Este documento descreve a vida de infância e educação inicial de Santo Afonso Maria de Ligório. Ele nasceu em Nápoles no final do século XVII em uma família nobre e muito devota. Sua mãe deu-lhe uma educação cristã exemplar que o ajudou a desenvolver virtudes como a piedade, a oração e o amor a Deus desde cedo. Ele mostrou sinais precoces de santidade e foi um modelo de perfeição para os outros.
3. Índice
I. Seu nascimento, sua infância e sua educação ................... 06
II. Exerce a advocacia e, obedecendo à voz de Deus,
abandona o fórum................................................................ 10
III. Sua vocação. - Abraça o estado eclesiástico ............... 14
IV. Zelo de Santo Afonso por sua perfeição espiritual. - A
obra das Capelas ................................................................ 20
V. Santo Afonso de Ligório no Colégio da Santa Família. -
Suas missões na Apúlia. - Aparição da Virgem ................. 24
VI. Em Santa Maria dos Montes.- Princípios da
Congregação do Santíssimo Redentor.- Aparições celestiais. -
Resolução de Santo Afonso. - Contradições que sofreu ....... 29
VII. Últimas provas. - Seus primeiros companheiros ....... 33
VIII. Obstáculos que teve que vencer Santo Afonso para a
fundação de seu Instituto. - Caráter do Instituto. - Razão
do êxito de seu fundador. - Vida de Santo Afonso e de seus
religiosos. - Dissensões e dispersão ................................... 37
IX. Novas fundações e vocações. - Benéfica influência
da Congregação ................................................................. 43
X. A obra dos retiros.− Sua pregação e milagres. − Supressão
violenta das casas de Formícola e de Scala ......................... 46
XI. Missões em Nápoles.- Pronunciam os Redentoristas seus
votos. - Don José de Ligório em Ciorani. - Fundação em Nocera
de Pagani. - Perseguição. - Morte de monsenhor Falcoia.........50
XII. Continua a perseguição. - Abertura do convento de
Pagani. - Restabelece-se a paz. Fundação de Deliceto. -
Morte edificante de Vito Curzio.- Aparição da Virgem.... 56
XIII. A fundação de Caposele. - Favores da Virgem. - Santo
Afonso tramita o reconhecimento civil de seu Instituto pelo Rei. -
Recusa o Arcebispado de Palermo. - Volta a Nápoles ................61
4. XIV. Aprovação da Regra dos Redentoristas. - Primeiro
capítulo geral. - Vida interior e governo da Congregação .... 65
XV. Nova perseguição. - Fundações, conversões e milagres. -
Santo Afonso em Amalfi ................................................... 70
XVI. Reforma do Seminário de Nola e do Orfanato de Gaeta. -
Projeta uma missão para converter os nestorianos da Ásia ....... 73
XVII. É nomeado Bispo de Santa Águeda. Adoece
gravemente. - Sua consagração ......................................... 76
XVIII. Toma posse de sua Sede. - Sua vida em Santa
Águeda.............................................................................. 80
XIX. Trabalhos pastorais de Santo Afonso.
- Adoece gravemente. Meios dos quais se valeu para
santificar sua diocese.......................................................... 83
XX. Caridade de Santo Afonso. -Assiste a um Capítulo
geral de sua Congregação e volta a cair doente. - Um milagre.
