1. Processo Penal I
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Aula 7. Inquérito policial: comunicação e abertura do inquérito policial; trâmite.
COMUNICAÇÃO E ABERTURA DO INQUÉRITO
Comunicação a autoridade policial
Notitia criminis (notícia do crime) é o conhecimento, espontâneo ou provocado, pela autoridade
policial de um fato aparentemente criminoso. Pode ser:
1. direta: aquela em que o conhecimento da infração penal pelo destinatário da notitia criminis, ou
seja, o próprio delegado de polícia. Ocorre direta e imediatamente, quando se encontra a autoridade
pública no exercício de sua atividade funcional.
2. indireta: é a provocada, a notícia do crime é transmitida pelas diversas formas previstas na
legislação processual penal prevista na legislação processual, pela vítima, pelo promotor etc.
Delatio criminis
É a denúncia feita por qualquer do povo sobre a ocorrência de uma infração penal. O § 3º do art. 5º
CPP permite que qualquer do povo, verbalmente ou por escrito, comunique à autoridade a
ocorrência de um crime, que mandará instaurar o inquérito para proceder as investigações.
Instauração de inquérito no caso de ação penal pública
Ação penal pública é aquela cuja iniciativa cabe ao Ministério Público. Pode ser:
1. ação penal pública incondicionada: aquela que não exige qualquer participação do ofendido
solicitando atuação do Estado. Conhecido o crime, o Estado age de ofício, investigando e
processando o agente.
2. ação penal pública condicionada: aquela em que há necessidade de manifestação do ofendido
ou seu representante legal (pai, mãe etc.), ou requisição do Ministro da Justiça, para que o Estado
tenha a iniciativa de investigação e processo. Faz-se através da chamada representação do ofendido
(ação penal pública condicionada a representação), ou requisição do Ministro da Justiça (ação penal
pública condicionada a requisição). O art. 5º CPP traz as hipóteses de instauração de inquérito no
caso de crimes de ação penal pública, vejamos:
1. de ofício (I): trata-se de uma regra geral que só cede diante de disposição expressa da lei.
Tomando conhecimento da ocorrência do crime (cognição imediata) a autoridade policial deve
instaurar o procedimento respectivo.
2. mediante requisição (II): é a determinação de instauração do inquérito não no sentido de
ordem, mas no cumprimento da lei, advinda da autoridade judiciária ou do Ministério Público.
3. mediante requerimento do ofendido ou quem o represente (II): é um pedido ou solicitação
pela própria vítima ou seu representante legal, como pais, tutores, curadores ou qualquer pessoa
com poderes legais (pais em relação aos filhos menores) ou por procuração. Esse requerimento
deve conter, sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a
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individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de
presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a
nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência (art. 5°, § 1° CPP). Do
indeferimento do pedido de instauração de inquérito, cabe o recurso administrativo ao Secretário de
Segurança Pública (chefe de Polícia nos termos do art. 5°, § 2° do CPP).
4. por auto de prisão em flagrante delito: pode o inquérito ser instaurado ainda pela prisão em
flagrante delito, quando o respectivo auto será a primeira peça do procedimento. Como o flagrante
pode provocar a prisão do autor da infração por parte da autoridade policial, como de qualquer
outra pessoa ou autoridade (at. 301 CPP), a notícia do crime pode ser, em relação ao órgão
persecutório, ou direta ou indireta, conforme tenha sido ele próprio, ou outro, o autor da prisão. Os
requerimentos, as requisições e o auto de prisão em flagrante são peças iniciais do inquérito policial.
Nos demais casos (de ofício, denúncias) a autoridade policial deve baixar a portaria para a
instauração do procedimento. A portaria é uma peça singela, na qual a autoridade policial consigna
haver tido ciência da prática do crime de ação pública incondicionada, declinando, se possível, o
dia, lugar e hora em que foi cometido, o prenome e nome do pretenso autor e o prenome e nome
da vítima, e conclui determinando a instauração do inquérito. Não se impede, porém, a instauração
de inquérito policial referente a crime cuja autoria é ignorada, eis que é no âmbito do procedimento
que se devem proceder as investigações para a sua identificação.
