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VAIDADE Do alto daquele cesto da gávea, onde cumpria castigo por ter escorregado nos muitos peixes voadores que jaziam agonizantes ao longo do tombadilho da Velha Nau de velas esfrangalhadas e entornado um barril de rum, um jovem marinheiro gritou aos quatro ventos: - Terra à vista! Terra! Terra! Um arrepio de Liberdade percorreu-lhe os ossos entorpecidos e fê-lo transbordar de alegria. Finalmente ver-se-ia liberto, numa terra virgem, longe desses malditos peixes voadores que por vaidade se meteram a ser aves, redobrando os perigos face à ambição tão enganosa que os matou e fora a causa do seu castigo, bem como da ruína da Velha Nau. A natureza não os fizera bons nem maus, tal como a ele, cada um se fez por si seguindo o seu caminho e cruzando-se com o dos outros. Eles abraçaram o vício da vaidade, ele a vaidade da virtude, eles por terem maiores barbatanas  teimaram em voar por presunção, capricho  e vaidade desmedidas; ele sábio e venturoso, das coisas mais impróprias faz asas em direcção á liberdade. Eles, no enredo das velas, dos mastros e do cordame sucumbiram ao narcisismo dos seus actos; ele, do alto do cesto da gávea desfrutou da grandeza do seu voo, eles … Hoje, tal como ontem neste mar de terra, peixes voadores pavoneiam os seus dons. Dos  mais altos púlpitos esbracejam barbatanas coloridas em coreografias de voos desajeitados, apregoam retóricas, cujos argumentos não sustentam, de vaidades e ambições tão desmedidas a que sucumbem sobreendividados enquanto embebedam plateias de “loiras” produzidas. Empertigados de soberba tombam dos seus voos perigosamente. As naus de outrora, providas de armações, jazem escondidas pelo lodo da sua putrefacção, no mar da palha ou nas covas mais profundas de mares de areia africana carregadas de promessas.  E sempre um jovem marinheiro como dantes, num cesto da gávea pendurado num pinheiro, cumpre castigo por ter pontapeado um voador agonizante e perscruta no horizonte, «…a árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte, os beijos merecidos da verdade.» ensaia mais um voo rumo à liberdade… José Veríssimo  nº6  11º AR
 

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