menestrel, claro. — Rachel riu.
           — Você não se cansa de ficar atrás desse cão e de sua dona?
           — Ela tem sido muito boa comigo.
           — Mesmo assim. São sete dias de trabalho por semana, e você não tem
muita folga, não é?
           — Não me importo. — A voz dela era firme e Cari resolveu não insistir no
assunto.
           Apesar das boas intenções de Rachel, acabaram voltando ao hotel às
onze e meia, pois alguns amigos de Cari chegaram à última hora, insistindo para
que tomassem mais outro drinque. Rachel se contentara com suco de frutas, pois
já bebera dois martinis.
           Despediu-se de Cari no saguão, bastante aliviada quando o porteiro da
noite o interpelou com um recado, o que fez com que as despedidas não se
alongassem, como ela temia.
           Todos os seus pensamentos negativos voltaram quando se viu sozinha no
elevador. Afinal, o que ela quisera provar, e para quem? Por que se importava
com um homem que a tratava como uma criancinha? Quando a porta se abriu e
ela se dirigiu para seu quarto, pensou em ver se Menestrel estava bem, mas
depois achou melhor não ir. Delia sem dúvida estaria na cama àquela hora, e não
queria perturbá-la. Se algo de errado tivesse acontecido, ela com certeza saberia
logo pela manhã.
Passou pela porta de Delia e entrou no seu próprio quarto, mas antes que
sua mão alcançasse o interruptor a luz se acendeu, e ela conteve um grito de
susto. Avistou Jake sentado em sua cama, aparentemente esperando por ela.
          Aproveitando o momento de surpresa, ele se ergueu com rapidez e
fechou a porta às suas costas.
          — Você saiu com Cari Yates — disse ele calmamente. – Onde foram?
          Rachel se recompôs, apesar do nervosismo.
          — E você? Gostou do jantar?
          — Eu lhe fiz uma pergunta primeiro — retrucou ele com certa frieza. —
Por que você saiu com Cari Yates? A outra noite você não sabia o que fazer para
se livrar dele!
          Rachel distanciou-se dele.
          —- Não tenho que lhe dar satisfações — respondeu, arrogante. — E não
sei como você entrou no meu. . .
          — Com uma chave!
          — Mas gostaria que fosse embora.
          — Gostaria mesmo? — Ele se aproximou dela. — Por quê? Porque você
quer tempo para se deitar e        sonhar com   seu   namorado?
          — O que você quer dizer com isso? — indagou Rachel, tentando
desesperadamente disfarçar a emoção que sentia. — Foi você. . . Foi você quem
ditou as regras!
          — Regras? Que regras? — Seus punhos se fecharam. — Não brinque
comigo, Rachel!
          — Não estou brincando — protestou. — Eu. . .   Você preferiu ir ao jantar
de Delia. . .
          — Ao jantar de Delia! Mas é lógico! E você sabe que eu aceitei o convite
somente para me encontrar com você!
          — O quê? — Rachel olhou-o sem conseguir acreditar. — Mas eu não jogo
cartas.
          — E como eu podia adivinhar que íamos jogar, se eu fui convidado para
jantar? Claro que eu esperava vê-la!
— Jake. . . — Suas pernas fraquejaram e ela se sentou na cama. —
Pensei que você tivesse feito de propósito.
           — Feito o quê? — perguntou com olhar firme e ela se sentiu
amedrontada.
           — Ir à festa de Delia, claro. Ela disse que você aceitara o convite, e
eu. . . Eu...
           — Foi por isso que saiu com Cari Yates? — Jake segurou a maçaneta da
porta. —- Está bem, eu só queria saber.
           — Mas por quê? — Rachel se levantou. — É por isso que veio aqui? Para
saber por que saí com Cari Yates?
           — É. Você pode chamar isso do que quiser: orgulho, curiosidade ou
ciúme.
           — Jake! — Ela não conseguia se conter mais, — Não se vá! Por favor. . .
           — Eu tenho de ir. Não posso ficar aqui a noite toda.
           — Você. . .   Poderia. — Ela respirava com dificuldade. Jake sacudiu a
cabeça.
           — Não, Rachel. Sabemos que não dá! Além disso, não posso me permitir
nenhum estímulo sexual.
           — Oh, Jake! — Antes que ele pudesse abrir a porta, ela se atirou em seus
braços, encostando o rosto no peito másculo. Seu cheiro quente e masculino era-
lhe estranhamente familiar. A idéia de que Jake pudesse sair era dolorosa, e ela
não podia deixá-lo ir sem lhe confessar quanto se importava com ele.
           — Rachel! —As mãos fortes de Jake tocaram-lhe os ombros e depois o
pescoço. — Rachel, você não sabe o que está fazendo — disse ele, enquanto ela o
abraçava mais forte e começava a sentir os efeitos que aquele contato lhe
causava.
           — Não se vá — pediu-lhe, erguendo o rosto para ele.
           Jake não foi capaz de resistir à tentação daqueles lábios entreabertos e
beijou-a sofregamente.
           Desta vez ela estava pronta para o que pudesse acontecer. Achegou-se
mais a ele, sentindo a rigidez de suas coxas e um prazer até então desconhecido.
Toda a dor que sentira agora explodia em sensualidade.
Por fim Jake encostou o rosto no seu, e ela percebeu que ele transpirava
muito.
         — Jake! Você está. . .
         — Estou bem —- assegurou-lhe. — Estou exercitando o controle, só isso.
         — Jake...
         — Rachel, escute-me. Isto não pode continuar.
         — Por quê? — Ela afastou o rosto para fitá-lo e disse: — Eu. . . Posso
esperar até que você melhore.
         — Rachel! Você age em mim como anfetamina. Mas como anfetamina,
você poderia se tornar um hábito.
         — Eu... Acho que não entendo.
         — Rachel, do jeito que me sinto agora, eu poderia fazer qualquer coisa!
Você me dá forças e confiança. Você me faz sentir um homem novamente.
         —- Então isto é bom, não é?
         — Sim, é bom, no começo. Mas em longo prazo, é ruim!
         — Mas por quê?
         — Rachel, você tem dezoito anos! Está bem, admito, eu quero você,
quero fazer amor com você, dormir com você e acordar de manhã e tê-la ao meu
lado. Mas isso não é possível!
         — Por quê?
         Com um suspiro forte ele se virou, passando os dedos aflitos pelo cabelo.
         — Rachel, você não sabe nada sobre meu passado, minha vida!
         — Não me importa o seu passado — disse ela, sacudindo a cabeça. -— O
que importa é aqui e agora.
         — Então é isso o que você acha? Realmente? Você é tão experiente assim
que uma noite comigo não significaria nada para você?
         — Não! — O rosto de Rachel pegava fogo. — Não é isso, e você sabe que
não é.
         — Então o que é?
         — Eu... Eu amo você, Jake. Perturbado e nervoso, respondeu:
— Você não me ama, Rachel!        Você pensa que ama.      Se você visse
honestamente as coisas, admitiria que só tem pena de mim. Você se comporta
como uma mulher caridosa, confortando os aflitos!
         — Não é verdade!
         — Qual é a verdade, então? Você quer que eu aceite o que está me
oferecendo? Pois é assim que me parece!
         — Oh, Jake! — Seus olhos se encheram de lágrimas. Foi então até a
janela, mal divisando o estacionamento do hotel.     — Isso nunca me aconteceu
antes. Não agüento quando você fica bravo comigo.
         —   Bravo   com   você!   Meu   Deus!   — Jake   pegou-a   selvagemente,
apertando-a e mergulhando o rosto em sua nuca. — Rachel, sou um homem de
quarenta anos, que já foi casado e agora é divorciado. Eu presidia uma cadeia
internacional de hotéis, da qual este hotel faz parte, e tinha uma vida bastante
agitada até que a estafa sobreveio. Quando eu estiver bom, vou voltar a levar o
mesmo tipo de vida de antes.
         — Não me importo com o tipo de vida que você levou até agora, nem
com as mulheres que já teve. A não ser que... — sua voz quase lhe faltou — há
alguém mais?
         — Não! Mas não sou um garoto, Rachel. Abraçá-la e beijá-la somente não
me satisfaz, entende? Aceito que haja algo entre nós, mas por quanto tempo você
acha que uma relação como a nossa poderia durar, sujeita a problemas de idade e
saúde?
         Os lábios de Rachel se entreabriram. — Por que não tentamos para ver? -
— Não posso fazer isso!
         — Por que não? Jake farei o que você quiser!
         — Não! — Ele se desvencilhou dela, arrumando de novo os cabelos.
         Ela não sabia o que dizer, mas estava certa de que o amava
desesperadamente. Afinal ele se virou, olhando-a sério.
         — Está bem, pensei numa maneira de tentarmos. Quer saber? — Ele
enfiou as mãos nos bolsos diante de seu consentimento. — Poderíamos viver
juntos por algum tempo, quero dizer, poderíamos nos casar.
         Ela ia correr em sua direção quando ele fez um gesto para detê-la.
— Espere! Seria um teste.
         — Um teste?
         — Sim, um teste. Veja, eu tenho de ir embora daqui a duas semanas
para passar o Natal com meus pais e, para você ir comigo, teríamos de nos casar.
Mas isto não quer dizer que estejamos prontos para consumar o casamento,
entende?
         —- Mas, Jake. . .
         —- Esta é a proposta. Aceita ou não?
         — Jake, você quer dizer que. . . Que. . .
         — Quero dizer que devemos nos conhecer um ao outro primeiro, Rachel.
E, se não der certo, podemos anulá-lo. Assim você não ficará muito envolvida.
         — Eu sei o que sinto. . . — insistiu Rachel.
         — Você pensa que sabe. Lembre-se de que já fui casado, e conheço os
buracos do caminho. Só não quero que você se machuque, é isso.
         — Mas o que seus pais vão pensar?
         — Eles não vão saber. Na verdade, eles vão adorar saber que encontrei
alguém. Eles nunca gostaram de Denise.
         Um frio percorreu a espinha de Rachel. Esse é o nome de sua ex-mulher?
         — Sim.
         — Por que vocês se separaram?
         — Foi um acordo mútuo. — Fez uma pausa. — Denise queria se casar de
novo, com um príncipe italiano, na verdade muito mais velho que ela. — Ele
torceu os lábios e Rachel adivinhou seu pensamento. — Como você. Só que eu não
sou príncipe!
         — Jake! — Ela o puxou para si, cobrindo seus lábios de beijos. — Jake, eu
me casarei com você, seja qual for à base. Mas você realmente acredita que vai
conseguir me evitar?
         A respiração dele acelerou quando ela desabotoou sua camisa e acariciou
seu peito. Rachel sentia um prazer imenso ao se encontrar numa situação tão
íntima assim com ele, e Jake não estava imune aos desejos que ela lhe
despertara.
— Rachel! — Ele se afastou, segurando seu rosto com as mãos. — Temos
que parar — insistiu gentilmente. — E agora devo ir. Amanhã teremos de
enfrentar a Sra. Faulkner-Stewart e não quero estar de consciência pesada,
concorda?
         — Então é mesmo verdade? — murmurou ela sem querer, verbalizando o
pensamento.
         — Claro! Ou você desistiu? — Uma sombra passou por seu rosto.
         — Não! — Ela mordeu o lábio nervosamente. — Mas eu pensei que
Delia. ... Quero dizer, se ela ficar zangada, você não. . .   Não vai mudar de idéia,
não é?
         Jake passou os dedos em seus lábios entreabertos.
         — Só se você quiser.
         Sua voz era doce e reconfortante, e Rachel tremia ao pensar no
compromisso que estava assumindo. Ela o amava, por nenhum momento duvidara
disso; mas começou a pensar se isso era o bastante.
         Antes de sair, Jake disse:
         — Tomaremos cafés juntos amanhã.
         — Bem. . .   Sempre tomo café com Delia.
         — Ótimo, junto-me a vocês amanhã, então.
         — Quase não consigo acreditar! —- Rachel ergueu os ombros, como se
quisesse afastar maus pensamentos.
         — E você quer acreditar?
         — Você sabe que sim — respondeu, firme, e observou-o abrir a porta e
sair, erguendo-se para acompanhá-lo com os olhos até o elevador. Mas quando
chegou à porta, Rachel deu um passo atrás, apavorado, pois avistou Delia saindo
do elevador.
         Rachel não esperou para ver o que acontecia. Fechou a porta e colou-se à
parede, com as mãos tapando a boca para não soltar qualquer gemido. Ele ainda
estava no elevador quando Delia entrou intempestivamente no quarto.
         — Sua vagabunda! — exclamou e esbofeteou Rachel.
         Rachel caiu, olhando para Delia como se nunca a tivesse visto a mão
sobre o rosto.
— Eu... Delia...
          As palavras não saíam, e Delia bateu a porta do quarto, pouco se
importando com os demais hóspedes do mesmo andar que deviam estar
dormindo.
          — Sua vaquinha! — continuou ela, furiosa. — Fingindo que estava saindo
com Cari Yates, quando na verdade planejara encontrar-se com Allan aqui em seu
quarto!
          — Não é verdade. — Mas Delia estava por demais inflamada para ouvir
explicações de qualquer espécie.
          — Você vai embora hoje! Pode arrumar a bagagem. Você é uma menina
egoísta e ingrata, e eu me recuso a mantê-la aqui por mais tempo!
          — Você não compreende! — Rachel protestou, desesperada. — Eu. . .
Jake. . . Nós vamos nos casar!
          — O quê!
          Dizer que Delia ficou chocada seria pouco. Seu rosto mudou de cor e por
um    momento        Rachel   pensou    que    ela   fosse   desmaiar.    Empalideceu
assustadoramente,      sentando-se     sobre   a   cama.   Rachel   olhava-a,   ansiosa,
erguendo-se sobre os joelhos e observando suas feições desfiguradas.
          — Você está bem? Delia olhou-a, incrédula.
          — Eu ouvi bem? Você vai se casar com... Allan?
          — Sim.
          — Mas como? Quando? Você nem o conhece!
          —- Eu o conheço bem. — A voz de Rachel era firme. — Ele... Pediu-me
esta noite.
          — Mas como? Como, se ele estava jogando cartas conosco há uma hora,
uma hora e meia!
          Rachel procurava as melhores palavras para explicar a situação a Delia, o
rosto ainda ardendo de dor.
          — Nós nos conhecemos há duas semanas. . . E desde o começo ficamos
atraídos um pelo outro.
— Mas isso é ridículo! — Delia começava a se recompor e a passividade
de Rachel a enfurecia ainda mais. — Ele deve ser pelo menos vinte e cinco anos
mais velho que você!
        — Vinte e dois, para ser exata — corrigiu Rachel calmamente.
        — Que seja! Vinte e dois anos! É mais do que o suficiente para ser seu
pai!
        -— A idade não interessa. — Rachel levantou-se. — Nós nos amamos.
        Mas quando disse essas palavras, começou a pensar se era realmente
verdade. Ela havia dito que amava Jake, mas ele só dissera que a queria! Mas ele
devia amá-la! Ninguém se casa se não está apaixonado!
        Vendo a hesitação momentânea de Rachel, Delia também se ergueu.
        — Amor! O que é o amor, senão uma satisfação dos sentidos?
        Por quanto tempo você acha que ele vai ficar com você? Até se cansar de
seu corpo? Rachel ficou tensa.
        — Não preciso de seus conselhos, Delia. Tenho idade bastante para tomar
minhas próprias decisões.
        — Tem? Tem mesmo? Deus, você é uma boba, Rachel! Entregando-se a
um homem que já viveu mais que o dobro de você!
        — Eu sei que ele já foi casado, se é isso o que você quer dizer — replicou
Rachel friamente.
        — Ele está acabado, Rachel. Teve estafa! Sabe o que isso significa para
um homem da idade dele? Quem vai querer empregá-lo? — Sua voz soava
dramática.
        — Empregá-lo? — Rachel quase riu de alívio. — Ele não precisa de
ninguém para empregá-lo, Delia. Ele emprega gente. Ele é o dono deste hotel!