Dever de instauração
Tendo o conhecimento da existência de um crime que se apura mediante ação penal pública por
qualquer das formas acima mencionadas, a autoridade policial tem o dever de instaurá-lo. Diz o
artigo 5° do CPP que, nessa hipótese o inquérito policial será instaurado pela autoridade. O inquérito
não deve ser instaurado, entretanto, na hipótese já mencionada de fato atípico, no caso de estar
extinta a punibilidade, na hipótese de ser a autoridade incompetente para a instauração e quando
não forem fornecidos os elementos indispensáveis para se proceder às investigações.
Evidentemente não se pode determinar a instauração de inquérito policial para a investigação de
fatos pelos quais a pessoa a ser indiciada já foi anteriormente absolvida ou condenada pelo fato
criminoso. Há, nessas hipóteses, bis in idem ainda que a sentença não tenha transitado em julgado.
Instauração de inquérito no caso de ação pública condicionada
A ação pública pode estar condicionada à representação da vítima ou à requisição do Ministro da
Justiça. Assim, a instauração do inquérito policial, nessas hipóteses, também depende da prática
desses atos jurídicos, que são previstos expressamente pela lei processual.
Representação
Diz o artigo 5°, § 4°, do CPP: “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de
representação, não poderá sem ela ser iniciado”. A representação é um simples pedido-autorização
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em que o interessado manifesta o desejo de que seja proposta a ação penal pública e, portanto,
como medida preliminar, o inquérito policial. Estudaremos este assunto adiante, quando do estudo
da ação penal.
Requisição do Ministro da Justiça
A requisição do Ministério da Justiça também não exige formalidades especiais e caberá em algumas
remotas hipóteses previstas no Código Penal. Verificaremos adiante suas especificações.
Instauração de inquérito no caso de ação privada
Quando a lei prevê expressamente que determinado crime somente se apura mediante queixa,
determina para ele a ação penal privada. Nessas hipóteses, o inquérito policial também só pode ser
instaurado mediante a iniciativa da vítima. Diz o artigo 5°, § 5°, do CPP: “Nos crimes de ação privada, a
autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.
Esse requerimento não exige formalidades, mas é necessário que sejam fornecidos os elementos
indispensáveis à instauração do inquérito policial (art. 5°, § 1°, do CPP). Mas, a vítima deverá
interpor a chamada queixa crime, no prazo legal, sob pena extinção da punibilidade pela decadência.
Decorrido este prazo não pode ser instaurado o inquérito policial. Estudaremos a ação penal
privada adiante.
TRÂMITE DO INQUÉRITO POLICIAL
Instauração e atos iniciais da autoridade policial
Diante de regular notitia criminis a autoridade policial deve instaurar o inquérito policial destinado a
apurar o fato em todas as suas circunstâncias e a autoria. Mesmo a existência de elementos que
indicam ter ocorrido uma causa excludente da antijuridicidade (art. 23 a 25 CP) ou culpabilidade
(art. 22, 26 caput e 28, § 1º CP) não impede a instauração do procedimento investigatório. A
antijuridicidade do fato ou a não culpabilidade do agente só pode ser apreciada após o oferecimento
da denúncia pelo Ministério Público e resposta do acusado através da defesa prévia interposta por
seu advogado, podendo o juiz, então, deixar de receber a denúncia na forma do art. 397 I e II do
CPP. Não é lícito antes disso trancar-se o inquérito policial sob a alegação de que a prova nele
produzida induz à inexistência de relação jurídico-material, em verdadeiro julgamento antecipado
do acusado.
