Este trabalho monográfico discute as relações jurídicas relacionadas à calçada, espaço entre a rua e os lotes urbanos. Inicialmente, aborda a conceituação de calçada e sua origem histórica na Mesopotâmia. Em seguida, analisa a questão do domínio da calçada, se público ou privado, e como isso pode gerar intervenções danosas à liberdade de locomoção. Por fim, discute três personagens comuns na calçada - o camelô, o morador de rua e a prostituta - e
1. 1
FUNDAÇÃO CULTURAL DE CAMPOS
CENTRO UNIVERSITÁRIO FLUMINENSE – UNIFLU
CAMPUS I: DIREITO DE CAMPOS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
DIREITO NA CALÇADA:
Reflexões sobre Relações Jurídicas Correlatas à Calçada.
(BRASIL: 1940-2012)
ANTONIO AZEREDO ARAÚJO
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
2012
2. 2
ANTONIO AZEREDO ARAÚJO
DIREITO NA CALÇADA:
Reflexões sobre Relações Jurídicas Correlatas à Calçada.
(BRASIL: 1940-2012)
Monografia apresentada como
exigência final do curso de
Bacharelado em Direito, sob
orientação do Prof. Dr. Victor
Santos Queiroz.
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
2012
4. 4
Agradeço à minha família por
ser meu lastro, à minha
Nininha por ser a melhor irmã
que tenho, à minha avó Maria
pelo colo, ao são paulino Victor
Queiroz pelos exemplos de
humildade, moderação e
simplicidade, aos professores e
aos funcionários desta casa.
Enfim a todos que me
ajudaram a chegar até aqui.
5. 5
— Pouco importa o que diga
esse mulá; existe apenas um
pecado, um só. E esse pecado
é roubar. Qualquer outro é
simplesmente uma variação do
roubo. Entende o que estou
dizendo?
— Não, baba jan — respondi
querendo desesperadamente
entender. Não gostaria de
desapontá-lo de novo.
— Quando você mata um
homem, está roubando uma
vida — disse baba. — Está
roubando da esposa o direito
de ter um marido, roubando
dos filhos um pai. Quando
mente, está roubando de
alguém o direito de saber a
verdade. Quando trapaceia,
está roubando o direito à
justiça. Entende?
Fragmento do livro “ O caçador
de pipas”, escrito por Khaled
Hosseini.
6. 6
RESUMO
O objetivo deste trabalho monográfico está em refletir as relações jurídicas que
tangem a calçada, esta fronteira entre o domínio público e o privado; um espaço de
correlações entre os variados ramos do Direito. As relações jurídicas abordadas no
âmbito da calçada, em parte, são oriundas da dúvida sobre o domínio da calçada, se
público ou privado, que por vezes, resultam em intervenções danosas à liberdade de
locomoção; também serão abordadas, com argumentação encadeada, tendo como
ponto de partida três personagens cotidianos à calçada e suas interações sócio-
profissionais, relações jurídicas, que nascem a partir dessas interações e que são
afeitas a todos e podem afetar a todos, pois quando trafegamos na calçada estamos
expostos a danos de ordem material e moral.
Palavras-chave: Calçada; Direito de Locomoção; Trânsito; Camelô; Prostituição;
Morador de Rua.
7. 7
ABSTRACT
The purpose of this monograph is to reflect the legal relationships that concern the
sidewalk, this boundary between public and private domain, a space of correlations
between the various branches of law. The legal relationships covered under the
sidewalk, in part, come from the doubt about the field of road if public or private,
which sometimes result in harmful interventions to freedom of movement, will also be
addressed, with chained argument, with the starting point everyday to three
characters and their interactions sidewalk socio-professional relationships, which
arise from these interactions and are accustomed to everybody and can affect
everyone, because when we pass over the pavement exposed to damages of a
material and moral .
Keywords: Sidewalk; Right of Locomotion; Transit; Barker; Prostitute; Dweller Street.
8. 8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................09
CAPÍTULO 1- CONCEITO DE CALÇADA ............................................................................12
CAPÍTULO 2- O DOMÍNIO DA CALÇADA............................................................................15
CAPÍTULO 3- RELAÇÕES JURÍDICAS COMUMENTE TRAVADAS NA CALÇADA ...23
CONCLUSÃO.............................................................................................................................60
REFERÊNCIA.............................................................................................................................61
9. 9
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho monográfico está em refletir as relações
jurídicas que irradiam-se a partir da calçada.
Este curto lote, à frente dos lotes urbanos, onde exerce-se uma
necessidade vital, e ao mesmo tempo tão corriqueira, que devido a isso, nos
desapercebemos de que se esta necessidade não for o cerne da liberdade, é a
seiva, a liberdade de locomoção. Os impedimentos ao direito de locomoção, em
muitos casos advém de infundada crença de que a propriedade do lote lindeiro se
estende até a calçada, ou da utilização indiscriminada e caótica, por ser este um
bem público de uso comum do povo, fomentada pela inércia governamental.
Com argumentação encadeada, tendo como ponto de partida três
personagens cotidianos à calçada e suas interações sócio-profissionais, relações
jurídicas, que nascem a partir dessas interações e que são afeitas a todos e podem
afetar a todos, pois quando trafegamos na calçada estamos expostos a danos de
ordem material e moral.
Esses personagens são respectivamente: o camelô, o morador de rua
e a prostituta.
10. 10
Juntamente com o camelô, são abordados: a conceituação deste
profissional frente ao Código de Postura; denúncias da imprensa, de infrações
administrativas representadas quanto a comercialização, aluguel e a titularidade de
mais de uma banca; crimes próprios ao funcionalismo público quanto ao
envolvimento nas infrações supracitadas, bem como especificamente o crime de
prevaricação por agentes de autoridade de trânsito e fiscais de postura pela desídia
na fiscalização da calçada; a responsabilidade civil do Estado por omissão; a
responsabilidade pela construção da calçada; a queda em calçada como problema
de saúde pública; crime eleitoral, ambiental e homicídio culposo; transgressões ao
Código de Trânsito na calçada; conceito de bicicleta; e o piso da calçada e a norma
ABNT NBR 9050.
