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34 Leros ABRIL 2014
Vitor Pordeus vai mostrar em Londres como ele criou um espaço livre
de criação, onde pessoas ditas anormais não recebem medicamentos e
são tratadas através da arte e encorajadas a atuar como atores para ter
consciência das situações que as oprimiram. Antes de chegar à psiquiatria
revolucionária introduzida pela Dra. Nise da Silveira, ele se formou em
Medicina, estudou no Instituto Wiezmannn, em Israel, e entrou numa crise
filosófica quando fazia Doutorado, o que o levou a ingressar no teatro.
Hoje ele tenta implantar um novo conceito de saúde pública como
coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Prefeitura do Rio
de Janeiro, e quando foi a Nice, na França, participar de um Congresso
Internacional de Imunologia, concedeu esta entrevista, por Skype, para falar
da ocupação do espaço onde ele atua há quase dois anos…
VICENTE LOU: No material sobre o Hotel da Loucura,
vocês falam muito sobre relações de afeto mas lidam com
pacientes que muitas vezes chegam a vocês porque a própria
família não sabe lidar com eles. Imagine, por exemplo, uma
pessoa que chega totalmente transtornada, agressiva, que
não aceita regras. Em uma clínica convencional a princípio
ela seria sedada, como vocês lidam com casos assim?
VITOR PORDEUS: A gente trabalha fundamentalmente no
Hotel da Loucura com teatro, então no caso de uma crise
psicótica o que a gente faz é abrir uma roda e começar
uma oficina, já aconteceu várias vezes, já tivemos vários
momentos de crises psicóticas durante esses dois anos
que o Hotel da Loucura vai completar em julho. No caso
de violência mesmo, a gente contém a pessoa, coloca
no chão e deixa a fúria se esgotar e depois conversa, vê
o que aconteceu e a pessoa vai se colocando. Então a
gente não usa medicamento, o procedimento que nós
desenvolvemos a partir da experiência encontrada na
psiquiatria contemporânea é esse mesmo, colocar no chão,
esperar a fúria passar e dramatizar esses conteúdos, o
máximo que for possível, dialogar esses conteúdos, deixar
que eles se manifestem o máximo que for possível e, de
modo geral, o que acontece é isso: geralmente as crises são
conteúdos que precisam ser liberados, são eventos, são
memórias, histórias, mesmo no paciente com psicose grave,
esses surtos acontecem por necessidade de expressão de
conteúdo e uma vez que esses conteúdos são expressos, no
nosso caso do Hotel da Loucura através da oficina de teatro,
que é dançar, cantar e deixar isso… dialogar, eu trabalho
como ator fundamentalmente, eu trabalho dialogando
no teatro. Eu pessoalmente sou médico mas estou neste
front imediato, é preciso de atores mesmo que se deixem
afetar, atores que dialoguem, que, como diz Shakespeare,
que sirvam de espelho à natureza, à virtude, à sua imagem,
ao ridículo… A gente permite que esse conteúdo que
está ali aflorando seja de fato problematizado, dialogado,
trabalhado, a gente sempre fala “todo ser humano é ator”,
então essa convivência acaba sendo muito dramática,
muito teatral, assim a gente consegue dar vazão e deixar
essas coisas passarem. Um paciente violento seria atendido
numa oficina de ação expressiva, que nós chamamos,
que são oficinas de improviso, de música, de canto e
de dramatização de conteúdos espontâneos, que são
trabalhados do improviso, improviso não é um bom nome
porque no improviso é que emergem os conteúdos internos
do inconsciente coletivo. A gente está trabalhando muito
com Shakespeare agora. O Shakespeare é lotado de loucura,
de bruxas, de fantasmas, de demônios. Não é à toa que ele
é quem é, justamente porque ele dá vazão a esses desejos, a
esses impulsos, a essas fantasias, a essas vozes que existem
dentro de nós… Ele não é da sala fechada de espetáculo com
bilheteria na porta. Ele é dos espaços abertos, da loucura,
do ser humano. Dizem que Londres quando Shakespeare
chegou era uma favela, as pessoas jogavam cocô pela janela,
se esfaqueavam, era violência, era morte, peste bubônica,
explodiam epidemias de peste, as pessoas tinham que fugir,
eles iam pra todo lado, então nesse lugar é que ele chegou
e fez a alquimia da poesia, do teatro, e é realmente muito
poderoso. Eu estou aqui com o livro que eu estou lendo
que confirma nossa experiência, que é “Shakespeare as a
prompter”, que é de um psiquiatra inglês Murray Cox, que
trabalhou no Hospital Psiquiátrico Criminal de Londres, o
Broadmoor Hospital, que é um presídio psiquiátrico, que
trabalha com loucos, criminosos, e ele encenou Shakespeare
lá, fez várias peças e ele diz que o Shakespeare é excelente
e eu confirmo essa teoria, que o Shakespeare é excelente
disparador do processo terapêutico… Ele desenrola
conteúdos, por parte dos pacientes, mesmo os que não
sabem ler, mesmo os que nunca ouviram falar dele. Estamos
lidando com um negócio que é maior, mais antigo e está
na tradição. Eu estudo muito medicina popular, medicina
tradicional, leio sobre medicina grega e vejo como a
medicina grega que é a base da nossa medicina ocidental,
como ela era toda trabalhada com poesia, música, revelação.
Eles falavam de catarse, dialética e êxtase, são as três fases
da cura, segundo a medicina grega. Então a catarse é a fase
dionisíaca, é a fase de botar os demônios pra fora, deixar as
substâncias obscuras serem colocadas pra fora. A Dialética
é o diálogo, é a troca de conteúdo, é a troca de ideias, é a
conversa, o espelho da natureza. E finalmente o êxtase,
que é “ecstasy” em grego, que quer dizer elevação… Lendo
Shakespeare você tem a nítida sensação que ele entende
absolutamente tudo isso. Tem uma fala do Hamlet que
é assim “ouvi dizer que certos criminosos ao verem seus
crimes encenados foram tão perturbados pelas sugestões
das cenas que confessaram imediatamente os seus crimes”,
então o negócio é esse “the play is the thing”. O negócio
é a peça. Vou pegar os atores e vou encenar a morte de
meu pai diante do meu tio e observar a reação dele. Se a
gente substituir criminoso por doente, casa lindamente.
Se a gente encenar a doença na frente dos doentes eles
podem ficar tão perturbados pelas sugestões das cenas
HoteldaLoucura
que confessam imediatamente o seu
crime e se curam da sua doença, se
curam da sua contradição. Então você
começa a entender como a poesia
entra nessa questão dos conteúdos,
dos sentimentos, do que a pessoa está
vivendo. A dança mobiliza, o teatro
é importante, o teatro é a elevação
poética, e é na hora que a poesia entra
que você organiza o pensamento, que
a consciência vem, a clareza, a poesia é
que cura.
VICENTE LOU: Os hóspedes do Hotel da
Loucura são residentes ou só passam um
tempo lá?
VITOR PORDEUS: Tem de tudo, existe
uma grande variedade de origens
das pessoas que frequentam e que
trabalham com a gente, mas nós
temos desde pessoas que viveram a
vida inteira internadas ali no Engenho
de Dentro, pessoas que viveram
internadas em outros hospícios e que
foram transferidas para lá, nós temos
pessoas que não estão internadas, que
nunca foram internadas e que fazem
tratamento psiquiátrico no Engenho de
Dentro, no Espaço Aberto ao Tempo,
que é uma clínica psiquiátrica, cultural,
de uma das pessoas que trabalhou
com a Nise da Silveira, que é o Dr.
