Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador
1. Saúde em Debate v.34 n.85 abr./jun. 2010 Cebes
CARLOS GENTILE DE MELLO
ISSN 0103-1104
2. CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE CEBES SAÚDE EM DEBATE
DIREÇÃO NACIONAL GESTÃO 2009 2011 A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral
editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
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A Revista Saúde em Debate é
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de Editores Cientí cos Ministério da Saúde
3. Rio de Janeiro v.34 n.85 abr./jun. 2010
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
ISSN 0103-1104
4. EDITORIAL / EDITORIAL
APRESENTAÇÃO / PRESENTATION
DEBATE / DEBATE
187 Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador: conceitos e proposição estratégica para uma
política pública voltada para a primeira infância
Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a strategic framework for a public
policy focused on early childhood
José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello
DEBATEDORES / DISCUSSANTS
201 Estratégia em defesa da criança saudável: cogestão e não-violência como postura existencial e política
Strategy in favor of healthy children: co-management and nonviolence as existential and political attitude
Gastão Wagner de Sousa Campos
204 Um grande avanço
A big step forward
Osmar Terra
RÉPLICA / REPLY
208 Vinculo como suporte ao ambiente facilitador à vida: uma questão de saúde pública
Bond as a support for favorable environment to life: a matter of public health
José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
P
211 Matriciamento: a representação social da Equipe de Saúde da Família
Specialized orientation: the representation of the Family Health Team
Annaiza Freitas Lopes, Renata Amanda Azevedo de Brito, Fátima Luna Pinheiro Landim, Mônica de Oliveira Nunes, Patrícia
Moreira Collares
P
219 Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem viver de famílias em situação de risco e
vulnerabilidade
In the edge of life, getting around the problems: strategies of well-being of families at risk and vulnerability situation
Maria Jacqueline Abrantes Gadelha, Raimunda Medeiros Germano
P
227 Perfil da ampliação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Brasil
Pro le of the expansion of Community Agents Program in Brazil
José Roberto de Magalhães Bastos, Ricardo Pianta Rodrigues da Silva, Angela Xavier, Sabrina Pulzatto Merlini,
Taís Ferreira Pimentel
P
236 Doença crônica: comparando experiências familiares
Chronic disease: comparing familial experiences
Noeli Marchioro Liston Andrade Ferreira, Giselle Dupas, Carmem Lúcia Alves Filizola, So a Cristina Iost Pavarini
5. O
248 Potencialidades e obstáculos para a consolidação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos
Potentialities and challenges of the family health strategy consolidation in major urban centers of Brazil
Ligia Giovanella, Maria Helena Magalhães de Mendonça, Sarah Escorel, Patty Fidelis de Almeida,
Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Carla Lourenço Tavares de Andrade, Maria Inês Carsalade Martins,
Mônica de Castro Maia Senna, Maristela Chitto Sisson
E
265 Análise do discurso da propaganda de medicamentos no Brasil
Discourse analysis of medicine advertisements in Brazil
Viviane Ramalho
E
274 Medicalização e consumo: um olhar sobre a saúde na contemporaneidade
Medicalization and consumption: a look over health in contemporaneity
Jurema Barros Dantas, Ariane Patrícia Ewald
P
288 Política de medicamentos excepcionais no Espírito Santo: a questão da judicialização da demanda
e exceptional drug policy in Espírito Santo: the matter of access by juridical approach
Maria José Sartório, Ronaldo Bordin
E
299 Perspectivas democráticas e suas condições de possibilidade: interseções entre a participação política no SUS e a
gestão em saúde
Democratic prospects and their conditions of possibility: intersections between political participation in SUS and health
management
Francini Lube Guizardi, Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti
P
310 Gênese de um conselho local de saúde
Genesis of a local health council
Renata Mota Rodrigues Bitu Sousa, Carlos Botazzo
P
321 Conselho Municipal de Saúde de Ampére: avaliando o controle social
Ampére city’s Health Council: evaluating social control
Luciane Maria Pedot Belini, Samuel Jorge Moysés
O
328 Que proteção social para qual democracia? Dilemas da inclusão social na América Latina
Which social protection for which democracy?Dilemmas of social inclusion in Latin America
Sonia Fleury
P
349 Avaliação da qualidade de vida de idosos renais crônicos sob tratamento hemodialítico
Evaluation of the quality of life of elderly chronic renal disease patients undergoing hemodialytic treatment
Fabiana de Souza Orlandi
P
356 Enfermagem e espiritualidade na terminalidade: percepção dos ministros religiosos
Nursing and spirituality in terminal patients: perception of the religious ministers
Joseane de Souza Alves
6. R
365 Uma revisão sobre a compreensão da realidade expressa na assistência em saúde mental segundo a teoria social crítica
A review on the express understanding of reality in mental health care in the second critical social theory
Silvia Maria de Oliveira Mendes
P
384 Ensino de Odontologia e o Sistema Único de Saúde
Education of Dentistry and the National Health System
Gustavo Nicolini Fernandes, Newton Cesar Balzan, Maria Alice Amorim Garcia
MEMÓRIA / MEMORY
396 Especial “In memoriam”
Carlos Gentile de Mello
RESENHA / CRITICAL REVIEW
397 P, Izabel C. Friche. Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009
Marina Bittencourt
7. EDITORIAL 175
Política social e eleições
O ano eleitoral de 2010 começará o cialmente no segundo semestre,
mais precisamente depois da Copa do Mundo. Da parte das candi-
daturas presidenciais pré-lançadas até o presente, pouco se ouve de maneira
objetiva e clara sobre os rumos e proposições a respeito da política social.
O assunto também não é cobrado pela grande mídia e aparentemente não
seria objeto de grandes alterações nas agendas dos dois concorrentes com
maiores chances eleitorais.
Mas esse consenso por aparência e omissão das questões-chave da política
social é enganoso. Há indícios muito fortes de que o tema dos direitos sociais,
com suas inevitáveis implicações scais, esteja sendo evitado agora para somente
aparecer claramente em 2011. Viria no bojo de uma proposta de mudanças
fortes na Seguridade Social e no Sistema Tributário, de forma a restringir ainda
mais o núcleo da política social fundamentada em direitos sociais. E nos primei-
ros seis meses de um novo mandato presidencial, o Congresso costuma aprovar
em geral tudo que venha do Executivo, recém-legitimado pelas urnas.
É preocupante observar o tratamento que vem sendo dado ao tema dos
direitos sociais. Da parte da candidatura o cial, houve declarações explícitas de
simpatia com o tema. Mas, por outro lado, várias manifestações e entrevistas do
atual Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), tido como
provável futuro coordenador de política econômica da candidata ao governo,
já emitem sinalizações de duas prioridades – uma Reforma Previdenciária de
teor restritivo a alguns direitos constitucionais (a preocupação sub-reptícia é
quanto ao vínculo do salário mínimo a benefícios sociais) e uma Reforma Tri-
butária em moldes parecidos com o projeto o cial de 2008 do Governo Lula.
Nenhum sinal por aqui de redistribuição de renda ou igualdade social como
rumo à política social e à reforma tributária.
Por outro lado, da parte do principal candidato de oposição, leem-se
declarações enfáticas de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, agora,
até mesmo à reforma agrária. Mas quando consultamos várias manifestações
dos seus áulicos e con dentes em assuntos scais ou ainda da mídia que lhe é
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
8. 176 EDITORIAL
generosamente favorável, há uma espécie de senha-chave que assim se expres-
sa: “reduzir gastos correntes do orçamento a qualquer custo”. O observador
desavisado perguntará: que tem isto a ver com política social?
