O documento discute a importância da categoria da totalidade em Marx para pensar a prática do assistente social e resistir às influências pós-modernas. A fragmentação das análises sociais dificulta compreender os problemas de forma abrangente e histórica. A perspectiva totalizante de Marx é essencial para analisar criticamente a realidade e transformá-la.
A importância da totalidade em Marx para o serviço social
1. TRABALHO, TOTALIDADE EM MARX E SERVIÇO SOCIAL
Cenira Andrade de Oliveira
RESUMO
Trata este estudo de uma reflexão acerca da importância da categoria totalidade em
Marx para pensar a prática profissional do (a) assistente social como forma de
resistência aos influxos da pósmodernidade e afirmação do projetoéticopolítico da
categoria profissional.
Palavraschave: Totalidade, Trabalho, Serviço Social
ABSTRACT
In this study of a reflection about the importance of the entire category in Marx to think
the practice of (a) as a form of social resistance to inflows of postmodernity and
affirmation of the ethicalpolitical projectthe professional category
Keywords: Entire, Work, Social Work
1 A CATEGORIA TOTALIDADE EM MARX E SUA IMPORTÂNCIA PARA
A ANÁLISE DOS PROCESSOS SOCIAIS QUE ENVOLVEM A PRÁTICA
PROFISSIONAL DO (A) ASSISTENTE SOCIAL.
A explicitação e reafirmação da teoria social de K. Marx como imprescindível para a
compreensão e análise dos fenômenos sociais, bem como para a transformação da
realidade, embora recorrente no meio acadêmico que circunscreve a formação
profissional em serviço social, tornamse necessárias mediante um contexto adverso e
crítico no que tange aos paradigmas totalizantes, voltados para análises e práxis mais
abrangentes e progressistas.
As tendências a separar, dividir, fragmentar, isolar e se fixar nas partes como se estas
fossem autônomas e descoladas do todo, aparecem como uma onda ou febre à qual
2. 2
poucos se encontram imunes. Sujeitos como idosos, crianças, mulheres são pensados
desprovidos de historicidade ou dentro de um espectro contextual muito reduzido, como
se os efeitos nefastos que os acometem não fossem uma produção desse modelo de
sociedade e fruto da sociabilidade inerente à mesma. Alguns fatores corroboram, mas
não justificam tais tendências. Entre estes fatores podese citar a “compressão
tempo/espaço” (HARVEY, 1996), a pressão por resultados cada vez mais rápidos, a
negação da história representada pela indiferença à mesma, a negação da perspectiva de
classe ou seu embaçamento e o adensamento de uma cultura do individual transfigurada
em individualismo que atinge substancialmente pensamento e ação dos sujeitos sociais.
A perspectiva de coletividade é empalidecida e não tem espaço nessa lógica. São
fenômenos típicos da era pósmoderna. Simionatto(1999), a partir de suas reflexões
acerca das expressões ideoculturais na atualidade, conclui que
A pósmodernidade representa, assim, um novo tipo de hegemonia ideológica nesse
estágio do capital globalizado, fundada nas teorias do fragmentário, do efêmero,do
descontínuo, que fortalecem a alienação e a reificação do presente, fazendonos perder
de vista os nexos ontológicos que compõem a realidade social e distanciandonos cada
vez mais da compreensão totalizante da vida social.(SIMIONATTO1999:31)
Neste sentido, esses fatores afetam/impregnam o ideário políticocultural dos sujeitos
sociais, o que consequentemente altera a ambiência dos espaços sociais coletivos
(públicos e privados) fazendo emergir um outro ritmo, uma nova lógica. Uma expressão
típica desse tempo é a pressa, o ritmo acelerado, ou seja, a necessidade quase insana de
se tornar inóspito. No meio acadêmico, percebese, de forma assistemática, que o
processo de alijeiramento da formação, bem como a exigência incessante de produção e
publicação de novos conhecimentos, tem posto para o lado o necessário
amadurecimento e aprofundamento, e portanto , o tempo que essas práticas requerem. A
conseqüência disso irá rebater diretamente na qualidade daquilo que se produz. No que
concerne à prática profissional dos (as) assistentes sociais, a situação parece não se
apresentar de forma distinta. Os governos, as prefeituras, as empresas e as ONG’s
costumam exigir de seu corpo de funcionários resultados que sejam contabilizáveis a
fim de engrossarem seus caldos estatísticos na estética midiática. Também nessa lógica,
o que importa é fazer mais (lógica produtivista). O profissional, em inúmeras situações,
submerso na perversa competição do mercado de trabalho, tende a responder às
demandas que lhe são postas/impostas com polivalência objetivando garantir “seu
3. 3
espaço”. Desvelar e compreender os fatos, fenômenos e neles os sujeitos sociais de uma
sociedade cada vez mais complexa, requer um método imbuído de uma perspectiva
crítica, capaz de captar as contradições,os antagonismos, o enredo , o pano de fundo e
de frente e o lastro histórico dos mesmos. Recorrendo às reflexões de LOWY (1987),
somente um mirante mais elevado possibilita essa visão do todo como ele é
concretamente, ou o todo em sua totalidade. Estar aposto neste mirante (teoria social
crítica) é fundamental para atenuar possíveis cegueiras do agir, assim como ancorar e
fundamentar as possibilidades de pensar a realidade social.