Apresenta a renúncia de sua dignidade episcopal e o Papa
não a aceita ........................................................................ 86
XXI. Funda Santo Afonso em Santa Águeda uma casa
de religiosas Redentoristas. - O barão de Maffei persegue
a Congregação ................................................................... 91
XXII. Nova enfermidade de Santo Afonso. - Fica paralítico,
mas continua exercendo sua missão apostólica ................... 94
XXIII. Os Redentoristas, perseguidos em Sicília. - Cuidados
do Santo com a família de seu irmão.................................. 98
XXIV. Continuam as perseguições contra a Congregação em
Nápoles e em Sicília. - Saem os Redentoristas de Sicília. -
Prediz Santo Afonso a morte de Clemente XIV .............. 103
XXV. Coragem de Santo Afonso nos sofrimentos e nas
perseguições de seu Instituto. Santo Afonso e a Companhia
de Jesus, e sua compaixão por Clemente XIV. Sua carta ao
Sacro Colégio. - Volta dos Redentoristas a Sicília ........... 107
5. XXVI. O Papa admite sua renúncia à mitra. - Regresso a
Pagani. - Vida de Santo Afonso no seu retiro ................. 112
XXVII. Continua Maffei perseguindo a Congregação do
Santíssimo Redentor. - Triunfo dos Redentoristas. - Profecia
e milagre. - Terrível prova ............................................... 116
XXVIII. Caluniado por Seggio, é deposto pelo Papa. -
Virtudes das quais deu mostras Santo Afonso nessa grande
tribulação ........................................................................ 122
XXIX. Cai doente mortalmente. - Seu heroísmo, sua
paciência e seu extraordinário fervor ................................ 125
XXX. Aparece-lhe a Santíssima Virgem em seus últimos
momentos. - Sua ditosa morte. - Funerais e milagres ..... 129
XXXI. Os processos de sua beatificação e canonização .... 133
XXXII. Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja. -
Suas obras ....................................................................... 136
XXXIII. A Bula “Qui Ecclesiae suae nunquam” ............. 141
6. 4I4
Seu nascimento, sua infância e sua educação.
E m finais do século XVII residia em Nápoles, com o cargo de
capitão das galeras do Rei Carlos II, um nobre cavaleiro cha-
mado dom José de Ligório, que unia à sua boa linhagem a
mais estimável condição de ser um excelente cristão muito devoto da
Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja lembrança tinha sempre
diante dos olhos por meio de estampas e imagens com as quais se
comprazia em adornar a casa e o camarote que ocupava quando se
encontrava a bordo de suas galeras.
Era casado com uma senhora chamada dona Ana Catarina Cava-
lieri, que, inclusive, o excedia na piedade; dela, pode-se dizer que não
vivia senão para Deus e para a sua família.
Esse santo casal teve sete filhos, todos eles modelos de virtude,
e o maior foi o bem-aventurado protagonista da presente história.
Nasceu em uma casa de campo em Marianella, próximo a Nápoles,
no dia 27 de setembro do ano de 1696, e aos dois dias de nascido, ou
seja, no dia da festividade do Arcanjo São Miguel, recebeu as águas
regeneradoras do Batismo e seus piedosos pais consagram-no de uma
maneira especial à Santíssima Virgem, sob cuja proteção o puseram.
Quis o Senhor glorificar o berço do menino Afonso, manifestan-
do sua futura santidade, e tomou São Francisco de Jerônimo, grande
apóstolo e taumaturgo da Companhia de Jesus, como instrumento
para fazê-lo. O santo missionário visitou seu pai D. José poucos dias
depois do nascimento de nosso bem-aventurado, e tomando nos bra-
ços o recém-nascido, depois de abençoá-lo, disse em um impulso pro-
fético, que lembrava o do velho Simeão:
− Este menino chegará a uma idade muito avançada; não morrerá
antes dos noventa anos; será bispo e fará grandes coisas para a glória
de Jesus Cristo.
Essa profecia impressionou profundamente a virtuosa dona Ana,
mãe do menino Afonso, e pode-se supor que a estimulou ainda mais
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Vida de Santo Afonso Maria de LigÓrio
7. a semear em seu terno coração os germes da fé e da piedade, pois
conhecia bastante os deveres de uma mãe e não confiaria a mãos mer-
cenárias a primeira educação de seus filhos.
Todas as manhãs, depois de haver-lhes dado a bênção, ensinava-os
a levantar o coração a Deus com simples e ternas orações, e pelas tar-
des reunia-os junto de si para explicar-lhes noções da Religião e rezar
o Santo Rosário e outras orações em honra dos Santos.