Lula Wanderley e que frequentam lá,
trabalham na oficina de teatro com
a gente, fazem apresentações. Tem
gente que não tem doença nenhuma,
que é saudável e está lá também
fazendo teatro, trabalhando. Tem
gente que é saudável e fica doente,
eu mesmo já tive momentos de
chegar no Hotel da Loucura e falar
“hoje eu sou paciente porque eu
não tenho condição nenhuma de
trabalhar com ninguém. Eu preciso
dividir aqui o que está acontecendo”,
e fui acolhido pelos que seriam meus
pacientes e me reconfortaram naquele
momento… O que a gente coloca é
que todo mundo é ator e todo mundo
é doente em potencial e todo mundo
é terapeuta e que essa coletividade em
funcionamento, essa comunidade de
relações criativas é o que efetivamente
faz as pessoas avançarem. Quem diz
isso não sou eu, vários autores falam,
por exemplo, um grande psiquiatra
escocês chamado Ronald Laing fez
grandes experiências com psiquiatria
comunitária na década de 70, fez
grandes movimentos de reforma das
relações, dos espaços, então não é
muita novidade isso que nós estamos
propondo.
As pessoas são encaminhadas ao Hotel
da Loucura ou decidem procurar ajuda?
Fundamentalmente é espontâneo,
onde não há desejo, não há cura, então
a gente sabe muito bem que só se
engaja e progride no trabalho quem
tem desejo de fazer isso, né? Então a
própria linguagem que nós trabalhamos
já é uma linguagem aberta, a gente faz
oficinas que são oficinas abertas, que as
pessoas aderem espontaneamente.
Nos cortejos que nós fazemos, que
passam pelos lugares, a adesão
espontânea é fundamental. Eu
atendo pacientes que as pessoas me
encaminham, eu atendo primeiro no
consultório, depois eu pergunto se
não querem participar das oficinas
de teatro, mas sempre é espontâneo,
qualquer tentativa de encaminhamento,
de sugestão, é perigosa, é complicada,
ainda mais na doença mental grave,
onde o processo terapêutico é frágil,
de difícil progressão, então a gente tem
casos de pacientes que ficam dispersos
no campus do hospício e quando eles
ouvem a música eles saem de onde
eles estão… casos gravíssimos, de
pessoas com doença mental gravíssima,
que onde eles ouvem a música eles
vão embora e encontram a gente lá
no terceiro andar, onde é o Hotel da
Loucura, ou no Teatro Dionysius, que é
um espaço aberto, um teatro de arena.
Então essa questão de valorizar o desejo
é fundamental no processo terapêutico.
Como foi a sua transição da medicina
convencional para o teatro?
Eu fiz teatro na infância, dos 9 aos 11
anos. Fiz Medicina, fiz pesquisa em
imunologia, trabalhei fora do Brasil,
estudei no Instituto Weizmann, na
Universidade de Tel Aviv, em Israel,
depois voltei ao Brasil e fui para a
Universidade de São Paulo, comecei
Doutorado e muito próximo de
terminar o Doutorado eu entrei numa
divergência filosófica e científica com a
minha professora e ela me convidou a
me retirar. Isso me levou a uma crise e
em 2006 eu decidi estudar teatro para
buscar uma alternativa, fui trabalhar
com a Camila Amado, trabalhei com
Amir Haddad e com ele eu engrenei.
Estou há oito anos trabalhando
com o Amir. No teatro eu tive um
contato muito forte com a obra do
Bertold Brecht, ele estudou Medicina,
trabalhou na Universidade e na obra
principal dele, “A Vida de Galileu”, ele
fala muito da relação da Ciência com
conhecimento, do conhecimento com a
arte, e do conhecimento com a política,
aquilo me impactou muito fortemente
e não foi à toa que eu fui me fixar no
Amir Haddad, porque o Amir também
tem um grande trabalho com Galileu,
tem uma perspectiva para pensar a
sociedade, para pensar as relações,
para pensar a Ciência, para pensar a
Medicina, é urgente que se faça uma
reflexão mais profunda sobre o que
é a Biologia, sobre o que é o sistema
Foto: BERNADETE LOU
Acima, Vitor Pordeus aborda um pajé em um cortejo.
Ao lado, o médico, pesquisador e ator, em intervenção
artística durante o Encontro da Rede Unida realizado no
Parque Inhotim/MG. “Na hora em que a gente faz o que pensa
e pensa no que faz, estamos em estado de saúde, estado de
criação, estado de avanço com o mundo”, diz Vitor Pordeus.
imunológico, sobre o que nós estamos fazendo, sobre o que
é a Medicina, porque a Medicina virou uma coisa de vender
drogas, né? Virou uma coisa de fazer pesquisa e vender
drogas e isso está levando a gente para um buraco na saúde
pública, em todas as cidades pobres, isso matematicamente
falando, as pessoas morrem de cinco a dez anos antes. Na
Inglaterra, tem um médico chamado Michael Marmot,
ele fala da determinação sócio-econômica da Saúde e ele
mostra já há algumas décadas como as classes sociais que
são menos favorecidas economicamente adoecem mais, e
morrem antes, quando bastaria um sistema cultural, um
sistema educacional, um sistema social um pouco menos
monstruoso, um pouco menos agressivo e para isso a gente
precisa reformular a prática cultural e simbólica, como a
gente tem demonstrado.
Seu trabalho é inteiramente baseado no método da Dra. Nise
da Silveira, como você conheceu o trabalho dela?
Fazendo teatro em 2008, eu era pesquisador, ainda sou
pesquisador, trabalhava num hospital privado no Rio de
Janeiro, chamado Pró- Cardíaco, na divisão de pesquisa
de cardiologia, de imunologia para doença cardiovascular.
O meu chefe era o Hans Dohmann e no final de 2008 ele
foi convidado para ser Secretário de Saúde eu já era ator
e médico-pesquisador e ele me chamou para coordenar a
pasta de Cultura e Saúde. Aí a gente assume a pasta em 2009
e eu vou visitar o Engenho de Dentro, porque eu já tinha
ouvido falar da Dra. Nise através de uma pessoa aqui, outra
ali, e as pessoas da Secretaria
falavam “você tem que conhecer o
trabalho da Dra. Nise, lá no Museu
do Inconsciente, no Engenho
de Dentro”. Eu cheguei lá e me
apaixonei profundamente porque
é uma revolução realmente o que
a Dra. Nise fez, que foi justamente
explorar o mundo interno dos
ditos esquizofrênicos e descobrir
imagens, mitos, narrativas, que são
na verdade conteúdos profundos
do inconsciente coletivo que são
nossos conteúdos e que a gente
através dessa relação criativa
e afetuosa, a gente é capaz de
revelar em qualquer lugar, com
qualquer ser humano, é uma
coisa absolutamente científica,
reprodutível, regular, histórica… É
muito legal. O que é difícil é você
entender a ética da Dra. Nise, a
visão de mundo da Dra. Nise, porque a Dra. Nise além de ser
uma intelectual muito bem formada, o pai era um homem
culto, era um jornalista, a mãe era pianista lá em Maceió.
Ela leu muita coisa importante logo na adolescência, ela
passa pra Medicina aos 16 anos, ela se forma em Medicina
aos 22 anos, onde ela faz uma tese sobre criminalidade no
mundo feminino, e aí ela volta pro Brasil, e ela é presa na
ditadura Vargas, fica um ano e meio presa no Presídio Frei
Caneca, testemunha a tortura de seus companheiros de cela.
Então quando ela sai da prisão ela diz “eu saí com mania
de liberdade”, e quando ela chega no Hospício do Engenho
de Dentro ela encontra os esquizofrênicos crônicos sendo
tratados com eletrochoque e lobotomia, e ela se recusa a
fazer isso. A Dra Nise, que para mim é a melhor médica da
história do Brasil, ela fala “a criatividade que todo mundo
tem que exercitar, exercitar o imaginário, exercitar a fantasia,
exercitar as possibilidades de se transformar, de exercer
outros papéis”. Então ela vem com uma personalidade muito
forte, com um trabalho de rigor científico e vai produzir
o que é o Museu do Inconsciente hoje, que é um museu
com mais de 60 anos de experiência e com 352 mil obras
no acervo técnico, que é produzido por pacientes com
diagnóstico de doença mental e produzem coisas que são
consideradas pelos críticos de arte como as maiores obras
de artes visuais do Brasil. Fernando Diniz, Emilio de Barros,
são artistas que entraram para a história das artes visuais no
Brasil, pela altíssima qualidade estética dos trabalhos.
