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Saúde em Debate           v.34   n.85   abr./jun. 2010   Cebes




CARLOS GENTILE DE MELLO
                                                                 ISSN 0103-1104
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE CEBES                                  SAÚDE EM DEBATE



DIREÇÃO NACIONAL GESTÃO 2009 2011                                            A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral
                                                                             editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
NATIONAL BOARD OF DIRECTORS YEARS 2009 2011
          Presidente:                  Roberto Passos Nogueira
          Primeiro Vice-Presidente:    Luiz Antonio Neves                    EDITOR CIENTÍFICO / CIENTIFIC EDITOR
          Diretora Administrativa:     Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato         Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)
          Diretor de Política Editorial: Paulo Duarte de Carvalho Amarante
          Diretores Executivos:        Ana Maria Costa
                                       Guilherme Costa Delgado               CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL
                                                                                   Alicia Stolkiner – UBA (Argentina)
                                       Hugo Fernandes Junior
                                                                                   Angel Martinez Hernaez – Universidad Rovira i Virgili (Espanha)
                                       Lígia Giovanella
                                                                                   Carlos Botazzo – USP (SP/Brasil)
                                       Nelson Rodrigues dos Santos
                                                                                   Catalina Eibenschutz – UAM-X (México)
          Diretores Ad-hoc:            Alcides Miranda                             Cornelis Johannes Van Stralen – UFMG (MG/Brasil)
                                       Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira          Diana Mauri – Universidade de Milão (Itália)
                                                                                   Eduardo Maia Freese de Carvalho – CPqAM/FIOCRUZ (PE/Brasil)
                                                                                   Giovanni Berlinguer – Universitá La Sapienza (Itália)
CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL                                                   Hugo Spinelli – UNLA (Argentina)
                                                                                   José Carlos Braga – UNICAMP (SP/Brasil)
          Ary Carvalho de Miranda
                                                                                   José da Rocha Carvalheiro – FIOCRUZ (RJ/ Brasil)
          Assis Mafort Ouverney
                                                                                   Luiz Augusto Facchini – UFPel (RS/Brasil)
          Lígia Bahia                                                              Maria Salete Bessa Jorge – UECE (CE/Brasil)
                                                                                   Paulo Marchiori Buss – FIOCRUZ (RJ/Brasil)
                                                                                   Rubens de Camargo Ferreira Adorno – USP (SP/Brasil)
CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL                                             Sônia Maria Fleury Teixeira – FGV (RJ/Brasil)
          Agleildes Aricheles Leal de Queiroz                                      Sulamis Dain – UERJ (RJ/Brasil)
          Alcides Silva de Miranda
          Alberto Durán González
                                                                             EDITORA EXECUTIVA / EXECUTIVE EDITOR
          Eleonor Minho Conill
                                                                                   Marília Fernanda de Souza Correia
          Ana Ester Melo Moreira
          Eymard Mourão Vasconcelos
          Fabíola Aguiar Nunes                                               INDEXAÇÃO / INDEXATION
          Fernando Henrique de Albuquerque Maia                                    Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS
          Julia Barban Morelli                                                     História da Saúde Pública na América Latina e Caribe - HISA
                                                                                   Sistema Regional de Informaciónen Línea para Revistas Cientí cas de
          Jairnilson Silva Paim
                                                                                   América Latina, el Caribe, España y Portugal - LATINDEX
          Júlio Strubing Müller Neto                                               Sumários de Revistas Brasileiras - SUMÁRIOS
          Mário Sche er
          Naomar de Almeida Filho
          Silvio Fernandes da Silva                                          ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
          Volnei Garrafa                                                           Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos
                                                                                   21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
                                                                                   Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141
                                                                                   Fax.: (21) 2260-3782
SECRETARIA / SECRETARIES
                                                                                   Site:                        www.cebes.org.br
          Secretaria Geral:            Mariana Faria Teixeira                                                   www.saudeemdebate.org.br
          Pesquisadora:                Suelen Carlos de Oliveira                   E-mail:                      cebes@cebes.org.br
          Estagiária:                  Debora Nascimento                                                        revista@saudeemdebate.org.br




                                                                                      Apoio
A Revista Saúde em Debate é
associada à Associação Brasileira
de Editores Cientí cos                              Ministério da Saúde
Rio de Janeiro   v.34   n.85   abr./jun. 2010




ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
         ISSN   0103-1104
EDITORIAL / EDITORIAL

APRESENTAÇÃO                /   PRESENTATION

DEBATE       /       DEBATE

187 Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador: conceitos e proposição estratégica para uma
    política pública voltada para a primeira infância
    Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a strategic framework for a public
    policy focused on early childhood
      José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello

DEBATEDORES             /       DISCUSSANTS

201 Estratégia em defesa da criança saudável: cogestão e não-violência como postura existencial e política
    Strategy in favor of healthy children: co-management and nonviolence as existential and political attitude
      Gastão Wagner de Sousa Campos

204 Um grande avanço
    A big step forward
      Osmar Terra

RÉPLICA          /   REPLY

208 Vinculo como suporte ao ambiente facilitador à vida: uma questão de saúde pública
    Bond as a support for favorable environment to life: a matter of public health
      José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello

ARTIGOS ORIGINAIS                 /   ORIGINAL ARTICLES

    P
211 Matriciamento: a representação social da Equipe de Saúde da Família
    Specialized orientation: the representation of the Family Health Team
      Annaiza Freitas Lopes, Renata Amanda Azevedo de Brito, Fátima Luna Pinheiro Landim, Mônica de Oliveira Nunes, Patrícia
      Moreira Collares

    P
219 Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem viver de famílias em situação de risco e
    vulnerabilidade
    In the edge of life, getting around the problems: strategies of well-being of families at risk and vulnerability situation
      Maria Jacqueline Abrantes Gadelha, Raimunda Medeiros Germano

    P
227 Perfil da ampliação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Brasil
    Pro le of the expansion of Community Agents Program in Brazil
      José Roberto de Magalhães Bastos, Ricardo Pianta Rodrigues da Silva, Angela Xavier, Sabrina Pulzatto Merlini,
      Taís Ferreira Pimentel

    P
236 Doença crônica: comparando experiências familiares
    Chronic disease: comparing familial experiences
      Noeli Marchioro Liston Andrade Ferreira, Giselle Dupas, Carmem Lúcia Alves Filizola, So a Cristina Iost Pavarini
O
248 Potencialidades e obstáculos para a consolidação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos
    Potentialities and challenges of the family health strategy consolidation in major urban centers of Brazil
      Ligia Giovanella, Maria Helena Magalhães de Mendonça, Sarah Escorel, Patty Fidelis de Almeida,
      Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Carla Lourenço Tavares de Andrade, Maria Inês Carsalade Martins,
      Mônica de Castro Maia Senna, Maristela Chitto Sisson

    E
265 Análise do discurso da propaganda de medicamentos no Brasil
    Discourse analysis of medicine advertisements in Brazil
      Viviane Ramalho

    E
274 Medicalização e consumo: um olhar sobre a saúde na contemporaneidade
    Medicalization and consumption: a look over health in contemporaneity
      Jurema Barros Dantas, Ariane Patrícia Ewald

    P
288 Política de medicamentos excepcionais no Espírito Santo: a questão da judicialização da demanda
      e exceptional drug policy in Espírito Santo: the matter of access by juridical approach
      Maria José Sartório, Ronaldo Bordin

    E
299 Perspectivas democráticas e suas condições de possibilidade: interseções entre a participação política no SUS e a
    gestão em saúde
    Democratic prospects and their conditions of possibility: intersections between political participation in SUS and health
    management
      Francini Lube Guizardi, Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti

    P
310 Gênese de um conselho local de saúde
    Genesis of a local health council
      Renata Mota Rodrigues Bitu Sousa, Carlos Botazzo

    P
321 Conselho Municipal de Saúde de Ampére: avaliando o controle social
    Ampére city’s Health Council: evaluating social control
      Luciane Maria Pedot Belini, Samuel Jorge Moysés

    O
328 Que proteção social para qual democracia? Dilemas da inclusão social na América Latina
    Which social protection for which democracy?Dilemmas of social inclusion in Latin America
      Sonia Fleury

    P
349 Avaliação da qualidade de vida de idosos renais crônicos sob tratamento hemodialítico
    Evaluation of the quality of life of elderly chronic renal disease patients undergoing hemodialytic treatment
      Fabiana de Souza Orlandi

    P
356 Enfermagem e espiritualidade na terminalidade: percepção dos ministros religiosos
    Nursing and spirituality in terminal patients: perception of the religious ministers
      Joseane de Souza Alves
R
365 Uma revisão sobre a compreensão da realidade expressa na assistência em saúde mental segundo a teoria social crítica
    A review on the express understanding of reality in mental health care in the second critical social theory
      Silvia Maria de Oliveira Mendes

    P
384 Ensino de Odontologia e o Sistema Único de Saúde
    Education of Dentistry and the National Health System
      Gustavo Nicolini Fernandes, Newton Cesar Balzan, Maria Alice Amorim Garcia

MEMÓRIA        /   MEMORY

396 Especial “In memoriam”
      Carlos Gentile de Mello

RESENHA       /    CRITICAL REVIEW

397 P, Izabel C. Friche. Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009
      Marina Bittencourt
EDITORIAL                            175




                                           Política social e eleições



O      ano eleitoral de 2010 começará o cialmente no segundo semestre,
       mais precisamente depois da Copa do Mundo. Da parte das candi-
daturas presidenciais pré-lançadas até o presente, pouco se ouve de maneira
objetiva e clara sobre os rumos e proposições a respeito da política social.
O assunto também não é cobrado pela grande mídia e aparentemente não
seria objeto de grandes alterações nas agendas dos dois concorrentes com
maiores chances eleitorais.
     Mas esse consenso por aparência e omissão das questões-chave da política
social é enganoso. Há indícios muito fortes de que o tema dos direitos sociais,
com suas inevitáveis implicações scais, esteja sendo evitado agora para somente
aparecer claramente em 2011. Viria no bojo de uma proposta de mudanças
fortes na Seguridade Social e no Sistema Tributário, de forma a restringir ainda
mais o núcleo da política social fundamentada em direitos sociais. E nos primei-
ros seis meses de um novo mandato presidencial, o Congresso costuma aprovar
em geral tudo que venha do Executivo, recém-legitimado pelas urnas.
     É preocupante observar o tratamento que vem sendo dado ao tema dos
direitos sociais. Da parte da candidatura o cial, houve declarações explícitas de
simpatia com o tema. Mas, por outro lado, várias manifestações e entrevistas do
atual Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), tido como
provável futuro coordenador de política econômica da candidata ao governo,
já emitem sinalizações de duas prioridades – uma Reforma Previdenciária de
teor restritivo a alguns direitos constitucionais (a preocupação sub-reptícia é
quanto ao vínculo do salário mínimo a benefícios sociais) e uma Reforma Tri-
butária em moldes parecidos com o projeto o cial de 2008 do Governo Lula.
Nenhum sinal por aqui de redistribuição de renda ou igualdade social como
rumo à política social e à reforma tributária.
     Por outro lado, da parte do principal candidato de oposição, leem-se
declarações enfáticas de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, agora,
até mesmo à reforma agrária. Mas quando consultamos várias manifestações
dos seus áulicos e con dentes em assuntos scais ou ainda da mídia que lhe é




                              Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
176          EDITORIAL



                                                                    generosamente favorável, há uma espécie de senha-chave que assim se expres-
                                                                    sa: “reduzir gastos correntes do orçamento a qualquer custo”. O observador
                                                                    desavisado perguntará: que tem isto a ver com política social?
                                                                            Ora, na atual con guração dos direitos sociais já regulamentados, os
                                                                    “Benefícios Monetários” das políticas sociais estão essencialmente vinculados a
                                                                    direitos e correspondem a 15,5% do PIB nas “Contas Nacionais” de 2006 (as
                                                                    mais recentes publicadas em detalhe); e os “Benefícios em Espécie” – serviços
                                                                    públicos gratuitos oferecidos aos cidadãos – representam 8,6% neste mesmo
                                                                    ano. Esse conjunto de “Benefícios Monetários” e serviços públicos, ou “Bene-
                                                                    fícios em Espécie”, na linguagem das Contas Nacionais, já somam cerca de ¼
                                                                    do Produto Interno Bruto (PIB). Os recursos que nanciam esses benefícios
                                                                    são quase integralmente categorizados nos orçamentos públicos como gastos
                                                                    correntes. Daí, havendo restrições a direitos, desvinculações constitucionais,
                                                                    congelamentos ou outros truques para “restringir os gastos correntes”, fatalmente
                                                                    seriam afetados os benefícios sociais e os salários do funcionalismo.
                                                                            Para manter o estatuto da política social e viabilizar a melhoria da qualida-
                                                                    de na prestação dos serviços universais (SUS e educação básica, principalmente)
                                                                    ou incluir parcelas expressivas da população ainda não incorporadas aos sistemas
                                                                    públicos – Previdência e Assistência, Política Agrária, Habitação etc. – não há
                                                                    como fazê-lo “reduzindo gastos correntes”. Nem mesmo congelando esses gastos
                                                                    em algum ano isso é possível, como espertamente foi proposto no Projeto de
                                                                    Reforma Tributária do governo Lula.
                                                                            Há fatores demográ cos, epidemiológicos e de riscos sociais associados a
                                                                    uma geração de direitos sociais (seguridade social), de pretensão universal, que
                                                                    não estão congelados, mas, ao contrário, tendem a crescer. Há também uma
                                                                    geração de novos riscos sociais e ambientais associados às mudanças climáticas
                                                                    que fatalmente alimentarão demandas futuras por novos serviços públicos de
                                                                    proteção social. Essas demandas tendem a crescer e precisariam contar com re-
                                                                    cursos, simultaneamente associados ao crescimento da economia e melhoria.
                                                                            Universalizar direitos sociais numa sociedade altamente desigual como
                                                                    a nossa requer compreensão clara de que isso é política social redistributiva.
                                                                    Integra um modelo de sociedade e de economia com pretensão a um estilo de
                                                                    desenvolvimento fundado no paradigma da igualdade. Mas isso não se faz sem
                                                                    uma reforma tributária redistributiva e também requer política social organizada
                                                                    e planejada com horizonte mínimo de uma década.
                                                                            Isso tudo não está nas agendas políticas das candidaturas principais, nem
                                                                    das mídias, nem do “consenso da opinião pública”. Precisa ser explicitado e




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
EDITORIAL                            177



discutido na campanha eleitoral e fora dela, para que não tenhamos a ingrata
surpresa de ver “reformas” implementadas na política social e tributária em
2011 que se ponham na contramão da construção dos direitos sociais.
     O processo eleitoral e a formação de opinião pública, sob intenso controle
dos partidos e dos meios de comunicação de massa, não são bons aliados para
esclarecer questões essenciais sobre política social. Há que se ter criatividade e
ousadia para colocar essas questões nas agendas políticas do Estado, dentro e
fora das arenas convencionais da política.