Para afastá-los de todo o pecado, desde os seus mais ternos anos,
levava-os semanalmente a confessarem-se com seu diretor espiritu-
al, o Padre Pagano, da ordem do Oratório, e, além disso, não perdia
nenhuma oportunidade de fazer penetrar em seus corações um ar-
dente amor a Nosso Senhor Jesus Cristo e uma filial devoção a sua
Santíssima Mãe.
Os frutos que obteve com seu santo zelo foram proveitosos em
todos os seus filhos, mas Afonso sobrepujou a seus irmãos na virtu-
de. Dotado de excelentes aptidões pessoais e das mais felizes dispo-
sições, melhoradas com os dons mais estimados da graça, pode-se
dizer que todas as virtudes se constituíram nele como uma segunda
natureza. As diversões próprias de sua idade nunca tiveram atrativos
para ele; por outro lado, os exercícios de piedade e devoção consti-
tuíam todas as suas delícias e com frequência via-se-lhe retirar-se a
uma paragem solitária para ali oferecer a Deus orações tão fervoro-
sas quanto prolongadas.
Aos nove anos de idade foi admitido na Congregação de Jovens
Nobres, dirigida pelos Padres do Oratório, e não tardou em mos-
trar-se como um modelo de todas as perfeições aos olhos de seus
companheiros, e como um objeto de admiração para todos os seus
superiores. Com extraordinário fervor fez a sua primeira Comunhão,
e desde então não deixou de frequentar a Mesa Eucarística, com uma
devoção que edificava todas as pessoas que tinham oportunidade de
surpreendê-lo naqueles momentos, nos quais sua alma parecia derre-
ter-se pelo amor de Deus.
Acostumado por sua virtuosa mãe, desde muito cedo, à prática da
oração, mal havia completado doze anos e já podia ser considerado
com um mestre nas sublimações de tão santo exercício.
Distinguia-se também nosso bem-aventurado por uma grande de-
licadeza de consciência e um não menor desprendimento de todas as
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8. coisas mundanas, e de ambas as virtudes deu um testemunho muito
eloquente na ocasião que passamos agora a relatar.
Certo domingo, depois das vésperas, os Padres do Oratório levaram
os jovens congregados a uma casa de campo para que nela descansas-
sem, e os companheiros de Afonso o convidaram participar com eles em
um determinado jogo. Durante algum tempo desculpou-se, alegando
sua ignorância naquele gênero de entretenimento, mas ao final viu-se
obrigado a ceder às suas insistências, e o acaso quis que ganhasse trinta
partidas seguidas do sobredito jogo. Um de seus companheiros, com
inveja de sua sorte, repreendeu-o acidamente por haver dito que desco-
nhecia aquele jogo, dando a entender que ele tinha procedido com ma-
lícia. Afonso, então, tendo o rosto coberto com as cores de uma digna
vergonha, respondeu prontamente a seu descomedido companheiro:
− Como! Por uma bagatela como essa ofendeis a Deus? Tomai
vosso dinheiro, que não hei de ser eu quem o conserve.
E, ao dizê-lo, atirou ao solo as moedas de cobre que acabara de ga-
nhar, e afastando-se de seus companheiros internou-se na parte mais
espessa do bosque sem que voltassem a vê-lo em todo o dia.
Próximo já da noite, os religiosos e os alunos pensaram em regres-
sar à cidade; mas, como o jovem Afonso não aparecia, começaram a
chamá-lo, e como não respondia procuraram-no por todo o jardim,
encontrando-o ao final de joelhos diante de uma imagem da Virgem,
a qual tinha o costume de levar consigo e que havia suspendido com
o ramo de uma árvore.
Absorto em estática contemplação diante da santa imagem, não
percebeu a presença de seus companheiros, e quando ao fim recobrou
o uso de seus sentidos ruborizou-se, vendo-se objeto da contempla-
ção de seus amigos e de sua veneração, ao mesmo tempo em que o
companheiro que antes o havia ofendido exclamava cheio de dor e
arrependimento:
─ O que fiz, Senhor? Afligi a um santo e nunca mo perdoarei!