A Dra. Nise da Silveira representa para a Psquiatria o que
Paulo Freire representa para a Educação. Por que você acha
que ela é menos reconhecida?
Eu acho que ela ainda é ignorada, eu fiz um verso dizendo
que a gente ainda saberá amar a Nise porque o que nós
estamos vendo hoje é um retrocesso da reforma psiquiátrica
brasileira, estamos montando comunidades terapêuticas
onde se usam altas doses de medicamentos. A utilização de
drogas psicotrópicas está aumentando a cada mês, o nível
de saúde mental está deteriorando claramente no Rio de
Janeiro. A gente está vivendo um período de ensandecimento
público, de violência aumentando, então eu vejo que a
Dra. Nise está em baixa. Eu me formei em Medicina sem
ter ouvido falar na Doutora Nise. O destino acabou me
colocando ali para trabalhar nesta pasta de Saúde e Cultura
que eu coordeno há cinco anos. Nise da Silveira é uma
precedente do nosso trabalho lá no Engenho de Dentro,
maior museu do mundo de Arte e Loucura. Ela diz que é
preciso improvisar, é preciso deixar que esses conteúdos se
manifestem, se apresentem, é preciso sair do programa, sair
do roteiro, deixar o que ali está se apresentando se colocar
e a experiência tem sido positiva, a gente tem tido nesses
casos em que a gente atendeu crise psicótica com o teatro,
o engajamento dessas pessoas no trabalho e a revelação de
conteúdos históricos, por exemplo, maus tratos, violência,
que essas pessoas jamais tinham comunicado para ninguém,
depois dessas vivências elas começaram a comunicar isso, a
dizer que ouvem vozes, a dizer
que tem alucinações auditivas,
então é uma questão mesmo
de você entrar em contato
com você e com o outro, né?
Porque o outro é o espelho seu,
a gente está o tempo inteiro em
contato com essas questões do
outro e de si próprio.
E por que você acha que ela
continua sendo negligenciada?
Se você olhar política pública
que é o que nos interessa
discutir, é uma política pública
completamente anti-freiriana
(Paulo Freire), mesmo os
setores que dizem que fazem
Educação e Saúde e que
fazem educação popular
em Saúde, quando você vai
ver estão fazendo educação
didática prescritiva, educação bancária, que é o oposto do
que o mestre falou. Então o Brasil, eu acho que talvez você
possa ajudar a gente entender melhor essa perspectiva,
da colonização científica, da colonização cultural, o
Brasil não valoriza seus cientistas. Quase não se ouve dos
maiores intelectuais do Brasil que fizeram contribuições
internacionais como a Nise, o Paulo Freire, o Darcy Ribeiro.
O Josué de Castro, por exemplo, que foi um dos intelectuais
mais eminentes do país, totalmente ignorado, foi apagado
pela ditadura militar. O Glauber Rocha, o próprio Hélio
Oiticica, a Lygia Clark, os brasileiros que fizeram coisas
extraordinárias, no Brasil, quando são conhecidos, é por um
pequeno grupo de pessoas, não pelo povão brasileiro, que é o
povão que nos interessa que conheça esses cientistas.
Como surgiu o Hotel da Loucura?
Dentro do Instituto Nise da Silveira, que é um complexo
psiquiátrico de oito mil metros quadrados. No último prédio
desse complexo, o Instituto Psiquiátrico Adaulto Botelho, tem
sete andares, e desses sete andares dois ainda funcionam
como enfermarias psiquiátricas… A gente ocupou primeiro
uma enfermaria em julho de 2012 e ali a gente fez o
Hotel da Loucura, pintamos paredes, lavamos banheiros,
desenhamos, cantamos, pulamos, e nesse primeiro ano a
gente expandiu pra outra enfermaria, a gente tem uma área
de duas grandes enfermarias psiquiátricas, tem seis coletivos
artísticos trabalhando, lá eles ficam hospedados, nesse
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Leros ABRIL 2014 37
espaço de livre criação, onde pode
tudo, só não pode ferir a ética e nem
ferir a vida, é a coletividade que atua,
a coletividade que trabalha o máximo
possível, né?
Quais são as dificuldades de manter
um espaço assim?
O grande desafio é aprender a
trabalhar coletivamente, porque
a gente apesar de ter isso muito
carregado em nosso inconsciente, a
gente sempre viveu soterrado pela
cultura e pelas
práticas culturais
competitivas
da nossa era,
então a gente
trabalha muito
com essa questão
da competição e
da cooperação e
a gente fala que
quem compete
fala mal, quem
coopera faz junto,
então a gente
tenta fazer o
máximo possível
juntos, todos
nossos materiais são colaborativos,
produzidos dentro do SUS, do Sistema
Único de Saúde, então é tudo aberto,
de domínio público, a gente faz
questão de sempre frisar isso. E temos
também o problema da precariedade
material, a gente trabalha num
hospício do subúrbio do terceiro
mundo, com financiamento público,
com tudo público, faltam coisas
elementares, medicação, por exemplo,
às vezes falta, e isso é um problema,
nós sabemos que não é falta de
dinheiro, nós sabemos que o país é um
dos países mais ricos do mundo, que
o orçamento é alto… Às vezes dá um
desânimo, mas como eu sou carioca,
de Realengo, Cohab de Realengo, de
família pobre, eu estou acostumado
com dificuldades, minha vida nunca
foi fácil, estou acostumado a lidar com
pobreza. Como eu tenho convicção
que a pobreza
é produzida
pelo estado
educacional,
é através
disso que a
força vem
para mexer
nesse lado de
questionar
o teatro que
a pessoa tá
fazendo, que
tipo de ator
você está
fazendo?
Que tipo
de discurso você desenvolve? Que
tipo de espelho você está servindo à
natureza? Um espelho que melhora ou
um espelho que piora? Você tem que
falar “opa, eu sou ator”, eu tenho que
me posicionar em relação ao outro,
em relação à coletividade. As pessoas
que ficam vendo novela demais,
ficam vendo TV demais, têm uma
dificuldade imensa de se manifestar,
de dançar, de se colocar, porque os
modelos que estão colocados aí na
cultura hegemônica influem muito
a população, então fica difícil você
falar “gente, todo mundo é ator agora,
vamos todos cantar e dançar”. Mas a
coisa vai, eu vejo que é por aí que vai.
Até que ponto a sua formação
influenciou a sua decisão de trabalhar
com a “loucura”?
Olha, Vicente, eu entendi isso mais
recentemente, é a loucura da minha
família, a minha família é muito louca,
tenho casos graves na família, de vício
em drogas, de assassinato, não são
homicidas, mas se envolveram com
narcotráfico, foram assassinados,
então eu tenho uma carga grande
de loucura e eu fico vendo também,
o sobrenome da minha família é
“Pordeus”, ele foi inventado no século
18 no sertão da Paraíba e são judeus-
portugueses que vieram fugidos de
Portugal, da inquisição portuguesa,
espanhola e foram parar lá no sertão
da Paraíba, mudaram o sobrenome
e ficaram lá, até o meu avô sair e
eu tenho na minha parte paterna,
meu pai era de Manaus, eu tenho
uma tataravó que era parteira e era
rezadeira e era uma mulher de cura
muito forte lá em Manaus, então
eu vi hoje, isso é um entendimento
recente que eu tive por parte da minha
ancestralidade, tanto a família do meu
pai, como da minha mãe tinham essa
vocação de cura. Por obra do destino
Um paciente tinha a mania
de agarrar no pescoço. Ele
veio para o meio da roda,
pegou no meu pescoço e
como eu não tirei a mão
dele, ele veio me beijar
na boca. Em fração de
segundos eu tive que
decidir: beijo ou não beijo?