                                                           DIRETORIA NACIONAL




                              Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
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                                                                    T       he 2010 electoral year will o cially begin in the second half of the year,
                                                                            precisely after the World Cup. Very little has objectively and clearly
                                                                    been heard on the directions and propositions regarding social policy from
                                                                    the pre-announced presidential candidates till the moment.            e subject is
                                                                    not requested by the press either, and apparently would not be subject of
                                                                    great alterations in the agenda of the two candidates with more electoral
                                                                    advantage.
                                                                            But this consensus on appearance and omission of social policy’s key-
                                                                    matters is deceiving.      ere is strong evidence that the social rights theme,
                                                                    together with its inevitable scal implications, is being avoided now to clearly
                                                                    arise only in 2011. It would be intrinsic to a proposal of strong changes in
                                                                    the Social Security and in the Tributary System as to restrict even more the
                                                                    core of the social policy which is founded on social rights. And during the
                                                                      rst six months of a new presidential mandate, the Congress usually ap-
                                                                    proves everything that comes from the Executive, recently legitimated by
                                                                    the electors.
                                                                            It is disturbing to observe the treatment that has been given to the theme
                                                                    of social rights.     ere have been explicit declarations of sympathy with the
                                                                    theme from the o cial candidacies. On the other hand, many manifestations
                                                                    and interviews from the current president of the Brazilian Development Bank
                                                                    (BNDES, acronym in Portuguese), who is considered to be a likely future
                                                                    coordinator of economic policy of the government candidate, already show
                                                                    two priorities – a reform of the social security with a purport restrictive to
                                                                    some constitutional rights (the hidden preoccupation concerns the bond of
                                                                    minimum wage with social bene ts); and a tributary reform which looks like
                                                                    the 2008 o cial government project of president Lula mandate.            ere is no
                                                                    sign of income redistribution or social equality as a road to social policy and
                                                                    tributary reform.
                                                                            On the other hand, emphatic statements supporting the National
                                                                    Health System (SUS, acronym in Portuguese) and even the agrarian reform




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
EDITORIAL                           179



have been read from the main opposition candidate. But when we inquire
many manifestations on scal issues of their representatives and con dents,
or even the press which is generously favorable to such candidate, there is
a kind of password, which is expressed as follows: “to reduce the current
expense budget by any means”.            e unadvised observer may ask: what does
it have to do with social policy?
      Well, in the current con guration of the regularized social rights, the
“Monetary Bene ts” of social policies are essentially bonded to rights and
account for 15.5% of the gross domestic product in the “National Accounts”
of 2006 (the most recent ones being published in details); and the “Cash
Bene t” – free public services o ered to citizens – account for 8.6% in the
same year.     is assemblage of “Monetary Bene ts” and public services, or
“Cash Bene ts” in the National Accounts’ language, currently sums ¼ of the
gross domestic product (GDP).            e resources that nance these bene ts are
almost integrally categorized in the public budget as current expenditures.
In this manner, as there would be restrictions to rights, constitutional dis-
sociations, freezings and other arti ces to “restrict the current expenditures”,
the social bene ts and functionalism salaries would be severely a ected as a
consequence.
      To maintain the social policy statute and enable the improvement
of the quality of universal services (mainly SUS and basic education) or
include expressive portions of the population that are not included in the
public systems yet – social security and assistance, agrarian policy, housing
and others – is not possible by “reducing current expenditures”. Not even
freezing these expenses in any year makes it possible, as smartly proposed in
the Tributary Reform Project of Lula government.
         ere are demographic, epidemiological and social-risk factors which are
associated with the creation of universally-intended social rights (social security)
and that are not frozen, but rather tend to grow.               ere is also the generation of
new social and environmental risks associated with climatic changes that will
fatally promote future demands for new social protection public services.                           ese
demands tend to grow and need to rely on resources simultaneously associated
with the growing and improvement of the economy.
      To universalize social rights in a society highly unequal like ours requires
a clear comprehension of the fact that this is a redistributive social policy.
It comprises a model of society and economy that seek a style of develop-
ment based on the paradigm of equality. But this can not be done without




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                                                                    a redistributive and tributary reform, and requires a social policy organized
                                                                    and planned aiming at no less than one decade.
                                                                                  ese issues are not present in the politics agenda of the main candi-
                                                                    datures, nor of the press, nor of the “public opinion consensus”. It should
                                                                    be explicit and discussed in and out the electoral campaign; in this man-
                                                                    ner, people will not have the unappreciative surprise of watching “reforms”
                                                                    implemented in social and tributary policies that oppose the building of
                                                                    social rights in 2011.
                                                                                  e electoral process and the formation of the public opinion, under
                                                                    intense control of the parties and means of mass communication, are not
                                                                    good allies to clear up essential matters on social politics.       ere has to be
                                                                    creativity and audacity to put these issues on the agenda of State policies, in
                                                                    and out the conventional political eld.


                                                                                                              THE NATIONAL DIRECTORATE




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
APRESENTAÇÃO                                 181




E    ste é o último número da Saúde em Debate vinculado ao projeto
     “Reforma Sanitária em Debate”, responsável pela edição dos últimos
números da publicação. Nesse período, a revista passou por um processo
intenso de reformulações. Houve transformações na sua identidade visual,
em seu conteúdo e em sua periodicidade. Voltou a ser editada regularmente,
foi indexada em outras bases de dados e, a partir deste ano, mudou a sua
periodicidade de quadrimestral para trimestral.
     A capa é dedicada a Carlos Gentile de Mello, autor do primeiro livro
editado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C                         ), Saúde e Assis-
tência Médica no Brasil, em 1977. Neste número, reproduzimos o texto, em
sua homenagem, publicado originalmente na Saúde em Debate no. 17, de
1989, na ocasião de seu falecimento.
     Iniciamos este número com o artigo de debate de autoria de José Gomes
Temporão e Liliane Mendes Penello, no qual os autores propõem uma política
pública de saúde para a primeira infância, fornecendo as bases conceituais
e políticas da “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recente-
mente lançada pelo Ministério da Saúde. Na sequência, o artigo é debatido
por Gastão Wagner de Sousa Campos, que considera a iniciativa ousada e
inovadora, e Osmar Terra, que fala do avanço que o texto traz para a com-
preensão sobre a importância do chamado “ambiente emocional facilitador”
para o desenvolvimento inicial, considerando-o no contexto da determinação
social da saúde. Os dois textos foram replicados pelos autores.
     O cuidado à família é um dos temas mais importantes no campo da
saúde, o que é possível constatar pela quantidade e qualidade dos artigos
submetidos à revista e pelo conjunto de textos tratando dos temas aqui publi-
cados. Annaiza Freitas Lopes et al. apresentam os resultados de uma pesquisa
na qual discutem a representação social da Equipe de Saúde da Família em
Fortaleza, a partir do matriciamento promovido pelos Centros de Atenção
Psicossocial (C   ). A pesquisa de Maria Jacqueline Abrantes Gadelha e Rai-
munda Medeiros Germano analisa as estratégias utilizadas pelas famílias em




                             Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
182          APRESENTAÇÃO



                                                                    situação de risco e vulnerabilidade no âmbito da Estratégia Saúde da Família.
                                                                    José Roberto Bastos et al. apresentam a pesquisa que realizaram sobre o de-
                                                                    senvolvimento do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no período
                                                                    de 1998 a 2007, demonstrando o seu grande crescimento em todas as regiões
                                                                    do país. Outra pesquisa muito importante, de Noeli M.L.A. Ferreira et al.,
                                                                    faz uma re exão sobre a experiência de famílias com um membro portador
                                                                    de doença crônica. O bloco é complementado pelo artigo de opinião de Ligia
                                                                    Giovanella et al. sobre os fatores que condicionam a efetiva implementação
                                                                    da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos.
                                                                            A preocupação com os vários aspectos relacionados à política de me-
                                                                    dicamentos é abordada nos textos de Viviane Ramalho, um ensaio sobre
                                                                    os sentidos “potencialmente ideológicos” na propaganda de medicamentos
                                                                    no Brasil, e de Jurema B. Dantas e Ariane P. Ewald, que analisam a relação
                                                                    entre o consumo e o fenômeno da medicalização e a forma como tal relação
                                                                    reposiciona a noção de saúde. O tema dos medicamentos neste número é
                                                                    encerrado com a pesquisa de Maria José Sartório e Ronaldo Bordin que, a
                                                                    partir da análise das demandas judiciais no Espírito Santo, revelam aspectos
                                                                    importantíssimos sobre a questão da judicialização no país.
                                                                            Outro tema que sempre está na agenda do Sistema Único de Saúde
                                                                    (SUS) é o da participação e controle social. O ensaio de Francini L. Guizardi
                                                                    e Felipe O.L. Cavalcanti propõe que pensemos a participação política como
                                                                    uma atividade de luta e construção de saúde em si mesma. Renata M. R. B.
                                                                    Sousa e Carlos Botazzo investigam o modo como se articula o discurso de
                                                                    participação da comunidade na constituição de um conselho da unidade de
                                                                    saúde da família. A pesquisa de Luciane M.P. Belini e Samuel Jorge Moyses
                                                                    nos leva a re etir sobre alguns aspectos relacionados aos Conselhos de Saúde
                                                                    que necessitam urgentemente serem transformados, sob risco de perderem seu
                                                                    caráter de controle social do SUS. Sonia Fleury, em “Que proteção social para
                                                                    qual democracia: dilemas da inclusão social na América Latina”, discute “os
                                                                    ônus que os sanitaristas de esquerda assumiram ao encarregar-se de implantar
                                                                    reformas dos sistemas de saúde na América Latina em contextos de transição
                                                                    à democracia marcados pela ausência de hegemonia e pelos acordos que res-
                                                                    tringem as possibilidades de implementar as políticas universais projetadas
                                                                    pelo movimento sanitário.”
                                                                            Na parte nal da revista, estão publicados artigos sobre temas variados,
                                                                    tais como a pesquisa de Fabiana de Souza Orlandi sobre avaliação de quali-
                                                                    dade de vida de idosos renais crônicos em hemodiálise, a pesquisa de Joseane




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
APRESENTAÇÃO                                 183



de Souza Alves sobre o cuidado da enfermagem em relação às necessidades
espirituais do paciente terminal a partir da percepção de ministros religiosos,
o artigo de revisão de Silvia M.O. Mendes sobre a aplicação da teoria social
crítica no campo da saúde mental, e a pesquisa de Gustavo N. Fernandes et
al. sobre a formação do cirurgião-dentista visando à sua atuação no SUS.
     A resenha deste número, elaborada por Marina Bittencourt, é sobre o
livro Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana, de autoria de
Izabel F. Passos.


                                                                                     Boa leitura!


                                                                             Paulo Amarante
                                                                            Editor Cientí co




                             Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
184          PRESENTATION




                                                                    T       his is the last issue of the journal Saúde em Debate which is bound to the
                                                                            project “Sanitary Reform in Discussion”, responsible for the edition of
                                                                    the last issues. In this period, the journal went through an intense process of
                                                                    reformulations.         ere were some changes in its visual identity, in its content
                                                                    and periodicity. It is being regularly edited again, was indexed in other data-
                                                                    bases and, from this year on, has a new periodicity: it is now quarterly.
                                                                                  e cover is dedicated to Carlos Gentile de Mello, the author of the
                                                                      rst book edited by Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C         ), Saúde e as-
                                                                    sistência médica no Brasil, in 1977. In this issue, a text is reproduced in honor
                                                                    to the author, which was originally published in Saúde em Debate issue 17,
                                                                    1989, on the occasion of his passing.
                                                                                  e present issue is initiated with the debate article by José Gomes
                                                                    Temporão and Liliane Mendes Penello, who propose a public health policy for
                                                                    the rst infancy, providing the conceptual and political bases of the campaign
                                                                    “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recently launched by the
                                                                    Ministry of Health. Following, the article is debated by Gastão Wagner de
                                                                    Sousa Campos, who considers it an audacious and innovative initiative, and
                                                                    by Osmar Terra, who speaks of the advance that the text provides for the
                                                                    understanding of the importance of the “enabling emotional environment”
                                                                    in the early development, considering it in the context of social determina-
                                                                    tion of health. Both texts were replied by the authors.
                                                                                  e family care is one of the most important themes of the health eld,
                                                                    which may be veri ed by the quantity and quality of the articles submitted for
                                                                    the journal and by the assemblage of papers dealing with the themes gener-
                                                                    ally published in the journal. Annaiza Freitas Lopes et al. present the results
                                                                    of a research in which the social representation of the family health team of
                                                                    Fortaleza is discussed based on the matrix-based strategies promoted by the
                                                                    Centers for Psychosocial Care (C           , acronym in Portuguese).       e article
                                                                    by Maria Jacqueline Abrantes Gadelha and Raimunda Medeiros Germano
                                                                    analyzes the strategies used by the families in risked and vulnerable situations




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
PRESENTATION                               185



in the scope of Health Family Strategy. José Roberto Bastos et al. present a
paper on the development of the Community Health Agents Program in the
period comprising 1998 to 2007, demonstrating its growth in all regions of
the country. Another important article, by Noeli M.L.A Ferreira et al., brings
a re ection on the experience of families of chronic disease patients.                        is the-
matic text group is complemented by the opinion article by Ligia Giovanella
et al., who discuss the factors that condition the e ective implementation of
the Family Health Strategy in urban centers.
           e concern about the many factors related to the medication policy
is discussed in the articles by Viviane Ramalho, an essay on the “potentially
ideological” meaning of the Brazilian medication publicity, and by Jurema B.
Dantas and Ariane P. Ewald, who analyze the relation between the consump-
tion and the phenomenon of medicalization, as well as how such relation
repositions the notion of health.          e theme of medication in this issue is
closed with the research by Maria José Sartório and Ronaldo Bordin which,
from an analysis of the judicial demands in Espírito Santo, Brazil, reveals
important aspects about the matter of judicialization in the country.
     Other themes which are always in the agenda of the National Health
System (SUS, acronym in Portuguese) are the social participation and social
control.      e essay by Francini L. Guizardi and Felipe O.L. Cavalcanti pro-
poses that we make a re ection on political participation as an activity of
combat and construction of health itself. Renata M.R.B. Sousa and Carlos
Botazzo investigate how the discourse of community participation in the con-
stitution of a council for the Family Health Unit is articulated.                       e research
by Luciane M.P Belini and Samuel Jorge Moyses leads the reader to consider
some aspects related to the Health Councils which need urgent transforma-
tion, otherwise they may lose their characteristic of SUS social control. In
“Which social protection for which democracy? Dilemmas of social inclusion
in Latin America”, Sonia Fleury discusses “costs that the left sanitarians as-
sumed with the responsibility to held the reforms of health care systems in
Latin America during the processes of transition to democracy, marked by
the absence of hegemony and by agreements that restrict the possibilities of
implementing universal policies projected by the sanitary reform.”
     In the nal section of this issue, articles on varied themes are published:
the paper by Fabiana de Souza Orlandi that approaches the assessment of
quality of life of the elderly population with chronic renal disease under
hemodyalisis treatment, the article by Joseane de Souza Alves on the nursing




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186          PRESENTATION



                                                                    care with regard to the spiritual necessities of patients with terminal illnesses
                                                                    based on the perception of religious ministries, the review article by Silvia
                                                                    M.O. Mendes on the critical social theory put into practice in the mental
                                                                    health eld, and the research by Gustavo N. Fernandes et al. on the profes-
                                                                    sional formation of dental surgeons aiming at their performance in SUS.
                                                                                  e review of this issue, elaborated by Marina Bittencourt, is about
                                                                    the book Reforma Psiquiátrica – as experiências francesas e italiana, written
                                                                    by Izabel F. Passos.


                                                                                                                                Enjoy your reading!


                                                                                                                                   Paulo Amarante
                                                                                                                                   Scienti c Editor




      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
DEBATE            /    DEBATE                         187


         Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador:
      conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada
                                                 para a primeira infância
              Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a
                                   strategic framework for a public policy focused on early childhood

José Gomes Temporão 1
Liliane Mendes Penello 2



1
  Médico; Doutor em Saúde Coletiva          RESUMO Os autores propõe uma política pública de saúde para a primeira
pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ); Ministro de Estado da       infância, discutindo os Determinantes Sociais da Saúde e o Desenvolvimento
Saúde do Brasil.                            Emocional Primitivo e sugerindo que sua inter-relação de ne padrões pessoais
jtemporao@saude.gov.br
                                            de convívio social e de saúde. Utilizaram o modelo de Dahlgreen e Whitehead e
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  Médica; Mestre em Saúde Pública
                                            o pensamento de John Bowlby e Donald Winnicott para a resposta ao desa o de
pela Escola Nacional de Saúde Pública
da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/             assegurar a promoção da saúde e um ambiente saudável à mulher e à criança de zero
F         ); Coordenadora do Comitê
                                            a seis anos. Con gurou-se a ‘Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis –
Técnico Consultivo da Estratégia
Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis   primeiros passos’ para o desenvolvimento nacional, proposta do Ministério da Saúde,
(MS/F          ).
ebbs@saude.gov.br
                                            de caráter transversal e intersetorial visando à redução das desigualdades, promoção
                                            de saúde, cidadania e democracia desde as etapas mais precoces da vida.