        Os olhos de Delia se estreitaram.
        — Ele é o proprietário deste hotel? — perguntou, incrédula. — Mas. . .
Rachel, você sabe quem é o proprietário deste hotel?
        — Já lhe disse, é Jake.
        — Mas você não sabe quem é Jake, sabe? Mas é claro que não. O quot;Allanquot;
quase me confundiu. Rachel, o homem com quem você planeja se casar não é
Jake Allan, é Jake Courtenay!
— Bem... — Rachel não entendia o que ela queria lhe dizer, mas sentiu-
se magoada por Jake não ter dito isso. — E daí?
        Delia abriu os braços.
        — Minha querida, você não pode se casar com Jake Courtenay!
        — Por que não?
        — Por que não? Eu não deixaria que isso acontecesse!
        —: Você não pode.
        — Rachel, seja razoável! Esse homem é multimilionário! Ele vai consumir
você! Já se imaginou em seu círculo? O tipo de gente com quem você teria de
conviver?
        O rosto de Rachel contraiu-se.
        — Não me interessa o que você diz, Delia.   Vou me casar com ele.
        — Mas você é muito jovem, Rachel.
        — Estou crescendo a cada minuto.
        — Ele também!       — exclamou Delia, impaciente.   — Por Deus. Pense!
Pode parecer uma boa coisa agora, mas o que acontecerá quando você tiver
quarenta e ele sessenta?
        —- Espero que ele ainda me ame — afirmou Rachel.
        — Você é muito boba! O que você sabe dele, afinal? Alguns encontros
clandestinos não significam nada! Ou será que ele vai querer continuar enganando
você?
        — Não é verdade! — gritou Rachel, não querendo estragar tudo o que
sentira de maravilhoso minutos antes. — Nós. . . Íamos falar com você amanhã,
durante o café.
        — Mesmo? Será que ele disse que iria pedir a minha permissão?
        — Não precisamos de sua permissão — insistiu Rachel, determinada. —
Por favor, Delia, você não tem nada para dizer a favor?
        —- Não. Já lhe disse o que penso. Só Deus sabe por que ele a deseja,
mas parece que ele vai mesmo conversar comigo amanhã. Você é bastante
atraente, embora ele já deva ter encontrado várias garotas mais atraentes que
você. Você é jovem, e ele deve pensar que vai ser fácil livrar-se de você quando
se cansar.
— Por favor, vá embora.
         Aquilo fora demais para Rachel. Uma coisa era falar sobre a diferença de
idade, outra era Delia se intrometer no relacionamento deles. Isso era por demais
íntimo para Delia interferir.
         — Você se arrependerá disso.
         Delia por fim resolveu se retirar, percebendo que tinha ido longe demais
com suas observações. O rosto pálido de Rachel era um reflexo de sua
insegurança.
         Rachel ficou só, com seus pensamentos. Realmente Delia conseguira
anuviar-lhe a alegria com sua maldade.


                                               CAPITULO V


         O carro de Jake era belíssimo, mas depois das revelações de Delia,
Rachel não ficou surpresa. De qualquer forma, o fato só serviu para enfatizar
ainda mais as diferenças entre ela e Jake. O carro esporte trepidava um pouco,
apesar da experiência que ele demonstrava ter ao volante.
         O dia não começara nada bem, e ela não podia fingir que se sentia
confortável. Não dormira bem, e pela manhã levara Menestrel para passear.
         Voltando ao hotel, encontrou Delia já vestida, esperando-a para o café, e
desceram para o restaurante. Delia semeara a incerteza em seu coração e Rachel,
covarde, quase quis ficar no quarto. Mas por fim decidiu descer, pois não estava
disposta a desistir de nada.
         O restaurante estava quase vazio, e não havia sinal de Jake. Por um
momento Rachel pensou se não sonhara na noite anterior, mas cinco minutos
depois ele apareceu, esguio e atraente em seu casaco de couro e malha de cor
contrastante. Era sua imaginação ou ele parecia mais jovem aquela manhã? Ou
Delia   tinha   envenenado      seus   pensamentos?   De   qualquer   modo,   achou
inacreditável que um homem tão charmoso e sofisticado visse algo de interessante
em uma figura insignificante como ela, e quando ele se deteve ao lado da mesa
Rachel se sentiu apavorada.
Delia, apesar de toda a raiva que demonstrara na noite anterior, deu-lhe
bom-dia e aceitou que ele se juntasse a elas como se isso acontecesse toda a
manhã.
         — Rachel me disse que o senhor e ela. . . Têm planos, Sr. Allan. Ou devo
dizer Sr. Courtenay?
         Os olhos de Jake brilharam. Rachel estava de cabeça curvada, mas podia
sentir a impaciência dele.
         — Acho que seria demais querer que a senhora não tivesse me
identificado, Sra. Faulkner-Stewart. Sim, Rachel e eu temos planos. Pretendemos
nos casar, não é, Rachel?
         — Eu. . . Sim, é — concordou, aflita, mordendo o lábio inferior.
         — O senhor pode me dizer se esse. . . Casamento vai ser oficializado? E
quando será? Quero dizer, preciso de alguém para substituir Rachel, não é?
         Rachel engoliu em seco. Na noite anterior Delia quisera mandá-la
embora, e agora se comportava como se sua presença fosse imprescindível! Jake,
entretanto, não se perturbou.
         — Vou levar Rachei para conhecer meus pais hoje. Vamos nos casar em
mais ou menos duas semanas.
         — Duas semanas! — Agora Delia parecia chocada. — O senhor não
pretende. . .
         Na verdade, a própria Rachel se assustara com a notícia. Será que ele
realmente pretendia transformá-la em sua mulher em apenas duas semanas?
         — Não vejo por que esperar, Sra. Faulkner-Stewart — continuou Jake,
implacável. — Já tomamos a decisão, e depois do Natal não terei tempo suficiente
para dar a Rachel à atenção que ela merece. Além disso, nós não queremos
esperar, não é? — disse ele e Rachel sentiu um arrepio ao ver seus dedos morenos
apertando os dela.
         Rachel sacudiu a cabeça, mas sua expressão não era encorajadora,
parecendo uma mistura de embaraço e incerteza. Os lábios de Delia se
estreitaram.
         — Bem, parece-me que os dois estão agindo precipitadamente. Quase
não se conhecem, e como me sinto responsável por Rachel, devo dizer. . .
— Rachel tem dezoito anos — lembrou-a Jake friamente e Rachel
resolveu dar-lhe força.
         — Vou me casar com Ja... Com o sr. Courtenay — corrigiu-se, firme. —
Já lhe disse ontem à noite, Delia.
         Depois disso, não havia muito a ser dito. Quando terminou o café, Jake
sugeriu a Rachel para colocar um casaco a fim de irem até a casa dos pais dele.
         Quando ela desceu, Jake estava só no saguão e explicou-lhe que Delia
ainda estava no restaurante, provavelmente contando as novidades.
         Ele não lhe dera mais nenhuma explicação sobre para onde estavam
indo, e Rachel se sentia como uma adolescente em seu primeiro encontro. Como
se estivesse percebendo o curso perturbado de seus pensamentos, ele desviou os
olhos da estrada e encarou-a.
         — Meus pais moram em Somerset, num lugar chamado Hardy Lonsdale.
Acho que você não conhece.
         — Não — respondeu Rachel. — Eles. . . Estão nos esperando?
         — Sim.   Telefonei para eles hoje cedo.   Estão ansiosos para conhecê-la.
         Rachel olhou para a calça verde que usava. Seria adequada? Talvez
devesse ter colocado algo mais formal, já que ia se encontrar com os pais dele. A
roupa de Jake não era exatamente formal, mas ele parecia tão bem em qualquer
roupa, enquanto ela. . .
         —- Rachel! — O tom impaciente sobressaltou-a. — Qual é o problema?
         — Nenhum. Por que haveria algum problema?
         — Não sei, mas há!
         Com uma violenta virada na direção ele saiu da estrada e parou o carro.
Inclinou-se então para ela e disse:
         — Vamos, diga. Quero saber. É alguma coisa que Delia lhe disse? Ou foi o
fato de eu não haver dito meu verdadeiro nome?
         — Bem, Delia acha que somos loucos, claro. Mas o mesmo acontecerá
com seus pais, e com todas as pessoas.
         — É o que você acha?
         — Você não concorda comigo?
         Ele estudou as feições perturbadas de Rachel.
— Você mudou de idéia. Eu devia esperar por isso. Rachel fitou-o,
desamparada. Ele não podia pensar assim!
        — Eu não mudei de idéia.
        Ela umedeceu os lábios provocando-o inocentemente com esse gesto.
Jake segurou-a nos braços com um gemido e beijou-a. Suspirou e passou a mão
carinhosamente petas suas costas.
        — Rachel, não faça isso comigo, eu não agüento! — pediu-lhe. Ela se
sentia fraca e insatisfeita quando ele a largou, olhando-a de soslaio como se
esperasse uma resposta.
        — Delia. . .   Delia me fez achar tudo uma loucura — confessou ela,
correndo seus dedos ansiosos pelas coxas rígidas dele.
        Com um sorriso irônico, Jake as tirou e colocou-as sobre o colo dela.
        — Claro, ela não agiria de outra maneira. Mas as palavras dela
significaram tanto assim para você?
        — Não! — respondeu Rachel, sentando-se sobre as pernas cruzadas. —
Mas o que ela disse. O modo como colocou as coisas, eu me senti como um
brinquedo, como algo divertido para ser usado e depois jogado fora. Ela falou
também da idade, mas isso não me importa, e de você ser quem é. Você é mesmo
milionário? Por um momento o rosto de Jake se contraiu.
        — Isso importa?
        — É tudo tão novo para mim! Não consigo assimilar tudo assim rápido.
Quero dizer, como vou conviver com o seu meio? Nunca tive dinheiro. Seria tão
mais simples se você fosse simplesmente Jake Allan!
        — Seria? Fico pensando em quantas garotas concordariam com você.
        — Jake, você não acha que eu. . .
        — Não, não acho. Se achasse, estaríamos aqui agora? Você não precisa
se preocupar com as pessoas que vai conhecer! De qualquer forma, isso ajuda
você compreender melhor o que eu quis explicar ontem. Não podemos dar o passo
maior que a perna. Precisamos de tempo para nos adaptar.
        Rachel deu um sorriso provocante.
        — E se eu não conseguir satisfazer você? — perguntou.
— Vamos dar o passo do tamanho certo, está bem? Você não é tão
inocente assim.
           — Mas eu não quero esperar, Jake — afirmou ela e sentiu seu rosto
mudar de cor.
           Ele não disse mais uma palavra e pôs o carro em movimento.
           Hardy Lonsdale era uma vila agradável, longe dos turistas e, portanto,
praticamente a mesma de séculos atrás. Chalés “pintados de branco rodeavam a
vila, e mesmo naquela manhã fria de outono pareceu bastante agradável a
Rachel”.
           Jake indicou um lugar para Rachel.
           — Você quer tomar alguma coisa antes de irmos até lá?
           — Pensei que você não pudesse beber.
           — Eu disse você e não eu — corrigiu-a. — Não, Rachel, não preciso de
bebida. Eu sei o que estou fazendo.
           Rachel desejou que ele parasse o carro e a tomasse nos braços
novamente, pois só assim se sentiria realmente segura. Não acreditava que um
homem como aquele a quisesse como mulher.
           — É muito longe?
           — Dois quilômetros, mais ou menos. Meu pai comprou um convento
antigo quando se aposentou e adaptou-o para morar nele.
           — Um convento? De verdade?
           — Tem uns duzentos anos. Ele funcionou como estábulo e até colégio
particular de filhos de famílias ricas!
           Deixaram a vila para trás e logo desviaram da estrada por um pequeno
caminho que os levou aos portões de ferro da casa. Rachel estava nervosa e não
conseguia disfarçar.
           — Você já viu meu pai — disse ele, procurando reconfortá-la. — No hotel.
Lembra-se?
           — Então você me notou!
           — Notei, Veja, chegamos!
           As linhas do antigo convento eram severas e seu pórtico era imponente.
Ele estacionou o carro ao lado de um outro, que ela vira naquele dia no
estacionamento. Ficou feliz quando ele a ajudou a descer e examinou mais uma
vez sua calça verde, para ver se ao menos não estava muito amassado após uma
viagem de duas horas.
        Pensou que seus pais viessem recebê-lo, mas ninguém apareceu. Jake
abriu então a pesada porta trabalhada que dava para um enorme vestíbulo. O
chão era forrado com tábuas e tapetes grossos e coloridos. Jake atravessou o
vestíbulo e subiu a escada que os levou ao andar de cima.
        — As salas ficam lá em cima — explicou ele, e logo se deteve ao avistar
uma senhora.
        — Bom dia — ela cumprimentou-os polidamente.
        — Bom dia, Dora. — O sorriso de Jake era relutante. — Minha mãe está
na sala de estar?
        — Não, não está — retrucou friamente. —- Ela e seu pai estão lá fora.
Eles não o esperavam tão cedo. A égua do Sr. Courtenay está dando à luz.
        — Está bem. — Ele desceu novamente as escadas e Rachel o seguiu. —
Esta é minha velha babá, Dora Pendlebury. Ela e sua filha moram aqui; Dora cuida
da casa e Sheila, sua filha, trabalha como secretária de meu pai. Dora, esta é
Rachel Lesley, minha noiva.
        Ao ser chamada assim Rachel sentiu um calafrio na espinha. Olhou para
Jake e notou que ele também se perturbara. Por um momento trocaram um olhar
de intimidade. Mas quando ela se virou para cumprimentar Dora, notou
imediatamente sua hostilidade. Um estremecimento percorreu-lhe o corpo, e
aceitou os parabéns acenando com a cabeça, embora percebesse instintivamente
que Dora não gostara dela. Pensava nisso enquanto Jake a conduzia até seus pais.
Seguiram por um pequeno caminho que os levava aos estábulos e que passava
por várias estufas onde se plantavam legumes e hortaliças. A frente do estábulo
era pavimentada, e Jake explicou que antes ele já fora à padaria do convento.
        — Os fornos ainda estão lá. São do século XVIII, mas hoje são usados
para guardar a ração dos animais.
Rachel sabia que ele tentava reconfortá-la com suas palavras, mas estava
tensa quando entrou no estábulo cheirando a palha e desinfetante. Se Dora
parecera não gostar dela, o que dizer dos pais de Jake?
         Sua mãe virou-se quando ouviu os passos, e sua exclamação foi de
alegria ao avistar o filho.
         -— Jake, querido! — disse ela e aproximou-se de braços abertos. —
Chegou cedo! Dora lhe disse onde estávamos?
         Enquanto Jake abraçava a mãe, Rachel ficou atrás, admirando em silêncio
a aparência dela. Mesmo naquele lugar simples, a Sra. Courtenay parecia bastante
elegante. Rachel adivinhou que ela devia estar beirando os sessentas, mas era
muita bem conservada.
         — Você deve ser Rachel. — O pai de Jake havia se aproximado sem que
ela notasse.
         — Desculpe-me — disse ela, envergonhada. — Sim, sou Rachel.
         O Sr. Courtenay sorriu. Ele era bastante parecido com Jake, embora seus
cabelos já fossem prateados como os da mulher.
         —- Já a vi antes, não é? Você não era a moça com quem nos
encontramos quando fui visitar Jake?
         — Exato.— Rachel pegou a mão que ele lhe estendeu para cumprimentá-
la, mas ele a puxou e deu-lhe um breve beijo no rosto.
         — Uma vez que vamos ser parentes... — o comentou, enquanto Jake e a
mãe se aproximavam. — Rachel e eu já nos encontramos.
         — É verdade. — O olhar de Jake sobre Rachei era possessivo. — Mamãe,
esta é Rachel. Espero que vocês duas se tornem amigas.
         Jake queria adverti-la? Rachel não teve tempo para especular sobre isso,
pois logo a Sra. Courtenay lhe deu um beijo, antes de examiná-la atentamente.
