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Anos iniciais do
Ensino Fundamental
ISSN 1982 - 0283
Ano XIX – Nº 12 – Setembro/2009
Ministério da
Educação
Secretaria
de Educação a Distância
SUMÁRIO
Anos iniciais do Ensino Fundamental
Aos professores e professoras.................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Apresentação da série Anos iniciais do Ensino Fundamental: A construção de
uma prática educativa de qualidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental...............5
Francisca Maciel, Mônica Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro
Texto 1 – Ensino Fundamental e os desafios da Lei n. 11.274/2006.............................10
Maria Malta Campos
Texto 2 – Alfabetização e Letramento.......................................................................17
Sara Mourão Monteiro e Mônica Correia Baptista
Texto 3 – Políticas e práticas escolares ................................................................... 36
Patrícia Corsino
3
Anos iniciais do Ensino Fundamental
Aos professores e professoras,
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(Cecília Meireles)
Tempo de brincadeira ou tempo de estudo?
Ou isto ou aquilo? O que Cecília Meireles
nos revela, em seus versos que atravessam
gerações sem perder a atualidade e o encan-
tamento? Muitas coisas, em poucas pala-
vras. Afinal, não seria essa uma das possi-
bilidades dos textos e ainda, de forma mais
radical, dos poemas?
Uma das revelações da poesia é que as es-
colhas não precisam ser necessariamente
entre isto ou aquilo, e que buscar entender
as coisas do mundo faz parte da curiosidade
humana, em especial na infância. E a escola
é um desses espaços que ajudam a entender
como as coisas funcionam, porque são de
tal ou qual jeito. Na sala de aula, os profes-
sores e as professoras ensinam muitas coi-
sas, e também se aprende com os colegas,
com as experiências, com as histórias, com
os livros, com suas belas ilustrações e com
as palavras, que são um convite para des-
vendar o mundo da escrita.
No universo da cultura letrada, as crianças,
cada vez mais cedo, entram em contato com
os textos, em diferentes contextos sociais, e
são desafiadas a interagir com eles em sua
diversidade. A escola é o lugar, por nature-
za, em que a aprendizagem da leitura e da
escrita é sistematizada, nas práticas de alfa-
betização e letramento, processos indissoci-
áveis que devem, no entanto ser entendidos
na sua singularidade e complementaridade.
Isto e aquilo, como podemos depreender do
poema! E, ainda, o poema reforça a nossa
lembrança de como as dimensões do brin-
car e do aprender estão irremediavelmente
relacionadas, em especial na infância.
Nesse contexto, pensar sobre a importância
da inclusão das crianças de seis anos nos
4
sistemas de ensino, com a consequente am-
pliação do Ensino Fundamental para nove
anos, é urgente e significativo.
Com esse objetivo, a TV Escola apresenta,
no programa Salto para o Futuro, a série
Anos iniciais do Ensino Fundamental, com a
consultoria de Francisca Maciel, Mônica
Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro,
pesquisadoras do Centro de Alfabetização,
Leitura e Escrita, da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais
(CEALE/FAE/UFMG). Esperamos que os textos
desta publicação eletrônica e os programas
da série contribuam para a reflexão de pro-
fessores e professoras sobre a importância
de se refletir sobre as práticas curriculares
voltadas para a inclusão das crianças de seis
anos no Ensino Fundamental.
Rosa Helena Mendonça1
1	 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro.
5
APRESENTAÇÃO
Anos iniciais do Ensino Fundamental
A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA DE QUALIDADE NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS DE DURAÇÃO
Francisca Maciel1
Mônica Correia Baptista2
Sara Mourão Monteiro3
1	 Doutora em Educação pela UFMG (2001); Pós-doutorado em Educação pela PUC-SP (2006). Professora da
Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da série.
2	 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
3	 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
Conforme a Lei n. 11.274 de 06 de feverei-
ro de 2006, o próximo ano, 2010, marcará a
entrada definitiva das crianças de seis anos
de idade em todas as redes educacionais do
País. A inclusão dessas crianças concretiza o
preceito legal de ampliar de oito para nove
anos o Ensino Fundamental, único nível de
ensino de matrícula obrigatória no País. Ao
ter sua duração ampliada, o Ensino Funda-
mental passará a acolher, principalmente,
uma parcela da população brasileira que
não encontrava vagas na rede pública de
educação infantil e que não podia arcar com
o custo de uma educação privada.
Ainda que se considere a expansão das vagas
como condição fundamental para a garantia
do direito à educação, é no âmbito das prá-
ticas pedagógicas que a instituição educati-
va pode tornar-se ela mesma expressão ou
não desse direito. Para que esse direito se
cumpra, portanto, e para que se configure
como promotor de novos direitos, o aces-
so das crianças às instituições educativas e
sua permanência nelas devem consolidar-se
como direito ao conhecimento, à formação
integral do ser humano e à participação no
processo de construção de novos conheci-
mentos.
A concretização dessa prática comprometi-
da com o direito ao pleno desenvolvimento
humano implica um conjunto de desafios
a serem superados tanto do ponto de vista
das próprias crianças quanto daqueles res-
ponsáveis pela sua efetivação: professores
e demais profissionais da educação, gesto-
res dos sistemas e das escolas, pesquisado-
res. Tais desafios vão desde a adequação de
espaços físicos, garantia de materialidade
6
adequada, adaptação dos instrumentos de
registro, das normatizações; mas, sobretudo
se relacionam à perspectiva pedagógica.
Antes da análise e reflexão acerca dos di-
ferentes aspectos presentes em cada um
desses desafios, é importante ressaltar que
todos eles são tributários da concepção de
criança a partir da qual se constroem os pi-
lares da ação educativa. Uma prática edu-
cativa de qualidade exige, portanto, que se
considere a criança como eixo do processo
e considere as diferentes dimensões de sua
formação. Requer, portanto, que se leve em
conta a concepção de infância que se encon-
tra subjacente às práticas e ações educati-
vas.
Atualmente, a partir da contribuição de di-
ferentes áreas do conhecimento humano,
tem-se construído um consenso em torno
da ideia de que a infância, tal como a co-
nhecemos hoje, não é um fenômeno na-
tural e universal, mas sim, o resultado de
uma construção paulatina das sociedades
moderna e contemporânea. A infância dei-
xou de ser compreendida como uma “pré”
etapa da fase adulta, passando a ser identi-
ficada como um estado diferenciado. Assim,
ao mesmo tempo em que se reconhece que
a definição de infância é tributária do con-
texto histórico, social e cultural no qual se
desenvolve, admite-se a especificidade que
a constitui como uma das fases da vida hu-
mana.
Esse reconhecimento da especificidade da
infância possibilitou avanços desde a pers-
pectiva do desenvolvimento infantil, ou
seja, de como as crianças compreendem o
mundo e buscam dele se apropriar. Nessa
perspectiva e durante um largo período, as
investigações psicológicas se ocuparam em
descrever e compreender os aspectos que
caracterizavam e tornavam específica essa
etapa de vida, enfatizando a gênese das fun-
ções psíquicas e considerando os processos
vividos na infância como condição estru-
turante da vida mental do adulto. Piaget,
como um dos eminentes teóricos da psi-
cogênese, afirmava que suas investigações,
ao analisarem os comportamentos infantis,
tinham como objetivo principal investigar
não a compreensão do conhecimento no
seu estado final, mas sim, na sua gênese e
no seu processo de construção.
Assim como Piaget, Vygotsky também deu
importância ao papel do sujeito na apren-
dizagem. Entretanto, se para o primeiro os
suportes biológicos que fundamentam sua
teoria dos estados universais receberam
maior destaque, para o segundo a interação
entre as condições sociais na transformação
e os substratos do comportamento humano
foram os elementos fundamentais para sua
teoria sobre o desenvolvimento humano. As
interações sociais, para Vygotsky, ocupam a
centralidade do processo de desenvolvimen-
to do sujeito e são percebidas como consti-
tutivas da sua identidade. Para esse teórico,
7
o funcionamento psicológico fundamenta-
se nas relações sociais do indivíduo com o
meio, mediadas por outros indivíduos, num
processo histórico. Ou seja, é imerso na tra-
ma das relações sociais que o indivíduo vai
se constituindo, através da carga de valores,
conceitos, preconceitos e teorias constante-
mente reelaborados e internalizados.
Entretanto, o fato de reconhecermos a in-
fância como uma construção social, o que
nos possibilitou conhecer melhor as crian-
ças e suas formas de interagir com o mun-
do, não pode significar a compreensão da
infância como um universo isolado, como
se adultos e crianças não compartissem prá-
ticas culturais comuns. As crianças, como
atores sociais de pleno direito, participam
efetivamente do contexto social no qual
estão inseridas e interagem com os signos
e símbolos construídos socialmente, assim
como constroem novos signos e símbolos a
partir dessa interação:
As culturas infantis não nascem no uni-
verso simbólico exclusivo da infância,
este universo não está fechado – muito
pelo contrário, é mais que qualquer ou-
tro, extremamente permeável - tampou-
co está distante do reflexo social global.
A interpretação das culturas infantis,
em síntese, não pode realizar-se no vazio
social, e necessita sustentar-se na aná-
lise das condições sociais nas quais as
crianças vivem, interagem e dão senti-
do ao que fazem (PINTO & SARMENTO,
1997, p. 22).
O que importa destacar é que o reconheci-
mento da especificidade da infância, como
esperamos ter assinalado, não pode signifi-
car seu isolamento diante dos demais gru-
pos sociais. Se o estatuto de ator social é
conferido aos seres humanos tendo em con-
ta sua capacidade de interagir em sociedade
e de atribuir sentido a suas ações, então, re-
conhecer a infância como uma construção
social da qual participam as crianças como
atores sociais de pleno direito implica con-
siderar sua capacidade de produção simbóli-
ca, de representações e crenças em sistemas
organizados. É na inter-relação com as ou-
tras culturas que a cultura infantil se consti-
tui como tal. Nesse sentido, se pode afirmar
que as crianças são sujeitos capazes de inte-
ragir com os signos e símbolos construídos
socialmente, bem como de atribuir distintos
significados a partir dessa interação.
Por tudo que argumentamos até aqui, gos-
taríamos de salientar que nove anos de es-
colaridade obrigatória devem significar a
ampliação do direito à educação não apenas
quantitativamente – mais crianças na escola
e mais anos de escolarização para cada uma
delas – mas, sobretudo, qualitativamente –
mais crianças, por mais tempo, em uma es-
cola de qualidade. Uma escola que respeite
as crianças e que lhes assegure o tempo da
infância.
8
A discussão sobre as práticas educativas a
serem desenvolvidas nos primeiros anos do
Ensino Fundamental de nove anos de dura-
ção deve, pois, responder ao desafio de asse-
gurar uma educação de qualidade para nos-
sas crianças. Nesta série do Programa Salto
para o Futuro, denominada Anos iniciais do
Ensino Fundamental, pretendemos debater
aspectos fundamentais para o cumprimento
desse direito.
Textos da série: Anos iniciais do Ensino Fundamental4
A série Anos iniciais do Ensino Fundamental,
que será veiculada no programa Salto para
o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro
de 2009, tem como proposta discutir as prá-
ticas educativas a serem desenvolvidas nos
primeiros anos do Ensino Fundamental de
nove anos de duração. Em 2010, todas as re-
des educacionais do País devem cumprir a
Lei n. 11.274, que determina a inclusão das
crianças de seis anos de idade no Ensino Fun-
damental, ampliando de oito para nove anos
esta etapa da escolaridade, que é obrigatória.
A série visa destacar que a ampliação do di-
reito à educação não deve ser feita apenas
quantitativamente mas, sobretudo, qualita-
tivamente – mais crianças, por mais tempo,
em uma escola de qualidade, que respeite as
crianças e lhes assegure o tempo da infância.
TEXTO 1: ENSINO FUNDAMENTAL E OS DESAFIOS DA LEI N. 11.274/2006
No primeiro texto, são abordados os moti-
vos que levaram à ampliação do Ensino Fun-
damental para nove anos de duração, signi-
ficando a inclusão das crianças de seis anos.
Para responder a essa questão é importante
conhecermos o panorama e o contexto polí-
tico e social que possibilitaram a elaboração
dessa diretriz da política educacional. Ainda
no primeiro texto, pretende-se apresentar
informações sobre a situação em nível na-
cional: como os municípios e estados se en-
contram frente à determinação legal de im-
plementar, até 2010, a inclusão das crianças
de seis anos no Ensino Fundamental; quais
as expectativas de gestores, professores e
pesquisadores da área, quais os desafios do
ponto de vista gerencial para se assegurar
esse pressuposto legal.
4	 Estes textos são complementares à série Anos iniciais do Ensino Fundamental, que será veiculada no
programa Salto para o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro de 2009.
TEXTO 2 : ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
No segundo texto, são discutidos aspectos rela-
cionados à garantia do acesso ao conhecimen-
to formal às crianças de seis a dez anos. No
primeiro deles, tendo em vista a importância
9
atribuída à apropriação da escrita pelas crian-
ças e, sobretudo, a polêmica em torno da idade
apropriada para iniciar-se esta aprendizagem,
serão problematizados aspectos relacionados
ao aprendizado da leitura e da escrita no pri-
meiro ano do Ensino Fundamental.
TEXTO 3: A ABORDAGEM DAS DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO
No terceiro texto, são retomadas as ques-
tões abordadas no segundo texto e também
são debatidos temas relacionados às áreas
do conhecimento humano e às diferentes di-
mensões presentes na formação humana. O
que deve ser ensinado nos primeiros anos de
Ensino Fundamental? Como assegurar o ple-
no desenvolvimento das crianças? Que áreas
do conhecimentos devem ser priorizadas e
como assegurar que as crianças desenvol-
vam as diferentes linguagens?
Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais
para o quarto programa, com entrevistas
que refletem sobre esta temática (Outros
olhares sobre Anos iniciais do Ensino Funda-
mental) e para as discussões do quinto e últi-
mo programa da série (Anos iniciais do Ensino
Fundamental em debate).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVAREZ, A.; DEL RÍO, P. Educación y desar-
rollo: la teoría de Vygotsky y la zona de de-
sarrollo próximo. In: COLL, C; PALACIOS, J.
MARCHESI, A. (Comp.). Desarrollo psicológi-
co y educación. Madrid: Alianza, 1990.
ARIÉS, P. História social da criança e da famí-
lia. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 279p.
COLE, M. & SCRIBNER, S. Introdução. In:
Vygotsky, L.S. A formação social da mente.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1-19.
GOUVEIA, M. A cultura da infância, a infân-
cia na cultura. Infância na ciranda da educa-
ção, Belo Horizonte, n. 4, p. 37-41, fev. 2000.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e de-
senvolvimento. Um processo histórico. São
Paulo: Scipione, 1997.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança.
3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 370p.
PINTO, M. & SARMENTO, J. (Coord.). As
crianças: contextos e identidades. Braga.
CESC/Universidade do Minho, 1997.
VYGOTSKY, L. El desarrollo de los procesos psi-
cológicos superiores. Barcelona: Crítica, 2000.
10
TEXTO 1
Ensino Fundamental e os desafios da Lei n.11.274/2006
POR UMA PRÁTICA EDUCATIVA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL QUE RESPEITE OS DIREITOS DA CRIANÇA À
APRENDIZAGEM
Maria Malta Campos1
Hoje a escola básica brasileira encontra-se
em uma nova etapa. Depois de passados 21
anos da promulgação da Constituição Fede-
ral, e 13 anos da aprovação da LDB, vivemos
um momento em que se apresentam novos
desafios aos educadores, mas, por outro
lado, ainda não foi possível superar muitos
dos velhos problemas que sempre afligiram
a educação no país.
As mudanças mais recentes – como a expansão
da Educação Infantil, a inclusão das crianças
de seis anos na escola obrigatória e a extensão
do Ensino Fundamental para nove anos – so-
mam-se a desafios não superados, heranças de
tempos passados: as taxas de repetência mais
altas da América Latina; as alfabetizações mal
sucedidas de alunos com acesso à escola, mas
sem acesso à aprendizagem; a falta de integra-
ção entre a pré-escola e as primeiras séries; a
formação inadequada dos professores; as con-
dições desiguais de funcionamento das escolas
públicas, entre muitas outras.
As estatísticas do Ministério da Educação de
2007 mostram que existem, no Brasil, seis
milhões e meio de crianças matriculadas
na Educação Infantil, sendo um milhão e
meio na creche e cerca de cinco milhões na
pré-escola. Em comparação, nas primeiras
séries do Ensino Fundamental estão matri-
culados cerca de 18 milhões de alunos em
todo o país. Esses números mostram aspec-
tos importantes de nossa realidade: primei-
ro, as matrículas na Educação Infantil já re-
presentam mais de um terço daquelas no
primeiro segmento do Ensino Fundamental,
ou seja, constituem um contingente impor-
tante de crianças que iniciam sua escola-
ridade e sua experiência como educandos
muito antes de chegarem à primeira série;
segundo, ainda existe um conjunto de alu-
nos que não tem acesso à Educação Infan-
til, especialmente nas camadas mais pobres
da população, entre a população negra e na
zona rural, como indicam outras fontes de
dados.
1	 Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidente da diretoria colegiada da ONG -
Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.
11
Durante muito tempo, lamentou-se, no
país, a grande proporção de crianças da es-
cola pública que nunca havia frequentado a
pré-escola. Pois bem, essa realidade mudou.
Porém, será que essa expansão da Educação
Infantil significou melhores condições de
aprendizagem para as crianças que ingres-
sam na primeira série? Mais ainda: será que
os professores da escola pública aprende-
ram a considerar as aprendizagens prévias
de seus alunos de primeira série como pon-
to de partida para seu trabalho no início do
Ensino Fundamental?
1.	 A necessidade de integração entre os
currículos da Educação Infantil e das
primeiras séries
Até recentemente, as propostas curricula-
res da educação infantil e das primeiras sé-
ries foram pensadas e propostas de forma
independente. Existem poucas experiências
no país de integração curricular entre essas
duas etapas da educação básica. Por que se-
ria importante avançar nessa direção?
Sabemos que os primeiros anos de vida são
muito importantes do ponto de vista da
aprendizagem e da socialização das crianças
pequenas. O desenvolvimento da linguagem
oral, o amadurecimento motor amplo e fino,
as interações entre pares e entre crianças e
adultos, a noção de identidade, o reconheci-
mento do próprio corpo, o conhecimento do
mundo, a descoberta das múltiplas formas
de brincar são alguns entre muitos aspectos
dessa etapa rica em possibilidades que as
crianças vivem em seus primeiros anos.
À medida que se aproxima dos seis anos de
idade, a enorme curiosidade e vontade de
aprender da criança comporta uma progra-
mação mais dirigida às diversas áreas do co-
nhecimento, sem que isso signifique uma es-
colarização precoce nos moldes tradicionais.
O letramento e as primeiras noções de alfa-
betização, a iniciação matemática, os conhe-
cimentos sobre o mundo natural e o mundo
da cultura, a criatividade artística, as ativi-
dades físicas e lúdicas em espaços amplos, o
trabalho em grupo são importantes para am-
pliar as possibilidades de desenvolvimento e
expressão infantis. Assim, deveriam ser orga-
nizadas as atividades e rotinas da Educação
Infantil, em uma concepção de respeito ao
direito à aprendizagem da criança pequena.
Nesse processo, a criança pré-escolar apren-
de a ser aluno e a ser cidadã; não há motivos
para que sua passagem para a primeira sé-
rie signifique um rompimento brusco de um
processo vivido intensamente por ela nos
anos em que frequentou a Educação Infantil.
Seria desejável que essa transição ocorres-
se de forma a ampliar as possibilidades de
aprendizagem das crianças, incorporando
novas metas, sem que para isso seja preciso
desconsiderar formas de trabalho pedagógi-
co apropriadas para cada faixa etária. Uma
12
criança de cinco, seis, sete anos de idade é a
mesma, seja em uma etapa educacional, seja
em outra. Os conteúdos e métodos de ensino
devem estar ajustados às suas características
e potencialidades, seja em que escola ela esti-
ver sendo educada. Quanto mais harmoniosa
for essa passagem, mais condições a criança
terá de manter seu interesse em aprender.
No entanto, muitas vezes o acolhimento dos
egressos da Educação Infantil não leva em
consideração essas experiências educativas
anteriores. A escola de Ensino Fundamental
não só costuma tratar todos os novos alunos
da mesma forma – tenham eles ou não já sido
alunos nos anos anteriores – como também
parece que faz questão de reforçar as ruptu-
ras entre as duas etapas iniciais da educação
básica: sinaliza-se claramente que acabou o
direito à brincadeira, que a obrigação leva a
melhor sobre a motivação, que a aprendiza-
gem é imposta e não construída, que todos
devem seguir no mesmo ritmo, independen-
temente de suas diferenças individuais, cul-
turais ou de nível de conhecimento.
Por sua vez, as instituições de Educação
Infantil não gostam de preparar suas
crianças para o Ensino Fundamental. Esse
futuro é muitas vezes tratado como um
castigo, como um destino não desejado,
levando os educadores a uma atitude de
enclausuramento, com base em uma con-
cepção pedagógica idealizada como algo
totalmente à parte do restante da educa-
ção básica. Em diversos contextos, essa
postura é encontrada mais no discurso
dos adultos do que nas práticas cotidia-
nas, que pouco mudaram desde sua ori-
gem predominantemente assistencial e
custodial.
É preciso superar essas distorções, tanto na
Educação Infantil, como no início do Ensino
Fundamental, em direção a uma concepção
mais integrada de educação básica.
2.	 Colocando a alfabetização em pers-
pectiva2
A sociedade brasileira sempre teve dificul-
dades em democratizar o acesso à leitura e
à escrita. A simples menção à alfabetização
provoca tensões, sobressaltos, ansiedades,
tanto em profissionais como nas famílias.
A memória das gerações passadas, privadas
desse conhecimento, parece que está presi-
dindo a chegada das novas levas de alunos,
como que prenunciando seu possível fracas-
so escolar.
A experiência truncada de escolaridade da
maioria dos brasileiros atesta que é muito
difícil lidar com essa herança. As práticas
2	 Este item baseia-se em artigo da mesma autora publicado na Revista do CEALE- UFMG.
13
adotadas na maioria das pré-escolas e esco-
las de Ensino Fundamental ainda se encon-
tram defasadas em relação ao saber acumu-
lado sobre os processos de aprendizagem,
de letramento e de alfabetização.
No campo da Educação Infantil, podemos
observar duas posições extremas. De um
lado, muitas pré-escolas forçam uma alfa-
betização a crianças muito novas, sem res-
peitar os ritmos individuais e as caracterís-
ticas da faixa etária. De outro lado, prospera
uma visão romantizada do desenvolvimento
infantil, que rejeita qualquer programação
que inclua material escrito, entendida como
escolarização precoce, privando as crianças
mais pobres daquelas experiências de que
não dispõem em seus ambientes familiares.
No caso das creches, que atendem a crian-
ças de 0 a 3 anos, observa-se a ausência de
uma preocupação em desenvolver a lingua-
gem oral e a falta de contato com livros de
literatura infantil apropriados a essa faixa
etária, entre outros materiais.