Assim, o que se segue são alguns apontamentos acerca da “totalidade enquanto
categoria central no trato analítico de Marx” e a pertinência e atualidade dessa categoria
para a análise dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais que tangenciam a
prática profissional do (a) assistente social.
2 DESAFIOS POSTOS AO PROCESSO DE TRABALHO DO(A) ASSISTENTE
SOCIAL
A lógica pósmoderna e neoliberal que abrange a conjuntura sócio – política, econômica
e cultural , cujos rebatimentos afetam diretamente a vida do (a) trabalhador (a), incide
de modo contundente sobre o processo de trabalho do (a) assistente social. Referimo
nos aqui não somente à questão estrutural que envolve as formas absurdas de
contratação ou às condições de execução do trabalho em si, mas, e fundamentalmente, à
possibilidade de afirmação do projetoéticopolítico no cotidiano do exercício
profissional. De acordo com Netto (1999):
[...] a experiência sócioprofissional tem comprovado que para um projeto profissional
se afirmar na sociedade, ganhar solidez e responsabilidade frente às outras profissões,
às instituições privadas e públicas e, ainda, frente aos usuários dos serviços oferecidos
pela profissão, é necessário que ele tenha em sua base uma categoria fortemente
organizada. (p. 95).
A afirmativa supracitada de Netto (1999) é pertinente, no entanto vale ressaltar que um
projeto profissional identificado em sua essência com os desejos da classe trabalhadora
e os segmentos subalternizados dessa sociedade ocupa um lugar de contramão ou
“contramaré” como o próprio Netto o diz, e que outros atributos devem e/ ou merecem
4. 4
ser analisados à luz a dessa atual conjuntura que fragiliza a própria organização da
categoria.
Braz (2004), ao fazer uma análise da conjuntura brasileira relacionando o tão promissor
governo Lula com o exercício profissional dos (as) assistentes sociais diz:
[...] como trabalhadores, os (as) assistentes sociais vivem situações precárias, com o
acirramento de políticas neoliberais entre relações de trabalho. Situações de
degradação salarial, flexibilização das formas de contrato de trabalho, piora das
condições gerais de trabalho, além do desemprego, tenderão a aumentar, sobretudo se
reformas trabalhistas se realizarem. Estes elementos combinados entre si implicarão
notórias dificuldades ao exercício profissional qualificado e balizado por fundamentos
éticos consagrados no atual Código de ética. (p. 60)
Braz (2004) faz projeções em que aponta para o comprometimento das dimensões
teórica, jurídicapolítica e políticoorganizativo no âmbito da prática profissional,
considerando o adensamento da conjuntura política que se apresenta no primeiro quarto
do Governo Lula, em seu primeiro mandato.
Na mesma linha de discussão, no entanto apresentando outros novos elementos dessa
conjuntura/Governo Lula, Netto (2004, p. 24) diz que “o que está (e estará cada vez
mais) em jogo é a sua autonomia para conduzir o denominado projetoéticopolítico que
construíram para a profissão nos anos 1980 e 1990”. O autor faz um resgate histórico
retomando a gênese de formação do referido projeto e o protagonismo do PT enquanto
referência importante nos processos de luta para a consolidação do mesmo. Fala ainda,
da necessidade de um debate coletivo, amplo, reunindo todos os níveis da categoria
profissional, para assim “preservar, contra ventos e marés, a autonomia para conduzir e
aprofundar as exigências do projeto éticopolítico [...]” (NETTO, 2004, p. 24).
