O documento apresenta a resolução de 4 problemas utilizando a teoria das congruências lineares. O primeiro problema envolve a quantidade de ovos quebrados em uma barraca, resolvido em 301 ovos. O segundo trata de perguntas em que o nariz de Pinóquio cresceu, nas respostas 6 e 14. O terceiro envolve moedas divididas entre 3 marinheiros, com 241 moedas no total. O quarto problema é sobre gastos em um hotel com 41 homens e 17 mulheres.
1. APLICAÇÕES DA TEORIA DAS CONGRUÊNCIAS LINEARES
O texto abaixo foi escrito em 28 de outubro de 2003.
Trata-se de probleminhas que são simples na sua aparên-
cia, porém para uma melhor compreensão há a necessi-
dade de se usar resultados da Teoria dos Números. Uti-
lizaremos a teoria das congruências lineares para solu-
cionar tais probleminhas.
Problema 1- UM PROBLEMA DE QUEBRAR OS OVOS.
A senhora Clara vende ovos em sua barraquinha na feira do Bagaço.
Certo dia, um bebum chamado Zé di Munes, ao passar por lá, quebrou todos
os ovos que estavam na barraca da senhora Clara. Inconformada com o pre-
juízo, chamou a polícia a qual conduziu vítima e acusado até uma delegacia.
Zé di Munes concordou em pagar o prejuízo, porém, ao ser interrogada pelo
delegado sobre a quantidade de ovos quebrados, Julieta disse apenas que se
somados de dois em dois, de três em três, de quatro em quatro, de cinco em
cinco e de seis em seis, sempre sobrava um ovo. Mas somados de sete em
sete não sobrava ovo. E agora? Se fosse você? Como resolveria o problema?
Solução: Se x é a quantidade de ovos existentes na barraca da senhora
Clara, então devemos ter
x = 2k1 + 1
x = 3k2 + 1
x = 4k3 + 1
x = 5k4 + 1
x = 6k5 + 1
x = 7k
ou de modo equivalente
x−1 = 2k1
x−1 = 3k2
x−1 = 4k3
x−1 = 5k4
x−1 = 6k5
1
2. x = 7k.
As cinco primeiras equações nos dão o seguinte sistema de congruências
x ≡ 1(mod 2)
x ≡ 1(mod 3)
x ≡ 1(mod 4)
x ≡ 1(mod 5)
x ≡ 1(mod 6).
Para resolver este problema, vamos lembrar de um resultado da teoria
das congruências.
Teorema A- Se x ≡ a(mod m1 ) e x ≡ a(mod m2 ), então x ≡ a(mod m),
onde m = mmc(m1 , m2 ).
Pelo Teorema A, devemos ter x ≡ 1(mod mmc(2, 3, 4, 5, 6)), ou seja,
x ≡ 1(mod 60). Então x = 60q + 1, para um q ∈ Z − {0} (ou vários) que deve
satisfazer o problema inicial. Pelo que vimos até agora, x deve ser tal que
x = 60q + 1 = 7k.
Mas
60q + 1 = 7k ⇒ 60q ≡ −1(mod 7).
Como −1 ≡ 6(mod 7), obtemos por transitividade 60q ≡ 6(mod 7) ou
6 · 10 ≡ 6 · 1(mod 7).
Precisaremos de mais um resultado da teoria dos números.
Teorema B-Sejam a, b, c, m ∈ N, com c = 0 e m > 1. Temos que
m
ac ≡ bc(mod m) ⇔ a ≡ b(mod ).
mdc(c, m)
Pelo Teorema B
6 · 10q ≡ 6 · 1(mod 7) ⇒ 10q ≡ 1(mod 7). (1)
2
3. Agora note que 1 ≡ −20(mod 7) e de (1) já sabemos que 10q ≡ 1(mod 7).
Então pela transitividade da congruência resulta que
10q ≡ −20(mod 7). (2)
Usando o Teorema B em (2) resulta que q ≡ −2(mod 7). Isso nos dá
q = 7k − 2 com k ∈ N − {0}. Substituindo-se esse resultado em x = 60q + 1,
obtemos
x = 420k − 119 onde k ∈ N − {0}. (3)
De acordo com (3), a menor quantidade de ovos que poderia ter na barraca
de dona Clara ocorre quando k=1,ou seja, x=301.