Nas primeiras séries, a situação se inverte
ou se acentua: a pressão para a alfabetiza-
ção em um ano, o lugar quase exclusivo que
as atividades de alfabetização ocupam no
currículo, o efeito indutor dos sistemas de
avaliação externos à escola, tudo isso cria
uma pressão muito grande tanto nos pro-
fessores, como nos alunos e suas famílias.
Não parece que esse seja o melhor caminho,
quando se leva em conta os resultados ne-
gativos constatados nessas mesmas avalia-
ções.
Nas palavras de Emília Ferreiro: “Assim
como os objetivos da alfabetização do início
da escola primária necessitam redefinir-se,
também necessitam redefinir-se os objeti-
vos da pré-escola com respeito à alfabetiza-
ção. Não se trata, nesse nível, nem de adotar
as práticas ruins da escola primária, seguin-
do este ou aquele método de ensinar a ler e
escrever, nem de manter as crianças assep-
ticamente afastadas de todo o contato com
a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia
que se expressa na famosa pergunta: deve
se ensinar a ler e escrever na pré-escola ou
não? Minha resposta é simples: não se deve
ensinar, porém deve-se permitir que a criança
aprenda” (p.38).
Ao propor diferentes formas de proporcio-
nar às crianças uma aproximação e uma
maior familiaridade com a escrita e a leitu-
ra, desde a pré-escola e também nas primei-
ras séries, a autora mostra como converter
a alfabetização em “uma tarefa interessan-
te, que dá lugar a muita reflexão e a muita
discussão. A língua escrita se converte num
objeto de ação e não de contemplação. É
possível aproximar-se dela sem medo, por-
que se pode agir sobre ela, transformá-la e
recriá-la” (p. 47).
Já vivemos hoje em uma situação em que
a maioria dos alunos permanecerá muitos
14
anos na escola. Existem diversas coisas para
aprender na escola que não dependem es-
tritamente da alfabetização; por outro lado,
várias experiências mostram que a curiosi-
dade e o gosto por aprender e por se expres-
sar facilitam também o domínio da leitura e
da escrita. É preciso, sem deixar de reconhe-
cer a importância da alfabetização, colocá-
la em perspectiva, no campo mais amplo da
cultura e do conhecimento em geral.
3.	 Os diferentes modelos de relaciona-
mento entre a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental
O autor britânico Peter Moss classifica as re-
lações que se estabelecem entre esses dois
níveis educacionais em quatro tipos:
a. Preparando a criança para a escola
Nesse modelo, a escola obrigatória é clara-
mente o parceiro dominante e o papel da
Educação Infantil é preparar a criança para
que esteja pronta a atender os requisitos
exigidos pelo ensino fundamental. A palavra
chave é “prontidão”, entendida como o ajus-
tamento da criança às exigências do sistema
escolar. O autor utiliza a expressão “coloni-
zação” da Educação Infantil pela escola obri-
gatória, ao se referir a esse processo.
b. Impasse
Esse segundo tipo de relacionamento des-
creve aquela situação em que as duas ins-
tituições se fecham uma para a outra, re-
cusam-se a dialogar e mantêm uma atitude
de franca desconfiança e hostilidade uma
em relação à outra. Na realidade, ao definir
sua identidade, cada uma delas se repor-
ta à negação da imagem que faz da outra,
definindo-se em oposição às características
que acredita estejam presentes nas práticas
educativas da outra etapa.
c. Preparando a escola para a criança
Nesse modelo, já experimentado em países
como a Noruega e a Suécia, procura-se ado-
tar, nos primeiros anos da escola elementar,
práticas utilizadas na educação infantil que
funcionam bem com crianças daquela faixa
etária, adaptando a escola à criança e não
somente ajustando a criança à escola. Para
isso, criam-se condições para que os profes-
sores dos dois sistemas trabalhem juntos,
de forma a evitar uma brusca mudança para
as crianças mais jovens que agora chegam à
primeira série.
d. A visão de um lugar de encontro
Essa é a proposta do autor, que parte da
constatação de que as duas instituições ti-
veram histórias muito diferentes e guardam
tradições pedagógicas também diversas. Re-
conhecendo essas distintas bagagens, seria
preciso iniciar um trabalho colaborativo que
pudesse construir novas formas de relação e
15
práticas educativas integradas para garantir
uma passagem menos brusca de um nível a
outro. Para isso, Moss indica que seria pre-
ciso construir uma cultura comum, a partir
de uma visão compartilhada de criança, de
aprendizagem, de conhecimento e de edu-
cação.
4.	 Como chegar lá?
Baseando-se em seu conhecimento das ex-
periências de diversos países, pois hoje a
antecipação da idade de ingresso à escola é
um fenômeno comum a muitas regiões do
mundo, Peter Moss traz alguns exemplos
de iniciativas que podem contribuir para a
construção de um sistema educacional mais
orgânico e menos hostil aos novos alunos.
Segundo ele, nos exemplos mais bem suce-
didos, nota-se a importância atribuída aos
aspectos de “cuidado”, ao lado dos aspectos
exclusivamente pedagógicos. Cuidado, nes-
se contexto, refere-se a uma postura de res-
peito às necessidades integrais da criança, o
que inclui questões como conforto, alimen-
tação, socialização e descanso, mas também
atenção às suas necessidades emocionais e
características individuais, assim como res-
peito à sua identidade racial, cultural e de
gênero. Para outros autores por ele citados,
o cuidado é uma ética e como tal deve ser
parte integral da educação, independente
do nível de ensino, pois crianças maiores,
adolescentes e jovens também precisam ser
cuidados, nesse sentido que extrapola ape-
nas os cuidados físicos.
Ao contrário do que muitos acreditam, a in-
clusão dessa dimensão de cuidado não anula
a importância da aprendizagem, mas indica
que o direito ao conhecimento caminha jun-
to ao direito da criança ao reconhecimento
como pessoa que se desenvolve enquanto
ser integrado e não apenas como uma cabe-
ça que recebe informações.
Nessa perspectiva, é possível visualizar di-
versas linhas de ação: um trabalho mais pró-
ximo às famílias, momentos de encontro en-
tre equipes da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental, possibilidades de as crianças
visitarem as escolas para onde irão no ano
seguinte, oportunidades para os professores
de primeira série conhecerem as pré-escolas
de onde chegam as crianças, adequação dos
espaços internos e externos da escola, revi-
são de rotinas e horários, previsão de um
período de adaptação dos alunos que não ti-
veram acesso à Educação Infantil quando de
seu ingresso na primeira série, oportunida-
des de formação em serviço com a presença
de profissionais das duas etapas da educa-
ção, apoio e orientação das secretarias a es-
sas iniciativas, entre muitas outras.
Afinal, a criança que chega agora com seis
anos na escola fundamental é a mesma que
até há pouco estava na pré-escola ou ainda
não tinha sido escolarizada. Suas necessi-
16
dades e sua fase de desenvolvimento são as
mesmas. Assim como aquela que acabou de
completar sete anos não deixa de ser criança
por isso. O direito à aprendizagem, na pri-
meira e na segunda etapa da educação bá-
sica, depende do respeito ao direito de ser
criança; não são requisitos incompatíveis,
mas complementares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São
Paulo: Cortez, 2008. (15a ed.)
MOSS, Peter. What future for the relationship
between Early Childhood Education and
Care and Compulsory Schooling? Research in
Comparative & International Education, vol.
3, n. 3, 2008. www.wwwords.co.uk/RCIE
17
TEXTO 2
Alfabetização e Letramento
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA EM CLASSES DO
PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Sara Mourão Monteiro1
Mônica Correia Baptista2
Como único nível de ensino de matrícula
obrigatória no País, o Ensino Fundamen-
tal, ao ter ampliada sua duração de oito
para nove anos, trouxe para essa etapa da
educação básica um novo contingente de
crianças. Ainda que algumas das crianças
de seis anos frequentassem instituições pré-
escolares, a incorporação desse segmento
no Ensino Fundamental impõe novos de-
safios, sobretudo pedagógicos, para a área
educacional. É preciso pensar numa prática
educativa que considere a criança como eixo
do processo e leve em conta as diferentes
dimensões de sua formação.
Neste texto, sem ignorarmos a relevância
das demais dimensões, discutiremos uma
delas, que, por seu caráter complexo, mul-
tifacetado e precursor de novos conheci-
mentos, cumpre um papel fundamental na
garantia do direito à educação: o desenvol-
vimento da linguagem escrita.
Uma prática educativa comprometida com
o desenvolvimento da linguagem escrita não
se restringe à elaboração de atividades e situ-
ações de aprendizagem dirigidas aos alunos.
Além disso, é preciso superar a fragmentação
dessas atividades de ensino no contexto edu-
cativo. Para se assegurar aos aprendizes o ple-
no desenvolvimento de suas potencialidades,
é fundamental, dentre outros aspectos, que a
ação educativa se baseie em uma orientação
teórico-metodológica, que se definam os ob-
jetivos de ensino, a organização do trabalho
pedagógico, o tipo de abordagem que se quer
dar ao conhecimento e, por fim, que se con-
sidere a realidade sociocultural dos alunos e
o contexto da escola.
Para mobilizar os processos de aprendiza-
gem das crianças de modo a ajudá-las no
desenvolvimento das capacidades relaciona-
das à leitura e à escrita e na construção de
representações sobre esse objeto de estudo,
1	 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
2	 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
da FAE/UFMG. Consultora da série.
18
3	 Neste texto, em lugar do masculino genérico, usaremos o feminino para designar as professoras por
representarem a maioria das profissionais que atuam neste nível de ensino.
as propostas de atividades e as estratégias
metodológicas precisam ser sequenciadas,
articuladas e contextualizadas, ou seja, as
crianças precisam participar de um conjun-
to de atividades caracterizado por um ciclo
de ações e procedimentos de ensino-apren-
dizagem – as chamadas Situações de Apren-
dizagem. Organizar esses ciclos de Situações
de Aprendizagem fica mais fácil quando as
professoras3
têm em mente uma proposta
de ensino na qual possam buscar referên-
cias metodológicas para projetar seus traba-
lhos junto às crianças.
Vale ressaltar, ainda, que, para uma propos-
ta de ensino se tornar um referencial e se
materializar em uma prática de ensino ade-
quada, ela deverá ser validada e reconstruí-
da a partir do conhecimento que se tem das
crianças e também das interações que se es-
tabelecem entre os participantes do grupo
escolar e deles com os objetos do conheci-
mento. Dessa forma, a avaliação e o plane-
jamento são fatores determinantes para a
consolidação desta prática.
A avaliação diagnóstica é um procedimento
de ensino a ser adotado com o objetivo de
se estabelecerem relações entre a proposta
de ensino, o perfil pedagógico da turma e as
necessidades de aprendizagem específicas
de cada aluno. O planejamento pedagógico,
por sua vez, como projeto de trabalho do
professor, só se torna efetivo se elaborado
a partir da articulação entre a proposta de
ensino e os sujeitos da aprendizagem.
Uma prática de ensino consistente tem em
sua conformação esse conjunto de elemen-
tos bem definidos e pressupõe uma cons-
trução singular de cada professora com seu
grupo de alunos, ao mesmo tempo em que
requer um trabalho coletivo envolvendo
todo o corpo docente e os demais profissio-
nais na sua elaboração. Essa construção co-
tidiana da prática educativa exige dos seus
profissionais a capacidade de fazer esco-
lhas, criar, recriar, pesquisar, experimentar
e avaliar constantemente suas opções. Em
outras palavras, somente uma prática peda-
gógica autônoma garante as condições para
o exercício profissional competente e para a
construção de uma educação comprometida
com a qualidade referenciada socialmente.
O LETRAMENTO
Tendo em vista algumas modificações cul-
turais, econômicas e sociais que se pro-
cessaram nas sociedades contemporâneas,
observamos, sobretudo a partir de meados
do século XX, uma mudança daquilo que, du-
rante um bom tempo, consideramos como
sendo alfabetização. Se até o início do sé-
19
culo XX bastava que o sujeito assinasse o
próprio nome para ser considerado alfabe-
tizado, com o passar do tempo, esta deno-
minação careceu de maiores especificações.
Ler e escrever um bilhete simples também
não era suficiente para designar os diferen-
tes graus de apreensão da linguagem escri-
ta. A insuficiência de conceitos e expressões
capazes de retratar a situação da população
em relação à apropriação da linguagem es-
crita, bem como de designar os diferentes
aspectos que englobam esse fenômeno, le-
vou alguns estudiosos a empregarem o ter-
mo “letramento”, inspirados na palavra in-
glesa “literacy”, como forma de designar o
estado ou a condição que cada indivíduo ou
grupos de indivíduos passam a ter a partir
da aquisição da língua escrita.
Os conceitos de alfabetização e letramen-
to ressaltam duas dimensões importantes
da aprendizagem da escrita. De um lado, as
capacidades de ler e escrever propriamente
ditas, e, de outro, a apropriação efetiva da
língua escrita: “[…] aprender a ler e escrever
significa adquirir uma tecnologia, a de co-
dificar em língua escrita e de descodificar
a língua escrita; apropriar-se da escrita é
tornar a escrita ‘própria’, ou seja, assumi-la
como sua propriedade” (SOARES, 1998, p.39).
4	 Eventos de letramento são situações nas quais o uso da língua escrita se mostra determinante para a
realização de algumas tarefas.
Em síntese
Alfabetização se refere ao processo por meio do qual o sujeito domina o có-
digo e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. Trata-se do domínio
da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a
ciência da escrita.
Letramento, por sua vez, é o exercício efetivo e competente da escrita e im-
plica habilidades, tais como a capacidade de ler e escrever para informar
ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de
interpretar e produzir diferentes tipos de texto, de inserir-se efetivamente
no mundo da escrita, entre muitas outras.
As formas como as pessoas se apropriam da
escrita no contexto social podem ser reconhe-
cidas em seus comportamentos e atitudes
diante de situações em que a escrita torna-se
20
um instrumento fundamental para as suas
interações e inserção no mundo. A condição
letrada parece ser resultado de um conjunto
de fatores que se articulam entre si: o convívio
com pessoas letradas, a participação efetiva
em eventos de letramento, o desenvolvimento
das capacidades de leitura e escrita, o conhe-
cimento de protocolos de uso da escrita. Esses
são alguns dos elementos presentes na forma-
ção do perfil letrado dos diferentes grupos so-
ciais e culturais que compõem uma sociedade.
Evidentemente, crianças e adultos partici-
pam de diferentes eventos de letramento4
e
neles têm a oportunidade de ampliarem seus
conhecimentos acerca da linguagem escri-
ta. Entretanto, a escola desempenha um pa-
pel fundamental na inserção das crianças no
mundo letrado, bem como na sua formação
como usuário desse sistema simbólico. Em
geral, é na escola que as crianças se alfabe-
tizam, desenvolvem capacidades de leitura
e produção de textos. Mas a importância da
escola se acentua, sobretudo, para aquelas
crianças cujo acesso a materiais escritos é
restrito. A escola, para esse segmento, se
constitui no espaço privilegiado e, às vezes,
único para adquirir capacidades e habilida-
des que permitam usufruir a cultura letrada,
interagir com ela e ampliar suas oportuni-
dades de se apropriar de bens culturais que,
pela sua valorização, têm dominado as rela-
ções sociais em contextos mais amplos.
A formação de novos usuários da língua
escrita se faz por meio de um longo cami-
nho que exige prática constante e um olhar
atento dos formadores para os interesses,
as curiosidades, os materiais de acesso, os
hábitos e os modos de viver das crianças. À
medida que se avança nesse processo de for-
mação, conquista-se familiaridade e altera-
se a forma de se relacionar com o mundo e
com as pessoas. Pensar em uma proposta
pedagógica capaz de assegurar ao aprendiz a
tecnologia da escrita e, ao mesmo tempo, a
apropriação desse sistema, impõe-nos algu-
mas questões: Que tipo de leitores e escrito-
res se quer formar por meio da ação pedagó-
gica na escola? Como despertar o interesse
das crianças pequenas para a leitura e a es-
crita? Como garantir que a criança se torne
capaz de relacionar símbolos gráficos a sons
e vice-versa e, ao mesmo tempo, desenvolver
capacidades e habilidades que lhe permitam
fazer uso da linguagem escrita nas diferentes
formas como ela se apresenta na sociedade?
Como assegurar às crianças a aquisição de
capacidades e habilidades que lhes possibili-
tem compreender e produzir diferentes tipos
de texto, de acordo com suas características?
ELEMENTOS PARA A
CONSTRUÇÃO DE UMA
PROPOSTA PEDAGÓGICA
Sabemos que as crianças são muito curio-
sas e se envolvem com entusiasmo em si-
tuações que as desafiam a explorar os mais
21
diferentes tipos de material de leitura; a
manusear livros, jornais e revistas; a ou-
vir a leitura de contos, poemas, crônicas,
reportagens; a brincar de ler e de escrever
ou mesmo a criar e participar de jogos e
brincadeiras nas quais a leitura e a escrita
são objetos centrais. Todas essas são ma-
neiras de aproximar as crianças da cultura
letrada.
Entretanto, além desse contato com o ma-
terial escrito, as crianças precisam ter opor-
tunidades de observar e reelaborar suas re-
presentações sobre o “para que” e “como”
as pessoas leem e escrevem em suas ativi-
dades diárias. Para isso, é importante que
a ação pedagógica promova a participação
das crianças em práticas autênticas de leitu-
ra e de escrita, no cotidiano da sala de aula,
nas quais elas possam sempre interagir com
esse objeto do conhecimento.
Mas o que ler e escrever para e com as crian-
ças? A leitura de livros de literatura em voz
alta pelos professores pode ser um desses
momentos em que se pratica a leitura com a
participação dos alunos. A cada livro lido pela
professora, as crianças vão incorporando no-
vas referências sobre como se configuram os
livros de literatura (localização do título, do
nome do autor, da editora, etc.) A leitura em
voz alta desperta o desejo e a curiosidade das
crianças. Quando elas gostam da história que
foi lida em sala de aula, acabam buscando os
livros em momentos livres de leitura. Portan-
to, a leitura em voz alta para as crianças pode
despertar o desejo de ser leitor. Vale ressaltar
a importância de se lerem outros materiais
de leitura e buscar apresentar às crianças va-
riados gêneros textuais.
Também é importante levar para a sala de
aula as experiências de leitura que as pro-
fessoras têm como adultos. Trazer materiais
que estão sendo lidos ou escritos pelos pro-
fissionais da escola e relatar para as crian-
ças como são produzidos os textos e como
se caracterizam os momentos de leitura na
escola e em outros lugares são atitudes que
podem aguçar o interesse das crianças para
as práticas de leitura e escrita.
Além disso, vale ressaltar a importância das
práticas de leitura e escrita que se concreti-
zam nos momentos em que a escrita torna-
se mediadora das experiências escolares,
ampliando as relações e/ou regulando os
comportamentos das crianças e dos adultos
no interior da escola. Estamos nos referin-
do aos eventos de letramento que ocorrem
quando os professores levam livros de lite-
ratura, jornais, artigos, etc. como recursos
de estudo de algum projeto de trabalho das
crianças ou quando elas são levadas a regis-
trarem suas aprendizagens e alguns fatos
da aula em um portfólio ou diário de bordo,
por exemplo. É preciso, ainda, criar espaços
apropriados e prever tempos na rotina es-
colar para que as crianças tenham contato
com os materiais de leitura.
22
As crianças podem escolher um artigo ou
uma reportagem de revista ou um livro sobre
determinado tema, por exemplo, e a profes-
sora ler em voz alta para elas. Assim, podem
decidir se o que está sendo lido é ou não in-
teressante e útil para elas, e terão oportuni-
dade de aprender modos de leitura que estão
relacionados a determinados gêneros. Na es-
crita de texto, as situações em que as crian-
ças são estimuladas a interagir com as de-
mais turmas e outros profissionais da escola,
ou ainda, a escrita de registros sobre fatos e
atividades que compõem um ciclo de estudos
com a mediação da professora, por exemplo,
tornam-se oportunidades para o esclareci-
mento sobre as condições de produção (para
quem estamos escrevendo, com qual inten-
ção, por meio de que gênero, etc.).
O DESENVOLVIMENTO DAS
HABILIDADES DE LEITURA E
ESCRITA DE PALAVRAS, FRASES E
TEXTOS EM SALA DE AULA
Paralelamente ao processo de compreensão
da natureza alfabética do sistema de escri-
ta, as crianças desenvolverão alguns meca-
nismos da leitura e da escrita de palavras.
Apesar de muitas delas aprenderem esses
mecanismos com relativa facilidade, o de-
senvolvimento das habilidades relacionadas
à leitura e à escrita de palavras leva tempo
e requer treino por parte das crianças. Para
isso, um conjunto de atividades de leitura e
escrita de palavras e frases deve fazer parte
do planejamento pedagógico dos professo-
res desde o primeiro ano do Ensino Funda-
mental. Simultaneamente, as crianças terão
ainda que desenvolver a capacidade de ler e
interpretar textos com autonomia. As habi-
lidades de leitura e produção de textos en-
volvem o conhecimento de elementos que
compõem os textos escritos, os seus esti-
los, a identificação do autor, da finalidade
e do contexto de circulação do texto. Esses
conhecimentos são construídos na prática
cotidiana de leitura e escrita. É preciso prá-
tica e orientação adequada para desenvolver
uma postura de leitor crítico.
Nos contextos sociais em que os adultos
fazem uso da língua escrita em suas ações
cotidianas, desde muito cedo as crianças co-
meçam a lidar com textos escritos por meio
da observação e do acompanhamento dessas
situações de prática de leitura e escrita. Elas
começam, mesmo antes de terem domínio
do sistema de escrita, a conhecer as especi-
ficidades dos gêneros textuais, apreendendo
não apenas o sentido das atividades de leitu-
ra e escrita, mas também a maneira como
os textos devem ser interpretados.
Como vimos na dimensão “O letramento”,
as práticas de leitura e escrita em sala de
aula se concretizam de diferentes maneiras,
dentre as quais, naquelas situações em que
os professores preparam um texto para ser
lido e discutido com as crianças, ou seja,
23
quando o texto se torna objeto de análise
e conhecimento. Por meio de Situações de
Aprendizagem que tomam o texto como ob-
jeto de ensino, as crianças devem ter opor-
tunidade de compartilhar com os professo-
res suas estratégias, seus conhecimentos,
suas habilidades de leitura e escrita.