Vale ressaltar aqui o quanto é desafiador, para o profissional subalternizado e
precarizado em seu trabalho, vindo de um processo de formação, em muitos casos,
também precarizado, exercer alguns tipos de superações, bem como desenvolver
algumas habilidades e competências que sejam consoantes ao projetoéticopolítico. A
lógica do individualismo que atropela ou sufoca os projetos mais coletivos, talvez seja o
maior desafio a ser superado. Abramides (2007) aponta para a necessidade da:
[...] continuidade da direção sociopolítica do projeto profissional como processo de
ruptura construído nos últimos trinta anos do Serviço Social brasileiro e que sofre um
conjunto de inflexões em uma quadra histórica em que a classe trabalhadora se
5. 5
encontra na defensiva mediante a avassaladora ofensiva hegemônica do capital
internacionalizado. (p. 44).
No artigo ao qual nos reportamos à citação acima, a autora afirma, de forma
contundente, a necessidade de ruptura com o conservadorismo tendo como base a
direção sociopolítica do projetoéticopolítico e aponta que “a questão de fundo é a de
manutenção da autonomia do projeto profissional frente a qualquer governo, partido e
patronato”. (ABRAMIDES, 2007, p.46)
Assim, algumas respostas relativas aos desafios postos ao processo de trabalho do
assistente social já foram produzidas por Iamamoto (2000), Abramides (2007) e Guerra
(2007), entre outros. Essas autoras reafirmaram, em outras palavras, a necessidade de
conhecimento e clareza política e competência técnica para garantir no cotidiano do
exercício profissional as premissas contidas no projetoéticopolítico. Iamamoto
considera que:
Orientar o trabalho profissional nos rumos aludidos requisita um profissional culto e
atento às possibilidades descortinadas pelo mundo contemporâneo, capaz de formular
e recriar propostas ao nível das políticas sociais e da organização das forças da
sociedade civil. Um profissional informado, crítico e propositivo, que aposte no
protagonismo dos sujeitos sociais. Mas, também um profissional versado no
instrumental técnicooperativo, capaz de realizar as ações profissionais, aos níveis de
assessoria, planejamento, negociação, pesquisa e ação direta, estimuladoras da
participação dos usuários na formulação, gestão e avaliação de programas e serviços
sociais de qualidade. (IAMAMOTO, 2006, p. 144).
Iamamoto (2006) afirma que para atingir o citado perfil de profissional é necessário a
superação do teoricismo estéril e do pragmatismo. Entre outras afirmações que merecem
reflexões mais afinadas por nós, Guerra (2007) fala do redimensionamento que sofre o
exercício profissional mediado pela lógica do mercado,
[...] a lógica mercadológica que perpassa os serviços sociais, junto com as políticas
sociais passa a se constituir a própria racionalidade de que orienta o exercício
profissional, configurando concepções de eficácia, eficiência, produtividade,
competência, de acordo com as exigências do mundo burguês para a acumulação/
valorização do capital”. (cap.7, p. 78)
Neste sentido, Guerra (2007) fala da força do pensamento conservador no interior da
profissão que tem apontado para a inoperância do projeto profissional e afirma que:
6. 6
[...] o projeto profissional hegemônico, pela sua perspectiva crítica, constituise um
instrumento, o único capaz de permitir aos assistentes sociais uma antevisão da
demanda, a captação de processos emergentes e das tendências históricas que se
configuram e requisitam uma intervenção profissional a curto, médio e logo prazos, o
significado social e político da profissão e da intervenção que desenvolve. Esta
capacidade de captar tendências e de se preparar técnica e intelectualmente para
respondêlas é o diferencial que se estabelece entre os profissionais na conjuntura
atual”. (p. 30)
Assim, pensar o processo de trabalho do(a) assistente social implica, necessariamente,
saber sob que perspectiva se pretende fazêlo. Uma vez que nossas análises e práticas
são imbricadas de ideologias, mas também afinadas com um determinado projeto de
sociedade, tornase importante cada vez mais e de forma o mais explicita e
esclarecedora possível deixar claro essa direção, bem com a perspectiva teórica a qual
se vincula.
3 TOTALIDADE EM MARX: ALGUNS APORTES
Este item possui um caráter apenas introdutório, onde recorre se a algumas obras de
Marx no período de 1843 a 1848, onde já se encontrava expressa em suas produções a
perspectiva da totalidade. Todavia, a questão não se esgota nas obras tratadas aqui.