No item morador de rua, a partir de filósofo e morador de rua, da
Grécia Antiga, Diógenes de Sinope e sua admiração pelos cães são aventados: os
motivos preponderantes que levam pessoas a morar na rua; o protocooperativismo;
a Lei Ambiental e abusos contra animais; a saúde mental dos moradores de rua, o
direito à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana; e o princípio da
insignificância.
Com a prostituta ver-se-á: a conceituação de profissional do sexo pela
Classificação Brasileira de Ocupações; a regulamentação da profissão a partir de
projeto de lei do Senado para descriminalização de prostíbulos; Previdência Social;
práticas de saúde e discriminação no atendimento ao profissional do sexo; controle
de doenças sexualmente transmissíveis na Austrália; condutas criminosas
hipoteticamente relacionadas com a profissão; o Regulamento Técnico para o
Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde e a excreção em local público;
11. 11
disputa por pontos de prostituição e a propaganda; a poluição visual e a Lei de
Paisagens Urbanas do Município de São Paulo-SP.
12. 12
CAPÍTULO 1- CONCEITO DE CALÇADA
1.1 – INDÍCIOS ANCESTRAIS
A partir das informações de Peter BetBasoo, a prática de pavimentar
estradas tem seu primeiro registro histórico conhecido, na Mesopotâmia, mais
precisamente na Assíria, em 3.500 a.C..1
Sendo a pavimentação uma necessidade concomitante a outras duas
criações humanas, a saber:
a) a roda, primordial nos veículos terrestres2 e onipresente nas máquinas3;
b) a administração, uma invenção assíria, a administração imperial dividia o território
em regiões, administradas por governadores locais, que se reportavam a uma
1 BETBASOO, Peter. Brief History of Assyrians. Disponível em:< http://www.aina.org/brief.html >
Acesso em 10 dez. 2012.
2 Há exceções,como em toda a regra. As exceções primevas são o trenó e o travois. Disponível em:
<http://www.museudantu.org.br/QAntiguidade.htm>.Acesso em: 10 dez.2012
3 NASSOUR ,Alberto Cury, A roda: a maior invenção tecnológica. Disponível em:
<http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_19/roda.html>. Acesso em: 10 dez. 2012.
13. 13
autoridade central, o rei da Assíria. Essa modalidade de administração é padrão
governamental até hoje4.
Tanto a roda, quanto a administração necessitavam, e ainda
necessitam, de estradas pavimentadas para funcionarem com eficiência, e apesar
de não haver marco histórico da criação das calçadas tal qual as conhecemos, seria
natural que antes de pavimentar as estradas, houvessem os assírios, verificado os
benefícios da pavimentação nas ruas de suas cidades fortificadas.
1.2- SIGNIFICAÇÃO VOCABULAR
Consultando o verbete calçada, no Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa, informamo-nos que:
calçada s.f. (1298 cf IVPM) 1caminho calçado de pedras; rua de
paralelepípedos ou outro revestimento de pedra <a chuva bateu forte no
empedrado da c.>2 B caminho calçado ou pavimentado, destinado à
circulação de pedestres,quase sempre mais alto que a parte da rua em que
trafegam os veículos; passeio 3 B área pavimentada em torno de um
edifício, junto às suas paredes externas, para proteger as fundações,
impedir infiltrações de água e facilitar o acesso e a circulação de pessoas 4
P m.q. LADEIRA (‘rua íngreme’) <a c. do Combro, em Lisboa> ■ calçadas
s.f.pl.P 5 retenção de ribanceiras, taludes, ladeiras íngremes com paredes
de pedras soltas, afim de defende-las da ação das enxurradas ● ETIM
orig.contrv.; do lat.vulg.*calciata via ‘id.’, de formação incerta ou fem, substv.
de calçado, part. de calçar; [...]5
A partir da leitura do verbete do Dicionário Houaiss e afeto ao tema
deste trabalho, entende-se que a calçada é um caminho pavimentado, cujo piso
4 BETBASOO, Peter. Brief History of Assyrians.Disponível em: <http://www.aina.org/brief.html>
Acesso em 10 dez. 2012.
5
HOUAISS,Antônio e Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Objetiva. 2001. p. 570
14. 14
natural foi recoberto por material resistente às intempéries e ao desgaste mecânico,
que se encontra em nível mais alto que a parte da rua em que trafegam os veículos,
visando a separação concreta, demonstrando que a exclusividade da calçada é do
pedestre.
1.3- CONCEITO JURÍDICO
Formaliza o Código de Trânsito Brasileiro:
CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não
destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e,
quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização,
vegetação e outros fins. 6
6 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
15. 15
CAPÍTULO 2 – O DOMÍNIO DA CALÇADA
Nas cidades, temos defronte aos lotes, um terreno curto, e de largura
correspondente ao mesmo. Dada a esta correspondência e a imediatez deste
contato, somos conduzidos à liberdade de intervir neste curto lote, a calçada. A partir
de então passamos a elocubrar conceitos por vezes errôneos quanto à posse e
propriedade7 deste bem.
2.1 - O QUE É BEM?
Segundo o Dicionário Jurídico Acquaviva:
Bem (Direito Civil)
Do latim bene, virtude, felicidade, utilidade, riqueza
A palavra bem apresenta vários sentidos análogos, semelhantes, mas não
idênticos. Com efeito, num sentido utilitário, bem é algo que enseja a
satisfação de uma necessidade imediata; no sentido moral, ético, é aquilo
que se mostra conforme a norma social, o ideal de moralidade de um grupo
social que, por isso, deve ser buscado em si mesmo. Na verdade, bem é
toda coisa dotada de valor, sendo este a importância, o apreço que se
atribui a um bem. Sendo coisa tudo o que tem existência corporal ou
7 Posse – Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Propriedade - Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito
de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
BRASIL. Código Civil, Lei 10.046 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 dez.2012.
16. 16
espiritual, real, abstrata, ou imaginária, na verdade, para o Direito bem é a
coisa que possui valor econômico ou moral. Embora alguns autores
confundam coisa e bem, o fato é que bem é espécie do gênero coisa. Como
observa De Plácido e Silva, “toda coisa, todo direito, toda obrigação, enfim,
qualquer elemento material ou imaterial representando uma utilidade ou
uma riqueza, integrado no patrimônio de alguém e passível de apreciação
monetária. Pode ser designada bem” (Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de
Janeiro; Forense, 1988). Pouco importa que as coisas consideradas bens
sejam corpóreas ou incorpóreas. Os direitos incidentes sobre coisas
incorpóreas igualmente são bens, v.g., os direitos autorais e os creditórios.
