Cabe aos profissionais e administradores de serviços de saúde estabelecerem condições, para que o paciente autônomo possa decidir quais informações quer manter sob seu exclusivo controle, e quais quer comunicar a familiares, colegas ou à própria sociedade, decidindo quando, onde e em que condições quer que sejam reveladas. O ser autônomo deve ter liberdade de guardar para si mesmo fatos pessoais que não deseja serem revelados a outras pessoas.
1. PRIVACIDADE E SEGREDO PROFISSIONAL
PROFESSOR GERSON DE SOUZA – enf.gerson@hotmail.com
2. A privacidade é um princípio derivado da
autonomia, e engloba a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas. A
garantia da privacidade de uma pessoa
requer a observação da confidencialidade
de suas informações.
3. Cabe aos profissionais e administradores de
serviços de saúde estabelecerem condições,
para que o paciente autônomo possa decidir
quais informações quer manter sob seu
exclusivo controle, e quais quer comunicar a
familiares, colegas ou à própria sociedade,
decidindo quando, onde e em que condições
quer que sejam reveladas. O ser autônomo deve
ter liberdade de guardar para si mesmo fatos
pessoais que não deseja serem revelados a
outras pessoas.
4. Segredo profissional
A garantia da privacidade e da confidencialidade
das informações dos pacientes é que gera nos
profissionais e na administração de serviços de
saúde o dever ético e legal de manter o sigilo
das informações.
5. O segredo profissional nas atividades de assistência
à saúde tem origem no pensamento hipocrático, que
afirmava: “as coisas que eu verei e ouvirei dizer no
exercício de minha arte, ou fora das minhas funções,
no comércio dos homens, e que não deverão ser
divulgadas, eu calarei, percebendo-as como
segredos invioláveis
6. O segredo compreende as informações que os
profissionais tem acesso, no exercício de suas
atividades, quando transmitidas pelos pacientes ou
responsáveis, obtida através da anamnese, exame
físico, dos cuidados ao paciente, ou proveniente das
observações de outros profissionais, dos resultados
de exames laboratoriais e radiológicos.
7. As informações contidas no espectro da
confidencialidade são aquelas que possuem uma
previsão razoável de que, se reveladas, possam
causar danos ao indivíduo.
8. O caráter sigiloso das informações deve ser observado
nas comunicações orais ou escritas com outros
profissionais, com a imprensa ou autoridades: quando
reveladas por cartas, nas divulgações feitas à imprensa,
boletins médico, discussões de caso, conferências ou
congressos científicos, com exibição de imagens,
fotografias, radiografias ou documentos em geral, nas
perícias e auditorias.
9.
10. EQUIPE MULTIPROFISSIONAL
É fácil perceber que o sigilo das profissões de saúde, que
anteriormente se relacionava-se à atividade liberal,
efetuada em consultórios privados, tem se
transformado bastante nas últimas décadas.
A partir da utilização de locais coletivos – clínicas e
hospitais – onde diversos agentes de saúde, de diversas
categorias profissionais e de diversas formações, se
ocupam do doente, as informações resguardadas pelo
segredo profissional passaram a ser compartilhadas por
inúmeras pessoas.
11. O fato que diversos profissionais e técnicos se
inteiram da totalidade ou de parcelas das
condições sobre o estado de saúde do paciente
resguardadas pelo segredo, não exime a todos
de protegê-lo.
Por isso consideramos que o sigilo profissional,
da forma que era anteriormente concebido, não
mais subsiste, criando a necessidade de serem
estabelecidas novas abordagens no trabalho
compartilhado pelos diversos profissionais,
sempre no benefício dos interesses do paciente.
12. O trabalho multiprofissional não significa que todos os
membros da equipe de saúde necessitam e devam ter
acesso a todas as informações sobre os pacientes. A
troca de informações entre a equipe de saúde é
necessária, mas deve ser limitada as informações que
cada profissional precisa para realizar suas atividades
em benefício do paciente.