Ora, na atual con guração dos direitos sociais já regulamentados, os
“Benefícios Monetários” das políticas sociais estão essencialmente vinculados a
direitos e correspondem a 15,5% do PIB nas “Contas Nacionais” de 2006 (as
mais recentes publicadas em detalhe); e os “Benefícios em Espécie” – serviços
públicos gratuitos oferecidos aos cidadãos – representam 8,6% neste mesmo
ano. Esse conjunto de “Benefícios Monetários” e serviços públicos, ou “Bene-
fícios em Espécie”, na linguagem das Contas Nacionais, já somam cerca de ¼
do Produto Interno Bruto (PIB). Os recursos que nanciam esses benefícios
são quase integralmente categorizados nos orçamentos públicos como gastos
correntes. Daí, havendo restrições a direitos, desvinculações constitucionais,
congelamentos ou outros truques para “restringir os gastos correntes”, fatalmente
seriam afetados os benefícios sociais e os salários do funcionalismo.
Para manter o estatuto da política social e viabilizar a melhoria da qualida-
de na prestação dos serviços universais (SUS e educação básica, principalmente)
ou incluir parcelas expressivas da população ainda não incorporadas aos sistemas
públicos – Previdência e Assistência, Política Agrária, Habitação etc. – não há
como fazê-lo “reduzindo gastos correntes”. Nem mesmo congelando esses gastos
em algum ano isso é possível, como espertamente foi proposto no Projeto de
Reforma Tributária do governo Lula.
Há fatores demográ cos, epidemiológicos e de riscos sociais associados a
uma geração de direitos sociais (seguridade social), de pretensão universal, que
não estão congelados, mas, ao contrário, tendem a crescer. Há também uma
geração de novos riscos sociais e ambientais associados às mudanças climáticas
que fatalmente alimentarão demandas futuras por novos serviços públicos de
proteção social. Essas demandas tendem a crescer e precisariam contar com re-
cursos, simultaneamente associados ao crescimento da economia e melhoria.
Universalizar direitos sociais numa sociedade altamente desigual como
a nossa requer compreensão clara de que isso é política social redistributiva.
Integra um modelo de sociedade e de economia com pretensão a um estilo de
desenvolvimento fundado no paradigma da igualdade. Mas isso não se faz sem
uma reforma tributária redistributiva e também requer política social organizada
e planejada com horizonte mínimo de uma década.
Isso tudo não está nas agendas políticas das candidaturas principais, nem
das mídias, nem do “consenso da opinião pública”. Precisa ser explicitado e
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
9. EDITORIAL 177
discutido na campanha eleitoral e fora dela, para que não tenhamos a ingrata
surpresa de ver “reformas” implementadas na política social e tributária em
2011 que se ponham na contramão da construção dos direitos sociais.
O processo eleitoral e a formação de opinião pública, sob intenso controle
dos partidos e dos meios de comunicação de massa, não são bons aliados para
esclarecer questões essenciais sobre política social. Há que se ter criatividade e
ousadia para colocar essas questões nas agendas políticas do Estado, dentro e
fora das arenas convencionais da política.
DIRETORIA NACIONAL
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
10. 178 EDITORIAL
Social policy and elections
T he 2010 electoral year will o cially begin in the second half of the year,
precisely after the World Cup. Very little has objectively and clearly
been heard on the directions and propositions regarding social policy from
the pre-announced presidential candidates till the moment. e subject is
not requested by the press either, and apparently would not be subject of
great alterations in the agenda of the two candidates with more electoral
advantage.
But this consensus on appearance and omission of social policy’s key-
matters is deceiving. ere is strong evidence that the social rights theme,
together with its inevitable scal implications, is being avoided now to clearly
arise only in 2011. It would be intrinsic to a proposal of strong changes in
the Social Security and in the Tributary System as to restrict even more the
core of the social policy which is founded on social rights. And during the
rst six months of a new presidential mandate, the Congress usually ap-
proves everything that comes from the Executive, recently legitimated by
the electors.
It is disturbing to observe the treatment that has been given to the theme
of social rights. ere have been explicit declarations of sympathy with the
theme from the o cial candidacies. On the other hand, many manifestations
and interviews from the current president of the Brazilian Development Bank
(BNDES, acronym in Portuguese), who is considered to be a likely future
coordinator of economic policy of the government candidate, already show
two priorities – a reform of the social security with a purport restrictive to
some constitutional rights (the hidden preoccupation concerns the bond of
minimum wage with social bene ts); and a tributary reform which looks like
the 2008 o cial government project of president Lula mandate. ere is no
sign of income redistribution or social equality as a road to social policy and
tributary reform.
On the other hand, emphatic statements supporting the National
Health System (SUS, acronym in Portuguese) and even the agrarian reform
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
11. EDITORIAL 179
have been read from the main opposition candidate. But when we inquire
many manifestations on scal issues of their representatives and con dents,
or even the press which is generously favorable to such candidate, there is
a kind of password, which is expressed as follows: “to reduce the current
expense budget by any means”. e unadvised observer may ask: what does
it have to do with social policy?
Well, in the current con guration of the regularized social rights, the
“Monetary Bene ts” of social policies are essentially bonded to rights and
account for 15.5% of the gross domestic product in the “National Accounts”
of 2006 (the most recent ones being published in details); and the “Cash
Bene t” – free public services o ered to citizens – account for 8.6% in the
same year. is assemblage of “Monetary Bene ts” and public services, or
“Cash Bene ts” in the National Accounts’ language, currently sums ¼ of the
gross domestic product (GDP). e resources that nance these bene ts are
almost integrally categorized in the public budget as current expenditures.
In this manner, as there would be restrictions to rights, constitutional dis-
sociations, freezings and other arti ces to “restrict the current expenditures”,
the social bene ts and functionalism salaries would be severely a ected as a
consequence.
To maintain the social policy statute and enable the improvement
of the quality of universal services (mainly SUS and basic education) or
include expressive portions of the population that are not included in the
public systems yet – social security and assistance, agrarian policy, housing
and others – is not possible by “reducing current expenditures”. Not even
freezing these expenses in any year makes it possible, as smartly proposed in
the Tributary Reform Project of Lula government.
ere are demographic, epidemiological and social-risk factors which are
associated with the creation of universally-intended social rights (social security)
and that are not frozen, but rather tend to grow. ere is also the generation of
new social and environmental risks associated with climatic changes that will
fatally promote future demands for new social protection public services. ese
demands tend to grow and need to rely on resources simultaneously associated
with the growing and improvement of the economy.
To universalize social rights in a society highly unequal like ours requires
a clear comprehension of the fact that this is a redistributive social policy.
It comprises a model of society and economy that seek a style of develop-
ment based on the paradigm of equality. But this can not be done without
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
12. 180 EDITORIAL
a redistributive and tributary reform, and requires a social policy organized
and planned aiming at no less than one decade.
ese issues are not present in the politics agenda of the main candi-
datures, nor of the press, nor of the “public opinion consensus”. It should
be explicit and discussed in and out the electoral campaign; in this man-
ner, people will not have the unappreciative surprise of watching “reforms”
implemented in social and tributary policies that oppose the building of
social rights in 2011.
e electoral process and the formation of the public opinion, under
intense control of the parties and means of mass communication, are not
good allies to clear up essential matters on social politics. ere has to be
creativity and audacity to put these issues on the agenda of State policies, in
and out the conventional political eld.