Esses foram os frutos da educação cristã que nosso Santo recebeu
de sua mãe. E nada tem de estranho que não deixasse, até sua velhice,
de elogiar os cuidados que ela lhe havia prodigalizado.
─ Se pratiquei algum bem em minha infância ─ dizia ─ se não
fiz nada de mau naquela idade, devo-o inteiramente à diligência de
minha mãe.
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9. E acrescentava:
─ À morte do meu pai fiz a Deus o sacrifício do meu dever, que
a natureza parecia impor-me, ao impedir-me de estar ao seu lado;
mas quando minha mãe se encontrar na mesma agonia, se não estou
impossibilitado de fazê-lo, não terei coragem de deixá-la morrer sem
ir dar-lhe assistência.
Os desígnios que Deus havia formado sobre os destinos do jovem
Afonso requeriam que este recebesse uma instrução sólida e esmera-
da; mas seus pais, temerosos dos perigos que pudesse correr em um
colégio, deram-lhe dentro de sua casa mestres recomendáveis tan-
to por seus costumes como por seus talentos. Com uma inteligência
viva e prodigiosa memória, fez grandes progressos em latim, grego e
francês, assim como em matemática e filosofia. Aplicou-se também
ao desenho, à pintura, à arquitetura, à literatura italiana e à música, e
obteve grandes resultados nas artes de adorno.
Seu pai, que lhe destinava à magistratura, quis que se dedicasse ao
estudo do Direito civil e do canônico, e tais progressos fez neles que
com a idade de dezesseis anos foi julgado digno do grau de doutor.
Mas a toga que, segundo o costume, teve que vestir para defender
sua tese, era longa demais para sua estatura, menos precoce que seu
talento, e essa circunstância jocosa, que fez mais patente o mérito do
interessante candidato, era recordada por ele com estas palavras, mos-
tra da sã alegria de seu caráter:
─ Haviam-me colocado uma casaca tão longa que me pas-
sava dos pés, o que divertiu muito os assistentes.
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10. 4II4
Exerce a advocacia e, obedecendo à voz
de Deus, abandona o fórum.
D epois de dedicar-se durante três anos ao estudo da práti-
ca dos procedimentos forenses nos tribunais de Nápoles, o
jovem advogado começou a exercer sua profissão e muito
cedo adquiriu numerosa clientela, sendo muitas e muito importantes
as causas que lhe foram confiadas, e famoso por ganhá-las todas com
exceção da última, da qual falaremos mais adiante.
É verdade que havia imposto a si mesmo, como lei inviolável, não
defender aquelas causas que lhe parecessem injustas, nem omitir nada de
sua parte para fazer prevalecer o melhor direito; e, por essa razão, na idade
em que os demais começam, o jovem Afonso já estava colocado no nível
dos letrados mais hábeis e distintos do reino. Além disso, o êxito que al-
cançou, o favor do presidente Caravita e o crédito de sua família, na qual
havia não poucos senadores, prometeram-lhe um brilhante porvir.
Mas sua principal ambição era sempre ser agradável a Deus, e as
suas obrigações forenses não o impediam de procurar a perfeição es-
piritual. Foi nessa época que, sem levar em conta as repugnâncias da
natureza nem a delicadeza de sua educação, acrescentou à prática das
demais virtudes a visita aos hospitais.
Com frequência via-se-lhe, usando as insígnias da sua profissão,
prestar aos pobres os mais humildes serviços. Fazia-lhes as camas, da-
va-lhes de comer e consolava-os com a mais edificante caridade. Por
sua vez, D. José de Ligório, longe de contrariar as piedosas inclinações
de seu filho, apoiava-o com todas as suas forças: levava-o todos os anos
à residência dos Padres Jesuítas ou à dos Sacerdotes da Missão para
participar dos exercícios espirituais dados pelos mencionados religio-
sos; e o piedoso jovem tirava cada vez desses retiros um novo ardor para
o bem. Sua conduta era tão mesurada, tão honesta, que tão-somente a
vista da modéstia do seu porte e da doce serenidade de seu semblante já
inspirava o gosto pela virtude a todos que tratavam com ele.