consegui passar no vestibular e receber esse título de médico,
então tudo isso que veio, eu acho que veio para fazer uma
restauração de vidas dos meus ancestrais. Eu acredito muito
nisso, eu acho que a gente só avança quando está avançando
a pergunta dos nossos ancestrais. O Jung fala isso, ele diz
que a sua vida só avança quando você começa a responder
perguntas que os seus ancestrais não responderam. E meus
pais, nessa Cohab em que a gente morava lá em Realengo,
eram lideranças comunitárias, faziam manifestações na
rua, militavam pra reformar a praça do conjunto, então eu
penso “que pena que eles não faziam teatro”, porque eles
se fizessem o movimento teria andado muito melhor e esse
movimento era também o movimento de fundação do PT
na zona oeste do Rio de Janeiro, então eu fui criado dentro
do PT e eu assim vejo essa questão da política partidária
completamente falida, quem tem que fazer política pública
somos nós cidadãos, e não esperar por partidos, porque
eu fui criado dentro desse meio, trabalho no governo e
vejo que é tudo um teatro de péssima qualidade, que a
gente deve estar atento a isso e fazer o melhor possível sem
repetir esses erros do passado, porque não foi fácil, meu pai
mesmo foi uma pessoa que com a crise da década de 80, de
90, se perdeu completamente na questão da militância, do
exercício da sua cidadania, ele não é mais uma pessoa que
acredita na construção social, política. A minha mãe não,
ela é professora primária, guerreira, que até hoje trabalha
em escola pública, é diretora de uma creche municipal e
faz com qualidade, ela acredita nessas práticas. E eu estou
continuando o que eles faziam…
E qual a parte mais gratificante do seu trabalho?
A melhor coisa é o afeto dos loucos, é o afeto intenso dos
loucos, dos ditos loucos, eu vejo que eu tenho afeto de
louco, porque eu sou uma pessoa de afeto intenso, e o
reconhecimento deles, o carinho, o avanço deles, quando
eles se curam um pouco eles me curam junto, porque a
doença deles é a minha doença também, isso que é a grande
dificuldade, ver pessoas que estavam isoladas dentro daquele
hospital até muito pouco tempo atrás e hoje estão saindo,
estão se desenvolvendo, estão viajando de avião graças ao
trabalho, estão indo a Brasília apresentar no Ministério
da Saúde, perderam peso, estão em comunicação com o
mundo… Você vai vendo que no campo da doença mental
é basicamente isso, acabar com o preconceito, acabar com
o estigma, com o auto preconceito, você entender que ouvir
vozes é um fenômeno que faz parte da natureza humana,
o ser humano ouve vozes desde que o mundo é mundo.
Existem registros de ouvir vozes na cultura, nas diferentes
tradições, é muito legal… O teatro é um estado alterado de
consciência, o teatro são as vozes que você pode colocar pra
fora. O teatro é você deixar se afetar pelas emoções, pelas
ideias, pelas projeções psíquicas que estão presentes ali
naquela coletividade, naquele momento… e é muito legal
você aprender a fazer isso sem utilizar nenhuma substância
química, sem utilizar nenhuma erva, sem utilizar nenhum
cogumelo, porque isso te dá uma experiência da vida mais
controlada, mais ritualizada… A necessidade que o ser
humano tem de beber, de fumar, consumir substâncias
que deixam ele em estado alterado é justamente isso, esse
contato com o lado superior, esse contato com moradas,
como diz o Amir, mais profundas da alma do ser humano, e
é isso que a gente está buscando e a loucura é esse mesmo
processo, a pessoa que está louca ela está nesse lugar, vamos
dizer que a diferença entre o louco e o ator é que louco não
tem controle sobre sua expressão, o ator tem e o ator quando
é bom vai a regiões profundas, vai a regiões de loucura,
de sombra, de terror, de surto mesmo, e sendo bom ator a
pessoa consegue retornar… Você não é só Vicente Lou, você
é uma multidão de pessoas que você carrega, você é uma
multidão de ancestrais, de história, de mitos, de pessoas
que viveram, do conhecimento que foi acumulado antes
de você nascer. Tudo isso é atravessado pra nós através da
cultura e se você começa achar que você é uma pessoa só,
que você tem um emprego fixo, que você tem que cumprir
um conjunto de tarefas iguais todos os dias, isso certamente
vai ser fatal à ruptura, à quebra dessas repetições… A Dra.
Nise desenvolveu um método científico, ela trabalhou com
o Carl Jung, que era o maior psiquiatra do mundo na época,
na década de 50, ela desenvolveu uma experimentação
extensa, ela sempre falou isso “nunca estudei a pintura dos
meus pacientes no meu gabinete. Eu estava lá perto deles,
junto deles, observando, vendo a reação deles, vendo a mão,
vendo o tremor da mão, a emoção do rosto”. Então quando
você passa a observar a pessoa com mais cuidado, você não
dirige. Se você dirigir você induz a expressão e os conteúdos
profundos não emergem, você tem que ser acolhedor, você
tem que ser imprevisível, porque a loucura é imprevisível,
você não sabe o que vai acontecer. Você tem que estar pronto
pra trabalhar com essa imprevisibilidade, então a gente segue
esses caminhos que a Dra. Nise indicou...
Nesses quase dois anos de Hotel da Loucura, qual foi a
experiência mais marcante?
É muita coisa, muita história, selecionar uma é difícil. Mas
eu vou falar de uma que nós temos filmada, o filme está na
internet, chama-se “Clientes e amigos”, no meio de uma
oficina nossa de teatro, que está tocando a música Aquarius,
do [musical] Hair, uma pessoa pega o microfone e começa
a dublar a música e essa paciente me foi apresentada como
muda, na ficha clínica dela constava que ela era muda
e nessa oficina, nesse dia que foi filmado pelo cineasta
pernambucano Luis Santos, ela diz que alguém tirou o
filho dela, ela revelou isso, o quadro dessa paciente é muito
grave, mas ela já canta e dança com a gente, eu encontro
com ela, ela fala comigo “eu estou bem, tomei banho, tomei
o remédio” e ela compôs uma música que a gente canta,
a gente fala que é o ponto, o ponto da entidade, então ali
naquele momento… eu sempre choro vendo esse filme por
causa dela… Um outro momento muito forte também foi
em um dos primeiros cortejos que a gente fez em 2011, era
um grupo grande, 30, 40 pessoas dentro do hospital e a gente
foi à praça e na volta a gente se reuniu para conversar e aí
entrou esse cliente que é gravíssimo, nessa época ele tinha
uma mania de pegar no pescoço das pessoas, e eu estava no
meio da roda discursando sobre o que tínhamos acabado de
fazer e ele veio pro meio da roda e pegou no meu pescoço,
eu deixei, continuei falando. Como eu não tirei a mão dele
do meu pescoço ele veio me beijar na boca e é um paciente
que todo mundo diz assim que ele come gato, sabe? Aquelas
coisas de hospício… e aí ele veio me beijar na boca e me veio
a pergunta: eu beijo ou não beijo? Isso assim em fração de
segundos, beijei e ele me beijou e depois disso ele parou de
pegar no pescoço. Ele já me beijou mais uma vez também no
Congresso de 2013 no meio do teatro, porque eles escolhem
o momento em que está a coletividade deflagrada para fazer
esse tipo de coisa, e esse foi um momento crucial, eu tinha
que beijar ou não a boca de um maluco de hospício, e eu
decidi beijar e hoje eu entendo que foi a decisão certa e que
não me matou, não me fez mal nenhum, pelo contrário, me
ajudou e ajudou ele a progredir na relação com a gente e hoje
ele já fala, antes ele chegava e pegava no pescoço das pessoas
e as pessoas ficavam apavoradas e hoje ele já chega, ele vai ao
Hotel da Loucura, ele senta no sofá, ele toma café, ele vai na
geladeira e come tudo o que tiver pela frente, então você vê
que tem um caminho…eu senti que o portal da loucura tinha
sido aberto e que eu tinha acolhido, porque o que é uma
questão muito forte é a participação dos loucos, né? Esse
trabalho é fundamentalmente protagonizado pelos loucos,
se os loucos não protagonizarem não tem trabalho… acolher
a loucura é difícil, porque você tem que acolher primeiro a
sua loucura, se você não acolher a sua loucura, você não vai
acolher a loucura do outro, e acolher a sua loucura é difícil.