THE NATIONAL DIRECTORATE
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
13. APRESENTAÇÃO 181
E ste é o último número da Saúde em Debate vinculado ao projeto
“Reforma Sanitária em Debate”, responsável pela edição dos últimos
números da publicação. Nesse período, a revista passou por um processo
intenso de reformulações. Houve transformações na sua identidade visual,
em seu conteúdo e em sua periodicidade. Voltou a ser editada regularmente,
foi indexada em outras bases de dados e, a partir deste ano, mudou a sua
periodicidade de quadrimestral para trimestral.
A capa é dedicada a Carlos Gentile de Mello, autor do primeiro livro
editado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C ), Saúde e Assis-
tência Médica no Brasil, em 1977. Neste número, reproduzimos o texto, em
sua homenagem, publicado originalmente na Saúde em Debate no. 17, de
1989, na ocasião de seu falecimento.
Iniciamos este número com o artigo de debate de autoria de José Gomes
Temporão e Liliane Mendes Penello, no qual os autores propõem uma política
pública de saúde para a primeira infância, fornecendo as bases conceituais
e políticas da “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recente-
mente lançada pelo Ministério da Saúde. Na sequência, o artigo é debatido
por Gastão Wagner de Sousa Campos, que considera a iniciativa ousada e
inovadora, e Osmar Terra, que fala do avanço que o texto traz para a com-
preensão sobre a importância do chamado “ambiente emocional facilitador”
para o desenvolvimento inicial, considerando-o no contexto da determinação
social da saúde. Os dois textos foram replicados pelos autores.
O cuidado à família é um dos temas mais importantes no campo da
saúde, o que é possível constatar pela quantidade e qualidade dos artigos
submetidos à revista e pelo conjunto de textos tratando dos temas aqui publi-
cados. Annaiza Freitas Lopes et al. apresentam os resultados de uma pesquisa
na qual discutem a representação social da Equipe de Saúde da Família em
Fortaleza, a partir do matriciamento promovido pelos Centros de Atenção
Psicossocial (C ). A pesquisa de Maria Jacqueline Abrantes Gadelha e Rai-
munda Medeiros Germano analisa as estratégias utilizadas pelas famílias em
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
14. 182 APRESENTAÇÃO
situação de risco e vulnerabilidade no âmbito da Estratégia Saúde da Família.
José Roberto Bastos et al. apresentam a pesquisa que realizaram sobre o de-
senvolvimento do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no período
de 1998 a 2007, demonstrando o seu grande crescimento em todas as regiões
do país. Outra pesquisa muito importante, de Noeli M.L.A. Ferreira et al.,
faz uma re exão sobre a experiência de famílias com um membro portador
de doença crônica. O bloco é complementado pelo artigo de opinião de Ligia
Giovanella et al. sobre os fatores que condicionam a efetiva implementação
da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos.
A preocupação com os vários aspectos relacionados à política de me-
dicamentos é abordada nos textos de Viviane Ramalho, um ensaio sobre
os sentidos “potencialmente ideológicos” na propaganda de medicamentos
no Brasil, e de Jurema B. Dantas e Ariane P. Ewald, que analisam a relação
entre o consumo e o fenômeno da medicalização e a forma como tal relação
reposiciona a noção de saúde. O tema dos medicamentos neste número é
encerrado com a pesquisa de Maria José Sartório e Ronaldo Bordin que, a
partir da análise das demandas judiciais no Espírito Santo, revelam aspectos
importantíssimos sobre a questão da judicialização no país.
Outro tema que sempre está na agenda do Sistema Único de Saúde
(SUS) é o da participação e controle social. O ensaio de Francini L. Guizardi
e Felipe O.L. Cavalcanti propõe que pensemos a participação política como
uma atividade de luta e construção de saúde em si mesma. Renata M. R. B.
Sousa e Carlos Botazzo investigam o modo como se articula o discurso de
participação da comunidade na constituição de um conselho da unidade de
saúde da família. A pesquisa de Luciane M.P. Belini e Samuel Jorge Moyses
nos leva a re etir sobre alguns aspectos relacionados aos Conselhos de Saúde
que necessitam urgentemente serem transformados, sob risco de perderem seu
caráter de controle social do SUS. Sonia Fleury, em “Que proteção social para
qual democracia: dilemas da inclusão social na América Latina”, discute “os
ônus que os sanitaristas de esquerda assumiram ao encarregar-se de implantar
reformas dos sistemas de saúde na América Latina em contextos de transição
à democracia marcados pela ausência de hegemonia e pelos acordos que res-
tringem as possibilidades de implementar as políticas universais projetadas
pelo movimento sanitário.”
Na parte nal da revista, estão publicados artigos sobre temas variados,
tais como a pesquisa de Fabiana de Souza Orlandi sobre avaliação de quali-
dade de vida de idosos renais crônicos em hemodiálise, a pesquisa de Joseane
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
15. APRESENTAÇÃO 183
de Souza Alves sobre o cuidado da enfermagem em relação às necessidades
espirituais do paciente terminal a partir da percepção de ministros religiosos,
o artigo de revisão de Silvia M.O. Mendes sobre a aplicação da teoria social
crítica no campo da saúde mental, e a pesquisa de Gustavo N. Fernandes et
al. sobre a formação do cirurgião-dentista visando à sua atuação no SUS.
A resenha deste número, elaborada por Marina Bittencourt, é sobre o
livro Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana, de autoria de
Izabel F. Passos.
Boa leitura!
Paulo Amarante
Editor Cientí co
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
16. 184 PRESENTATION
T his is the last issue of the journal Saúde em Debate which is bound to the
project “Sanitary Reform in Discussion”, responsible for the edition of
the last issues. In this period, the journal went through an intense process of
reformulations. ere were some changes in its visual identity, in its content
and periodicity. It is being regularly edited again, was indexed in other data-
bases and, from this year on, has a new periodicity: it is now quarterly.
e cover is dedicated to Carlos Gentile de Mello, the author of the
rst book edited by Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C ), Saúde e as-
sistência médica no Brasil, in 1977. In this issue, a text is reproduced in honor
to the author, which was originally published in Saúde em Debate issue 17,
1989, on the occasion of his passing.
e present issue is initiated with the debate article by José Gomes
Temporão and Liliane Mendes Penello, who propose a public health policy for
the rst infancy, providing the conceptual and political bases of the campaign
“Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recently launched by the
Ministry of Health. Following, the article is debated by Gastão Wagner de
Sousa Campos, who considers it an audacious and innovative initiative, and
by Osmar Terra, who speaks of the advance that the text provides for the
understanding of the importance of the “enabling emotional environment”
in the early development, considering it in the context of social determina-
tion of health. Both texts were replied by the authors.
e family care is one of the most important themes of the health eld,
which may be veri ed by the quantity and quality of the articles submitted for
the journal and by the assemblage of papers dealing with the themes gener-
ally published in the journal. Annaiza Freitas Lopes et al. present the results
of a research in which the social representation of the family health team of
Fortaleza is discussed based on the matrix-based strategies promoted by the
Centers for Psychosocial Care (C , acronym in Portuguese). e article
by Maria Jacqueline Abrantes Gadelha and Raimunda Medeiros Germano
analyzes the strategies used by the families in risked and vulnerable situations
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
17. PRESENTATION 185
in the scope of Health Family Strategy. José Roberto Bastos et al. present a
paper on the development of the Community Health Agents Program in the
period comprising 1998 to 2007, demonstrating its growth in all regions of
the country. Another important article, by Noeli M.L.A Ferreira et al., brings
a re ection on the experience of families of chronic disease patients. is the-
matic text group is complemented by the opinion article by Ligia Giovanella
et al., who discuss the factors that condition the e ective implementation of
the Family Health Strategy in urban centers.
e concern about the many factors related to the medication policy
is discussed in the articles by Viviane Ramalho, an essay on the “potentially
ideological” meaning of the Brazilian medication publicity, and by Jurema B.