Reconhecese, que o trato aqui dispensado não explicita a grandiosidade das obras
tratadas. De acordo com Bottomore (1988)
A totalidade na teoria marxista é um complexo geral estruturado e
historicamente determinado. Existe nas e através das mediações e transições
múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas_ isto é, “totalidades
parciais” _ estão relacionadas entre si, numa série de interrelações e
determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam.
(BOTTOMORE,1988)
O devir da história da humanidade em sociedades de configurações cada vez mais
complexas coloca o desafio cada dia mais urgente de decifrar seus nexos afim de
compreender a lógica e direção com que move e é movido o ser social a partir dos
determinantes históricos dos quais é partícipe.
7. 7
O historiador Hobsbawn (1994) ao iniciar sua narrativa sobre o “Breve Século XX “,
que caracterizou como a “Era dos Extremos”, faz uma advertência crítica à destruição
do passado e à incorporação de um presente contínuo “como um dos fenômenos mais
característicos e lúgubres do final do século XX”.Para este autor, “os acontecimentos
públicos são parte da textura de nossas vidas” independentemente de termos vivido ou
não a época de determinado acontecimento. Os fatos e acontecimentos históricos
públicos não se findam em si mesmos. Essa reflexão aponta para a relação de
interdependência ou interdeterminância entre passado presente futuro, onde somente
uma teoria que abriga uma ontologia do ser social e os problemas a este conexo, é
passível de compreender e explicar os fios relacionais dessas instâncias temporais. Para
compreender o movimento societal, ou, como em suas palavras, “compreender e
explicar porque as coisas deram no que deram e como elas se relacionam entre si”, foi
preciso ,por exemplo, elucidar a gênese e o fundamento das grandes e pequenas
guerras e revoluções sociais pelas quais as nações estiveram ou não envolvidas , bem
como as atitudes e relações estabelecidas pelos seus respectivos representantes (homens
e mulheres) em cada tempo e lugar. Fica claro o ponto de vista de Hobsbawn. Para saber
porque as coisas deram no que deram, a história da humanidade como um todo, se faz
necessária uma perspectiva que dê conta desse todo. Ainda que a captura analítica de
uma complexidade histórica como o é a sociedade, bem como todo emaranhado de suas
totalidades parciais somente seja possível, segundo o mesmo autor, post factum, é
legítimo que somente um método que considere a categoria da totalidade como central
seja capaz de se aproximar da realidade concreta e decifrar seus nexos. É a perspectiva
da totalidade da qual Hobsbawn é congruente que permite e/ou possibilita uma análise
ampliada do que foi o “breve século XX”
Assim, quando em 1848 Marx e Engels, no Manifesto ao partido comunista, entre a
crítica à sociedade burguesa da época e o apelo para a união dos proletários de todos os
países, denunciam as mazelas do sistema capitalista e apontam para o futuro, o fazem
numa perspectiva de totalidade, ainda que não fundamentada teoricamente pelos
mesmos. De acordo com Netto (1998)
No Manifesto, Marx e Engels já dispõem das referências teóricometodológicas
fundamentais com que trabalharão pelo resto de suas vidas_ nele, a sua modalidade
original de processar teoricamente o material históricosocial está posta.
(NETTO,1998:XXIV).
8. 8
Segundo Netto(1998), não só o Manifesto, mas o conjunto da obra “marx
engelsiana” que compreende o período de 1843 a 1848(mais precisamente 4546), irá
fornecer as bases de uma teoria social que propõe não somente uma inflexão, mas
também uma ruptura com os conhecimentos produzidos até então.