                                            PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde; Determinação social da saúde,
                                            Desenvolvimento emocional primitivo; Saúde materno-infantil


                                            ABSTRACT           e authors proposed a public health policy for early childhood, discussing
                                            the social determinants of health, and the early child development and suggesting that
                                            their inter-relationship de nes personal standards of socialization and health.                          ey
                                            used the Dahlgreen and Whitehead model and the ideas of John Bowlby and Donald
                                            Winnicott to answer the challenges for ensure the promotion of health and a healthy
                                            environment for women and children from zero to six years old.                    e strategy ‘Healthy
                                            little Brazilians - rst steps towards national development’ was proposed by the ministry of
                                            health, a transversal and intersectorial initiative in order to reduce inequities, promoting
                                            health, citizenship and democracy since the earliest stages of life.

                                            KEYWORDS: Public policies; Health policies; Social determinants of health;
                                            Early child development; Maternal and childhood health policies



                                                                              Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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      I N T R O D U Ç Ã O                                                         in uenciando muitos outros autores, para o trabalho
                                                                                  com um dos temas que queremos aqui discutir, associado
                                                                                  à determinação social da saúde, que é o desenvolvimento
                                                                                  emocional primitivo e os cuidados com a primeira infân-
             Estranhos assuntos esses, tão marginais às cha-                      cia e sua relação com políticas públicas de saúde.
             madas questões nacionais em que se centra o                               Com o conceito de ambiente facilitador do cresci-
             debate político. É que eles fervilham no pré-sal                     mento e amadurecimento dos seres humanos, sugeriu-se
             da existência humana, a camada mais submer-                          que o ambiente inicial da vida de um novo ser coincide
             sa, talvez a mais rica. (O                       , 2010).            com o corpo-mente da mãe, incluindo sua própria
                                                                                  condição de existência, suas redes de sustentação, suas
             A concepção ampliada de saúde adotada contem-                        fantasias e desejos, suas construções imaginárias ou
      poraneamente considera que, para uma vida rica em                           reais como ambiente de suporte para o lho. A ideia
      qualidade, é muito pouco para o homem ser apenas                            da ‘mãe su cientemente boa’ como aquela capaz de
      são. Torna-se necessário agregar à ausência de doenças a                    apresentar intuitivamente ao seu lho aquilo que ele
      intensidade de experiências de vida e expressões de cria-                   necessita como provisão rumo ao seu crescimento e
      tividade que permitam a superação dos fatores geradores                     amadurecimento, incluindo as possíveis falhas nesse
      de mal-estar e sofrimento que limitam e desquali cam o                      caminho, chama atenção para o fato de que a provisão
      viver. Hoje, estamos convencidos de que a potência ou a                     ofertada pela mãe biológica pode ser executada por uma
      capacidade individual para manejar com maior autono-                         gura substituta através de vínculo amoroso, criativo e
      mia as questões vivenciais estão vinculadas a experiências                  não-burocrático.
      relacionais dos primórdios da vida, quando são de nidos                          Para o autor, nesta fase de desenvolvimento do
      padrões pessoais do viver e do conviver.                                    lactente, o amor só pode ser efetivamente expresso em
             Argutos observadores do desenvolvimento emocio-                      termos de cuidado neste ambiente favorável à con-
      nal primitivo, John Bowlby e Donald Winnicott, tra-                          abilidade. A mãe su cientemente boa é o ambiente
      balhando no campo da pediatria, psicanálise e etologia                      facilitador para a efetivação do processo maturacional
      em meados do século passado, indicavam a importância                        da criança pequena, provendo chances à criança de se
      destas considerações na formação de padrões adaptativos                     tornar uma pessoa real, em um mundo real, e de crescer
      à vida, repercutindo desde cedo na liberdade de cada ser                    de acordo com seu potencial herdado. Em relação ao
      humano para usufruir a sua própria experiência de vida.                     amadurecimento, compreende-se como um processo
      Insistiram, então, na adoção de um conceito ampliado                        jamais nalizado e sempre ‘adaptativo’ do ponto de vista
      de saúde que incluísse também os aspectos psicológicos.                     evolucionário, que tem sido considerado importante
      Bowlby havia sido convidado para assessorar a Organiza-                     indicador de saúde que contribui decisivamente para o
      ção Mundial de Saúde (OMS) na área de saúde mental                          desenvolvimento social:
      de crianças sem lar, em 1950, e Winnicott, trabalhara
      como voluntário atendendo crianças afastadas de seus                             A base para uma sociedade é a personalidade
      pais e famílias durante a Segunda Grande Guerra. Essas                           humana total [...] não é possível que as pessoas
      experiências marcantes foram incorporadas às suas obras,                         consigam ir mais além na construção da socie-
      sustentando valiosas teorias no campo da psicanálise, e                          dade do que de seu próprio desenvolvimento



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     pessoal. (W           , 1989, p. 193 ).                  com participação de todas as Secretarias do MS, o
                                                              documento-base para desenho da EBBS.
     É neste sentido que propõe uma compreensão                    O Brasil possui 14.210.000 crianças na faixa etária
bastante peculiar do desenvolvimento da personalida-          de zero a quatro anos – o que corresponde a 7,59%
de humana total, sua constituição sempre frente a um          da população total (B                 , 2008). De acordo com o
‘outro’ com o qual estabelece vínculos sugerindo uma          Censo Escolar de 2007, apenas 17,1% das crianças de
con guração em círculos que se amplia e se expande            até três anos estão matriculadas em creches, enquanto
desde o desejo e o corpo da mãe até a participação social     77,6% das crianças de quatro a seis anos frequentaram
mais ampla.                                                   pré-escola. Portanto, mais de 80% das crianças meno-
     Considerando a importância do Desenvolvimento            res de três anos estão sendo educadas e cuidadas em
Emocional Primitivo na de nição e con guração de              ambiente doméstico, pelos progenitores (em geral, a
padrões de saúde para a vida, um grande esforço para          mãe) ou por um cuidador substituto. Por essa razão,
atender às recomendações da Comissão Nacional de De-          decidimos trabalhar pela maior interação e ampliação
terminantes Sociais da Saúde (CNDSS) e da OMS, no             das ações de saúde com novas ofertas voltadas para a
sentido da produção de ações, estratégias e políticas vol-    Primeira Infância, em sintonia com o relatório nal
tadas para a primeira infância, vem sendo desenvolvida        da CNDSS que sugere intervenções que adotem como
pelo Ministério da Saúde (MS), desde 2007, a ‘Estratégia      referência os princípios e estratégias da ‘promoção da
brasileirinhas e brasileirinhos saudáveis, primeiros passos   saúde’, estabelecidos numa série de seis Conferências
para o desenvolvimento nacional’ (EBBS).                      Internacionais (Ottawa, Adelaide, Sundsval, Jacarta,
     A EBBS surgiu com a rica discussão em torno da           México e Bancoc), entre 1986 a 2005. Destaca-se a
formulação do Programa de Aceleração do Crescimento           primeira delas, na qual foi lançada a Carta de Ottawa,
na Área da Saúde (PAC/Saúde, 2007) visando a apro-            com o objetivo de contribuir para o combate e a supe-
fundar e integrar as reformas sanitária e psiquiátrica bra-   ração de problemas geradores de iniquidades na área e
sileiras articulando-as a um padrão de desenvolvimento        desenvolvimento saudável dos cidadãos. O documento
nacional comprometido com crescimento, bem-estar e            reconhece que paz, educação, moradia, alimentação,
equidade no acesso à saúde do povo brasileiro. Dessa          renda, ecossistema estável, justiça social e equidade
iniciativa, resultou o ‘Mais Saúde’, Plano de Metas do        são requisitos fundamentais para a saúde dos povos
Ministério da Saúde (B          , 2010) constituído em        identi cando como condições-chave para promover a
torno de sete grandes eixos, dentre os quais, a Promoção      saúde o estabelecimento de políticas públicas saudáveis,
da Saúde. Nesta oportunidade, cou muito clara nossa           a criação de ambientes favoráveis, o fortalecimento das
expectativa em revigorar o trabalho a partir da área          ações comunitárias, o desenvolvimento de habilidades
da saúde por um projeto civilizatório e, dentro dessa         pessoais e a reorientação dos serviços de saúde.
perspectiva, produzir saúde, cidadania e democracia,               Essa iniciativa do Ministério da Saúde vem fortale-
tornando-se fundamental considerar a constituição de          cer um conjunto de esforços em todo o país para articula-
nossos cidadãos, desde as etapas mais precoces da vida.       ção, interação e desenvolvimento de ações voltadas para
Em decorrência disso, foi produzido no âmbito do              a saúde da mulher, especialmente durante a gravidez, e
Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas            da criança de zero a seis anos, etapa da vida designada
em Saúde da Secretaria de Atenção à Saúde do MS,              como primeira infância, o que, no Brasil, corresponde



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      ao momento anterior à entrada obrigatória da criança                                 pequenas e a rede social que os cerca, considerando
      no ensino fundamental (B                        , 2002).                             estágios precoces do desenvolvimento humano, com
             A Portaria GM 2.395 de 7 de outubro de 2009,                                  intervenções sobre uma série de determinantes que
      veio instituir a EBBS considerando marcos legais,                                    incidem sobre o chamado ‘ambiente facilitador’, tal
      contribuições institucionais e experiências nacionais e                              como o descrevemos acima.
      internacionais bem-sucedidas: a Constituição Brasileira; o                                Questão que se torna ainda mais importante, diante
      Estatuto da Criança e do Adolescente; as Políticas Nacio-                            da chamada transição dos cuidados na infância, fenômeno
      nais de Atenção Integral à Saúde da Mulher, da Criança                               observado em todo o mundo, relacionado com alguns
      e Aleitamento Materno, de Saúde Mental, da Atenção                                   progressos no sentido da igualdade de oportunidades para
      Primária, o Planejamento Familiar, a Política Nacional                               as mulheres – nos países da Organização para a Coope-
      de Humanização, dentre outras, aprovadas no Conselho                                 ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de
      Nacional de Saúde (CNS) e na Comissão Intergestores                                  dois terços de todas as mulheres em idade ativa trabalham
      Tripartite (CIT); o Compromisso Brasileiro com os Ob-                                atualmente fora de casa – o que merece ser festejado, mas
      jetivos do Milênio (ODM) (especialmente o 4º, voltado                                que passa a representar, com as pressões econômicas cres-
      para a Redução em 2/3 da mortalidade de menores de                                   centes, preocupações para milhares de mães: as pressões
      5 anos até 2015), o Pacto pela Vida (Portaria GM 325,                                laborais não re etem novas oportunidades, mas novas
      2008), o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade                                  necessidades. Se o cuidado com as crianças pequenas
      Materna e Neonatal (PR, 2004), o Compromisso para                                    era um assunto predominantemente privado e familiar,
      Acelerar a Redução das Desigualdades na Região Nordeste                              agora tornou-se, em grande medida, uma atividade que
      e Amazônia Legal, rmado entre os Governos Estaduais                                  decorre fora de casa e em que os governos e as empresas
      e Federal; Pastoral da Criança, OMS, Organização Pan-                                privadas estão cada vez mais envolvidos, pois uma grande
      Americana da Saúde (OPAS), Fundo das Nações Unidas                                   parte delas passa seus primeiros anos de vida não nas suas
      para a Infância (U                ), Organização das Nações Unidas                   casas com as respectivas famílias, mas em algum tipo de
      para a Educação, a Ciência e a Cultura (U                                   ), Or-   estrutura de cuidados à infância. E embora esse não seja
      ganizações Não-Governamentais e Redes de Instituições                                o quadro predominante da realidade brasileira, sabe-se
      voltadas para o Cuidado com a Primeira Infância, Ex-                                 que um quarto das famílias em nosso país vive de um
      periências Nacionais e Internacionais exitosas e Políticas                           salário feminino. Em artigo publicado no jornal O Glo-
      Públicas Regionais e Nacionais de setores outros que não                             bo, de 2 de maio 2010, Rosiska Darcy de Oliveira traz à
      a Saúde, mas neste campo e na perspectiva intersetorial.                             tona temas tangenciados e con denciados na sociedade,
      A Fundação Oswaldo Cruz (F                             ) foi designada para          como as escolhas sobre a maternidade, as condições da
      a Coordenação Técnica da EBBS.                                                       gravidez e do parto, as leis que tolhem ou propiciam
             A EBBS traz como preocupação central não                                      liberdades, o temor atávico da violência sexual. Todas
      apenas o desa o de trabalhar nacionalmente pela                                      essas questões tornadas realidade para o corpo feminino
      articulação e interação das múltiplas iniciativas nesse                              a igem as mulheres, uma vez que elas sabem habitar
      campo sabidamente multissetorial, o que já torna essa                                um corpo cujo destino é desdobrar-se em outros. Ainda
      proposta bastante ousada, mas também a necessidade                                   segundo a articulista, respeito e escuta é o que aspiram as
      de prover novas ofertas de cuidado na perspectiva de                                 mulheres para que possam efetivamente contribuir com
      fortalecimento dos vínculos entre os pais, suas crianças                             reformas modernizadoras de estruturas de acolhimento



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que tornem a vida familiar viável, e não o ponto cego das           corporação no trabalho de saúde pública, da
relações sociais.                                                   responsabilidade pela promoção da saúde física
      Nesse sentido, tem sido necessário recorrer a uma             e mental da comunidade. (WHO, 1951).
compreensão mais cuidadosa do que são e como atuam
os determinantes sociais da saúde e como podemos pen-               Já a Conferência de Alma Ata, no nal dos anos
sar, neste âmbito, as intervenções sobre as tendências à       1970, e as atividades inspiradas no lema ‘Saúde para
integração psíquica e ao ambiente facilitador.                 Todos no Ano 2000’ recolocam em destaque o tema
                                                               dos determinantes sociais. No Brasil, trouxe elemen-
                                                               tos decisivos para a sustentação da Reforma Sanitária
DETERMINAÇÃO SOCIAL E TENDÊNCIAS À                             Brasileira, num período ditatorial de nossa história
INTEGRAÇÃO PSÍQUICA NA PRODUÇÃO DE                             recente, em que diferentes e importantes atores, como
SAÚDE: APROXIMANDO CONTRIBUIÇÕES,                              representantes de instituições de ensino, assistência,
ARTICULANDO AÇÕES DIFERENCIADAS                                órgãos de classe, partidos políticos, sociedades médicas
NAS PRÁTICAS DE SAÚDE                                          e de especialistas da saúde e outros representantes da
                                                               sociedade civil discutiam sua relação com o regime
                                                               democrático. ‘Democracia e Saúde’ passa a ser o tema
      Apesar da preponderância do enfoque médico               em debate e a discussão prosseguirá ampliando-se para
biológico na conformação inicial da saúde pública como         a compreensão de que ‘Democracia é Saúde’.
campo cientí co em detrimento dos enfoques sociopo-                 Nos anos 1980, o predomínio do enfoque da saúde
líticos e ambientais, observa-se, ao longo do século 20,       como um bem privado desloca novamente o pêndulo
uma permanente tensão entre essas diversas abordagens.         para uma concepção centrada na assistência médica
A própria história da OMS oferece interessantes exemplos       individual, a qual, na década seguinte, com o debate
dessa tensão, observando-se períodos mais centrados em         sobre as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma
aspectos biológicos, individuais e tecnológicos intercalados   ênfase nos determinantes sociais, que se a rma com a
com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais.    criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da
A de nição de saúde como um estado de completo bem-            Saúde da OMS, em 2005 (WHO, 2008).
estar físico, mental e social e não meramente a ausência            Segundo a Comissão Nacional sobre os Determi-
de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da          nantes Sociais da Saúde do Brasil, os DSS, são aqueles
OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma                 econômicos, culturais, psicológicos, comportamentais
clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde       entre outros, que in uenciam a ocorrência e a distri-
para além de um enfoque centrado na doença. Observa-se         buição na população dos problemas de saúde e seus
este trecho do relatório da segunda sessão da Comissão de      fatores de risco.
Especialistas em Saúde Mental da OMS:                               A CNDSS escolheu o modelo de Dahlgreen e
                                                               Whithead (CNDSS, 2008), para balizar as interven-
      O mais importante princípio a longo prazo                ções sobre os DSS e promover a equidade em saúde
      para o trabalho da OMS, na promoção da                   contemplando os diversos níveis que devem incidir
      saúde mental, em contraste com o tratamento              sobre os determinantes proximais (vinculados aos com-
      de distúrbios psiquiátricos, é o estímulo à in-          portamentos individuais), intermediários (relacionados