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Vida de Santo Afonso Maria de LigÓrio
11. Essa muda pregação foi o meio do qual se valeu Deus para conver-
ter a um jovem mouro que Afonso tinha a seu serviço.
− Não poderia acreditar – dizia aquele pobre infiel – que uma reli-
gião que regula tão admiravelmente os costumes e a conduta de meu
amo não fosse a verdadeira.
E pensando sobre isso, fez-se instruir nela. Havendo caído doente,
ainda que seu mal não parecesse grave, pediu com viva insistência que
lhe administrassem o Batismo. A Virgem Santíssima, São José e São
Joaquim, segundo o que ele mesmo contou, apareceram-lhe ordenan-
do que se fizesse batizar imediatamente, porque queriam levá-lo para
o céu.
Em vista disso, foi batizado sendo-lhe recomendado depois que
descansasse; ao que o novo cristão respondeu:
− Não é momento de descansar, mas sim de ir agora mesmo ao
Paraíso.
E, efetivamente, meia hora depois o feliz converso entregou sua
alma a Deus com um sorriso nos lábios.
Estava o jovem Afonso destinado a arrebatar ao mundo as suas ví-
timas, a desenganar seus partidários e a prevenir contra suas seduções
as almas inocentes; e fez Deus que a ambição de D. José de Ligório
contribuísse com esse plano providencial. Ele, certo já do favor de seus
príncipes, esperava ter em seu filho um aumento da honra e da pros-
peridade para sua casa. E, efetivamente, os triunfos obtidos por Afonso
no fórum, seus talentos tão variados, suas maneiras tão distintas, seu
nobre caráter e suas grandes virtudes, começavam a fazê-lo agradável a
muitos senhores de linhagem, que disputavam a honra de tê-lo como
genro. Com essas lisonjeiras esperanças, seu pai lançou nosso bem-
aventurado ao turbilhão do grande mundo e em suas mais esplêndidas
festas; entretanto, embora o jovem Afonso não deixasse de gostar de
semelhantes diversões, não perdeu o temor a Deus, e seu coração soube
manter-se em superfície, no meio da correnteza que tentava afundá-lo.
Sua salvaguarda foi uma vigilância muito severa sobre seus sentidos,
e como não era muito bom dos olhos e tinha a necessidade de usar
óculos, aproveitou-se deste defeito físico para a defesa de seus outros
sentidos, retirando as lentes corretoras cada vez que entrava em algu-
ma reunião mundana; e de tal modo serviu-lhe essa louvável argúcia,
que chegou a confessar a um dos seus religiosos que, mesmo durante
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12. o tempo de sua maior dissipação, não cometeu nenhum pecado grave.
Não obstante, seu contato com aquela sociedade frívola não deixou de
esfriar seu fervor religioso, e talvez tivesse descido mais baixo ainda, se
o Senhor, que velava por ele, não o houvesse detido a tempo.
Durante a Quaresma do ano de 1722, um amigo virtuoso convi-
dou-o a fazer os exercícios espirituais dados pelos sacerdotes da Missão,
e, havendo concordado, a sós com Deus reconheceu o perigo que havia
corrido, abominou as diversões loucas às quais se havia entregado, e to-
mou a resolução de dar ao mundo um eterno adeus, renunciando a toda
ligação humana para consagrar-se sem reservas ao serviço do Senhor.
Tomadas essas santas resoluções, as quais fortificou com um acrés-
cimo de amor a Jesus Sacramentado, começou a pô-las em prática,
deixando de frequentar as reuniões mundanas nas quais podia correr
perigo de cair em dissipação, e no ano seguinte, em um novo retiro
espiritual que fez acompanhado de seu pai, confirmou suas santas dis-
posições, começando por ceder seus direitos de primogenitura ao seu
irmão D. Hércules, como passo prévio à sua total renúncia do mundo.