Dantas and Ariane P. Ewald, who analyze the relation between the consump-
tion and the phenomenon of medicalization, as well as how such relation
repositions the notion of health. e theme of medication in this issue is
closed with the research by Maria José Sartório and Ronaldo Bordin which,
from an analysis of the judicial demands in Espírito Santo, Brazil, reveals
important aspects about the matter of judicialization in the country.
Other themes which are always in the agenda of the National Health
System (SUS, acronym in Portuguese) are the social participation and social
control. e essay by Francini L. Guizardi and Felipe O.L. Cavalcanti pro-
poses that we make a re ection on political participation as an activity of
combat and construction of health itself. Renata M.R.B. Sousa and Carlos
Botazzo investigate how the discourse of community participation in the con-
stitution of a council for the Family Health Unit is articulated. e research
by Luciane M.P Belini and Samuel Jorge Moyses leads the reader to consider
some aspects related to the Health Councils which need urgent transforma-
tion, otherwise they may lose their characteristic of SUS social control. In
“Which social protection for which democracy? Dilemmas of social inclusion
in Latin America”, Sonia Fleury discusses “costs that the left sanitarians as-
sumed with the responsibility to held the reforms of health care systems in
Latin America during the processes of transition to democracy, marked by
the absence of hegemony and by agreements that restrict the possibilities of
implementing universal policies projected by the sanitary reform.”
In the nal section of this issue, articles on varied themes are published:
the paper by Fabiana de Souza Orlandi that approaches the assessment of
quality of life of the elderly population with chronic renal disease under
hemodyalisis treatment, the article by Joseane de Souza Alves on the nursing
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
18. 186 PRESENTATION
care with regard to the spiritual necessities of patients with terminal illnesses
based on the perception of religious ministries, the review article by Silvia
M.O. Mendes on the critical social theory put into practice in the mental
health eld, and the research by Gustavo N. Fernandes et al. on the profes-
sional formation of dental surgeons aiming at their performance in SUS.
e review of this issue, elaborated by Marina Bittencourt, is about
the book Reforma Psiquiátrica – as experiências francesas e italiana, written
by Izabel F. Passos.
Enjoy your reading!
Paulo Amarante
Scienti c Editor
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
19. DEBATE / DEBATE 187
Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador:
conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada
para a primeira infância
Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a
strategic framework for a public policy focused on early childhood
José Gomes Temporão 1
Liliane Mendes Penello 2
1
Médico; Doutor em Saúde Coletiva RESUMO Os autores propõe uma política pública de saúde para a primeira
pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ); Ministro de Estado da infância, discutindo os Determinantes Sociais da Saúde e o Desenvolvimento
Saúde do Brasil. Emocional Primitivo e sugerindo que sua inter-relação de ne padrões pessoais
jtemporao@saude.gov.br
de convívio social e de saúde. Utilizaram o modelo de Dahlgreen e Whitehead e
2
Médica; Mestre em Saúde Pública
o pensamento de John Bowlby e Donald Winnicott para a resposta ao desa o de
pela Escola Nacional de Saúde Pública
da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/ assegurar a promoção da saúde e um ambiente saudável à mulher e à criança de zero
F ); Coordenadora do Comitê
a seis anos. Con gurou-se a ‘Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis –
Técnico Consultivo da Estratégia
Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis primeiros passos’ para o desenvolvimento nacional, proposta do Ministério da Saúde,
(MS/F ).
ebbs@saude.gov.br
de caráter transversal e intersetorial visando à redução das desigualdades, promoção
de saúde, cidadania e democracia desde as etapas mais precoces da vida.
PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde; Determinação social da saúde,
Desenvolvimento emocional primitivo; Saúde materno-infantil
ABSTRACT e authors proposed a public health policy for early childhood, discussing
the social determinants of health, and the early child development and suggesting that
their inter-relationship de nes personal standards of socialization and health. ey
used the Dahlgreen and Whitehead model and the ideas of John Bowlby and Donald
Winnicott to answer the challenges for ensure the promotion of health and a healthy
environment for women and children from zero to six years old. e strategy ‘Healthy
little Brazilians - rst steps towards national development’ was proposed by the ministry of
health, a transversal and intersectorial initiative in order to reduce inequities, promoting
health, citizenship and democracy since the earliest stages of life.
KEYWORDS: Public policies; Health policies; Social determinants of health;
Early child development; Maternal and childhood health policies
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I N T R O D U Ç Ã O in uenciando muitos outros autores, para o trabalho
com um dos temas que queremos aqui discutir, associado
à determinação social da saúde, que é o desenvolvimento
emocional primitivo e os cuidados com a primeira infân-
Estranhos assuntos esses, tão marginais às cha- cia e sua relação com políticas públicas de saúde.
madas questões nacionais em que se centra o Com o conceito de ambiente facilitador do cresci-
debate político. É que eles fervilham no pré-sal mento e amadurecimento dos seres humanos, sugeriu-se
da existência humana, a camada mais submer- que o ambiente inicial da vida de um novo ser coincide
sa, talvez a mais rica. (O , 2010). com o corpo-mente da mãe, incluindo sua própria
condição de existência, suas redes de sustentação, suas
A concepção ampliada de saúde adotada contem- fantasias e desejos, suas construções imaginárias ou
poraneamente considera que, para uma vida rica em reais como ambiente de suporte para o lho. A ideia
qualidade, é muito pouco para o homem ser apenas da ‘mãe su cientemente boa’ como aquela capaz de
são. Torna-se necessário agregar à ausência de doenças a apresentar intuitivamente ao seu lho aquilo que ele
intensidade de experiências de vida e expressões de cria- necessita como provisão rumo ao seu crescimento e
tividade que permitam a superação dos fatores geradores amadurecimento, incluindo as possíveis falhas nesse
de mal-estar e sofrimento que limitam e desquali cam o caminho, chama atenção para o fato de que a provisão
viver. Hoje, estamos convencidos de que a potência ou a ofertada pela mãe biológica pode ser executada por uma
capacidade individual para manejar com maior autono- gura substituta através de vínculo amoroso, criativo e
mia as questões vivenciais estão vinculadas a experiências não-burocrático.
relacionais dos primórdios da vida, quando são de nidos Para o autor, nesta fase de desenvolvimento do
padrões pessoais do viver e do conviver. lactente, o amor só pode ser efetivamente expresso em
Argutos observadores do desenvolvimento emocio- termos de cuidado neste ambiente favorável à con-
nal primitivo, John Bowlby e Donald Winnicott, tra- abilidade. A mãe su cientemente boa é o ambiente
balhando no campo da pediatria, psicanálise e etologia facilitador para a efetivação do processo maturacional
em meados do século passado, indicavam a importância da criança pequena, provendo chances à criança de se
destas considerações na formação de padrões adaptativos tornar uma pessoa real, em um mundo real, e de crescer
à vida, repercutindo desde cedo na liberdade de cada ser de acordo com seu potencial herdado. Em relação ao
humano para usufruir a sua própria experiência de vida. amadurecimento, compreende-se como um processo
Insistiram, então, na adoção de um conceito ampliado jamais nalizado e sempre ‘adaptativo’ do ponto de vista
de saúde que incluísse também os aspectos psicológicos. evolucionário, que tem sido considerado importante
Bowlby havia sido convidado para assessorar a Organiza- indicador de saúde que contribui decisivamente para o
ção Mundial de Saúde (OMS) na área de saúde mental desenvolvimento social:
de crianças sem lar, em 1950, e Winnicott, trabalhara
como voluntário atendendo crianças afastadas de seus A base para uma sociedade é a personalidade
pais e famílias durante a Segunda Grande Guerra. Essas humana total [...] não é possível que as pessoas
experiências marcantes foram incorporadas às suas obras, consigam ir mais além na construção da socie-
sustentando valiosas teorias no campo da psicanálise, e dade do que de seu próprio desenvolvimento
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pessoal. (W , 1989, p. 193 ). com participação de todas as Secretarias do MS, o
documento-base para desenho da EBBS.