         — Então você é Rachel! Muito prazer em conhecê-la!
         Rachel procurava as palavras e o máximo que conseguiu dizer foi;
         — Obrigada. — Olhou então para Jake, implorando ajuda.
         — Rachel deve estar gelada. Não paramos nenhuma vez na estrada!
         — Como? — perguntou a Sra. Courtenay. — Jake, você sabe que os
médicos disseram para você não se cansar.
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  • 1. Rachel tinha apenas dezoito anos de idade e uma certeza muito grande: ela amava Jake Courtenay. Pouco lhe importava que ele fosse vinte e dois anos mais velhos, que carregasse nas costas um casamento fracassado e que sua saúde estivesse abalada por uma estafa. Ela o queria e aceitou casar-se com ele em duas semanas. Orgulhosa da paixão e da atração física que sentia por seu marido. Rachel ofereceu-lhe seu corpo, pediu a Jake que a amasse. Mas ele disse que não, que eles tinham que esperar. O que significava aquilo? Então era verdade que Jake havia casado com ela só para fazer ciúmes a primeira mulher? CAPITULO I Jake Courtenay se deteve nas compridas janelas da suíte do primeiro andar do Hotel Tor Court, contemplando o porto. Durante o verão, o cais vivia uma intensa atividade, com pequenos pesqueiros, lanchas e veleiros, todos disputando espaço no porto lotado. Em novembro, porém, a maioria dos veleiros estava coberta por lonas, e embora alguns iatistas persistentes enfrentassem os ventos de outono, a maior parte dos proprietários já tinha se retirado. O rosto de Jake se contraiu. O cais de Tor em novembro não era nem um pouco divertido e, se a escolha fosse sua jamais teria ido para aquele hotel. Claro que poderia ter ficado no Boscombe Court em Bournemouth, ou no Helford Court em Falmouth, e até mesmo no Fistral Court em Newquay, mas todos pareciam iguais nessa época do ano. Em Nova York se hospedava no Parkway Court; em
  • 2. Paris no Boulevard Court; e, se tivesse de descansar a beira-mar, seria então no Court Mediterranée em Cannes ou no Court Itália em Juan ies Pins. Mas a escolha não havia sido sua. O conselho do especialista fora mais que eloqüente. Na verdade, suas palavras haviam soado mais como um dogma que como uma opinião: descanso completo por pelo menos seis meses; nada de trabalho, viagens, negócios, reuniões sociais, álcool, etc. Maxwell Francis era um amigo, claro, bem como um médico de sucesso entre os ricos e famosos. Ele estava acostumado a lidar com poderosos homens de negócios, homens de vida agitada que alimentavam suas úlceras com champanhe e caviar. O ponto crucial nisso tudo era que Jake jamais pensava em algum dia precisar de Maxwell. Ele sempre sentira um certo desprezo pelas pessoas que se entregavam por fadiga, por exaustão. Jake havia ignorado de propósito os avisos que seu próprio corpo havia lhe dado. A rede Court de hotéis estava crescendo a cada ano, e sua reputação pela boa comida e perfeito serviço era a arma contra os rivais no ramo. O sonho de seu pai fora realizado, e a reputação nacional de Charles Courtenay fora expandida em âmbito internacional por seu filho. Mas ser proprietário de hotéis nas cidades mais badaladas do mundo exigia muitas viagens, muito desgaste físico em constantes encontros sociais, além de muitas horas mal dormidas em aviões. Começou a perder peso, beber muito e comer pouco, e a estafa inevitavelmente sobreveio. Mesmo assim ele lutara contra ela. Sentado à mesa de negócios, ouvindo os executivos delineando seus projetos para o ano seguinte, ele havia sentido uma terrível falta de concentração, uma total incapacidade para coordenar suas idéias sobre o que estava sendo discutido. Agora seu cérebro parecia vazio e tudo o que conseguia ouvir eram as batidas do próprio coração. A mesa à sua frente parecia curvar-se e mexer-se, como em alto-mar. Maxwell fora bastante compreensivo, mas inflexível: se Jake continuasse naquele ritmo de vida, acabaria se matando. Eram palavras pesadas, principalmente para um homem que durante quarenta anos se orgulhara do seu porte jovem. Jake a princípio não acreditou nele e resolveu ter um descanso
  • 3. somente depois que o caso Pearman fosse resolvido, isto é, quando a cadeia Pearman de hotéis tivesse sido adquirida pela organização Court. Mas isso não fora possível. Pela primeira vez em sua vida, Jake sentiu-se incapaz. Tornou-se vítima da estafa que por muito tempo desprezara. Começou a pensar em que época seu ritmo de vida tinha se alterado pela primeira vez. Quando o seu casamento com Denise terminou, talvez? Mesmo naqueles dias havia trabalhado bastante; aliás, essa foi uma das razoes que Denise alegou para pedir o divórcio: sua obsessão pelo trabalho. Mas Jake sabia que era ela quem mais desfrutava do resultado daquele trabalho. Ela gostava da vida agitada e quando Jake se ausentava, não tinha tido escrúpulos em procurar outros homens para dividir seus carinhos e sua cama. Jake havia sido compreensivo até então, mesmo porque ele também não era tão fiel, e se Denise necessitava daquele tipo de estímulo ele não poderia proibi-la. Até que um obscuro príncipe italiano entrou em cena e acenou-lhe com seu título e sua fortuna. A idéia de se tornar princesa era tentadora, por isso Denise não levou em conta o fato de seu príncipe ser quarenta anos mais velho, e que dificilmente agüentaria seu ritmo de vida. Da parte de Jake, foi um alívio estar livre novamente. Fora uma bênção não terem tido filhos. Denise não os quisera e, apesar de Jake saber que seus pais queriam muito um neto, ele próprio tinha percebido quanto essa criança sofreria. Depois, Jake não mantivera nenhum relacionamento mais sério com mulheres, e seu trabalho o absorvera dias e noites também. E agora lá estava ele, hóspede em um de seus próprios hotéis, não identificado por ninguém, exceto pelo gerente do hotel, Cari Yates. Isso também fora ideia de Maxwell, e Jake teve de admitir que o médico sabia o que estava fazendo. Ninguém procuraria por Jake Courtenay ali. Depois daquele período na clínica ele precisava de tempo para se reintegrar à vida normal. Tinha superado já a sensação de pânico provocada por seu internamento, mas sabia, em seu íntimo, que a idéia de retornar a Londres e retomar o ritmo febril de antes era insuportável. Tirou as mãos dos bolsos da calça marrom que usava e observou-as. Os ossos eram visíveis, mas já não tremiam como antes.
  • 4. Com um suspiro impaciente colocou-as no bolso novamente, afastando-se da janela. Era fim de tarde, e o posto começava a se iluminar. Logo estaria escuro, e outra longa noite se estenderia à sua frente. Seus olhos percorreram o quarto e a estante onde se encontrava uma tevê colorida. Televisão pensou com desprezo. Estava cansado de televisão. Nos últimos meses assistira a tudo, menos aos noticiários. Esta era outra das exigências de Maxwell. O rosto de Jake se contraiu, amargo. Meu Deus, ele parecia ser criança mais uma vez, protegido de tudo que pudesse aborrecê-lo! E pensar que ele, Jake Courtenay, chegara a isso! Estafa mental! Uma batida na porta distraiu-o momentaneamente de seus pensamentos. Um garçom entrou, empurrando um carrinho de chá. Sua refeição da tarde! Jake puxou uma nota do bolso e entregou-a ao garçom, agradecendo. A idéia de ficar ali sozinho tomando chá era uma tortura, pois estava há muito no quarto e sentia- se aborrecido. Um bom sinal, talvez, mas qualquer coisa mais extenuante podia deixá-lo fraco e tremulo. Era humilhante! A porta se fechou atrás do garçom e Jake começou a se servir automaticamente de um sanduíche. Continuava sem apetite, e comer não era mais que uma aborrecida necessidade. Viver! Um sorriso irônico aflorou em seus lábios finos. Era isso viver? Ou existir, apenas? E qual seria o fim de tudo isso? Ele conseguiria controlar para sempre seu entusiasmo pelo trabalho, que o motivara a vida toda? Sem ele, Jake se sentia um homem pela metade. Levantou-se e foi novamente até a janela; tinha uma figura alta e esbelta, que as calças justas amoldadas aos quadris e um suéter marrom e bege acentuavam. Fios de cabelos loiros misturados a fios cinzentos ultrapassavam o colarinho às suas costas. Os últimos meses haviam deixado marcas nele, e Jake sabia que ninguém se enganaria sobre sua idade como antes. As linhas à volta de sua boca e narizes estavam marcados e seus olhos pareciam muitos fundos. Apesar disso, ele era um homem que sempre atrairia as mulheres, com seus olhos negros irresistíveis. Muitas pessoas se apressavam para as filas de ônibus nas calçadas, e as luzes das lojas já estavam acesas em todo o porto. Carros se dirigiam para os
  • 5. subúrbios da cidade de Paignton, mais além, uma massa de luzes piscando. Seu próprio carro se encontrava na garagem do hotel, somente para ser usado em raras ocasiões. Guiar, como tudo de que mais gostava, havia se tornado um esforço demasiado. O pátio em frente ao hotel não era grande. Um muro baixo de pedra separava-o da calçada, e dentro havia palmeiras entre plantas e outros arbustos. Olhando para a rua. Jake observou dois dos hóspedes retornando ao hotel. Eram duas mulheres — uma mais ou menos de sua idade, a outra bem mais jovem. Ele sabia os seus nomes, pois quando chegou Cari Yates tinha lhe dado à lista de pessoas que estavam no hotel. Eram a Sra. Fauikner-Stewart e sua acompanhante, srta. Lesley. Jake já as tinha visto algumas vezes, no saguão e no restaurante, embora quase sempre fizesse suas refeições no quarto. Entretanto, de vez em quando sentia falta de companhia e ia então ao restaurante, sabendo- se observado por vários olhos curiosos. Olhando mais atentamente as duas mulheres, viu-as entrar pelo portão e uma inexplicáveí curiosidade em relação a elas tomou conta dele. A jovem não devia ter mais de dezoito anos e parecia jovem demais para acompanhar uma mulher da idade da Sra. Fauikner-Stewart. Começou a pensar na aparente aceitação da garota daquele modo de vida que estava levando. Não havia gente jovem no hotel e, pelo pouco que pudera observar da Sra. Faulkner-Stewart, ela não lhe pareceu ser muito paciente; mas a garota parecia feliz o bastante para lhe sorrir de maneira amigável na portaria do hotel quando saía para levar o cachorro de sua patroa passear. Alta, magra, com longos cabelos loiros ondulados nas pontas, a ela não deviam faltar admiradores, embora parecesse perfeitamente feliz atendendo aos caprichos de uma mulher com idade para ser sua mãe. Jake percebeu que seu chá estava esfriando e voltou-se para o carrinho com impaciência. Que diabos lhe importava se a moça se contentava em correr atrás de uma senhora rabugenta em vez de ter um outro emprego melhor? Ele não tinha nada a ver com isso. E, pensando melhor, a julgar pela quantidade de jóias que a Sra. Faulkner-Stewart usava, e pelo preço de suas peles, ela
  • 6. obviamente podia pagar bem, e provavelmente a garota lhe tirava todo o dinheiro que podia. Quando terminou o chá estava escuro lá fora e, num impulso, decidiu dar um passeio; pelo menos este era um passatempo permitido. Antes de sair vestiu seu casaco grosso e pesado. O frio era outra coisa da qual devia se resguardar, embora se recusasse a usar o cachecol de lã que a mãe tricotara para ele. O elevador levou-o ao térreo, onde Cari estava conversando com a recepcionista. O gerente ergueu a mão, cumprimentando-o, mas Jake não queria parar, e com um breve aceno de cabeça dirigiu-se às portas giratórias. Estava para empurrá-las quando percebeu a garota, que ocupara seus pensamentos há pouco, se aproximando. Ela estava sendo arrastada pelos entusiásticos pulos do poodle negro de sua patroa. Jake se deteve, e esse segundo de hesitação foi o bastante para criar uma situação em que teria sido muito rude de sua parte sair sem cumprimentá-la. Percebeu que ela ia usar a porta de serviço para sair com o cão e apressou-se em abri-la para que ela passasse. Adivinhando sua intenção, a moça apertou o passo, e seu ombro roçou os botões do casaco de Jake quando lhe agradeceu. Usando uma jaqueta curta de couro e calça azul, ela parecia pouco agasalhada para o frio, mas Jake criticou-se por se preocupar com isso. Ela era jovem e saudável! Isso bastava. Jake esperava que a moça seguisse, e ficou um pouco desconcertado ao encontrá-la esperando por ele, repreendendo firmemente o animal para se manter quieto. Ela o fitou e sorriu, e um sentimento ilógico de desconforto apoderou-se dele. — Está uma noite fria, não? —- comentou ela, encurtando o passo do cão e caminhando ao lado de Jake, e ele foi obrigado a responder: — Sim, muito fria — concordou, um pouco seco, e ela o olhou de lado. — Quanto tempo você vai ficar no hotel? —- perguntou, e ele se impacientou com sua curiosidade. — Não muito tempo — respondeu rápido e parou, passando por trás dela para atravessar a rua. — Vou por aqui — acrescentou. — Boa noite. A garota também se deteve.
  • 7. — Também vou — disse-lhe. Será que ela sabia quanto ele queria se ver livre dela? Jake estava irritado por se encontrar em tal situação, e mais ainda com ela, por querer segui- lo assim. Será que nunca lhe falaram dos perigos que uma moça corre, sobretudo ao se aproximar de homens que nem conhecia? Ela é jovem, mas não uma criança, ele pensou, irritadamente consciente de seus seios firmes delineados sob a blusa. A menos que ela fosse mais velha do que aparentasse. Apertou os lábios; não queria demonstrar seus pensamentos. Além disso, as garotas de hoje pareciam acreditar em valores diferentes. A calçada que margeava a costa era espaçosa e ele podia manter-se a uma boa distância dela, mas depois de soltar o cão ela parecia satisfeita em caminhar a seu lado, acenando com algum esforço seus passos com os dele. —- Você é o Sr. Allan, não? — perguntou num dado momento. O nome diferente soou estranho aos ouvidos de Jake. Allan era seu segundo nome — Jake Allan Courtenay — e tinha achado uma boa ideia usá-lo para evitar um possível reconhecimento. Ainda assim fez uma pausa. Começou a pensar em como ela sabia seu nome, e resolveu que chamaria a atenção de Cari Yates na próxima vez que o visse. Assentiu com a cabeça, pressionando as mãos mais fundo no bolso do casaco, e ela respondeu à sua muda pergunta sem mesmo percebê-lo. — Delia, quero dizer, a Sra. Faulkner-Stewart perguntou para a recepcionista quem era o senhor — disse ela. — Delia sempre quer saber o nome dos outros hóspedes. Espero que não se incomode. Jake olhou para a garota e viu que sua expressão bem-humorada dava- lhe a exata impressão de que ela sabia muito bem que ele se importava. Mas não ia lhe dar o prazer de admitir o fato. — Não é segredo — disse abruptamente, e ela levantou os ombros, colocando as mãos nos bolsos da jaqueta. O vento batia em seus cabelos, e a todo o momento ela tinha que afastá- los de seus olhos e boca. Às vezes batiam no casaco de Jake e isso o irritava profundamente. Por alguns minutos andaram em silêncio, e então ela falou novamente:
  • 8. — Meu nome é Rachel, Rachel Lesley. Eu trabalho para a Sra. Faulkner- Stewart. Jake deu um suspiro fundo, mas não fez comentários. Mas estava totalmente despreparado para o ataque que sobreveio. — Você não é muito educado, não é? — perguntou ela, com audácia. — Por que você não me diz logo pra eu dar o fora, se é o que você quer? As palavras o paralisaram, e ele se virou e fitou-a com raiva. — Como disse? — Você ouviu o que eu disse —- afirmou ela. Jake então notou que os olhos dela eram raiados de âmbar, a mesma cor de seus cabelos. — Se você quer ficar sozinho, por que não diz logo? As mãos de Jake se fecharam dentro dos bolsos. — Não vejo razão para verbalizar o que me parece óbvio! -— exclamou, seco. — Eu só estava tentando ser simpática! — Pois eu acho que a Sra. Faulkner-Stewart, se este é o nome de sua patroa, deveria prestar mais atenção na educação de quem ela emprega, em vez de se meter na vida alheia! Então talvez você fizesse coisa melhor que ficar por aí seguindo estranhos! Rachel engoliu em seco. — Eu não fico por aí seguindo estranhos! Eu... Senti pena de você, só isso! A reação de Jake foi violenta. Como aquela menina, aquela criança — porque ela era pouco mais que isso — podia sentir pena dele! Ela não sabia com quem estava falando! Ela não o conhecia! Mas era claro que ela não sabia. Até o momento, ele era o Sr. Allan, provavelmente uma figura bem diferente da de antes, quando era Jake Courtenay. Este pensamento foi-lhe estranhamente reconfortante e, apesar da impaciência, sua raiva começou a desaparecer. — Desculpe-me — disse finalmente, tentando mostrar-se amigável. — Eu. ... Bem, não ouve muito contato humano ultimamente. . . E parece que perdi o hábito da civilidade.