Essa abordagem começa pela seleção dos tex-
tos que farão parte do repertório do trabalho
analítico. É preciso ter cuidado com o vocabu-
lário e a extensão dos textos trabalhados em
sala de aula. As professoras devem realizar um
reconhecimento das habilidades já desenvolvi-
das por seus alunos por meio de uma avaliação
diagnóstica para traçar as metas de aprendiza-
gem para a turma. Cabe assinalar que não é
preciso esperar que as crianças escrevam con-
vencionalmente para realizar atividades que
visem desenvolver habilidades, estratégias e
comportamentos de leitura e de escrita de tex-
tos. No caso de a turma ou parte dela ainda
não escrever convencionalmente, podem ser
pensadas diferentes estratégias. Uma delas é a
professora exercer o papel de escriba da clas-
se, produzindo os textos coletivamente, ou o
papel de leitora, lendo para todos o texto esco-
lhido. Outra estratégia é permitir e estimular
que as escritas espontâneas sejam produzidas
em sala. Também é possível aproveitar a diver-
sidade da turma e agrupar os alunos de forma
que aqueles que já decodificam e codificam
possam servir de leitores ou de escribas para
os colegas. Qualquer que seja a estratégia ado-
tada, a professora pode propor às crianças que:
•	 Reescrevam o texto com palavras mais
simples para expressar seu conteúdo;
•	 Marquem partes dos textos lidos de
acordo com a informação requerida
ou com o objetivo da leitura;
•	 Grifem palavras de acordo com o que
se quer ressaltar;
•	 Façam resumos do que está escrito;
•	 Façam anotações sobre o texto;
•	 Realizem leituras individuais ou em
duplas (um aluno que já se apropriou
do funcionamento do sistema de es-
crita pode ler para outro que ainda
não o faz);
•	 Realizem leituras teatralizadas de tex-
tos ou de trechos de textos;
•	 Realizem leituras com pausas planeja-
das e contextualizadas, com pergun-
tas que orientem a interpretação das
crianças;
•	 Realizem leituras seguidas de conver-
sas orientadas por questões previa-
mente planejadas pela professora;
•	 Produzam textos em pequenos grupos
ou em duplas (também se podem agru-
par as crianças de forma que aquelas
que já são capazes de ler e escrever se
façam de escribas do grupo);
•	 Produzam textos com apoio de rotei-
ros definidos pelo coletivo.
24
Há, ainda, as atividades que ampliam o tra-
balho com o conteúdo dos textos. Aqueles
trabalhos que são planejados como amplia-
ção do momento de leitura e de escrita. Em
geral, essas atividades envolvem, dentre mui-
tas possibilidades de trabalho, a produção e
a apresentação de peças teatrais, pesquisas e
estudos de aprofundamento, leitura de livros
ou de outros textos sobre o mesmo assunto.
À medida que se vai trabalhando os textos
com as crianças, é possível observar como
elas passam a considerar as orientações da
professora no momento em que entram em
contato com novos textos. Por exemplo,
quando vivenciam situações de aprendiza-
gem em que a professora destaca certos
elementos textuais, estando diante de um
novo livro, a criança busca identificar os
mesmos elementos, como, por exemplo, o
sumário do livro, seu autor, seu título. Elas
passam a demonstrar comportamentos e
habilidades de leitores e escritores, mesmo
quando ainda não dominam o sistema de
escrita.
Para as crianças de seis anos, a mediação dos
professores é muito necessária. Não apenas
porque elas não conseguem ainda escrever e
ler textos com autonomia, mas também por-
que para elas a interação por meio da língua
escrita é uma situação que apresenta con-
dições de produção ainda desconhecidas,
como, por exemplo, a de ter o interlocutor
ausente no momento da produção. Por isso
é importante que o professor sirva de leitor
e escriba em diferentes situações em sala de
aula, principalmente nas atividades específi-
cas para o desenvolvimento das habilidades
de leitura e escrita de textos.
Outro aspecto dessa dimensão que merece
atenção das professoras de crianças de seis
anos diz respeito à necessidade de se dei-
xar claro o objetivo das atividades e como
elas deverão ser realizadas, ou seja, como
as crianças devem proceder para realizá-las.
Ao conduzir as Situações de Aprendizagem
que abordam o texto escrito em classes de
seis anos, a professora deve prever formas
de fazer com que as crianças fiquem atentas
aos aspectos que são abordados nas propos-
tas de leitura ou de escrita dos textos, con-
sequentemente, as crianças ficarão atentas
também à forma como a atividade será rea-
lizada.
A AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE
ESCRITA E O DESENVOLVIMENTO
DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
Quando as crianças iniciam o processo de al-
fabetização, buscam compreender o que a es-
crita representa, ou seja, o que aqueles sinais
gráficos representam e como eles se organi-
zam formando um sistema de representação.
Desta forma, elas começam a lidar com a di-
ferenciação dos dois planos da linguagem: o
plano do conteúdo (dos significados), que diz
25
respeito aos significados e sentidos produzi-
dos quando usamos a língua oral ou escrita,
e o plano da expressão (dos sons), que diz res-
peito às formas linguísticas. A compreensão
da natureza alfabética do sistema de escrita e
o desenvolvimento da consciência fonológica
integram esse processo e são impulsionados
por aprendizagens que estimulam o desen-
volvimento infantil à medida que promovem
a competência simbólica das crianças. Veja-
mos a seguir, conforme esclareceu o constru-
tivismo psicogenético, como os aprendizes
vão elaborando hipóteses e resolvendo ques-
tões para os problemas que eles mesmos se
colocam, num movimento de reconstruções,
no qual antigos conhecimentos vão dando lu-
gar a novas formulações.
OS NÍVEIS CONCEITUAIS
DA ESCRITA
Desde os primeiros contatos da criança com
marcas gráficas impressas em livros, cader-
nos, cartazes, inicia-se um longo processo
de construção de esquemas conceituais5
cujo primeiro desafio consiste em distinguir
o que é desenho do que é escrita. Neste pri-
meiro momento, ainda sem fazer essa dis-
tinção, a criança se propõe a imitar o ato
de escrever. Como num jogo, ela crê que
poderia ou deveria escrever certo conjunto
de palavras imitando a ação de escrever. O
resultado dessas primeiras “escritas” infan-
tis pode aparecer, desde o ponto de vista fi-
gural, como linhas onduladas ou quebradas
(zig-zag), contínuas ou fragmentadas, ou
como uma série de elementos discretos (sé-
ries de linhas verticais ou bolinhas).
Essa aparência figural não é garantia de
escrita propriamente dita, a não ser que
se conheçam as condições nas quais ela
foi produzida. Conforme salienta Ferreiro
(2003), tradicionalmente, eram conside-
rados, tanto por educadores, quanto por
pesquisadores, os aspectos figurativos da
escrita infantil, ignorando-se os aspectos
construtivos. Os aspectos figurativos têm a
ver com os elementos formais, tais como:
a qualidade do traçado, a distribuição es-
pacial das formas, a orientação predomi-
nante (da esquerda para a direita, de cima
para baixo), a orientação dos caracteres
individuais (inversões, rotações), etc. Já os
aspectos construtivos têm relação com o
que o sujeito quis representar e os meios
que empregou para criar diferenciações en-
tre as representações. Não são, portanto,
os aspectos figurais que designam se hou-
ve ou não uma escrita. Quando ocorre essa
intencionalidade por parte da criança, ou
seja, quando constatamos a presença de
aspectos construtivos, é que consideramos
que houve uma produção escrita.
5	 Utilizamos a expressão “Esquemas conceituais” para aludir às construções mentais dos sujeitos na sua
interação com os objetos do conhecimento.
26
Em relação aos aspectos construtivos, como
veremos a seguir, a escrita infantil segue
uma linha regular de evolução que, con-
forme comprovaram as investigações de
Ferreiro e Teberosky (1991), independem da
procedência dos sujeitos quanto a meios
culturais, situações educativas, línguas, etc.
ASPECTOS CENTRAIS DA
EVOLUÇÃO PSICOGENÉTICA DA
LÍNGUA ESCRITA
Na linha da evolução psicogenética6
, iden-
tificam-se três grandes períodos distintos
entre si, dentro dos quais cabem múltiplas
subdivisões:
•	 Primeiro período: Caracteriza-se pela
distinção entre o modo de representa-
ção icônico e não icônico7
;
•	 Segundo período: Ocorre a construção
de formas de diferenciação; o aprendiz
busca exercer um controle progressivo
das variações sobre os eixos qualitati-
vo e quantitativo;
•	 Terceiro período: Marcado pela fone-
tização8
da escrita, que se inicia com
um período silábico e culmina em um
período alfabético.
6	 Um estudo psicogenético interessa em conhecer não uma sequência cronológica ou evolutiva. Para um
investigador em psicologia genética, a pergunta central e persistente é: como se passa de tal estado de conhecimento
a tal outro estado de conhecimento? (...) O investigador em psicologia genética trata de identificar uma sequência
evolutiva, mas não fica aí, tenta incessantemente reconstituir os laços de filiação entre os níveis que identifica
(Ferreiro, E.,1999).
7	 A expressão “icônico” remete ao termo ícone, sendo que uma de suas acepções, aquela relacionada à
semiótica, designa “signo que apresenta uma relação de semelhança ou análoga com o objeto que representa (como
uma fotografia, uma estátua ou um desenho figurativo)” (Houaiss, 2001).
8	 A expressão “Fonetização” não deve ser confundida com “fonema”. O emprego deste termo quer remeter a
“fono”, som. O período de fonetização começa, portanto, com a hipótese silábica, exatamente o momento no qual
o aprendiz começa a perceber que a escrita tem relação com os sons da fala e não com seus conceitos.
27
Em síntese
O longo processo de construção de esquemas conceituais que se desenvolve desde os
primeiros contatos da criança com a escrita se inicia com a capacidade de distinguir
desenho de escrita. A essa etapa se segue uma outra, na qual a criança elabora hipó-
teses sobre a quantidade, a combinação e a distribuição das letras, ou seja, a criança,
por seu próprio esforço intelectual, estabelece condições gráficas para a realização do
ato de leitura ou de escrita.
O próximo passo é a tentativa de compreender o que é que a escrita representa e, para
tentar responder a essa questão que ela mesma se coloca, formula uma primeira ideia:
pensar que a escrita é um nome. Para a criança, esta propriedade social, ou esta ma-
neira de chamar as coisas, é o que a escrita representa.
O desafio seguinte é considerar outra unidade que não seja o conjunto de letras com-
preendido entre os espaços em branco, que representa a unidade “palavra gráfica”.
O que a criança trata de compreender é o que representam os espaços em branco e,
a partir daí, ajustar as segmentações possíveis do enunciado até encontrar unidades
equivalentes.
Finalmente, a criança tenta fazer coincidir a escrita e o enunciado oral. Essa primeira
relação entre fragmentos escritos e unidades orais se estabelece no nível da sílaba. É o
que se chamou de “hipótese silábica”. A partir desse avanço conceitual, o aprendiz se-
gue elaborando hipóteses para encontrar soluções adequadas, capazes de representar
os sons graficamente, e, ao contrário, conhecer o som correspondente à grafia.
O DESENVOLVIMENTO DA
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
Quando as crianças chegam ao Ensino Fun-
damental, possuem um bom domínio da
língua materna: sabem utilizá-la para fins
de comunicação, sabem sua estrutura sin-
tática e têm um adequado conhecimento do
léxico. Sobre a escrita, podemos dizer que as
crianças chegam à escola sabendo suas fun-
ções (para que as pessoas leem e escrevem)
e sua estrutura em muitos gêneros textuais,
28
reconhecem os sinais gráficos, são capazes
de fazer o reconhecimento de algumas pala-
vras, etc. O trabalho pedagógico desenvol-
vido na escola busca ampliar o desenvolvi-
mento cognitivo e cultural das crianças.
Uma das capacidades das crianças que é
desenvolvida na escola, ao iniciarem o pro-
cesso formal de alfabetização, está relacio-
nada à análise do sistema fonológico da
língua que elas aprenderam a falar desde
muito cedo. Os estudos sobre a relação en-
tre consciência fonológica e alfabetização
vêm demonstrando o importante papel das
habilidades metafonológicas no processo
de aquisição da leitura e da escrita num sis-
tema alfabético. No entanto, pode-se dizer
que essas habilidades se desenvolvem con-
comitantemente a esse processo, e não pre-
viamente.
Para dizer do processo de desenvolvimento
dessa capacidade, vamos analisar a realiza-
ção de uma atividade muito comum no iní-
cio do ano letivo, em turmas de seis anos. A
atividade será apresentada em colunas, nas
quais serão destacadas as ações e as intera-
ções entre professora e crianças. Na tercei-
ra coluna, encontram-se comentários que
apresentam análises com foco na discussão
em torno do desenvolvimento da consciên-
cia fonológica.
A atividade será apresentada nos quadros
das páginas que se seguem (da página 22 à
página 26).
29
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – PRIMEIRA PARTE
Professora Crianças Comentários
Nos primeiros dias de aula,
a professora pede para que
as crianças digam outros
nomes de animais come-
çados da mesma maneira
como começa a palavra
cachorro.
Que nomes de animais co-
meçam com o mesmo som
da palavra cachorro?
Silêncio entre os alunos. O silêncio pode ser considerado
uma demonstração de que os
alunos não compreenderam o
pedido feito pela professora.
Uma possível justificativa para
isso é o fato de as crianças não
terem tido ainda oportunidade
de participar de atividades que
tomam a fala como objeto de
análise.
Muitas brincadeiras infantis que
exploram os sons das palavras,
como, por exemplo, as parlendas,
os trava-línguas, acabam fazen-
do com que as crianças prestem
atenção para os sons de palavras
ou partes de palavras.
Dessa forma, quando essas
brincadeiras e outras atividades
pedagógicas são realizadas com
a intenção de fazer com que as
crianças considerem os sons da
fala, ocorre uma mobilização
de capacidades relacionadas à
análise do sistema fonológico da
língua, através das quais as crian-
ças terão oportunidade de avan-
çar em suas representações sobre
a natureza e o funcionamento do
sistema de escrita.
Trocando em miúdos...
O termo “consciência fonológica” refere-se a um conjunto de habilidades relacionadas à capa-
cidade de a criança refletir e analisar a língua oral, capacidades essas que serão desenvolvidas
ao longo do processo de aquisição do sistema de escrita.
30
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEGUNDA PARTE
Professora Crianças Comentários
A professora pede, então, que
as crianças digam palavras
que combinam com a palavra
“mamão”.
Ao perceber que as crianças
estavam se valendo do aspec-
to semântico como referên-
cia para a realização da tarefa
proposta, a professora resolve
mostrar um cartaz com a fi-
gura de um cavalo e a escrita
da palavra cavalo. A profes-
sora faz a seguinte pergunta
para os alunos: “como se pro-
nuncia a palavra que está es-
crita aqui?”
As crianças respondem: “la-
ranja, abacaxi, manga, bana-
na”.
As crianças respondem: “ca-
valo”.
Podemos dizer que as crian-
ças se sentiram mais à vonta-
de com a segunda proposta,
porque a professora trocou
o termo “começam com o
mesmo som da palavra”, usa-
do no primeiro pedido, por
“palavras que combinam”.
Elas parecem ter enten-
dido que o que deve ser
feito é uma simples com-
binação de palavras.
No entanto, combinar pala-
vras para essas crianças é o
mesmo que combinar signifi-
cados. Pensar nas palavras do
ponto de vista dos sons que
as compõem é uma operação
que elas estão começando a
desenvolver a partir da ação
da professora.
Trazendo para a interlocu-
ção com as crianças o cartaz
com a figura de um cavalo e
a palavra escrita, a professora
está criando a possibilidade
para que as crianças compre-
endam que a palavra pode
ser analisada pelo menos sob
dois diferentes planos de lin-
guagem: o plano do significa-
do e o plano da expressão.
Trocando em miúdos...
O desenvolvimento da consciência fonológica parece estar relacionado ao próprio desenvolvi-
mento simbólico da criança, no sentido de ela vir a atentar para o aspecto sonoro das palavras
(significante), em detrimento de seu aspecto semântico (significado).
31
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – TERCEIRA PARTE
Professora Crianças Comentários
Em seguida, a professora for-
mula a seguinte pergunta:
“Quantas partes tem a pala-
vra cavalo?”
Algumas crianças ficam em
silêncio, outras já se dis-
traíram com os objetos na
carteira e outras dizem:
“ca-vaaaa-lo”
“ca-va-lo”
“caaaa-vaaaa-looo”
Quando a professora pergun-
ta aos alunos quantas partes
tem a palavra cavalo, ela faz
com que as crianças anali-
sem a palavra por meio da
atividade de segmentação das
unidades sonoras que consti-
tuem a palavra. Podemos ob-
servar, então, que nem todas
as crianças compreenderam
a tarefa proposta. As crian-
ças reconhecem, nesse tipo
de tarefa, uma oportunidade
de lidar, de forma lúdica, com
os sons da língua oral. No en-
tanto estão realizando uma
atividade de análise que vai
levá-las à elaboração de uma
representação da sílaba en-
quanto unidade sonora.
Trocando em miúdos...
	 A noção de recorte ou de segmentação (analisar a fala) é fundamental na aquisição do
sistema alfabético de escrita. É preciso fazer com que a criança se dê conta de que aquilo que
ela percebe como um todo na língua oral, um “ bololô”, vai ser dividido em unidades menores
(em palavras, sílabas e fonemas).
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUARTA PARTE
Professora Crianças Comentários
A professora pergunta: “Como
começa a palavra cavalo?”
Muitas crianças respondem:
“Começa com ca.”
A professora, agora, faz com
que as crianças realizem uma
outra atividade, que é a iden-
tificação da sílaba inicial da
palavra.
Trocando em miúdos...
As sílabas são unidades naturalmente isoláveis no contínuo da fala. Esse parece ser o fator res-
ponsável pela elaboração de uma hipótese silábica anterior à hipótese alfabética no processo de
aquisição da língua escrita. A sílaba inicial parece ser mais facilmente observada pelas crianças.
32
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUINTA PARTE
Professora Crianças Comentários
Entusiasmada com o desem-
penho das crianças, a profes-
sora retoma a primeira tare-
fa proposta na aula para os
alunos: “Que outras palavras
começam como a palavra ca-
valo?”
“Cachorro” - diz um aluno. A professora volta a encorajar
as crianças a realizarem uma
comparação entre palavras
através da identificação de
palavras que começam com
a mesma sílaba. A aposta da
professora é a de que, uma
vez segmentada a palavra e
identificada a sílaba inicial da
palavra “cavalo”, as crianças
serão capazes de identificar
palavras semelhantes por te-
rem a mesma sílaba inicial.
Trocando em miúdos...
Podemos relacionar três importantes habilidades que constituem o trabalho na área da cons-
ciência fonológica:
1 - Identificação das unidades fonológicas;
2 - Segmentação das unidades fonológicas;
3 - Manipulação: inverter, subtrair e trocar segmentos fonológicos.
Essas habilidades precisam ser consideradas em relação aos diferentes níveis das unidades fo-
nológicas com as quais a criança pode operar: as unidades suprassegmentares – por exemplo,
rimas e aliterações –, as sílabas e os fonemas.
33
ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS
PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEXTA PARTE
Professora Crianças Comentários
“Muito bem”, reforça a pro-
fessora.
Neste momento, outros alu-
nos dizem: “Elefante, girafa,
burro, boi”.
Nesta aula, a professora tinha
como objetivo fazer com que
as crianças compreendessem
que as palavras orais podem ser
segmentadas em unidades silá-
bicas. Para isso, ela promoveu
como atividade didática a aná-
lise de palavras orais. Muitas
crianças tiveram oportunidade
de exercitar habilidades rela-
cionadas ao desenvolvimento
da consciência fonológica. No
entanto, o desenvolvimento da
capacidade de analisar e refletir
sobre a língua oral no processo
de alfabetização resulta em al-
teração na compreensão que as
crianças vão construindo para
o sistema de escrita enquanto
um sistema de representação.
Vale ressaltar que o processo de
compreensão não ocorre a par-
tir de alterações momentâne-
as das crianças. Ele é resulta-
do de um desenvolvimento
gradativo da percepção que a
criança vai adquirindo.
Os estudos sobre o desenvolvimento da
consciência fonológica das crianças peque-
nas sugerem a necessidade de uma aborda-
gem sistemática do sistema fonológico ao
longo do processo de alfabetização. Ao ela-
borar a proposta de ensino, é preciso consi-
derar diferentes níveis de abordagem atra-
vés da atividade pedagógica:
•	 Análise das variações linguísticas que
constituem a linguagem oral;
•	 Análise das diferentes unidades fono-
lógicas da língua oral;
•	 Reconhecimento das correspondên-
cias entre unidades fonológicas e uni-
dades do sistema de escrita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino e a aprendizagem da linguagem es-
crita em classes do primeiro ano do Ensino
34
Fundamental devem acontecer por meio de
estratégias capazes de respeitar as caracte-
rísticas das crianças e seu direito de viver
plenamente esse momento da vida. Encon-
trar uma forma de ensinar capaz de respei-
tar o direito ao conhecimento e, ao mesmo
tempo, a capacidade, o interesse e o desejo
de cada um de aprender se constitui em um
desafio da Pedagogia para qualquer nível de
ensino ou área de conhecimento. No caso
da aprendizagem da leitura e da escrita na
infância, há que se ter em conta pelo menos
três exigências.
A primeira é a consolidação de uma práti-
ca educativa na qual o aprendiz vai se apro-
priando da tecnologia da escrita, ao mesmo
tempo em que vai se tornando um usuário
competente desse sistema. Uma prática que
atenda igualmente a esses dois eixos que
constituem o processo de aquisição da lin-
guagem escrita, trabalhados de forma inte-
grada, sem que o desenvolvimento de um
deles ocorra anteriormente ao do outro.
A segunda exigência é considerar a escola
como espaço privilegiado para garantir esse
aprendizado. A linguagem escrita possui pelo
menos duas características que a aproxi-
mam da ação educativa formal. A primeira é
que se trata de uma linguagem estruturante
e, muitas vezes, pré-requisito para o acesso
a outras linguagens e outros sistemas de re-
presentação. A segunda característica é que
a linguagem escrita requer, diferentemente
de outros bens culturais, a sua apropriação
pelos sujeitos. Ou seja, espera-se que todos
os membros da cultura humana tornem-se
usuários desse sistema de representação.
A terceira e última exigência a ser conside-
rada na formação dos pequenos usuários da
linguagem escrita é o fato de que, por se
tratar de um direito, sua aprendizagem deve
respeitar as crianças como cidadãos e ato-
res do seu próprio desenvolvimento. Quer
consideremos o ponto de vista da criança
como um ser competente, cognitivamente
capaz de formular hipóteses, de interagir
com os signos e símbolos veiculados social-
mente; quer consideremos as característi-
cas da sociedade contemporânea como sen-
do um mundo grafocêntrico, a linguagem
escrita deve ser compreendida como um
bem cultural com o qual as crianças devem
interagir, mas, sobretudo, do qual devem se
apropriar como forma de inclusão na socie-
dade.
Finalmente, é importante destacar que tan-
to a linguagem escrita quanto sua aprendi-
zagem possuem elementos que as tornam
coerentes com o universo infantil, com sua
forma de construir significados para o que
se faz, para o que se vê e para aquilo que
se experimenta. O direito de ter acesso ao
mundo da linguagem escrita e dele se apro-
priar não pode descuidar-se do direito de ser
criança, e há muitas maneiras de se respei-
tarem ambos os direitos.
35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAPTISTA, M., MACIEL, F. & MONTEIRO, S.