O CC (arts.79 a 103) classifica os bens em imóveis (arts.79 a 81) e móveis
(arts.82 a 84); fungíveis (art.85) e consumíveis (art.86); divisíveis (arts.87 e
88); singulares e coletivos (arts.89 a 91); principais e acessórios (art.92);
públicos (arts.98 a 103).8
2.2 - QUE TIPO DE BEM É A CALÇADA?
O Código Civil atual, na Parte Geral, Livro II, Título Único, trata das
diferentes classes de bens. Iniciando o Capítulo I – Dos Bens Considerados Em Si
Mesmos, Seção I – Dos Bens Imóveis, tem-se o, “Art. 79. São bens imóveis o solo e
tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.9” Frente à objetividade do
artigo citado e restrito ao bem em questão, a calçada, juridicamente não há outra
conclusão, que não a de que a calçada é um bem imóvel. Salvo se realizarem a
calçada dos Jetsons10, posto que o homem limita-se ao que imagina11, decerto que
esta teria também a natureza jurídica de transporte coletivo.
8 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico Acquaviva. 4ª ed.São Paulo: Rideel. 2010. p.
135.
9 BRASIL. Código Civil, Lei 10.046 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
10 The Jetsons (em português Os Jetsons) foi uma série animada de televisão produzida pela
Hannah-Barbera. De 1962 a 1963, exibida no Brasil pela TV Excelsior, depois de 1985 a 1987,
exibida pelo SBT e atualmente, exibida pelo canal Tooncast. Essa série introduziu no imaginário da
maioria das pessoas o que seria o futuro da Humanidade: carros voadores, cidades suspensas,
trabalho automatizado, toda sorte de aparelhos eletrodomésticos e de entretenimento,
robôs como criados, e tudo que dá para se imaginar do futuro.[...]Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Jetsons>. Acesso em: 10 dez. 2012.
11 Com a realidade viabilizando a imaginação, exemplos clássicos disso estão em “A Viagem ao
Redor da Lua” e “Vinte Mil Léguas Submarinas” obras escritas por Júlio Verne em 1869 e 1870
respectivamente. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlio_Verne>.
Acessso em:10 nov.2012.
17. 17
12 A calçada dos Jetsons.
Comprovada a imobilidade da calçada, nos conduzimos ao Capítulo III
– Dos Bens Públicos, para entender se a mesma é de domínio público ou privado.
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas
jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja
qual for a pessoa a que pertencerem.13
A partir desta leitura, Maria Helena Diniz ensina que:
Quanto aos sujeitos a que pertencem, os bens classificam-se em públicos e
particulares.
Os bens públicos, segundo o art. 98 do Código Civil, são do domínio
nacional pertencentes à União, aos Estados, aos Territórios ou aos
12 Disponível em: < http://www.hannabarbera.com.br/jetsons/jetsons.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
13 BRASIL. Código Civil, Lei 10.046 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
18. 18
Municípios (RT, 592:135, 664:81, 676:127; RJTJSP, 119:378) e às outras
pessoas jurídicas de direito público interno ( CC, art. 41, I a V). Todos os
demais são particulares, pertençam a quem for. De modo que, conforme a
pessoa jurídica de direito público interno a que pertencerem, os bens
públicos serão federais, estaduais ou municipais, e os que tiverem como
titular de seu domínio pessoa natural ou pessoa jurídica de direito privado
serão bens particulares14.
Lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que:
A Carta Magna elenca, em seu art. 20[15], os bens pertencentes à União. Os
bens de domínio do Estado vêm previstos em seu art. 26[16]. Por exclusão,
14 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Teoria Geral do Direito Civil. v. I. 24ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 351
15 Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções
militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais
de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas
oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas
áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar
territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou
gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos
minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva,
ou compensação financeira por essa exploração.
§ 2º - A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e
sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 dez.
2012.
16 Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste
caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob
domínio da União, Municípios ou terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 dez.
2012.
19. 19
o que não pertencer ao domínio federal ou estadual ingressa no patrimônio
público municipal.17
Verifica-se o uso da exclusão como técnica de redação e interpretação
legislativa, no Código Civil, art. 98, em que o que não é público, é privado, seja
quem pertencer18 e na Constituição, arts. 20 e 26, onde o que não é arrolado como
pertencente à União e ao Estado é do Município.
Após examinar a Constituição, Código Civil e Doutrina não encontra-se
nenhuma positivação ou explicitação do bem calçada. Em virtude disto nos
voltamos para o Código de Trânsito.
O Anexo I afirma que:
CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não
destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e,
quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização,
vegetação e outros fins. 19
Restringindo-nos à primeira parte do conceito, “[...] parte da via [...]”,
esta afirmação é bastante elucidadora, espanta aqui qualquer idéia de atração da
calçada pelo lote lindeiro20. Então vejamos no mesmo anexo, o que é via? “VIA – [é
17 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. v. I.
9º ed.São Paulo: Saraiva, 2007. p. 275
18 Contudo, observa Washington de Barros Monteiro, “há coisas que não são públicas, nem
particulares, por não pertencerem a ninguém”, como, por exemplo, os animais selvagens em
liberdade, as pérolas que estão no fundo do mar, os tesouros, as águas pluviais não captadas, as
coisas abandonadas, a res nullius etc.
Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Teoria Geral do Direito Civil. v. I. 24ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 351
19 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
20 LOTE LINDEIRO - aquele situado ao longo das vias urbanas ou rurais e que com elas se limita.
BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
20. 20
a] superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a
pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central.”21
Então se a calçada é parte da via, e a via é onde o trânsito22 ocorre,
considerando que as vias defronte aos nossos lotes são públicas, as calçadas
também o serão.
2.3- QUE TIPO DE BEM PÚBLICO É A CALÇADA?