É neste sentido que propõe uma compreensão O Brasil possui 14.210.000 crianças na faixa etária
bastante peculiar do desenvolvimento da personalida- de zero a quatro anos – o que corresponde a 7,59%
de humana total, sua constituição sempre frente a um da população total (B , 2008). De acordo com o
‘outro’ com o qual estabelece vínculos sugerindo uma Censo Escolar de 2007, apenas 17,1% das crianças de
con guração em círculos que se amplia e se expande até três anos estão matriculadas em creches, enquanto
desde o desejo e o corpo da mãe até a participação social 77,6% das crianças de quatro a seis anos frequentaram
mais ampla. pré-escola. Portanto, mais de 80% das crianças meno-
Considerando a importância do Desenvolvimento res de três anos estão sendo educadas e cuidadas em
Emocional Primitivo na de nição e con guração de ambiente doméstico, pelos progenitores (em geral, a
padrões de saúde para a vida, um grande esforço para mãe) ou por um cuidador substituto. Por essa razão,
atender às recomendações da Comissão Nacional de De- decidimos trabalhar pela maior interação e ampliação
terminantes Sociais da Saúde (CNDSS) e da OMS, no das ações de saúde com novas ofertas voltadas para a
sentido da produção de ações, estratégias e políticas vol- Primeira Infância, em sintonia com o relatório nal
tadas para a primeira infância, vem sendo desenvolvida da CNDSS que sugere intervenções que adotem como
pelo Ministério da Saúde (MS), desde 2007, a ‘Estratégia referência os princípios e estratégias da ‘promoção da
brasileirinhas e brasileirinhos saudáveis, primeiros passos saúde’, estabelecidos numa série de seis Conferências
para o desenvolvimento nacional’ (EBBS). Internacionais (Ottawa, Adelaide, Sundsval, Jacarta,
A EBBS surgiu com a rica discussão em torno da México e Bancoc), entre 1986 a 2005. Destaca-se a
formulação do Programa de Aceleração do Crescimento primeira delas, na qual foi lançada a Carta de Ottawa,
na Área da Saúde (PAC/Saúde, 2007) visando a apro- com o objetivo de contribuir para o combate e a supe-
fundar e integrar as reformas sanitária e psiquiátrica bra- ração de problemas geradores de iniquidades na área e
sileiras articulando-as a um padrão de desenvolvimento desenvolvimento saudável dos cidadãos. O documento
nacional comprometido com crescimento, bem-estar e reconhece que paz, educação, moradia, alimentação,
equidade no acesso à saúde do povo brasileiro. Dessa renda, ecossistema estável, justiça social e equidade
iniciativa, resultou o ‘Mais Saúde’, Plano de Metas do são requisitos fundamentais para a saúde dos povos
Ministério da Saúde (B , 2010) constituído em identi cando como condições-chave para promover a
torno de sete grandes eixos, dentre os quais, a Promoção saúde o estabelecimento de políticas públicas saudáveis,
da Saúde. Nesta oportunidade, cou muito clara nossa a criação de ambientes favoráveis, o fortalecimento das
expectativa em revigorar o trabalho a partir da área ações comunitárias, o desenvolvimento de habilidades
da saúde por um projeto civilizatório e, dentro dessa pessoais e a reorientação dos serviços de saúde.
perspectiva, produzir saúde, cidadania e democracia, Essa iniciativa do Ministério da Saúde vem fortale-
tornando-se fundamental considerar a constituição de cer um conjunto de esforços em todo o país para articula-
nossos cidadãos, desde as etapas mais precoces da vida. ção, interação e desenvolvimento de ações voltadas para
Em decorrência disso, foi produzido no âmbito do a saúde da mulher, especialmente durante a gravidez, e
Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas da criança de zero a seis anos, etapa da vida designada
em Saúde da Secretaria de Atenção à Saúde do MS, como primeira infância, o que, no Brasil, corresponde
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ao momento anterior à entrada obrigatória da criança pequenas e a rede social que os cerca, considerando
no ensino fundamental (B , 2002). estágios precoces do desenvolvimento humano, com
A Portaria GM 2.395 de 7 de outubro de 2009, intervenções sobre uma série de determinantes que
veio instituir a EBBS considerando marcos legais, incidem sobre o chamado ‘ambiente facilitador’, tal
contribuições institucionais e experiências nacionais e como o descrevemos acima.
internacionais bem-sucedidas: a Constituição Brasileira; o Questão que se torna ainda mais importante, diante
Estatuto da Criança e do Adolescente; as Políticas Nacio- da chamada transição dos cuidados na infância, fenômeno
nais de Atenção Integral à Saúde da Mulher, da Criança observado em todo o mundo, relacionado com alguns
e Aleitamento Materno, de Saúde Mental, da Atenção progressos no sentido da igualdade de oportunidades para
Primária, o Planejamento Familiar, a Política Nacional as mulheres – nos países da Organização para a Coope-
de Humanização, dentre outras, aprovadas no Conselho ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de
Nacional de Saúde (CNS) e na Comissão Intergestores dois terços de todas as mulheres em idade ativa trabalham
Tripartite (CIT); o Compromisso Brasileiro com os Ob- atualmente fora de casa – o que merece ser festejado, mas
jetivos do Milênio (ODM) (especialmente o 4º, voltado que passa a representar, com as pressões econômicas cres-
para a Redução em 2/3 da mortalidade de menores de centes, preocupações para milhares de mães: as pressões
5 anos até 2015), o Pacto pela Vida (Portaria GM 325, laborais não re etem novas oportunidades, mas novas
2008), o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade necessidades. Se o cuidado com as crianças pequenas
Materna e Neonatal (PR, 2004), o Compromisso para era um assunto predominantemente privado e familiar,
Acelerar a Redução das Desigualdades na Região Nordeste agora tornou-se, em grande medida, uma atividade que
e Amazônia Legal, rmado entre os Governos Estaduais decorre fora de casa e em que os governos e as empresas
e Federal; Pastoral da Criança, OMS, Organização Pan- privadas estão cada vez mais envolvidos, pois uma grande
Americana da Saúde (OPAS), Fundo das Nações Unidas parte delas passa seus primeiros anos de vida não nas suas
para a Infância (U ), Organização das Nações Unidas casas com as respectivas famílias, mas em algum tipo de
para a Educação, a Ciência e a Cultura (U ), Or- estrutura de cuidados à infância. E embora esse não seja
ganizações Não-Governamentais e Redes de Instituições o quadro predominante da realidade brasileira, sabe-se
voltadas para o Cuidado com a Primeira Infância, Ex- que um quarto das famílias em nosso país vive de um
periências Nacionais e Internacionais exitosas e Políticas salário feminino. Em artigo publicado no jornal O Glo-
Públicas Regionais e Nacionais de setores outros que não bo, de 2 de maio 2010, Rosiska Darcy de Oliveira traz à
a Saúde, mas neste campo e na perspectiva intersetorial. tona temas tangenciados e con denciados na sociedade,
A Fundação Oswaldo Cruz (F ) foi designada para como as escolhas sobre a maternidade, as condições da
a Coordenação Técnica da EBBS. gravidez e do parto, as leis que tolhem ou propiciam
A EBBS traz como preocupação central não liberdades, o temor atávico da violência sexual. Todas
apenas o desa o de trabalhar nacionalmente pela essas questões tornadas realidade para o corpo feminino
articulação e interação das múltiplas iniciativas nesse a igem as mulheres, uma vez que elas sabem habitar
campo sabidamente multissetorial, o que já torna essa um corpo cujo destino é desdobrar-se em outros. Ainda
proposta bastante ousada, mas também a necessidade segundo a articulista, respeito e escuta é o que aspiram as
de prover novas ofertas de cuidado na perspectiva de mulheres para que possam efetivamente contribuir com
fortalecimento dos vínculos entre os pais, suas crianças reformas modernizadoras de estruturas de acolhimento
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que tornem a vida familiar viável, e não o ponto cego das corporação no trabalho de saúde pública, da
relações sociais. responsabilidade pela promoção da saúde física
Nesse sentido, tem sido necessário recorrer a uma e mental da comunidade. (WHO, 1951).