Não queria o mundo, entretanto, soltar sua presa, e, para tentar enlaçá-
la com doces correntes, sugeriu ao pai de nosso bem-aventurado a ideia de
casá-lo com a filha do duque de Presenzano, e para isso, sem contar com
seu filho, insinuou seu projeto ao duque, que o acolheu favoravelmente.
Com esse objetivo, D. José ordenou ao jovem Afonso que frequen-
tasse a casa do nobre prócere, e, obediente nosso Santo ao mandato
paterno, assim o fez; porém, longe de procurar ser agradável aos olhos
da jovem duquesa, foi tão reservado com ela ao ponto de desgostá-
la; apesar disso, D. José não imaginava a causa da indiferença de seu
filho; compelia-o continuamente para que aceitasse um partido que
por todos os motivos não podia ser mais vantajoso.
Não se atrevia nosso bem-aventurado a combater abertamente os
propósitos de seu pai nem a contar-lhe os seus, por medo de causar-
lhe um grande pesar; nessa situação, optou por encomendar a Deus
o assunto, agindo assim prudentemente, pois o Senhor encarregou-se
de resolvê-lo rompendo outro vínculo, o último que o ligava ao mun-
do, ou seja, sua profissão de advogado.
Estava encarregado Afonso de defender um pleito no qual seu
cliente devia, segundo o resultado da causa, ganhar ou perder a soma
de seiscentos mil ducados e, como se pode supor, dedicou-se a estu-
dar os autos com o cuidado que requeriam interesses tão importan-
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Vida de Santo Afonso Maria de LigÓrio
13. tes. Um mês inteiro ocupou-lhe dito estudo, e, dominando o assunto,
apresentou-se ao Tribunal com a altivez de quem tem a segurança de
sair vitorioso de uma batalha. Falou com a sua habitual eloquência, e
o presidente do Tribunal já se preparava para ditar a sentença favorá-
vel ao seu cliente, quanto o advogado da parte contrária cortou-lhe a
palavra, apresentando ao mesmo tempo, com um sorriso maligno, um
documento que o nosso Santo havia interpretado erroneamente.
O jovem Afonso leu-o com atenção febril, e, convencido de seu
equívoco, longe de tentar atenuá-lo com sutilezas de leguleio, respon-
deu com voz trêmula, porém cheia de franqueza:
− Tendes razão; o equivocado sou eu.
E sem atender aos consolos que quis prodigar-lhe o presidente do
Tribunal, dizendo-lhe que semelhantes erros não eram raros no fórum,
com grande confusão subtraiu-se à vista dos presentes que enchiam a
sala, retirando-se à casa cheio de amargura, e repetindo estas palavras:
−Oh! mundo! Agora te conheço! Ah, tribunais, não voltareis a ver-me!
Quando chegou à sua casa encerrou-se em seus aposentos. Seu
pai encontrava-se ausente naquele momento e sua mãe não percebeu
sua chegada. Na hora do almoço chamaram à porta de seu quarto e
ele respondeu que não queria comer. O mesmo aconteceu na hora do
jantar, e isso alarmou bastante sua família.
Maior ainda foi a inquietude da família, quando, ao dia seguinte,
Afonso negou-se a franquear a entrada de seu quarto ao seu próprio pai.
− Ele vai morrer! – exclamava, chorando, Dona Ana.
− Que morra! – gritava D. José, irritado pela negativa de seu filho
a abrir-lhe a porta.
Todo o dia passou na mesma angústia; mas ao terceiro, vencido pelas
súplicas de sua mãe, o jovem consentiu em sair de sua clausura e sentar-
se à mesa, ainda que mal tenha podido tragar um bocado de comida.
Ao final reconheceu que sua dor havia sido excessiva, mas as reflexões
que fez acerca dos perigos do fórum confirmaram-lhe, como a Santo
André Avelino, a resolução de abandonar a advocacia. Despediu-se de
seus clientes e encerrou-se em seus aposentos como um eremita, sem ver
mais do que a sua família, passando as manhãs consagrado à oração e às
leituras piedosas, e as tardes nas Igrejas ou visitando os hospitais.
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