Em lição de Sílvio de Salvo Venosa:
[...]São três as categorias em que se dividem. Os bens de uso comum do
povo (res communes omnium) são aqueles de que o povo se utiliza;
pertencem à União, aos Estados ou aos Municípios, conforme o caso. Tais
podem ser usados por todos, sem restrição, gratuita ou onerosamente, sem
necessidade de permissão especial, como as praças, jardins, ruas etc. [...]
Os bens públicos de uso especial são reservados a determinada espécie de
serviço público, como os edifícios, as escolas públicas, os presídios etc.
São bens que tem, portanto, aplicação especial. Esses bens distinguem-se
dos anteriores, porque o poder público não tem apenas a titularidade, mas
também sua utilização. Seu uso pelos particulares é regulamentado, e a
Administração tanto pode permitir que os interessados ingressem em suas
dependências, como proibir.
Os bens dominiais (ou dominicais) são os que formam o patrimônio dos
entes públicos. São aqueles objeto de propriedade do Estado como de
qualquer pessoa, como se particular fosse. Seu direito de propriedade é
exercido seguindo os princípios de direito constitucional, administrativo e
civil, como as estradas de ferro, títulos da dívida pública, telégrafos, oficinas
do Estado etc. Também nada impede a utilização desses bens pelos
particulares, subordinada às normas administrativas e às condições e
limitações impostas pelo Poder Público23.
21 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
22 TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.
BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. v. I. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 308
21. 21
Dentre as categorias de bens públicos acima a que mais se afina com
o nosso objeto de estudo é a primeira, bens de uso comum do povo, dada a
liberalidade do uso.
Caio Mário da Silva Pereira legou-nos o seguinte conceito de bens de
uso comum do povo :
[...],pertencentes embora a uma pessoa jurídica de direito público, estão
franqueados a todos, como os mares, rios, estradas, ruas, praças. Estes
bens são por natureza inalienáveis e imprescritíveis, e, via de regra, sua
utilização é permitida ao povo, sem restrições e sem ônus. Mas não se
desfigura a sua natureza, nem perdem eles a sua categoria, se os
regulamentos administrativos condicionarem a sua utilização a requisitos
peculiares, ou instituírem o pagamento de retribuição (Código Civil, art.
103)[24], como é o caso do pedágio nas estradas, ou a venda de ingressos
em museus, como a compensação pelo capital investido ou contribuição
para o custeio ou manutenção. No direito atual, o que é franqueado é o seu
uso, e não o seu domínio, sendo eles, portanto, objeto de uma relação
jurídica especial, na qual o proprietário é a entidade de direito público
(União, Estado, Município) e usuário todo o povo, o que aconselha cogitar
ao direito sobre eles, tendo em vista este sentido peculiar do direito público
de propriedade que os informa, no qual faltam elementos essenciais ao
direito privado de propriedade, e se apresentam outros em caráter
excepcional. Assim é que a propriedade é um direito exclusivo, no sentido
de que o dominus tem o poder de impedir que qualquer pessoa, que não
ele, se utilize da coisa, ao passo que, nos bens de uso comum do povo, o
uso por toda a gente não só concilia com o domínio público da coisa, como
constitui mesmo o fator de sua caracterização. Não obstante, tem o ente
público a faculdade de reinvindicação, no caso de alguma pessoa natural ou
jurídica arrogar-se o uso exclusivo da coisa comum, e impedir, desta forma,
a continuidade de seu franqueio ao grande público. Subordinada a sua
utilização a provimentos administrativos, o poder público tem a faculdade de
regulamentar a sua, utilização, ou mesmo suspende-la temporariamente
sob a inspiração de motivos de segurança nacional ou do próprio povo
usuário (interdição do porto, barragem do rio, proibição de tráfego, etc.),
sem que por isso percam eles a sua natureza de bens comuns. Em razão
destas características peculiares e estranhas à noção da propriedade
privada, numerosos escritores negam o caráter dominial à relação jurídica
do Estado sobre os bens de uso comum, preferindo antes conceitua-lo
como uma relação de guarda, de gestão e superintendência, e afirmando
que eles não entram no patrimônio do Estado. O direito de propriedade
sobre tais bens é, entretanto, defendido, embora se reconheça tratar-se de
um domínio diferente ou sui generis.25
24 Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for
estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.
BRASIL. Código Civil, Lei 10.046 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Institutos de Direito Civil. Teoria Geral do Direito Civil. v. I. 22ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.443.
22. 22
Se ainda assim pairarem dúvidas quanto ao domínio da calçada, se
público ou particular, consulte-se o carnê de IPTU mais próximo. Com certeza, não
fosse a calçada pública, cobrariam impostos referentes a ela.
23. 23
CAPÍTULO 3 – RELAÇÕES JURÍDICAS COMUMENTE TRAVADAS NA
CALÇADA.
Na calçada exerce-se uma necessidade vital, e ao mesmo tempo tão
corriqueira, que devido a isso, nos desapercebemos de que se esta necessidade
não for o cerne da liberdade, é a seiva.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu bojo o art.
XIII,1, que afirma este direito natural, “ Toda pessoa tem direito à liberdade de
locomoção [...] dentro das fronteiras de cada Estado.”26 , e na mesma vertente a
Constituição Pátria, em seu art.5º,XV, positiva que “É livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens.”
Pedro Lenza, no subtítulo , Liberdade de locomoção, de sua obra de
Direito Constitucional, esquematiza que:
A locomoção no território nacional em tempo de paz é livre, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
26 NAÇÕES UNIDAS,Declaração Universal dos Direitos Humanos.Adotada e proclamada pela
resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948
Disponível em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>Acesso em 10
dez.2012
24. 24
com seus bens. Nesse sentido, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei, ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente (art.5º,LXI). Esse direito poderá ser restringido na
vigência do estado de defesa, quando se cria a possibilidade de prisão por
crime de Estado determinada pelo executor da medida (art.136,§3º,I) ,
exceção à regra acima exposta (flagrante delito ou ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente). No mesmo sentido
ocorrerá restrição à liberdade de locomoção na vigência do estado de sítio,
nos termos do art.139,II, podendo ser tomadas contra as pessoas (nas
hipóteses do art.137,I) medidas no sentido de obrigá-las a permanecer em
localidade determinada, bem como medidas restritivas também em caso de
guerra declarada ou agressão armada estrangeira (art.137,II).27
Não existe liberdade sem direito à locomoção, prova disso é que um
dos antônimos de liberdade é prisão; que por escala de rigor, só está abaixo da
pena de morte em nosso ordenamento jurídico, pois em hipótese única, nossa
Constituição prevê 28 29, a pena de morte por fuzilamento, em caso de guerra
declarada.