Procedimento (art. 6º CPP)
Inicialmente, a autoridade policial deve proceder de acordo com o artigo 6°, do CPP, embora não
preveja a lei um rito formal nem uma ordem prefixada para as diligências que devem ser
empreendidas pela autoridade. Indica o dispositivo, porém, as diligências que, em regra geral,
devem ser efetuadas para que a autoridade possa colher os elementos da infração, devendo por isso
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agir com presteza, antes que se mude o estado das coisas no local do crime ou desapareçam armas,
instrumentos ou objetos do delito, enfim, colhendo as provas que sirvam para a elucidação do fato
e suas circunstâncias. Naturalmente a patente carência de recursos e de material humano suficiente
faça deixar ao critério da autoridade policial aquelas que são indispensáveis, sendo que nem todas
no caso concreto serão realizadas, e outras terão o acompanhamento somente dos investigadores.
Vejamos:
I. dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado de conservação das
coisas, até a chegada dos peritos criminais.
Tal providência é importante em vários delitos que deixam vestígios (homicídio, roubo, furto,
incêndio etc.), para que se possa realizar laudos pelos peritos, o exame do lugar do crime e outras
diligências (colheita de impressões digitais, análise de manchas etc.) que podem revelar provas ou
indícios úteis à elucidação do fato.
II. apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos
criminais.
São todos aqueles que revelam utilidade à busca da verdade real. Esses objetos devem, no final,
acompanhar os autos do inquérito (art. 11). Os instrumentos empregados para a prática da infração
serão submetidos a exame a fim de se lhes verificar a natureza e eficiência (art. 175). Decreta-se,
aliás, a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, dos
instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou
detenção constitua fato ilícito (art. 91, II, a, do CP). Serão eles inutilizados ou recolhidos a museu
criminal, se houver interesse na sua conservação (art. 124). A busca e apreensão estão disciplinadas
no Código de Processo Penal (arts. 240 a 250), mas a entrada em casa sem o consentimento do
morador só é permitida durante o dia e mediante mandado judicial, salvo as hipóteses de flagrante
delito ou desastre ou para prestar socorro (art. 5°, XI, da CF). Evidentemente, não há ilegalidade
nas diligências policiais realizadas à noite, em residência, precedidas de autorização do morador.
III. colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias.
Observados os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e nas leis ordinárias, a
autoridade policial poderá desenvolver qualquer diligência, incluindo-se evidentemente, arrolar
testemunha, vítima ou suspeito para prestar declarações no inquérito, colheita de sangue, urina,
sêmen, documentos etc.. Fora das garantias constitucionais, não é permitido a qualquer envolvido
eximir-se da apuração dos fatos e muito menos condicionar o fornecimento de elementos para a
investigação. Por analogia, aplica-se às testemunhas do inquérito policial o disposto nos artigos 202
a 221 do CPP, inclusive a condução coercitiva daquela que deixar de comparecer sem motivo
justificado (art. 218).
IV. ouvir o ofendido.
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Embora seja relativo o valor probatório das declarações do sujeito passivo do crime, suas
informações são extremamente úteis para o desenvolvimento das investigações. O ofendido deve
ser notificado para comparecer e prestar suas declarações e, diante do não atendimento
injustificado, ser conduzido à presença da autoridade (art. 201, parágrafo único, do CPP), podendo
esta determinar, caso necessário, a busca e apreensão (art. 240, § 1°, g).
V. ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do
Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que
lhe tenham ouvido a leitura.