13. MOTIVAÇÃO ÉTICA DO SEGREDO
Do ponto de vista da perspectiva do
pensamento ético, a privacidade é um direito
moral do paciente. O segredo profissional, além
do respeito a esse direito, possui um
componente pragmático, pois sem sua
preservação o profissional não teria garantias de
sinceridade das informações e das revelações
fornecidas pela pessoa com quem se relaciona,
o que causaria prejuízos à relação estabelecida
entre os dois.
14. Diversas pesquisas mostram que a confidencialidade
encoraja a procura dos serviços apropriados por
quem tem necessidade de atenção à sua saúde e, ao
contrário, quando não observada, pode afastar as
pessoas, resultando em danos para a sua saúde.
Nesse sentido, deve se lembrar que quando
mantida, favorece a diminuição dos sentimentos de
vulnerabilidade e de vergonha que sofrem as
pessoas quando afetas por doenças, principalmente
aquelas com alto poder descriminatório, como a
tuberculose, a hanseníase, AIDS ou o uso de
substâncias e drogas ilícitas.
16. Violação do segredo como infração legal
Nossa legislação considera o segredo
profissional enquanto interesse público e sua
violação constitui infração à ordem social,
sancionada pela norma penal. Crime apurado
mediante representação daquele que teve seu
direito ofendido e a quem foi causado um dano,
é expresso no art. 154 do Código Penal, que
afirma a interdição de: “revelar alguém, sem
justa causa, segredo, de que tem ciência em
razão de função, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem”.
17. A sanção a ser imposta em caso de
comprovado delito é detenção de três meses a
um ano, ou multa.
É importante destacar que os profissionais de
saúde não são obrigados a depor em juízo
revelando os segredos de seus pacientes, em
virtude do conhecimento dos fatos através do
exercício profissional.
18. Diz o art. 207 do Código de Processo Penal:
“São proibidas de depor as pessoas que, em
razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se,
desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho”.
19. Quando o segredo pode ser rompido
O direito à privacidade e á confidencialidade das
informações não é ética ou legalmente considerado
como um direito absoluto. A quebra do sigilo pode se
dar por meio do consentimento do próprio paciente ou
de seu representante legal, por dever legal ou pela
existência de uma “justa causa”.
20. a) Consentimento do paciente
A preocupação de manter o sigilo não pode ser
levada ao extremo de atuar em prejuízo de seu
titular, por isso o sigilo é estabelecido em benefício
do usuário e não dos profissionais ou dos
estabelecimentos de saúde. Quando o pedido de
informações vem de terceiros pagantes,
empregadores, seguro-saúde, autoridade policial, as
informações sobre o paciente podem e devem ser
fornecidas com o consentimento do paciente, seu
representante legal ou pela família, em caso de
falecimento.
21. b) Dever legal
Fundamentada na preservação da saúde da
coletividade, ensejando evitar a propagação de
determinadas moléstias, que as autoridades consideram
de notificação compulsória, o segredo pode ser rompido
pelos médicos.
O Código Penal Brasileiro, em seu art. 269, obriga essa
categoria profissional à revelação de moléstias
compulsórias, sob pena de cometimento de delito
penal.
Além dos médicos, os demais profissionais de saúde
também têm dever legal de romper o sigilo e informar
as autoridades sanitárias em caso de suspeita ou
confirmação da existência de moléstias de notificação
obrigatória, atendendo às diversas normas sanitárias de
alcance nacional, estadual e municipal.
22. É também obrigação legal dos administradores de
estabelecimentos de atenção à saúde, expressa no
Estatuto da Criança e do Adolescente, revelar nos
Conselhos Tutelares da localidade, os casos
confirmados ou suspeitos de “maus-tratos” a que
forma submetidos crianças e adolescentes (Lei
Federal nº 8069, de 13.07.1990 arts. 13 a 245).
23. c) Suicídio
Uma moça de 27 anos foi internada em hospital da cidade
de São Paulo em virtude de ter ingerido barbitúricos após
uma crise depressiva. Tratada e restabelecida, teve alta
médica em 7 dias de internação, sem apresentar sequelas.