O direito de locomoção é o parâmetro para grande parte da legalidade
que tange a calçada, e toda ocorrência que dificulte ou impeça o direito de
locomoção, terá contra si, suspeita de antijuricidade.
A partir de três personagens cotidianos, ambientados à calçada, serão
demonstradas relações jurídicas que permeiam a todos e que vão além do direito de
locomoção.
3.1- O CAMELÔ.
27 LENZA,Pedro.Direito Constitucional Esquematizado,15ª ed.São Paulo:Saraiva, 2011. p.894.
28 Art.5º,XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do Art. 84, XIX;
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.Acesso em: 10 dez.2012.
29 Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.
BRASIL. Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm> Acesso em: 10 dez.2012.
25. 25
Segundo o Decreto nº 29.881 de 18 de setembro de 2008 que
consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro, em seu Regulamento nº 2, que
tem por título, Da Autorização e Exercício das Atividades Econômicas Exercidas em
Área Pública:
Art. 9º- Comércio Ambulante é a atividade profissional temporária exercida
por pessoa física em logradouro público.
Parágrafo único. Comerciante ambulante ou camelô é a pessoa física que
exerce essa atividade profissional por sua conta e risco, sem vínculo
empregatício com o fornecedor da mercadoria comercializada.30
Em mesmo regulamento, em área pública, a atividade econômica, terá
autorização precária:
Art. 3°- As autorizações para o exercício de atividades econômicas nas
áreas públicas serão concedidas a título precário, conforme critério de
conveniência, oportunidade e interesse público e poderão ser revogadas a
qualquer tempo, a juízo da autoridade competente, sempre que ocorrer
motivo superveniente que justifique tal ato. 31
No art.10º, se positiva a intransferibilidade da autorização, e reforça a
precariedade da mesma:
Art. 10. A autorização para o exercício do comércio ambulante é pessoal e
intransferível, e concedida a título precário, podendo ser cancelada a
qualquer tempo, se constatadas reiteradas infrações pelo ambulante ou se
razões de interesse público recomendarem a cessação da atividade. 32
Os três artigos supracitados, tem conteúdo legal similar a outras
legislações que tratam do mesmo assunto, o último citado trata da pessoalidade e
30 MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. Decreto n.° 29.881, de 18 de setembro de 2008.
Consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em:
< http://www0.rio.rj.gov.br/clf/legislacao/decreto_29881.pdf> . Acesso em: 10 dez.2012.
31 MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. Decreto n.° 29.881, de 18 de setembro de 2008
Consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em:
< http://www0.rio.rj.gov.br/clf/legislacao/decreto_29881.pdf> . Acesso em: 10 dez.2012.
32 MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. Decreto n.° 29.881, de 18 de setembro de 2008
Consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em:
< http://www0.rio.rj.gov.br/clf/legislacao/decreto_29881.pdf> . Acesso em: 10 dez.2012.
26. 26
da intransferibilidade da autorização, porém há camelôs que vendem ou alugam
suas bancas. Em São José do Rio Preto – SP, há notícias sobre essas práticas:
Com aval da fiscalização da Prefeitura de Rio Preto, ambulantes vendem
suas bancas [...] [camelódromo] por preços que variam de R$ 30 mil a R$
50 mil. Por ser espaço público, a lei proíbe que os comerciantes negociem
seus boxes com terceiros. Mesmo assim, 17 dos 180 pontos já foram
vendidos em dois anos e meio.
“Não se pode vender algo que é público. É como se alguém vendesse a
praça Rui Barbosa, no Centro”, diz o delegado-titular do 1º Distrito Policial,
Genival Ribeiro dos Santos. Tanto a associação dos camelôs quanto a
gerência do [...] [camelódromo] conhecem o esquema e se beneficiam
diretamente - segundo uma ambulante, exigem propina de até R$ 4 mil para
permitir a negociata.
Sem se identificar, a reportagem do Diário negociou a compra de um ponto
nas duas últimas semanas.[...], permissionária da loja 99, pede R$ 35 mil, à
vista e em dinheiro, pelo ponto. Garante que a mercadoria de sua banca,
bolsas e mochilas escolares, é rentável. “Na época de volta às aulas,
(faturo) R$ 1 mil por dia. Em dezembro, R$ 800, R$ 900. (...) Só não gosto
mais daqui. Quero descansar, ficar mais das minhas filhas.”
[...] deixa claro que, oficialmente, a loja permanece em seu nome. A lei
9.678/2006, que regulamenta o comércio de ambulantes, estabelece que a
permissão de uso dos boxes é “pessoal e intransferível”. “Qualquer coisa
que acontecer eu tenho que vir resolver pra você. Não passa pro teu nome.”
A reportagem pergunta então se seria necessário assinar um contrato de
gaveta, informal. “Aí a gente tem que ir na associação [ Associação de
Vendedores Autônomos e Ambulantes de Rio Preto] conversar.”
[...] A ambulante [...] foi procurada na tarde de sexta-feira pelo Diário
[responsável pela reportagem] e negou a venda de seu box no [...]
[camelódromo]. Segundo ela, tudo não passou de um mal-entendido. 33
Outra parte, a mesma reportagem trata sobre utilização de laranjas34 e
aluguéis:
A lei proíbe que os ambulantes sejam donos de mais de um ponto de venda
no [...] [camelódromo]. Mesmo assim, segundo [...], dona de um box no
local,[...] [o presidente da associação] seria proprietário de fato de três
boxes: um “oficial”, onde vende relógios, e outros dois em nome de laranjas,
que seriam alugados. Um deles, diz a ambulante, é vizinho à sua banca. A
reportagem pede o valor do aluguel cobrado pelo presidente da associação.
33 DE ABREU, Allan. Ambulantes vendem bancas no Palácio dos Camelôs. Diário Web, São José do
Rio Preto, 13 fev.2011. Disponível em:
<http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Cidades/48613,,Ambulantes+vendem+bancas+no+
Palacio+dos+Camelos.aspx >. Acesso em: 10 dez.2012.
