Este documento discute como as redes sociais digitais foram massificadas e despojadas de autenticidade, comparando-as às obras de arte na era da reprodutibilidade técnica de acordo com Walter Benjamin. A reprodutibilidade técnica destruiu a aura e o valor de eternidade das relações sociais, substituindo-as por conexões superficiais. No entanto, algumas redes sociais ainda preservam a autenticidade por meio da colaboração e transformação social.
As Redes Sociais Na Era De Sua Reprodutibilidade TéCnica Por FáBio Bito Teles
1. As Redes Sociais na era de sua reprodutibilidade técnica: em
busca da restauração da aura
Por Fábio Bito Teles – fabiobitoteles@gmail.com
Talk Interactive
A forma como o mercado de comunicação percebe e utiliza as redes sociais na primeira década
do século XXI sempre me chamou a atenção. Um tratamento massificador de organismos
essencialmente autênticos que me causa estranhamento, tanto quanto a fotografia e o cinema
causaram a Walter Benjamin, em relação à obra de arte.
Paro aqui a minha reflexão para, primeiro, situar no tempo e no espaço o meu objeto de
reflexão, que são as redes sociais dentro do mercado de comunicação social, publicidade,
jornalismo, marketing e relações públicas, no início do século XXI, época de extrema exposição
e valorização dos recursos chamados 2.0 na internet comercial.
Segundo, para me desculpar pela comparação do meu pensamento ao de um dos maiores
expoentes dos estudos de teorias da comunicação, ainda mais por usar um dos textos
frankfurtianos mais conhecidos e reconhecidos.
O objetivo aqui não foi apenas me apropriar de uma construção já estabelecida para chamar a
atenção, mas sim no esforço de traçar um paralelo entre a reprodutibilidade técnica, a
autenticidade e valor de exposição, a aura, e o valor de eternidade, apontados por Benjamin
no que se refere às obras de arte, ao contexto das redes sociais.
Posto isso, me aproprio de algumas citações destacadas do texto A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica (livro Walter Benjamin – Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e
política – Editora Brasiliense) para construção deste paralelo.
Reprodutibilidade técnica
“... a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela somente podia
transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendo-
as a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os
procedimentos artísticos” (BENJAMIN, p.167).
Um recente vídeo produzido pela Agência Click (LINK:
http://www.youtube.com/watch?v=DmRsQibIOWg) mostra, sem ser este o seu objetivo,
como esta cultura da reprodutibilidade técnica atingiu um estágio tão avançado que não se
limita a reproduzir apenas obras e objetos tangíveis, mas também se aventura na reprodução
de relações sociais, conexões entre as pessoas e construção de conhecimento.
“Pesquisas apontam que só em 2008 mais de 12 milhões de PCs foram vendidos...”, diz o texto
do vídeo. E continua: “O brasileiro gasta em média 23 horas e 12 minutos por mês conectado à
internet” e “Entre estes brasileiros, 79% fazem parte de redes sociais”.
E o que consideram redes sociais? Orkut, Facebook, Twitter, Blog, Flickr, Youtube e uma
infinidade de ferramentas disponíveis por aí. No momento em que o mercado se apropria
2. destes números, se gabando de que “as redes sociais agregam mais de 55 milhões de
usuários”, fincam no coração da sociedade mundial a bandeira que indica o sucesso na
reprodutibilidade técnica das relações sociais.
Mas isso não é um privilégio da Agência Click, ou do mercado brasileiro. É um fenômeno
mundial. É só fazer uma pesquisa no Google para achar apresentações e mais apresentações
com o mesmo discurso construído, no qual o crescimento da exposição e do volume são muito
mais importantes e relevantes do que a autenticidade destas redes.
Autenticidade
“A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e
naturalmente não apenas à técnica” ... “A autenticidade de uma coisa é a
quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde
sua duração material até o seu testemunho histórico” (BENJAMIN, p 167 e 168).
Quando Benjamin destaca a inexistência de autenticidade em produtos oriundos da
reprodutibilidade técnica, vai ao cerne da questão do modo de produção capitalista – modo
este que o pensamento da Escola Crítica, da qual o autor faz parte, descasca e condena.
A reprodutibilidade técnica das relações sociais, expressas nesse fenômeno de uso das
ferramentas de redes sociais digitais, acaba com o caráter autêntico de tais relações.
Os vestígios existentes na construção de relações autênticas – lembranças, afinidades, espera,
saudade, desentendimentos etc – que são transmitidos pela tradição, simplesmente não
existem, ou são incidentais e quase imperceptíveis nas relações sociais construídas através da
reprodutibilidade técnica. Não é possível perceber o “aqui e agora” (BENJAMIN, p 167) destas
relações.