Quando de sua entrada no estabelecimento , foi feito
“boletim de ocorrência” pelo investigador de plantão, Dois
meses depois a autoridade policial demanda ao
administrador do hospital que lhe seja entregue o
prontuário e as fichas clínicas da paciente, que teria
praticado tentativa de suicídio, para instruir inquérito
policial. Afirma que encaminhará o caso ao juiz da comarca.
Qual conduta a ser seguida pelo administrador? Deve
entregar o prontuário? Quais os princípios éticos e legais
que devem ser observados nesta situação?
24. Nesta situação, a negativa do estabelecimento em
fornecer o prontuário e assim manter o caráter sigiloso
das informações baseia-se no fato de que não se trata de
apuração de crime relacionado com a prestação de
socorro médico ou de moléstia de notificação
compulsória.
Alias, cabe dizer que no Brasil o suicídio não é um ato
criminoso. As Normas do Código Penal Brasileiro
somente sancionam a instigação, o auxílio ou
enduzimento ao suicídio e não tencionam punir
aquele que, por ato de desespero o comete.
25.
26. d) Aborto
Depois de muita polêmica em décadas passadas, o
órgão judicial máximo do país, o Supremo tribunal
Federal, entendeu que nos casos de abortamento,
mesmo que provocados, a revelação da informações
deva seguir as regras regentes do segredo
profissional, não devendo ser rompido o sigilo em
prejuízo do paciente quando este estiver ameaçado
de sofrer sanções penais, ou seja, não cabe aos
profissionais do estabelecimentos de saúde,
divulgarem quaisquer informações que possam ser
desfavoráveis aos seus pacientes.
27. e) As justas causas
Denominam-se legal e deontologicamente de “justa
causa”, situações em que, existindo colisão de
interesses e de direitos, um deles, no caso, o direito
à privacidade, deve ser sacrificado em benefício de
outro direito, por exemplo, a vida ou a saúde de
outra pessoa ou da coletividade.
28. “A esposa de um paciente que falecera há dez dias
demandou ao médico do hospital onde o óbito ocorrera que
lhe seja entregue cópia do prontuário hospitalar de seu
marido, porque deseja saber se o ex-esposo tinha
diagnóstico de AIDS, pois tivera informações, não
confirmadas, que o marido fora submetido a diversos
exames laboratoriais durante a estadia no estabelecimento,
incluindo teste para detecção do HIV. Antes de falecer,
quando perguntado pela esposa sobre os resultados, o
marido não revelara se o diagnóstico da doença fora
confirmado”.
Qual a conduta a ser seguida pelo profissional de saúde?
Deve entregar o prontuário?
29. A busca de alternativas para responder a estas
indagações tratará do conflito dos princípios da
autonomia individual, da privacidade e da
confidencialidade com os princípios da beneficência e
da não maleficência, devendo a decisão ser dada
após a análise de cada caso em sua individualidade e
especificidade.
O segredo pode ser quebrado caso a situação
concreta demonstre a existência de reais
possibilidades de dano para a esposa. É eticamente
válido que a cópia do prontuário lhe possa ser
entregue, pois assim estaríamos diante de situação
justificadora de “justa causa” para rompimento do
sugilo.
30. f) Adolescentes
“um adolescente de 14 anos, desacompanhado dos pais,
pede para ser matriculado no Programa de Saúde mental,
em virtude de ser usuário de drogas, solicitando que o fato
não seja revelado aos pais” Qual conduta a ser seguida pelo
profissional e estabelecimento de saúde??
31. Os médicos e psicólogos, em virtude das normas
inscritas em seus Códigos de Ética Profissional,
podem ocultar dos pais, ou dos responsáveis
legais, informações a respeito de pacientes
menores de idade, quando julgarem que os
adolescentes tenham competência para decidir
a partir de avaliação adequada de seus
problemas de saúde (sejam competentes para a
tomada de decisão).