• Vitor Pordeus coordenará dois eventos em Londres:
Let’s talk about Madness, 1º de maio, quinta-feira, das 18h às
21h, no Artist’s Studio: 3 Westland Place, N1 7LP.
Metrô: Old Street. Entrada grátis.
Informações: www.vivartista.com
Vamos ocupar o Dragon Café, 5 de maio, segunda-feira, das
14h às 16h + perfomance’ das 19h às 20:30h, no Dragon Café:
St. George The Martyr Church, Borough High Street, SE1 1JA.
Informações: 07557 36 5959.
www.dragoncafe.co.uk.

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Entrevista do Médico/Ator Vitor Pordeus para a Revista Leros

  • 1. 34 Leros ABRIL 2014 Vitor Pordeus vai mostrar em Londres como ele criou um espaço livre de criação, onde pessoas ditas anormais não recebem medicamentos e são tratadas através da arte e encorajadas a atuar como atores para ter consciência das situações que as oprimiram. Antes de chegar à psiquiatria revolucionária introduzida pela Dra. Nise da Silveira, ele se formou em Medicina, estudou no Instituto Wiezmannn, em Israel, e entrou numa crise filosófica quando fazia Doutorado, o que o levou a ingressar no teatro. Hoje ele tenta implantar um novo conceito de saúde pública como coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, e quando foi a Nice, na França, participar de um Congresso Internacional de Imunologia, concedeu esta entrevista, por Skype, para falar da ocupação do espaço onde ele atua há quase dois anos… VICENTE LOU: No material sobre o Hotel da Loucura, vocês falam muito sobre relações de afeto mas lidam com pacientes que muitas vezes chegam a vocês porque a própria família não sabe lidar com eles. Imagine, por exemplo, uma pessoa que chega totalmente transtornada, agressiva, que não aceita regras. Em uma clínica convencional a princípio ela seria sedada, como vocês lidam com casos assim? VITOR PORDEUS: A gente trabalha fundamentalmente no Hotel da Loucura com teatro, então no caso de uma crise psicótica o que a gente faz é abrir uma roda e começar uma oficina, já aconteceu várias vezes, já tivemos vários momentos de crises psicóticas durante esses dois anos que o Hotel da Loucura vai completar em julho. No caso de violência mesmo, a gente contém a pessoa, coloca no chão e deixa a fúria se esgotar e depois conversa, vê o que aconteceu e a pessoa vai se colocando. Então a gente não usa medicamento, o procedimento que nós desenvolvemos a partir da experiência encontrada na psiquiatria contemporânea é esse mesmo, colocar no chão, esperar a fúria passar e dramatizar esses conteúdos, o máximo que for possível, dialogar esses conteúdos, deixar que eles se manifestem o máximo que for possível e, de modo geral, o que acontece é isso: geralmente as crises são conteúdos que precisam ser liberados, são eventos, são memórias, histórias, mesmo no paciente com psicose grave, esses surtos acontecem por necessidade de expressão de conteúdo e uma vez que esses conteúdos são expressos, no nosso caso do Hotel da Loucura através da oficina de teatro, que é dançar, cantar e deixar isso… dialogar, eu trabalho como ator fundamentalmente, eu trabalho dialogando no teatro. Eu pessoalmente sou médico mas estou neste front imediato, é preciso de atores mesmo que se deixem afetar, atores que dialoguem, que, como diz Shakespeare, que sirvam de espelho à natureza, à virtude, à sua imagem, ao ridículo… A gente permite que esse conteúdo que está ali aflorando seja de fato problematizado, dialogado, trabalhado, a gente sempre fala “todo ser humano é ator”, então essa convivência acaba sendo muito dramática, muito teatral, assim a gente consegue dar vazão e deixar essas coisas passarem. Um paciente violento seria atendido numa oficina de ação expressiva, que nós chamamos, que são oficinas de improviso, de música, de canto e de dramatização de conteúdos espontâneos, que são trabalhados do improviso, improviso não é um bom nome porque no improviso é que emergem os conteúdos internos do inconsciente coletivo. A gente está trabalhando muito com Shakespeare agora. O Shakespeare é lotado de loucura, de bruxas, de fantasmas, de demônios. Não é à toa que ele é quem é, justamente porque ele dá vazão a esses desejos, a esses impulsos, a essas fantasias, a essas vozes que existem dentro de nós… Ele não é da sala fechada de espetáculo com bilheteria na porta. Ele é dos espaços abertos, da loucura, do ser humano. Dizem que Londres quando Shakespeare chegou era uma favela, as pessoas jogavam cocô pela janela, se esfaqueavam, era violência, era morte, peste bubônica, explodiam epidemias de peste, as pessoas tinham que fugir, eles iam pra todo lado, então nesse lugar é que ele chegou e fez a alquimia da poesia, do teatro, e é realmente muito poderoso. Eu estou aqui com o livro que eu estou lendo que confirma nossa experiência, que é “Shakespeare as a prompter”, que é de um psiquiatra inglês Murray Cox, que trabalhou no Hospital Psiquiátrico Criminal de Londres, o Broadmoor Hospital, que é um presídio psiquiátrico, que trabalha com loucos, criminosos, e ele encenou Shakespeare lá, fez várias peças e ele diz que o Shakespeare é excelente e eu confirmo essa teoria, que o Shakespeare é excelente disparador do processo terapêutico… Ele desenrola conteúdos, por parte dos pacientes, mesmo os que não sabem ler, mesmo os que nunca ouviram falar dele. Estamos lidando com um negócio que é maior, mais antigo e está na tradição. Eu estudo muito medicina popular, medicina tradicional, leio sobre medicina grega e vejo como a medicina grega que é a base da nossa medicina ocidental, como ela era toda trabalhada com poesia, música, revelação. Eles falavam de catarse, dialética e êxtase, são as três fases da cura, segundo a medicina grega. Então a catarse é a fase dionisíaca, é a fase de botar os demônios pra fora, deixar as substâncias obscuras serem colocadas pra fora. A Dialética é o diálogo, é a troca de conteúdo, é a troca de ideias, é a conversa, o espelho da natureza. E finalmente o êxtase, que é “ecstasy” em grego, que quer dizer elevação… Lendo Shakespeare você tem a nítida sensação que ele entende absolutamente tudo isso. Tem uma fala do Hamlet que é assim “ouvi dizer que certos criminosos ao verem seus crimes encenados foram tão perturbados pelas sugestões das cenas que confessaram imediatamente os seus crimes”, então o negócio é esse “the play is the thing”. O negócio é a peça. Vou pegar os atores e vou encenar a morte de meu pai diante do meu tio e observar a reação dele. Se a gente substituir criminoso por doente, casa lindamente. Se a gente encenar a doença na frente dos doentes eles podem ficar tão perturbados pelas sugestões das cenas HoteldaLoucura