A ruptura consiste em que a crítica marxengelsiana estrutura então as bases de uma
teoria social que desborda os quadros do estoque de conhecimentos existentes,
everte as modalidades de apreensão do real e subverte a função social do conhecimento
na exata medida em que se constitui, enquanto teoria, a partir do ponto de vista de classe
proletário.(NETTO,1998:XXVII)
Ainda segundo Netto,
O traço distintivo dessa teoria é que ela toma a sociedade (burguesa) como uma
totalidade concreta: não como um conjunto de partes que se integram funcionalmente,
mas como um sistema dinâmico e contraditório de relações articuladas que se implicam
e se explicam estruturalmente. Seu objetivo é reproduzir idealmente o movimento
constitutivo da realidade (social), que se expressa sob formas econômicas, políticas e
culturais, mas que extravasa todas elas.(NETTO,1998:XXIX)
Outros textos de Marx no período supra citado apontam para o ponto de vista da
totalidade. A questão judaica (1843), Miséria da filosofia(1847) e glosas críticas
marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”(1844). Tanto na Questão
judaica como na Miséria da filosofia Marx tece a sua crítica a autores que são
hegelianos, porém não conseguem superalo e/ou o interpretam de forma equivocada
e limitada. A crítica a Bruno Bauer referese em sua essência à confusão que este faz
em sua concepção de Estado e de direito no trato das questões postas pelos judeus em
seu cotidiano enquanto membros daquela sociedade. Assim Marx tece uma crítica à
forma rasa com que Bauer compreende e explica a questão judaica naquela
sociedade. De forma localizada, fragmentada e até mesmo isolada do todo que
compõe a sociedade. Tratandoa como se fosse meramente religiosa e creditando ao
Estado o poder de solução de forma ainda mais absurda e contraditória. Bauer não
percebe as partes interligadas do todo, e muito menos as dimensões da política
econômica. Na verdade, ao tecer a crítica a Bauer em sua forma de compreender e
explicar a questão judaica, Marx já está apontando para as premissas do materialismo
9. 9
histórico e dialético que será a base de sua teoria social. Fica claro com sua crítica,
que o problema do judeu não é dele mesmo, mas sim do modelo daquela sociedade
e/ou da forma como as relações sociais são estabelecidas na mesma, segundo uma
ordem e uma lógica burguesas.
Quanto à crítica que faz a Proudhon em Miséria da filosofia, Marx aponta para
uma nova concepção de história e as bases da teoria e ação política. Mostra o quanto
Proudhon é unilateral e equivocado quanto a origem da pobreza. Para isso, lança o
princípio da teoria do valor (valor de uso, valor de troca, mercadoria). Segundo Netto
(1985), tratase da primeira explicitação sistematizada dos fundamentos da moderna
teoria social, bem como o primeiro desenho teórico da análise de conjunto do modo
de produção capitalista.
Podese perceber desde muito cedo, que a visão que Marx tinha dos problemas
que acometiam a sociedade a qual tomou como objeto iam para muito além da
aparência fenomênica dos mesmos.
De acordo com Netto (1998), Lukács foi “o primeiro a chamar a atenção para o
caráter de classe revolucionário que porta o conhecimento social fundado na
centralidade da categoria crítico dialética da totalidade”. Para Lukács,
É o ponto de vista da totalidade e não a predominância das causas
econômicas na explicação da história que distingue de forma decisiva o
marxismo da ciência burguesa. A categoria da totalidade, a dominação do todo
sobre as partes, que é determinante e se exerce em todos os domínios,
constituem a essência do método que Marx tomou de Hegel e que transformou
de maneira original para dele fazer o fundamento de uma ciência inteiramente
nova.(LUKÁCS,1965:47, apud NETTO,1998:XXIX)
Também no dicionário do pensamento marxista encontramos a seguinte afirmativa
de Lukács:
A concepção dialético materialista da totalidade significa, primeiro, a
unidade concreta de contradições que interagem (...), segundo, a relatividade
sistemática de toda totalidade tanto no sentido ascendente quanto no
descendente( o que significa que toda totalidade é feita de totalidades a ela
subordinadas, e também que a totalidade em questão é, ao mesmo tempo,
sobredeterminada por totalidades de complexidade superior...)e, terceiro,a
relatividade histórica de toda totalidade, ou seja, que o caráter de totalidade de
toda totalidade é mutável, desintegrável e limitado a um período histórico
concreto e determinado. (LUKÁCS,1948:12, apud BOTTOMORE,1988:381).
10. 10
Assim, podese dizer que a categoria da totalidade remete a um ponto de vista
que se posiciona política e criticamente diante da realidade, ou seja,
revolucionário. O que se pretende com estes breves aportes, ancorados em
citações da obra de Marx e de renomados interlocutores (críticos e estudiosos) é
tão somente ressaltar abrangência e atualidade da teoria social marxista e nela o
lugar central que ocupa a categoria totalidade (objeto desta proposição). Todavia
sabemos ser incipiente diante da grandiosidade da obra de Marx, bem com da
teoria social por ele fundada. Vale registrar a importância que os primeiros
escritos de Marx tiveram para o restante da sua vida e o quanto ainda são
capazes de determinar e assumir um grau de importância significativo para
aqueles que possuem um compromisso político com a transformação da
realidade tal qual está posta hoje. Daí a importância de retomar a categoria
críticoanalítica para pensar, analisar e compreender a realidade atual e seus
vários complexos. Isso vale para todos os profissionais, em especial , para o (a)
assistente social, cujos motivos vamos ver a seguir.