32. Diz a norma deontológica dos médicos:
“É vedado ao médico revelar segredo
profissional referente a paciente menor de
idade, inclusive a seus pais ou responsáveis
legais, desde que o menor tenha capacidade
de avaliar seu problema e conduzir-se por
seus próprios meios para solucioná-lo, salvo
quando a não revelação possa acarretar
danos ao paciente” (CEM, art. 103)
33. O Código dos psicólogos afirma:
“O sigilo profissional protegerá o
menor impúbere ou interdito,
devendo ser comunicado aos
responsáveis o estritamente
essencial para promover
medidas em seu benefício (CEP,
art. 26)
34. Essas normas assumem o princípio da “maioridade
sanitária”, que é independente da maioridade
estabelecida no Código Civil. Fundamentam-se no
princípio da autonomia, entendendo que, quando
existe capacidade decisional do adolescente, suas
decisões verdadeiramente autônomas devem ser
acatadas independente da vontade de pais e
responsáveis, sendo-lhes garantida a manutenção
da confidencialidade de suas informações.
35. Esta noção defende que, do ponto de vista ético, os
parâmetros legais referentes à idade não devam
significar ausência ou presença de competência
individual em decidir, advogando que qualquer
pessoa, independente de sua idade, com condições
intelectuais e psicológicas para apreciar a natureza e
as consequências de um ato ou proposta de
assistência à sua saúde, deva ter facultada sua
tomada de decisão autônoma.
36. Segredo e administração de serviços de saúde
Há obrigação da administração dos serviços de
saúde em efetuar medidas tendentes a minimizar as
violações dos princípios éticos e garantir o caráter
sigiloso das informações, principalmente dos
documentos sob sua guarda e responsabilidade
como os prontuários. Essa obrigatoriedade
independe da natureza do atendimento efetuado, se
público ou privado, se ambulatorial ou hospitalar, se
é serviço pago, conveniado ou gratuito.
38. Auditores e peritos: Necessitando fundamentar suas
opiniões sobre a regularidade de prestação de
serviços, tem direito à consulta dos prontuários, pois
também estão cobertos pelo sigilo profissional. A
consulta deve ser realizada no próprio
estabelecimento, não devendo o prontuário ser
enviado para outros locais, sob pena de extravio ou
perdas que causarão danos institucionais ou ao
próprio paciente.
39. Cabe ainda comentar que o uso do CID (Codificação da
Classificação Internacional de Doenças), em atestados de
saúde, deve guiar-se pelas diretrizes éticas expostas,
somente sendo expresso desde que exista o
consentimento do paciente autorizando a revelação de
informações sobre o seu diagnóstico ou procedimentos
terapêuticos realizados.
CID DOENÇA
HIV B 20
Tuberculose A 15
Sífilis A 51
Hepatite virais B 19
Neoplasia de estômago C 16
40. Segredo e informática
A crescente ampliação dos sistemas de comunicação
através da utilização de redes de informática, e
mesmo da internet, pelos profissionais e
estabelecimentos de saúde, favorece sobremaneira
a disseminação e troca de informações e tem
contribuído com grandes benefícios para a
assistência à saúde. Prontuários informatizados
auxiliam e facilitam ações em prol do paciente, mas
também carregam um potencial de violação da
privacidade e da confidencialidade dos dados.
41.
42.
43. Segredo e normas deontológicas
O Código de Ética Médica insere normas ao segredo em
vários dos seus artigos:
Art. 11 – O médico deve manter sigilo quanto as
informações confidenciais de que tiver conhecimento no
desempenho de suas funções. O mesmo se aplica ao
trabalho em empresas, exceto no caso em que seu silêncio
prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da
comunidade.
Art. 102 – É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão,
salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do
paciente.
44. REFERÊNCIAS
1- Seoane AF, Fortes PAC. A percepção do usuário do programa saúde da família sobre
a privacidade e a confidencialidade de suas informações. Saúde Soc. 2009;18(1):42-9.
2. Ferreira RC, Silva RF, Zanolli MB, Braz M, Varga CRR. Relações éticas na atenção
básica em saúde: a vivência dos estudantes de medicina. Cienc. Saúde Coletiva. 2009;
14(1):1.533-40.
3. Brasil. Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Diário Oficial da
União. 31 dez. 1940 (acesso 10 mar. 2013). Disponível:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del2848compilado.htm
4. Brasil. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução no 311, de 8 de fevereiro de
2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.
Diário Oficial da União. 13 fev. 2007;(31):Seção I, p. 81.