M.(coord.). A criança de seis anos, a lingua-
gem escrita e o ensino fundamental de nove
anos. Brasília: Ministério da Educação. (No
prelo)
BARRERA, Sylvia Domingos; MALUF, Maria
Regina. Consciência metalinguística e alfa-
betização: um estudo com crianças da pri-
meira série do Ensino Fundamental. Psicolo-
gia: reflexão e crítica. São Paulo, Scielo, n. 16,
v. 3, p. 491-502. 03/ 2003.
FERREIRO, E. Los niños piensan sobre la escri-
tura. México: Siglo Veintiuno Ed., 2003. 1 CD
ROM.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. 4 ed. Psicogêne-
se da língua escrita. Porto Alegre: Artes Mé-
dicas, 1991.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gê-
neros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
TEBEROSKY, A.; CARDOSO, B. Reflexões sobre
o ensino da leitura e da escrita. Campinas, SP:
Ed. Universidades Estaduais de Campinas,
1991.
36
TEXTO 3
A abordagem das diferentes áreas do conhecimento
nos primeiros anos do Ensino Fundamental
Patrícia Corsino1
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tor-
namos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para
mudar, o que não se faz sem abertura do espírito (Paulo Freire, 1997, p.77).
Inicio este texto, que se propõe a refletir so-
bre as diferentes áreas do conhecimento e
os primeiros anos do Ensino Fundamental,
trazendo um relatório de uma professora do
segundo ano sobre um projeto desenvolvido
na sua turma:
METAMOFORSE: O SEGREDO DA
VIDA
Numa segunda-feira, Miguel entrou na
sala com um pote cheio de lagartas. A
curiosidade tomou conta da turma. To-
dos perguntavam ao mesmo tempo:
onde você pegou estas lagartas? O que
elas comem ? Elas bebem água? O quê?
Elas podem virar borboleta? Como?
O pote correu de mesa em mesa e cada
detalhe das lagartas pôde ser observado.
Pedi para o Mig deixar algumas lagartas
conosco e ele concordou. Arrumamos
as quatro lagartas (três grandes e uma
pequena) numa caixa de sapatos com
areia e folhas para se alimentarem e as-
sim iniciamos um delicioso trabalho de
Ciências.
Começamos a registrar as nossas obser-
vações diárias num papel, onde desenhos
e textos se complementavam ganhando
muitas cores. Todos tinham o que dizer
das lagartas. Sugeri textos coletivos,
mas cada um quis escrever o seu. Cada
dia as lagartas nos davam uma surpre-
sa. Um dia, uma delas ficou quietinha,
com o corpo escurecido. O que estaria
acontecendo? No dia seguinte, ela teceu
1	 Doutora em Educação pela PUC-Rio (2003), com especialização em Educação Infantil pela Universidade
Estácio de Sá (1983). Professora da UFRJ e Coordenadora da Secretaria de Ensino a Distância - MEC.
37
uma teia e se escondeu embaixo da areia
da caixa. Estava fazendo o casulo! Mig
já havia observado nas suas lagartas de
casa todo o processo de confecção dos
casulos e nos deu muitas explicações.
Assim, aguardamos atentamente este
momento. Enquanto isto, as outras duas
lagartas grandes comiam e a pequena
andava sem parar.
Não demorou muito para o casulo fi-
car pronto. Que engraçado, o casulo
se mexe! Outras duas lagartas ficaram
quietinhas e de noite fizeram uma "ca-
baninha" de folhas, teia e areia, e se es-
conderam lá dentro. Levantamos com
cuidado a "cabaninha" de folhas e lá
estavam elas quietinhas, só se moviam
com o nosso barulho e com a luz que en-
trava. O corpo delas estava escuro, cas-
cudo e sem brilho. Todos nós olhávamos
com cuidado, levantando a "cabaninha"
com carinho.
O fim de semana passou e na segunda-
feira lá estavam os dois casulos pronti-
nhos. Eram pretos, com listras alaranja-
das e pareciam encerados. Cada vez que
levantávamos a "cabaninha" de folhas
para observá-los, eles se mexiam. Vimos
umas cascas ao lado de cada casulo e
descobrimos, com a ajuda das nossas
pesquisas, que algumas lagartas soltam
a casca que envolve o seu corpo antes
de fazerem o casulo. Confirmamos isto
quando olhamos bem as cascas e des-
cobrimos a parte do rosto da lagarta. A
lagarta pequena não resistiu e morreu. A
morte faz parte da vida.
Enquanto as lagartas preparavam a
metamorfose dentro do casulo, pesqui-
samos sobre borboletas, mariposas e
lagartas. A troca coletiva das pesquisas
feitas ampliou muito os nossos conheci-
mentos. Assim, já era possível saber as
diferenças entre borboletas e mariposas,
seus hábitos, sua alimentação, além de
compreender o ciclo de vida destes inse-
tos no qual a lagarta não passa de uma
larva, um estágio deste ciclo. Muitos li-
vros chegaram até a sala com informa-
ções e ilustrações. Quantos estudos já
foram feitos sobre estes bichos? Quantas
espécies existem? Que surpresa sairia
dos nossos casulos? Pelo tipo de lagar-
ta e pelo casulo, vimos que deveria ser
uma mariposa. Como os casulos da casa
do Mig eclodiram antes dos nossos, já
tínhamos a notícia de que se tratava re-
almente de uma mariposa de asas bem
escuras por fora e laranja por dentro.
Abrimos a caixa e vimos que o primeiro
casulo estava vazio. O que teria aconte-
cido com a mariposa? Teria nascido ou
não? A turma que estuda de manhã na
nossa sala teria mexido na caixa? Passa-
dos alguns dias, ao abrir a caixa... sur-
presa! Duas lindas mariposas estavam
38
lá dentro paradinhas. Mexemos numa
delas e a alegria tomou conta da turma
- ela voou pela sala! Gritaria, felicidade,
corre-corre. O melhor era deixá-la livre
voando lá fora. Pegamos a mariposa e
a soltamos no ar. Ela voou e parou no
telhado. A outra mariposa foi guardada
num vidro para que todos pudessem ob-
servá-la de perto, vendo os detalhes das
asas, das patas, das antenas. Registra-
mos nossas observações e procuramos
desenhá-la o mais parecida possível.
Queria deixar registrado neste relatório
o meu agradecimento ao Miguel e a to-
das as crianças que, com a sua curiosi-
dade, possibilitaram a construção cole-
tiva do conhecimento, dando mais sabor
ao saber, trazendo vida para a sala de
aula. Obrigada.
Um primeiro movimento a ser observado nes-
te relato é o acolhimento e a receptividade da
professora ao que a criança levou para a esco-
la e da criança que se dispôs a ceder algumas
de suas lagartas para a turma. A professora, ao
perceber que o interesse do Miguel havia des-
pertado a curiosidade do grupo, propõe a con-
tinuidade das observações com o pedido de fi-
car com algumas lagartas, o menino aceita e a
turma aprova. Este movimento de acolhimen-
to mútuo foi possível pelas relações de troca
e confiança estabelecidas no grupo. É comum
as crianças levarem coisas para a escola para
mostrar aos amigos. Talvez não seja comum
a chegada na sala de um pote cheio de lagar-
tas, mas o que é feito com os objetos e narra-
tivas que as crianças levam? Este movimento
do adulto se curvar à criança foi traduzido por
Van Gogh (1853-1890) na sua obra Primeiros
Passos, que reproduzimos aqui.
39
Este quadro, retratando o gesto do adulto de
abaixar para se aproximar da criança, traz
também a ideia da escuta, de interlocução. A
criança entendida não mais como in-fant – o
que não fala e, portanto, o que não é ouvido –,
mas como alguém que tem o que dizer, é com-
petente o suficiente para atribuir significados
ao que está ao seu redor, produz algo singular a
partir do que vive e sente, participa ativamen-
te da cultura, se formando e transformando.
Compreender a criança a partir deste ponto de
vista é o que garante a escuta de suas ques-
tões, a valorização de suas produções, a alte-
ração do lugar do adulto de detentor do saber
e da criança do lugar de quem não sabe, não
pode, não consegue, não tem.
Um segundo movimento percebido no relato
da professora e que se articula ao anterior é a
abertura para o imprevisível, que pode ser en-
tendida como compromisso ético-político, já
que, como afirma Geraldi (2003, p. 47) a vida
concebida como acontecimento ético aberto não
comporta acabamento. Naquela turma houve
espaço e tempo para algo fora do previsto, o
inacabamento que permitiu o contorno dado
pelo outro-criança. Isso remete a algumas ca-
racterísticas e dimensões do planejamento,
tais como abordei em texto anterior (Corsino,
2006), quais sejam: i) o inacabamento; ii) a par-
ticipação do coletivo; iii) a tensão entre previsi-
bilidade e imprevisibilidade; iv) a continuidade
e o encadeamento das propostas, uma vez que
o conhecimento se dá em rede e também em
saltos e rupturas.
O planejamento como organização do tem-
po e do espaço, em que as ações e intera-
ções serão vivenciadas pela turma, é im-
prescindível. Sem planejamento, a função
educativa da escola, em sua estreita relação
com a cultura, não se efetiva plenamente.
No relato da professora, fica evidente a or-
ganização de um projeto a partir da chega-
da das lagartas. A busca de resposta às per-
guntas das crianças levou às pesquisas e aos
registros. A cada observação, surgem novas
buscas de fontes e novas formas de expres-
sar e expandir o observado. Como pode ser
percebido, a professora relata a observação
da metamorfose da lagarta à mariposa e
os registros deste processo, dando ênfase
à área das Ciências Naturais. Fica evidente
que seu objetivo foi ampliar a curiosidade
das crianças, incentivá-las a levantar hipó-
teses e a construir conhecimentos sobre os
seres vivos, sobre a relação entre o homem e
a natureza, etc. Certamente ocorreram mui-
tas aprendizagens a partir das situações re-
latadas e também de outras que não foram
registradas. O relato é uma impressão ampla
do processo de um grupo e não de um sujei-
to em particular.
Entretanto, se fizermos um exercício deno-
minado por Helm e Beneke (2005) de rede
antecipatória, em que por associação de
ideias e possibilidades de articulação puxa-
mos vários assuntos, podemos pensar o pro-
jeto de forma expandida às diferentes áreas
do conhecimento. Por exemplo, a literatura
40
infantil poderia ser um fio a ser puxado, com
histórias e poemas que trazem a dimensão
ficcional e metafórica da metamorfose, en-
traria como contraponto aos conhecimen-
tos da área da Biologia que estavam sendo
trabalhados, a leitura e a escrita se estende-
riam a gêneros literários.
Nos primeiros anos de escolarização, proje-
tos como o relatado são possibilidades ím-
pares de articulação entre diferentes áreas
do conhecimento. As crianças são curiosas
e é esta curiosidade que move o seu interes-
se, que favorece as ampliações, que provoca
aprendizagens, que desenvolve capacidades.
Portanto, a atenção aos interesses do gru-
po é um caminho importante para tornar o
cotidiano escolar significativo e dinâmico. É
fundamental que o professor também se in-
teresse pelo assunto que está desenvolven-
do com a turma, que se envolva na busca
por respostas, que as busque em diferentes
fontes, que tenha as produções culturais de
diferente épocas, grupos sociais, áreas de co-
nhecimento como um vasto campo aberto à
escola. São as possibilidades de as crianças
estabelecerem relações que fazem com que
uma atividade ou projeto da escola se tor-
ne relevante para sua vida. É na troca com
o outro que os conhecimentos vão fazendo
sentido e é na partilha das descobertas que
os conhecimentos aprendidos se tornam um
território comum do grupo.
Segundo Vygotsky (2000), o elo central do
processo de aprendizagem é a formação de
conceitos. O autor compara e inter-relaciona
duas categorias de conceitos: os conceitos
espontâneos – construídos cotidianamente
pela ação direta das crianças sobre a reali-
dade que elas experimentam e observam –
e os conceitos científicos – construídos em
situações formais de ensino-aprendizagem.
Para o autor, os conceitos espontâneos per-
correm muitos caminhos até a criança ser
capaz de defini-los verbalmente. Por exem-
plo, o conceito de irmão, o próprio Vygotsky
relata a dificuldade inicial de a criança defi-
nir o conceito, mesmo tendo a experiência
de ter um irmão. Já os conceitos científicos,
que partem de uma definição, precisam
aliar a formulação cientifica à experiência
das crianças. As apropriações dos conceitos
espontâneos e dos conceitos científicos se-
guem, assim, direções diferentes, mas são
processos intimamente interligados que
exercem influências mútuas.
O autor enfatiza que a apreensão dos siste-
mas de conhecimento científicos pressupõe
um tecido conceitual já amplamente ela-
borado e desenvolvido por meio da ativida-
de espontânea do pensamento infantil. E,
ainda, destaca que o desenvolvimento dos
conceitos científicos não é fruto de memo-
rização ou de imitação, pois estes conceitos
surgem e se constituem por meio de uma
tensão de toda atividade do próprio pensa-
mento infantil: na medida em que a criança
toma conhecimento pela primeira vez do sig-
41
nificado de uma nova palavra, o processo de
desenvolvimento dos conceitos não termi-
na, mas está apenas começando (Vygotsky,
2000, p. 252). Estudando as complexas rela-
ções entre as duas categorias de conceitos,
Vygotsky (2000) observou que, embora as
crianças consigam operar espontaneamen-
te com uma série de palavras, elas não têm
consciência da sua definição, ou seja, não
conseguem tomar consciência do seu pró-
prio pensamento. Isto é, quanto mais usam
automaticamente alguma relação tanto me-
nos têm consciência dela. Por isso, entende
que tomar consciência de alguma operação
significa transferi-la do plano da ação para o
plano da linguagem, isto é, recriá-la na ima-
ginação para que seja possível exprimi-la em
palavras (p. 275). Para o autor, o desenvol-
vimento consiste nesta progressiva tomada
de consciência dos conceitos e operações do
próprio pensamento.
Nesta perspectiva, a linguagem ganha uma
dimensão central em todo o processo de
desenvolvimento e aprendizagem. Falar so-
bre o que viu, observou, sentiu, bem como
desenhar, pintar, dramatizar as situações e
observações vividas, ditar para outra pes-
soa escrever ou escrever para dizer algo
para alguém são ações que vão possibilitar
as recriações do vivido. Recriações contex-
tualizadas, uma vez que partem do coletivo
(intrapsíquico), são significadas subjetiva-
mente (interpsíquico) e retornam ao coleti-
vo reelaboradas.
No relato da professora, podemos notar que
as crianças obtiveram muitas informações
sobre o processo da metamorfose da lagarta
à mariposa, mas aprenderam principalmen-
te a levantar hipóteses, a procurar informa-
ções em diferentes fontes, a registrar – com
desenhos e por escrito – a partir de obser-
vações sistemáticas, a pensar no tempo de
duração da metamorfose e nas diferenças
entre os tempos de cada lagarta, a observar
que a vida comporta a morte, a comparar
o processo de crescimento/desenvolvimen-
to entre animais, entre outros. O conteúdo
em si da metamorfose é muito pouco diante
do que um projeto como este pode abrir ao
sujeito. É notório que toda a articulação de
saberes que o projeto favoreceu teve a pro-
fessora como mediadora. Foi ela quem, efe-
tivamente, selecionou e organizou o que foi
trabalhado com as crianças e como foi feito
este trabalho.
Para dar continuidade às reflexões sobre as
áreas do conhecimento nos primeiros anos
do Ensino Fundamental, trago a seguir algu-
mas questões sobre esta articulação entre
educação e cultura e o lugar do professor no
processo de seleção e produção de conheci-
mento na escola.
EDUCAÇÃO, CULTURA,
CURRÍCULO
(…) a educação não é nada fora da cultura
e sem ela. Mas, reciprocamente, é pela e
42
na educação, através do trabalho pacien-
te e continuamente recomeçado de uma
“tradição docente” que a cultura se trans-
mite e se perpetua: a educação “realiza”
a cultura como memória viva, reativação
incessante e sempre ameaçada, fio precá-
rio e promessa necessária da continuidade
humana (Forquin,1993, p. 14).
Forquin ajuda a refletir sobre as inter-rela-
ções entre educação e cultura, enfatizando
a importância da ação docente neste proces-
so. Para o autor, pode-se dizer que a cultura
é o conteúdo substancial da educação, sua
fonte e sua justificação última.
Partimos de uma visão de cultura como prá-
tica social. Como afirmam Moreira e Can-
dau (2007, p. 27), quando um grupo compar-
tilha uma cultura, compartilha um conjunto
de significados, construídos, ensinados e
aprendidos nas práticas de utilização da
linguagem. A palavra cultura implica, por-
tanto, o conjunto de práticas por meio das
quais significados são produzidos e compar-
tilhados em um grupo. Isto é, um conjunto
de práticas significantes.
Nesta perpectiva, os autores discutem o cur-
rículo como escolhas, como uma seleção cul-
tural da escola. Portanto, um conjunto de prá-
ticas que propicia a produção, a circulação e
o consumo de significados. O currículo é, por
consequência, um dispositivo de grande efeito
no processo de construção da identidade do(a)
estudante( id. p. 28). E não se pode desconside-
rar a relação de poder e as tensões que se tra-
vam neste processo seletivo da cultura: o cur-
rículo é um território em que se travam ferozes
competições em torno dos significados (Moreira
e Caudau, 2007, p. 28).
A escola é a instituição oficialmente encarre-
gada de organizar, selecionar, decantar, adap-
tar elementos da cultura, para serem trans-
mitidos às novas gerações. Cabe a ela não
só a função de selecionar o que deverá ser
ensinado, como também de pensar o como
estes saberes deverão ser organizados para
serem aprendidos da melhor maneira possí-
vel. Ao pensar o como, a escola reorganiza
didaticamente aqueles saberes, faz transpo-
sições didáticas dos saberes eruditos, produ-
zindo substitutos didáticos da cultura social
de referência, produzindo os conhecimentos
escolares. Estes conhecimentos, por sua vez,
são responsáveis por formas típicas de ati-
vidades intelectuais, influenciando também
a produção cultural fora dos muros escola-
res. Portanto, o professor, com seus saberes
e suas condições de trabalho, é, em última
instância, quem realiza o currículo, transmi-
tindo, perpetuando e produzindo cultura.
Para Chevallard (1991, p.15), o processo didáti-
co é uma relação ternária entre um docente,
os alunos e o saber. Durante muito tempo, a
didática preocupou-se com a relação “ensino-
aprendizagem”, esquecendo-se do saber. Ao
levarmos em conta o saber nestas relações
43
e considerando a aquisição de conhecimento
como um processo interativo em que os su-
jeitos envolvidos não só se apropriam como
também produzem conhecimentos, surgem
algumas questões: quais são os critérios de
seleção dos saberes escolares? Que saberes
os professores possuem e tomam como refe-
rência e quais os que eles produzem?
O professor encontra-se no centro desta
complexa e tensa relação entre escola e cul-
tura. Especialmente porque a escola sempre
teve dificuldade em lidar com a pluralida-
de e com as diferenças, tendendo ao silen-
ciamento e neutralização de muitas vozes.
Moreira e Caudau (op. cit.) destacam, ain-
da, que a homogeneização e a padronização
têm sido sua marca, e que seu grande de-
safio é abrir espaços para a diversidade, a
diferença e para o cruzamento de culturas.
E este desafio se coloca desde os primeiros
anos da criança na escola. Nas seleções feitas
para cada faixa etária, em cada área de co-
nhecimento, nas formas de descontextuali-
zar e recontextualizar os saberes, nas aborda-
gens capazes de problematizar e confrontar
diferentes pontos de vistas, nas possibilida-
des de as crianças expressarem de diferentes
maneiras seus sentimentos, visões e formas
de significar o que está ao seu redor.
A linguagem, como constituinte do sujeito, é
a arena onde cultura e educação se realizam
mutuamente. Portanto, os espaços abertos
às interlocuções e partilhas são sinalizado-
res de uma educação comprometida com a
constituição das crianças e com a mudança.
Os conteúdos que circulam e a forma com
que são problematizados pelo professor re-
levam suas posições sócio-político-culturais.
Uma educação de qualidade, afirmam Mo-
reira e Candau (2007, p. 21) deve propiciar
ao (à) estudante ir além dos referentes pre-
sentes em seu mundo cotidiano, assumindo-o
e ampliando-o, transformando-se, assim, em
um sujeito ativo na mudança de seu contexto.
Portanto, não cabe mais na escola a antiga e
sempre presente lógica de transmissão e re-
produção de conhecimentos e também não
cabe mais pensar as áreas de conhecimento
de forma fechada e restrita.
A organização do currículo por áreas do co-
nhecimento é uma maneira (entre outras) de
tentar organizar os saberes em conhecimento
escolar. Os conteúdos selecionados para serem
trabalhados em cada área devem ser enten-
didos como possibilidades de socialização de
conhecimentos acumulados ao longo de uma
história ocidental, burguesa, urbana, branca
– portanto, precisam ser problematizados de
forma crítica – e também como possibilida-
de de desenvolver capacidades nas crianças.
Os conteúdos não são importantes por si sós e
sim enquanto suportes que dão sustentação a
inúmeras ações e interações.
A seguir, trago alguns objetivos amplos de
44
cada área sugeridos no documento do MEC
intitulado Ensino Fundamental de Nove anos:
orientações para inclusão das crianças de 6 anos
de idade, com a finalidade de se pensar uma
educação capaz de dotar as crianças de instru-
mentos para uma efetiva participação social
O TRABALHO COM AS
DIFERENTES ÁREAS DO
CONHECIMENTO: UMA SÍNTESE
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Trabalhar com os conhecimentos das Ciên-
cias Sociais nessa etapa de ensino reside, es-
pecialmente, no desenvolvimento da refle-
xão crítica sobre os grupos humanos, suas
relações, suas histórias, suas formas de se
organizar, de resolver problemas e de viver
em diferentes épocas e locais. Assim, a fa-
mília, a escola, a religião, o mundo do tra-
balho, o entorno social (bairro, comunida-
de, povoado), o campo, a cidade, o país e o
mundo são esferas da vida humana que com-
portam inúmeras relações, configurações e
organizações. Propor atividades em que as
crianças possam ampliar a compreensão da
sua própria história, da sua forma de viver
e de se relacionar; identificar diferenças e
semelhanças entre as histórias vividas pelos
colegas e por outras pessoas e grupos so-
ciais próximos ou distantes, que conhecem
pessoalmente ou que conheceram através
das histórias ouvidas, lidas, vistas na televi-
são, em filmes, em livros, etc. Histórias in-
dividuais e coletivas que participaram e que
participam da construção da história da so-
ciedade contemporânea, problematizando a
história de vencidos e de vencedores.
O trabalho com a área das Ciências Sociais
também tem como objetivo ajudar a criança
a pensar e a desenvolver atitudes de obser-
vação, de estudo e de comparação das pai-
sagens, do lugar onde habita, das relações
entre o homem e o espaço e a natureza. É
importante conhecer as transformações
ocorridas sob a ação humana na constru-
ção, povoamento e urbanização das diferen-
tes regiões do planeta; perceber que a ma-
neira como o homem lida com a natureza
interfere na paisagem e, consequentemen-
te, na forma e na qualidade de vida das pes-
soas. Deve-se propor atividades que levem
as crianças a investigarem e a intervirem
sobre a realidade, reconhecendo-se como
parte integrante da natureza e da cultura.