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             voltada para a primeira infância


      às condições de vida e trabalho) e distais (referentes à                         Em relação ao tema em questão, interessa particu-
      macroestrutura econômica, social e cultural). A escolha                     larmente discutir as duas primeiras: os indivíduos estão
      deste modelo foi justi cada por sua simplicidade, por                       na base do modelo, com suas ‘características individuais
      sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela                   de idade, sexo e fatores genéticos’ que exercem in uência
      clara visualização grá ca dos diversos DSS. E serviu de                     sobre seu potencial e suas condições de saúde; o ‘compor-
      base para orientar a organização de suas atividades e os                    tamento e os estilos de vida individuais’ estão situados
      conteúdos do seu relatório nal.                                             no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que
                                                                                  os comportamentos dependem não apenas de opções
                                                                                  feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também dos
      MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD                                              DSS, como acesso ao trabalho, habitação, informações,
      E A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE                                                 possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços
      FACILITADOR NA PRODUÇÃO DA SAÚDE: A                                         de lazer, entre outros.
      CONTRIBUIÇÃO DE DONALD WINNICOTT                                                 A EBBS apoia-se na ideia de que a integração do
                                                                                  ser humano ao ambiente social em que vive é prece-
                                                                                  dida de múltiplas experiências do chamado ‘ambiente
             Este Modelo inclui os DSS dispostos em diferentes                    facilitador’ de origem e, conforme anteriormente co-
      camadas, segundo seu nível de abrangência, desde uma mais                   locado, este ambiente resulta da interação de fatores
      próxima aos determinantes individuais até uma camada distal                 genéticos, psicológicos, sociais, econômicos e culturais.
      na qual se situam os macro determinantes (Figura 1).                        Considerar, portanto, as repercussões destes fatores na


      F 1 - Modelo de Dahlgren e Whitehead




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relação mãe-bebê ou cuidador-bebê e seus efeitos sobre        feitas pelo livre arbítrio das pessoas, como também de
a saúde de ambos, incluindo a saúde mental, é tarefa          DSS, para que mais claramente possamos perceber que,
que nos cabe enquanto pro ssionais e gestores da área         embora os autores nos alertem para a questão fundamental
da Saúde, trazendo para a saúde pública o desa o de           de como os comportamentos dos indivíduos se expressam
formulação de um modelo de determinação de saúde              na relação com a sociedade, não explicitam que há um
que apresente muito claramente a articulação entre            momento, não tão curto assim em termos de tempos de
seus determinantes sociais e as tendências à integração       vida e impactos na produção de saúde, em que ‘ainda não
psíquica do sujeito.                                          existe um indivíduo’ capaz de optar e manejar seu livre
     Assim, a EBBS, ao eleger o Ambiente Emocional            arbítrio. O motivo, diria Winnicott (1983, p. 40) é que
Facilitador como um dos pilares de sustentação das            “há um momento do desenvolvimento humano em que
ações que propõe para os cuidados com a primeira              não se pode falar em um bebê, a não ser que a ele esteja
infância, sugere que se busque a explicitação do              vinculada sua mãe ou gura que a substitua!”
componente psicológico dentro dos modelos que                      Essa peculiaridade experimentada pelos seres
já o consideravam na determinação da saúde sem,               humanos, no que diz respeito à sua constituição como
entretanto, aprofundá-lo. Outra possibilidade, de             sujeito, desde estudos recentes que demonstram a
adotar para esta compreensão ampliada a proposta de           importância das experiências intraútero, das vivências
Winnicott, que sugere uma con guração em círculos             da gravidez da mulher e suas consequências na saúde
que se ampliam e se expandem desde o desejo e o               física e mental do bebê até a constatação nos primór-
corpo da mãe, o ambiente facilitador, à participação          dios da vida de que há uma dependência absoluta do
social mais ampla (Figura 2).                                 lactente em relação a um ‘outro’ para existir, leva-nos
     Para exempli car, no caso do Modelo de Dahlgren e        a reconhecer que existem etapas do desenvolvimento
Whitehead (CNDSS, 2008), pode-se destacar a camada            deste novo ser, nas quais ele não existe por si só. Isso
situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já   quer dizer que, na etapa de dependência completa, que
que os comportamentos dependem não apenas de opções           se associa aos primeiros meses de vida, não há como

F 2 - O papel da saúde mental na construção da cidadania




                                                                     Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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             voltada para a primeira infância


      falar do bebê sem associá-lo à sua mãe ou a quem                            num período da vida chamado primeira infância, não
      cuida dele. Para Mahler, Pine e Bergman (1977), o                           encontra correspondência, em termos de suas peculia-
      nascimento biológico do homem e o nascimento                                ridades e necessidades de cuidados e intervenções, nos
      psicológico do indivíduo não coincidem no tempo.                            modelos teóricos de determinação social da saúde. No
      O primeiro é um evento bem delimitado, dramático                            discurso de abertura do XVIII Congresso Mundial de
      e observável; o último, um processo intrapsíquico de                        Epidemiologia e do VII Congresso Brasileiro de Epi-
      lento desdobrar:                                                            demiologia, que trouxe como tema “A epidemiologia
                                                                                  na construção da saúde para todos: métodos para um
             O processo de separação/individuação normal                          mundo em transformação”, o Ministro da Saúde do
             começa em torno do quarto, quinto mês e vai                          Brasil faz a seguinte a rmação:
             até o trigésimo, trigésimo sexto [...] caminhan-
             do de um período simbiótico até a aquisição                               No campo da promoção da saúde o desa o
             pela criança de um funcionamento autônomo                                 para os epidemiologistas é o de produzir co-
             na presença da mãe e da prontidão em termos                               nhecimentos para a compreensão dos atuais
             de desenvolvimento para a funcionamento                                   determinantes da saúde: o entendimento de
             psíquico independente, gerador de prazer.                                 que múltiplos aspectos materiais e imateriais
             (p. 15).                                                                  con guram o espaço/ território investigado,
                                                                                       engendrando praticamente todas as dimensões
             Essa citação nos ajuda a sustentar o porquê de                            da existência humana, demandam novos
      consideração tão destacada para esta etapa da vida, a                            discursos e abordagens que alcancem aprofun-
      caminho da individuação para o desenvolvimento saudá-                            dar a perspectiva multi ou transdisciplinar,
      vel: o orescimento da capacidade para andar e afastar-se                         incorporando dimensões não comumente
      mantendo certo controle sobre ir e vir, desenvolvimento                          utilizadas nos estudos epidemiológicos. Estas
      da linguagem, utilização do pronome ‘eu’, reconhecer e                           transformações que trouxeram novos ele-
      nomear o outro, diferenciação e identidade de gênero,                            mentos para se pensar a relação entre espaço,
      dentre outros de igual magnitude na constituição do                              tempo, saúde e doença, são fundamentais
      ser humano.                                                                      para melhor compreensão da proposição de
             A aproximação entre as constatações anteriores                            determinantes da saúde e estabelecer como
      e a observação de que os modelos de determinação                                 estes se expressam no adoecer e morrer [...].
      da saúde estudados pela CNDSS tendem a considerar                                (T           , 2008, p. 10).
      seus determinantes a partir de um ‘indivíduo e suas
      inter-relações – o que signi ca, como vimos, um longo                            Essa abordagem nos levou à sugestão da constitui-
      caminho já percorrido em termos de crescimento e                            ção da saúde atrelada à constituição dos sujeitos em seu
      desenvolvimento pessoal – nos alerta para a existência                      crescimento rumo à cidadania, ou seja, uma con gu-
      de um ‘tempo-espaço epidemiológico’ relacionado à                           ração em que se pode de fato incluir o ambiente facili-
      etapa da dependência completa e relativa de um ser                          tador ao pensar o processo saúde-doença, expandindo
      humano em relação a outro, que pode se constituir como                      sua compreensão para além dos resultados expressados
      ambiente facilitador ao crescimento. Este, resguardado                      na maneira pela qual em uma determinada sociedade e



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um dado contexto histórico, se organizam a produção           ainda não fala, nos casos de autismo, na criança intimi-
e o trabalho.                                                 dada, deve-se supor uma subjetividade à espera de ser
     As descobertas das neurociências vieram con rmar         interrogada. Assim, a escuta da pequena criança e seus
as constatações dos autores que trabalharam com base          cuidadores é uma questão ética que sustenta o direito
na psicologia e na psicanálise o desenvolvimento emo-         da criança de constituir-se como sujeito, especialmente
cional primitivo, reiterando a importância da inclusão        se esta construção estiver enfrentando impasses. E esta
da promoção da saúde mental quando se trata de saúde          constatação só ocorrerá se pais ou cuidadores atentos,
pública. Para Damásio (2004):                                 incluindo pro ssionais de saúde, estiverem presentes e
                                                              implicados, capturados por um interesse especial nesta
     Elucidar a neurobiologia dos sentimentos e das           criança, opondo-se sempre à ideia de que o corpo do
     emoções que os percebem altera a nossa visão             bebê seja tomado e lido como um puro organismo, pois
     do problema mente-corpo, um problema cujo                não há humano sem vida psíquica. E essa presença cons-
     debate é central para a compreensão daquilo              tante e experiente junto ao bebê possibilita o suporte à
     que somos. A emoção e as várias reações com              construção de seu aparelho psíquico, permitindo que o
     ela relacionadas estão alinhadas com o corpo,            cérebro ofereça sua plasticidade neural à inscrição dos
     enquanto os sentimentos, estão alinhados com             processos simbólicos. Diz-se, assim, que os pais são os
     a mente. (p. 15).                                        primeiros e imprescindíveis mestres do cérebro.
                                                                   O desenho de qualquer modelo deve expressar,
      Porém, o mais interessante desta contribuição à         portanto, esta compreensão fundadora em termos de
nossa proposição se dá quando ele questiona o valor           determinação de vida e saúde. Conforme podemos
prático desta nova perspectiva. Diz ele:                      observar na Figura 2, sugere-se uma con guração em
                                                              que a mãe, vinculada ao seu bebê, representa com seu
     O êxito ou o fracasso da humanidade depende              corpo e sua mente o ambiente inicial da vida do lho, o
     em grande parte do modo como o público e                 primeiro território vivencial; e se ela mesma, como indi-
     as instituições que governam a vida pública              víduo, encontra-se exposta a toda série de determinações
     puderem incorporar essa nova perspectiva da              sociais, como mostram os diferentes modelos, ela passa a
     natureza humana em princípios, métodos e                 representar o ambiente total a ser considerado, cuidado
     leis capazes de reduzir o sofrimento humano              e protegido – por um dado espaço de tempo e objeto de
     e engrandecer o seu orescimento. (D            ,         eleição de ações promotoras de saúde. Aqui, podemos
     2004, p.16).                                             oportunamente agregar a proposição de Milton Santos
                                                              sobre as noções de “espaço e território” onde se produz
     Mais ainda nos coloca aspectos éticos de grande          saúde ou doença: o espaço é aquilo que resulta da relação
relevância, discutidos no curso “As interfaces das clínicas   entre a materialidade das coisas e a vida que as animam e
da primeira infância”, organizado pela Comissão de            transformam. A con guração territorial é uma produção
Saúde Primária da Associação Brasileira de Neuropsi-          histórica resultante dessas relações. As ações provêm das
quiatria Infantil (A        , 2009), pois a individuação      necessidades humanas: materiais, espirituais, econômicas,
em processo supõe um sujeito por vir e, mesmo onde            sociais, culturais, morais, afetivas. Sistemas de objetos e
aparentemente não existe sujeito, como na criança que         de ações interligam-se. A dimensão da comunicação no



                                                                     Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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             voltada para a primeira infância


      meio ‘técnico-cientí co-informacional’ produz-se tam-                            Recentemente, descobriu-se como um lar estável,
      bém através da circulação de palavras, imagens, rumores,                    qualquer que seja sua conformação em termos de guras
      afetos. Os elementos simbólicos contribuem de modo                          parentais, não apenas capacita as crianças a encontrarem
      signi cativo para a con guração territorial e, certamente,                  a si mesmas e aos outros, mas também faz com que elas
      para o processo do adoecer individual e coletivo. Isto nos                  comecem a se quali car como membros da sociedade
      leva a pensar que o processo saúde-doença seja equacio-                     num sentido mais amplo. Isso se deve ao desenvolvimen-
      nado em seus determinantes sociais.                                         to da capacidade de identi cação com estes mesmos pais
             Entretanto, tratando-se de uma contribuição de                       e, em seguida, com agrupamentos cada vez maiores, e
      Winnicott à compreensão da relação entre a determinação                     começa quando a mãe ‘entra em acordo’ com seu bebê.
      social e o desenvolvimento emocional primitivo do bebê,                     O pai, aqui, é o agente protetor que liberta a mãe para
      por meio da conformação deste ambiente facilitador ao                       que ela se dedique ao bebê.
      crescimento saudável, torna-se fundamental registrar que                         A ressaltar, a lembrança de que estas são funções
      o autor não utiliza o conceito ‘determinação’ como uma                      que podem ser, a partir de um dado momento, desem-
      imposição da natureza que independe do concurso de                          penhadas ou não pela mãe ou pai biológicos, incluindo
      outros fatores para sua concretização. Plastino (2009) fala                 outros familiares, vizinhos, babás ou educadoras de
      em tendências ou linhas de força que a natureza imprime                     creches e pré-escola capazes de prover continuidade no
      ao homem, favorecendo o movimento espontâneo da vida,                       cuidado. E a continuidade do cuidado representa, se-
      a autopoiese, a autocriação subjetiva e a criação. Não se                   gundo Bowlby (2002) e Winnicott, característica central
      tratando de determinações, as tendências requerem acon-                     do conceito de ambiente facilitador:
      tecimentos históricos para virem a ser, ou se atualizarem.
      Neste contexto de um ambiente favorável, o infante hu-                           é unicamente pela provisão ambiental (presença
      mano atinge a integração, personalização e realização, de                        da mãe ou ausência dela por tempo que não se
      forma absolutamente criativa e original. Assim, somente                          prolongue para além da capacidade do bebê em
      cada sujeito sabe dizer das vicissitudes de seu sentimento de                    manter viva sua imagem) que o bebê em estado de
      existir, de ser real ou da ausência deles, todos fundamentais                    dependência pode ter uma continuidade em sua
      em sua vida, demarcando a diferença entre saúde e doen-                          linha de vida. (W          , 1989, p. 48).
      ça. Também a ideia de ‘modelo’, como algo terminado e
      reproduzível, não se adéqua ao pensamento de Winnicott.                           Falhas nesse aporte, em termos de características
      Para exempli car, basta recuperar sua participação e com-                   essenciais da vida familiar e sentidas pela criança como
      partilhamento na produção dos famosos ‘rabiscos’ que                        privação, estão na gênese da tendência e do comporta-
      expressavam tão intensamente a emergência de conteúdos                      mento antissocial (W            ,      ).
      psíquicos de seus pacientes na atualização de questões de
      sua história. Então, mais à vontade poderíamos falar em
      con guração e arranjo de tendências que possibilitam a                      REPERCUSSÕES NAS PRÁTICAS
      integração psíquica e seu papel na produção de saúde como
      uma construção plasticamente e estruturalmente mutável
      mediante interação, integração e realização destas mesmas                        Com esta compreensão, as estratégias de atenção
      tendências num dado ambiente.                                               à saúde da mulher só estarão completas se passarem a



      Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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                                                                                                      voltada para a primeira infância


incluir ações que considerem as vicissitudes de manejo       este aspecto do trabalho intenso a ser realizado sobre a
das questões vivenciadas na gravidez, no pós-parto e         potência dos vínculos entre os principais atores do SUS
estendendo-se pelo menos até o nal do primeiro ano de        para a produção de saúde.
vida do bebê, quando é fundamental cuidar de proteger             Além disso, buscou-se conhecer por revisão biblio-
este “ambiente facilitador” para uma vida saudável e um      grá ca e visitas in loco as estratégias já implantadas ou
desenvolvimento pleno. Da mesma forma, as estratégias        em processo de implantação em nosso país consideradas
e políticas voltadas para a saúde materno-infantil devem     também exemplares nesta perspectiva. Tomamos, assim,
aperceber-se da importância das ações nos primórdios         como marcos referenciais o Programa Primeira Infância
da vida, que não só venham trazer a sua garantia, mas        Melhor (PIM) do Estado do Rio Grande do Sul, o Mãe
também quali cá-la. Destacadamente, apontamos para           Coruja Pernambucana, o Mãe Curitibana (ver sites rela-
a importância da detecção precoce da depressão materna       cionados), a Experiência de Sobral (CE) (S                         , 2007) e
como evento sentinela, ou seja, aquele su cientemente        outros, que fazemos questão de citar pelo pioneirismo,
estudado e comprovado como provocador de determina-          ousadia e trabalho árduo para efetivação de propostas
das patologias, que precisa ser registrado e acompanhado     desta magnitude.
em sua remissão e evolução. Mitos como a ‘maternidade
ideal’ e o ‘instinto materno’ precisam também de aco-
lhimento e escuta para sua necessária desconstrução. A       CONCLUSÕES
Estratégia de Saúde da Família e as ações, programas e
políticas de suporte ao trabalho e renda, assim como o es-
tímulo à produção de redes sociais, o vínculo fortalecido         Sabemos como problemas complexos nos colocam
com equipamentos sociais como as creches e as escolas        em condição de ação sempre aquém das necessidades e
voltadas para a criança até seis anos junto a seus fami-     sempre aproximativa do ponto de vista da e cácia, exi-
liares e os dispositivos culturais guardam possibilidades    gindo ciência, ação racional e, ao mesmo tempo, criação,
imensas de abrigar trabalhos efetivos sobre o ambiente       arte, razão estética. Nesse sentido, duas questões surgi-
facilitador e os determinantes sociais da saúde.             ram de imediato, nos desa ando para a construção da
     Para a construção da metodologia da EBBS e de           Estratégia: como efetivar a articulação e transversalização
um Plano de Metas para sua implantação, utilizamos           entre as diversas ações pretendidas? Como assegurar a
todos os dispositivos ofertados pela Política Nacional       inclusão de novos desa os na agenda, como a promoção
de Humanização do SUS (PNH), exemplar no que diz             de saúde inovando na inclusão de intervenções sobre o
respeito à ideia do que é uma política pública de natureza   ambiente facilitador?
transversal. Mais ainda, esta política inicia a proposição        A resposta a este desa o de prover ações em defesa
ousada de buscar o humano que se revela no espaço da         do ambiente facilitador ao crescimento, desenvolvi-
micropolítica de atenção dentro de e constituindo o          mento e amadurecimento da criança vinculada à seu
nosso SUS, que até então só parecia poder apresentar,        cuidador no período da primeira infância nos convoca
mesmo que orgulhosamente, sua macroestrutura. Desde          à disponibilização de novos enfoques que enriqueçam as
os anos 1990, com a proposta da reforma da reforma           políticas públicas já instituídas voltadas principalmente
(C        , 2006), explicitava-se esta necessidade de        para as mulheres e crianças, mas também para os ho-
aprimorar a Reforma Sanitária Brasileira, incluindo          mens, para a saúde mental, com contribuições da PNH,



                                                                    Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
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Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador

  • 1. Saúde em Debate v.34 n.85 abr./jun. 2010 Cebes CARLOS GENTILE DE MELLO ISSN 0103-1104
  • 2. CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE CEBES SAÚDE EM DEBATE DIREÇÃO NACIONAL GESTÃO 2009 2011 A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde NATIONAL BOARD OF DIRECTORS YEARS 2009 2011 Presidente: Roberto Passos Nogueira Primeiro Vice-Presidente: Luiz Antonio Neves EDITOR CIENTÍFICO / CIENTIFIC EDITOR Diretora Administrativa: Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) Diretor de Política Editorial: Paulo Duarte de Carvalho Amarante Diretores Executivos: Ana Maria Costa Guilherme Costa Delgado CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL Alicia Stolkiner – UBA (Argentina) Hugo Fernandes Junior Angel Martinez Hernaez – Universidad Rovira i Virgili (Espanha) Lígia Giovanella Carlos Botazzo – USP (SP/Brasil) Nelson Rodrigues dos Santos Catalina Eibenschutz – UAM-X (México) Diretores Ad-hoc: Alcides Miranda Cornelis Johannes Van Stralen – UFMG (MG/Brasil) Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira Diana Mauri – Universidade de Milão (Itália) Eduardo Maia Freese de Carvalho – CPqAM/FIOCRUZ (PE/Brasil) Giovanni Berlinguer – Universitá La Sapienza (Itália) CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL Hugo Spinelli – UNLA (Argentina) José Carlos Braga – UNICAMP (SP/Brasil) Ary Carvalho de Miranda José da Rocha Carvalheiro – FIOCRUZ (RJ/ Brasil) Assis Mafort Ouverney Luiz Augusto Facchini – UFPel (RS/Brasil) Lígia Bahia Maria Salete Bessa Jorge – UECE (CE/Brasil) Paulo Marchiori Buss – FIOCRUZ (RJ/Brasil) Rubens de Camargo Ferreira Adorno – USP (SP/Brasil) CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL Sônia Maria Fleury Teixeira – FGV (RJ/Brasil) Agleildes Aricheles Leal de Queiroz Sulamis Dain – UERJ (RJ/Brasil) Alcides Silva de Miranda Alberto Durán González EDITORA EXECUTIVA / EXECUTIVE EDITOR Eleonor Minho Conill Marília Fernanda de Souza Correia Ana Ester Melo Moreira Eymard Mourão Vasconcelos Fabíola Aguiar Nunes INDEXAÇÃO / INDEXATION Fernando Henrique de Albuquerque Maia Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS Julia Barban Morelli História da Saúde Pública na América Latina e Caribe - HISA Sistema Regional de Informaciónen Línea para Revistas Cientí cas de Jairnilson Silva Paim América Latina, el Caribe, España y Portugal - LATINDEX Júlio Strubing Müller Neto Sumários de Revistas Brasileiras - SUMÁRIOS Mário Sche er Naomar de Almeida Filho Silvio Fernandes da Silva ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Volnei Garrafa Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 2260-3782 SECRETARIA / SECRETARIES Site: www.cebes.org.br Secretaria Geral: Mariana Faria Teixeira www.saudeemdebate.org.br Pesquisadora: Suelen Carlos de Oliveira E-mail: cebes@cebes.org.br Estagiária: Debora Nascimento revista@saudeemdebate.org.br Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Cientí cos Ministério da Saúde
  • 3. Rio de Janeiro v.34 n.85 abr./jun. 2010 ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104
  • 4. EDITORIAL / EDITORIAL APRESENTAÇÃO / PRESENTATION DEBATE / DEBATE 187 Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador: conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada para a primeira infância Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a strategic framework for a public policy focused on early childhood José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello DEBATEDORES / DISCUSSANTS 201 Estratégia em defesa da criança saudável: cogestão e não-violência como postura existencial e política Strategy in favor of healthy children: co-management and nonviolence as existential and political attitude Gastão Wagner de Sousa Campos 204 Um grande avanço A big step forward Osmar Terra RÉPLICA / REPLY 208 Vinculo como suporte ao ambiente facilitador à vida: uma questão de saúde pública Bond as a support for favorable environment to life: a matter of public health José Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES P 211 Matriciamento: a representação social da Equipe de Saúde da Família Specialized orientation: the representation of the Family Health Team Annaiza Freitas Lopes, Renata Amanda Azevedo de Brito, Fátima Luna Pinheiro Landim, Mônica de Oliveira Nunes, Patrícia Moreira Collares P 219 Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem viver de famílias em situação de risco e vulnerabilidade In the edge of life, getting around the problems: strategies of well-being of families at risk and vulnerability situation Maria Jacqueline Abrantes Gadelha, Raimunda Medeiros Germano P 227 Perfil da ampliação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Brasil Pro le of the expansion of Community Agents Program in Brazil José Roberto de Magalhães Bastos, Ricardo Pianta Rodrigues da Silva, Angela Xavier, Sabrina Pulzatto Merlini, Taís Ferreira Pimentel P 236 Doença crônica: comparando experiências familiares Chronic disease: comparing familial experiences Noeli Marchioro Liston Andrade Ferreira, Giselle Dupas, Carmem Lúcia Alves Filizola, So a Cristina Iost Pavarini
  • 5. O 248 Potencialidades e obstáculos para a consolidação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos Potentialities and challenges of the family health strategy consolidation in major urban centers of Brazil Ligia Giovanella, Maria Helena Magalhães de Mendonça, Sarah Escorel, Patty Fidelis de Almeida, Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Carla Lourenço Tavares de Andrade, Maria Inês Carsalade Martins, Mônica de Castro Maia Senna, Maristela Chitto Sisson E 265 Análise do discurso da propaganda de medicamentos no Brasil Discourse analysis of medicine advertisements in Brazil Viviane Ramalho E 274 Medicalização e consumo: um olhar sobre a saúde na contemporaneidade Medicalization and consumption: a look over health in contemporaneity Jurema Barros Dantas, Ariane Patrícia Ewald P 288 Política de medicamentos excepcionais no Espírito Santo: a questão da judicialização da demanda e exceptional drug policy in Espírito Santo: the matter of access by juridical approach Maria José Sartório, Ronaldo Bordin E 299 Perspectivas democráticas e suas condições de possibilidade: interseções entre a participação política no SUS e a gestão em saúde Democratic prospects and their conditions of possibility: intersections between political participation in SUS and health management Francini Lube Guizardi, Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti P 310 Gênese de um conselho local de saúde Genesis of a local health council Renata Mota Rodrigues Bitu Sousa, Carlos Botazzo P 321 Conselho Municipal de Saúde de Ampére: avaliando o controle social Ampére city’s Health Council: evaluating social control Luciane Maria Pedot Belini, Samuel Jorge Moysés O 328 Que proteção social para qual democracia? Dilemas da inclusão social na América Latina Which social protection for which democracy?Dilemmas of social inclusion in Latin America Sonia Fleury P 349 Avaliação da qualidade de vida de idosos renais crônicos sob tratamento hemodialítico Evaluation of the quality of life of elderly chronic renal disease patients undergoing hemodialytic treatment Fabiana de Souza Orlandi P 356 Enfermagem e espiritualidade na terminalidade: percepção dos ministros religiosos Nursing and spirituality in terminal patients: perception of the religious ministers Joseane de Souza Alves
  • 6. R 365 Uma revisão sobre a compreensão da realidade expressa na assistência em saúde mental segundo a teoria social crítica A review on the express understanding of reality in mental health care in the second critical social theory Silvia Maria de Oliveira Mendes P 384 Ensino de Odontologia e o Sistema Único de Saúde Education of Dentistry and the National Health System Gustavo Nicolini Fernandes, Newton Cesar Balzan, Maria Alice Amorim Garcia MEMÓRIA / MEMORY 396 Especial “In memoriam” Carlos Gentile de Mello RESENHA / CRITICAL REVIEW 397 P, Izabel C. Friche. Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009 Marina Bittencourt
  • 7. EDITORIAL 175 Política social e eleições O ano eleitoral de 2010 começará o cialmente no segundo semestre, mais precisamente depois da Copa do Mundo. Da parte das candi- daturas presidenciais pré-lançadas até o presente, pouco se ouve de maneira objetiva e clara sobre os rumos e proposições a respeito da política social. O assunto também não é cobrado pela grande mídia e aparentemente não seria objeto de grandes alterações nas agendas dos dois concorrentes com maiores chances eleitorais. Mas esse consenso por aparência e omissão das questões-chave da política social é enganoso. Há indícios muito fortes de que o tema dos direitos sociais, com suas inevitáveis implicações scais, esteja sendo evitado agora para somente aparecer claramente em 2011. Viria no bojo de uma proposta de mudanças fortes na Seguridade Social e no Sistema Tributário, de forma a restringir ainda mais o núcleo da política social fundamentada em direitos sociais. E nos primei- ros seis meses de um novo mandato presidencial, o Congresso costuma aprovar em geral tudo que venha do Executivo, recém-legitimado pelas urnas. É preocupante observar o tratamento que vem sendo dado ao tema dos direitos sociais. Da parte da candidatura o cial, houve declarações explícitas de simpatia com o tema. Mas, por outro lado, várias manifestações e entrevistas do atual Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), tido como provável futuro coordenador de política econômica da candidata ao governo, já emitem sinalizações de duas prioridades – uma Reforma Previdenciária de teor restritivo a alguns direitos constitucionais (a preocupação sub-reptícia é quanto ao vínculo do salário mínimo a benefícios sociais) e uma Reforma Tri- butária em moldes parecidos com o projeto o cial de 2008 do Governo Lula. Nenhum sinal por aqui de redistribuição de renda ou igualdade social como rumo à política social e à reforma tributária. Por outro lado, da parte do principal candidato de oposição, leem-se declarações enfáticas de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, agora, até mesmo à reforma agrária. Mas quando consultamos várias manifestações dos seus áulicos e con dentes em assuntos scais ou ainda da mídia que lhe é Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 8. 176 EDITORIAL generosamente favorável, há uma espécie de senha-chave que assim se expres- sa: “reduzir gastos correntes do orçamento a qualquer custo”. O observador desavisado perguntará: que tem isto a ver com política social? Ora, na atual con guração dos direitos sociais já regulamentados, os “Benefícios Monetários” das políticas sociais estão essencialmente vinculados a direitos e correspondem a 15,5% do PIB nas “Contas Nacionais” de 2006 (as mais recentes publicadas em detalhe); e os “Benefícios em Espécie” – serviços públicos gratuitos oferecidos aos cidadãos – representam 8,6% neste mesmo ano. Esse conjunto de “Benefícios Monetários” e serviços públicos, ou “Bene- fícios em Espécie”, na linguagem das Contas Nacionais, já somam cerca de ¼ do Produto Interno Bruto (PIB). Os recursos que nanciam esses benefícios são quase integralmente categorizados nos orçamentos públicos como gastos correntes. Daí, havendo restrições a direitos, desvinculações constitucionais, congelamentos ou outros truques para “restringir os gastos correntes”, fatalmente seriam afetados os benefícios sociais e os salários do funcionalismo. Para manter o estatuto da política social e viabilizar a melhoria da qualida- de na prestação dos serviços universais (SUS e educação básica, principalmente) ou incluir parcelas expressivas da população ainda não incorporadas aos sistemas públicos – Previdência e Assistência, Política Agrária, Habitação etc. – não há como fazê-lo “reduzindo gastos correntes”. Nem mesmo congelando esses gastos em algum ano isso é possível, como espertamente foi proposto no Projeto de Reforma Tributária do governo Lula. Há fatores demográ cos, epidemiológicos e de riscos sociais associados a uma geração de direitos sociais (seguridade social), de pretensão universal, que não estão congelados, mas, ao contrário, tendem a crescer. Há também uma geração de novos riscos sociais e ambientais associados às mudanças climáticas que fatalmente alimentarão demandas futuras por novos serviços públicos de proteção social. Essas demandas tendem a crescer e precisariam contar com re- cursos, simultaneamente associados ao crescimento da economia e melhoria. Universalizar direitos sociais numa sociedade altamente desigual como a nossa requer compreensão clara de que isso é política social redistributiva. Integra um modelo de sociedade e de economia com pretensão a um estilo de desenvolvimento fundado no paradigma da igualdade. Mas isso não se faz sem uma reforma tributária redistributiva e também requer política social organizada e planejada com horizonte mínimo de uma década. Isso tudo não está nas agendas políticas das candidaturas principais, nem das mídias, nem do “consenso da opinião pública”. Precisa ser explicitado e Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 9. EDITORIAL 177 discutido na campanha eleitoral e fora dela, para que não tenhamos a ingrata surpresa de ver “reformas” implementadas na política social e tributária em 2011 que se ponham na contramão da construção dos direitos sociais. O processo eleitoral e a formação de opinião pública, sob intenso controle dos partidos e dos meios de comunicação de massa, não são bons aliados para esclarecer questões essenciais sobre política social. Há que se ter criatividade e ousadia para colocar essas questões nas agendas políticas do Estado, dentro e fora das arenas convencionais da política. DIRETORIA NACIONAL Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 10. 178 EDITORIAL Social policy and elections T he 2010 electoral year will o cially begin in the second half of the year, precisely after the World Cup. Very little has objectively and clearly been heard on the directions and propositions regarding social policy from the pre-announced presidential candidates till the moment. e subject is not requested by the press either, and apparently would not be subject of great alterations in the agenda of the two candidates with more electoral advantage. But this consensus on appearance and omission of social policy’s key- matters is deceiving. ere is strong evidence that the social rights theme, together with its inevitable scal implications, is being avoided now to clearly arise only in 2011. It would be intrinsic to a proposal of strong changes in the Social Security and in the Tributary System as to restrict even more the core of the social policy which is founded on social rights. And during the rst six months of a new presidential mandate, the Congress usually ap- proves everything that comes from the Executive, recently legitimated by the electors. It is disturbing to observe the treatment that has been given to the theme of social rights. ere have been explicit declarations of sympathy with the theme from the o cial candidacies. On the other hand, many manifestations and interviews from the current president of the Brazilian Development Bank (BNDES, acronym in Portuguese), who is considered to be a likely future coordinator of economic policy of the government candidate, already show two priorities – a reform of the social security with a purport restrictive to some constitutional rights (the hidden preoccupation concerns the bond of minimum wage with social bene ts); and a tributary reform which looks like the 2008 o cial government project of president Lula mandate. ere is no sign of income redistribution or social equality as a road to social policy and tributary reform. On the other hand, emphatic statements supporting the National Health System (SUS, acronym in Portuguese) and even the agrarian reform Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 11. EDITORIAL 179 have been read from the main opposition candidate. But when we inquire many manifestations on scal issues of their representatives and con dents, or even the press which is generously favorable to such candidate, there is a kind of password, which is expressed as follows: “to reduce the current expense budget by any means”. e unadvised observer may ask: what does it have to do with social policy? Well, in the current con guration of the regularized social rights, the “Monetary Bene ts” of social policies are essentially bonded to rights and account for 15.5% of the gross domestic product in the “National Accounts” of 2006 (the most recent ones being published in details); and the “Cash Bene t” – free public services o ered to citizens – account for 8.6% in the same year. is assemblage of “Monetary Bene ts” and public services, or “Cash Bene ts” in the National Accounts’ language, currently sums ¼ of the gross domestic product (GDP). e resources that nance these bene ts are almost integrally categorized in the public budget as current expenditures. In this manner, as there would be restrictions to rights, constitutional dis- sociations, freezings and other arti ces to “restrict the current expenditures”, the social bene ts and functionalism salaries would be severely a ected as a consequence. To maintain the social policy statute and enable the improvement of the quality of universal services (mainly SUS and basic education) or include expressive portions of the population that are not included in the public systems yet – social security and assistance, agrarian policy, housing and others – is not possible by “reducing current expenditures”. Not even freezing these expenses in any year makes it possible, as smartly proposed in the Tributary Reform Project of Lula government. ere are demographic, epidemiological and social-risk factors which are associated with the creation of universally-intended social rights (social security) and that are not frozen, but rather tend to grow. ere is also the generation of new social and environmental risks associated with climatic changes that will fatally promote future demands for new social protection public services. ese demands tend to grow and need to rely on resources simultaneously associated with the growing and improvement of the economy. To universalize social rights in a society highly unequal like ours requires a clear comprehension of the fact that this is a redistributive social policy. It comprises a model of society and economy that seek a style of develop- ment based on the paradigm of equality. But this can not be done without Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 12. 180 EDITORIAL a redistributive and tributary reform, and requires a social policy organized and planned aiming at no less than one decade. ese issues are not present in the politics agenda of the main candi- datures, nor of the press, nor of the “public opinion consensus”. It should be explicit and discussed in and out the electoral campaign; in this man- ner, people will not have the unappreciative surprise of watching “reforms” implemented in social and tributary policies that oppose the building of social rights in 2011. e electoral process and the formation of the public opinion, under intense control of the parties and means of mass communication, are not good allies to clear up essential matters on social politics. ere has to be creativity and audacity to put these issues on the agenda of State policies, in and out the conventional political eld. THE NATIONAL DIRECTORATE Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010
