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O SISTEMA SUSTENTÁVEL DE ENERGIA REQUERIDO PARA O MUNDO
Fernando Alcoforado*
Energia é um insumo essencial para os seres vivos e para o desenvolvimento econômico
e social. Pode-se afirmar que a necessidade mais básica dos seres vivos é a busca de
energia para manter seus corpos em funcionamento. Esse aspecto, o atendimento da
necessidade fisiológica, predominou na história da humanidade até descobrir que
poderia controlar formas de energia que lhe seriam úteis como o fogo, que representou
um marco importantíssimo do domínio dos seres humanos para com o uso da energia
térmica poder cozinhar seus alimentos e se aquecer. A domesticação dos animais
propiciou à humanidade a energia mecânica para o transporte, a agricultura, etc. Há
alguns milênios, a energia hidráulica dos rios e a eólica passaram a ser também
utilizadas. No entanto, somente com o advento da Revolução Industrial, há cerca de três
séculos, é que o uso e a produção de energia assumiram conotação fundamental na
substituição de homens e animais pelas máquinas.
Desde o domínio do fogo há 750.000 anos até o advento da Revolução Industrial não
houve grande evolução na forma da humanidade utilizar a energia. Porém, com a
Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra em 1786 e o consequente processo de
industrialização, a necessidade de energia aumentou e novas fontes primárias, com
maior densidade energética, foram introduzidas. A utilização do carvão mineral como
fonte de energia marcou o fim da era da energia renovável representada pela madeira e
os parcos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, para iniciar-se a era não renovável da
energia, a era dos combustíveis fósseis. O uso da eletricidade e a invenção das máquinas
elétricas no século XIX, juntamente com a introdução dos veículos automotores,
lançaram as bases para a introdução da moderna sociedade de consumo, caracterizada
por uma intensidade energética nunca vista na história da humanidade.
Com o avanço do processo de industrialização, foram necessários novos combustíveis
de maior poder energético, sendo o petróleo o combustível que reuniu essas
propriedades. Iniciou-se, assim, uma nova fase da utilização dos combustíveis líquidos
que perdura até os dias de hoje. Mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial, a
energia nuclear parecia uma alternativa promissora para a geração de energia elétrica,
mas sofreu um grande revés por conta dos acidentes nucleares em Chernobyl em 1986
na Ucrânia e em Fukushima no Japão recentemente. Não existem dúvidas que as
atividades humanas sobre a Terra provocam alterações no meio ambiente em que
vivemos. Muitos destes impactos ambientais são provenientes da geração, manuseio e
uso da energia.
A principal razão para a existência dos impactos ambientais provenientes da geração,
manuseio e uso da energia reside no fato de que o consumo mundial de energia primária
proveniente de fontes não renováveis (petróleo, carvão, gás natural e nuclear)
corresponde a aproximadamente 88% do total, cabendo apenas 12% às fontes
renováveis. Esta enorme dependência de fontes não renováveis de energia tem
acarretado, além da preocupação permanente com o esgotamento destas fontes, a
emissão de grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que em
1996 foi da ordem de 36,3 bilhões de toneladas, aproximadamente 3,9 vezes a
quantidade emitida em 1960 (9,3 bilhões de toneladas).
Como consequência do uso excessivo de combustíveis fósseis, o teor de dióxido de
carbono na atmosfera tem aumentado progressivamente, levando muitos especialistas a
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acreditarem que o aumento da temperatura média da biosfera terrestre, que vem sendo
observado há algumas décadas, seja devido a um “Efeito Estufa” provocado por este
acréscimo de CO2 e de outros gases na atmosfera, já denominados genericamente
“gases de efeito estufa”. Para evitar o futuro catastrófico que se prenuncia para a
humanidade resultante do aquecimento global, torna-se um imperativo, entre outras
medidas, reduzir as emissões globais de carbono com a promoção de mudanças na atual
matriz energética mundial baseada fundamentalmente em combustíveis fósseis (carvão
e petróleo), por outra estruturada com base nos recursos energéticos renováveis, na
hidroeletricidade, na biomassa e nas fontes de energia solar e eólica para evitar ou
minimizar o aquecimento global e, consequentemente, a ocorrência de mudanças
catastróficas no clima da Terra.