  • 9. Imediatamente o rosto de Rachel se transformou e um sorriso largo deu- lhe uma beleza que ele não havia percebido antes. — Tudo bem — disse ela, sem rancor. — Eu deduzi que você estava doente. Você não parece o tipo de homem que escolhesse ficar no Tor Court nesta época do ano. Jake não sabia como responder à observação. — Não? — perguntou, irônico. — Bem, acho que não. O poodle desviou a atenção deles naquele momento, fazendo barulho para um pequinês briguento que estava sendo arrastado pela dona. Rachel correu para segurar o poodle pela coleira, sob olhar irritado da dona do outro cachorro. Jake observava a cena quando se deu conta de que estava perdendo uma magnífica oportunidade para ir embora. Curiosamente, estava menos ansioso para ir-se agora, mas a lembrança do que a garota lhe dissera ainda persistia. Podia ser ridículo, mas ele estava ressentido por ser alvo de pena de alguém. Mesmo assim, não pôde evitar uma olhada e sentiu um momento de alívio ao vê-la afastar-se em direção ao hotel. Era uma menina simpática, e provavelmente ele a tinha julgado muito rudemente. Afinal, hoje em dia os jovens pareciam ter bem poucas inibições, e ela apenas tentara ser simpática, como ela mesma dissera. Mas não estava interessado em tornar-se amigo de ninguém no hotel. Não interessava o quanto gentil as pessoas fossem, elas sempre queriam especular, e Jake queria evitar isso. Além disso, ele podia imaginar a reação da Sra. Faulkner-Stewart se soubesse que sua acompanhante estava se tornando amiga de um homem de sua idade. Por mais inocente que fosse essa relação, sempre haveria alguém para lhe dar uma interpretação errada. Ele já podia antever a manchete dos jornais: quot;Industrial de meia-idade busca descanso com garota de colégio!quot; Deus, só de pensar nisso sentia calafrios. O poodle havia lhe dado uma boa oportunidade de escapar e, das próximas vezes, ele tomaria cuidado para que suas caminhadas não coincidissem com os passeios do cachorro. CAPITULO II
  • 10. Rachel não o viu por vários dias, e todas as noites, quando saía para levar Menestrel a passear, detinha-se por alguns minutos no térreo, na esperança de encontrá-lo. Mesmo assim, não havia sinal do homem alto e bronzeado cuja feição sombria a perseguia em sonhos. Ele nunca mais aparecera no restaurante e, apesar das tentativas de Delia de conversar com o gerente do hotel, este se mostrara bastante arredio em falar sobre o hóspede da suíte do primeiro andar. Rachel mesma não compreendia o porquê de seu interesse por ele. Afinal, ele havia demonstrado que não desejava companhia, e estava claro que a considerava tola e inconsequente, apesar de ter-lhe pedido desculpas. Ela não comentara sobre o encontro com Delia. Ao entrar com o pequeno carro de Delia Faulkner-Stewart no estacionamento ao lado do hotel, lembrou-se de que há seis meses jamais consideraria a possibilidade de aceitar esse emprego, mas as circunstâncias às vezes mudam nossas vontades! Seis meses atrás ela ainda sonhava em ir para Oxford, pensava em graduar-se. Seu pai então ficou doente e morreu em apenas três semanas, e sua mãe, desequilibrada com isso, faleceu num acidente ao atravessar de carro um trilho, quando o trem estava passando. O veredicto do delegado fora este, mas Rachel no íntimo sabia que sua mãe não queria mais viver. Ela era filha única, e desde criança percebera que sua presença não era necessária. Seus pais se completavam e ela às vezes se sentia um estorvo para os dois. A dupla tragédia a chocara muito, e ao saber que além de algum dinheiro do seguro ela não tinha mais nada, tornou-se curiosamente indiferente. Foi então que Delia Faulkner-Stewart lhe fez aquela proposta. Delia havia sido amiga de sua mãe e, apesar de não se encontrarem a muitos anos, ela tinha ido a Nottingham para os funerais de seu pai. Segundo Delia, foi uma bênção que ela ainda estivesse na cidade quando sua mãe sofreu o acidente, pois assim Rachel não ficou só. Rachel desconfiava que Delia tinha ido a Nottingham para convidar sua mãe, e não ela, como acompanhante, mas Delia nunca deixou transparecer nada. Na época, insistiu para que ela não fizesse seus exames finais,
  • 11. e que se tornasse sua acompanhante, já que sua acompanhante anterior havia se casado. No estado em que se encontrava, Rachel aceitou de bom grado que alguém se responsabilizasse por ela. Somente semanas mais tarde, já refeita do choque, ao se ver sob os constantes mandos e desmandos de Delia, é que se deu conta do que havia feito. Mesmo assim, ainda lhe sobrara algum dinheiro, o suficiente para que pudesse pagar seus exames, o que já a confortava bastante. O marido de Delia também falecera, e, embora a tivesse deixado em situação bastante confortável, ela se ressentia por não ter um homem a seu lado. E não era muito atenciosa com Rachel. Delia ficava muito pouco em sua casa de Londres, preferindo viver em hotéis, sempre na esperança de encontrar algum novo marido. Sua única exigência era que esse homem fosse inglês, pois desprezava os europeus em geral e raras vezes ia para o exterior. Mesmo assim, Rachel não se sentia infeliz; pelo contrário, por ser de natureza alegre, fora um ou outro pequeno aborrecimento, vivia bastante bem. Manobrou o carro na vaga reservada e, acalmando o poodle que vinha no banco de trás, abriu a porta, segurando-o antes que ele manchasse de lama sua calça cor-de-rosa. Havia um carro desconhecido estacionado ao lado, e ela observou suas linhas elegantes antes de se dirigir para o hotel. Quando se aproximava da entrada viu dois homens que saíam, conversando, e seu coração bateu mais forte quando reconheceu que um deles era o Sr. Allan. Notou a relutância dele em cumprimentá-la. Será que ele sabia quanto aquele olhar a perturbava? Seu coração bateu mais rápido quando ele disse: — Olá! Rachel conteve sua ansiedade, procurando responder despreocupadamente: — Olá, Sr. Allan. Como vai? — Bem, obrigado. Ele olhou para o senhor que o acompanhava, como se o desafiasse a contradizê-lo. Rachel observou o outro homem. Havia alguma semelhança entre eles, poderiam ser pai e filho. Estava claro que não seriam apresentados, e antes que pudesse pensar em dizer algo já haviam passado por ela.
  • 12. Mordendo o lábio, entrou no hotel de mau humor, censurando-se por sua criancice. O que esperava dele, afinal? Ele parecia tão velho quanto seu pai, e a olhava como uma colegial, claro. Só porque ele lhe despertara alguma simpatia. . . Mas não, não era só simpatia. Ele tinha o olhar mais sensual que ela já vira e, apesar de sua aparência cansada, a deixava excitada. Rachel sabia que Delia teria um ataque histérico se soubesse de suas fantasias. Mas são apenas fantasias, pensou, (puxando Menestrel) para que ele entrasse no elevador. A suíte de Delia era no segundo andar; ela havia reservado uma sala e um quarto duplo com banheiro para ela e um quarto simples para Rachel, o que significava que Rachel era obrigada a dividir o banheiro com mais dois outros quartos do mesmo andar. Mesmo assim, ela não se importava. Tomava banho invariavelmente à noite, quando os outros hóspedes estavam no bar tomando aperitivos antes do jantar, e. ao contrário de Delia, não gostava de se juntar a outros hóspedes conhecidos. Assim que ela e Menestrel entraram na suíte, Delia perguntou do quarto, com voz irritada: —- Rachel, é você? — O rosto da garota apareceu à porta do quarto. — Você demorou muito. Delia tivera uma daquelas dores de cabeça insuportáveis, coisa não muito rara, e que eram seu tormento. Ficara a tarde toda na cama, recostada no travesseiro, muito pálida, e era uma figura triste no seu negligê cor-de-rosa. Ela tinha quarenta e três anos, e passava a maior parte do seu tempo procurando parecer mais jovem, no que obtinha invariavelmente o resultado oposto. Já tingira tanto os cabelos finos, que eles mais pareciam palha seca, e sua pele fina como papel, era cheias de pequenas veias, resultado de muita comida e pouco exercício. Consciente da juventude de Rachel Delia a tratava com um misto de inveja e irritação, pois não gostava de se sentir em desvantagem. Rachel segurou Menestrel com desespero pela coleira, pois ele avistara o tapete peludo e tentador ao lado da cama. — Não consegui encontrar aquela marca de creme em lugar nenhum — explicou.
  • 13. A ruga que momentaneamente ocupara as sobrancelhas de Delia sumiu por completo. — Está bem, querida. Rachel continuava a lutar com o poodle. — Já tomou chá? — Não. Fiquei descansando desde que você saiu. — Está se sentindo melhor agora? — Um pouco. — Delia tentava esconder de Rachel a capa de um livro sensacionalista, e Rachel se virou para que ela não visse seu riso. — Vou dar água para Menestrel. — Está bem, e peça um chá também, querida. Rachel fechou a porta, apesar dos latidos do cão. Desde o desastre de alguns dias antes, quando ele derrubara todos os cosméticos e vidros de Delia, estava proibido de entrar em seu quarto. Encheu a tigela de Menestrel com água e, enquanto ele bebia rui- dosamente, pediu o chá. Depois foi até a janela e começou a divagar. Quando veria o Sr. Allan de novo? Ele ficaria mais tempo no hotel? E sua mulher, onde estaria? Claro, pois um homem como ele devia ser casado. Mas por que ela não o acompanhava? A chegada do chá e de Delia interrompeu seus pensamentos. Só mais tarde, quando tomava banho, retomou-os. O que ele pensava sobre ela? Se for o que ele pensava! Ou ela era para ele apenas uma adolescente atrevida? Talvez ele a achasse provocativa e insinuante! Rachel alcançou a esponja e começou a se ensaboar. Estava confusa, confusa como nunca estivera antes. Todas as noites no hotel eram iguais. Delia descia para o bar antes do jantar e ficava conversando com alguns hóspedes amigos, enquanto Rachel arrumava a suíte, dava comida a Menestrel tomava banho. Mais tarde, elas se encontravam no restaurante e jantavam. Depois de comer, alguns hóspedes se juntavam para jogar bridge, e como Delia apreciava cartas era invariavelmente convidada. Este era o momento em que Rachel poderia fazer o que quisesse, mas normalmente ela levava Menestrel para passear, depois assistia televisão e ia dormir.
  • 14. Nesta noite, entretanto, Rachel se sentia agitada. Ficou se arrumando mais tempo que o normal, e se atrasou para o jantar. Hesitara bastante sobre o que vestir. Desistiu de pôr um vestido branco que planejara usar, em favor de uma calça de veludo e uma túnica bordada, mas acabou por voltar à primeira escolha, sentindo-se tola por imaginar que isso importaria alguma coisa. O vestido era longo, de algodão branco, com um cordão bem abaixo do busto, que o realçava. Não era, definitivamente, o tipo de vestido que uma mulher mais velha usaria, e foi por isso que hesitara em colocá-lo. Mas ela não era velha, afinal, e não havia razão para querer parecer, mais velha. O elevador parecia mais lento que de costume, e Rachel mordia os lábios nervosamente quando ele parou no primeiro andar. Deu um passo atrás quando reconheceu o homem que ia entrar no elevador e sentiu-se enrubescer. Sua expressão era neutra e, após um instante de hesitação, resolveu entrar, juntando- se a ela na repentina atmosfera de intimidade do elevador. Usando um terno azul-escuro com camisa combinando e o pesado casaco da outra noite por cima, ele reduzia as proporções do elevador de maneira alarmante, e ela se sentiu consciente da masculinidade que emanava dele. Seus seios excitados subiam e desciam num ritmo acelerado, os bicos endurecendo visivelmente por baixo do vestido. Se o Sr. Allan percebeu a sua agitação não o demonstrou e seu boa-noite foi o mais impessoal possível. Ela nunca estivera tão perto dele, e pôde ver um movimento de contração em seu rosto. Talvez ele não seja tão indiferente a mim quanto parece, pensou. O que teria provocado aquela tensão em sua boca? Impaciente pelo modo como ela o observava, Jake a olhou firme e suas pernas fraquejaram. Por sorte estava de saia comprida, pois o tremor de suas pernas seria perfeitamente visível. — Eu... Você vai descer para o jantar? — conseguiu perguntar e ele sacudiu a cabeça. — Já tentei — respondeu, seco. — Estou atrasada — disse ela, quando a porta do elevador se abriu. Jake se deteve para que ela o precedesse. Rachel sentia-se magoada; mais uma vez ficara em desvantagem em relação a ele. Se ao menos tivesse
  • 15. trazido Menestrel, teria uma boa desculpa para acompanhá-lo onde quer que fosse. Ele a estava seguindo, parecendo ler seus pensamentos. — Não tem cão para passear hoje? — Não. — Gosto do seu vestido. Mais uma vez ela se sentiu enrubescer. — Obrigada. Como se estivesse se censurando pelo elogio que fizera, ele se virou rapidamente e disse; — Bom apetite. Rachel observou-o atravessar o saguão e desaparecer pelas portas giratórias, sentindo uma profunda frustração. Por que ele havia dito aquilo? Ele realmente tinha gostado do seu vestido, ou sentira pena dela? Puxa vida! Ela agora estava perturbada, e ainda tinha de encarar a irritação de Delia por seu atraso. Estava se dirigindo para o restaurante quando a voz de Cari Yates a fez parar. O jovem gerente do Tor Court podia conquistar um bocado de corações com seu charme, mas Rachel não gostava de seu tipo louro de olhos azuis. — Srta. Lesley... -— Seus olhos revelavam um interesse exagerado. — A Sra. Faulkner-Stewart pediu-me que lhe arrumasse entradas para o concerto no conservatório. -— Ele lhe estendeu um envelope branco. — Pode entregá-las? — Obrigada. Rachel pegou os bilhetes, intrigada. Por que ele não os enviara pelos mensageiros, já que sabia que Delia estava jantando àquela hora? — Está especialmente bonita esta noite, srta. Lesley. — Cari Yates falava com a segurança de quem nunca foi repelido por mulher alguma. — Eu não sabia que conhecia Jake Allan. — Darei os bilhetes a Sra. Faulkner-Stewart. — Seu sorriso era forçado e sentiu uma certa satisfação ao perceber o desapontamento dele na medida em que se afastava.
