A educação espiritualizada e suas implicações no fazer pedagógico
1. A Educação Espiritualizada e suas implicações no Fazer Pedagógico1
Carlos J. Parada Filho2
Se levarmos em consideração a etimologia da palavra educar (do
latim educare: formar, alimentar, ter cuidados com, formar o espírito)3
poderemos com facilidade concluir que, a rigor, jamais poderíamos falar
de uma educação que não fosse, necessariamente, espiritualizada.
Ocorre que, devido a peculiaridades do presente contexto em que
vivemos, precisamos distinguir uma Educação que se pretenda
espiritualizada de outras práticas marcadas sobretudo pela transmissão
de informações e a capacitação técnica.
Entre nós, a Educação espiritualizada freqüentemente precisará
assumir uma postura de suplência, fazendo aquilo que deveria estar
sendo feito por todos aqueles que na Educação, sobretudo escolar,
ocupam o lugar de educadores. Então, a Educação Espiritualizada, além
de incluir necessariamente os valores humanos fundamentais,
apontando sempre para a transcendência (tendo portanto que dar
conta de questões fundamentais como quem é o homem e qual o
objetivo da vida), precisará dar atenção àqueles aspectos referentes à
boa convivência entre as pessoas como gentileza e delicadeza.
Comportamentos que deveriam ser comuns e tidos como corriqueiros
mas que, infelizmente, ainda não o são.
Buscando uma conceituação inicial podemos dizer que a Educação
Espiritualizada é aquela que nos leva a superar uma perspectiva/postura
calcada no individualismo, no lucro, no consumismo (descartabilidade de
pessoas e de coisas); na superficialidade, na supervalorização das
aparências; na intolerância... tendo em vista a construção de uma
postura ética centrada na Sacralidade do Ser, onde o Outro não mais é
visto como amaça a ser combatida, com o qual competimos, mas como
possibilidade de ampliar nosso auto-conhecimento.4 Portanto, a
alteridade, a delicadeza, a solidariedade, a honestidade, a
responsabilidade, a tolerância se fazem valores fundamentais. Assim,
não mais buscamos saciar nossas carências no consumo desenfreado,
mas na interiorização, na descoberta do Eu profundo. Nossos atos,
1
Texto apresentado em conferência durante o Seminário educação e Espiritualidade,
realizado em campinas – SP em 2004.
2
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF-RJ
3
José Pedro Machado: Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte,
Lisboa, vol. II.
4
Há um livro do Prof. Milton Santos (geógrafo) intitulado Por uma outra globalização:
do pensamento único à consciência universal, ed. Record, 2000, que discute de
maneira simples e profunda esta questão. Destaque especial pode ser dado a seus
conceitos "confusão dos espíritos" (p. 50), "ética pragmática individualista (p.54) e
"perversidade sistêmica" (p.55ss).
2. nosso trabalho, vistos como fonte de realização, atitude de Serviço na
Construção de um Mundo Novo. Pautados pela transcendência,
buscamos antever no transitório, na precariedade, a permanência e a
eternidade. A Natureza passa a ser vista não mais como fonte de lucro,
mas como grande mestra a nos ensinar o Rítimo do Universo, ritmo ao
qual devemos nos adequar se queremos ser saudáveis. A Natureza
como Grande Mestra, a nos ensinar com seus ciclos e ritmos, como
testemunham as Nações Indígenas brasileiras e latino-americanas.5
Ainda a respeito da Natureza cabe aqui recordar que um dos apoiadores
de nosso Simpósio é a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento
Ecológico, sediada em Campinas-SP, que tem na "consciência e
comunhão com a natureza" um de seus princípios orientadores.6
Em suma, uma Educação Espiritualizada necessariamente repensará
permanentemente o Mundo e a Educação que temos, os educadores que
estamos sendo, para que possamos, juntos, construir o Mundo que
desejamos, a Educação que queremos, sendo os educadores que
devemos ser. Logo, a Educação Espiritualizada é construção
permanente e os educadores comprometidos com seus pressupostos
precisamos nos colocar numa atitude de eternos aprendizes pois para
sermos bons educadores precisamos ser bons aprendizes. Aprendendo
com tudo e com todos, transformando cada situação numa possibilidade
de nos tornarmos melhores.
Quais são, a meu ver, as características necessárias a tal tipo de
educador? Que posturas precisa assumir?
- Clareza de objetivos: a quem consagro minha Vida, meu trabalho?
Quais meus objetivos fundamentais? Tendo clareza do que
queremos, o "resto" a gente vai inventando, botando a criatividade
prá funcionar.
- Humildade e Simplicidade para reconhecer que não sou o "dono
da verdade", que preciso estar sempre aprendendo e que não posso
controlar tudo. Então, é fazer a minha parte e aguardar...
5
Em 1995 o MEC em parceria com a UNESCO e como o Grupo de Educação Indígena
da USP (Mari) publicou A Temática Indígena na Escola – novos subsídios para
professores de lº e 2º graus. É um excelente manual contendo fragmentos de
depoimentos indígenas, textos de diversas áreas do conhecimento e sugestões
didáticas. Textos escritos pelos próprios indígenas narrando suas histórias e mitos
podem ser obtidos junto à Editora Fundação Peirópolis www.editorapeiropoils.com.br .
Fone (11) 3816-0699. Posters, cds e livros também podem ser obtidos junto ao IDETI
(Instituto de Desenvolvimento das Tradições Indígenas) www.ideti.org.br. Fone (11)
3277-7850.
6
Sugiro o contato, para conhecimento e quem sabe possível colaboração:
www.novoencanto.org.br. Rua Maestro Florense, 30. Jardim Chapadão. Fone 3243-
8727, na parte da tarde.