compreensão mais cuidadosa do que são e como atuam
os determinantes sociais da saúde e como podemos pen- Já a Conferência de Alma Ata, no nal dos anos
sar, neste âmbito, as intervenções sobre as tendências à 1970, e as atividades inspiradas no lema ‘Saúde para
integração psíquica e ao ambiente facilitador. Todos no Ano 2000’ recolocam em destaque o tema
dos determinantes sociais. No Brasil, trouxe elemen-
tos decisivos para a sustentação da Reforma Sanitária
DETERMINAÇÃO SOCIAL E TENDÊNCIAS À Brasileira, num período ditatorial de nossa história
INTEGRAÇÃO PSÍQUICA NA PRODUÇÃO DE recente, em que diferentes e importantes atores, como
SAÚDE: APROXIMANDO CONTRIBUIÇÕES, representantes de instituições de ensino, assistência,
ARTICULANDO AÇÕES DIFERENCIADAS órgãos de classe, partidos políticos, sociedades médicas
NAS PRÁTICAS DE SAÚDE e de especialistas da saúde e outros representantes da
sociedade civil discutiam sua relação com o regime
democrático. ‘Democracia e Saúde’ passa a ser o tema
Apesar da preponderância do enfoque médico em debate e a discussão prosseguirá ampliando-se para
biológico na conformação inicial da saúde pública como a compreensão de que ‘Democracia é Saúde’.
campo cientí co em detrimento dos enfoques sociopo- Nos anos 1980, o predomínio do enfoque da saúde
líticos e ambientais, observa-se, ao longo do século 20, como um bem privado desloca novamente o pêndulo
uma permanente tensão entre essas diversas abordagens. para uma concepção centrada na assistência médica
A própria história da OMS oferece interessantes exemplos individual, a qual, na década seguinte, com o debate
dessa tensão, observando-se períodos mais centrados em sobre as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma
aspectos biológicos, individuais e tecnológicos intercalados ênfase nos determinantes sociais, que se a rma com a
com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais. criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da
A de nição de saúde como um estado de completo bem- Saúde da OMS, em 2005 (WHO, 2008).
estar físico, mental e social e não meramente a ausência Segundo a Comissão Nacional sobre os Determi-
de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da nantes Sociais da Saúde do Brasil, os DSS, são aqueles
OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma econômicos, culturais, psicológicos, comportamentais
clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde entre outros, que in uenciam a ocorrência e a distri-
para além de um enfoque centrado na doença. Observa-se buição na população dos problemas de saúde e seus
este trecho do relatório da segunda sessão da Comissão de fatores de risco.
Especialistas em Saúde Mental da OMS: A CNDSS escolheu o modelo de Dahlgreen e
Whithead (CNDSS, 2008), para balizar as interven-
O mais importante princípio a longo prazo ções sobre os DSS e promover a equidade em saúde
para o trabalho da OMS, na promoção da contemplando os diversos níveis que devem incidir
saúde mental, em contraste com o tratamento sobre os determinantes proximais (vinculados aos com-
de distúrbios psiquiátricos, é o estímulo à in- portamentos individuais), intermediários (relacionados
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às condições de vida e trabalho) e distais (referentes à Em relação ao tema em questão, interessa particu-
macroestrutura econômica, social e cultural). A escolha larmente discutir as duas primeiras: os indivíduos estão
deste modelo foi justi cada por sua simplicidade, por na base do modelo, com suas ‘características individuais
sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela de idade, sexo e fatores genéticos’ que exercem in uência
clara visualização grá ca dos diversos DSS. E serviu de sobre seu potencial e suas condições de saúde; o ‘compor-
base para orientar a organização de suas atividades e os tamento e os estilos de vida individuais’ estão situados
conteúdos do seu relatório nal. no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que
os comportamentos dependem não apenas de opções
feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também dos
MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD DSS, como acesso ao trabalho, habitação, informações,
E A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços
FACILITADOR NA PRODUÇÃO DA SAÚDE: A de lazer, entre outros.
CONTRIBUIÇÃO DE DONALD WINNICOTT A EBBS apoia-se na ideia de que a integração do
ser humano ao ambiente social em que vive é prece-
dida de múltiplas experiências do chamado ‘ambiente
Este Modelo inclui os DSS dispostos em diferentes facilitador’ de origem e, conforme anteriormente co-
camadas, segundo seu nível de abrangência, desde uma mais locado, este ambiente resulta da interação de fatores
próxima aos determinantes individuais até uma camada distal genéticos, psicológicos, sociais, econômicos e culturais.
na qual se situam os macro determinantes (Figura 1). Considerar, portanto, as repercussões destes fatores na
F 1 - Modelo de Dahlgren e Whitehead
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relação mãe-bebê ou cuidador-bebê e seus efeitos sobre feitas pelo livre arbítrio das pessoas, como também de
a saúde de ambos, incluindo a saúde mental, é tarefa DSS, para que mais claramente possamos perceber que,
que nos cabe enquanto pro ssionais e gestores da área embora os autores nos alertem para a questão fundamental
da Saúde, trazendo para a saúde pública o desa o de de como os comportamentos dos indivíduos se expressam
formulação de um modelo de determinação de saúde na relação com a sociedade, não explicitam que há um
que apresente muito claramente a articulação entre momento, não tão curto assim em termos de tempos de
seus determinantes sociais e as tendências à integração vida e impactos na produção de saúde, em que ‘ainda não
psíquica do sujeito. existe um indivíduo’ capaz de optar e manejar seu livre
Assim, a EBBS, ao eleger o Ambiente Emocional arbítrio. O motivo, diria Winnicott (1983, p. 40) é que
Facilitador como um dos pilares de sustentação das “há um momento do desenvolvimento humano em que
ações que propõe para os cuidados com a primeira não se pode falar em um bebê, a não ser que a ele esteja
infância, sugere que se busque a explicitação do vinculada sua mãe ou gura que a substitua!”