  • 16. Delia não a esperara; saboreava salmão defumado e recebeu o envelope das mãos de Rachel com visível aborrecimento. — Não lhe pago para ficar fazendo hora em portarias de hotéis, Rachel! — falou alto e Rachel preferiu se calar. Naquela noite, em sua cama, Rachel viu-se relembrando os momentos no elevador. Então seu nome era Jake! Pelo menos podia agradecer Cari Yates por aquela informação. Jake Allan? Sim, era um nome bonito, caía-lhe bem. Durante os dias seguintes Rachel teve pouco tempo para si mesma; Delia ficou de cama por um problema estomacal e seus enervantes chamados e exigências a atormentaram o tempo todo. Não havia nem mesmo as sessões de bridge à noite para quebrar a monotonia e, fora algumas vezes que conseguia escapar sob o pretexto de levar Menestrel para passear, ela se mantivera ocupada o tempo todo cuidando de Delia. A verdade é que à vontade de ver Jake aumentava dia a dia, e Rachel começou a pensar que talvez ele tivesse tido uma recaída e não tivesse ninguém para cuidar dele. Mas não havia a quem perguntar sobre ele, a não ser Cari Yates, e ela preferia não revelar seu interesse para o gerente. Perto do fim da semana Delia já se restabelecera, e Rachel, que até então tinha tomado as refeições no quarto, estava ansiosa para descer para o jantar. E se ele fosse ao restaurante? Teria sentido a sua falta? Dificilmente, pois ele quase não comia no restaurante. De caso pensado, escolheu o vestido branco para usar naquela noite. Era bonito, e com os cabelos soltos sobre os ombros nus ela ficava bastante atraente perto de outras garotas de sua idade. Quem sabe ele estaria lá? Mas Jake não estava jantando no restaurante. A mesa que ocasio- nalmente ocupava estava vazia, e a falta de talheres indicava que ele não viria. Rachel apertou os lábios, desapontada, e Delia, excepcionalmente atenta após o longo período de repouso, percebeu sua inquietação. — O que aconteceu? — perguntou, olhando à volta, curiosa. — O coronel está tentando atrair sua atenção novamente? Mas esse velho canastrão é realmente impossível! Vou ter uma conversinha com o Sr. Yates sobre isso.
  • 17. — Por favor, — Rachel interrompeu-a, balançando a cabeça ner- vosamente. — O coronel nem está olhando para este lado! Eu... Estava pensando, é só. — Posso saber no quê? — Delia estava curiosa. — Nada em especial. — Rachel tentou distraí-la, abrindo o cardápio. — Veja! Hoje têm seu prato predileto, panquecas. Eles devem ter adivinhado que você havia sarado hoje. Terminada a refeição, o velho coronel sobre o qual Delia havia reclamado aproximou-se. Após submeter Rachel a uma pequena inspeção com os olhos, virou-se para Delia e exclamou galantemente: — Que bom vê-la novamente, querida. O jogo não tem sido o mesmo sem você. Espero que se junte a nós essa noite. — Senti falta de nossa dupla também, coronel. —- A indignação de antes se desmanchara por completo com as galanterias. — Eu sei que bridge não é divertido com três jogadores apenas! O olhar brilhante do coronel perscrutava Rachel novamente e, voltando sua atenção para Delia, ele tentou prestar atenção ao que ela falava. — Como? Ah, claro. Mas, para dizer a verdade, conseguimos persuadir outro de nossos hóspedes a jogar conosco ontem. Você já deve tê-lo visto, o Sr. Allan. Rachel controlou o sobressalto que as palavras do coronel lhe causaram, enquanto Delia, animada, respondia: — Sr. Allan! — Seu interesse era evidente. — Claro, sei quem é. Mas... — ela fez uma pequena pausa, obviamente procurando as melhores palavras para se expressar — ele parece tão quieto, tão só. Um homem bastante resguardado. — É. — O coronel estava perdendo o interesse pela conversa. — Então, vamos jogar mais tarde? — Claro. — Delia umedeceu os lábios. — O Sr... Allan também estará no jogo? O coronel balançou a cabeça e, vendo que Rachel sequer o olhava, começou a se afastar.
  • 18. — Acho que não. Ontem já foi difícil trazê-lo! Tive de insistir muito. Vejo- a mais tarde, querida. Depois que o coronel se afastou, Delia soltou um suspiro de excitação. — Imagine só! Ele jogando cartas. É bom saber que ele não é tão inatingível assim, não é? — Rachel não respondeu. — Não é? — repetiu. Rachel forçou-se a erguer a cabeça, mas tudo o que podia pensar era que na noite anterior, quando passara na portaria com Menestrel, ele estava a poucos metros dela, jogando bridge! Era de enlouquecer! — Você parece estar bem interessada — disse ela por fim, escondendo a própria frustração. — E por que não? Ele é o homem mais interessante do hotel, afinal de contas! — Você acha? — Claro! Você não? Ah, não, claro, ele é muito velho. Cari Yates é mais adequado a você. Aliás, estou surpresa por não corresponder, já que parece ansioso para sair com você. O rosto de Rachel ficou vermelho, tanto pela observação de Delia quanto pelo que ela dissera sobre Jake. Felizmente, Delia só enxergava o que queria, e agora sem dúvida devia estar fazendo planos para cercar Jake e convidá-lo para seu círculo de amigos. Depois de várias xícaras de chá, Delia retirou-se para jogar enquanto Rachel se dirigia desconsoladamente para o elevador no saguão. Havia uma televisão colorida na sala de estar, mas ela preferia ficar em seu quarto, mesmo com um aparelho menor. Mais adiante havia o bar, onde fregueses costumeiros se misturavam aos hóspedes, mas entrar naquele ambiente enfumaçado também não lhe atraía. Estava para se virar e entrar no elevador quando avistou Cari Yates à sua frente. Ele lhe sorriu. — Está só? Rachel lhe dirigiu um olhar frio. — Parece que sim, não? — Então, você não é fanática por bridge?
  • 19. — Não. Rachel fez menção de andar, mas ele era insistente. — Posso lhe oferecer um drinque? — Não, obrigada. — Por que não? Ela hesitou, tentada a tirá-lo de seu caminho de uma vez por todas, mas com o canto do olho avistou Jake Allan entrando no hotel e atravessando o saguão na direção deles. Se fosse embora agora, perderia uma ótima oportunidade de lhe falar, pois sem dúvida ele se aproximava para trocar algumas palavras com o gerente. — Eu... Bem, eu não bebo — respondeu, medindo mentalmente à distância entre ela e Jake. — Podemos tomar um suco de tomate — sugeriu Cari prontamente, mas antes que ela pudesse responder uma sombra acercou-se deles. Cari virou-se, impaciente, para ver quem ousava interrompê-los, mas assim que reconheceu Jake suas feições mudaram. Rachel ficou impressionada. Quem quer que fosse, Jake Allan certamente tinha autoridade sobre ele. — Boa noite. — Os olhos escuros se detiveram sobre Rachel. — Boa noite. Cari. Cari sorriu, procurando parecer simpático. — Aproveitou o seu passeio, Sr. Allan? Sr. Allan! Rachel ergueu as sobrancelhas. Por que não o tratava pelo primeiro nome? — Muito. O jantar já acabou? — Oh, sim, há alguns minutos. O jogo já começou. — Está bem. — O olhar de Jake voltou-se para Rachel novamente. — Como vai, srta. Lesley? Não a tenho visto ultimamente. — Eu... A Sra. Faulkner-Stewart esteve. . . Indisposta. Estive cuidando dela.
  • 20. — E cuidando bem, com certeza — disse ele com um brilho irônico nos olhos. Dirigiu um olhar a Cari, como se estivesse se certificando da situação. — Agora, com licença... Rachel mal olhou para Cari e, tropeçando nas palavras, fez uma pergunta que saiu de repente: — Vai subir, Sr. Allan? — Sim. — Também vou. Bem, boa noite, Sr. Yates. O gerente apertou os lábios, mas Rachel o ignorou. Seu coração batia forte enquanto ela apressava o passo para se juntar a Jake em direção aos elevadores. — Você não devia ter feito isso. — Feito... O quê? — O rosto de Rachel queimava. Jake olhou-a acusadoramente. — Yates terá uma impressão errada sobre nós. — Não estou preocupada. — Rachel tremia. — Talvez eu esteja. — Mas por quê? Eu estava indo para meu quarto quando ele me parou. Jake arrumou o cabelo atrás do colarinho e Rachel teve dificuldade para desviar os olhos da pele bronzeada de sua nuca. Entraram no elevador e Jake apertou o botão do primeiro andar, sem olhar para ela. Quando as portas se abriram e ele deu um passo para sair, Rachel se anteviu chorando em seu quarto a noite toda. Então, de repente, ele se deteve. — O que você pretende fazer agora? Rachel engoliu em seco. — O que eu... Bem, assistir televisão e dormir, acho. — E se eu lhe oferecesse outra alternativa? — Seu olhar firme acabava com os pobres nervos dela. — Que alternativa? Ele suspirou, impaciente consigo mesmo e com ela. — Qual o seu nome? Rachel? Rachel sabe quantos anos eu tenho? Ela ergueu os ombros, incerta. — Trinta e oito trinta e nove...
  • 21. — Quarenta anos. E você? — Quase dezenove. — Dezoito! — Está bem, dezoito. Jake olhou para cima, como se estivesse se censurando. — Devo estar ficando louco! Sem qualquer outra palavra saiu do elevador, cuja porta se fechou logo em seguida. Sem conseguir se conter, Rachel apertou o botão de emergência e saiu para o corredor, sentindo-se terrivelmente só quando as portas se fecharam às suas costas. Jake, que estava se dirigindo para sua suíte, olhou para trás com raiva ao avistá-la ali parada. Virou-se lentamente, com as mãos no bolso. — O que você pensa que está fazendo? Rachel balançou a cabeça, sem conseguir se explicar. — Eu... Eu posso usar as escadas de serviço. — É melhor que você se vá. Se alguém a vir aqui, neste andar... —Jake se interrompeu, ao ver que os lábios de Rachel tremiam. — E daí? — Rachel perguntou em voz alta, já que se sentia humilhada. Jake olhou para ela duramente. — Está bem, está bem. Se você não se importa, por que me preocupar? — Indicou a porta de seu quarto e acrescentou: — Venha! — Poderíamos tomar alguma coisa. — Pensei tê-la ouvido dizer que não bebia. —- E não bebo. Não muito. — Nem eu. Meu... Médico não me permite. Essa frase foi dita com sarcasmo, e Rachel adivinhou que nem sempre fora assim; antes ele devia beber bastante. — Bem... Poderíamos tomar café — arriscou ela, mas ele balançou a cabeça. — Acho que não. — E por que não?
  • 22. — Não tenho pretensões de tomar café com você e depois enfrentar sua temível guardiã. — Ela não é minha guardiã — protestou Rachel. —- Ela apenas me empregou como sua acompanhante, e eu sou maior. Posso fazer o que quiser. — E o que você quer? — Ele contemplou seu rosto severamente. — Rachel, por que eu? Por que não Cari, ou qualquer outro? Rachel deu um passo involuntário para frente. — Você... Quer-me? Jake torceu os lábios. — Sim, eu quero você. Virando-se, ele colocou a chave na porta e estava para abri-la quando duas senhoras surgiram no corredor, e seus olhares se aguçaram ao reconhecerem Rachel. Ao se entreolharem, elas demonstraram claramente o que estavam pensando. Rachel sentiu o rosto queimar, mas Jake as ignorou, abrindo a porta e acendendo a luz. Ele se virou e esperou que ela o olhasse novamente. Sua voz soou calma: — Então? Por que não aproveita e vai com elas? Rachel hesitou, mas depois entrou com determinação na suíte lu- xuosamente mobiliada. Deu um suspiro de alívio quando a porta se fechou e se viu longe dos olhares acusadores que sentira as suas costas. CAPITULO III O ambiente era reconfortante. Devia ser a melhor suíte do hotel. Os tons verdes e ouro do tapete se repetiam nas cortinas e almofadas, combinando. Havia várias pequenas mesas, uma televisão tão grande quanto à de baixo, e uma mesa de jantar ao lado da janela, com uma vista magnífica do cais. Na medida em que ela observava tudo, Jake tirou o casaco e deixou-o sobre uma cadeira, junto à porta. Depois se dirigiu para a enorme lareira de mármore, obsoleta agora que havia aquecimento central. Seu perfil bronzeado
  • 23. contra o mármore tinha uma beleza e um mistério proibidos, e por um momento ela se sentiu assustada. — Já está se recriminando? — perguntou ele, irônico. — Não. — Quem eram aquelas mulheres? — Conhecidas da Sra. Faulkner-Stewart — respondeu Rachel. — Que vista maravilhosa você tem daqui. — Você acha que elas lhe dirão que esteve aqui? Rachel suspirou, resignada. — Não sei. — Você não está preocupada? — Não! Ele ergueu os ombros, e os olhos de Rachel se sentiram irresistivelmente atraídos pela musculatura visível sob as roupas elegantes. Parecia despreocupado. — Se você insiste. Fale-me da Sra. Faulkner-Stewart. Ela é alguma parente sua? — Já lhe disse. Ela me empregou como sua acompanhante. Somente isso? — Ele parecia surpreso. — É uma ocupação incomum para uma menina da sua idade e da sua geração. — Ela era muito amiga de minha mãe. Quando meus pais morreram, primeiro meu pai e minha mãe poucas semanas depois, Delia resolveu tomar conta de mim. — Mas com certeza não era isso o que você pretendia fazer da vida. Uma menina como você. — Para falar a verdade, eu estava planejando entrar na Universidade em Oxford quando meus pais morreram. Delia achou que seria melhor eu dar um tempo para mim mesma. — E assim ela teria uma acompanhante à mão. —- Não foi assim — protestou Rachel. — Eu poderia não ter passado nos exames. — E você ainda pretende fazê-los? No ano que vem, por exemplo? — Talvez, se eu tiver dinheiro. . .
  • 24. — Dinheiro! — Jake repetiu a palavra de Rachel com um grunhido. — Claro. Tudo gira em torno de dinheiro, não é? — Não diria isso — protestou, indignada. — Não? — Não. — Então, ainda por cima é romântica! — Quer que eu vá embora? — perguntou Rachel, de cabeça baixa. — Isso não merece resposta! Ora, Rachel, você não está lidando com um garoto inexperiente. — Como? — Falsa modéstia não combina com você! — disse ele friamente, descansando um pé na pequena grade de ferro que rodeava a lareira. — Como eu lhe disse antes, devo estar ficando louco! — Bem. . . Não quero incomodá-lo. . . Rachel virou-se repentinamente, pois não conseguia mais agüentar aquele jogo de gato e rato; ela o havia iniciado, então era bom que ela mesma acabasse com ele. Mas, antes que Rachel desse outro passo, ele se interpôs entre ela e a porta com surpreendente agilidade, seus dedos apertando o braço dela dolorosamente. Tentou livrar-se dele, assustada com o brilho de seus olhos, mas Jake a puxou contra si e ela sentiu a dureza e o tamanho do corpo dele contra o seu. Os braços de Jake a envolveram, deslizando por suas costas, trazendo-a para mais perto, e pela primeira vez Rachel percebeu que ele a desejava. — Você não faz idéia de como me perturba! — exclamou Jake e curvou-se para alcançar seu pescoço com a boca. O pânico de Rachel começou a diminuir. — Pensei. . . Que estivesse zangado comigo. — E estou — respondeu ele. — Eu não deveria estar segurando você assim e nem você deveria estar permitindo. — Por que não? — Sua boca estava seca, e ela molhou os lábios com a língua, enquanto as mãos dele deslizaram até seus seios e começaram a acariciá- los.