Indiciado é a pessoa reconhecida pelo Estado, através do delegado de polícia, como autora da
infração penal. Ser indiciado significa ser tido como autor da infração penal diante os indícios
colhidos no inquérito policial. Indiciamento (ou indiciação) é ato exclusivo da autoridade policial
que forma sua convicção sobre as provas colhidas. O sujeito avança na escala de investigação, e de
“suspeito” do crime, passa a ser “indiciado” pelo crime. Com o indiciamento a folha de
antecedentes do agente receberá as informações sobre aquele crime investigado. Por isso, não é um
ato discricionário, devendo basear-se em provas de materialidade do crime e sua autoria. A
legislação brasileira não exige motivação para o indiciamento, ou seja, não exige esclarecimento,
razões que levaram ao indiciamento, nem mesmo para capitulação do fato, salvo no que tange a
crimes relacionados com drogas, para capitulá-lo como tráfico ou porte para uso próprio. O que é
um absurdo, deve-se exigir da autoridade policial a devida motivação do indiciamento e da
classificação do crime, pois já é este o primeiro passo que pode ser dado ao indiciado no caminho
do cárcere. Até porque, como sabemos, no inquérito policial, apesar de ser procedimento
inquisitório, nem por isso perdeu o indiciado todos os direitos e garantias constitucionalmente
previstas, devendo a autoridade policial observar seus direitos constitucionais, apesar das limitações
de interferência no inquérito ante seu caráter administrativo, como vimos. O interrogatório seguirá
a forma do interrogatório judicial previsto no art. 185 a 196 CPP, com as devidas adaptações pois
não é obrigatória a presença de defensor e não há direito de interferência deste no interrogatório
policial. Mas, assegurado o direito ao silêncio (art. 5º, LXIIICF). No tocante as testemunhas
instrumentárias, são aquelas que tenham ouvido a leitura do interrogatório realizado, a fim de
assegurar maior idoneidade e que, eventualmente possam confirmar em juízo que as declarações do
indiciado forma colhidas com espontaneidade e livre de pressão. Quanto a prisão em flagrante
somente participarão da leitura quando o acusado não quiser ou não puder assinar (art. 304, § 3º
CPP). Logicamente não podem ser testemunhas outros acusados, nem tampouco os policiais que
participaram da investigação.
Indiciado menor de idade: antigamente deveria ser nomeado curador (art. 15 CPP) ao menor de 21
anos de idade. Curador, em matéria penal, era a pessoa que tem por função proteger e orientar o
menor de 21 anos de idade tanto no interrogatório na fase policial quanto na fase judicial, suprindolhes naturais deficiências diante sua imaturidade e zelando pelo mesmo contra o arbítrio. Após a
vigência do novo Código Civil (Lei 10.406/02) que alterou a maioridade civil para 18 anos, não
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mais se nomeia curador, pois os maiores de 18 anos são considerados plenamente capazes para os
atos da vida civil (art. 5º CC). Deixou então de existir a figura do “indiciado menor” dado que os
menores de 18 anos de idade não podem ser indiciados face a sua inimputabilidade penal (art. 27
CP e art. 228 CF). Tal entendimento ficou mais forte após a edição da Lei 10.792/03 que revogou o
art. 194 do CPP que previa a nomeação de curador ao menor de 21 anos no interrogatório judicial.
Incomunicabilidade do indiciado (art. 21 CPP): isso está revogado pela CF, que mesmo na vigência
de Estado de Defesa, que garantias individuais ficam suspensas, proibi-se a incomunicabilidade (art.
136, § 3º, IV). Aliás, a CF assegura ainda ao preso a “assistência da família e de advogado” (art. 5°,
LXIII), determinando que sua prisão seja comunicada imediatamente ao “juiz competente e à
família do preso ou à pessoa por ele indicada” (art. 5°, LXII). Não havendo nenhuma ressalva a
esses direitos nos dispositivos constitucionais não pode a lei possibilitar a incomunicabilidade do
preso em hipótese alguma. Além disso, o advogado jamais pode ser impedido de falar com seu
cliente (art. 7º, III, Lei 8.906/94).
“1. Esta Corte Superior de Justiça, reiteradamente, vem decidindo que o indiciamento formal dos
acusados,
após o recebimento
da
denúncia, submete os pacientes
a constrangimento
ilegal
e
desnecessário, uma vez que tal procedimento, que é próprio da fase inquisitorial, não mais se justifica
quando a ação penal já se encontra em curso. 2. Habeas corpus concedido para cassar a decisão que determinou
o indiciamento formal dos pacientes, excluindo-se todos os registros e anotações, relativos ao processo de
que aqui se cuida, sem prejuízo do regular andamento da ação penal.” (STJ – HC18455/SP – 6ª Turma – Rel.