Nas séries/anos iniciais é também importan-
te que as atividades propostas possibilitem
às crianças construírem noções básicas de
tempo (ordenação, sequência, duração, con-
comitância) e de espaço (dentro e fora, em
cima e embaixo, em frente, atrás, etc.).
Na área das Ciências Naturais, o objetivo
é ampliar a curiosidade das crianças, incen-
tivá-las a levantar hipóteses e a construir
conhecimentos sobre os fenômenos físicos
e químicos, sobre os seres vivos e sobre a re-
45
lação entre o homem e a natureza e entre o
homem e as tecnologias. É importante orga-
nizar os tempos e os espaços da escola para
favorecer o contato das crianças com a na-
tureza e com as tecnologias, possibilitando
a observação, a experimentação, o debate e
a ampliação de conhecimentos científicos.
As atividades didáticas desta área têm como
finalidade desafiar as crianças, levá-las a
prever resultados, a simular situações, ela-
borar hipóteses,
a refletir sobre
as situações
do cotidiano, a
se posicionar
enquanto par-
te da natureza
e membro de
uma espécie
– entre tantas
outras espécies
do planeta –,
estabelecendo
as mais diversas relações e percebendo o
significado dos saberes dessa área com suas
ações do cotidiano.
O objetivo do trabalho com as Noções Ló-
gico-matemáticas nas séries/anos iniciais
é dar oportunidade às crianças de coloca-
rem todos os tipos de objetos, eventos e
ações em todas as espécies de relações (Ka-
mii,1986). Encorajar as crianças a identificar
semelhanças e diferenças entre diferentes
elementos, classificando, ordenando e se-
riando; a fazer correspondências e agrupa-
mentos; a comparar conjuntos; a pensar
sobre números e quantidades de objetos
quando estes forem significativos para elas,
operando com quantidades e registrando as
situações-problemas (inicialmente de forma
espontânea e, posteriormente, usando a lin-
guagem matemática). É importante que as
atividades propostas sejam acompanhadas
de jogos e de situações-problemas e que
promovam a troca de
idéias entre as crian-
ças. Especialmente
nesta área é funda-
mental o professor
fazer perguntas às
crianças para poder
intervir e questionar
a partir da lógica de-
las.
O trabalho com área
da Linguagem parte
do princípio de que a criança, desde bem
pequena, tem infinitas possibilidades para o
desenvolvimento de sua sensibilidade e de
sua expressão. Um dos grandes objetivos do
currículo nesta área é a educação estética ,
isto é, sensibilizar a criança para apreciar
uma pintura, uma escultura, assistir a um
filme, ouvir uma música. Neste período, é
importante a criança vivenciar atividades
em que possa ver, reconhecer, sentir, expe-
rienciar, imaginar e atuar sobre as diversas
O trabalho com área
da Linguagem parte do
princípio de que a criança,
desde bem pequena, tem
infinitas possibilidades
para o desenvolvimento de
sua sensibilidade e de sua
expressão.
Tudoparaopnaic 140115181324-phpapp02
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  • 1. Anos iniciais do Ensino Fundamental ISSN 1982 - 0283 Ano XIX – Nº 12 – Setembro/2009 Ministério da Educação Secretaria de Educação a Distância
  • 2. SUMÁRIO Anos iniciais do Ensino Fundamental Aos professores e professoras.................................................................................... 3 Rosa Helena Mendonça Apresentação da série Anos iniciais do Ensino Fundamental: A construção de uma prática educativa de qualidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental...............5 Francisca Maciel, Mônica Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro Texto 1 – Ensino Fundamental e os desafios da Lei n. 11.274/2006.............................10 Maria Malta Campos Texto 2 – Alfabetização e Letramento.......................................................................17 Sara Mourão Monteiro e Mônica Correia Baptista Texto 3 – Políticas e práticas escolares ................................................................... 36 Patrícia Corsino
  • 3. 3 Anos iniciais do Ensino Fundamental Aos professores e professoras, Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . . e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo. (Cecília Meireles) Tempo de brincadeira ou tempo de estudo? Ou isto ou aquilo? O que Cecília Meireles nos revela, em seus versos que atravessam gerações sem perder a atualidade e o encan- tamento? Muitas coisas, em poucas pala- vras. Afinal, não seria essa uma das possi- bilidades dos textos e ainda, de forma mais radical, dos poemas? Uma das revelações da poesia é que as es- colhas não precisam ser necessariamente entre isto ou aquilo, e que buscar entender as coisas do mundo faz parte da curiosidade humana, em especial na infância. E a escola é um desses espaços que ajudam a entender como as coisas funcionam, porque são de tal ou qual jeito. Na sala de aula, os profes- sores e as professoras ensinam muitas coi- sas, e também se aprende com os colegas, com as experiências, com as histórias, com os livros, com suas belas ilustrações e com as palavras, que são um convite para des- vendar o mundo da escrita. No universo da cultura letrada, as crianças, cada vez mais cedo, entram em contato com os textos, em diferentes contextos sociais, e são desafiadas a interagir com eles em sua diversidade. A escola é o lugar, por nature- za, em que a aprendizagem da leitura e da escrita é sistematizada, nas práticas de alfa- betização e letramento, processos indissoci- áveis que devem, no entanto ser entendidos na sua singularidade e complementaridade. Isto e aquilo, como podemos depreender do poema! E, ainda, o poema reforça a nossa lembrança de como as dimensões do brin- car e do aprender estão irremediavelmente relacionadas, em especial na infância. Nesse contexto, pensar sobre a importância da inclusão das crianças de seis anos nos
  • 4. 4 sistemas de ensino, com a consequente am- pliação do Ensino Fundamental para nove anos, é urgente e significativo. Com esse objetivo, a TV Escola apresenta, no programa Salto para o Futuro, a série Anos iniciais do Ensino Fundamental, com a consultoria de Francisca Maciel, Mônica Correia Baptista e Sara Mourão Monteiro, pesquisadoras do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (CEALE/FAE/UFMG). Esperamos que os textos desta publicação eletrônica e os programas da série contribuam para a reflexão de pro- fessores e professoras sobre a importância de se refletir sobre as práticas curriculares voltadas para a inclusão das crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Rosa Helena Mendonça1 1 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro.
  • 5. 5 APRESENTAÇÃO Anos iniciais do Ensino Fundamental A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA DE QUALIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS DE DURAÇÃO Francisca Maciel1 Mônica Correia Baptista2 Sara Mourão Monteiro3 1 Doutora em Educação pela UFMG (2001); Pós-doutorado em Educação pela PUC-SP (2006). Professora da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da série. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFMG. Consultora da série. 3 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFMG. Consultora da série. Conforme a Lei n. 11.274 de 06 de feverei- ro de 2006, o próximo ano, 2010, marcará a entrada definitiva das crianças de seis anos de idade em todas as redes educacionais do País. A inclusão dessas crianças concretiza o preceito legal de ampliar de oito para nove anos o Ensino Fundamental, único nível de ensino de matrícula obrigatória no País. Ao ter sua duração ampliada, o Ensino Funda- mental passará a acolher, principalmente, uma parcela da população brasileira que não encontrava vagas na rede pública de educação infantil e que não podia arcar com o custo de uma educação privada. Ainda que se considere a expansão das vagas como condição fundamental para a garantia do direito à educação, é no âmbito das prá- ticas pedagógicas que a instituição educati- va pode tornar-se ela mesma expressão ou não desse direito. Para que esse direito se cumpra, portanto, e para que se configure como promotor de novos direitos, o aces- so das crianças às instituições educativas e sua permanência nelas devem consolidar-se como direito ao conhecimento, à formação integral do ser humano e à participação no processo de construção de novos conheci- mentos. A concretização dessa prática comprometi- da com o direito ao pleno desenvolvimento humano implica um conjunto de desafios a serem superados tanto do ponto de vista das próprias crianças quanto daqueles res- ponsáveis pela sua efetivação: professores e demais profissionais da educação, gesto- res dos sistemas e das escolas, pesquisado- res. Tais desafios vão desde a adequação de espaços físicos, garantia de materialidade
  • 6. 6 adequada, adaptação dos instrumentos de registro, das normatizações; mas, sobretudo se relacionam à perspectiva pedagógica. Antes da análise e reflexão acerca dos di- ferentes aspectos presentes em cada um desses desafios, é importante ressaltar que todos eles são tributários da concepção de criança a partir da qual se constroem os pi- lares da ação educativa. Uma prática edu- cativa de qualidade exige, portanto, que se considere a criança como eixo do processo e considere as diferentes dimensões de sua formação. Requer, portanto, que se leve em conta a concepção de infância que se encon- tra subjacente às práticas e ações educati- vas. Atualmente, a partir da contribuição de di- ferentes áreas do conhecimento humano, tem-se construído um consenso em torno da ideia de que a infância, tal como a co- nhecemos hoje, não é um fenômeno na- tural e universal, mas sim, o resultado de uma construção paulatina das sociedades moderna e contemporânea. A infância dei- xou de ser compreendida como uma “pré” etapa da fase adulta, passando a ser identi- ficada como um estado diferenciado. Assim, ao mesmo tempo em que se reconhece que a definição de infância é tributária do con- texto histórico, social e cultural no qual se desenvolve, admite-se a especificidade que a constitui como uma das fases da vida hu- mana. Esse reconhecimento da especificidade da infância possibilitou avanços desde a pers- pectiva do desenvolvimento infantil, ou seja, de como as crianças compreendem o mundo e buscam dele se apropriar. Nessa perspectiva e durante um largo período, as investigações psicológicas se ocuparam em descrever e compreender os aspectos que caracterizavam e tornavam específica essa etapa de vida, enfatizando a gênese das fun- ções psíquicas e considerando os processos vividos na infância como condição estru- turante da vida mental do adulto. Piaget, como um dos eminentes teóricos da psi- cogênese, afirmava que suas investigações, ao analisarem os comportamentos infantis, tinham como objetivo principal investigar não a compreensão do conhecimento no seu estado final, mas sim, na sua gênese e no seu processo de construção. Assim como Piaget, Vygotsky também deu importância ao papel do sujeito na apren- dizagem. Entretanto, se para o primeiro os suportes biológicos que fundamentam sua teoria dos estados universais receberam maior destaque, para o segundo a interação entre as condições sociais na transformação e os substratos do comportamento humano foram os elementos fundamentais para sua teoria sobre o desenvolvimento humano. As interações sociais, para Vygotsky, ocupam a centralidade do processo de desenvolvimen- to do sujeito e são percebidas como consti- tutivas da sua identidade. Para esse teórico,
  • 7. 7 o funcionamento psicológico fundamenta- se nas relações sociais do indivíduo com o meio, mediadas por outros indivíduos, num processo histórico. Ou seja, é imerso na tra- ma das relações sociais que o indivíduo vai se constituindo, através da carga de valores, conceitos, preconceitos e teorias constante- mente reelaborados e internalizados. Entretanto, o fato de reconhecermos a in- fância como uma construção social, o que nos possibilitou conhecer melhor as crian- ças e suas formas de interagir com o mun- do, não pode significar a compreensão da infância como um universo isolado, como se adultos e crianças não compartissem prá- ticas culturais comuns. As crianças, como atores sociais de pleno direito, participam efetivamente do contexto social no qual estão inseridas e interagem com os signos e símbolos construídos socialmente, assim como constroem novos signos e símbolos a partir dessa interação: As culturas infantis não nascem no uni- verso simbólico exclusivo da infância, este universo não está fechado – muito pelo contrário, é mais que qualquer ou- tro, extremamente permeável - tampou- co está distante do reflexo social global. A interpretação das culturas infantis, em síntese, não pode realizar-se no vazio social, e necessita sustentar-se na aná- lise das condições sociais nas quais as crianças vivem, interagem e dão senti- do ao que fazem (PINTO & SARMENTO, 1997, p. 22). O que importa destacar é que o reconheci- mento da especificidade da infância, como esperamos ter assinalado, não pode signifi- car seu isolamento diante dos demais gru- pos sociais. Se o estatuto de ator social é conferido aos seres humanos tendo em con- ta sua capacidade de interagir em sociedade e de atribuir sentido a suas ações, então, re- conhecer a infância como uma construção social da qual participam as crianças como atores sociais de pleno direito implica con- siderar sua capacidade de produção simbóli- ca, de representações e crenças em sistemas organizados. É na inter-relação com as ou- tras culturas que a cultura infantil se consti- tui como tal. Nesse sentido, se pode afirmar que as crianças são sujeitos capazes de inte- ragir com os signos e símbolos construídos socialmente, bem como de atribuir distintos significados a partir dessa interação. Por tudo que argumentamos até aqui, gos- taríamos de salientar que nove anos de es- colaridade obrigatória devem significar a ampliação do direito à educação não apenas quantitativamente – mais crianças na escola e mais anos de escolarização para cada uma delas – mas, sobretudo, qualitativamente – mais crianças, por mais tempo, em uma es- cola de qualidade. Uma escola que respeite as crianças e que lhes assegure o tempo da infância.
  • 8. 8 A discussão sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nos primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de dura- ção deve, pois, responder ao desafio de asse- gurar uma educação de qualidade para nos- sas crianças. Nesta série do Programa Salto para o Futuro, denominada Anos iniciais do Ensino Fundamental, pretendemos debater aspectos fundamentais para o cumprimento desse direito. Textos da série: Anos iniciais do Ensino Fundamental4 A série Anos iniciais do Ensino Fundamental, que será veiculada no programa Salto para o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro de 2009, tem como proposta discutir as prá- ticas educativas a serem desenvolvidas nos primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos de duração. Em 2010, todas as re- des educacionais do País devem cumprir a Lei n. 11.274, que determina a inclusão das crianças de seis anos de idade no Ensino Fun- damental, ampliando de oito para nove anos esta etapa da escolaridade, que é obrigatória. A série visa destacar que a ampliação do di- reito à educação não deve ser feita apenas quantitativamente mas, sobretudo, qualita- tivamente – mais crianças, por mais tempo, em uma escola de qualidade, que respeite as crianças e lhes assegure o tempo da infância. TEXTO 1: ENSINO FUNDAMENTAL E OS DESAFIOS DA LEI N. 11.274/2006 No primeiro texto, são abordados os moti- vos que levaram à ampliação do Ensino Fun- damental para nove anos de duração, signi- ficando a inclusão das crianças de seis anos. Para responder a essa questão é importante conhecermos o panorama e o contexto polí- tico e social que possibilitaram a elaboração dessa diretriz da política educacional. Ainda no primeiro texto, pretende-se apresentar informações sobre a situação em nível na- cional: como os municípios e estados se en- contram frente à determinação legal de im- plementar, até 2010, a inclusão das crianças de seis anos no Ensino Fundamental; quais as expectativas de gestores, professores e pesquisadores da área, quais os desafios do ponto de vista gerencial para se assegurar esse pressuposto legal. 4 Estes textos são complementares à série Anos iniciais do Ensino Fundamental, que será veiculada no programa Salto para o Futuro/TV Escola de 21 a 25 de setembro de 2009. TEXTO 2 : ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO No segundo texto, são discutidos aspectos rela- cionados à garantia do acesso ao conhecimen- to formal às crianças de seis a dez anos. No primeiro deles, tendo em vista a importância
  • 9. 9 atribuída à apropriação da escrita pelas crian- ças e, sobretudo, a polêmica em torno da idade apropriada para iniciar-se esta aprendizagem, serão problematizados aspectos relacionados ao aprendizado da leitura e da escrita no pri- meiro ano do Ensino Fundamental. TEXTO 3: A ABORDAGEM DAS DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO No terceiro texto, são retomadas as ques- tões abordadas no segundo texto e também são debatidos temas relacionados às áreas do conhecimento humano e às diferentes di- mensões presentes na formação humana. O que deve ser ensinado nos primeiros anos de Ensino Fundamental? Como assegurar o ple- no desenvolvimento das crianças? Que áreas do conhecimentos devem ser priorizadas e como assegurar que as crianças desenvol- vam as diferentes linguagens? Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para o quarto programa, com entrevistas que refletem sobre esta temática (Outros olhares sobre Anos iniciais do Ensino Funda- mental) e para as discussões do quinto e últi- mo programa da série (Anos iniciais do Ensino Fundamental em debate). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVAREZ, A.; DEL RÍO, P. Educación y desar- rollo: la teoría de Vygotsky y la zona de de- sarrollo próximo. In: COLL, C; PALACIOS, J. MARCHESI, A. (Comp.). Desarrollo psicológi- co y educación. Madrid: Alianza, 1990. ARIÉS, P. História social da criança e da famí- lia. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 279p. COLE, M. & SCRIBNER, S. Introdução. In: Vygotsky, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1-19. GOUVEIA, M. A cultura da infância, a infân- cia na cultura. Infância na ciranda da educa- ção, Belo Horizonte, n. 4, p. 37-41, fev. 2000. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e de- senvolvimento. Um processo histórico. São Paulo: Scipione, 1997. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 370p. PINTO, M. & SARMENTO, J. (Coord.). As crianças: contextos e identidades. Braga. CESC/Universidade do Minho, 1997. VYGOTSKY, L. El desarrollo de los procesos psi- cológicos superiores. Barcelona: Crítica, 2000.
  • 10. 10 TEXTO 1 Ensino Fundamental e os desafios da Lei n.11.274/2006 POR UMA PRÁTICA EDUCATIVA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL QUE RESPEITE OS DIREITOS DA CRIANÇA À APRENDIZAGEM Maria Malta Campos1 Hoje a escola básica brasileira encontra-se em uma nova etapa. Depois de passados 21 anos da promulgação da Constituição Fede- ral, e 13 anos da aprovação da LDB, vivemos um momento em que se apresentam novos desafios aos educadores, mas, por outro lado, ainda não foi possível superar muitos dos velhos problemas que sempre afligiram a educação no país. As mudanças mais recentes – como a expansão da Educação Infantil, a inclusão das crianças de seis anos na escola obrigatória e a extensão do Ensino Fundamental para nove anos – so- mam-se a desafios não superados, heranças de tempos passados: as taxas de repetência mais altas da América Latina; as alfabetizações mal sucedidas de alunos com acesso à escola, mas sem acesso à aprendizagem; a falta de integra- ção entre a pré-escola e as primeiras séries; a formação inadequada dos professores; as con- dições desiguais de funcionamento das escolas públicas, entre muitas outras. As estatísticas do Ministério da Educação de 2007 mostram que existem, no Brasil, seis milhões e meio de crianças matriculadas na Educação Infantil, sendo um milhão e meio na creche e cerca de cinco milhões na pré-escola. Em comparação, nas primeiras séries do Ensino Fundamental estão matri- culados cerca de 18 milhões de alunos em todo o país. Esses números mostram aspec- tos importantes de nossa realidade: primei- ro, as matrículas na Educação Infantil já re- presentam mais de um terço daquelas no primeiro segmento do Ensino Fundamental, ou seja, constituem um contingente impor- tante de crianças que iniciam sua escola- ridade e sua experiência como educandos muito antes de chegarem à primeira série; segundo, ainda existe um conjunto de alu- nos que não tem acesso à Educação Infan- til, especialmente nas camadas mais pobres da população, entre a população negra e na zona rural, como indicam outras fontes de dados. 1 Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, presidente da diretoria colegiada da ONG - Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.
  • 11. 11 Durante muito tempo, lamentou-se, no país, a grande proporção de crianças da es- cola pública que nunca havia frequentado a pré-escola. Pois bem, essa realidade mudou. Porém, será que essa expansão da Educação Infantil significou melhores condições de aprendizagem para as crianças que ingres- sam na primeira série? Mais ainda: será que os professores da escola pública aprende- ram a considerar as aprendizagens prévias de seus alunos de primeira série como pon- to de partida para seu trabalho no início do Ensino Fundamental? 1. A necessidade de integração entre os currículos da Educação Infantil e das primeiras séries Até recentemente, as propostas curricula- res da educação infantil e das primeiras sé- ries foram pensadas e propostas de forma independente. Existem poucas experiências no país de integração curricular entre essas duas etapas da educação básica. Por que se- ria importante avançar nessa direção? Sabemos que os primeiros anos de vida são muito importantes do ponto de vista da aprendizagem e da socialização das crianças pequenas. O desenvolvimento da linguagem oral, o amadurecimento motor amplo e fino, as interações entre pares e entre crianças e adultos, a noção de identidade, o reconheci- mento do próprio corpo, o conhecimento do mundo, a descoberta das múltiplas formas de brincar são alguns entre muitos aspectos dessa etapa rica em possibilidades que as crianças vivem em seus primeiros anos. À medida que se aproxima dos seis anos de idade, a enorme curiosidade e vontade de aprender da criança comporta uma progra- mação mais dirigida às diversas áreas do co- nhecimento, sem que isso signifique uma es- colarização precoce nos moldes tradicionais. O letramento e as primeiras noções de alfa- betização, a iniciação matemática, os conhe- cimentos sobre o mundo natural e o mundo da cultura, a criatividade artística, as ativi- dades físicas e lúdicas em espaços amplos, o trabalho em grupo são importantes para am- pliar as possibilidades de desenvolvimento e expressão infantis. Assim, deveriam ser orga- nizadas as atividades e rotinas da Educação Infantil, em uma concepção de respeito ao direito à aprendizagem da criança pequena. Nesse processo, a criança pré-escolar apren- de a ser aluno e a ser cidadã; não há motivos para que sua passagem para a primeira sé- rie signifique um rompimento brusco de um processo vivido intensamente por ela nos anos em que frequentou a Educação Infantil. Seria desejável que essa transição ocorres- se de forma a ampliar as possibilidades de aprendizagem das crianças, incorporando novas metas, sem que para isso seja preciso desconsiderar formas de trabalho pedagógi- co apropriadas para cada faixa etária. Uma
  • 12. 12 criança de cinco, seis, sete anos de idade é a mesma, seja em uma etapa educacional, seja em outra. Os conteúdos e métodos de ensino devem estar ajustados às suas características e potencialidades, seja em que escola ela esti- ver sendo educada. Quanto mais harmoniosa for essa passagem, mais condições a criança terá de manter seu interesse em aprender. No entanto, muitas vezes o acolhimento dos egressos da Educação Infantil não leva em consideração essas experiências educativas anteriores. A escola de Ensino Fundamental não só costuma tratar todos os novos alunos da mesma forma – tenham eles ou não já sido alunos nos anos anteriores – como também parece que faz questão de reforçar as ruptu- ras entre as duas etapas iniciais da educação básica: sinaliza-se claramente que acabou o direito à brincadeira, que a obrigação leva a melhor sobre a motivação, que a aprendiza- gem é imposta e não construída, que todos devem seguir no mesmo ritmo, independen- temente de suas diferenças individuais, cul- turais ou de nível de conhecimento. Por sua vez, as instituições de Educação Infantil não gostam de preparar suas crianças para o Ensino Fundamental. Esse futuro é muitas vezes tratado como um castigo, como um destino não desejado, levando os educadores a uma atitude de enclausuramento, com base em uma con- cepção pedagógica idealizada como algo totalmente à parte do restante da educa- ção básica. Em diversos contextos, essa postura é encontrada mais no discurso dos adultos do que nas práticas cotidia- nas, que pouco mudaram desde sua ori- gem predominantemente assistencial e custodial. É preciso superar essas distorções, tanto na Educação Infantil, como no início do Ensino Fundamental, em direção a uma concepção mais integrada de educação básica. 2. Colocando a alfabetização em pers- pectiva2 A sociedade brasileira sempre teve dificul- dades em democratizar o acesso à leitura e à escrita. A simples menção à alfabetização provoca tensões, sobressaltos, ansiedades, tanto em profissionais como nas famílias. A memória das gerações passadas, privadas desse conhecimento, parece que está presi- dindo a chegada das novas levas de alunos, como que prenunciando seu possível fracas- so escolar. A experiência truncada de escolaridade da maioria dos brasileiros atesta que é muito difícil lidar com essa herança. As práticas 2 Este item baseia-se em artigo da mesma autora publicado na Revista do CEALE- UFMG.