A Agência Internacional de Energia (AIE) advertiu que "o mundo se encaminhará para
um futuro energético insustentável" se os governos não adotarem "medidas urgentes"
para otimizar os recursos disponíveis (Ver o artigo AIE: mundo se encaminha para
futuro energético insustentável publicado no website
<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/11/aie-diz-que-mundo-se-encaminha-para-
futuro-energetico-insustentavel.html>). Para a AIE, até 2035 seria necessário
investimento mundial de US$ 38 trilhões em infraestrutura energética - dois terços em
estados fora da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) - para atender a crescente demanda, 90% para abastecer os países emergentes
como China e Índia.
Para otimizar os recursos energéticos disponíveis no planeta, é preciso implantar um
sistema de energia sustentável em escala planetária. Com o sistema de energia
sustentável, é muito possível que o gás natural passe a ser, entre os combustíveis
fósseis, o recurso energético predominante no futuro. A energia nuclear não será uma
fonte importante de energia em um sistema energético realmente sustentável. Isto se
deve, em grande medida, aos acidentes de Three Mile Island nos Estados Unidos,
Tchernobil na ex- União Soviética e Fukushima no Japão. Um sistema de energia
sustentável somente será possível se a eficiência energética for também muito
aperfeiçoada.
Quadruplicar a produção mundial de energia renovável é também essencial para se obter
um sistema de energia sustentável no futuro. Isso requererá o uso da biomassa e da
energia hidroelétrica, especialmente em países de grande potencial, como é o caso do
Brasil. Exigirá, também, que a energia solar, eólica e geotérmica faça parte do “mix”
energético do mundo. As tecnologias já se acham à disposição para dar início a essa
transição histórica de energias que só ocorrerá com mudanças fundamentais na política
energética na grande maioria dos países. O primeiro passo consiste em redirecionar um
grande número de políticas governamentais de modo que se destinem a realizar os
objetivos centrais da eficiência energética e da redução do uso de combustíveis fósseis.
Por exemplo: recompensar a aquisição de veículos automotores eficientes, encorajar
alternativas de transporte de massa de alta capacidade em substituição ao automóvel,
reestruturar as indústrias de energia e elevar os impostos sobre os combustíveis fósseis.
Em um sistema de energia sustentável, a produção mundial de petróleo deveria ser
reduzida à metade e a de carvão de 90%, enquanto a de fontes de energia renováveis
deveria crescer quase 4 vezes. No ano 2030, as energias renováveis deveriam ser da
ordem de 70% da produção total de energia do planeta. Estes são os requisitos de um
sistema energético sustentável em todo o mundo. Independentemente das várias
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soluções que venham a ser adotadas para eliminar ou mitigar as causas do efeito estufa,
a mais importante é sem dúvidas a adoção de medidas que contribuam para a eliminação
ou redução do consumo de combustíveis fósseis na produção de energia, bem como
para seu uso mais eficiente nos transportes, na indústria, na agropecuária e nas cidades
(residências e comércio), haja vista o uso e a produção de energia serem responsáveis
por 57% dos gases de estufa emitidos pela atividade humana. Neste sentido, é
imprescindível a implantação de um sistema de energia sustentável.
O uso de fontes de energias renováveis provocará mudanças de grande magnitude em
todo o planeta destacando-se, entre elas, a criação de indústrias totalmente novas, o
desenvolvimento de novos sistemas de transporte e a modificação da agricultura e das
cidades. O grande desafio que se coloca na atualidade é o de prosseguir com o
desenvolvimento de novas tecnologias que aproveitem eficientemente a energia e
utilizem economicamente recursos renováveis. Este é o cenário energético que poderá
evitar o comprometimento do meio ambiente global.
*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.