Min. Og Fernandes – J. 5.05.2011)
“I. Este Superior Tribunal de Justiça, em reiterados julgados, vem afirmando seu posicionamento no
sentido de que caracteriza constrangimento ilegal o formal indiciamento do paciente que já teve contra si
oferecida denúncia e até mesmo já foi recebida pelo Juízo a quo. II. Uma vez oferecida a exordial acusatória,
encontra-se encerrada a fase investigatória e o indiciamento do réu, neste momento, configura-se coação
desnecessária e ilegal. III. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.” (STJ – HC 179951 – 5ª Turma
– Rel. Min., Gilson Dipp – J. 0.5.2011)
VI. proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações.
O reconhecimento é a identificação de pessoa ou coisa feita na presença da autoridade, estando
disciplinado nos artigos 226 a 228 do CPP. Se faz mediante um auto próprio, com a descrição da
coisa ou pessoas e seu reconhecimento ou não pelo reconhecente. A acareação deve ser realizada
quando houver divergências relevantes entre as declarações prestadas no interrogatório,
depoimento das testemunhas, declarações da vítima etc., e está disciplinada nos artigos 229 e 230 do
CPP.
VII. determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer
outras perícias.
O exame de corpo de delito é regulado nos artigos 158 a 184 do CPP. É indispensável todas as
vezes que a infração deixar vestígios, constituindo-se na verificação dos elementos exteriores ou da
materialidade da infração penal pelo perito, a quem compete o exame do fato delituoso, de suas
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causas, conseqüências, circunstâncias etc. As demais perícias serão determinadas de acordo com a
natureza do crime, a necessidade para a elucidação do fato etc. Para verificar a possibilidade de
haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à
reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública (art.
7° CPP). É chamada reconstituição do crime, que serve como elemento de convicção para o
julgado e garantia de serenidade de quem dirige o inquérito, pois, cercado o ato quase sempre de
certa publicidade, demonstra a espontaneidade do indiciado. O indiciado, porém, não está obrigado
a participar da reconstituição, ainda que tenha confessado o delito no interrogatório. Se, em termos
constitucionais, pode permanecer calado (art. 5°, LXIII, da CF), com muito maior razão não pode
estar obrigado a produzir prova contra si mesmo.
VIII. ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer
juntar aos autos sua folha de antecedentes.
A CF preceitua que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo
nas hipóteses previstas em lei” (art. 5º, inciso LVII). A identificação civil do agente se faz por seus
documentos de identificação (RG, CPF, passaporte, CTPS etc.). Mas, pode ocorrer a necessidade
de identificação criminal, que é a colheita científica de identificação, que se faz mediante colheita
datiloscópica (impressões digitais) e a fotografação. Tal é regulado através da Lei 12.037/09. A
folha de antecedente é a ficha onde consta a vida pregressa criminal de todas as pessoas que
possuam sua identificação civil. Serve de fonte de informação ao juiz e para as demais autoridades
da esfera criminal. São informações permanentes, no que pertine ao Poder Judiciário, podendo
requisitá-las o juiz. Quando o condenado termina sua pena, julgando-se extinta pelo juiz, desaparece
o registro, possibilitando ao mesmo retornar à sua vida normal, sem que a mácula da condenação o
persiga para o resto da vida (art. 202, Lei 7.210/84).
IX. averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e
social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e
durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu
temperamento e caráter.
Além do interrogatório sobre os fatos imputados ao investigado, e levantar sua folha de
antecedentes deve obter dados relevantes ao seu passado no contexto individual, como profissão,
endereços residencial e comercial, dados familiares (casado, filhos), sociais (inserção na vida
comunitária), econômicos (salário, bens etc.), além de seu estado de espírito (se arrependeu-se,
premeditou o crime etc.). tudo isto compõe a vida pregressa do investigado.