  • 13. 13 adotadas na maioria das pré-escolas e esco- las de Ensino Fundamental ainda se encon- tram defasadas em relação ao saber acumu- lado sobre os processos de aprendizagem, de letramento e de alfabetização. No campo da Educação Infantil, podemos observar duas posições extremas. De um lado, muitas pré-escolas forçam uma alfa- betização a crianças muito novas, sem res- peitar os ritmos individuais e as caracterís- ticas da faixa etária. De outro lado, prospera uma visão romantizada do desenvolvimento infantil, que rejeita qualquer programação que inclua material escrito, entendida como escolarização precoce, privando as crianças mais pobres daquelas experiências de que não dispõem em seus ambientes familiares. No caso das creches, que atendem a crian- ças de 0 a 3 anos, observa-se a ausência de uma preocupação em desenvolver a lingua- gem oral e a falta de contato com livros de literatura infantil apropriados a essa faixa etária, entre outros materiais. Nas primeiras séries, a situação se inverte ou se acentua: a pressão para a alfabetiza- ção em um ano, o lugar quase exclusivo que as atividades de alfabetização ocupam no currículo, o efeito indutor dos sistemas de avaliação externos à escola, tudo isso cria uma pressão muito grande tanto nos pro- fessores, como nos alunos e suas famílias. Não parece que esse seja o melhor caminho, quando se leva em conta os resultados ne- gativos constatados nessas mesmas avalia- ções. Nas palavras de Emília Ferreiro: “Assim como os objetivos da alfabetização do início da escola primária necessitam redefinir-se, também necessitam redefinir-se os objeti- vos da pré-escola com respeito à alfabetiza- ção. Não se trata, nesse nível, nem de adotar as práticas ruins da escola primária, seguin- do este ou aquele método de ensinar a ler e escrever, nem de manter as crianças assep- ticamente afastadas de todo o contato com a língua escrita. Esta é uma falsa dicotomia que se expressa na famosa pergunta: deve se ensinar a ler e escrever na pré-escola ou não? Minha resposta é simples: não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança aprenda” (p.38). Ao propor diferentes formas de proporcio- nar às crianças uma aproximação e uma maior familiaridade com a escrita e a leitu- ra, desde a pré-escola e também nas primei- ras séries, a autora mostra como converter a alfabetização em “uma tarefa interessan- te, que dá lugar a muita reflexão e a muita discussão. A língua escrita se converte num objeto de ação e não de contemplação. É possível aproximar-se dela sem medo, por- que se pode agir sobre ela, transformá-la e recriá-la” (p. 47). Já vivemos hoje em uma situação em que a maioria dos alunos permanecerá muitos
  • 14. 14 anos na escola. Existem diversas coisas para aprender na escola que não dependem es- tritamente da alfabetização; por outro lado, várias experiências mostram que a curiosi- dade e o gosto por aprender e por se expres- sar facilitam também o domínio da leitura e da escrita. É preciso, sem deixar de reconhe- cer a importância da alfabetização, colocá- la em perspectiva, no campo mais amplo da cultura e do conhecimento em geral. 3. Os diferentes modelos de relaciona- mento entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental O autor britânico Peter Moss classifica as re- lações que se estabelecem entre esses dois níveis educacionais em quatro tipos: a. Preparando a criança para a escola Nesse modelo, a escola obrigatória é clara- mente o parceiro dominante e o papel da Educação Infantil é preparar a criança para que esteja pronta a atender os requisitos exigidos pelo ensino fundamental. A palavra chave é “prontidão”, entendida como o ajus- tamento da criança às exigências do sistema escolar. O autor utiliza a expressão “coloni- zação” da Educação Infantil pela escola obri- gatória, ao se referir a esse processo. b. Impasse Esse segundo tipo de relacionamento des- creve aquela situação em que as duas ins- tituições se fecham uma para a outra, re- cusam-se a dialogar e mantêm uma atitude de franca desconfiança e hostilidade uma em relação à outra. Na realidade, ao definir sua identidade, cada uma delas se repor- ta à negação da imagem que faz da outra, definindo-se em oposição às características que acredita estejam presentes nas práticas educativas da outra etapa. c. Preparando a escola para a criança Nesse modelo, já experimentado em países como a Noruega e a Suécia, procura-se ado- tar, nos primeiros anos da escola elementar, práticas utilizadas na educação infantil que funcionam bem com crianças daquela faixa etária, adaptando a escola à criança e não somente ajustando a criança à escola. Para isso, criam-se condições para que os profes- sores dos dois sistemas trabalhem juntos, de forma a evitar uma brusca mudança para as crianças mais jovens que agora chegam à primeira série. d. A visão de um lugar de encontro Essa é a proposta do autor, que parte da constatação de que as duas instituições ti- veram histórias muito diferentes e guardam tradições pedagógicas também diversas. Re- conhecendo essas distintas bagagens, seria preciso iniciar um trabalho colaborativo que pudesse construir novas formas de relação e
  • 15. 15 práticas educativas integradas para garantir uma passagem menos brusca de um nível a outro. Para isso, Moss indica que seria pre- ciso construir uma cultura comum, a partir de uma visão compartilhada de criança, de aprendizagem, de conhecimento e de edu- cação. 4. Como chegar lá? Baseando-se em seu conhecimento das ex- periências de diversos países, pois hoje a antecipação da idade de ingresso à escola é um fenômeno comum a muitas regiões do mundo, Peter Moss traz alguns exemplos de iniciativas que podem contribuir para a construção de um sistema educacional mais orgânico e menos hostil aos novos alunos. Segundo ele, nos exemplos mais bem suce- didos, nota-se a importância atribuída aos aspectos de “cuidado”, ao lado dos aspectos exclusivamente pedagógicos. Cuidado, nes- se contexto, refere-se a uma postura de res- peito às necessidades integrais da criança, o que inclui questões como conforto, alimen- tação, socialização e descanso, mas também atenção às suas necessidades emocionais e características individuais, assim como res- peito à sua identidade racial, cultural e de gênero. Para outros autores por ele citados, o cuidado é uma ética e como tal deve ser parte integral da educação, independente do nível de ensino, pois crianças maiores, adolescentes e jovens também precisam ser cuidados, nesse sentido que extrapola ape- nas os cuidados físicos. Ao contrário do que muitos acreditam, a in- clusão dessa dimensão de cuidado não anula a importância da aprendizagem, mas indica que o direito ao conhecimento caminha jun- to ao direito da criança ao reconhecimento como pessoa que se desenvolve enquanto ser integrado e não apenas como uma cabe- ça que recebe informações. Nessa perspectiva, é possível visualizar di- versas linhas de ação: um trabalho mais pró- ximo às famílias, momentos de encontro en- tre equipes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, possibilidades de as crianças visitarem as escolas para onde irão no ano seguinte, oportunidades para os professores de primeira série conhecerem as pré-escolas de onde chegam as crianças, adequação dos espaços internos e externos da escola, revi- são de rotinas e horários, previsão de um período de adaptação dos alunos que não ti- veram acesso à Educação Infantil quando de seu ingresso na primeira série, oportunida- des de formação em serviço com a presença de profissionais das duas etapas da educa- ção, apoio e orientação das secretarias a es- sas iniciativas, entre muitas outras. Afinal, a criança que chega agora com seis anos na escola fundamental é a mesma que até há pouco estava na pré-escola ou ainda não tinha sido escolarizada. Suas necessi-
  • 16. 16 dades e sua fase de desenvolvimento são as mesmas. Assim como aquela que acabou de completar sete anos não deixa de ser criança por isso. O direito à aprendizagem, na pri- meira e na segunda etapa da educação bá- sica, depende do respeito ao direito de ser criança; não são requisitos incompatíveis, mas complementares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 2008. (15a ed.) MOSS, Peter. What future for the relationship between Early Childhood Education and Care and Compulsory Schooling? Research in Comparative & International Education, vol. 3, n. 3, 2008. www.wwwords.co.uk/RCIE
  • 17. 17 TEXTO 2 Alfabetização e Letramento O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA EM CLASSES DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Sara Mourão Monteiro1 Mônica Correia Baptista2 Como único nível de ensino de matrícula obrigatória no País, o Ensino Fundamen- tal, ao ter ampliada sua duração de oito para nove anos, trouxe para essa etapa da educação básica um novo contingente de crianças. Ainda que algumas das crianças de seis anos frequentassem instituições pré- escolares, a incorporação desse segmento no Ensino Fundamental impõe novos de- safios, sobretudo pedagógicos, para a área educacional. É preciso pensar numa prática educativa que considere a criança como eixo do processo e leve em conta as diferentes dimensões de sua formação. Neste texto, sem ignorarmos a relevância das demais dimensões, discutiremos uma delas, que, por seu caráter complexo, mul- tifacetado e precursor de novos conheci- mentos, cumpre um papel fundamental na garantia do direito à educação: o desenvol- vimento da linguagem escrita. Uma prática educativa comprometida com o desenvolvimento da linguagem escrita não se restringe à elaboração de atividades e situ- ações de aprendizagem dirigidas aos alunos. Além disso, é preciso superar a fragmentação dessas atividades de ensino no contexto edu- cativo. Para se assegurar aos aprendizes o ple- no desenvolvimento de suas potencialidades, é fundamental, dentre outros aspectos, que a ação educativa se baseie em uma orientação teórico-metodológica, que se definam os ob- jetivos de ensino, a organização do trabalho pedagógico, o tipo de abordagem que se quer dar ao conhecimento e, por fim, que se con- sidere a realidade sociocultural dos alunos e o contexto da escola. Para mobilizar os processos de aprendiza- gem das crianças de modo a ajudá-las no desenvolvimento das capacidades relaciona- das à leitura e à escrita e na construção de representações sobre esse objeto de estudo, 1 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFMG. Consultora da série. 2 Professora da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FAE/UFMG. Consultora da série.
  • 18. 18 3 Neste texto, em lugar do masculino genérico, usaremos o feminino para designar as professoras por representarem a maioria das profissionais que atuam neste nível de ensino. as propostas de atividades e as estratégias metodológicas precisam ser sequenciadas, articuladas e contextualizadas, ou seja, as crianças precisam participar de um conjun- to de atividades caracterizado por um ciclo de ações e procedimentos de ensino-apren- dizagem – as chamadas Situações de Apren- dizagem. Organizar esses ciclos de Situações de Aprendizagem fica mais fácil quando as professoras3 têm em mente uma proposta de ensino na qual possam buscar referên- cias metodológicas para projetar seus traba- lhos junto às crianças. Vale ressaltar, ainda, que, para uma propos- ta de ensino se tornar um referencial e se materializar em uma prática de ensino ade- quada, ela deverá ser validada e reconstruí- da a partir do conhecimento que se tem das crianças e também das interações que se es- tabelecem entre os participantes do grupo escolar e deles com os objetos do conheci- mento. Dessa forma, a avaliação e o plane- jamento são fatores determinantes para a consolidação desta prática. A avaliação diagnóstica é um procedimento de ensino a ser adotado com o objetivo de se estabelecerem relações entre a proposta de ensino, o perfil pedagógico da turma e as necessidades de aprendizagem específicas de cada aluno. O planejamento pedagógico, por sua vez, como projeto de trabalho do professor, só se torna efetivo se elaborado a partir da articulação entre a proposta de ensino e os sujeitos da aprendizagem. Uma prática de ensino consistente tem em sua conformação esse conjunto de elemen- tos bem definidos e pressupõe uma cons- trução singular de cada professora com seu grupo de alunos, ao mesmo tempo em que requer um trabalho coletivo envolvendo todo o corpo docente e os demais profissio- nais na sua elaboração. Essa construção co- tidiana da prática educativa exige dos seus profissionais a capacidade de fazer esco- lhas, criar, recriar, pesquisar, experimentar e avaliar constantemente suas opções. Em outras palavras, somente uma prática peda- gógica autônoma garante as condições para o exercício profissional competente e para a construção de uma educação comprometida com a qualidade referenciada socialmente. O LETRAMENTO Tendo em vista algumas modificações cul- turais, econômicas e sociais que se pro- cessaram nas sociedades contemporâneas, observamos, sobretudo a partir de meados do século XX, uma mudança daquilo que, du- rante um bom tempo, consideramos como sendo alfabetização. Se até o início do sé-
  • 19. 19 culo XX bastava que o sujeito assinasse o próprio nome para ser considerado alfabe- tizado, com o passar do tempo, esta deno- minação careceu de maiores especificações. Ler e escrever um bilhete simples também não era suficiente para designar os diferen- tes graus de apreensão da linguagem escri- ta. A insuficiência de conceitos e expressões capazes de retratar a situação da população em relação à apropriação da linguagem es- crita, bem como de designar os diferentes aspectos que englobam esse fenômeno, le- vou alguns estudiosos a empregarem o ter- mo “letramento”, inspirados na palavra in- glesa “literacy”, como forma de designar o estado ou a condição que cada indivíduo ou grupos de indivíduos passam a ter a partir da aquisição da língua escrita. Os conceitos de alfabetização e letramen- to ressaltam duas dimensões importantes da aprendizagem da escrita. De um lado, as capacidades de ler e escrever propriamente ditas, e, de outro, a apropriação efetiva da língua escrita: “[…] aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de co- dificar em língua escrita e de descodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita ‘própria’, ou seja, assumi-la como sua propriedade” (SOARES, 1998, p.39). 4 Eventos de letramento são situações nas quais o uso da língua escrita se mostra determinante para a realização de algumas tarefas. Em síntese Alfabetização se refere ao processo por meio do qual o sujeito domina o có- digo e as habilidades de utilizá-lo para ler e escrever. Trata-se do domínio da tecnologia, do conjunto de técnicas que o capacita a exercer a arte e a ciência da escrita. Letramento, por sua vez, é o exercício efetivo e competente da escrita e im- plica habilidades, tais como a capacidade de ler e escrever para informar ou informar-se, para interagir, para ampliar conhecimento, capacidade de interpretar e produzir diferentes tipos de texto, de inserir-se efetivamente no mundo da escrita, entre muitas outras. As formas como as pessoas se apropriam da escrita no contexto social podem ser reconhe- cidas em seus comportamentos e atitudes diante de situações em que a escrita torna-se
  • 20. 20 um instrumento fundamental para as suas interações e inserção no mundo. A condição letrada parece ser resultado de um conjunto de fatores que se articulam entre si: o convívio com pessoas letradas, a participação efetiva em eventos de letramento, o desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita, o conhe- cimento de protocolos de uso da escrita. Esses são alguns dos elementos presentes na forma- ção do perfil letrado dos diferentes grupos so- ciais e culturais que compõem uma sociedade. Evidentemente, crianças e adultos partici- pam de diferentes eventos de letramento4 e neles têm a oportunidade de ampliarem seus conhecimentos acerca da linguagem escri- ta. Entretanto, a escola desempenha um pa- pel fundamental na inserção das crianças no mundo letrado, bem como na sua formação como usuário desse sistema simbólico. Em geral, é na escola que as crianças se alfabe- tizam, desenvolvem capacidades de leitura e produção de textos. Mas a importância da escola se acentua, sobretudo, para aquelas crianças cujo acesso a materiais escritos é restrito. A escola, para esse segmento, se constitui no espaço privilegiado e, às vezes, único para adquirir capacidades e habilida- des que permitam usufruir a cultura letrada, interagir com ela e ampliar suas oportuni- dades de se apropriar de bens culturais que, pela sua valorização, têm dominado as rela- ções sociais em contextos mais amplos. A formação de novos usuários da língua escrita se faz por meio de um longo cami- nho que exige prática constante e um olhar atento dos formadores para os interesses, as curiosidades, os materiais de acesso, os hábitos e os modos de viver das crianças. À medida que se avança nesse processo de for- mação, conquista-se familiaridade e altera- se a forma de se relacionar com o mundo e com as pessoas. Pensar em uma proposta pedagógica capaz de assegurar ao aprendiz a tecnologia da escrita e, ao mesmo tempo, a apropriação desse sistema, impõe-nos algu- mas questões: Que tipo de leitores e escrito- res se quer formar por meio da ação pedagó- gica na escola? Como despertar o interesse das crianças pequenas para a leitura e a es- crita? Como garantir que a criança se torne capaz de relacionar símbolos gráficos a sons e vice-versa e, ao mesmo tempo, desenvolver capacidades e habilidades que lhe permitam fazer uso da linguagem escrita nas diferentes formas como ela se apresenta na sociedade? Como assegurar às crianças a aquisição de capacidades e habilidades que lhes possibili- tem compreender e produzir diferentes tipos de texto, de acordo com suas características? ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA Sabemos que as crianças são muito curio- sas e se envolvem com entusiasmo em si- tuações que as desafiam a explorar os mais
  • 21. 21 diferentes tipos de material de leitura; a manusear livros, jornais e revistas; a ou- vir a leitura de contos, poemas, crônicas, reportagens; a brincar de ler e de escrever ou mesmo a criar e participar de jogos e brincadeiras nas quais a leitura e a escrita são objetos centrais. Todas essas são ma- neiras de aproximar as crianças da cultura letrada. Entretanto, além desse contato com o ma- terial escrito, as crianças precisam ter opor- tunidades de observar e reelaborar suas re- presentações sobre o “para que” e “como” as pessoas leem e escrevem em suas ativi- dades diárias. Para isso, é importante que a ação pedagógica promova a participação das crianças em práticas autênticas de leitu- ra e de escrita, no cotidiano da sala de aula, nas quais elas possam sempre interagir com esse objeto do conhecimento. Mas o que ler e escrever para e com as crian- ças? A leitura de livros de literatura em voz alta pelos professores pode ser um desses momentos em que se pratica a leitura com a participação dos alunos. A cada livro lido pela professora, as crianças vão incorporando no- vas referências sobre como se configuram os livros de literatura (localização do título, do nome do autor, da editora, etc.) A leitura em voz alta desperta o desejo e a curiosidade das crianças. Quando elas gostam da história que foi lida em sala de aula, acabam buscando os livros em momentos livres de leitura. Portan- to, a leitura em voz alta para as crianças pode despertar o desejo de ser leitor. Vale ressaltar a importância de se lerem outros materiais de leitura e buscar apresentar às crianças va- riados gêneros textuais. Também é importante levar para a sala de aula as experiências de leitura que as pro- fessoras têm como adultos. Trazer materiais que estão sendo lidos ou escritos pelos pro- fissionais da escola e relatar para as crian- ças como são produzidos os textos e como se caracterizam os momentos de leitura na escola e em outros lugares são atitudes que podem aguçar o interesse das crianças para as práticas de leitura e escrita. Além disso, vale ressaltar a importância das práticas de leitura e escrita que se concreti- zam nos momentos em que a escrita torna- se mediadora das experiências escolares, ampliando as relações e/ou regulando os comportamentos das crianças e dos adultos no interior da escola. Estamos nos referin- do aos eventos de letramento que ocorrem quando os professores levam livros de lite- ratura, jornais, artigos, etc. como recursos de estudo de algum projeto de trabalho das crianças ou quando elas são levadas a regis- trarem suas aprendizagens e alguns fatos da aula em um portfólio ou diário de bordo, por exemplo. É preciso, ainda, criar espaços apropriados e prever tempos na rotina es- colar para que as crianças tenham contato com os materiais de leitura.
  • 22. 22 As crianças podem escolher um artigo ou uma reportagem de revista ou um livro sobre determinado tema, por exemplo, e a profes- sora ler em voz alta para elas. Assim, podem decidir se o que está sendo lido é ou não in- teressante e útil para elas, e terão oportuni- dade de aprender modos de leitura que estão relacionados a determinados gêneros. Na es- crita de texto, as situações em que as crian- ças são estimuladas a interagir com as de- mais turmas e outros profissionais da escola, ou ainda, a escrita de registros sobre fatos e atividades que compõem um ciclo de estudos com a mediação da professora, por exemplo, tornam-se oportunidades para o esclareci- mento sobre as condições de produção (para quem estamos escrevendo, com qual inten- ção, por meio de que gênero, etc.). O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES DE LEITURA E ESCRITA DE PALAVRAS, FRASES E TEXTOS EM SALA DE AULA Paralelamente ao processo de compreensão da natureza alfabética do sistema de escri- ta, as crianças desenvolverão alguns meca- nismos da leitura e da escrita de palavras. Apesar de muitas delas aprenderem esses mecanismos com relativa facilidade, o de- senvolvimento das habilidades relacionadas à leitura e à escrita de palavras leva tempo e requer treino por parte das crianças. Para isso, um conjunto de atividades de leitura e escrita de palavras e frases deve fazer parte do planejamento pedagógico dos professo- res desde o primeiro ano do Ensino Funda- mental. Simultaneamente, as crianças terão ainda que desenvolver a capacidade de ler e interpretar textos com autonomia. As habi- lidades de leitura e produção de textos en- volvem o conhecimento de elementos que compõem os textos escritos, os seus esti- los, a identificação do autor, da finalidade e do contexto de circulação do texto. Esses conhecimentos são construídos na prática cotidiana de leitura e escrita. É preciso prá- tica e orientação adequada para desenvolver uma postura de leitor crítico. Nos contextos sociais em que os adultos fazem uso da língua escrita em suas ações cotidianas, desde muito cedo as crianças co- meçam a lidar com textos escritos por meio da observação e do acompanhamento dessas situações de prática de leitura e escrita. Elas começam, mesmo antes de terem domínio do sistema de escrita, a conhecer as especi- ficidades dos gêneros textuais, apreendendo não apenas o sentido das atividades de leitu- ra e escrita, mas também a maneira como os textos devem ser interpretados. Como vimos na dimensão “O letramento”, as práticas de leitura e escrita em sala de aula se concretizam de diferentes maneiras, dentre as quais, naquelas situações em que os professores preparam um texto para ser lido e discutido com as crianças, ou seja,
  • 23. 23 quando o texto se torna objeto de análise e conhecimento. Por meio de Situações de Aprendizagem que tomam o texto como ob- jeto de ensino, as crianças devem ter opor- tunidade de compartilhar com os professo- res suas estratégias, seus conhecimentos, suas habilidades de leitura e escrita. Essa abordagem começa pela seleção dos tex- tos que farão parte do repertório do trabalho analítico. É preciso ter cuidado com o vocabu- lário e a extensão dos textos trabalhados em sala de aula. As professoras devem realizar um reconhecimento das habilidades já desenvolvi- das por seus alunos por meio de uma avaliação diagnóstica para traçar as metas de aprendiza- gem para a turma. Cabe assinalar que não é preciso esperar que as crianças escrevam con- vencionalmente para realizar atividades que visem desenvolver habilidades, estratégias e comportamentos de leitura e de escrita de tex- tos. No caso de a turma ou parte dela ainda não escrever convencionalmente, podem ser pensadas diferentes estratégias. Uma delas é a professora exercer o papel de escriba da clas- se, produzindo os textos coletivamente, ou o papel de leitora, lendo para todos o texto esco- lhido. Outra estratégia é permitir e estimular que as escritas espontâneas sejam produzidas em sala. Também é possível aproveitar a diver- sidade da turma e agrupar os alunos de forma que aqueles que já decodificam e codificam possam servir de leitores ou de escribas para os colegas. Qualquer que seja a estratégia ado- tada, a professora pode propor às crianças que: • Reescrevam o texto com palavras mais simples para expressar seu conteúdo; • Marquem partes dos textos lidos de acordo com a informação requerida ou com o objetivo da leitura; • Grifem palavras de acordo com o que se quer ressaltar; • Façam resumos do que está escrito; • Façam anotações sobre o texto; • Realizem leituras individuais ou em duplas (um aluno que já se apropriou do funcionamento do sistema de es- crita pode ler para outro que ainda não o faz); • Realizem leituras teatralizadas de tex- tos ou de trechos de textos; • Realizem leituras com pausas planeja- das e contextualizadas, com pergun- tas que orientem a interpretação das crianças; • Realizem leituras seguidas de conver- sas orientadas por questões previa- mente planejadas pela professora; • Produzam textos em pequenos grupos ou em duplas (também se podem agru- par as crianças de forma que aquelas que já são capazes de ler e escrever se façam de escribas do grupo); • Produzam textos com apoio de rotei- ros definidos pelo coletivo.