  • 25. Mas Rachel sabia por quê. Seus instintos a avisaram de que ela estava brincando com fogo, mas não estava disposta a desistir. — Jake. . . — Sua voz saiu como um soluço, usando seu nome pela primeira vez sem perceber, e ele a apertou mais, beijando-a calorosamente. Um milhão de estrelas pareceram explodir a sua frente. Parecia que estava sendo beijada pela primeira vez. Suas experiências anteriores não eram nada em comparação ao que sentia naquele momento. As coxas rígidas de Jake demonstravam claramente para que ela estava sendo convidada. Ele deixou seus lábios para afundar o rosto em seu pescoço, as mãos se emaranhando pelos longos cabelos. Rachel notou que ele tremia e era uma sensação deliciosa perceber que, podia lhe provocar tais perturbações. Enfiou as mãos por baixo do suéter dele e acariciou-lhe as costas um tanto úmido. Sentia-se excitada, deliciando-se ao contato com as pernas dele. De repente, com um murmúrio abafado, Jake a soltou, virando-se violentamente e arrumando os cabelos com os dedos. Ele foi até o outro lado da sala, fitando-a com o olhar atormentado. Rachel ficou chocada com sua atitude, perturbada com seu olhar e encarou-o ansiosa enquanto ele obviamente se esforçava para voltar ao normal. — O que foi? O que há de errado? — perguntou. — Acho melhor você ir. — Ele parecia calmo. — Jake. Ele virou de costas, com as mãos nos bolsos. — Deus, preciso beber algo! Por favor, Rachel, não torne as coisas mais difíceis do que já estão. Saia. — Mas por quê? O que eu fiz? — Sentia-se confusa. — Você ainda está bravo comigo? — Acho que você compreende, muito bem. Talvez eu devesse lhe pedir desculpas, mas foi você quem pediu. Rachel sacudiu a cabeça. — Jake, não fale assim! Eu... Bem, sinto muito se fiz algo errado, mas eu nunca. . .
  • 26. -— Você nunca! É exatamente isso. Você nunca, mas eu já. E eu quis agora, Deus, mas não posso! — Por que não? Ou. . . É esse o seu problema? — Seu rosto ardia e ela estava surpreendida com a própria audácia. — É o que você pensa? — perguntou ele, autoritário. — Eu não sei, sei? —- Bem, acho que não. Mas eu não sou um cafajeste que se aproveita de mocinhas, e muito menos de uma garota com idade para ser minha filha! — Se você pensa assim... — Você quer saber o que tive? Foi estafa! Fiquei arrasado. Não podia trabalhar, não conseguia dormir, nem ao menos pensar! Eu estava um lixo. Mas não impotente! Rachel levou as mãos ao rosto. — Você. . . Quer dizer que eu não sou muito boa nisso, não é? Jake olhou para ela, e a intensidade de seu olhar a fez mais uma vez prender a respiração. — Está bem. Você não é muito boa. É muito inexperiente. A indelicadeza daquela afirmação pôs fim ao orgulho que lhe restava. — Então por que. . . Por que fingiu que estava gostando? — perguntou entre lágrimas. Tentando se recompor, dirigiu-se para a porta da suíte. — Rachel! — Ela parou. Jake tentava se justificar: — Rachel, desculpe- me, mas eu sou muito velho para você, acredite! Ela se virou, procurando alguma mostra de sinceridade em sua ex- pressão. — Você não é velho! — Acho quê ambos sabemos disso. E tem mais: se a Sra. Faulkner- Stewart descobrir que você esteve aqui, eu corro o risco de ir para a lista negra do hotel. Rachel curvou a cabeça, inconsciente da sensualidade que emanava de seus cabelos desalinhados sobre os ombros. — Não acredito que você se importe com o que o hotel pense a seu respeito — disse ela. — Está bem, vamos dizer que eu me preocupo com você.
  • 27. — Mesmo? — Seus olhos procuraram os dele. — O bastante para não querer arruinar a sua vida — respondeu. — De qualquer forma, obrigado pelo cumprimento. — Qual cumprimento? Ele sorriu, zombeteiro. — È bom para meu moral saber que uma linda garota não ficou indiferente quando a beijei. — Oh, Jake!— Ela deu um passo em sua direção, mas ele sacudiu a cabeça. — Vá dormir, Rachel. Você me agradecerá por isso um dia. Vá embora. Rachel não teve outro remédio senão sair. Quando chegou ao seu quarto, sentiu-se inquieta; andava sem parar de um lado para o outro. Que desastre fora aquele encontro! O breve prazer que sentira nos braços dele havia se desvanecido logo após. É, embora ela reconhecesse que devia se sentir grata por Jake ter preservado sua virgindade, não se sentia bem. Estava ainda possuída pelo desejo que ele despertara em seu corpo, e quando fechava os olhos não conseguia ver nada mais a não ser Jake. Ela teria se entregado se ele assim o quisesse. Rachel não estava consciente de quanto tempo esteve parada, sonhando, até que Delia bateu à porta. Não sabendo do que se tratava, ligou rapidamente a televisão e foi abrir, tentando parecer o mais sonolenta possível. Delia estava furiosa. — Você não levou Menestrel para passear! — Menestrel? — Sim, Menestrel. — Delia olhou-a, desconfiada. — O que aconteceu com você? — Deu uma olhada para dentro do quarto. — Você adormeceu ou o quê? São dez e meia, e Menestrel não foi passear. Em conseqüência, tive de chamar a arrumadeira para limpar o presente que ele deixou na suíte. — Sinto muito. — Rachel sacudiu a cabeça, desconsolada. — Não pensei que fosse tão tarde. Eu devo ter dormido um pouco. Estava assistindo televisão. Felizmente Delia estava por demais aborrecida para perceber sua hesitação. — Bem, acho que não é demais lembrá-la de que deve levar o cão para seu exercício diário! Você não está sobrecarregada de trabalho, está?
  • 28. — Não, desculpe, Delia. Não acontecerá de novo. — O que Rachel menos queria no momento era discutir com Delia. — É bom que não aconteça mesmo! Sem ao menos dizer boa noite, ela se retirou, tremendo de indignação. Rachel respirou, aliviada. Conhecia Delia o suficiente para saber que ela não soubera de nada. Não conseguia dormir bem, pois continuava excitada. De madrugada soprou um vento quente e a temperatura do quarto se tornou insuportável, pois o aquecimento estava ligado. Às oito horas estava vestida e pegou o poodle para o passeio matinal. A praia estava quase deserta. Rachel soltou o cão, que começou a correr feito louco atrás de gaivotas e outros pássaros. De volta ao hotel, encontrou-se com Delia, que ia tomar café. Olhou para as patas de Menestrel com reprovação. — Não o deixe solto por aqui. O serviço do hotel não parece muito satisfeito quando tem que limpar sujeira de cães. — Já lhe disse que sinto muito que aconteceu ontem, Delia. Eu. . . Não sei como perdi a noção do tempo. — Nem eu. Vai tomar café? Rachel entendeu o olhar de desaprovação em relação a suas roupas e balançou a cabeça. — Vou limpar Menestrel e depois trocar de roupa. Satisfeita, Delia foi para o restaurante. Rachel desceu quinze minutos depois, e encontrou-a já comendo ovos mexidos com bacon. Delia preferia iniciar sua primeira refeição só, pois a de Rachel era bastante frugal perto da dela. Rachel não podia deixar de pensar sobre o que estaria Jake fazendo naquele momento. Desde que acordou tentava afastar esse pensamento. Mas, agora que Delia estava calada, não conseguia evitá-lo. Relembrou o que ele tinha falado, palavra por palavra, pensando na doença que ro trouxera para lá e na atração que sentia por aquele homem que era, como ele mesmo tinha dito, muito velho para ela.
  • 29. Mordeu raivosamente uma torrada, irritada com a piscada que o coronel lhe deu. Aborrecida por pensar que ele a estivera observando sem ela perceber, comprimiu os lábios com força. — Qual é o problema? — perguntou Delia. — Só porque tive que repreendê-la por causa de Menestrel, não é razão para você ficar mal-humorada. — Não estou mal-humorada. — Rachel segurou sua xícara de café e quase a derramou quando avistou as duas senhoras da noite anterior aproximando-se da mesa. Delia olhou-a com impaciência evidente, mas logo sorriu ao avistar as duas mulheres. — Bom dia — disse ela, indicando o desconforto de Rachel com um gesto condescendente. — Esses jovens de hoje! Estão sempre apressados quase que ela derruba o café! As duas olharam para Rachel sem simpatia, e ela desejou poder desaparecer dali. Então uma delas resolveu falar: — Teve um bom jogo ontem, Delia? Ouvi falar que você e o coronel fizeram uma dupla incrível! Delia não escondia seu prazer. — Bem... Não exatamente — disse modestamente. — Mas nós nos saímos bem. — Sei. - Os olhos da mulher brilhavam, cúmplices. — Que pena que sua acompanhante não jogue cartas. Poderíamos fazer uma outra mesa com o Sr. Allan. Rachel apertou as mãos, nervosa. — Não sabia que ele jogava cartas até que o coronel me disse — disse Delia, despreocupada. — Mas ele parece um tanto reservado, não? As duas mulheres trocaram um olhar significativo e Rachel esperou pelo pior. Mas, em vez disso, concordaram com Delia, desculparam-se e se retiraram. Rachel suspirou, aliviada, mas as palavras de Delia que se seguiram foram pouco reconfortantes.
  • 30. — Estou pensando em dar um pequeno jantar amanhã à noite. Poderia convidar o coronel, e um ou dois outros hóspedes. Vou convidar também o Sr. Allan. Espero que ele aceite o convite! O resto da manhã passou rápido, com Delia tentando convencer Cari Yates a ceder-Ihe uma das salas de recepção do hotel. Estava excitada demais para perceber a palidez de Rachel. Durante à tarde, Rachel foi dar um longo passeio sozinha. Teria levado Menestrel de bom grado, mas Delia resolveu sair com o cão e dera permissão para ela fazer o que quisesse. Talvez Delia tinha visto Jake saindo para passear, pensou Rachel. Talvez tenha esperança de encontrá-lo enquanto passeia com Menestrel. Todos esses pensamentos faziam-na sofrer. Tremia de frio ao voltar para o hotel. Entrou no saguão de cabeça baixa, com passos rápidos. De repente, uma mão forte segurou-a pelo braço. — Rachel! — Aquela voz grave era lhe familiar. Encarou Jake, armando- se inconscientemente contra a atração que ele exercia sobre ela. — Você está bem? Rachel estava assustada por se sentir tão perturbada assim. Nunca em sua vida um homem a fizera sofrer tanto; nunca ninguém lhe despertara tanto desejo! — Rachel! — A sua demora para responder causou em Jake certa impaciência. Deu uma olhada rápida pelo saguão, pois sabia que ninguém passava despercebidamente pela portaria do hotel, e perguntou: -— Onde você esteve? — Passeando. Eu. . . Está frio, não? Minhas mãos estão geladas. . . — Rachel! — ele insistiu, não querendo mais perder tempo ali dentro. — Meu Deus, não podemos ficar aqui parados! Venha, vamos conversar lá fora. Mas Rachel encontrou forças para desvencilhar-se de sua mão e conseguiu se recompor. — Desculpe-me, Sr. Allan, mas tenho de subir. — Rachel! — O tom da voz dele quase a convenceu a parar, mas ela estava determinada a não se humilhar mais, e muito menos ali, no saguão do hotel.
  • 31. À distância até o elevador pareceu-lhe interminável, mas logo estava a salvo no pequeno cubículo. A última coisa que viu foi Jake parado onde ela o deixara. Notou nele uma expressão curiosamente vulnerável, mas as lágrimas a impediram de ver mais. Felizmente Delia estava tomando chá. Menestrel veio ao seu encontro, parecendo querer animá-la com seus pulos e ganidos. Naquela noite, alegando que não se sentia bem, jantou em seu quarto e mais tarde saiu com Menestrel. Quando voltou de seu passeio, Cari Yates foi falar com Rachel perto do elevador. A admiração que ele sentia por ela era de cena forma um bálsamo para seu orgulho ferido. — A Sra. Faulkner-Stewart já preparou tudo para amanhã à noite — disse ele, curvando-se para afagar o animal. — Isso significa que você estará livre nesse período, não? — Espero que sim —respondeu ela, cautelosa. Cari ergueu-se. — Pensei em convidá-la para sair, ir a algum lugar. — Bem, não costumo sair muito. . , — Talvez fosse bom você sair, para quebrar a monotonia... — Preciso saber primeiro se a Sra. Faulkner-Stewart não vai precisar de mim. — Então, me avise depois. — Ele se aproveitava de sua indecisão.— Poderíamos ir a um clube que conheço, jantar e dançar. Rachel ia recusar, mas algo a fez dar um sorriso. Em seguida, retirou-se. Na manhã seguinte, quando entrou na suíte para levar Menestrel para seu passeio matinal, encontrou Delia já vestida; mas logo descobriu a razão de seu alvoroço. — Sobre o jantar de hoje à noite — começou ela e Rachel preparou-se para ouvir um monólogo. — Seremos oito ao todo. O coronel, claro, e o Sr. e a Sra. Strange. Depois, a srta. Hardy. Rachel enfiou a mão nos bolsos, aflita ao ouvir o nome das duas senhoras que a tinham visto com Jake.
  • 32. — E finalmente eu e o Sr. Allan. Sim, ele aceitou o convite. Não é fantástico? Espero fazer um torneio de bridge depois, já que somos oito. Rachel se virou, fingindo brincar com Menestrel. Como é que ele podia fazer aquilo? E por quê? — Não vai me dizer nada? — Delia esperava por sua resposta. — Nem parabéns? — Parabéns? Delia parecia irritada. — Sim, parabéns! Você sabe quanto o Sr. Allan se mostrou incomunicável esse tempo todo! Não é incrível que ele tenha aceitado o convite para o meu jantar? —- Ah, sim, claro. — Rachel lutava para se controlar. — Então. . . Não vai precisar de mim esta noite? — Não, não — disse Delia. — Você pode fazer o que quiser, querida. Só vou precisar de você antes, para arrumar o cabelo. Depois, está tudo certo. — Está bem. Agora, posso sair para levar Menestrel? Ela sabia que Delia queria conversar mais, mas não podia fingir entusiasmo. Sentia-se ferida por Jake lhe mostrar as diferenças existentes entre eles, não só de idade, mas também sociais. Era como ele havia dito: seus mundos eram diferentes, e sem dúvida Delia o satisfaria mais do que ela. Ao descer, encontrou-se com Cari Yates e, num impulso, dirigiu-se a ele. — O convite ainda está de pé, Sr. Yates? — Cari — corrigiu-a. — Claro que está. — Então, aceito. A que horas podemos sair? — Sete? Sete e meia? Rachel lembrou-se do cabelo de Delia, que sempre demorava um pouco. — Sete e meia, está bem? Encontro-o aqui. — Estarei esperando. Rachel saiu, sentindo o frio da manhã em seu rosto e esperando que Cari não pensasse que ela estava interessada nele. Nunca havia marcado encontros assim antes, mas havia muitas coisas que ela nunca fizera antes de conhecer Jake Allan.
  • 33. CAPITULO IV Delia arrumou-se com cuidado especial naquela noite. Seu vestido leve de seda cor-de-rosa esvoaçava quando ela se movia e as jóias à volta do pescoço e nas mãos demonstravam uma riqueza raramente vista no Tor Court. No entanto, o modo ostensivo como Delia as exibia a tornava vulgar e exagerada. O cabelo estava impecável, e os dedos de Rachel doíam quando terminou de enrolá-lo e penteá-lo. — Você está ficando cada vez melhor — cumprimentou-a Delia, admirando-se no espelho. Rachel guardou as escovas e pentes. — Isso é tudo? — O que você pretende fazer esta noite? — Delia parecia curiosa. —- Vai jantar sozinha no restaurante ou vai comer em seu quarto? — Nenhum dos dois. Vou jantar fora com o Sr... Com Cari Yates. — Esperava que Delia a repreendesse, mas não o fez. — Fico feliz por isso, querida. Não gosto de vê-la solitária. Rachel pensou que Delia jamais se preocupara com suas noites, quando ficava completamente só, assistindo televisão, mas parecia que o entusiasmo por Jake Allan lhe havia subido à cabeça. Agora, o que ela mais queria era ir para seu quarto e tomar um chuveiro rápido, recusando-se a admitir para si mesma que não estava com von- tade de sair com Cari Yates. Raramente usava calça comprida à noite, mas escolheu uma de veludo preto, que combinava com uma blusa branca de mangas bufantes e um colete também de veludo. Olhando-se no espelho, ficou satisfeita com o resultado. Cari não escondeu seu entusiasmo quando a viu sair do elevador. Isso a reconfortou um pouco, pois se sentia triste por não ter encontrado Jake quando fora se despedir de Delia, que já tomava um aperitivo com alguns de seus convidados para o jantar.