Venhamos e convenhamos, mesmo com essa menor quantidade, o fato de
se quebrarem todos é um azar danado hein? Bem, o final de estória nem me
perguntem que eu também não sei.
Problema 2- O PROBLEMA DO PINÓQUIO.
Sabe-se que Pinóquio ao passar por um bosque respondeu exatamente vinte
perguntas. Para cada mentira seu nariz crescia 5cm e para cada verdade,
diminuia 3cm. Em dois momentos se nariz havia crescido 22cm. Quais
foram esses momentos?
Solução- O problema consiste em obter inteiros x e y, satisfazendo a
condição
5x − 2y = 22 (4)
Fazendo-se algumas inspeções poder-se-i-a chegar à resposta. Porém re-
solveremos a equação diofantina acima utilizando congruência linear. Deter-
minaremos inicialmente x satisfazendo
5x ≡ 22(mod 3) (5)
e depois voltamos à equação (4) para determinarmos y.
Como 22 ≡ 1(mod 3), segue de (5) e da transitividade da congruência
que
5x ≡ 1(mod 3) (6)
Como 1 ≡ 10(mod 3), segue de (6) e da transitividade da congruência que
5x ≡ 10(mod 3). Pelo Teorema B resulta que x ≡ 2(mod 3), ou de modo
equivalente, x = 3k + 2, onde k ∈ N − {0}. Substituindo-se esse resultado na
equação (4) obtemos y = 5k − 4.
3
4. Assim, a solução do problema é
x = 3k + 2 e y = 5k − 4 com o mesmo k ∈ N − {0}.
Com k = 1 obtemos x = 5 e y = 1, ou seja, cinco mentiras e uma verdade
e portanto na sexta pergunta.
Com k = 2 obtemos x = 8 e y = 6, ou seja, oito mentiras e seis verdade
e portanto na décima quarta pergunta.
Problema 3- O PROBLEMA DOS TRÊS MARINHEIROS (OU
DAS MOEDAS).
Um navio que voltava de Serendibe trazendo grande partida de especiarias,
foi assaltado por violenta tempestade. A embarcação teria sido destruida pela
fúria das ondas se não fosse a bravura e o esforço de três marinheiros que,
no meio da tormenta, manejaram as velas com extrema perícia. O coman-
dante, querendo recompensar os denodados marujos, deu-lhes certo número
de catis(moedas). Esse número, superior a duzentos, não chegava a trezen-
tos. As moedas foram colocadas numa caixa para que no dia seguinte, por
ocasião do desembarque, o almoxarife as repartisse entre os três corajosos
marinheiros. Aconteceu, porém que, durante a noite, um dos marinheiros
acordou, lembrou-se das moedas e pensou: será melhor que eu tire a minha
parte, assim não terei ocasião de discutir ou brigar com meus amigos. E, sem
nada a dizer aos companheiros, foi, pe ante pé, até onde se achava guardado
o dinheiro, dividiu-o em três partes iguais, mas notou que a divisão não era
exata e que sobrava um catil. "Por causa desta mísera moedinha é capaz de
haver amanhã discussão e rixa. O melhor é jogá-la fora". E o marinheiro
atirou a moeda ao mar, retirando-se cauteloso. Levava a sua parte e deixava
no mesmo lugar a parte que cabia aos companheiros. Horas depois o segundo
marinheiro teve a mesma idéia. Foi à arca em que se depositara o prêmio
coletivo e dividiu-o em três partes iguais. Sobrava uma moeda. Ao marujo,
para evitar futuras dúvidas veio a lembrança de atirá-la no mar. E dali voltou
levando consigo a parte a que se julgava com direito. O terceiro marinheiro,
ignorando, por completo, a antecipação dos colegas, teve o mesmo alvitre.