  • 24. 24 Há, ainda, as atividades que ampliam o tra- balho com o conteúdo dos textos. Aqueles trabalhos que são planejados como amplia- ção do momento de leitura e de escrita. Em geral, essas atividades envolvem, dentre mui- tas possibilidades de trabalho, a produção e a apresentação de peças teatrais, pesquisas e estudos de aprofundamento, leitura de livros ou de outros textos sobre o mesmo assunto. À medida que se vai trabalhando os textos com as crianças, é possível observar como elas passam a considerar as orientações da professora no momento em que entram em contato com novos textos. Por exemplo, quando vivenciam situações de aprendiza- gem em que a professora destaca certos elementos textuais, estando diante de um novo livro, a criança busca identificar os mesmos elementos, como, por exemplo, o sumário do livro, seu autor, seu título. Elas passam a demonstrar comportamentos e habilidades de leitores e escritores, mesmo quando ainda não dominam o sistema de escrita. Para as crianças de seis anos, a mediação dos professores é muito necessária. Não apenas porque elas não conseguem ainda escrever e ler textos com autonomia, mas também por- que para elas a interação por meio da língua escrita é uma situação que apresenta con- dições de produção ainda desconhecidas, como, por exemplo, a de ter o interlocutor ausente no momento da produção. Por isso é importante que o professor sirva de leitor e escriba em diferentes situações em sala de aula, principalmente nas atividades específi- cas para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de textos. Outro aspecto dessa dimensão que merece atenção das professoras de crianças de seis anos diz respeito à necessidade de se dei- xar claro o objetivo das atividades e como elas deverão ser realizadas, ou seja, como as crianças devem proceder para realizá-las. Ao conduzir as Situações de Aprendizagem que abordam o texto escrito em classes de seis anos, a professora deve prever formas de fazer com que as crianças fiquem atentas aos aspectos que são abordados nas propos- tas de leitura ou de escrita dos textos, con- sequentemente, as crianças ficarão atentas também à forma como a atividade será rea- lizada. A AQUISIÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA E O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA Quando as crianças iniciam o processo de al- fabetização, buscam compreender o que a es- crita representa, ou seja, o que aqueles sinais gráficos representam e como eles se organi- zam formando um sistema de representação. Desta forma, elas começam a lidar com a di- ferenciação dos dois planos da linguagem: o plano do conteúdo (dos significados), que diz
  • 25. 25 respeito aos significados e sentidos produzi- dos quando usamos a língua oral ou escrita, e o plano da expressão (dos sons), que diz res- peito às formas linguísticas. A compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita e o desenvolvimento da consciência fonológica integram esse processo e são impulsionados por aprendizagens que estimulam o desen- volvimento infantil à medida que promovem a competência simbólica das crianças. Veja- mos a seguir, conforme esclareceu o constru- tivismo psicogenético, como os aprendizes vão elaborando hipóteses e resolvendo ques- tões para os problemas que eles mesmos se colocam, num movimento de reconstruções, no qual antigos conhecimentos vão dando lu- gar a novas formulações. OS NÍVEIS CONCEITUAIS DA ESCRITA Desde os primeiros contatos da criança com marcas gráficas impressas em livros, cader- nos, cartazes, inicia-se um longo processo de construção de esquemas conceituais5 cujo primeiro desafio consiste em distinguir o que é desenho do que é escrita. Neste pri- meiro momento, ainda sem fazer essa dis- tinção, a criança se propõe a imitar o ato de escrever. Como num jogo, ela crê que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras imitando a ação de escrever. O resultado dessas primeiras “escritas” infan- tis pode aparecer, desde o ponto de vista fi- gural, como linhas onduladas ou quebradas (zig-zag), contínuas ou fragmentadas, ou como uma série de elementos discretos (sé- ries de linhas verticais ou bolinhas). Essa aparência figural não é garantia de escrita propriamente dita, a não ser que se conheçam as condições nas quais ela foi produzida. Conforme salienta Ferreiro (2003), tradicionalmente, eram conside- rados, tanto por educadores, quanto por pesquisadores, os aspectos figurativos da escrita infantil, ignorando-se os aspectos construtivos. Os aspectos figurativos têm a ver com os elementos formais, tais como: a qualidade do traçado, a distribuição es- pacial das formas, a orientação predomi- nante (da esquerda para a direita, de cima para baixo), a orientação dos caracteres individuais (inversões, rotações), etc. Já os aspectos construtivos têm relação com o que o sujeito quis representar e os meios que empregou para criar diferenciações en- tre as representações. Não são, portanto, os aspectos figurais que designam se hou- ve ou não uma escrita. Quando ocorre essa intencionalidade por parte da criança, ou seja, quando constatamos a presença de aspectos construtivos, é que consideramos que houve uma produção escrita. 5 Utilizamos a expressão “Esquemas conceituais” para aludir às construções mentais dos sujeitos na sua interação com os objetos do conhecimento.
  • 26. 26 Em relação aos aspectos construtivos, como veremos a seguir, a escrita infantil segue uma linha regular de evolução que, con- forme comprovaram as investigações de Ferreiro e Teberosky (1991), independem da procedência dos sujeitos quanto a meios culturais, situações educativas, línguas, etc. ASPECTOS CENTRAIS DA EVOLUÇÃO PSICOGENÉTICA DA LÍNGUA ESCRITA Na linha da evolução psicogenética6 , iden- tificam-se três grandes períodos distintos entre si, dentro dos quais cabem múltiplas subdivisões: • Primeiro período: Caracteriza-se pela distinção entre o modo de representa- ção icônico e não icônico7 ; • Segundo período: Ocorre a construção de formas de diferenciação; o aprendiz busca exercer um controle progressivo das variações sobre os eixos qualitati- vo e quantitativo; • Terceiro período: Marcado pela fone- tização8 da escrita, que se inicia com um período silábico e culmina em um período alfabético. 6 Um estudo psicogenético interessa em conhecer não uma sequência cronológica ou evolutiva. Para um investigador em psicologia genética, a pergunta central e persistente é: como se passa de tal estado de conhecimento a tal outro estado de conhecimento? (...) O investigador em psicologia genética trata de identificar uma sequência evolutiva, mas não fica aí, tenta incessantemente reconstituir os laços de filiação entre os níveis que identifica (Ferreiro, E.,1999). 7 A expressão “icônico” remete ao termo ícone, sendo que uma de suas acepções, aquela relacionada à semiótica, designa “signo que apresenta uma relação de semelhança ou análoga com o objeto que representa (como uma fotografia, uma estátua ou um desenho figurativo)” (Houaiss, 2001). 8 A expressão “Fonetização” não deve ser confundida com “fonema”. O emprego deste termo quer remeter a “fono”, som. O período de fonetização começa, portanto, com a hipótese silábica, exatamente o momento no qual o aprendiz começa a perceber que a escrita tem relação com os sons da fala e não com seus conceitos.
  • 27. 27 Em síntese O longo processo de construção de esquemas conceituais que se desenvolve desde os primeiros contatos da criança com a escrita se inicia com a capacidade de distinguir desenho de escrita. A essa etapa se segue uma outra, na qual a criança elabora hipó- teses sobre a quantidade, a combinação e a distribuição das letras, ou seja, a criança, por seu próprio esforço intelectual, estabelece condições gráficas para a realização do ato de leitura ou de escrita. O próximo passo é a tentativa de compreender o que é que a escrita representa e, para tentar responder a essa questão que ela mesma se coloca, formula uma primeira ideia: pensar que a escrita é um nome. Para a criança, esta propriedade social, ou esta ma- neira de chamar as coisas, é o que a escrita representa. O desafio seguinte é considerar outra unidade que não seja o conjunto de letras com- preendido entre os espaços em branco, que representa a unidade “palavra gráfica”. O que a criança trata de compreender é o que representam os espaços em branco e, a partir daí, ajustar as segmentações possíveis do enunciado até encontrar unidades equivalentes. Finalmente, a criança tenta fazer coincidir a escrita e o enunciado oral. Essa primeira relação entre fragmentos escritos e unidades orais se estabelece no nível da sílaba. É o que se chamou de “hipótese silábica”. A partir desse avanço conceitual, o aprendiz se- gue elaborando hipóteses para encontrar soluções adequadas, capazes de representar os sons graficamente, e, ao contrário, conhecer o som correspondente à grafia. O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA Quando as crianças chegam ao Ensino Fun- damental, possuem um bom domínio da língua materna: sabem utilizá-la para fins de comunicação, sabem sua estrutura sin- tática e têm um adequado conhecimento do léxico. Sobre a escrita, podemos dizer que as crianças chegam à escola sabendo suas fun- ções (para que as pessoas leem e escrevem) e sua estrutura em muitos gêneros textuais,
  • 28. 28 reconhecem os sinais gráficos, são capazes de fazer o reconhecimento de algumas pala- vras, etc. O trabalho pedagógico desenvol- vido na escola busca ampliar o desenvolvi- mento cognitivo e cultural das crianças. Uma das capacidades das crianças que é desenvolvida na escola, ao iniciarem o pro- cesso formal de alfabetização, está relacio- nada à análise do sistema fonológico da língua que elas aprenderam a falar desde muito cedo. Os estudos sobre a relação en- tre consciência fonológica e alfabetização vêm demonstrando o importante papel das habilidades metafonológicas no processo de aquisição da leitura e da escrita num sis- tema alfabético. No entanto, pode-se dizer que essas habilidades se desenvolvem con- comitantemente a esse processo, e não pre- viamente. Para dizer do processo de desenvolvimento dessa capacidade, vamos analisar a realiza- ção de uma atividade muito comum no iní- cio do ano letivo, em turmas de seis anos. A atividade será apresentada em colunas, nas quais serão destacadas as ações e as intera- ções entre professora e crianças. Na tercei- ra coluna, encontram-se comentários que apresentam análises com foco na discussão em torno do desenvolvimento da consciên- cia fonológica. A atividade será apresentada nos quadros das páginas que se seguem (da página 22 à página 26).
  • 29. 29 ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – PRIMEIRA PARTE Professora Crianças Comentários Nos primeiros dias de aula, a professora pede para que as crianças digam outros nomes de animais come- çados da mesma maneira como começa a palavra cachorro. Que nomes de animais co- meçam com o mesmo som da palavra cachorro? Silêncio entre os alunos. O silêncio pode ser considerado uma demonstração de que os alunos não compreenderam o pedido feito pela professora. Uma possível justificativa para isso é o fato de as crianças não terem tido ainda oportunidade de participar de atividades que tomam a fala como objeto de análise. Muitas brincadeiras infantis que exploram os sons das palavras, como, por exemplo, as parlendas, os trava-línguas, acabam fazen- do com que as crianças prestem atenção para os sons de palavras ou partes de palavras. Dessa forma, quando essas brincadeiras e outras atividades pedagógicas são realizadas com a intenção de fazer com que as crianças considerem os sons da fala, ocorre uma mobilização de capacidades relacionadas à análise do sistema fonológico da língua, através das quais as crian- ças terão oportunidade de avan- çar em suas representações sobre a natureza e o funcionamento do sistema de escrita. Trocando em miúdos... O termo “consciência fonológica” refere-se a um conjunto de habilidades relacionadas à capa- cidade de a criança refletir e analisar a língua oral, capacidades essas que serão desenvolvidas ao longo do processo de aquisição do sistema de escrita.
  • 30. 30 ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEGUNDA PARTE Professora Crianças Comentários A professora pede, então, que as crianças digam palavras que combinam com a palavra “mamão”. Ao perceber que as crianças estavam se valendo do aspec- to semântico como referên- cia para a realização da tarefa proposta, a professora resolve mostrar um cartaz com a fi- gura de um cavalo e a escrita da palavra cavalo. A profes- sora faz a seguinte pergunta para os alunos: “como se pro- nuncia a palavra que está es- crita aqui?” As crianças respondem: “la- ranja, abacaxi, manga, bana- na”. As crianças respondem: “ca- valo”. Podemos dizer que as crian- ças se sentiram mais à vonta- de com a segunda proposta, porque a professora trocou o termo “começam com o mesmo som da palavra”, usa- do no primeiro pedido, por “palavras que combinam”. Elas parecem ter enten- dido que o que deve ser feito é uma simples com- binação de palavras. No entanto, combinar pala- vras para essas crianças é o mesmo que combinar signifi- cados. Pensar nas palavras do ponto de vista dos sons que as compõem é uma operação que elas estão começando a desenvolver a partir da ação da professora. Trazendo para a interlocu- ção com as crianças o cartaz com a figura de um cavalo e a palavra escrita, a professora está criando a possibilidade para que as crianças compre- endam que a palavra pode ser analisada pelo menos sob dois diferentes planos de lin- guagem: o plano do significa- do e o plano da expressão. Trocando em miúdos... O desenvolvimento da consciência fonológica parece estar relacionado ao próprio desenvolvi- mento simbólico da criança, no sentido de ela vir a atentar para o aspecto sonoro das palavras (significante), em detrimento de seu aspecto semântico (significado).
  • 31. 31 ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – TERCEIRA PARTE Professora Crianças Comentários Em seguida, a professora for- mula a seguinte pergunta: “Quantas partes tem a pala- vra cavalo?” Algumas crianças ficam em silêncio, outras já se dis- traíram com os objetos na carteira e outras dizem: “ca-vaaaa-lo” “ca-va-lo” “caaaa-vaaaa-looo” Quando a professora pergun- ta aos alunos quantas partes tem a palavra cavalo, ela faz com que as crianças anali- sem a palavra por meio da atividade de segmentação das unidades sonoras que consti- tuem a palavra. Podemos ob- servar, então, que nem todas as crianças compreenderam a tarefa proposta. As crian- ças reconhecem, nesse tipo de tarefa, uma oportunidade de lidar, de forma lúdica, com os sons da língua oral. No en- tanto estão realizando uma atividade de análise que vai levá-las à elaboração de uma representação da sílaba en- quanto unidade sonora. Trocando em miúdos... A noção de recorte ou de segmentação (analisar a fala) é fundamental na aquisição do sistema alfabético de escrita. É preciso fazer com que a criança se dê conta de que aquilo que ela percebe como um todo na língua oral, um “ bololô”, vai ser dividido em unidades menores (em palavras, sílabas e fonemas). ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUARTA PARTE Professora Crianças Comentários A professora pergunta: “Como começa a palavra cavalo?” Muitas crianças respondem: “Começa com ca.” A professora, agora, faz com que as crianças realizem uma outra atividade, que é a iden- tificação da sílaba inicial da palavra. Trocando em miúdos... As sílabas são unidades naturalmente isoláveis no contínuo da fala. Esse parece ser o fator res- ponsável pela elaboração de uma hipótese silábica anterior à hipótese alfabética no processo de aquisição da língua escrita. A sílaba inicial parece ser mais facilmente observada pelas crianças.
  • 32. 32 ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – QUINTA PARTE Professora Crianças Comentários Entusiasmada com o desem- penho das crianças, a profes- sora retoma a primeira tare- fa proposta na aula para os alunos: “Que outras palavras começam como a palavra ca- valo?” “Cachorro” - diz um aluno. A professora volta a encorajar as crianças a realizarem uma comparação entre palavras através da identificação de palavras que começam com a mesma sílaba. A aposta da professora é a de que, uma vez segmentada a palavra e identificada a sílaba inicial da palavra “cavalo”, as crianças serão capazes de identificar palavras semelhantes por te- rem a mesma sílaba inicial. Trocando em miúdos... Podemos relacionar três importantes habilidades que constituem o trabalho na área da cons- ciência fonológica: 1 - Identificação das unidades fonológicas; 2 - Segmentação das unidades fonológicas; 3 - Manipulação: inverter, subtrair e trocar segmentos fonológicos. Essas habilidades precisam ser consideradas em relação aos diferentes níveis das unidades fo- nológicas com as quais a criança pode operar: as unidades suprassegmentares – por exemplo, rimas e aliterações –, as sílabas e os fonemas.
  • 33. 33 ATIVIDADE INICIAL EM UMA TURMA DE CRIANÇAS DE SEIS ANOS NOS PRIMEIROS DIAS DO ANO LETIVO – SEXTA PARTE Professora Crianças Comentários “Muito bem”, reforça a pro- fessora. Neste momento, outros alu- nos dizem: “Elefante, girafa, burro, boi”. Nesta aula, a professora tinha como objetivo fazer com que as crianças compreendessem que as palavras orais podem ser segmentadas em unidades silá- bicas. Para isso, ela promoveu como atividade didática a aná- lise de palavras orais. Muitas crianças tiveram oportunidade de exercitar habilidades rela- cionadas ao desenvolvimento da consciência fonológica. No entanto, o desenvolvimento da capacidade de analisar e refletir sobre a língua oral no processo de alfabetização resulta em al- teração na compreensão que as crianças vão construindo para o sistema de escrita enquanto um sistema de representação. Vale ressaltar que o processo de compreensão não ocorre a par- tir de alterações momentâne- as das crianças. Ele é resulta- do de um desenvolvimento gradativo da percepção que a criança vai adquirindo. Os estudos sobre o desenvolvimento da consciência fonológica das crianças peque- nas sugerem a necessidade de uma aborda- gem sistemática do sistema fonológico ao longo do processo de alfabetização. Ao ela- borar a proposta de ensino, é preciso consi- derar diferentes níveis de abordagem atra- vés da atividade pedagógica: • Análise das variações linguísticas que constituem a linguagem oral; • Análise das diferentes unidades fono- lógicas da língua oral; • Reconhecimento das correspondên- cias entre unidades fonológicas e uni- dades do sistema de escrita. CONSIDERAÇÕES FINAIS O ensino e a aprendizagem da linguagem es- crita em classes do primeiro ano do Ensino
  • 34. 34 Fundamental devem acontecer por meio de estratégias capazes de respeitar as caracte- rísticas das crianças e seu direito de viver plenamente esse momento da vida. Encon- trar uma forma de ensinar capaz de respei- tar o direito ao conhecimento e, ao mesmo tempo, a capacidade, o interesse e o desejo de cada um de aprender se constitui em um desafio da Pedagogia para qualquer nível de ensino ou área de conhecimento. No caso da aprendizagem da leitura e da escrita na infância, há que se ter em conta pelo menos três exigências. A primeira é a consolidação de uma práti- ca educativa na qual o aprendiz vai se apro- priando da tecnologia da escrita, ao mesmo tempo em que vai se tornando um usuário competente desse sistema. Uma prática que atenda igualmente a esses dois eixos que constituem o processo de aquisição da lin- guagem escrita, trabalhados de forma inte- grada, sem que o desenvolvimento de um deles ocorra anteriormente ao do outro. A segunda exigência é considerar a escola como espaço privilegiado para garantir esse aprendizado. A linguagem escrita possui pelo menos duas características que a aproxi- mam da ação educativa formal. A primeira é que se trata de uma linguagem estruturante e, muitas vezes, pré-requisito para o acesso a outras linguagens e outros sistemas de re- presentação. A segunda característica é que a linguagem escrita requer, diferentemente de outros bens culturais, a sua apropriação pelos sujeitos. Ou seja, espera-se que todos os membros da cultura humana tornem-se usuários desse sistema de representação. A terceira e última exigência a ser conside- rada na formação dos pequenos usuários da linguagem escrita é o fato de que, por se tratar de um direito, sua aprendizagem deve respeitar as crianças como cidadãos e ato- res do seu próprio desenvolvimento. Quer consideremos o ponto de vista da criança como um ser competente, cognitivamente capaz de formular hipóteses, de interagir com os signos e símbolos veiculados social- mente; quer consideremos as característi- cas da sociedade contemporânea como sen- do um mundo grafocêntrico, a linguagem escrita deve ser compreendida como um bem cultural com o qual as crianças devem interagir, mas, sobretudo, do qual devem se apropriar como forma de inclusão na socie- dade. Finalmente, é importante destacar que tan- to a linguagem escrita quanto sua aprendi- zagem possuem elementos que as tornam coerentes com o universo infantil, com sua forma de construir significados para o que se faz, para o que se vê e para aquilo que se experimenta. O direito de ter acesso ao mundo da linguagem escrita e dele se apro- priar não pode descuidar-se do direito de ser criança, e há muitas maneiras de se respei- tarem ambos os direitos.
  • 35. 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAPTISTA, M., MACIEL, F. & MONTEIRO, S. M.(coord.). A criança de seis anos, a lingua- gem escrita e o ensino fundamental de nove anos. Brasília: Ministério da Educação. (No prelo) BARRERA, Sylvia Domingos; MALUF, Maria Regina. Consciência metalinguística e alfa- betização: um estudo com crianças da pri- meira série do Ensino Fundamental. Psicolo- gia: reflexão e crítica. São Paulo, Scielo, n. 16, v. 3, p. 491-502. 03/ 2003. FERREIRO, E. Los niños piensan sobre la escri- tura. México: Siglo Veintiuno Ed., 2003. 1 CD ROM. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. 4 ed. Psicogêne- se da língua escrita. Porto Alegre: Artes Mé- dicas, 1991. SOARES, M. Letramento: um tema em três gê- neros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. TEBEROSKY, A.; CARDOSO, B. Reflexões sobre o ensino da leitura e da escrita. Campinas, SP: Ed. Universidades Estaduais de Campinas, 1991.