  • 2. que confessam imediatamente o seu crime e se curam da sua doença, se curam da sua contradição. Então você começa a entender como a poesia entra nessa questão dos conteúdos, dos sentimentos, do que a pessoa está vivendo. A dança mobiliza, o teatro é importante, o teatro é a elevação poética, e é na hora que a poesia entra que você organiza o pensamento, que a consciência vem, a clareza, a poesia é que cura. VICENTE LOU: Os hóspedes do Hotel da Loucura são residentes ou só passam um tempo lá? VITOR PORDEUS: Tem de tudo, existe uma grande variedade de origens das pessoas que frequentam e que trabalham com a gente, mas nós temos desde pessoas que viveram a vida inteira internadas ali no Engenho de Dentro, pessoas que viveram internadas em outros hospícios e que foram transferidas para lá, nós temos pessoas que não estão internadas, que nunca foram internadas e que fazem tratamento psiquiátrico no Engenho de Dentro, no Espaço Aberto ao Tempo, que é uma clínica psiquiátrica, cultural, de uma das pessoas que trabalhou com a Nise da Silveira, que é o Dr. Lula Wanderley e que frequentam lá, trabalham na oficina de teatro com a gente, fazem apresentações. Tem gente que não tem doença nenhuma, que é saudável e está lá também fazendo teatro, trabalhando. Tem gente que é saudável e fica doente, eu mesmo já tive momentos de chegar no Hotel da Loucura e falar “hoje eu sou paciente porque eu não tenho condição nenhuma de trabalhar com ninguém. Eu preciso dividir aqui o que está acontecendo”, e fui acolhido pelos que seriam meus pacientes e me reconfortaram naquele momento… O que a gente coloca é que todo mundo é ator e todo mundo é doente em potencial e todo mundo é terapeuta e que essa coletividade em funcionamento, essa comunidade de relações criativas é o que efetivamente faz as pessoas avançarem. Quem diz isso não sou eu, vários autores falam, por exemplo, um grande psiquiatra escocês chamado Ronald Laing fez grandes experiências com psiquiatria comunitária na década de 70, fez grandes movimentos de reforma das relações, dos espaços, então não é muita novidade isso que nós estamos propondo. As pessoas são encaminhadas ao Hotel da Loucura ou decidem procurar ajuda? Fundamentalmente é espontâneo, onde não há desejo, não há cura, então a gente sabe muito bem que só se engaja e progride no trabalho quem tem desejo de fazer isso, né? Então a própria linguagem que nós trabalhamos já é uma linguagem aberta, a gente faz oficinas que são oficinas abertas, que as pessoas aderem espontaneamente. Nos cortejos que nós fazemos, que passam pelos lugares, a adesão espontânea é fundamental. Eu atendo pacientes que as pessoas me encaminham, eu atendo primeiro no consultório, depois eu pergunto se não querem participar das oficinas de teatro, mas sempre é espontâneo, qualquer tentativa de encaminhamento, de sugestão, é perigosa, é complicada, ainda mais na doença mental grave, onde o processo terapêutico é frágil, de difícil progressão, então a gente tem casos de pacientes que ficam dispersos no campus do hospício e quando eles ouvem a música eles saem de onde eles estão… casos gravíssimos, de pessoas com doença mental gravíssima, que onde eles ouvem a música eles vão embora e encontram a gente lá no terceiro andar, onde é o Hotel da Loucura, ou no Teatro Dionysius, que é um espaço aberto, um teatro de arena. Então essa questão de valorizar o desejo é fundamental no processo terapêutico. Como foi a sua transição da medicina convencional para o teatro? Eu fiz teatro na infância, dos 9 aos 11 anos. Fiz Medicina, fiz pesquisa em imunologia, trabalhei fora do Brasil, estudei no Instituto Weizmann, na Universidade de Tel Aviv, em Israel, depois voltei ao Brasil e fui para a Universidade de São Paulo, comecei Doutorado e muito próximo de terminar o Doutorado eu entrei numa divergência filosófica e científica com a minha professora e ela me convidou a me retirar. Isso me levou a uma crise e em 2006 eu decidi estudar teatro para buscar uma alternativa, fui trabalhar com a Camila Amado, trabalhei com Amir Haddad e com ele eu engrenei. Estou há oito anos trabalhando com o Amir. No teatro eu tive um contato muito forte com a obra do Bertold Brecht, ele estudou Medicina, trabalhou na Universidade e na obra principal dele, “A Vida de Galileu”, ele fala muito da relação da Ciência com conhecimento, do conhecimento com a arte, e do conhecimento com a política, aquilo me impactou muito fortemente e não foi à toa que eu fui me fixar no Amir Haddad, porque o Amir também tem um grande trabalho com Galileu, tem uma perspectiva para pensar a sociedade, para pensar as relações, para pensar a Ciência, para pensar a Medicina, é urgente que se faça uma reflexão mais profunda sobre o que é a Biologia, sobre o que é o sistema Foto: BERNADETE LOU Acima, Vitor Pordeus aborda um pajé em um cortejo. Ao lado, o médico, pesquisador e ator, em intervenção artística durante o Encontro da Rede Unida realizado no Parque Inhotim/MG. “Na hora em que a gente faz o que pensa e pensa no que faz, estamos em estado de saúde, estado de criação, estado de avanço com o mundo”, diz Vitor Pordeus.
  • 3. imunológico, sobre o que nós estamos fazendo, sobre o que é a Medicina, porque a Medicina virou uma coisa de vender drogas, né? Virou uma coisa de fazer pesquisa e vender drogas e isso está levando a gente para um buraco na saúde pública, em todas as cidades pobres, isso matematicamente falando, as pessoas morrem de cinco a dez anos antes. Na Inglaterra, tem um médico chamado Michael Marmot, ele fala da determinação sócio-econômica da Saúde e ele mostra já há algumas décadas como as classes sociais que são menos favorecidas economicamente adoecem mais, e morrem antes, quando bastaria um sistema cultural, um sistema educacional, um sistema social um pouco menos monstruoso, um pouco menos agressivo e para isso a gente precisa reformular a prática cultural e simbólica, como a gente tem demonstrado. Seu trabalho é inteiramente baseado no método da Dra. Nise da Silveira, como você conheceu o trabalho dela? Fazendo teatro em 2008, eu era pesquisador, ainda sou pesquisador, trabalhava num hospital privado no Rio de Janeiro, chamado Pró- Cardíaco, na divisão de pesquisa de cardiologia, de imunologia para doença cardiovascular. O meu chefe era o Hans Dohmann e no final de 2008 ele foi convidado para ser Secretário de Saúde eu já era ator e médico-pesquisador e ele me chamou para coordenar a pasta de Cultura e Saúde. Aí a gente assume a pasta em 2009 e eu vou visitar o Engenho de Dentro, porque eu já tinha ouvido falar da Dra. Nise através de uma pessoa aqui, outra ali, e as pessoas da Secretaria falavam “você tem que conhecer o trabalho da Dra. Nise, lá no Museu do Inconsciente, no Engenho de Dentro”. Eu cheguei lá e me apaixonei profundamente porque é uma revolução realmente o que a Dra. Nise fez, que foi justamente explorar o mundo interno dos ditos esquizofrênicos e descobrir imagens, mitos, narrativas, que são na verdade conteúdos profundos do inconsciente coletivo que são nossos conteúdos e que a gente através dessa relação criativa e afetuosa, a gente é capaz de revelar em qualquer lugar, com qualquer ser humano, é uma coisa absolutamente científica, reprodutível, regular, histórica… É muito legal. O que é difícil é você entender a ética da Dra. Nise, a visão de mundo da Dra. Nise, porque a Dra. Nise além de ser uma intelectual muito bem formada, o pai era um homem culto, era um jornalista, a mãe era pianista lá em Maceió. Ela leu muita coisa importante logo na adolescência, ela passa pra Medicina aos 16 anos, ela se forma em Medicina aos 22 anos, onde ela faz uma tese sobre criminalidade no mundo feminino, e aí ela volta pro Brasil, e ela é presa na ditadura Vargas, fica um ano e meio presa no Presídio Frei Caneca, testemunha a tortura de seus companheiros de cela. Então quando ela sai da prisão ela diz “eu saí com mania de liberdade”, e quando ela chega no Hospício do Engenho de Dentro ela encontra os esquizofrênicos crônicos sendo tratados com eletrochoque e lobotomia, e ela se recusa a fazer isso. A Dra Nise, que para mim é a melhor médica da história do Brasil, ela fala “a criatividade que todo mundo tem que exercitar, exercitar o imaginário, exercitar a fantasia, exercitar as possibilidades de se transformar, de exercer outros papéis”. Então ela vem com uma personalidade muito forte, com um trabalho de rigor científico e vai produzir o que é o Museu do Inconsciente