Deveres da autoridade policial
Além de proceder as diligências referidas nos artigos 6° e 7° do CPP, sempre que possível e
necessário ou conveniente para a elucidação dos fatos a serem apurados no inquérito, à autoridade
policial incumbe outras providências, referidas no artigo 13 do CPP:
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I. fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento
dos processos.
A polícia é, inclusive, órgão auxiliar da Justiça e, por isso, em todo o transcorrer do inquérito, ou
mesmo após o encerramento deste e, especialmente em seu relatório final, incumbe à autoridade
prestar todas as informações e considerações que possam ser de utilidade no esclarecimento do
crime em todas as suas circunstâncias.
II. realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público.
As requisições, que podem ser apresentadas à autoridade policial a qualquer momento, antes,
durante ou após o inquérito, são ordens a que ela está obrigada a atender, ainda quando não lhe
pareçam adequadas. Somente quando forem ilegais haverá oportunidade para a recusa ao
cumprimento das requisições.
III. cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias
Incluindo-se aqui os mandados referentes às prisões provisórias ou decorrentes de condenação
transitada em julgado a pena privativa de liberdade.
IV. representar acerca da prisão preventiva.
A autoridade policial é a primeira a sentir a necessidade da prisão preventiva do indiciado. Assim,
estando presentes os pressupostos previstos nos artigos 312 e 313 do CPP, deve representar ao Juiz
a decretação da prisão preventiva, fundamentando o pedido sobre a necessidade ou conveniência da
medida cautelar. A representação pode ser deduzida a qualquer momento, desde que haja prova da
existência do crime e indícios suficientes da autoria (art. 312).
Além das atribuições mencionadas, o Código de Processo Penal registra outras, entre as quais
reduzir por escrito ou datilografar, num só processado, além de rubricar todas as peças do inquérito
(art. 9º CPP), a de proceder a novas pesquisas após o arquivamento do inquérito (art. 18), a de
representar para a instauração do incidente de insanidade mental do indiciado (art. 149, § 1°), a de
arbitrar fiança em determinadas hipóteses (arts. 321 seguintes do CPP) etc.
Encerramento
Concluídas as investigações, a autoridade policial deve fazer minucioso relatório do que tiver sido
apurado no inquérito policial (art. 10, § 1°, 1ª parte), relatando tudo quanto foi levado ao seu
conhecimento. Tal se dá visando a transparência na atividade de investigação. Nele, poderá indicar
testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas
(art. 10, § 2°). Não cabe a autoridade na sua exposição emitir qualquer juízo de valor, expender
opiniões ou julgamentos, mas apenas prestar todas as informações colhidas durante as investigações
e as diligências realizadas. Pode, porém, exprimir impressões deixadas pelas pessoas que intervieram
no inquérito: indiciado, vítima, testemunhas etc. Quando da instauração do inquérito, a autoridade
já deve classificar o crime, ou seja, dar a capitulação ou definição jurídica do ilícito penal
praticado. Após a conclusão das investigações, se os elementos colhidos indicam ter ocorrido outra
infração penal que não a mencionada na portaria, a classificação deve ser alterada. De qualquer
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forma, a classificação efetuada pela autoridade policial é provisória e não vincula o Ministério
Público para o oferecimento da denúncia ou o querelante para a propositura da queixa. Concluído o
inquérito e elaborado o relatório, a autoridade deverá remeter os autos ao juiz competente (art. 10, §
1°, 2ª parte). Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem a prova, devem
acompanhar os autos (art. 11). Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a
autoridade policial deve oficiar ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere,
mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à
pessoa do indiciado (art. 23).