Ter 300 contatos no ICQ, ter 999 amigos no Orkut, fazer parte de uma comunidade com 15 mil
membros, ou possuir 70 mil seguidores no Twitter não significa, necessariamente, estabelecer
uma relação social com todo esse universo. Ao contrário, quando maior a exposição destas
relações sociais e o acesso das pessoas a estes múltiplos canais, menor será a relação social
entre estes indivíduos.
Estas pseudo-redes não são autênticas, não possuem tradição, e quando colocadas umas ao
lado das outras, são iguais. São um simulacro das relações sociais experimentadas em diversos
ambientes, inclusive na internet, mas, ao contrário destas, não têm força de transformação,
muito menos de sustentação. São ocas. Não possuem aura.
Aura
“Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espaciais e
temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”.
(BENJAMIN, p 170).
A destruição da aura anunciada por Benjamin, quer dizer a morte da ligação entre relações
sociais e uma história presa no passado, que não pode ser tocada, apenas sentida, no
presente. A reprodutibilidade de redes sociais não autênticas faz com que tenhamos uma
3. relação presente que não tem história passada, não tem os vestígios da autenticidade, e,
consequentemente, não tem aura.
“Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão aproximada das
massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos
através de sua reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN p 170)
Destaco esta citação ainda dentro do contexto da definição de aura para tirar um pouco do
peso da responsabilidade das organizações – incluindo as agências de comunicação – neste
processo de reprodução artificial de relações sociais. Quem força este cenário hoje é a própria
massa, desarticulada, pseudo-educada, faminta por relações artificiais por não conseguirem
dar conta de esperar a gênese de relações singulares e autênticas.
Por tanto, não temos aqui um problema mercadológico apenas. O problema é social e deve ser
encarado como tal. É preciso recriar a cultura da colaboração, participação e interação fora da
normatividade hierárquica e repressiva.
Valor de eternidade
“Os gregos só conheciam dois processos técnicos para a reprodução de obras de arte: o
molde e a cunhagem. As moedas e terracotas eram as únicas obras de arte por eles
fabricadas em massa. Todas as demais eram únicas e tecnicamente irreprodutíveis. Por
isso, precisavam ser únicas e construídas para a eternidade” (BENJAMIN, p 175).
Tal qual as esculturas gregas, irreprodutíveis àquela época, as relações sociais estabelecidas
antes da exposição massificada também eram construídas para a eternidade. Amizades,
correspondências, organizações de grupos eram estabelecidos sem as facilidades promovidas
pela sociedade da informação e conexões digitais.
O que aconteceu foi que perdemos a mão. De forma desenfreada deixamos de usar as
ferramentas como facilitadores na construção de relações para transformá-las na própria
essência da relação. Quando uma relação social é reproduzida nos moldes da
reprodutibilidade técnica, as conexões reais e duradoras estabelecidas não se dão entre os
indivíduos, mas entre as máquinas. A rede passa a ser técnica e não social, e pode ser
destruída ou substituída por qualquer outra ferramenta sem perda efetiva dos valores de
autenticidade, uma vez que eles quase não existem nestas condições.
Resgate da aura
A reflexão, no entanto, me leva a buscar formas de resgate da aura das relações sociais em
rede, principalmente no contexto das redes sociais digitais. Exemplos não faltam de redes
autênticas e singulares na internet.
Destaco organismos como o Couch Surfing, Mumsnet, The People Speak, Slice the pie,
Ebbsfleet United, Zopa e Linux, todos presentes no interessantíssimo documentário Us Now
(http://www.imdb.com/title/tt1555154/), dirigido por Ivo Gormely, que conta histórias de
como a sociedade organizada em rede distribuída baseada na colaboração e na internet está
transformando o nosso mundo.
4. No Brasil a Escola de Redes (http://escoladeredes.ning.com/), Movimento Blog Voluntário
(http://www.blogvoluntario.org.br/), e Voluntários Online
(http://www.voluntariosonline.org.br/), por exemplo, surgem como redes sociais que se
sustentam pelo desejo de permanência, de eternidade. E existem muitos outros por aí.
Junto à “existência serial” (BENJAMIN, p 168)das redes sociais digitais, que parecem sufocar o
usuário e chamar toda a atenção do mercado, nascem e renascem relações que se utilizam da
internet para potencializar seu poder de transformação.
Ainda podemos resgatar a aura perdida das redes sociais, mas, para tanto, é preciso mostrar o
valor e o retorno possíveis com a construção de relações mais maturas e autênticas.