  • 13. APRESENTAÇÃO 181 E ste é o último número da Saúde em Debate vinculado ao projeto “Reforma Sanitária em Debate”, responsável pela edição dos últimos números da publicação. Nesse período, a revista passou por um processo intenso de reformulações. Houve transformações na sua identidade visual, em seu conteúdo e em sua periodicidade. Voltou a ser editada regularmente, foi indexada em outras bases de dados e, a partir deste ano, mudou a sua periodicidade de quadrimestral para trimestral. A capa é dedicada a Carlos Gentile de Mello, autor do primeiro livro editado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C ), Saúde e Assis- tência Médica no Brasil, em 1977. Neste número, reproduzimos o texto, em sua homenagem, publicado originalmente na Saúde em Debate no. 17, de 1989, na ocasião de seu falecimento. Iniciamos este número com o artigo de debate de autoria de José Gomes Temporão e Liliane Mendes Penello, no qual os autores propõem uma política pública de saúde para a primeira infância, fornecendo as bases conceituais e políticas da “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recente- mente lançada pelo Ministério da Saúde. Na sequência, o artigo é debatido por Gastão Wagner de Sousa Campos, que considera a iniciativa ousada e inovadora, e Osmar Terra, que fala do avanço que o texto traz para a com- preensão sobre a importância do chamado “ambiente emocional facilitador” para o desenvolvimento inicial, considerando-o no contexto da determinação social da saúde. Os dois textos foram replicados pelos autores. O cuidado à família é um dos temas mais importantes no campo da saúde, o que é possível constatar pela quantidade e qualidade dos artigos submetidos à revista e pelo conjunto de textos tratando dos temas aqui publi- cados. Annaiza Freitas Lopes et al. apresentam os resultados de uma pesquisa na qual discutem a representação social da Equipe de Saúde da Família em Fortaleza, a partir do matriciamento promovido pelos Centros de Atenção Psicossocial (C ). A pesquisa de Maria Jacqueline Abrantes Gadelha e Rai- munda Medeiros Germano analisa as estratégias utilizadas pelas famílias em Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 14. 182 APRESENTAÇÃO situação de risco e vulnerabilidade no âmbito da Estratégia Saúde da Família. José Roberto Bastos et al. apresentam a pesquisa que realizaram sobre o de- senvolvimento do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no período de 1998 a 2007, demonstrando o seu grande crescimento em todas as regiões do país. Outra pesquisa muito importante, de Noeli M.L.A. Ferreira et al., faz uma re exão sobre a experiência de famílias com um membro portador de doença crônica. O bloco é complementado pelo artigo de opinião de Ligia Giovanella et al. sobre os fatores que condicionam a efetiva implementação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos. A preocupação com os vários aspectos relacionados à política de me- dicamentos é abordada nos textos de Viviane Ramalho, um ensaio sobre os sentidos “potencialmente ideológicos” na propaganda de medicamentos no Brasil, e de Jurema B. Dantas e Ariane P. Ewald, que analisam a relação entre o consumo e o fenômeno da medicalização e a forma como tal relação reposiciona a noção de saúde. O tema dos medicamentos neste número é encerrado com a pesquisa de Maria José Sartório e Ronaldo Bordin que, a partir da análise das demandas judiciais no Espírito Santo, revelam aspectos importantíssimos sobre a questão da judicialização no país. Outro tema que sempre está na agenda do Sistema Único de Saúde (SUS) é o da participação e controle social. O ensaio de Francini L. Guizardi e Felipe O.L. Cavalcanti propõe que pensemos a participação política como uma atividade de luta e construção de saúde em si mesma. Renata M. R. B. Sousa e Carlos Botazzo investigam o modo como se articula o discurso de participação da comunidade na constituição de um conselho da unidade de saúde da família. A pesquisa de Luciane M.P. Belini e Samuel Jorge Moyses nos leva a re etir sobre alguns aspectos relacionados aos Conselhos de Saúde que necessitam urgentemente serem transformados, sob risco de perderem seu caráter de controle social do SUS. Sonia Fleury, em “Que proteção social para qual democracia: dilemas da inclusão social na América Latina”, discute “os ônus que os sanitaristas de esquerda assumiram ao encarregar-se de implantar reformas dos sistemas de saúde na América Latina em contextos de transição à democracia marcados pela ausência de hegemonia e pelos acordos que res- tringem as possibilidades de implementar as políticas universais projetadas pelo movimento sanitário.” Na parte nal da revista, estão publicados artigos sobre temas variados, tais como a pesquisa de Fabiana de Souza Orlandi sobre avaliação de quali- dade de vida de idosos renais crônicos em hemodiálise, a pesquisa de Joseane Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 15. APRESENTAÇÃO 183 de Souza Alves sobre o cuidado da enfermagem em relação às necessidades espirituais do paciente terminal a partir da percepção de ministros religiosos, o artigo de revisão de Silvia M.O. Mendes sobre a aplicação da teoria social crítica no campo da saúde mental, e a pesquisa de Gustavo N. Fernandes et al. sobre a formação do cirurgião-dentista visando à sua atuação no SUS. A resenha deste número, elaborada por Marina Bittencourt, é sobre o livro Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana, de autoria de Izabel F. Passos. Boa leitura! Paulo Amarante Editor Cientí co Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 16. 184 PRESENTATION T his is the last issue of the journal Saúde em Debate which is bound to the project “Sanitary Reform in Discussion”, responsible for the edition of the last issues. In this period, the journal went through an intense process of reformulations. ere were some changes in its visual identity, in its content and periodicity. It is being regularly edited again, was indexed in other data- bases and, from this year on, has a new periodicity: it is now quarterly. e cover is dedicated to Carlos Gentile de Mello, the author of the rst book edited by Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C ), Saúde e as- sistência médica no Brasil, in 1977. In this issue, a text is reproduced in honor to the author, which was originally published in Saúde em Debate issue 17, 1989, on the occasion of his passing. e present issue is initiated with the debate article by José Gomes Temporão and Liliane Mendes Penello, who propose a public health policy for the rst infancy, providing the conceptual and political bases of the campaign “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recently launched by the Ministry of Health. Following, the article is debated by Gastão Wagner de Sousa Campos, who considers it an audacious and innovative initiative, and by Osmar Terra, who speaks of the advance that the text provides for the understanding of the importance of the “enabling emotional environment” in the early development, considering it in the context of social determina- tion of health. Both texts were replied by the authors. e family care is one of the most important themes of the health eld, which may be veri ed by the quantity and quality of the articles submitted for the journal and by the assemblage of papers dealing with the themes gener- ally published in the journal. Annaiza Freitas Lopes et al. present the results of a research in which the social representation of the family health team of Fortaleza is discussed based on the matrix-based strategies promoted by the Centers for Psychosocial Care (C , acronym in Portuguese). e article by Maria Jacqueline Abrantes Gadelha and Raimunda Medeiros Germano analyzes the strategies used by the families in risked and vulnerable situations Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 17. PRESENTATION 185 in the scope of Health Family Strategy. José Roberto Bastos et al. present a paper on the development of the Community Health Agents Program in the period comprising 1998 to 2007, demonstrating its growth in all regions of the country. Another important article, by Noeli M.L.A Ferreira et al., brings a re ection on the experience of families of chronic disease patients. is the- matic text group is complemented by the opinion article by Ligia Giovanella et al., who discuss the factors that condition the e ective implementation of the Family Health Strategy in urban centers. e concern about the many factors related to the medication policy is discussed in the articles by Viviane Ramalho, an essay on the “potentially ideological” meaning of the Brazilian medication publicity, and by Jurema B. Dantas and Ariane P. Ewald, who analyze the relation between the consump- tion and the phenomenon of medicalization, as well as how such relation repositions the notion of health. e theme of medication in this issue is closed with the research by Maria José Sartório and Ronaldo Bordin which, from an analysis of the judicial demands in Espírito Santo, Brazil, reveals important aspects about the matter of judicialization in the country. Other themes which are always in the agenda of the National Health System (SUS, acronym in Portuguese) are the social participation and social control. e essay by Francini L. Guizardi and Felipe O.L. Cavalcanti pro- poses that we make a re ection on political participation as an activity of combat and construction of health itself. Renata M.R.B. Sousa and Carlos Botazzo investigate how the discourse of community participation in the con- stitution of a council for the Family Health Unit is articulated. e research by Luciane M.P Belini and Samuel Jorge Moyses leads the reader to consider some aspects related to the Health Councils which need urgent transforma- tion, otherwise they may lose their characteristic of SUS social control. In “Which social protection for which democracy? Dilemmas of social inclusion in Latin America”, Sonia Fleury discusses “costs that the left sanitarians as- sumed with the responsibility to held the reforms of health care systems in Latin America during the processes of transition to democracy, marked by the absence of hegemony and by agreements that restrict the possibilities of implementing universal policies projected by the sanitary reform.” In the nal section of this issue, articles on varied themes are published: the paper by Fabiana de Souza Orlandi that approaches the assessment of quality of life of the elderly population with chronic renal disease under hemodyalisis treatment, the article by Joseane de Souza Alves on the nursing Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 18. 186 PRESENTATION care with regard to the spiritual necessities of patients with terminal illnesses based on the perception of religious ministries, the review article by Silvia M.O. Mendes on the critical social theory put into practice in the mental health eld, and the research by Gustavo N. Fernandes et al. on the profes- sional formation of dental surgeons aiming at their performance in SUS. e review of this issue, elaborated by Marina Bittencourt, is about the book Reforma Psiquiátrica – as experiências francesas e italiana, written by Izabel F. Passos. Enjoy your reading! Paulo Amarante Scienti c Editor Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010
  • 19. DEBATE / DEBATE 187 Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador: conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada para a primeira infância Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a strategic framework for a public policy focused on early childhood José Gomes Temporão 1 Liliane Mendes Penello 2 1 Médico; Doutor em Saúde Coletiva RESUMO Os autores propõe uma política pública de saúde para a primeira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Ministro de Estado da infância, discutindo os Determinantes Sociais da Saúde e o Desenvolvimento Saúde do Brasil. Emocional Primitivo e sugerindo que sua inter-relação de ne padrões pessoais jtemporao@saude.gov.br de convívio social e de saúde. Utilizaram o modelo de Dahlgreen e Whitehead e 2 Médica; Mestre em Saúde Pública o pensamento de John Bowlby e Donald Winnicott para a resposta ao desa o de pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/ assegurar a promoção da saúde e um ambiente saudável à mulher e à criança de zero F ); Coordenadora do Comitê a seis anos. Con gurou-se a ‘Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis – Técnico Consultivo da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis primeiros passos’ para o desenvolvimento nacional, proposta do Ministério da Saúde, (MS/F ). ebbs@saude.gov.br de caráter transversal e intersetorial visando à redução das desigualdades, promoção de saúde, cidadania e democracia desde as etapas mais precoces da vida. PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde; Determinação social da saúde, Desenvolvimento emocional primitivo; Saúde materno-infantil ABSTRACT e authors proposed a public health policy for early childhood, discussing the social determinants of health, and the early child development and suggesting that their inter-relationship de nes personal standards of socialization and health. ey used the Dahlgreen and Whitehead model and the ideas of John Bowlby and Donald Winnicott to answer the challenges for ensure the promotion of health and a healthy environment for women and children from zero to six years old. e strategy ‘Healthy little Brazilians - rst steps towards national development’ was proposed by the ministry of health, a transversal and intersectorial initiative in order to reduce inequities, promoting health, citizenship and democracy since the earliest stages of life. KEYWORDS: Public policies; Health policies; Social determinants of health; Early child development; Maternal and childhood health policies Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 20. 188 voltada para a primeira infância I N T R O D U Ç Ã O in uenciando muitos outros autores, para o trabalho com um dos temas que queremos aqui discutir, associado à determinação social da saúde, que é o desenvolvimento emocional primitivo e os cuidados com a primeira infân- Estranhos assuntos esses, tão marginais às cha- cia e sua relação com políticas públicas de saúde. madas questões nacionais em que se centra o Com o conceito de ambiente facilitador do cresci- debate político. É que eles fervilham no pré-sal mento e amadurecimento dos seres humanos, sugeriu-se da existência humana, a camada mais submer- que o ambiente inicial da vida de um novo ser coincide sa, talvez a mais rica. (O , 2010). com o corpo-mente da mãe, incluindo sua própria condição de existência, suas redes de sustentação, suas A concepção ampliada de saúde adotada contem- fantasias e desejos, suas construções imaginárias ou poraneamente considera que, para uma vida rica em reais como ambiente de suporte para o lho. A ideia qualidade, é muito pouco para o homem ser apenas da ‘mãe su cientemente boa’ como aquela capaz de são. Torna-se necessário agregar à ausência de doenças a apresentar intuitivamente ao seu lho aquilo que ele intensidade de experiências de vida e expressões de cria- necessita como provisão rumo ao seu crescimento e tividade que permitam a superação dos fatores geradores amadurecimento, incluindo as possíveis falhas nesse de mal-estar e sofrimento que limitam e desquali cam o caminho, chama atenção para o fato de que a provisão viver. Hoje, estamos convencidos de que a potência ou a ofertada pela mãe biológica pode ser executada por uma capacidade individual para manejar com maior autono- gura substituta através de vínculo amoroso, criativo e mia as questões vivenciais estão vinculadas a experiências não-burocrático. relacionais dos primórdios da vida, quando são de nidos Para o autor, nesta fase de desenvolvimento do padrões pessoais do viver e do conviver. lactente, o amor só pode ser efetivamente expresso em Argutos observadores do desenvolvimento emocio- termos de cuidado neste ambiente favorável à con- nal primitivo, John Bowlby e Donald Winnicott, tra- abilidade. A mãe su cientemente boa é o ambiente balhando no campo da pediatria, psicanálise e etologia facilitador para a efetivação do processo maturacional em meados do século passado, indicavam a importância da criança pequena, provendo chances à criança de se destas considerações na formação de padrões adaptativos tornar uma pessoa real, em um mundo real, e de crescer à vida, repercutindo desde cedo na liberdade de cada ser de acordo com seu potencial herdado. Em relação ao humano para usufruir a sua própria experiência de vida. amadurecimento, compreende-se como um processo Insistiram, então, na adoção de um conceito ampliado jamais nalizado e sempre ‘adaptativo’ do ponto de vista de saúde que incluísse também os aspectos psicológicos. evolucionário, que tem sido considerado importante Bowlby havia sido convidado para assessorar a Organiza- indicador de saúde que contribui decisivamente para o ção Mundial de Saúde (OMS) na área de saúde mental desenvolvimento social: de crianças sem lar, em 1950, e Winnicott, trabalhara como voluntário atendendo crianças afastadas de seus A base para uma sociedade é a personalidade pais e famílias durante a Segunda Grande Guerra. Essas humana total [...] não é possível que as pessoas experiências marcantes foram incorporadas às suas obras, consigam ir mais além na construção da socie- sustentando valiosas teorias no campo da psicanálise, e dade do que de seu próprio desenvolvimento Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 21. 189 voltada para a primeira infância pessoal. (W , 1989, p. 193 ). com participação de todas as Secretarias do MS, o documento-base para desenho da EBBS. É neste sentido que propõe uma compreensão O Brasil possui 14.210.000 crianças na faixa etária bastante peculiar do desenvolvimento da personalida- de zero a quatro anos – o que corresponde a 7,59% de humana total, sua constituição sempre frente a um da população total (B , 2008). De acordo com o ‘outro’ com o qual estabelece vínculos sugerindo uma Censo Escolar de 2007, apenas 17,1% das crianças de con guração em círculos que se amplia e se expande até três anos estão matriculadas em creches, enquanto desde o desejo e o corpo da mãe até a participação social 77,6% das crianças de quatro a seis anos frequentaram mais ampla. pré-escola. Portanto, mais de 80% das crianças meno- Considerando a importância do Desenvolvimento res de três anos estão sendo educadas e cuidadas em Emocional Primitivo na de nição e con guração de ambiente doméstico, pelos progenitores (em geral, a padrões de saúde para a vida, um grande esforço para mãe) ou por um cuidador substituto. Por essa razão, atender às recomendações da Comissão Nacional de De- decidimos trabalhar pela maior interação e ampliação terminantes Sociais da Saúde (CNDSS) e da OMS, no das ações de saúde com novas ofertas voltadas para a sentido da produção de ações, estratégias e políticas vol- Primeira Infância, em sintonia com o relatório nal tadas para a primeira infância, vem sendo desenvolvida da CNDSS que sugere intervenções que adotem como pelo Ministério da Saúde (MS), desde 2007, a ‘Estratégia referência os princípios e estratégias da ‘promoção da brasileirinhas e brasileirinhos saudáveis, primeiros passos saúde’, estabelecidos numa série de seis Conferências para o desenvolvimento nacional’ (EBBS). Internacionais (Ottawa, Adelaide, Sundsval, Jacarta, A EBBS surgiu com a rica discussão em torno da México e Bancoc), entre 1986 a 2005. Destaca-se a formulação do Programa de Aceleração do Crescimento primeira delas, na qual foi lançada a Carta de Ottawa, na Área da Saúde (PAC/Saúde, 2007) visando a apro- com o objetivo de contribuir para o combate e a supe- fundar e integrar as reformas sanitária e psiquiátrica bra- ração de problemas geradores de iniquidades na área e sileiras articulando-as a um padrão de desenvolvimento desenvolvimento saudável dos cidadãos. O documento nacional comprometido com crescimento, bem-estar e reconhece que paz, educação, moradia, alimentação, equidade no acesso à saúde do povo brasileiro. Dessa renda, ecossistema estável, justiça social e equidade iniciativa, resultou o ‘Mais Saúde’, Plano de Metas do são requisitos fundamentais para a saúde dos povos Ministério da Saúde (B , 2010) constituído em identi cando como condições-chave para promover a torno de sete grandes eixos, dentre os quais, a Promoção saúde o estabelecimento de políticas públicas saudáveis, da Saúde. Nesta oportunidade, cou muito clara nossa a criação de ambientes favoráveis, o fortalecimento das expectativa em revigorar o trabalho a partir da área ações comunitárias, o desenvolvimento de habilidades da saúde por um projeto civilizatório e, dentro dessa pessoais e a reorientação dos serviços de saúde. perspectiva, produzir saúde, cidadania e democracia, Essa iniciativa do Ministério da Saúde vem fortale- tornando-se fundamental considerar a constituição de cer um conjunto de esforços em todo o país para articula- nossos cidadãos, desde as etapas mais precoces da vida. ção, interação e desenvolvimento de ações voltadas para Em decorrência disso, foi produzido no âmbito do a saúde da mulher, especialmente durante a gravidez, e Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas da criança de zero a seis anos, etapa da vida designada em Saúde da Secretaria de Atenção à Saúde do MS, como primeira infância, o que, no Brasil, corresponde Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 22. 190 voltada para a primeira infância ao momento anterior à entrada obrigatória da criança pequenas e a rede social que os cerca, considerando no ensino fundamental (B , 2002). estágios precoces do desenvolvimento humano, com A Portaria GM 2.395 de 7 de outubro de 2009, intervenções sobre uma série de determinantes que veio instituir a EBBS considerando marcos legais, incidem sobre o chamado ‘ambiente facilitador’, tal contribuições institucionais e experiências nacionais e como o descrevemos acima. internacionais bem-sucedidas: a Constituição Brasileira; o Questão que se torna ainda mais importante, diante Estatuto da Criança e do Adolescente; as Políticas Nacio- da chamada transição dos cuidados na infância, fenômeno nais de Atenção Integral à Saúde da Mulher, da Criança observado em todo o mundo, relacionado com alguns e Aleitamento Materno, de Saúde Mental, da Atenção progressos no sentido da igualdade de oportunidades para Primária, o Planejamento Familiar, a Política Nacional as mulheres – nos países da Organização para a Coope- de Humanização, dentre outras, aprovadas no Conselho ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de Nacional de Saúde (CNS) e na Comissão Intergestores dois terços de todas as mulheres em idade ativa trabalham Tripartite (CIT); o Compromisso Brasileiro com os Ob- atualmente fora de casa – o que merece ser festejado, mas jetivos do Milênio (ODM) (especialmente o 4º, voltado que passa a representar, com as pressões econômicas cres- para a Redução em 2/3 da mortalidade de menores de centes, preocupações para milhares de mães: as pressões 5 anos até 2015), o Pacto pela Vida (Portaria GM 325, laborais não re etem novas oportunidades, mas novas 2008), o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade necessidades. Se o cuidado com as crianças pequenas Materna e Neonatal (PR, 2004), o Compromisso para era um assunto predominantemente privado e familiar, Acelerar a Redução das Desigualdades na Região Nordeste agora tornou-se, em grande medida, uma atividade que e Amazônia Legal, rmado entre os Governos Estaduais decorre fora de casa e em que os governos e as empresas e Federal; Pastoral da Criança, OMS, Organização Pan- privadas estão cada vez mais envolvidos, pois uma grande Americana da Saúde (OPAS), Fundo das Nações Unidas parte delas passa seus primeiros anos de vida não nas suas para a Infância (U ), Organização das Nações Unidas casas com as respectivas famílias, mas em algum tipo de para a Educação, a Ciência e a Cultura (U ), Or- estrutura de cuidados à infância. E embora esse não seja ganizações Não-Governamentais e Redes de Instituições o quadro predominante da realidade brasileira, sabe-se voltadas para o Cuidado com a Primeira Infância, Ex- que um quarto das famílias em nosso país vive de um periências Nacionais e Internacionais exitosas e Políticas salário feminino. Em artigo publicado no jornal O Glo- Públicas Regionais e Nacionais de setores outros que não bo, de 2 de maio 2010, Rosiska Darcy de Oliveira traz à a Saúde, mas neste campo e na perspectiva intersetorial. tona temas tangenciados e con denciados na sociedade, A Fundação Oswaldo Cruz (F ) foi designada para como as escolhas sobre a maternidade, as condições da a Coordenação Técnica da EBBS. gravidez e do parto, as leis que tolhem ou propiciam A EBBS traz como preocupação central não liberdades, o temor atávico da violência sexual. Todas apenas o desa o de trabalhar nacionalmente pela essas questões tornadas realidade para o corpo feminino articulação e interação das múltiplas iniciativas nesse a igem as mulheres, uma vez que elas sabem habitar campo sabidamente multissetorial, o que já torna essa um corpo cujo destino é desdobrar-se em outros. Ainda proposta bastante ousada, mas também a necessidade segundo a articulista, respeito e escuta é o que aspiram as de prover novas ofertas de cuidado na perspectiva de mulheres para que possam efetivamente contribuir com fortalecimento dos vínculos entre os pais, suas crianças reformas modernizadoras de estruturas de acolhimento Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 23. 