Prazo para encerramento
Fixa o Código, no artigo 10, o prazo de 30 dias para a conclusão do inquérito policial se o indiciado
estiver solto, mediante fiança ou sem ela, contando-se o lapso de tempo da data do recebimento
pela autoridade policial da requisição ou requerimento ou, em geral, da portaria que deve ser
expedida quando da notitia criminis. Estando o réu preso, o prazo é de 10 dias, contados da data da
prisão (em flagrante ou decorrente do cumprimento de mandado de prisão preventiva). Dispõe,
porém, o artigo 10, § 3°: “Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a
autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão
realizadas no prazo marcado pelo juiz”. Outras hipóteses legais:
1. lei de drogas: Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o
indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Parágrafo único. Os prazos a que se
refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido
justificado da autoridade de polícia judiciária.
Devolução dos autos à autoridade policial
O Ministério Público pode requerer a devolução do inquérito à autoridade policial para novas
diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia (art. 16, CPP) ou requisitar as diligências
faltantes diretamente à autoridade policial (arts. 13, II, e 47 do CPP), devendo fundamentar a
dilação de prazo. Tal se dá quando o promotor entenda que as investigações não estão findas,
devendo indicar expressamente as provas faltantes, aquilo que deseja seja investigado. O juiz, ao
deferir o pedido de dilação do prazo, deve fixar outro para a ultimação do inquérito, não podendo
ser superior a 30 dias. Estando o indiciado preso, o prazo de 10 dias a contar da data da prisão não
pode ser prorrogado. Excedido tal prazo, haverá constrangimento ilegal à liberdade de locomoção
do indiciado, o que leva ao relaxamento de sua prisão por conta do excesso de prazo. Proposta,
porém, a ação penal, o Ministério Público e o querelante poderão requerer ao juiz que, em autos
apartados, a autoridade policial realize diligências importantes para a instrução do processo. No
tocante à polícia federal, apesar de o § 3º do art. 10 do CPP ser claro no sentido de exigir o
deferimento do magistrado para a devolução dos autos do inquérito para continuidade das
diligências pela polícia judiciária, o Conselho da Justiça Federal aprovou a resolução no ano de 2009
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determinado que seja o trâmite direto entre o Ministério Público Federal e a Polícia Federal visando
a agilização dos trabalhos. Entendemos que isso é absolutamente ilegal posto que retira o necessário
controle judicial do inquérito policial, além de afrontar, abertamente, a Súmula Vinculante 14, do
Supremo Tribunal Federal. A súmula dá acesso ao inquérito policial, ainda que sigiloso. Não
bastasse isso, o artigo 10 do Código de Processo Penal dispõe que o controle jurisdicional do
inquérito policial deve ser exercido exclusivamente pelo Poder Judiciário. É inadmissível assim que
esse controle seja redirecionado ao Ministério Publico, ainda que seja somente para solicitar
prorrogação de prazo para as investigações.
Outros prazos
Competência federal: no caso de competência federal, a autoridade policial federal terá o prazo de
15 dias para encerrar o inquérito, no caso de réu preso, podendo requerer ao juiz a prorrogação por
mais 15 dias, desde que fundamentadamente, de acordo com o art. 66 da Lei 5.010/66, que
organiza a Justiça Federal.
Lei de drogas (L. 11.343/06): segundo seu art. 51, terá o delegado o prazo de 30 dias se o
indicado estiver preso, e 90 dias, se solto para ultimar o inquérito policial. Estes prazos podem ser
duplicados (respectivamente, 60 e 180 dias) pelo juiz, mediante pedido justificado da autoridade
policial, ouvido o Ministério Público.
Crimes de economia popular (L. 1.521/51): o prazo para conclusão do inquéritos era sempre de
10 dias, estando solto ou preso o indiciado. (art. 10).