hoje, que é um museu com mais de 60 anos de experiência e com 352 mil obras no acervo técnico, que é produzido por pacientes com diagnóstico de doença mental e produzem coisas que são consideradas pelos críticos de arte como as maiores obras de artes visuais do Brasil. Fernando Diniz, Emilio de Barros, são artistas que entraram para a história das artes visuais no Brasil, pela altíssima qualidade estética dos trabalhos. A Dra. Nise da Silveira representa para a Psquiatria o que Paulo Freire representa para a Educação. Por que você acha que ela é menos reconhecida? Eu acho que ela ainda é ignorada, eu fiz um verso dizendo que a gente ainda saberá amar a Nise porque o que nós estamos vendo hoje é um retrocesso da reforma psiquiátrica brasileira, estamos montando comunidades terapêuticas onde se usam altas doses de medicamentos. A utilização de drogas psicotrópicas está aumentando a cada mês, o nível de saúde mental está deteriorando claramente no Rio de Janeiro. A gente está vivendo um período de ensandecimento público, de violência aumentando, então eu vejo que a Dra. Nise está em baixa. Eu me formei em Medicina sem ter ouvido falar na Doutora Nise. O destino acabou me colocando ali para trabalhar nesta pasta de Saúde e Cultura que eu coordeno há cinco anos. Nise da Silveira é uma precedente do nosso trabalho lá no Engenho de Dentro, maior museu do mundo de Arte e Loucura. Ela diz que é preciso improvisar, é preciso deixar que esses conteúdos se manifestem, se apresentem, é preciso sair do programa, sair do roteiro, deixar o que ali está se apresentando se colocar e a experiência tem sido positiva, a gente tem tido nesses casos em que a gente atendeu crise psicótica com o teatro, o engajamento dessas pessoas no trabalho e a revelação de conteúdos históricos, por exemplo, maus tratos, violência, que essas pessoas jamais tinham comunicado para ninguém, depois dessas vivências elas começaram a comunicar isso, a dizer que ouvem vozes, a dizer que tem alucinações auditivas, então é uma questão mesmo de você entrar em contato com você e com o outro, né? Porque o outro é o espelho seu, a gente está o tempo inteiro em contato com essas questões do outro e de si próprio. E por que você acha que ela continua sendo negligenciada? Se você olhar política pública que é o que nos interessa discutir, é uma política pública completamente anti-freiriana (Paulo Freire), mesmo os setores que dizem que fazem Educação e Saúde e que fazem educação popular em Saúde, quando você vai ver estão fazendo educação didática prescritiva, educação bancária, que é o oposto do que o mestre falou. Então o Brasil, eu acho que talvez você possa ajudar a gente entender melhor essa perspectiva, da colonização científica, da colonização cultural, o Brasil não valoriza seus cientistas. Quase não se ouve dos maiores intelectuais do Brasil que fizeram contribuições internacionais como a Nise, o Paulo Freire, o Darcy Ribeiro. O Josué de Castro, por exemplo, que foi um dos intelectuais mais eminentes do país, totalmente ignorado, foi apagado pela ditadura militar. O Glauber Rocha, o próprio Hélio Oiticica, a Lygia Clark, os brasileiros que fizeram coisas extraordinárias, no Brasil, quando são conhecidos, é por um pequeno grupo de pessoas, não pelo povão brasileiro, que é o povão que nos interessa que conheça esses cientistas. Como surgiu o Hotel da Loucura? Dentro do Instituto Nise da Silveira, que é um complexo psiquiátrico de oito mil metros quadrados. No último prédio desse complexo, o Instituto Psiquiátrico Adaulto Botelho, tem sete andares, e desses sete andares dois ainda funcionam como enfermarias psiquiátricas… A gente ocupou primeiro uma enfermaria em julho de 2012 e ali a gente fez o Hotel da Loucura, pintamos paredes, lavamos banheiros, desenhamos, cantamos, pulamos, e nesse primeiro ano a gente expandiu pra outra enfermaria, a gente tem uma área de duas grandes enfermarias psiquiátricas, tem seis coletivos artísticos trabalhando, lá eles ficam hospedados, nesse 36 Leros ABRIL 2014
  • 4. Leros ABRIL 2014 37 espaço de livre criação, onde pode tudo, só não pode ferir a ética e nem ferir a vida, é a coletividade que atua, a coletividade que trabalha o máximo possível, né? Quais são as dificuldades de manter um espaço assim? O grande desafio é aprender a trabalhar coletivamente, porque a gente apesar de ter isso muito carregado em nosso inconsciente, a gente sempre viveu soterrado pela cultura e pelas práticas culturais competitivas da nossa era, então a gente trabalha muito com essa questão da competição e da cooperação e a gente fala que quem compete fala mal, quem coopera faz junto, então a gente tenta fazer o máximo possível juntos, todos nossos materiais são colaborativos, produzidos dentro do SUS, do Sistema Único de Saúde, então é tudo aberto, de domínio público, a gente faz questão de sempre frisar isso. E temos também o problema da precariedade material, a gente trabalha num hospício do subúrbio do terceiro mundo, com financiamento público, com tudo público, faltam coisas elementares, medicação, por exemplo, às vezes falta, e isso é um problema, nós sabemos que não é falta de dinheiro, nós sabemos que o país é um dos países mais ricos do mundo, que o orçamento é alto… Às vezes dá um desânimo, mas como eu sou carioca, de Realengo, Cohab de Realengo, de família pobre, eu estou acostumado com dificuldades, minha vida nunca foi fácil, estou acostumado a lidar com pobreza. Como eu tenho convicção que a pobreza é produzida pelo estado educacional, é através disso que a força vem para mexer nesse lado de questionar o teatro que a pessoa tá fazendo, que tipo de ator você está fazendo? Que tipo de discurso você desenvolve? Que tipo de espelho você está servindo à natureza? Um espelho que melhora ou um espelho que piora? Você tem que falar “opa, eu sou ator”, eu tenho que me posicionar em relação ao outro, em relação à coletividade. As pessoas que ficam vendo novela demais, ficam vendo TV demais, têm uma dificuldade imensa de se manifestar, de dançar, de se colocar, porque os modelos que estão colocados aí na cultura hegemônica influem muito a população, então fica difícil você falar “gente, todo mundo é ator agora, vamos todos cantar e dançar”. Mas a coisa vai, eu vejo que é por aí que vai. Até que ponto a sua formação influenciou a sua decisão de trabalhar com a “loucura”? Olha, Vicente, eu entendi isso mais recentemente, é a loucura da minha família, a minha família é muito louca, tenho casos graves na família, de vício em drogas, de assassinato, não são homicidas, mas se envolveram com narcotráfico, foram assassinados, então eu tenho uma carga grande de loucura e eu fico vendo também, o sobrenome da minha família é “Pordeus”, ele foi inventado no século 18 no sertão da Paraíba e são judeus- portugueses que vieram fugidos de Portugal, da inquisição portuguesa, espanhola e foram parar lá no sertão da Paraíba, mudaram o sobrenome e ficaram lá, até o meu avô sair e eu tenho na minha parte paterna, meu pai era de Manaus, eu tenho uma tataravó que era parteira e era rezadeira e era uma mulher de cura muito forte lá em Manaus, então eu vi hoje, isso é um entendimento recente que eu tive por parte da minha ancestralidade, tanto a família do meu pai, como da minha mãe tinham essa vocação de cura. Por obra do destino Um paciente tinha a mania de agarrar no pescoço. Ele veio para o meio da roda, pegou no meu pescoço e como eu não tirei a mão dele, ele veio me beijar na boca. Em fração de segundos eu tive que decidir: beijo ou não beijo?