Levantou-se de madrugada e foi, pé ante pé, à caixa dos catis. Dividiu as
moedas que lá encontrou em três partes iguais; a divisão não foi exata. So-
brou um catil. Não querendo complicar o caso, o marujo atirou ao mar a
moedinha excedente, retirou a terça parte para si e voltou tranquilo para o
seu leito. No dia seguinte, na ocasião do desembarque, o almoxarife do navio
encontrou um punhado de catis na caixa. Soube que essas moedas pertencia
aos três marinheiros. Dividiu-as em três partes iguais, dando a cada um dos
marujos uma dessas partes, ainda dessa vez a divisão não foi exata. Sobrava
4
5. uma moeda, que o almoxarife guardou como pagamento do seu trabalho e de
sua habilidade.É claro que nenhum dos marinheiros reclamou, pois cada um
deles estava convencido de que já havia retirado da caixa a parte que lhe cabia
do dinheiro. Pergunta-se afinal: Quantas eram as moedas? Quanto recebeu
cada um dos marujos?
Solução- Seja A a quantidade de moedas existentes inicialmente. As situ-
ações vividas pelos três marinheiros podem ser descritas da seguite maneira:
À noite:
O primeiro marinheiro divide as A moedas em três partes iguais, sobra
uma moeda que é jogada fora e retira para si B moedas restando 2B moedas
na caixa.
(A − 1)/3 = B (7)
O segundo marinheiro divide as 2B moedas em três partes iguais, sobra
uma moeda que é jogada fora e retira para si C moedas restando 2C moedas
na caixa.
(2B − 1)/3 = C (8)
O terceiro marinheiro divide as 2C moedas em três partes iguais, sobra
uma moeda que é jogada fora e retira para si D moedas restando 2D moedas
na caixa
(2C − 1)/3 = D (9)
Pela manhã:
O almoxarife divide as 2D moedas em três partes iguais a E moedas que
cabem a cada um dos marinheiros, sobra uma moeda a qual fica para ele
pelos seus serviços.
(2D − 1)/3 = E (10)
Da equação (10) obtemos D = (3E + 1)/2,
que substituindo-se na equação (9) nos dá C = (9E + 5)/4,
que substituindo-se na equação (8) obtém-se B = (27E + 19)/8,
que substituindo-se na equação (7) resulta 8A − 65 = 81E.
A última equação nos diz que devemos determinar A tal que
8A ≡ 65(mod 81) (11)
Note agora que 65 ≡ −16(mod 81). Deste fato, da equação (11) e usando
a transitividade da congruência obtemos 8A ≡ −16(mod 81). O Teorema
B nos dá A ≡ −2(mod 81). Então, devemos ter
5
6. A = 81k − 2 onde k ∈ N − {0}. (12)
Por exemplo, tomando k = 3 na equação (12) temos A = 241, que satisfaz
as condições do problema.
Problema 4- O PROBLEMA DO HOTEL.
Um grupo de pessoas gastou 1000 dólares em um hotel. Sabedo-se que
apenas alguns dos homens estavam acompanhados pelas esposas e que cada
homem gastou 19 dólares e que cada mulher gastou 13 dólares, pode-se de-
terminar quantas mulheres e quantos homens estavam no hotel?
Solução- Sendo x a quantidade de homens e y a quantidade de mulheres
devemos ter
19x − 13y = 1000 (13)
ou de modo equivalente
−19x ≡ −1000(mod 13) (14)
Como −1000 ≡ −25(mod 13) e −25 ≡ −38(mod 13), obtemos pela tran-
sitividade da congruência −19x ≡ −38(mod 13). O Teorema B nos dá
−x ≡ −2(mod 13), donde resulta que
x = −13k + 2 (15)
Das equações (13) e (15) obtemos
y = 19k + 74 (16)
Considerando que existem mais homens do que mulheres, devemos ter
x > y, ou seja,
−13k + 2 > 19k + 74
o que nos dá k < −2, 25, ou seja, k ≤ −3. Para k = −3 obtemos x = 41
e y = 17, os únicos valores que satisfazem o problema.
O problema do hotel foi retirado do site de Paulo Marques de Feira de
Santana na Bahia, em 19 de dezembro de 2002. Lá o problema foi resolvido
utilizando-se a técnica das equações diofantinas e obteve-se como solução
geral
x = −50 − 13k e y = 150 + 19k com k ≤ −7.
O leitor pode tirar suas conclusões a respeito das duas soluções.
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7. Espero que tenham gostado destes probleminhas.
Contato: fenix.elzy@gmail.com
Prof. Elzimar de Oliveira Rufino.
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