  • 34. O clube onde Cari a levou era bastante simpático: um antigo porão reformado, com música ao vivo, e muita gente jovem dançando. Rachel, que no começo se mostrou tímida, logo depois estava dançando e se divertindo. Jantaram frutos do mar e salada e Cari apresentou-a a diversos amigos. Rachel dançou bastante e seu sucesso fez com que conseguisse afastar da mente as imagens de Jake conversando com Delia, segurando sua mão, tocando seus lábios. . . — Não devo chegar muito tarde — disse ela. Já eram quase dez e meia, e ela começou a se preocupar. — Delia combinou com um dos porteiros para deixar Menestrel passear um pouco, mas preciso ver se ele não se meteu em confusão. — Ele quem? O porteiro ou o cachorro? — Menestrel, claro. — Rachel riu. — Você não se cansa de ficar atrás desse cão e de sua dona? — Ela tem sido muito boa comigo. — Mesmo assim. São sete dias de trabalho por semana, e você não tem muita folga, não é? — Não me importo. — A voz dela era firme e Cari resolveu não insistir no assunto. Apesar das boas intenções de Rachel, acabaram voltando ao hotel às onze e meia, pois alguns amigos de Cari chegaram à última hora, insistindo para que tomassem mais outro drinque. Rachel se contentara com suco de frutas, pois já bebera dois martinis. Despediu-se de Cari no saguão, bastante aliviada quando o porteiro da noite o interpelou com um recado, o que fez com que as despedidas não se alongassem, como ela temia. Todos os seus pensamentos negativos voltaram quando se viu sozinha no elevador. Afinal, o que ela quisera provar, e para quem? Por que se importava com um homem que a tratava como uma criancinha? Quando a porta se abriu e ela se dirigiu para seu quarto, pensou em ver se Menestrel estava bem, mas depois achou melhor não ir. Delia sem dúvida estaria na cama àquela hora, e não queria perturbá-la. Se algo de errado tivesse acontecido, ela com certeza saberia logo pela manhã.
  • 35. Passou pela porta de Delia e entrou no seu próprio quarto, mas antes que sua mão alcançasse o interruptor a luz se acendeu, e ela conteve um grito de susto. Avistou Jake sentado em sua cama, aparentemente esperando por ela. Aproveitando o momento de surpresa, ele se ergueu com rapidez e fechou a porta às suas costas. — Você saiu com Cari Yates — disse ele calmamente. – Onde foram? Rachel se recompôs, apesar do nervosismo. — E você? Gostou do jantar? — Eu lhe fiz uma pergunta primeiro — retrucou ele com certa frieza. — Por que você saiu com Cari Yates? A outra noite você não sabia o que fazer para se livrar dele! Rachel distanciou-se dele. —- Não tenho que lhe dar satisfações — respondeu, arrogante. — E não sei como você entrou no meu. . . — Com uma chave! — Mas gostaria que fosse embora. — Gostaria mesmo? — Ele se aproximou dela. — Por quê? Porque você quer tempo para se deitar e sonhar com seu namorado? — O que você quer dizer com isso? — indagou Rachel, tentando desesperadamente disfarçar a emoção que sentia. — Foi você. . . Foi você quem ditou as regras! — Regras? Que regras? — Seus punhos se fecharam. — Não brinque comigo, Rachel! — Não estou brincando — protestou. — Eu. . . Você preferiu ir ao jantar de Delia. . . — Ao jantar de Delia! Mas é lógico! E você sabe que eu aceitei o convite somente para me encontrar com você! — O quê? — Rachel olhou-o sem conseguir acreditar. — Mas eu não jogo cartas. — E como eu podia adivinhar que íamos jogar, se eu fui convidado para jantar? Claro que eu esperava vê-la!
  • 36. — Jake. . . — Suas pernas fraquejaram e ela se sentou na cama. — Pensei que você tivesse feito de propósito. — Feito o quê? — perguntou com olhar firme e ela se sentiu amedrontada. — Ir à festa de Delia, claro. Ela disse que você aceitara o convite, e eu. . . Eu... — Foi por isso que saiu com Cari Yates? — Jake segurou a maçaneta da porta. —- Está bem, eu só queria saber. — Mas por quê? — Rachel se levantou. — É por isso que veio aqui? Para saber por que saí com Cari Yates? — É. Você pode chamar isso do que quiser: orgulho, curiosidade ou ciúme. — Jake! — Ela não conseguia se conter mais, — Não se vá! Por favor. . . — Eu tenho de ir. Não posso ficar aqui a noite toda. — Você. . . Poderia. — Ela respirava com dificuldade. Jake sacudiu a cabeça. — Não, Rachel. Sabemos que não dá! Além disso, não posso me permitir nenhum estímulo sexual. — Oh, Jake! — Antes que ele pudesse abrir a porta, ela se atirou em seus braços, encostando o rosto no peito másculo. Seu cheiro quente e masculino era- lhe estranhamente familiar. A idéia de que Jake pudesse sair era dolorosa, e ela não podia deixá-lo ir sem lhe confessar quanto se importava com ele. — Rachel! —As mãos fortes de Jake tocaram-lhe os ombros e depois o pescoço. — Rachel, você não sabe o que está fazendo — disse ele, enquanto ela o abraçava mais forte e começava a sentir os efeitos que aquele contato lhe causava. — Não se vá — pediu-lhe, erguendo o rosto para ele. Jake não foi capaz de resistir à tentação daqueles lábios entreabertos e beijou-a sofregamente. Desta vez ela estava pronta para o que pudesse acontecer. Achegou-se mais a ele, sentindo a rigidez de suas coxas e um prazer até então desconhecido. Toda a dor que sentira agora explodia em sensualidade.
  • 37. Por fim Jake encostou o rosto no seu, e ela percebeu que ele transpirava muito. — Jake! Você está. . . — Estou bem —- assegurou-lhe. — Estou exercitando o controle, só isso. — Jake... — Rachel, escute-me. Isto não pode continuar. — Por quê? — Ela afastou o rosto para fitá-lo e disse: — Eu. . . Posso esperar até que você melhore. — Rachel! Você age em mim como anfetamina. Mas como anfetamina, você poderia se tornar um hábito. — Eu... Acho que não entendo. — Rachel, do jeito que me sinto agora, eu poderia fazer qualquer coisa! Você me dá forças e confiança. Você me faz sentir um homem novamente. —- Então isto é bom, não é? — Sim, é bom, no começo. Mas em longo prazo, é ruim! — Mas por quê? — Rachel, você tem dezoito anos! Está bem, admito, eu quero você, quero fazer amor com você, dormir com você e acordar de manhã e tê-la ao meu lado. Mas isso não é possível! — Por quê? Com um suspiro forte ele se virou, passando os dedos aflitos pelo cabelo. — Rachel, você não sabe nada sobre meu passado, minha vida! — Não me importa o seu passado — disse ela, sacudindo a cabeça. -— O que importa é aqui e agora. — Então é isso o que você acha? Realmente? Você é tão experiente assim que uma noite comigo não significaria nada para você? — Não! — O rosto de Rachel pegava fogo. — Não é isso, e você sabe que não é. — Então o que é? — Eu... Eu amo você, Jake. Perturbado e nervoso, respondeu:
  • 38. — Você não me ama, Rachel! Você pensa que ama. Se você visse honestamente as coisas, admitiria que só tem pena de mim. Você se comporta como uma mulher caridosa, confortando os aflitos! — Não é verdade! — Qual é a verdade, então? Você quer que eu aceite o que está me oferecendo? Pois é assim que me parece! — Oh, Jake! — Seus olhos se encheram de lágrimas. Foi então até a janela, mal divisando o estacionamento do hotel. — Isso nunca me aconteceu antes. Não agüento quando você fica bravo comigo. — Bravo com você! Meu Deus! — Jake pegou-a selvagemente, apertando-a e mergulhando o rosto em sua nuca. — Rachel, sou um homem de quarenta anos, que já foi casado e agora é divorciado. Eu presidia uma cadeia internacional de hotéis, da qual este hotel faz parte, e tinha uma vida bastante agitada até que a estafa sobreveio. Quando eu estiver bom, vou voltar a levar o mesmo tipo de vida de antes. — Não me importo com o tipo de vida que você levou até agora, nem com as mulheres que já teve. A não ser que... — sua voz quase lhe faltou — há alguém mais? — Não! Mas não sou um garoto, Rachel. Abraçá-la e beijá-la somente não me satisfaz, entende? Aceito que haja algo entre nós, mas por quanto tempo você acha que uma relação como a nossa poderia durar, sujeita a problemas de idade e saúde? Os lábios de Rachel se entreabriram. — Por que não tentamos para ver? - — Não posso fazer isso! — Por que não? Jake farei o que você quiser! — Não! — Ele se desvencilhou dela, arrumando de novo os cabelos. Ela não sabia o que dizer, mas estava certa de que o amava desesperadamente. Afinal ele se virou, olhando-a sério. — Está bem, pensei numa maneira de tentarmos. Quer saber? — Ele enfiou as mãos nos bolsos diante de seu consentimento. — Poderíamos viver juntos por algum tempo, quero dizer, poderíamos nos casar. Ela ia correr em sua direção quando ele fez um gesto para detê-la.
  • 39. — Espere! Seria um teste. — Um teste? — Sim, um teste. Veja, eu tenho de ir embora daqui a duas semanas para passar o Natal com meus pais e, para você ir comigo, teríamos de nos casar. Mas isto não quer dizer que estejamos prontos para consumar o casamento, entende? —- Mas, Jake. . . —- Esta é a proposta. Aceita ou não? — Jake, você quer dizer que. . . Que. . . — Quero dizer que devemos nos conhecer um ao outro primeiro, Rachel. E, se não der certo, podemos anulá-lo. Assim você não ficará muito envolvida. — Eu sei o que sinto. . . — insistiu Rachel. — Você pensa que sabe. Lembre-se de que já fui casado, e conheço os buracos do caminho. Só não quero que você se machuque, é isso. — Mas o que seus pais vão pensar? — Eles não vão saber. Na verdade, eles vão adorar saber que encontrei alguém. Eles nunca gostaram de Denise. Um frio percorreu a espinha de Rachel. Esse é o nome de sua ex-mulher? — Sim. — Por que vocês se separaram? — Foi um acordo mútuo. — Fez uma pausa. — Denise queria se casar de novo, com um príncipe italiano, na verdade muito mais velho que ela. — Ele torceu os lábios e Rachel adivinhou seu pensamento. — Como você. Só que eu não sou príncipe! — Jake! — Ela o puxou para si, cobrindo seus lábios de beijos. — Jake, eu me casarei com você, seja qual for à base. Mas você realmente acredita que vai conseguir me evitar? A respiração dele acelerou quando ela desabotoou sua camisa e acariciou seu peito. Rachel sentia um prazer imenso ao se encontrar numa situação tão íntima assim com ele, e Jake não estava imune aos desejos que ela lhe despertara.
  • 40. — Rachel! — Ele se afastou, segurando seu rosto com as mãos. — Temos que parar — insistiu gentilmente. — E agora devo ir. Amanhã teremos de enfrentar a Sra. Faulkner-Stewart e não quero estar de consciência pesada, concorda? — Então é mesmo verdade? — murmurou ela sem querer, verbalizando o pensamento. — Claro! Ou você desistiu? — Uma sombra passou por seu rosto. — Não! — Ela mordeu o lábio nervosamente. — Mas eu pensei que Delia. ... Quero dizer, se ela ficar zangada, você não. . . Não vai mudar de idéia, não é? Jake passou os dedos em seus lábios entreabertos. — Só se você quiser. Sua voz era doce e reconfortante, e Rachel tremia ao pensar no compromisso que estava assumindo. Ela o amava, por nenhum momento duvidara disso; mas começou a pensar se isso era o bastante. Antes de sair, Jake disse: — Tomaremos cafés juntos amanhã. — Bem. . . Sempre tomo café com Delia. — Ótimo, junto-me a vocês amanhã, então. — Quase não consigo acreditar! —- Rachel ergueu os ombros, como se quisesse afastar maus pensamentos. — E você quer acreditar? — Você sabe que sim — respondeu, firme, e observou-o abrir a porta e sair, erguendo-se para acompanhá-lo com os olhos até o elevador. Mas quando chegou à porta, Rachel deu um passo atrás, apavorado, pois avistou Delia saindo do elevador. Rachel não esperou para ver o que acontecia. Fechou a porta e colou-se à parede, com as mãos tapando a boca para não soltar qualquer gemido. Ele ainda estava no elevador quando Delia entrou intempestivamente no quarto. — Sua vagabunda! — exclamou e esbofeteou Rachel. Rachel caiu, olhando para Delia como se nunca a tivesse visto a mão sobre o rosto.
  • 41. — Eu... Delia... As palavras não saíam, e Delia bateu a porta do quarto, pouco se importando com os demais hóspedes do mesmo andar que deviam estar dormindo. — Sua vaquinha! — continuou ela, furiosa. — Fingindo que estava saindo com Cari Yates, quando na verdade planejara encontrar-se com Allan aqui em seu quarto! — Não é verdade. — Mas Delia estava por demais inflamada para ouvir explicações de qualquer espécie. — Você vai embora hoje! Pode arrumar a bagagem. Você é uma menina egoísta e ingrata, e eu me recuso a mantê-la aqui por mais tempo! — Você não compreende! — Rachel protestou, desesperada. — Eu. . . Jake. . . Nós vamos nos casar! — O quê! Dizer que Delia ficou chocada seria pouco. Seu rosto mudou de cor e por um momento Rachel pensou que ela fosse desmaiar. Empalideceu assustadoramente, sentando-se sobre a cama. Rachel olhava-a, ansiosa, erguendo-se sobre os joelhos e observando suas feições desfiguradas. — Você está bem? Delia olhou-a, incrédula. — Eu ouvi bem? Você vai se casar com... Allan? — Sim. — Mas como? Quando? Você nem o conhece! —- Eu o conheço bem. — A voz de Rachel era firme. — Ele... Pediu-me esta noite. — Mas como? Como, se ele estava jogando cartas conosco há uma hora, uma hora e meia! Rachel procurava as melhores palavras para explicar a situação a Delia, o rosto ainda ardendo de dor. — Nós nos conhecemos há duas semanas. . . E desde o começo ficamos atraídos um pelo outro.
  • 42. — Mas isso é ridículo! — Delia começava a se recompor e a passividade de Rachel a enfurecia ainda mais. — Ele deve ser pelo menos vinte e cinco anos mais velho que você! — Vinte e dois, para ser exata — corrigiu Rachel calmamente. — Que seja! Vinte e dois anos! É mais do que o suficiente para ser seu pai! -— A idade não interessa. — Rachel levantou-se. — Nós nos amamos. Mas quando disse essas palavras, começou a pensar se era realmente verdade. Ela havia dito que amava Jake, mas ele só dissera que a queria! Mas ele devia amá-la! Ninguém se casa se não está apaixonado! Vendo a hesitação momentânea de Rachel, Delia também se ergueu. — Amor! O que é o amor, senão uma satisfação dos sentidos? Por quanto tempo você acha que ele vai ficar com você? Até se cansar de seu corpo? Rachel ficou tensa. — Não preciso de seus conselhos, Delia. Tenho idade bastante para tomar minhas próprias decisões. — Tem? Tem mesmo? Deus, você é uma boba, Rachel! Entregando-se a um homem que já viveu mais que o dobro de você! — Eu sei que ele já foi casado, se é isso o que você quer dizer — replicou Rachel friamente. — Ele está acabado, Rachel. Teve estafa! Sabe o que isso significa para um homem da idade dele? Quem vai querer empregá-lo? — Sua voz soava dramática. — Empregá-lo? — Rachel quase riu de alívio. — Ele não precisa de ninguém para empregá-lo, Delia. Ele emprega gente. Ele é o dono deste hotel! Os olhos de Delia se estreitaram. — Ele é o proprietário deste hotel? — perguntou, incrédula. — Mas. . . Rachel, você sabe quem é o proprietário deste hotel? — Já lhe disse, é Jake. — Mas você não sabe quem é Jake, sabe? Mas é claro que não. O quot;Allanquot; quase me confundiu. Rachel, o homem com quem você planeja se casar não é Jake Allan, é Jake Courtenay!