2
3. - Responsabilidade frente ao que diz e ao que faz. Ter consciência de
que toda ação produz suas conseqüências; ter claro que, ao contrário
do que se costuma dizer, ninguém é substituível.
Coerência entre o que pensa, o que ensina e o que efetivamente faz
no seu dia a dia, "Pois, inevitavelmente, chegará o dia em que aquilo
que o educador ensina por meio de palavras já não irá funcionar,
mas só aquilo que ele é. Todo o educador – e uso o termo no sentido
mais amplo – deveria sempre perguntar-se até que ponto está
aplicando , verdadeiramente, seus ensinamentos a si próprio e na
sua própria vida, da melhor maneira que sabe e com a consciência
tranqüila". 7
Nos construirmos como educadores para uma Educação
Espiritualizada exigirá de nós não termos medo de sermos taxados,
dentre outras coisas, de:
- maniqueístas, porque sabemos que há coisas certas e coisas
erradas pois nem tudo é relativo;
- reacionários, porque defendemos os valores da Tradição;
- politicamente incorretos, porque embora defendamos e
praticamos o respeito por todos não aceitamos nem naturalizamos o
que sabemos não ser correto.
- utilitaristas ou pragamatistas porque questionamos a validade
dos conteúdos a serem transmitidos;
- metafísicos, porque olhamos para além e nos pautamos na
transcendência;
- autoritários, porque exercemos nossa autoridade (conhecimento)
ocupando o lugar de educadores;
- ecléticos, porque reconhecemos a importância de "outros" saberes e
nos valemos de mais de uma perspectiva teórica.
Mas olhemos ainda mais de perto para a questão central de nossa
reflexão: quais são as implicações mais diretas de uma Educação
Espiritualizada no fazer pedagógico?
No meu entendimento, o fazer pedagógico, fundamentado na
coerência entre o pensar, o falar e o fazer, se caracterizará pelo/a:
- substituição do conteudismo pela prática reflexiva e da
superficialidade pela profundidade, lembrando que esta não é
sinônimo de erudição, assim como complexidade não se confunde
com complicação;
7
C. G. Jung in O significado do inconsciente na educação individual, citado por
Stephen Arroyo em Astrologia, Psicologia e os Quatro Elementos, Ed. Pensamento,
1999, p. 78.
3
4. - humanização dos sujeitos da educação; prá quem eu falo, a
quem é dirigida minha palavra: a uma "tábula rasa", a alguém que
supostamente não teria conhecimentos, a alguém inferior a mim? Ou
me dirijo ao irmão, ao companheiro de jornada? Isso faz toda a
diferença, a começar pelo fato de que só o que é dito ao Irmão
"não entra por um ouvido e sai pelo outro" e pode construir a ele e a
mim próprio como Seres Humanos;8
- desenvolvimento das sensibilidades frente ao belo, à dor, ao
Outro;
- exercício permanente da Escuta Amorosa (do Eu profundo, do
Outro, de Deus);
- prática do diálogo;
- reeducação do olhar (substituição do olhar acusatório, censor,
desabonador, pessimista pelo olhar compreensivo, firmado na Boa
Vontade, procurando valorizar o que nos une, superando o que nos
separa;9
- reflexão permanente acerca do mundo em que vivemos e de
nossas atitudes quotidianas. O prof. Paulo Freire dizia que "na
sucessão de aprendizagens de que participamos, vai sendo
enfatizado em nós o amor á vida ou o amor à morte. Assim
ensinamos e aprendemos a amar a vida ou a negá-la".10 É bom
levarmos sempre em conta a advertência de Leloup: "Tudo o que não
fazemos por amor é tempo perdido. Tudo o que fazemos por amor, é
a Eternidade reencontrada".11
- superação da arrogância, do orgulho, da auto-suficiência e
vivência da humildade (condição sine qua non de qualquer
aprendizado), onde nos reconhecemos companheiros de Busca,
Caminhada, eternos aprendizes.
Em tal perspectiva a sala de aula é vista como lugar de
sistematização e socialização de vivências, onde procuramos
coadunar nossos Projetos Maiores, gostos e preferências (poesia,
8
Em tal perspectiva são valiosos os estudos do russo Mikhail Bakhtin e seus conceitos
de "dialogismo" e "polifionia" segundo os quais é no diálogo que nos constituímos
seres humanos e sociais; cf. especialmente Estética da Criação Verbal, Ed. Martins
Fontes, 1997.
9
O Dalai Lama, em seu livro Uma Ética para o Novo Milênio, Ed. Sextante, 2000, nos
alerta a respeito da necessidade de modificarmos nossa atitude básica, "o modo como
nos relacionamos com as circunstâncias externas", p. 69. Jean Yves Leloup, por sua
vez, nos lembra da necessidade de "mudar de olhar [pois] "os olhos carnais e os olhos
espirituais não vêem a mesma realidade" (in: O Evangelho de Maria, Ed. Vozes, 2000,
p.159). Há também o belíssimo filme nacional Janela da Alma.
10
Cartas a Cristina, Ed. Paz e Terra, 1994, p. 101.
11
Jean-Yves Leloup in: Caminhos da Realização – Dos medos do eu ao mergulho no
Ser, Ed. Vozes, 1999, p. 76. Um livro imperdível para quem quer aprofundar-se no
auto-conhecimento numa perspectiva amorosa.
4
5. filmes, teatro, música, notícias de jornal) e maneiras de ser aos
conteúdos específicos a serem ensinados. Mesmo porque não há
outra maneira de ser pois sempre tais dimensões se farão presentes.
Mas, se as coisas acontecem de modo consciente,
por opção, os resultados certamente serão mais satisfatórios. Não
podemos é desanimar ao constatarmos uma ou outra incoerência da
nossa parte, um fracasso, um equívoco. Com perseverança
chegaremos...
5