componente psicológico dentro dos modelos que Essa peculiaridade experimentada pelos seres
já o consideravam na determinação da saúde sem, humanos, no que diz respeito à sua constituição como
entretanto, aprofundá-lo. Outra possibilidade, de sujeito, desde estudos recentes que demonstram a
adotar para esta compreensão ampliada a proposta de importância das experiências intraútero, das vivências
Winnicott, que sugere uma con guração em círculos da gravidez da mulher e suas consequências na saúde
que se ampliam e se expandem desde o desejo e o física e mental do bebê até a constatação nos primór-
corpo da mãe, o ambiente facilitador, à participação dios da vida de que há uma dependência absoluta do
social mais ampla (Figura 2). lactente em relação a um ‘outro’ para existir, leva-nos
Para exempli car, no caso do Modelo de Dahlgren e a reconhecer que existem etapas do desenvolvimento
Whitehead (CNDSS, 2008), pode-se destacar a camada deste novo ser, nas quais ele não existe por si só. Isso
situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já quer dizer que, na etapa de dependência completa, que
que os comportamentos dependem não apenas de opções se associa aos primeiros meses de vida, não há como
F 2 - O papel da saúde mental na construção da cidadania
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falar do bebê sem associá-lo à sua mãe ou a quem num período da vida chamado primeira infância, não
cuida dele. Para Mahler, Pine e Bergman (1977), o encontra correspondência, em termos de suas peculia-
nascimento biológico do homem e o nascimento ridades e necessidades de cuidados e intervenções, nos
psicológico do indivíduo não coincidem no tempo. modelos teóricos de determinação social da saúde. No
O primeiro é um evento bem delimitado, dramático discurso de abertura do XVIII Congresso Mundial de
e observável; o último, um processo intrapsíquico de Epidemiologia e do VII Congresso Brasileiro de Epi-
lento desdobrar: demiologia, que trouxe como tema “A epidemiologia
na construção da saúde para todos: métodos para um
O processo de separação/individuação normal mundo em transformação”, o Ministro da Saúde do
começa em torno do quarto, quinto mês e vai Brasil faz a seguinte a rmação:
até o trigésimo, trigésimo sexto [...] caminhan-
do de um período simbiótico até a aquisição No campo da promoção da saúde o desa o
pela criança de um funcionamento autônomo para os epidemiologistas é o de produzir co-
na presença da mãe e da prontidão em termos nhecimentos para a compreensão dos atuais
de desenvolvimento para a funcionamento determinantes da saúde: o entendimento de
psíquico independente, gerador de prazer. que múltiplos aspectos materiais e imateriais
(p. 15). con guram o espaço/ território investigado,
engendrando praticamente todas as dimensões
Essa citação nos ajuda a sustentar o porquê de da existência humana, demandam novos
consideração tão destacada para esta etapa da vida, a discursos e abordagens que alcancem aprofun-
caminho da individuação para o desenvolvimento saudá- dar a perspectiva multi ou transdisciplinar,
vel: o orescimento da capacidade para andar e afastar-se incorporando dimensões não comumente
mantendo certo controle sobre ir e vir, desenvolvimento utilizadas nos estudos epidemiológicos. Estas
da linguagem, utilização do pronome ‘eu’, reconhecer e transformações que trouxeram novos ele-
nomear o outro, diferenciação e identidade de gênero, mentos para se pensar a relação entre espaço,
dentre outros de igual magnitude na constituição do tempo, saúde e doença, são fundamentais
ser humano. para melhor compreensão da proposição de
A aproximação entre as constatações anteriores determinantes da saúde e estabelecer como
e a observação de que os modelos de determinação estes se expressam no adoecer e morrer [...].
da saúde estudados pela CNDSS tendem a considerar (T , 2008, p. 10).
seus determinantes a partir de um ‘indivíduo e suas
inter-relações – o que signi ca, como vimos, um longo Essa abordagem nos levou à sugestão da constitui-
caminho já percorrido em termos de crescimento e ção da saúde atrelada à constituição dos sujeitos em seu
desenvolvimento pessoal – nos alerta para a existência crescimento rumo à cidadania, ou seja, uma con gu-
de um ‘tempo-espaço epidemiológico’ relacionado à ração em que se pode de fato incluir o ambiente facili-
etapa da dependência completa e relativa de um ser tador ao pensar o processo saúde-doença, expandindo
humano em relação a outro, que pode se constituir como sua compreensão para além dos resultados expressados
ambiente facilitador ao crescimento. Este, resguardado na maneira pela qual em uma determinada sociedade e
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um dado contexto histórico, se organizam a produção ainda não fala, nos casos de autismo, na criança intimi-
e o trabalho. dada, deve-se supor uma subjetividade à espera de ser
As descobertas das neurociências vieram con rmar interrogada. Assim, a escuta da pequena criança e seus
as constatações dos autores que trabalharam com base cuidadores é uma questão ética que sustenta o direito
na psicologia e na psicanálise o desenvolvimento emo- da criança de constituir-se como sujeito, especialmente
cional primitivo, reiterando a importância da inclusão se esta construção estiver enfrentando impasses. E esta
da promoção da saúde mental quando se trata de saúde constatação só ocorrerá se pais ou cuidadores atentos,
pública. Para Damásio (2004): incluindo pro ssionais de saúde, estiverem presentes e
implicados, capturados por um interesse especial nesta
Elucidar a neurobiologia dos sentimentos e das criança, opondo-se sempre à ideia de que o corpo do
emoções que os percebem altera a nossa visão bebê seja tomado e lido como um puro organismo, pois
do problema mente-corpo, um problema cujo não há humano sem vida psíquica. E essa presença cons-
debate é central para a compreensão daquilo tante e experiente junto ao bebê possibilita o suporte à
que somos. A emoção e as várias reações com construção de seu aparelho psíquico, permitindo que o
ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, cérebro ofereça sua plasticidade neural à inscrição dos
enquanto os sentimentos, estão alinhados com processos simbólicos. Diz-se, assim, que os pais são os
a mente. (p. 15). primeiros e imprescindíveis mestres do cérebro.
O desenho de qualquer modelo deve expressar,
Porém, o mais interessante desta contribuição à portanto, esta compreensão fundadora em termos de
nossa proposição se dá quando ele questiona o valor determinação de vida e saúde. Conforme podemos
prático desta nova perspectiva. Diz ele: observar na Figura 2, sugere-se uma con guração em
que a mãe, vinculada ao seu bebê, representa com seu
O êxito ou o fracasso da humanidade depende corpo e sua mente o ambiente inicial da vida do lho, o
em grande parte do modo como o público e primeiro território vivencial; e se ela mesma, como indi-
as instituições que governam a vida pública víduo, encontra-se exposta a toda série de determinações
puderem incorporar essa nova perspectiva da sociais, como mostram os diferentes modelos, ela passa a
natureza humana em princípios, métodos e representar o ambiente total a ser considerado, cuidado
leis capazes de reduzir o sofrimento humano e protegido – por um dado espaço de tempo e objeto de
e engrandecer o seu orescimento. (D , eleição de ações promotoras de saúde. Aqui, podemos
2004, p.16). oportunamente agregar a proposição de Milton Santos
sobre as noções de “espaço e território” onde se produz
Mais ainda nos coloca aspectos éticos de grande saúde ou doença: o espaço é aquilo que resulta da relação
relevância, discutidos no curso “As interfaces das clínicas entre a materialidade das coisas e a vida que as animam e
da primeira infância”, organizado pela Comissão de transformam. A con guração territorial é uma produção
Saúde Primária da Associação Brasileira de Neuropsi- histórica resultante dessas relações. As ações provêm das
quiatria Infantil (A , 2009), pois a individuação necessidades humanas: materiais, espirituais, econômicas,
em processo supõe um sujeito por vir e, mesmo onde sociais, culturais, morais, afetivas. Sistemas de objetos e
aparentemente não existe sujeito, como na criança que de ações interligam-se. A dimensão da comunicação no
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meio ‘técnico-cientí co-informacional’ produz-se tam- Recentemente, descobriu-se como um lar estável,
bém através da circulação de palavras, imagens, rumores, qualquer que seja sua conformação em termos de guras
afetos. Os elementos simbólicos contribuem de modo parentais, não apenas capacita as crianças a encontrarem
signi cativo para a con guração territorial e, certamente, a si mesmas e aos outros, mas também faz com que elas
para o processo do adoecer individual e coletivo. Isto nos comecem a se quali car como membros da sociedade
leva a pensar que o processo saúde-doença seja equacio- num sentido mais amplo. Isso se deve ao desenvolvimen-
nado em seus determinantes sociais. to da capacidade de identi cação com estes mesmos pais
Entretanto, tratando-se de uma contribuição de e, em seguida, com agrupamentos cada vez maiores, e
Winnicott à compreensão da relação entre a determinação começa quando a mãe ‘entra em acordo’ com seu bebê.