34 LARANJA - termo popular usado para designar indivíduo ou mesmo empresa que consciente ou
inconsciente empresta seu nome para realização de operações financeiras irregulares .
Vocabulário Jurídico - Econômico/Ambiental.
Disponível em:< http://www.jurisway.org.br/v2/vocabulario.asp?letra=L >. Acesso em: 10 dez.2012.
27. 27
[...] especifica e sugere propina para funcionários do poder público
municipal: “670 (reais). É 100 daqui, 70 da Prefeitura, e 500 (dele), por
mês.” 35
As infrações descritas: aluguel, venda e posse de mais de uma banca;
podem levar a perda da permissão de uso aos envolvidos, os contratos acerca da
venda das bancas são nulos, segundo o Código Civil em seu “ Art. 166. É nulo o
negócio jurídico quando: VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a
prática, sem cominar sanção.”36, e aquele que comprou perderá a banca e o
dinheiro. Quanto aos funcionários públicos, se provada as condutas, poderão ser
condenados por:
Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida: [ou]
Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:37
Os tipos penais são similares, e confundem, mas a ação do verbo é
que os diferencia. Se exigiram o dinheiro, é concussão, uma imposição, enquanto a
corrupção, é uma sugestão ou um aceite.
35 DE ABREU, Allan. Ambulantes vendem bancas no Palácio dos Camelôs. Diário Web, São José do
Rio Preto, 13 fev.2011. Disponível em:
<http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Cidades/48613,,Ambulantes+vendem+bancas+no+
Palacio+dos+Camelos.aspx >. Acesso em: 10 dez.2012.
36 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm >. Acesso em: 10 dez.2012
37 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
28. 28
38 Shopping Popular Michel Haddad39
No Camelódromo de Campos dos Goytacazes – RJ, além de
incorrerem no art.26,I, do Código de Trânsito, quando ampliaram suas bancas
tornando impossível utilizar a calçada ali existente:
Art. 26. Os usuários das vias terrestres devem:
I - abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de
veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas
ou privadas;40
Além disso, impõem aos passantes o perigo da disputa de espaço com
os veículos, incorrendo no inciso II do mesmo artigo:
38 Disponível em: <http://www.fmanha.com.br/geral/novo-camelodromo-so-em-2013>. Acesso em: 10
dez.2012.
39 Descendente de libaneses, Haddad herdou a inclinação para o comércio de seus antepassados,
que trabalhavam como mascates. Chegou a ser dono de quatro lojas em Campos mas, endividado,
perdeu os estabelecimentos e foi para as ruas, ganhar a vida como ambulante. Vários campistas se
lembram de Haddad no Centro da cidade, onde seu carisma o tornou famoso. Considerado o primeiro
camelô de Campos e um dos precursores da profissão, Haddad foi homenageado com a criação do
Shopping Popular Michel Haddad, ao lado do Mercado Municipal, que concentra grande número de
camelôs e ex-ambulantes. Disponível em: < http://mapadecultura.rj.gov.br/campos-dos-
goytacazes/michel-haddad/>. Acesso em: 10 dez.2012.
40 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado. htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
29. 29
II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando,
depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela
criando qualquer outro obstáculo.41
Quando invadem com mercadorias o leito carroçável, trazendo mais
dificuldades aos passantes e tornando o trânsito mais perigoso a todos.
Também contrariam o Código de Posturas do Município em seu: “Art.
96 – É proibido conservar nas ruas, praças e passeios de casas ou
estabelecimentos, estradas ou caminhos, qualquer corpo que obste o trânsito.”42.
A citada conduta, na qual pode incorrer qualquer um, é o infeliz
casamento entre o desrespeito à Lei e a inação governamental, porém se incorrem
os camelôs nos artigos supracitados, pode ser imputado, aos que tem dever
funcional de fiscalizar, em prevaricação da função pública, prevista no Código Penal,
“Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo
contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal:”43.
Pelos artigos analisados que envolvem legislação de trânsito e da
postura; quanto ao trânsito o anexo I do Código de Trânsito esclarece que:
AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar,
credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de
fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou
patrulhamento.44
41 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
42
MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ. Lei nº 8.061, de 10 de dezembro de
2008.Consolida o Código de Posturas do Município de Campos dos Goytacazes. Disponível em:
<http://www.campos.rj.gov.br/leis/2008/Microsoft%20Word%20-
%20Lei%20Municipal%208.061%20de%202008.pdf>. Acesso em 10 dez.2012.
43 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
44 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
30. 30
E quem é a Autoridade de Trânsito? O mesmo anexo diz:
AUTORIDADE DE TRÂNSITO - dirigente máximo de órgão ou entidade
executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele
expressamente credenciada.45
O art.7º do Código de Trânsito e seus parágrafos, nos informa os
integrantes do Sistema Nacional de Trânsito:
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e
entidades:
I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e
órgão máximo normativo e consultivo;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito
do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e
coordenadores;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.46
Seguindo a diretriz ditada pelo supracitado verbete, AUTORIDADE DE
TRÂNSITO, que traz em seu bojo o termo, executivo, para discernir quais incisos se
referem às Autoridades de Trânsito, no art.7º do Código de Trânsito; os respectivos
incisos são os de números III e IV, cuja criação e organização será competente o
ente federativo. Nesse sentido:
Art. 8º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os
respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos
rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atuações.47
45 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
46 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
47 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
31. 31
Em Campos dos Goytacazes, essa entidade executiva foi nomeada
Empresa Municipal de Trânsito – EMUT, sendo os guardas civis municipais, Agentes
da Autoridade de Trânsito.
Note-se que sejam agentes da Autoridade de Trânsito ou fiscais da
Postura Municipal, todos obedecem a ordens hierárquicas.
Se a atividade de trânsito é de competência do Município e a
fiscalização de posturas lhe é inerente, caso o passante, por não poder trafegar na
calçada do citado camelódromo, ou outra calçada qualquer, cujo o obstáculo
perpetuou-se por comprovada inércia governamental, haverá responsabilização do
ente público por danos, em caso de acidente resultante desse fato, e nesse mesmo
raciocínio, em caso de danos a veículos, ocasionados direta ou indiretamente pela
invasão do leito carroçável por mercadorias em exposição.