  • 36. 36 TEXTO 3 A abordagem das diferentes áreas do conhecimento nos primeiros anos do Ensino Fundamental Patrícia Corsino1 Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tor- namos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura do espírito (Paulo Freire, 1997, p.77). Inicio este texto, que se propõe a refletir so- bre as diferentes áreas do conhecimento e os primeiros anos do Ensino Fundamental, trazendo um relatório de uma professora do segundo ano sobre um projeto desenvolvido na sua turma: METAMOFORSE: O SEGREDO DA VIDA Numa segunda-feira, Miguel entrou na sala com um pote cheio de lagartas. A curiosidade tomou conta da turma. To- dos perguntavam ao mesmo tempo: onde você pegou estas lagartas? O que elas comem ? Elas bebem água? O quê? Elas podem virar borboleta? Como? O pote correu de mesa em mesa e cada detalhe das lagartas pôde ser observado. Pedi para o Mig deixar algumas lagartas conosco e ele concordou. Arrumamos as quatro lagartas (três grandes e uma pequena) numa caixa de sapatos com areia e folhas para se alimentarem e as- sim iniciamos um delicioso trabalho de Ciências. Começamos a registrar as nossas obser- vações diárias num papel, onde desenhos e textos se complementavam ganhando muitas cores. Todos tinham o que dizer das lagartas. Sugeri textos coletivos, mas cada um quis escrever o seu. Cada dia as lagartas nos davam uma surpre- sa. Um dia, uma delas ficou quietinha, com o corpo escurecido. O que estaria acontecendo? No dia seguinte, ela teceu 1 Doutora em Educação pela PUC-Rio (2003), com especialização em Educação Infantil pela Universidade Estácio de Sá (1983). Professora da UFRJ e Coordenadora da Secretaria de Ensino a Distância - MEC.
  • 37. 37 uma teia e se escondeu embaixo da areia da caixa. Estava fazendo o casulo! Mig já havia observado nas suas lagartas de casa todo o processo de confecção dos casulos e nos deu muitas explicações. Assim, aguardamos atentamente este momento. Enquanto isto, as outras duas lagartas grandes comiam e a pequena andava sem parar. Não demorou muito para o casulo fi- car pronto. Que engraçado, o casulo se mexe! Outras duas lagartas ficaram quietinhas e de noite fizeram uma "ca- baninha" de folhas, teia e areia, e se es- conderam lá dentro. Levantamos com cuidado a "cabaninha" de folhas e lá estavam elas quietinhas, só se moviam com o nosso barulho e com a luz que en- trava. O corpo delas estava escuro, cas- cudo e sem brilho. Todos nós olhávamos com cuidado, levantando a "cabaninha" com carinho. O fim de semana passou e na segunda- feira lá estavam os dois casulos pronti- nhos. Eram pretos, com listras alaranja- das e pareciam encerados. Cada vez que levantávamos a "cabaninha" de folhas para observá-los, eles se mexiam. Vimos umas cascas ao lado de cada casulo e descobrimos, com a ajuda das nossas pesquisas, que algumas lagartas soltam a casca que envolve o seu corpo antes de fazerem o casulo. Confirmamos isto quando olhamos bem as cascas e des- cobrimos a parte do rosto da lagarta. A lagarta pequena não resistiu e morreu. A morte faz parte da vida. Enquanto as lagartas preparavam a metamorfose dentro do casulo, pesqui- samos sobre borboletas, mariposas e lagartas. A troca coletiva das pesquisas feitas ampliou muito os nossos conheci- mentos. Assim, já era possível saber as diferenças entre borboletas e mariposas, seus hábitos, sua alimentação, além de compreender o ciclo de vida destes inse- tos no qual a lagarta não passa de uma larva, um estágio deste ciclo. Muitos li- vros chegaram até a sala com informa- ções e ilustrações. Quantos estudos já foram feitos sobre estes bichos? Quantas espécies existem? Que surpresa sairia dos nossos casulos? Pelo tipo de lagar- ta e pelo casulo, vimos que deveria ser uma mariposa. Como os casulos da casa do Mig eclodiram antes dos nossos, já tínhamos a notícia de que se tratava re- almente de uma mariposa de asas bem escuras por fora e laranja por dentro. Abrimos a caixa e vimos que o primeiro casulo estava vazio. O que teria aconte- cido com a mariposa? Teria nascido ou não? A turma que estuda de manhã na nossa sala teria mexido na caixa? Passa- dos alguns dias, ao abrir a caixa... sur- presa! Duas lindas mariposas estavam
  • 38. 38 lá dentro paradinhas. Mexemos numa delas e a alegria tomou conta da turma - ela voou pela sala! Gritaria, felicidade, corre-corre. O melhor era deixá-la livre voando lá fora. Pegamos a mariposa e a soltamos no ar. Ela voou e parou no telhado. A outra mariposa foi guardada num vidro para que todos pudessem ob- servá-la de perto, vendo os detalhes das asas, das patas, das antenas. Registra- mos nossas observações e procuramos desenhá-la o mais parecida possível. Queria deixar registrado neste relatório o meu agradecimento ao Miguel e a to- das as crianças que, com a sua curiosi- dade, possibilitaram a construção cole- tiva do conhecimento, dando mais sabor ao saber, trazendo vida para a sala de aula. Obrigada. Um primeiro movimento a ser observado nes- te relato é o acolhimento e a receptividade da professora ao que a criança levou para a esco- la e da criança que se dispôs a ceder algumas de suas lagartas para a turma. A professora, ao perceber que o interesse do Miguel havia des- pertado a curiosidade do grupo, propõe a con- tinuidade das observações com o pedido de fi- car com algumas lagartas, o menino aceita e a turma aprova. Este movimento de acolhimen- to mútuo foi possível pelas relações de troca e confiança estabelecidas no grupo. É comum as crianças levarem coisas para a escola para mostrar aos amigos. Talvez não seja comum a chegada na sala de um pote cheio de lagar- tas, mas o que é feito com os objetos e narra- tivas que as crianças levam? Este movimento do adulto se curvar à criança foi traduzido por Van Gogh (1853-1890) na sua obra Primeiros Passos, que reproduzimos aqui.
  • 39. 39 Este quadro, retratando o gesto do adulto de abaixar para se aproximar da criança, traz também a ideia da escuta, de interlocução. A criança entendida não mais como in-fant – o que não fala e, portanto, o que não é ouvido –, mas como alguém que tem o que dizer, é com- petente o suficiente para atribuir significados ao que está ao seu redor, produz algo singular a partir do que vive e sente, participa ativamen- te da cultura, se formando e transformando. Compreender a criança a partir deste ponto de vista é o que garante a escuta de suas ques- tões, a valorização de suas produções, a alte- ração do lugar do adulto de detentor do saber e da criança do lugar de quem não sabe, não pode, não consegue, não tem. Um segundo movimento percebido no relato da professora e que se articula ao anterior é a abertura para o imprevisível, que pode ser en- tendida como compromisso ético-político, já que, como afirma Geraldi (2003, p. 47) a vida concebida como acontecimento ético aberto não comporta acabamento. Naquela turma houve espaço e tempo para algo fora do previsto, o inacabamento que permitiu o contorno dado pelo outro-criança. Isso remete a algumas ca- racterísticas e dimensões do planejamento, tais como abordei em texto anterior (Corsino, 2006), quais sejam: i) o inacabamento; ii) a par- ticipação do coletivo; iii) a tensão entre previsi- bilidade e imprevisibilidade; iv) a continuidade e o encadeamento das propostas, uma vez que o conhecimento se dá em rede e também em saltos e rupturas. O planejamento como organização do tem- po e do espaço, em que as ações e intera- ções serão vivenciadas pela turma, é im- prescindível. Sem planejamento, a função educativa da escola, em sua estreita relação com a cultura, não se efetiva plenamente. No relato da professora, fica evidente a or- ganização de um projeto a partir da chega- da das lagartas. A busca de resposta às per- guntas das crianças levou às pesquisas e aos registros. A cada observação, surgem novas buscas de fontes e novas formas de expres- sar e expandir o observado. Como pode ser percebido, a professora relata a observação da metamorfose da lagarta à mariposa e os registros deste processo, dando ênfase à área das Ciências Naturais. Fica evidente que seu objetivo foi ampliar a curiosidade das crianças, incentivá-las a levantar hipó- teses e a construir conhecimentos sobre os seres vivos, sobre a relação entre o homem e a natureza, etc. Certamente ocorreram mui- tas aprendizagens a partir das situações re- latadas e também de outras que não foram registradas. O relato é uma impressão ampla do processo de um grupo e não de um sujei- to em particular. Entretanto, se fizermos um exercício deno- minado por Helm e Beneke (2005) de rede antecipatória, em que por associação de ideias e possibilidades de articulação puxa- mos vários assuntos, podemos pensar o pro- jeto de forma expandida às diferentes áreas do conhecimento. Por exemplo, a literatura
  • 40. 40 infantil poderia ser um fio a ser puxado, com histórias e poemas que trazem a dimensão ficcional e metafórica da metamorfose, en- traria como contraponto aos conhecimen- tos da área da Biologia que estavam sendo trabalhados, a leitura e a escrita se estende- riam a gêneros literários. Nos primeiros anos de escolarização, proje- tos como o relatado são possibilidades ím- pares de articulação entre diferentes áreas do conhecimento. As crianças são curiosas e é esta curiosidade que move o seu interes- se, que favorece as ampliações, que provoca aprendizagens, que desenvolve capacidades. Portanto, a atenção aos interesses do gru- po é um caminho importante para tornar o cotidiano escolar significativo e dinâmico. É fundamental que o professor também se in- teresse pelo assunto que está desenvolven- do com a turma, que se envolva na busca por respostas, que as busque em diferentes fontes, que tenha as produções culturais de diferente épocas, grupos sociais, áreas de co- nhecimento como um vasto campo aberto à escola. São as possibilidades de as crianças estabelecerem relações que fazem com que uma atividade ou projeto da escola se tor- ne relevante para sua vida. É na troca com o outro que os conhecimentos vão fazendo sentido e é na partilha das descobertas que os conhecimentos aprendidos se tornam um território comum do grupo. Segundo Vygotsky (2000), o elo central do processo de aprendizagem é a formação de conceitos. O autor compara e inter-relaciona duas categorias de conceitos: os conceitos espontâneos – construídos cotidianamente pela ação direta das crianças sobre a reali- dade que elas experimentam e observam – e os conceitos científicos – construídos em situações formais de ensino-aprendizagem. Para o autor, os conceitos espontâneos per- correm muitos caminhos até a criança ser capaz de defini-los verbalmente. Por exem- plo, o conceito de irmão, o próprio Vygotsky relata a dificuldade inicial de a criança defi- nir o conceito, mesmo tendo a experiência de ter um irmão. Já os conceitos científicos, que partem de uma definição, precisam aliar a formulação cientifica à experiência das crianças. As apropriações dos conceitos espontâneos e dos conceitos científicos se- guem, assim, direções diferentes, mas são processos intimamente interligados que exercem influências mútuas. O autor enfatiza que a apreensão dos siste- mas de conhecimento científicos pressupõe um tecido conceitual já amplamente ela- borado e desenvolvido por meio da ativida- de espontânea do pensamento infantil. E, ainda, destaca que o desenvolvimento dos conceitos científicos não é fruto de memo- rização ou de imitação, pois estes conceitos surgem e se constituem por meio de uma tensão de toda atividade do próprio pensa- mento infantil: na medida em que a criança toma conhecimento pela primeira vez do sig-
  • 41. 41 nificado de uma nova palavra, o processo de desenvolvimento dos conceitos não termi- na, mas está apenas começando (Vygotsky, 2000, p. 252). Estudando as complexas rela- ções entre as duas categorias de conceitos, Vygotsky (2000) observou que, embora as crianças consigam operar espontaneamen- te com uma série de palavras, elas não têm consciência da sua definição, ou seja, não conseguem tomar consciência do seu pró- prio pensamento. Isto é, quanto mais usam automaticamente alguma relação tanto me- nos têm consciência dela. Por isso, entende que tomar consciência de alguma operação significa transferi-la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na ima- ginação para que seja possível exprimi-la em palavras (p. 275). Para o autor, o desenvol- vimento consiste nesta progressiva tomada de consciência dos conceitos e operações do próprio pensamento. Nesta perspectiva, a linguagem ganha uma dimensão central em todo o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Falar so- bre o que viu, observou, sentiu, bem como desenhar, pintar, dramatizar as situações e observações vividas, ditar para outra pes- soa escrever ou escrever para dizer algo para alguém são ações que vão possibilitar as recriações do vivido. Recriações contex- tualizadas, uma vez que partem do coletivo (intrapsíquico), são significadas subjetiva- mente (interpsíquico) e retornam ao coleti- vo reelaboradas. No relato da professora, podemos notar que as crianças obtiveram muitas informações sobre o processo da metamorfose da lagarta à mariposa, mas aprenderam principalmen- te a levantar hipóteses, a procurar informa- ções em diferentes fontes, a registrar – com desenhos e por escrito – a partir de obser- vações sistemáticas, a pensar no tempo de duração da metamorfose e nas diferenças entre os tempos de cada lagarta, a observar que a vida comporta a morte, a comparar o processo de crescimento/desenvolvimen- to entre animais, entre outros. O conteúdo em si da metamorfose é muito pouco diante do que um projeto como este pode abrir ao sujeito. É notório que toda a articulação de saberes que o projeto favoreceu teve a pro- fessora como mediadora. Foi ela quem, efe- tivamente, selecionou e organizou o que foi trabalhado com as crianças e como foi feito este trabalho. Para dar continuidade às reflexões sobre as áreas do conhecimento nos primeiros anos do Ensino Fundamental, trago a seguir algu- mas questões sobre esta articulação entre educação e cultura e o lugar do professor no processo de seleção e produção de conheci- mento na escola. EDUCAÇÃO, CULTURA, CURRÍCULO (…) a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, é pela e
  • 42. 42 na educação, através do trabalho pacien- te e continuamente recomeçado de uma “tradição docente” que a cultura se trans- mite e se perpetua: a educação “realiza” a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçada, fio precá- rio e promessa necessária da continuidade humana (Forquin,1993, p. 14). Forquin ajuda a refletir sobre as inter-rela- ções entre educação e cultura, enfatizando a importância da ação docente neste proces- so. Para o autor, pode-se dizer que a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última. Partimos de uma visão de cultura como prá- tica social. Como afirmam Moreira e Can- dau (2007, p. 27), quando um grupo compar- tilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. A palavra cultura implica, por- tanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compar- tilhados em um grupo. Isto é, um conjunto de práticas significantes. Nesta perpectiva, os autores discutem o cur- rículo como escolhas, como uma seleção cul- tural da escola. Portanto, um conjunto de prá- ticas que propicia a produção, a circulação e o consumo de significados. O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande efeito no processo de construção da identidade do(a) estudante( id. p. 28). E não se pode desconside- rar a relação de poder e as tensões que se tra- vam neste processo seletivo da cultura: o cur- rículo é um território em que se travam ferozes competições em torno dos significados (Moreira e Caudau, 2007, p. 28). A escola é a instituição oficialmente encarre- gada de organizar, selecionar, decantar, adap- tar elementos da cultura, para serem trans- mitidos às novas gerações. Cabe a ela não só a função de selecionar o que deverá ser ensinado, como também de pensar o como estes saberes deverão ser organizados para serem aprendidos da melhor maneira possí- vel. Ao pensar o como, a escola reorganiza didaticamente aqueles saberes, faz transpo- sições didáticas dos saberes eruditos, produ- zindo substitutos didáticos da cultura social de referência, produzindo os conhecimentos escolares. Estes conhecimentos, por sua vez, são responsáveis por formas típicas de ati- vidades intelectuais, influenciando também a produção cultural fora dos muros escola- res. Portanto, o professor, com seus saberes e suas condições de trabalho, é, em última instância, quem realiza o currículo, transmi- tindo, perpetuando e produzindo cultura. Para Chevallard (1991, p.15), o processo didáti- co é uma relação ternária entre um docente, os alunos e o saber. Durante muito tempo, a didática preocupou-se com a relação “ensino- aprendizagem”, esquecendo-se do saber. Ao levarmos em conta o saber nestas relações
  • 43. 43 e considerando a aquisição de conhecimento como um processo interativo em que os su- jeitos envolvidos não só se apropriam como também produzem conhecimentos, surgem algumas questões: quais são os critérios de seleção dos saberes escolares? Que saberes os professores possuem e tomam como refe- rência e quais os que eles produzem? O professor encontra-se no centro desta complexa e tensa relação entre escola e cul- tura. Especialmente porque a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralida- de e com as diferenças, tendendo ao silen- ciamento e neutralização de muitas vozes. Moreira e Caudau (op. cit.) destacam, ain- da, que a homogeneização e a padronização têm sido sua marca, e que seu grande de- safio é abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas. E este desafio se coloca desde os primeiros anos da criança na escola. Nas seleções feitas para cada faixa etária, em cada área de co- nhecimento, nas formas de descontextuali- zar e recontextualizar os saberes, nas aborda- gens capazes de problematizar e confrontar diferentes pontos de vistas, nas possibilida- des de as crianças expressarem de diferentes maneiras seus sentimentos, visões e formas de significar o que está ao seu redor. A linguagem, como constituinte do sujeito, é a arena onde cultura e educação se realizam mutuamente. Portanto, os espaços abertos às interlocuções e partilhas são sinalizado- res de uma educação comprometida com a constituição das crianças e com a mudança. Os conteúdos que circulam e a forma com que são problematizados pelo professor re- levam suas posições sócio-político-culturais. Uma educação de qualidade, afirmam Mo- reira e Candau (2007, p. 21) deve propiciar ao (à) estudante ir além dos referentes pre- sentes em seu mundo cotidiano, assumindo-o e ampliando-o, transformando-se, assim, em um sujeito ativo na mudança de seu contexto. Portanto, não cabe mais na escola a antiga e sempre presente lógica de transmissão e re- produção de conhecimentos e também não cabe mais pensar as áreas de conhecimento de forma fechada e restrita. A organização do currículo por áreas do co- nhecimento é uma maneira (entre outras) de tentar organizar os saberes em conhecimento escolar. Os conteúdos selecionados para serem trabalhados em cada área devem ser enten- didos como possibilidades de socialização de conhecimentos acumulados ao longo de uma história ocidental, burguesa, urbana, branca – portanto, precisam ser problematizados de forma crítica – e também como possibilida- de de desenvolver capacidades nas crianças. Os conteúdos não são importantes por si sós e sim enquanto suportes que dão sustentação a inúmeras ações e interações. A seguir, trago alguns objetivos amplos de
  • 44. 44 cada área sugeridos no documento do MEC intitulado Ensino Fundamental de Nove anos: orientações para inclusão das crianças de 6 anos de idade, com a finalidade de se pensar uma educação capaz de dotar as crianças de instru- mentos para uma efetiva participação social O TRABALHO COM AS DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO: UMA SÍNTESE À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS Trabalhar com os conhecimentos das Ciên- cias Sociais nessa etapa de ensino reside, es- pecialmente, no desenvolvimento da refle- xão crítica sobre os grupos humanos, suas relações, suas histórias, suas formas de se organizar, de resolver problemas e de viver em diferentes épocas e locais. Assim, a fa- mília, a escola, a religião, o mundo do tra- balho, o entorno social (bairro, comunida- de, povoado), o campo, a cidade, o país e o mundo são esferas da vida humana que com- portam inúmeras relações, configurações e organizações. Propor atividades em que as crianças possam ampliar a compreensão da sua própria história, da sua forma de viver e de se relacionar; identificar diferenças e semelhanças entre as histórias vividas pelos colegas e por outras pessoas e grupos so- ciais próximos ou distantes, que conhecem pessoalmente ou que conheceram através das histórias ouvidas, lidas, vistas na televi- são, em filmes, em livros, etc. Histórias in- dividuais e coletivas que participaram e que participam da construção da história da so- ciedade contemporânea, problematizando a história de vencidos e de vencedores. O trabalho com a área das Ciências Sociais também tem como objetivo ajudar a criança a pensar e a desenvolver atitudes de obser- vação, de estudo e de comparação das pai- sagens, do lugar onde habita, das relações entre o homem e o espaço e a natureza. É importante conhecer as transformações ocorridas sob a ação humana na constru- ção, povoamento e urbanização das diferen- tes regiões do planeta; perceber que a ma- neira como o homem lida com a natureza interfere na paisagem e, consequentemen- te, na forma e na qualidade de vida das pes- soas. Deve-se propor atividades que levem as crianças a investigarem e a intervirem sobre a realidade, reconhecendo-se como parte integrante da natureza e da cultura. Nas séries/anos iniciais é também importan- te que as atividades propostas possibilitem às crianças construírem noções básicas de tempo (ordenação, sequência, duração, con- comitância) e de espaço (dentro e fora, em cima e embaixo, em frente, atrás, etc.). Na área das Ciências Naturais, o objetivo é ampliar a curiosidade das crianças, incen- tivá-las a levantar hipóteses e a construir conhecimentos sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos e sobre a re-
  • 45. 45 lação entre o homem e a natureza e entre o homem e as tecnologias. É importante orga- nizar os tempos e os espaços da escola para favorecer o contato das crianças com a na- tureza e com as tecnologias, possibilitando a observação, a experimentação, o debate e a ampliação de conhecimentos científicos. As atividades didáticas desta área têm como finalidade desafiar as crianças, levá-las a prever resultados, a simular situações, ela- borar hipóteses, a refletir sobre as situações do cotidiano, a se posicionar enquanto par- te da natureza e membro de uma espécie – entre tantas outras espécies do planeta –, estabelecendo as mais diversas relações e percebendo o significado dos saberes dessa área com suas ações do cotidiano. O objetivo do trabalho com as Noções Ló- gico-matemáticas nas séries/anos iniciais é dar oportunidade às crianças de coloca- rem todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações (Ka- mii,1986). Encorajar as crianças a identificar semelhanças e diferenças entre diferentes elementos, classificando, ordenando e se- riando; a fazer correspondências e agrupa- mentos; a comparar conjuntos; a pensar sobre números e quantidades de objetos quando estes forem significativos para elas, operando com quantidades e registrando as situações-problemas (inicialmente de forma espontânea e, posteriormente, usando a lin- guagem matemática). É importante que as atividades propostas sejam acompanhadas de jogos e de situações-problemas e que promovam a troca de idéias entre as crian- ças. Especialmente nesta área é funda- mental o professor fazer perguntas às crianças para poder intervir e questionar a partir da lógica de- las. O trabalho com área da Linguagem parte do princípio de que a criança, desde bem pequena, tem infinitas possibilidades para o desenvolvimento de sua sensibilidade e de sua expressão. Um dos grandes objetivos do currículo nesta área é a educação estética , isto é, sensibilizar a criança para apreciar uma pintura, uma escultura, assistir a um filme, ouvir uma música. Neste período, é importante a criança vivenciar atividades em que possa ver, reconhecer, sentir, expe- rienciar, imaginar e atuar sobre as diversas O trabalho com área da Linguagem parte do princípio de que a criança, desde bem pequena, tem infinitas possibilidades para o desenvolvimento de sua sensibilidade e de sua expressão.