191 voltada para a primeira infância que tornem a vida familiar viável, e não o ponto cego das corporação no trabalho de saúde pública, da relações sociais. responsabilidade pela promoção da saúde física Nesse sentido, tem sido necessário recorrer a uma e mental da comunidade. (WHO, 1951). compreensão mais cuidadosa do que são e como atuam os determinantes sociais da saúde e como podemos pen- Já a Conferência de Alma Ata, no nal dos anos sar, neste âmbito, as intervenções sobre as tendências à 1970, e as atividades inspiradas no lema ‘Saúde para integração psíquica e ao ambiente facilitador. Todos no Ano 2000’ recolocam em destaque o tema dos determinantes sociais. No Brasil, trouxe elemen- tos decisivos para a sustentação da Reforma Sanitária DETERMINAÇÃO SOCIAL E TENDÊNCIAS À Brasileira, num período ditatorial de nossa história INTEGRAÇÃO PSÍQUICA NA PRODUÇÃO DE recente, em que diferentes e importantes atores, como SAÚDE: APROXIMANDO CONTRIBUIÇÕES, representantes de instituições de ensino, assistência, ARTICULANDO AÇÕES DIFERENCIADAS órgãos de classe, partidos políticos, sociedades médicas NAS PRÁTICAS DE SAÚDE e de especialistas da saúde e outros representantes da sociedade civil discutiam sua relação com o regime democrático. ‘Democracia e Saúde’ passa a ser o tema Apesar da preponderância do enfoque médico em debate e a discussão prosseguirá ampliando-se para biológico na conformação inicial da saúde pública como a compreensão de que ‘Democracia é Saúde’. campo cientí co em detrimento dos enfoques sociopo- Nos anos 1980, o predomínio do enfoque da saúde líticos e ambientais, observa-se, ao longo do século 20, como um bem privado desloca novamente o pêndulo uma permanente tensão entre essas diversas abordagens. para uma concepção centrada na assistência médica A própria história da OMS oferece interessantes exemplos individual, a qual, na década seguinte, com o debate dessa tensão, observando-se períodos mais centrados em sobre as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma aspectos biológicos, individuais e tecnológicos intercalados ênfase nos determinantes sociais, que se a rma com a com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais. criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da A de nição de saúde como um estado de completo bem- Saúde da OMS, em 2005 (WHO, 2008). estar físico, mental e social e não meramente a ausência Segundo a Comissão Nacional sobre os Determi- de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da nantes Sociais da Saúde do Brasil, os DSS, são aqueles OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma econômicos, culturais, psicológicos, comportamentais clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde entre outros, que in uenciam a ocorrência e a distri- para além de um enfoque centrado na doença. Observa-se buição na população dos problemas de saúde e seus este trecho do relatório da segunda sessão da Comissão de fatores de risco. Especialistas em Saúde Mental da OMS: A CNDSS escolheu o modelo de Dahlgreen e Whithead (CNDSS, 2008), para balizar as interven- O mais importante princípio a longo prazo ções sobre os DSS e promover a equidade em saúde para o trabalho da OMS, na promoção da contemplando os diversos níveis que devem incidir saúde mental, em contraste com o tratamento sobre os determinantes proximais (vinculados aos com- de distúrbios psiquiátricos, é o estímulo à in- portamentos individuais), intermediários (relacionados Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 24. 192 voltada para a primeira infância às condições de vida e trabalho) e distais (referentes à Em relação ao tema em questão, interessa particu- macroestrutura econômica, social e cultural). A escolha larmente discutir as duas primeiras: os indivíduos estão deste modelo foi justi cada por sua simplicidade, por na base do modelo, com suas ‘características individuais sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela de idade, sexo e fatores genéticos’ que exercem in uência clara visualização grá ca dos diversos DSS. E serviu de sobre seu potencial e suas condições de saúde; o ‘compor- base para orientar a organização de suas atividades e os tamento e os estilos de vida individuais’ estão situados conteúdos do seu relatório nal. no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que os comportamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também dos MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD DSS, como acesso ao trabalho, habitação, informações, E A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços FACILITADOR NA PRODUÇÃO DA SAÚDE: A de lazer, entre outros. CONTRIBUIÇÃO DE DONALD WINNICOTT A EBBS apoia-se na ideia de que a integração do ser humano ao ambiente social em que vive é prece- dida de múltiplas experiências do chamado ‘ambiente Este Modelo inclui os DSS dispostos em diferentes facilitador’ de origem e, conforme anteriormente co- camadas, segundo seu nível de abrangência, desde uma mais locado, este ambiente resulta da interação de fatores próxima aos determinantes individuais até uma camada distal genéticos, psicológicos, sociais, econômicos e culturais. na qual se situam os macro determinantes (Figura 1). Considerar, portanto, as repercussões destes fatores na F 1 - Modelo de Dahlgren e Whitehead Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 25. 193 voltada para a primeira infância relação mãe-bebê ou cuidador-bebê e seus efeitos sobre feitas pelo livre arbítrio das pessoas, como também de a saúde de ambos, incluindo a saúde mental, é tarefa DSS, para que mais claramente possamos perceber que, que nos cabe enquanto pro ssionais e gestores da área embora os autores nos alertem para a questão fundamental da Saúde, trazendo para a saúde pública o desa o de de como os comportamentos dos indivíduos se expressam formulação de um modelo de determinação de saúde na relação com a sociedade, não explicitam que há um que apresente muito claramente a articulação entre momento, não tão curto assim em termos de tempos de seus determinantes sociais e as tendências à integração vida e impactos na produção de saúde, em que ‘ainda não psíquica do sujeito. existe um indivíduo’ capaz de optar e manejar seu livre Assim, a EBBS, ao eleger o Ambiente Emocional arbítrio. O motivo, diria Winnicott (1983, p. 40) é que Facilitador como um dos pilares de sustentação das “há um momento do desenvolvimento humano em que ações que propõe para os cuidados com a primeira não se pode falar em um bebê, a não ser que a ele esteja infância, sugere que se busque a explicitação do vinculada sua mãe ou gura que a substitua!” componente psicológico dentro dos modelos que Essa peculiaridade experimentada pelos seres já o consideravam na determinação da saúde sem, humanos, no que diz respeito à sua constituição como entretanto, aprofundá-lo. Outra possibilidade, de sujeito, desde estudos recentes que demonstram a adotar para esta compreensão ampliada a proposta de importância das experiências intraútero, das vivências Winnicott, que sugere uma con guração em círculos da gravidez da mulher e suas consequências na saúde que se ampliam e se expandem desde o desejo e o física e mental do bebê até a constatação nos primór- corpo da mãe, o ambiente facilitador, à participação dios da vida de que há uma dependência absoluta do social mais ampla (Figura 2). lactente em relação a um ‘outro’ para existir, leva-nos Para exempli car, no caso do Modelo de Dahlgren e a reconhecer que existem etapas do desenvolvimento Whitehead (CNDSS, 2008), pode-se destacar a camada deste novo ser, nas quais ele não existe por si só. Isso situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já quer dizer que, na etapa de dependência completa, que que os comportamentos dependem não apenas de opções se associa aos primeiros meses de vida, não há como F 2 - O papel da saúde mental na construção da cidadania Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 26. 194 voltada para a primeira infância falar do bebê sem associá-lo à sua mãe ou a quem num período da vida chamado primeira infância, não cuida dele. Para Mahler, Pine e Bergman (1977), o encontra correspondência, em termos de suas peculia- nascimento biológico do homem e o nascimento ridades e necessidades de cuidados e intervenções, nos psicológico do indivíduo não coincidem no tempo. modelos teóricos de determinação social da saúde. No O primeiro é um evento bem delimitado, dramático discurso de abertura do XVIII Congresso Mundial de e observável; o último, um processo intrapsíquico de Epidemiologia e do VII Congresso Brasileiro de Epi- lento desdobrar: demiologia, que trouxe como tema “A epidemiologia na construção da saúde para todos: métodos para um O processo de separação/individuação normal mundo em transformação”, o Ministro da Saúde do começa em torno do quarto, quinto mês e vai Brasil faz a seguinte a rmação: até o trigésimo, trigésimo sexto [...] caminhan- do de um período simbiótico até a aquisição No campo da promoção da saúde o desa o pela criança de um funcionamento autônomo para os epidemiologistas é o de produzir co- na presença da mãe e da prontidão em termos nhecimentos para a compreensão dos atuais de desenvolvimento para a funcionamento determinantes da saúde: o entendimento de psíquico independente, gerador de prazer. que múltiplos aspectos materiais e imateriais (p. 15). con guram o espaço/ território investigado, engendrando praticamente todas as dimensões Essa citação nos ajuda a sustentar o porquê de da existência humana, demandam novos consideração tão destacada para esta etapa da vida, a discursos e abordagens que alcancem aprofun- caminho da individuação para o desenvolvimento saudá- dar a perspectiva multi ou transdisciplinar, vel: o orescimento da capacidade para andar e afastar-se incorporando dimensões não comumente mantendo certo controle sobre ir e vir, desenvolvimento utilizadas nos estudos epidemiológicos. Estas da linguagem, utilização do pronome ‘eu’, reconhecer e transformações que trouxeram novos ele- nomear o outro, diferenciação e identidade de gênero, mentos para se pensar a relação entre espaço, dentre outros de igual magnitude na constituição do tempo, saúde e doença, são fundamentais ser humano. para melhor compreensão da proposição de A aproximação entre as constatações anteriores determinantes da saúde e estabelecer como e a observação de que os modelos de determinação estes se expressam no adoecer e morrer [...]. da saúde estudados pela CNDSS tendem a considerar (T , 2008, p. 10). seus determinantes a partir de um ‘indivíduo e suas inter-relações – o que signi ca, como vimos, um longo Essa abordagem nos levou à sugestão da constitui- caminho já percorrido em termos de crescimento e ção da saúde atrelada à constituição dos sujeitos em seu desenvolvimento pessoal – nos alerta para a existência crescimento rumo à cidadania, ou seja, uma con gu- de um ‘tempo-espaço epidemiológico’ relacionado à ração em que se pode de fato incluir o ambiente facili- etapa da dependência completa e relativa de um ser tador ao pensar o processo saúde-doença, expandindo humano em relação a outro, que pode se constituir como sua compreensão para além dos resultados expressados ambiente facilitador ao crescimento. Este, resguardado na maneira pela qual em uma determinada sociedade e Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 27. 195 voltada para a primeira infância um dado contexto histórico, se organizam a produção ainda não fala, nos casos de autismo, na criança intimi- e o trabalho. dada, deve-se supor uma subjetividade à espera de ser As descobertas das neurociências vieram con rmar interrogada. Assim, a escuta da pequena criança e seus as constatações dos autores que trabalharam com base cuidadores é uma questão ética que sustenta o direito na psicologia e na psicanálise o desenvolvimento emo- da criança de constituir-se como sujeito, especialmente cional primitivo, reiterando a importância da inclusão se esta construção estiver enfrentando impasses. E esta da promoção da saúde mental quando se trata de saúde constatação só ocorrerá se pais ou cuidadores atentos, pública. Para Damásio (2004): incluindo pro ssionais de saúde, estiverem presentes e implicados, capturados por um interesse especial nesta Elucidar a neurobiologia dos sentimentos e das criança, opondo-se sempre à ideia de que o corpo do emoções que os percebem altera a nossa visão bebê seja tomado e lido como um puro organismo, pois do problema mente-corpo, um problema cujo não há humano sem vida psíquica. E essa presença cons- debate é central para a compreensão daquilo tante e experiente junto ao bebê possibilita o suporte à que somos. A emoção e as várias reações com construção de seu aparelho psíquico, permitindo que o ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, cérebro ofereça sua plasticidade neural à inscrição dos enquanto os sentimentos, estão alinhados com processos simbólicos. Diz-se, assim, que os pais são os a mente. (p. 15). primeiros e imprescindíveis mestres do cérebro. O desenho de qualquer modelo deve expressar, Porém, o mais interessante desta contribuição à portanto, esta compreensão fundadora em termos de nossa proposição se dá quando ele questiona o valor determinação de vida e saúde. Conforme podemos prático desta nova perspectiva. Diz ele: observar na Figura 2, sugere-se uma con guração em que a mãe, vinculada ao seu bebê, representa com seu O êxito ou o fracasso da humanidade depende corpo e sua mente o ambiente inicial da vida do lho, o em grande parte do modo como o público e primeiro território vivencial; e se ela mesma, como indi- as instituições que governam a vida pública víduo, encontra-se exposta a toda série de determinações puderem incorporar essa nova perspectiva da sociais, como mostram os diferentes modelos, ela passa a natureza humana em princípios, métodos e representar o ambiente total a ser considerado, cuidado leis capazes de reduzir o sofrimento humano e protegido – por um dado espaço de tempo e objeto de e engrandecer o seu orescimento. (D , eleição de ações promotoras de saúde. Aqui, podemos 2004, p.16). oportunamente agregar a proposição de Milton Santos sobre as noções de “espaço e território” onde se produz Mais ainda nos coloca aspectos éticos de grande saúde ou doença: o espaço é aquilo que resulta da relação relevância, discutidos no curso “As interfaces das clínicas entre a materialidade das coisas e a vida que as animam e da primeira infância”, organizado pela Comissão de transformam. A con guração territorial é uma produção Saúde Primária da Associação Brasileira de Neuropsi- histórica resultante dessas relações. As ações provêm das quiatria Infantil (A , 2009), pois a individuação necessidades humanas: materiais, espirituais, econômicas, em processo supõe um sujeito por vir e, mesmo onde sociais, culturais, morais, afetivas. Sistemas de objetos e aparentemente não existe sujeito, como na criança que de ações interligam-se. A dimensão da comunicação no Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 28. 196 voltada para a primeira infância meio ‘técnico-cientí co-informacional’ produz-se tam- Recentemente, descobriu-se como um lar estável, bém através da circulação de palavras, imagens, rumores, qualquer que seja sua conformação em termos de guras afetos. Os elementos simbólicos contribuem de modo parentais, não apenas capacita as crianças a encontrarem signi cativo para a con guração territorial e, certamente, a si mesmas e aos outros, mas também faz com que elas para o processo do adoecer individual e coletivo. Isto nos comecem a se quali car como membros da sociedade leva a pensar que o processo saúde-doença seja equacio- num sentido mais amplo. Isso se deve ao desenvolvimen- nado em seus determinantes sociais. to da capacidade de identi cação com estes mesmos pais Entretanto, tratando-se de uma contribuição de e, em seguida, com agrupamentos cada vez maiores, e Winnicott à compreensão da relação entre a determinação começa quando a mãe ‘entra em acordo’ com seu bebê. social e o desenvolvimento emocional primitivo do bebê, O pai, aqui, é o agente protetor que liberta a mãe para por meio da conformação deste ambiente facilitador ao que ela se dedique ao bebê. crescimento saudável, torna-se fundamental registrar que A ressaltar, a lembrança de que estas são funções o autor não utiliza o conceito ‘determinação’ como uma que podem ser, a partir de um dado momento, desem- imposição da natureza que independe do concurso de penhadas ou não pela mãe ou pai biológicos, incluindo outros fatores para sua concretização. Plastino (2009) fala outros familiares, vizinhos, babás ou educadoras de em tendências ou linhas de força que a natureza imprime creches e pré-escola capazes de prover continuidade no ao homem, favorecendo o movimento espontâneo da vida, cuidado. E a continuidade do cuidado representa, se- a autopoiese, a autocriação subjetiva e a criação. Não se gundo Bowlby (2002) e Winnicott, característica central tratando de determinações, as tendências requerem acon- do conceito de ambiente facilitador: tecimentos históricos para virem a ser, ou se atualizarem. Neste contexto de um ambiente favorável, o infante hu- é unicamente pela provisão ambiental (presença mano atinge a integração, personalização e realização, de da mãe ou ausência dela por tempo que não se forma absolutamente criativa e original. Assim, somente prolongue para além da capacidade do bebê em cada sujeito sabe dizer das vicissitudes de seu sentimento de manter viva sua imagem) que o bebê em estado de existir, de ser real ou da ausência deles, todos fundamentais dependência pode ter uma continuidade em sua em sua vida, demarcando a diferença entre saúde e doen- linha de vida. (W , 1989, p. 48). ça. Também a ideia de ‘modelo’, como algo terminado e reproduzível, não se adéqua ao pensamento de Winnicott. Falhas nesse aporte, em termos de características Para exempli car, basta recuperar sua participação e com- essenciais da vida familiar e sentidas pela criança como partilhamento na produção dos famosos ‘rabiscos’ que privação, estão na gênese da tendência e do comporta- expressavam tão intensamente a emergência de conteúdos mento antissocial (W , ). psíquicos de seus pacientes na atualização de questões de sua história. Então, mais à vontade poderíamos falar em con guração e arranjo de tendências que possibilitam a REPERCUSSÕES NAS PRÁTICAS integração psíquica e seu papel na produção de saúde como uma construção plasticamente e estruturalmente mutável mediante interação, integração e realização destas mesmas Com esta compreensão, as estratégias de atenção tendências num dado ambiente. à saúde da mulher só estarão completas se passarem a Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010
  • 29. 197 voltada para a primeira infância incluir ações que considerem as vicissitudes de manejo este aspecto do trabalho intenso a ser realizado sobre a das questões vivenciadas na gravidez, no pós-parto e potência dos vínculos entre os principais atores do SUS estendendo-se pelo menos até o nal do primeiro ano de para a produção de saúde. vida do bebê, quando é fundamental cuidar de proteger Além disso, buscou-se conhecer por revisão biblio- este “ambiente facilitador” para uma vida saudável e um grá ca e visitas in loco as estratégias já implantadas ou desenvolvimento pleno. Da mesma forma, as estratégias em processo de implantação em nosso país consideradas e políticas voltadas para a saúde materno-infantil devem também exemplares nesta perspectiva. Tomamos, assim, aperceber-se da importância das ações nos primórdios como marcos referenciais o Programa Primeira Infância da vida, que não só venham trazer a sua garantia, mas Melhor (PIM) do Estado do Rio Grande do Sul, o Mãe também quali cá-la. Destacadamente, apontamos para Coruja Pernambucana, o Mãe Curitibana (ver sites rela- a importância da detecção precoce da depressão materna cionados), a Experiência de Sobral (CE) (S , 2007) e como evento sentinela, ou seja, aquele su cientemente outros, que fazemos questão de citar pelo pioneirismo, estudado e comprovado como provocador de determina- ousadia e trabalho árduo para efetivação de propostas das patologias, que precisa ser registrado e acompanhado desta magnitude. em sua remissão e evolução. Mitos como a ‘maternidade ideal’ e o ‘instinto materno’ precisam também de aco- lhimento e escuta para sua necessária desconstrução. A CONCLUSÕES Estratégia de Saúde da Família e as ações, programas e políticas de suporte ao trabalho e renda, assim como o es- tímulo à produção de redes sociais, o vínculo fortalecido Sabemos como problemas complexos nos colocam com equipamentos sociais como as creches e as escolas em condição de ação sempre aquém das necessidades e voltadas para a criança até seis anos junto a seus fami- sempre aproximativa do ponto de vista da e cácia, exi- liares e os dispositivos culturais guardam possibilidades gindo ciência, ação racional e, ao mesmo tempo, criação, imensas de abrigar trabalhos efetivos sobre o ambiente arte, razão estética. Nesse sentido, duas questões surgi- facilitador e os determinantes sociais da saúde. ram de imediato, nos desa ando para a construção da Para a construção da metodologia da EBBS e de Estratégia: como efetivar a articulação e transversalização um Plano de Metas para sua implantação, utilizamos entre as diversas ações pretendidas? Como assegurar a todos os dispositivos ofertados pela Política Nacional inclusão de novos desa os na agenda, como a promoção de Humanização do SUS (PNH), exemplar no que diz de saúde inovando na inclusão de intervenções sobre o respeito à ideia do que é uma política pública de natureza ambiente facilitador? transversal. Mais ainda, esta política inicia a proposição A resposta a este desa o de prover ações em defesa ousada de buscar o humano que se revela no espaço da do ambiente facilitador ao crescimento, desenvolvi- micropolítica de atenção dentro de e constituindo o mento e amadurecimento da criança vinculada à seu nosso SUS, que até então só parecia poder apresentar, cuidador no período da primeira infância nos convoca mesmo que orgulhosamente, sua macroestrutura. Desde à disponibilização de novos enfoques que enriqueçam as os anos 1990, com a proposta da reforma da reforma políticas públicas já instituídas voltadas principalmente (C , 2006), explicitava-se esta necessidade de para as mulheres e crianças, mas também para os ho- aprimorar a Reforma Sanitária Brasileira, incluindo mens, para a saúde mental, com contribuições da PNH, Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010