Como exemplo da responsabilidade civil do Estado, advinda da
negligência do dever de fiscalizar, tem-se a ementa do Agravo de Instrumento
rejeitado pela 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo:
- RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - Autora que sofre queda, ao
caminhar por calçada onde havia enorme buraco - Alegação da
Municipalidade-ré de ilegitimidade de parte passiva -Rejeição da mesma em
decisão de saneamento do feito- Decisão correta - Culpa da ré/agravante
decorreria de negligência na fiscalização, e não de inexistente dever de
reparar a calçada - Recurso desprovido.48
48 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo: AG 994092322185 SP. Relator Wanderley
José Federighi, julgamento 31/03/2010, 12ª Câmara de Direito Público, publicação 16/04/2010.
Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev1/files/JUS2/TJSP/IT/AG_994092322185_SP_12726661577
05.pdf> . Acesso 10 dez.2012.
32. 32
Baseou-se a ação cuja decisão foi agravada, na omissão de fiscalizar;
fiscalização esta que se ocorrida e com sua força coercitiva, obrigaria o proprietário
do lote correspondente a reparar a calçada.
Irregularidades como essas referentes à falta de manutenção e a erros
de projeto, tais como piso inadequado, ressaltos, desníveis, posicionamento das
grelhas, juntas de dilatação49 abertas, declive transversal excessivo; ou a
inexistência da calçada, redundantemente, se a calçada não estiver calçada, não é
calçada.
Pergunta-se, caso a calçada não exista, quem deve construí-la? Na
Campos Formosa50, o Código de Obras determina:
Art. 75 - Os proprietários de imóveis que tenham frente para
logradouros pavimentados ou dotados de meio-fio são obrigados a
pavimentar e a manter em bom estado os passeios em frente de seus
lotes.51
O Município de São Paulo, com a noticiada Lei de Calçadas, rege-se
de forma semelhante:
Art. 7º Os responsáveis por imóveis, edificados ou não, lindeiros a vias ou
logradouros públicos dotados de guias e sarjetas, são obrigados a executar,
manter e conservar os respectivos passeios na extensão correspondente à
sua testada, na conformidade da normatização específica expedida pelo
Executivo. 52
49 Recurso que impede rachaduras ou trincas. São réguas muito finas de madeira, metal ou plástico
que criam o espaço necessário para que materiais como concreto, cimento, granilite etc.
se expandam sem danificar a superfície. Disponível em:
<http://www.colegiodearquitetos.com.br/dicionario/13/02/2009/o-que-e-junta-de-dilatacao/ > Acesso
em: 10 dez..2012
50Trecho do hino de Campos dos Goytacazes-RJ. Versos de João Antônio de Azevedo Cruz e música
de Newton Perissé Duarte. Disponível em:< http://letras.mus.br/hinos-de-cidades/1823735/ > Acesso
em: 10 dez.2012
51MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES-RJ. Código de Obras. Lei 6.692, de 27 de novembro
de 1998. Dispondo sobre o Novo Código de Obras do Município, revogando a Lei nº 3.710, de 03 de
junho de 1980. Disponível em: < http://www.campos.rj.gov.br/listaLeis.php > Acesso em: 10 dez.2012.
52 MUNICÍPIO DE SÃO PAULO-SP. Lei de Calçadas. Lei 15.442, de 9 de setembro de 2011.
33. 33
A Cidade do Rio de Janeiro, com a Lei 1.350 de 26 de abril de 1988,
assim também o faz:
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a tornar obrigatórias a limpeza,
conservação ou construção de calçadas diante de imóveis residenciais e/ou
comerciais e terrenos baldios no Município do Rio de Janeiro.
§1º A limpeza, conservação ou construção de que trata o “caput” deste
artigo dizem respeito a calçadas simples ou ajardinadas.
§2º A responsabilidade pela limpeza, conservação ou construção das
calçadas será do condomínio, do proprietário do imóvel ou do terreno.53
As calçadas são responsáveis por quedas de uma em cada cinco
vítimas atendidas no Hospital das Clinicas:
Estudo feito no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das
Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), unidade ligada
à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, aponta que 18% das
vítimas de quedas atendidas na unidade caíram em calçadas. No período
estudado, dos 197 pacientes vítimas de queda que deram entrada no PS da
ortopedia do HC, 35 relataram ter caído na calçada. Destes, 40% caíram
devido a presença de buracos. Apesar de 77% serem do sexo feminino, o
salto alto só era usado em 8,5% das quedas. O tênis foi o calçado mais
usado entre os entrevistados (45%). No levantamento, a idade que
prevalece é entre 36 e 50 anos. “Ao contrário do que se pensa, não são os
idosos que mais se acidentam nas ruas e calçadas”, diz o ortopedista Jorge
dos Santos Silva. Dos relatos, 85% das pessoas caíram espontaneamente.
As entorses são as lesões mais frequentes (45%), seguidas das contusões
(35%) e fraturas (8,5%). A estimativa é que um paciente internado devido a
queda na calçada custe em média RS 40 mil para o sistema de saúde.
“Apesar de 90% dos pacientes terem alta no mesmo dia, há um risco de
ocorrerem lesões graves nos pedestres”, conclui o ortopedista.54
Dispõe sobre a limpeza de imóveis, o fechamento de terrenos não edificados e a construção e
manutenção de passeios, bem como cria o Disque-Calçadas; revoga as Leis nº 10.508, de 4 de
maio de 1988, e nº 12.993, de 24 de maio de 2000, o art. 167 e o correspondente item constante
do Anexo VI da Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002. Disponível em:
<http://www.leispaulistanas.com.br/calcada-passeios-muros-limpeza/lei-no-15442-de-9-de-setembro-
de-2011 >Acesso em: 10 dez.2012.
53 MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO-RJ. Lei nº 1.350, de 26 de outubro de 1988. Autoriza o Poder
Executivo a tornar obrigatórias a limpeza, conservação ou construção de calçadas diante de
imóveis residenciais e/ou comerciais e terrenos baldios, no Município do Rio de Janeiro, na forma
que menciona. Disponível em: < http://www.rio.rj.gov.br/web/comlurb/exibeconteudo?article-
id=1706247> Acesso em 10 dez.2012.