4 PRÁTICA PROFISSIONAL DO (A) ASSISTENTE SOCIAL E
TOTALIDADE
Falar da complexidade e dos desafios com os quais os(as) assistentes sociais
lidam em seu cotidiano de labor é algo que renomados intelectuais da área (Iamamoto,
Netto, Guerra, Behring, entre outros) têm feito ao longo dessas ultimas duas décadas.
No entanto, para fins da reflexão que está sendo proposta aqui, servimonos das
palavras de Vasconcelos (2006) quando diz que,
Diante da complexidade da ordem capitalista – um quadro que não e desenrola
com transparência diante dos nossos olhos – a sustentação e o encaminhamento
de uma posição /ação vinculada a um projeto social radicalmente democrático
e compromissado com os trabalhadores não estão determinados,
exclusivamente,pelo posicionamento e condução éticopolíticos, mas também
pela postura teórico—metodológica, na medida, aqui, da capacidade dos
11. 11
agentes profissionais para captar a especificidade própria da realidade social
objetivando referenciar essas opções.( VASCONCELOS,2006:36)
A realidade atual nos apresenta um quadro conjuntural marcado pelo agravamento da
crise capitalista global, que tem no desemprego sua expressão maior. Não se pretende
afirmar com isso que o desemprego seja o problema maior da atual crise capitalista
global. Contudo, essa expressão massificada do desemprego, acentua num quadro geral,
racionalidades condizentes ou afinadas com a lógica pósmoderna naquilo que esta
apresenta de degradante, ou seja, que compromete e/ou destrói a razão.
Guerra (2004) faz uma afirmação acerca de como os partidários dessa
racionalidade pósmoderna entendem o mundo contemporâneo. Para eles,
o mundo contemporâneo é o lócus das individualidades, do arbitrário,
do virtual,do simulacro, do “aqui e agora”, daí a simpatia que nutrem
pelo individualismo possessivo, por um sujeito psicológico, pelo
presente perpétuo ( presentificação),pela psicologização das relações
sociais, pelo local, pelo micro,pelo efêmero, pelas teorias
comportamentais(ou neobehavioristas), e, finalmente pelos jogos de
linguagem. (GUERRA,2004:17/18)
O conjunto de processos sociais que tangencia a prática profissional do(a)
assistente social demanda do mesmo um conhecimento crítico da realidade. Assim,
pensar os limites e as possibilidades de análise dos processos sociais, políticos,
econômicos e culturais, que envolvem a prática profissional do (a) assistente social,
num contexto de manutenção do modelo neoliberal e de todas as conseqüências daí
advindas no que tange ao Estado e às políticas públicas, requer uma teoria social que dê
conta de captar as contradições e complexidades que atravessam e singularizam essa
prática profissional. Acreditamos ser a teoria social fundada por Marx aquela capaz de
fazer frente e de se contrapor à lógica pósmoderna. Para Guerra (2004)
Somente uma concepção de teoria social critica e radical como
conjunto de pressuposições que buscam captar o modo de ser e de se
constituir dos processos sociais, a sua lógica e sua dinâmica de
constituição(NETTO,1986) é que permite à profissão superar a
aparência do real cristalizada nos fenômenos. (GUERRA, 2004:34)
13. 13
REFERÊNCIAS
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conservadorismo. Serviço Social e Sociedade, ano XXVIII, Nº 91. São Paulo : Cortez,
2007.
BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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GUERRA, Yolanda. O projeto profissional crítico : estratégia de enfrentamento das
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Ano XXVIII, Nº 91. São Paulo : Cortez; 2007.
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Praia Vermelha nº10: estudos de política e teoria social. Questão social e serviço social:
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HOBSBAWN, E. J. A Era dos Extremos : o breve século XX : 19141991.São Paulo,
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MARX, K. Miséria da Filosofia. São Paulo: Global, 1985.
_____ Manifesto ao partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
_____ Glosas críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”.
NETTO, J. P. Introdução à Miséria da Filosofia de K. Marx. São Paulo: Global, 1985.
_____ Prólogo ao Manifesto do Partido Comunista. Comemoração aos 150 anos de
lançamento do Manifesto. São Paulo: Cortez,1998.
SIMIONATTO,I. As expressões ideoculturais da crise capitalista na atualidade.
Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo II, Brasília, CEAD, 1999
VASCONCELOS, A. M. A prática do serviço social: cotidiano, formação e
alternativas na área da saúde. 3ª ed. São Paulo: Cortez,2006.