Inquérito militar: segundo o Código de Processo Penal Militar (decreto lei 1.002/69), deve ser
concluído em 20 dias se o réu estiver preso, e 40 dias, prorrogáveis por mais 20 dias se estiver solto
(art. 20, caput e § 1º do CPM)
Arquivamento
Ainda que fique provada a inexistência do fato ou que não se tenha apurado a autoria do ilícito
penal, a autoridade policial não pode mandar arquivar o inquérito (art. 17 CPP). Tal providência
cabe ao juiz, a requerimento do órgão do Ministério Público. Sendo este último destinatário do
inquérito policial, deve formular um juízo de valor sobre o seu conteúdo, para avaliar da existência,
ou não, de elementos suficientes para fundamentar a acusação. Se não encontrar esses elementos,
cumpre-lhe requerer ao juiz o arquivamento do inquérito. Tal requerimento deve ser
fundamentado. Pode ocorrer, porém, um pedido implícito de arquivamento, como, por exemplo,
na manifestação de que a prova coligida não autoriza estabelecer a participação de um indiciado na
prática do crime, ou de que considera o juiz incompetente, recusando-se a oferecer a denúncia.
Nesta última hipótese, discordando o juiz da manifestação do Ministério Público, deverá aplicar-se
o art. 28 do CPP, encaminhando-se os autos ao Procurador Geral de Justiça para que este decida se
é caso de arquivamento ou de oferecimento de denúncia. É o princípio da devolução, em que o juiz
transfere (devolve) a apreciação do caso ao chefe do Ministério Público, ao qual cabe a decisão final
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11. Processo Penal I
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sobre o oferecimento, ou não, da denúncia. Será do Procurador a última palavra, sendo que
entendendo pelo arquivamento, nada mais se deverá fazer. Caso entenda que deva haver denúncia,
ou o próprio a oferecerá, ou nomeará um outro Promotor de Justiça que será obrigado a oferecê-la
pois não age em nome próprio e sim no chefe do Ministério Público, do qual é uma longa manus, por
delegação interna de atribuições. Não é dado ao juiz indeferir pedido de arquivamento de inquérito
formulado pelo Ministério Público determinando novas diligências. O pedido de arquivamento
formulado por um representante da Justiça Pública impede que outro, que o suceda, ofereça a
denúncia, ainda que não proferido o despacho de arquivamento pelo juiz.
Novas provas
Segundo a Súmula 524 do STF, “arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a
requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”. Nada
impede que novas provas modifiquem a matéria de fato, dando ensejo ao procedimento penal. Por
isso, o Código permite que a autoridade policial proceda a novas pesquisas, mesmo após o
arquivamento do inquérito (art. 18 CPP). Não se revestindo de eficácia de coisa julgada o despacho
de arquivamento, interlocutório de natureza terminativa, o desarquivamento diante de novas provas
é possível, possibilitando-se o oferecimento de denúncia. Essas novas provas, capazes de autorizar
início da ação penal, são somente aquelas que produzem alteração no panorama probatório dentro
do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito. A nova prova há de ser
substancialmente inovadora, e não apenas formalmente nova. Claro, deve-se verificar se não
ocorreu a prescrição do crime, hipótese que extingue a punibilidade do agente (art. 107, IV CP)
impedindo de instauração de qualquer investigação criminal.
Apuração de crime de ação penal privada ou condicionada a representação
Tratando-se de inquérito policial que verse sobre crime que se apura mediante ação penal privada
ou condicionada a representação do ofendido, os autos aguardarão a iniciativa do ofendido ou de
seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado (art. 19
CPP). A vítima deverá oferecer a queixa crime ou fazer a representação dentro do prazo legal, sob
pena de ser decretada a extinção da punibilidade pela decadência, caso em que os autos serão
arquivados definitivamente, e não mais poder-se-á dar continuidade.
Sigilo em certidões criminais
Segundo o art. 6º da L. 12.037/09, “É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em
atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória.” Quando cumprida a pena, há vedação expressa de anotações
criminais referente a condenações pela Lei 7.210/84 (LEP): “Art. 202. Cumprida ou extinta a pena,
não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por
auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela
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prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.” Tal se dá para que o sujeito não
tenha efeitos eternos de uma condenação e possa continuar sua vida normalmente. Aliás, se a
ordem constitucional veda pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “a”), o mesmo se diga quanto a
seus efeitos.
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