social e o desenvolvimento emocional primitivo do bebê, O pai, aqui, é o agente protetor que liberta a mãe para
por meio da conformação deste ambiente facilitador ao que ela se dedique ao bebê.
crescimento saudável, torna-se fundamental registrar que A ressaltar, a lembrança de que estas são funções
o autor não utiliza o conceito ‘determinação’ como uma que podem ser, a partir de um dado momento, desem-
imposição da natureza que independe do concurso de penhadas ou não pela mãe ou pai biológicos, incluindo
outros fatores para sua concretização. Plastino (2009) fala outros familiares, vizinhos, babás ou educadoras de
em tendências ou linhas de força que a natureza imprime creches e pré-escola capazes de prover continuidade no
ao homem, favorecendo o movimento espontâneo da vida, cuidado. E a continuidade do cuidado representa, se-
a autopoiese, a autocriação subjetiva e a criação. Não se gundo Bowlby (2002) e Winnicott, característica central
tratando de determinações, as tendências requerem acon- do conceito de ambiente facilitador:
tecimentos históricos para virem a ser, ou se atualizarem.
Neste contexto de um ambiente favorável, o infante hu- é unicamente pela provisão ambiental (presença
mano atinge a integração, personalização e realização, de da mãe ou ausência dela por tempo que não se
forma absolutamente criativa e original. Assim, somente prolongue para além da capacidade do bebê em
cada sujeito sabe dizer das vicissitudes de seu sentimento de manter viva sua imagem) que o bebê em estado de
existir, de ser real ou da ausência deles, todos fundamentais dependência pode ter uma continuidade em sua
em sua vida, demarcando a diferença entre saúde e doen- linha de vida. (W , 1989, p. 48).
ça. Também a ideia de ‘modelo’, como algo terminado e
reproduzível, não se adéqua ao pensamento de Winnicott. Falhas nesse aporte, em termos de características
Para exempli car, basta recuperar sua participação e com- essenciais da vida familiar e sentidas pela criança como
partilhamento na produção dos famosos ‘rabiscos’ que privação, estão na gênese da tendência e do comporta-
expressavam tão intensamente a emergência de conteúdos mento antissocial (W , ).
psíquicos de seus pacientes na atualização de questões de
sua história. Então, mais à vontade poderíamos falar em
con guração e arranjo de tendências que possibilitam a REPERCUSSÕES NAS PRÁTICAS
integração psíquica e seu papel na produção de saúde como
uma construção plasticamente e estruturalmente mutável
mediante interação, integração e realização destas mesmas Com esta compreensão, as estratégias de atenção
tendências num dado ambiente. à saúde da mulher só estarão completas se passarem a
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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voltada para a primeira infância
incluir ações que considerem as vicissitudes de manejo este aspecto do trabalho intenso a ser realizado sobre a
das questões vivenciadas na gravidez, no pós-parto e potência dos vínculos entre os principais atores do SUS
estendendo-se pelo menos até o nal do primeiro ano de para a produção de saúde.
vida do bebê, quando é fundamental cuidar de proteger Além disso, buscou-se conhecer por revisão biblio-
este “ambiente facilitador” para uma vida saudável e um grá ca e visitas in loco as estratégias já implantadas ou
desenvolvimento pleno. Da mesma forma, as estratégias em processo de implantação em nosso país consideradas
e políticas voltadas para a saúde materno-infantil devem também exemplares nesta perspectiva. Tomamos, assim,
aperceber-se da importância das ações nos primórdios como marcos referenciais o Programa Primeira Infância
da vida, que não só venham trazer a sua garantia, mas Melhor (PIM) do Estado do Rio Grande do Sul, o Mãe
também quali cá-la. Destacadamente, apontamos para Coruja Pernambucana, o Mãe Curitibana (ver sites rela-
a importância da detecção precoce da depressão materna cionados), a Experiência de Sobral (CE) (S , 2007) e
como evento sentinela, ou seja, aquele su cientemente outros, que fazemos questão de citar pelo pioneirismo,
estudado e comprovado como provocador de determina- ousadia e trabalho árduo para efetivação de propostas
das patologias, que precisa ser registrado e acompanhado desta magnitude.
em sua remissão e evolução. Mitos como a ‘maternidade
ideal’ e o ‘instinto materno’ precisam também de aco-
lhimento e escuta para sua necessária desconstrução. A CONCLUSÕES
Estratégia de Saúde da Família e as ações, programas e
políticas de suporte ao trabalho e renda, assim como o es-
tímulo à produção de redes sociais, o vínculo fortalecido Sabemos como problemas complexos nos colocam
com equipamentos sociais como as creches e as escolas em condição de ação sempre aquém das necessidades e
voltadas para a criança até seis anos junto a seus fami- sempre aproximativa do ponto de vista da e cácia, exi-
liares e os dispositivos culturais guardam possibilidades gindo ciência, ação racional e, ao mesmo tempo, criação,
imensas de abrigar trabalhos efetivos sobre o ambiente arte, razão estética. Nesse sentido, duas questões surgi-
facilitador e os determinantes sociais da saúde. ram de imediato, nos desa ando para a construção da
Para a construção da metodologia da EBBS e de Estratégia: como efetivar a articulação e transversalização
um Plano de Metas para sua implantação, utilizamos entre as diversas ações pretendidas? Como assegurar a
todos os dispositivos ofertados pela Política Nacional inclusão de novos desa os na agenda, como a promoção
de Humanização do SUS (PNH), exemplar no que diz de saúde inovando na inclusão de intervenções sobre o
respeito à ideia do que é uma política pública de natureza ambiente facilitador?
transversal. Mais ainda, esta política inicia a proposição A resposta a este desa o de prover ações em defesa
ousada de buscar o humano que se revela no espaço da do ambiente facilitador ao crescimento, desenvolvi-
micropolítica de atenção dentro de e constituindo o mento e amadurecimento da criança vinculada à seu
nosso SUS, que até então só parecia poder apresentar, cuidador no período da primeira infância nos convoca
mesmo que orgulhosamente, sua macroestrutura. Desde à disponibilização de novos enfoques que enriqueçam as
os anos 1990, com a proposta da reforma da reforma políticas públicas já instituídas voltadas principalmente
(C , 2006), explicitava-se esta necessidade de para as mulheres e crianças, mas também para os ho-
aprimorar a Reforma Sanitária Brasileira, incluindo mens, para a saúde mental, com contribuições da PNH,
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