  • 5. consegui passar no vestibular e receber esse título de médico, então tudo isso que veio, eu acho que veio para fazer uma restauração de vidas dos meus ancestrais. Eu acredito muito nisso, eu acho que a gente só avança quando está avançando a pergunta dos nossos ancestrais. O Jung fala isso, ele diz que a sua vida só avança quando você começa a responder perguntas que os seus ancestrais não responderam. E meus pais, nessa Cohab em que a gente morava lá em Realengo, eram lideranças comunitárias, faziam manifestações na rua, militavam pra reformar a praça do conjunto, então eu penso “que pena que eles não faziam teatro”, porque eles se fizessem o movimento teria andado muito melhor e esse movimento era também o movimento de fundação do PT na zona oeste do Rio de Janeiro, então eu fui criado dentro do PT e eu assim vejo essa questão da política partidária completamente falida, quem tem que fazer política pública somos nós cidadãos, e não esperar por partidos, porque eu fui criado dentro desse meio, trabalho no governo e vejo que é tudo um teatro de péssima qualidade, que a gente deve estar atento a isso e fazer o melhor possível sem repetir esses erros do passado, porque não foi fácil, meu pai mesmo foi uma pessoa que com a crise da década de 80, de 90, se perdeu completamente na questão da militância, do exercício da sua cidadania, ele não é mais uma pessoa que acredita na construção social, política. A minha mãe não, ela é professora primária, guerreira, que até hoje trabalha em escola pública, é diretora de uma creche municipal e faz com qualidade, ela acredita nessas práticas. E eu estou continuando o que eles faziam… E qual a parte mais gratificante do seu trabalho? A melhor coisa é o afeto dos loucos, é o afeto intenso dos loucos, dos ditos loucos, eu vejo que eu tenho afeto de louco, porque eu sou uma pessoa de afeto intenso, e o reconhecimento deles, o carinho, o avanço deles, quando eles se curam um pouco eles me curam junto, porque a doença deles é a minha doença também, isso que é a grande dificuldade, ver pessoas que estavam isoladas dentro daquele hospital até muito pouco tempo atrás e hoje estão saindo, estão se desenvolvendo, estão viajando de avião graças ao trabalho, estão indo a Brasília apresentar no Ministério da Saúde, perderam peso, estão em comunicação com o mundo… Você vai vendo que no campo da doença mental é basicamente isso, acabar com o preconceito, acabar com o estigma, com o auto preconceito, você entender que ouvir vozes é um fenômeno que faz parte da natureza humana, o ser humano ouve vozes desde que o mundo é mundo. Existem registros de ouvir vozes na cultura, nas diferentes tradições, é muito legal… O teatro é um estado alterado de consciência, o teatro são as vozes que você pode colocar pra fora. O teatro é você deixar se afetar pelas emoções, pelas ideias, pelas projeções psíquicas que estão presentes ali naquela coletividade, naquele momento… e é muito legal você aprender a fazer isso sem utilizar nenhuma substância química, sem utilizar nenhuma erva, sem utilizar nenhum cogumelo, porque isso te dá uma experiência da vida mais controlada, mais ritualizada… A necessidade que o ser humano tem de beber, de fumar, consumir substâncias que deixam ele em estado alterado é justamente isso, esse contato com o lado superior, esse contato com moradas, como diz o Amir, mais profundas da alma do ser humano, e é isso que a gente está buscando e a loucura é esse mesmo processo, a pessoa que está louca ela está nesse lugar, vamos dizer que a diferença entre o louco e o ator é que louco não tem controle sobre sua expressão, o ator tem e o ator quando é bom vai a regiões profundas, vai a regiões de loucura, de sombra, de terror, de surto mesmo, e sendo bom ator a pessoa consegue retornar… Você não é só Vicente Lou, você é uma multidão de pessoas que você carrega, você é uma multidão de ancestrais, de história, de mitos, de pessoas que viveram, do conhecimento que foi acumulado antes de você nascer. Tudo isso é atravessado pra nós através da cultura e se você começa achar que você é uma pessoa só, que você tem um emprego fixo, que você tem que cumprir um conjunto de tarefas iguais todos os dias, isso certamente vai ser fatal à ruptura, à quebra dessas repetições… A Dra. Nise desenvolveu um método científico, ela trabalhou com o Carl Jung, que era o maior psiquiatra do mundo na época, na década de 50, ela desenvolveu uma experimentação extensa, ela sempre falou isso “nunca estudei a pintura dos meus pacientes no meu gabinete. Eu estava lá perto deles, junto deles, observando, vendo a reação deles, vendo a mão, vendo o tremor da mão, a emoção do rosto”. Então quando você passa a observar a pessoa com mais cuidado, você não dirige. Se você dirigir você induz a expressão e os conteúdos profundos não emergem, você tem que ser acolhedor, você tem que ser imprevisível, porque a loucura é imprevisível, você não sabe o que vai acontecer. Você tem que estar pronto pra trabalhar com essa imprevisibilidade, então a gente segue esses caminhos que a Dra. Nise indicou... Nesses quase dois anos de Hotel da Loucura, qual foi a experiência mais marcante? É muita coisa, muita história, selecionar uma é difícil. Mas eu vou falar de uma que nós temos filmada, o filme está na internet, chama-se “Clientes e amigos”, no meio de uma oficina nossa de teatro, que está tocando a música Aquarius, do [musical] Hair, uma pessoa pega o microfone e começa a dublar a música e essa paciente me foi apresentada como muda, na ficha clínica dela constava que ela era muda e nessa oficina, nesse dia que foi filmado pelo cineasta pernambucano Luis Santos, ela diz que alguém tirou o filho dela, ela revelou isso, o quadro dessa paciente é muito grave, mas ela já canta e dança com a gente, eu encontro com ela, ela fala comigo “eu estou bem, tomei banho, tomei o remédio” e ela compôs uma música que a gente canta, a gente fala que é o ponto, o ponto da entidade, então ali naquele momento… eu sempre choro vendo esse filme por causa dela… Um outro momento muito forte também foi em um dos primeiros cortejos que a gente fez em 2011, era um grupo grande, 30, 40 pessoas dentro do hospital e a gente foi à praça e na volta a gente se reuniu para conversar e aí entrou esse cliente que é gravíssimo, nessa época ele tinha uma mania de pegar no pescoço das pessoas, e eu estava no meio da roda discursando sobre o que tínhamos acabado de fazer e ele veio pro meio da roda e pegou no meu pescoço, eu deixei, continuei falando. Como eu não tirei a mão dele do meu pescoço ele veio me beijar na boca e é um paciente que todo mundo diz assim que ele come gato, sabe? Aquelas coisas de hospício… e aí ele veio me beijar na boca e me veio a pergunta: eu beijo ou não beijo? Isso assim em fração de segundos, beijei e ele me beijou e depois disso ele parou de pegar no pescoço. Ele já me beijou mais uma vez também no Congresso de 2013 no meio do teatro, porque eles escolhem o momento em que está a coletividade deflagrada para fazer esse tipo de coisa, e esse foi um momento crucial, eu tinha que beijar ou não a boca de um maluco de hospício, e eu decidi beijar e hoje eu entendo que foi a decisão certa e que não me matou, não me fez mal nenhum, pelo contrário, me ajudou e ajudou ele a progredir na relação com a gente e hoje ele já fala, antes ele chegava e pegava no pescoço das pessoas e as pessoas ficavam apavoradas e hoje ele já chega, ele vai ao Hotel da Loucura, ele senta no sofá, ele toma café, ele vai na geladeira e come tudo o que tiver pela frente, então você vê que tem um caminho…eu senti que o portal da loucura tinha sido aberto e que eu tinha acolhido, porque o que é uma questão muito forte é a participação dos loucos, né? Esse trabalho é fundamentalmente protagonizado pelos loucos, se os loucos não protagonizarem não tem trabalho… acolher a loucura é difícil, porque você tem que acolher primeiro a sua loucura, se você não acolher a sua loucura, você não vai acolher a loucura do outro, e acolher a sua loucura é difícil. • Vitor Pordeus coordenará dois eventos em Londres: Let’s talk about Madness, 1º de maio, quinta-feira, das 18h às 21h, no Artist’s Studio: 3 Westland Place, N1 7LP. Metrô: Old Street. Entrada grátis. Informações: www.vivartista.com Vamos ocupar o Dragon Café, 5 de maio, segunda-feira, das 14h às 16h + perfomance’ das 19h às 20:30h, no Dragon Café: St. George The Martyr Church, Borough High Street, SE1 1JA. Informações: 07557 36 5959. www.dragoncafe.co.uk.