  • 43. — Bem... — Rachel não entendia o que ela queria lhe dizer, mas sentiu- se magoada por Jake não ter dito isso. — E daí? Delia abriu os braços. — Minha querida, você não pode se casar com Jake Courtenay! — Por que não? — Por que não? Eu não deixaria que isso acontecesse! —: Você não pode. — Rachel, seja razoável! Esse homem é multimilionário! Ele vai consumir você! Já se imaginou em seu círculo? O tipo de gente com quem você teria de conviver? O rosto de Rachel contraiu-se. — Não me interessa o que você diz, Delia. Vou me casar com ele. — Mas você é muito jovem, Rachel. — Estou crescendo a cada minuto. — Ele também! — exclamou Delia, impaciente. — Por Deus. Pense! Pode parecer uma boa coisa agora, mas o que acontecerá quando você tiver quarenta e ele sessenta? —- Espero que ele ainda me ame — afirmou Rachel. — Você é muito boba! O que você sabe dele, afinal? Alguns encontros clandestinos não significam nada! Ou será que ele vai querer continuar enganando você? — Não é verdade! — gritou Rachel, não querendo estragar tudo o que sentira de maravilhoso minutos antes. — Nós. . . Íamos falar com você amanhã, durante o café. — Mesmo? Será que ele disse que iria pedir a minha permissão? — Não precisamos de sua permissão — insistiu Rachel, determinada. — Por favor, Delia, você não tem nada para dizer a favor? —- Não. Já lhe disse o que penso. Só Deus sabe por que ele a deseja, mas parece que ele vai mesmo conversar comigo amanhã. Você é bastante atraente, embora ele já deva ter encontrado várias garotas mais atraentes que você. Você é jovem, e ele deve pensar que vai ser fácil livrar-se de você quando se cansar.
  • 44. — Por favor, vá embora. Aquilo fora demais para Rachel. Uma coisa era falar sobre a diferença de idade, outra era Delia se intrometer no relacionamento deles. Isso era por demais íntimo para Delia interferir. — Você se arrependerá disso. Delia por fim resolveu se retirar, percebendo que tinha ido longe demais com suas observações. O rosto pálido de Rachel era um reflexo de sua insegurança. Rachel ficou só, com seus pensamentos. Realmente Delia conseguira anuviar-lhe a alegria com sua maldade. CAPITULO V O carro de Jake era belíssimo, mas depois das revelações de Delia, Rachel não ficou surpresa. De qualquer forma, o fato só serviu para enfatizar ainda mais as diferenças entre ela e Jake. O carro esporte trepidava um pouco, apesar da experiência que ele demonstrava ter ao volante. O dia não começara nada bem, e ela não podia fingir que se sentia confortável. Não dormira bem, e pela manhã levara Menestrel para passear. Voltando ao hotel, encontrou Delia já vestida, esperando-a para o café, e desceram para o restaurante. Delia semeara a incerteza em seu coração e Rachel, covarde, quase quis ficar no quarto. Mas por fim decidiu descer, pois não estava disposta a desistir de nada. O restaurante estava quase vazio, e não havia sinal de Jake. Por um momento Rachel pensou se não sonhara na noite anterior, mas cinco minutos depois ele apareceu, esguio e atraente em seu casaco de couro e malha de cor contrastante. Era sua imaginação ou ele parecia mais jovem aquela manhã? Ou Delia tinha envenenado seus pensamentos? De qualquer modo, achou inacreditável que um homem tão charmoso e sofisticado visse algo de interessante em uma figura insignificante como ela, e quando ele se deteve ao lado da mesa Rachel se sentiu apavorada.
  • 45. Delia, apesar de toda a raiva que demonstrara na noite anterior, deu-lhe bom-dia e aceitou que ele se juntasse a elas como se isso acontecesse toda a manhã. — Rachel me disse que o senhor e ela. . . Têm planos, Sr. Allan. Ou devo dizer Sr. Courtenay? Os olhos de Jake brilharam. Rachel estava de cabeça curvada, mas podia sentir a impaciência dele. — Acho que seria demais querer que a senhora não tivesse me identificado, Sra. Faulkner-Stewart. Sim, Rachel e eu temos planos. Pretendemos nos casar, não é, Rachel? — Eu. . . Sim, é — concordou, aflita, mordendo o lábio inferior. — O senhor pode me dizer se esse. . . Casamento vai ser oficializado? E quando será? Quero dizer, preciso de alguém para substituir Rachel, não é? Rachel engoliu em seco. Na noite anterior Delia quisera mandá-la embora, e agora se comportava como se sua presença fosse imprescindível! Jake, entretanto, não se perturbou. — Vou levar Rachei para conhecer meus pais hoje. Vamos nos casar em mais ou menos duas semanas. — Duas semanas! — Agora Delia parecia chocada. — O senhor não pretende. . . Na verdade, a própria Rachel se assustara com a notícia. Será que ele realmente pretendia transformá-la em sua mulher em apenas duas semanas? — Não vejo por que esperar, Sra. Faulkner-Stewart — continuou Jake, implacável. — Já tomamos a decisão, e depois do Natal não terei tempo suficiente para dar a Rachel à atenção que ela merece. Além disso, nós não queremos esperar, não é? — disse ele e Rachel sentiu um arrepio ao ver seus dedos morenos apertando os dela. Rachel sacudiu a cabeça, mas sua expressão não era encorajadora, parecendo uma mistura de embaraço e incerteza. Os lábios de Delia se estreitaram. — Bem, parece-me que os dois estão agindo precipitadamente. Quase não se conhecem, e como me sinto responsável por Rachel, devo dizer. . .
  • 46. — Rachel tem dezoito anos — lembrou-a Jake friamente e Rachel resolveu dar-lhe força. — Vou me casar com Ja... Com o sr. Courtenay — corrigiu-se, firme. — Já lhe disse ontem à noite, Delia. Depois disso, não havia muito a ser dito. Quando terminou o café, Jake sugeriu a Rachel para colocar um casaco a fim de irem até a casa dos pais dele. Quando ela desceu, Jake estava só no saguão e explicou-lhe que Delia ainda estava no restaurante, provavelmente contando as novidades. Ele não lhe dera mais nenhuma explicação sobre para onde estavam indo, e Rachel se sentia como uma adolescente em seu primeiro encontro. Como se estivesse percebendo o curso perturbado de seus pensamentos, ele desviou os olhos da estrada e encarou-a. — Meus pais moram em Somerset, num lugar chamado Hardy Lonsdale. Acho que você não conhece. — Não — respondeu Rachel. — Eles. . . Estão nos esperando? — Sim. Telefonei para eles hoje cedo. Estão ansiosos para conhecê-la. Rachel olhou para a calça verde que usava. Seria adequada? Talvez devesse ter colocado algo mais formal, já que ia se encontrar com os pais dele. A roupa de Jake não era exatamente formal, mas ele parecia tão bem em qualquer roupa, enquanto ela. . . —- Rachel! — O tom impaciente sobressaltou-a. — Qual é o problema? — Nenhum. Por que haveria algum problema? — Não sei, mas há! Com uma violenta virada na direção ele saiu da estrada e parou o carro. Inclinou-se então para ela e disse: — Vamos, diga. Quero saber. É alguma coisa que Delia lhe disse? Ou foi o fato de eu não haver dito meu verdadeiro nome? — Bem, Delia acha que somos loucos, claro. Mas o mesmo acontecerá com seus pais, e com todas as pessoas. — É o que você acha? — Você não concorda comigo? Ele estudou as feições perturbadas de Rachel.
  • 47. — Você mudou de idéia. Eu devia esperar por isso. Rachel fitou-o, desamparada. Ele não podia pensar assim! — Eu não mudei de idéia. Ela umedeceu os lábios provocando-o inocentemente com esse gesto. Jake segurou-a nos braços com um gemido e beijou-a. Suspirou e passou a mão carinhosamente petas suas costas. — Rachel, não faça isso comigo, eu não agüento! — pediu-lhe. Ela se sentia fraca e insatisfeita quando ele a largou, olhando-a de soslaio como se esperasse uma resposta. — Delia. . . Delia me fez achar tudo uma loucura — confessou ela, correndo seus dedos ansiosos pelas coxas rígidas dele. Com um sorriso irônico, Jake as tirou e colocou-as sobre o colo dela. — Claro, ela não agiria de outra maneira. Mas as palavras dela significaram tanto assim para você? — Não! — respondeu Rachel, sentando-se sobre as pernas cruzadas. — Mas o que ela disse. O modo como colocou as coisas, eu me senti como um brinquedo, como algo divertido para ser usado e depois jogado fora. Ela falou também da idade, mas isso não me importa, e de você ser quem é. Você é mesmo milionário? Por um momento o rosto de Jake se contraiu. — Isso importa? — É tudo tão novo para mim! Não consigo assimilar tudo assim rápido. Quero dizer, como vou conviver com o seu meio? Nunca tive dinheiro. Seria tão mais simples se você fosse simplesmente Jake Allan! — Seria? Fico pensando em quantas garotas concordariam com você. — Jake, você não acha que eu. . . — Não, não acho. Se achasse, estaríamos aqui agora? Você não precisa se preocupar com as pessoas que vai conhecer! De qualquer forma, isso ajuda você compreender melhor o que eu quis explicar ontem. Não podemos dar o passo maior que a perna. Precisamos de tempo para nos adaptar. Rachel deu um sorriso provocante. — E se eu não conseguir satisfazer você? — perguntou.
  • 48. — Vamos dar o passo do tamanho certo, está bem? Você não é tão inocente assim. — Mas eu não quero esperar, Jake — afirmou ela e sentiu seu rosto mudar de cor. Ele não disse mais uma palavra e pôs o carro em movimento. Hardy Lonsdale era uma vila agradável, longe dos turistas e, portanto, praticamente a mesma de séculos atrás. Chalés “pintados de branco rodeavam a vila, e mesmo naquela manhã fria de outono pareceu bastante agradável a Rachel”. Jake indicou um lugar para Rachel. — Você quer tomar alguma coisa antes de irmos até lá? — Pensei que você não pudesse beber. — Eu disse você e não eu — corrigiu-a. — Não, Rachel, não preciso de bebida. Eu sei o que estou fazendo. Rachel desejou que ele parasse o carro e a tomasse nos braços novamente, pois só assim se sentiria realmente segura. Não acreditava que um homem como aquele a quisesse como mulher. — É muito longe? — Dois quilômetros, mais ou menos. Meu pai comprou um convento antigo quando se aposentou e adaptou-o para morar nele. — Um convento? De verdade? — Tem uns duzentos anos. Ele funcionou como estábulo e até colégio particular de filhos de famílias ricas! Deixaram a vila para trás e logo desviaram da estrada por um pequeno caminho que os levou aos portões de ferro da casa. Rachel estava nervosa e não conseguia disfarçar. — Você já viu meu pai — disse ele, procurando reconfortá-la. — No hotel. Lembra-se? — Então você me notou! — Notei, Veja, chegamos! As linhas do antigo convento eram severas e seu pórtico era imponente.
  • 49. Ele estacionou o carro ao lado de um outro, que ela vira naquele dia no estacionamento. Ficou feliz quando ele a ajudou a descer e examinou mais uma vez sua calça verde, para ver se ao menos não estava muito amassado após uma viagem de duas horas. Pensou que seus pais viessem recebê-lo, mas ninguém apareceu. Jake abriu então a pesada porta trabalhada que dava para um enorme vestíbulo. O chão era forrado com tábuas e tapetes grossos e coloridos. Jake atravessou o vestíbulo e subiu a escada que os levou ao andar de cima. — As salas ficam lá em cima — explicou ele, e logo se deteve ao avistar uma senhora. — Bom dia — ela cumprimentou-os polidamente. — Bom dia, Dora. — O sorriso de Jake era relutante. — Minha mãe está na sala de estar? — Não, não está — retrucou friamente. —- Ela e seu pai estão lá fora. Eles não o esperavam tão cedo. A égua do Sr. Courtenay está dando à luz. — Está bem. — Ele desceu novamente as escadas e Rachel o seguiu. — Esta é minha velha babá, Dora Pendlebury. Ela e sua filha moram aqui; Dora cuida da casa e Sheila, sua filha, trabalha como secretária de meu pai. Dora, esta é Rachel Lesley, minha noiva. Ao ser chamada assim Rachel sentiu um calafrio na espinha. Olhou para Jake e notou que ele também se perturbara. Por um momento trocaram um olhar de intimidade. Mas quando ela se virou para cumprimentar Dora, notou imediatamente sua hostilidade. Um estremecimento percorreu-lhe o corpo, e aceitou os parabéns acenando com a cabeça, embora percebesse instintivamente que Dora não gostara dela. Pensava nisso enquanto Jake a conduzia até seus pais. Seguiram por um pequeno caminho que os levava aos estábulos e que passava por várias estufas onde se plantavam legumes e hortaliças. A frente do estábulo era pavimentada, e Jake explicou que antes ele já fora à padaria do convento. — Os fornos ainda estão lá. São do século XVIII, mas hoje são usados para guardar a ração dos animais.
  • 50. Rachel sabia que ele tentava reconfortá-la com suas palavras, mas estava tensa quando entrou no estábulo cheirando a palha e desinfetante. Se Dora parecera não gostar dela, o que dizer dos pais de Jake? Sua mãe virou-se quando ouviu os passos, e sua exclamação foi de alegria ao avistar o filho. -— Jake, querido! — disse ela e aproximou-se de braços abertos. — Chegou cedo! Dora lhe disse onde estávamos? Enquanto Jake abraçava a mãe, Rachel ficou atrás, admirando em silêncio a aparência dela. Mesmo naquele lugar simples, a Sra. Courtenay parecia bastante elegante. Rachel adivinhou que ela devia estar beirando os sessentas, mas era muita bem conservada. — Você deve ser Rachel. — O pai de Jake havia se aproximado sem que ela notasse. — Desculpe-me — disse ela, envergonhada. — Sim, sou Rachel. O Sr. Courtenay sorriu. Ele era bastante parecido com Jake, embora seus cabelos já fossem prateados como os da mulher. —- Já a vi antes, não é? Você não era a moça com quem nos encontramos quando fui visitar Jake? — Exato.— Rachel pegou a mão que ele lhe estendeu para cumprimentá- la, mas ele a puxou e deu-lhe um breve beijo no rosto. — Uma vez que vamos ser parentes... — o comentou, enquanto Jake e a mãe se aproximavam. — Rachel e eu já nos encontramos. — É verdade. — O olhar de Jake sobre Rachei era possessivo. — Mamãe, esta é Rachel. Espero que vocês duas se tornem amigas. Jake queria adverti-la? Rachel não teve tempo para especular sobre isso, pois logo a Sra. Courtenay lhe deu um beijo, antes de examiná-la atentamente. — Então você é Rachel! Muito prazer em conhecê-la! Rachel procurava as palavras e o máximo que conseguiu dizer foi; — Obrigada. — Olhou então para Jake, implorando ajuda. — Rachel deve estar gelada. Não paramos nenhuma vez na estrada! — Como? — perguntou a Sra. Courtenay. — Jake, você sabe que os médicos disseram para você não se cansar.