54Calçadas são responsáveis por quedas de uma em cada cinco vítimas atendidas no HC.
Universidade de São Paulo,São Paulo, 5 nov.2012. Disponível em:< http://www5.usp.br/18937/1-em-
cada-5-vitimas-de-queda-atendidas-no-hc-cairam-em-calcadas/ >Acesso em: 10 dez.2012.
34. 34
Frente a tal custo por possível internação, em média R$40.000,00, não
seria a queda em calçada um problema de saúde pública? Segundo artigo de autoria
de Juvenal Soares Dias da Costa e Cesar G. Victora do Departamento de Medicina
Social da Universidade Federal de Pelotas, sobre a conceituação de problema de
saúde pública:
Na consulta ao Oxford Textbook of Public Health não foi encontrada uma
definição específica para "problema de saúde pública", entretanto chama a
atenção que o primeiro princípio que deve ser atendido para implantação de
qualquer medida de rastreamento é que a condição investigada seja "um
importante problema de saúde pública". O texto enfatiza que ao se julgar
sobre recomendações de rastreamento deve-se considerar a "carga de
mortalidade, morbidade e sofrimento causados pela condição". Segundo os
autores esta carga é caracterizada em duas amplas áreas:
1. O impacto no indivíduo em termos de anos potenciais de vida perdidos, a
extensão de incapacidade, dor e desconforto, o custo do tratamento, e o
impacto na família do indivíduo.
2. O impacto na sociedade – mortalidade, morbidade e custos do tratamento
para a sociedade.55
Em análise ao impacto no indivíduo, em exemplo, numa entorse de
tornozelo, o tempo de imobilização pode variar de 1 a 4 semanas, dependendo da
gravidade podendo haver sintomas residuais tardios[56], ou seja, é possível que o
passante seja impedido de suas funções normais por um mês, com dores,
desconfortos, custos e prejuízos à sobrevivência familiar, exceto se neste último for
assalariado e mesmo assim haverá perdas, caso perceba percentagens ou
comissões. Quanto ao impacto na sociedade, segundo o ortopedista Jorge dos
55 DA COSTA, Juvenal Soares Dias e VICTORA, Cesar G. . O que é "um problema de saúde
pública"?. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo: vol.9, nº1, mar. 2006.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-90X2006000100018>.
Acesso em: 10 dez.2012.
56 Entorse do Tornozelo e Instabilidade Ligamentar. Disponível em: <
http://www.clinicaecirurgiadope.com.br/index.php/entorse-do-tornozelo-e-instabilidade-ligamentar/ > .
Acesso em 10 dez.2012.
35. 35
Santos Silva, no estudo feito no Hospital das Clínicas, 10% das quedas na calçada
são caso de internação, esse mesmo estudo afirma que a internação custa em
média R$40.000,00, fora o aumento de custos, com folha salarial com o funcionário
acidentado e previdenciários com os pagamentos de auxílios-doença, como se pode
observar nos artigos da Lei nº 8.213 de 1991, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social :
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta
lei:
IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de
trabalho:
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou desde para aquela,
qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do
segurado.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido,
quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar
incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais
de 15 (quinze) dias consecutivos.
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do
décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais
segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele
permanecer incapaz.
Art. 61.O auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente do trabalho,
consistirá numa renda mensal correspondente a 91% (noventa e um por
cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na seção III,
especialmente no art. 33 desta Lei.57
Confrontando-se os artigos supracitados, a queda em calçadas não
cobre os itens:
a) potenciais anos de vida perdidos, pois não há dados significativos
sobre mortalidade nestas condições;
b) morbidade, pois não é uma doença.
Mesmo que apesar disso, se considerasse a queda em calçadas um problema de
saúde pública, a queda em calçadas não seria só um problema de saúde pública,
57 BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
36. 36
pois apesar de não significativo, o supracitado item a, a morte por queda em
calçada existe, e não como uma doença transmissível, mas por desprezo à qualquer
lei:
Morreu na manhã desta quarta-feira (10) uma mulher de 64 anos que
escorregou em "santinhos" espalhados em frente à Escola Francisco Alves
Brisola[conforme texto original], no Núcleo Geisel, um dos 87 locais de
votação nas eleições do último domingo (7) em Bauru (SP). Ela havia
fraturado a bacia na queda.
Socorrida pelo Corpo de Bombeiros e encaminhada ao Pronto-Socorro
Central, no mesmo dia a idosa precisou ser transferida para o Hospital
Estadual por conta da gravidade da fratura.
Segundo a assessoria do hospital, a mulher já apresentava problemas de
saúde e, agravados com a fratura na bacia, não resistiu.58
59Queda de idosa.
58 BONORA, Mariana. Idosa que escorregou em 'santinhos' morre por complicações da queda.
G1Bauru e Marília, 10 out.2012. Disponível em:< http://g1.globo.com/sp/bauru-
marilia/eleicoes/2012/noticia/2012/10/idosa-escorrega-em-santinhos-morre-por-complicacoes-da-
queda-em-bauru.html>. Acesso em: 10 dez. 2012.
37. 37
Além de ter ocorrido um crime eleitoral:
Art. 39, § 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção,
de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à
comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil
UFIR:
III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos
ou de seus candidatos.60
Houve um crime ambiental:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem
ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a
mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
§ 2º Se o crime:
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou
detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou regulamentos: 61
E um possível homicídio culposo, pois a morte, apesar dos problemas
de saúde desta senhora, se deu em virtude de complicações oriundas da queda. A
autoria e/ou a responsabilidade civil poderiam ser apuradas simplesmente
recolhendo as provas no chão, por sinal bastantes fartas, mas não houve registro da
ocorrência.
Sobre a segurança do passante, o Código de Trânsito Brasileiro, traz
diretrizes:
59 ASSUNÇÃO, Gleise Keller . Foto Idosa queda. Rede Bom Dia. Disponível em:
<http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/eleicoes/2012/noticia/2012/10/idosa-escorrega-em-santinhos-
morre-por-complicacoes-da-queda-em-bauru.html >. Acesso 10 dez.2012.
60 BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm> . Acesso em: 10 dez.2012.
61 BRASIL.Lei de Crimes Ambientais. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá
outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm> Acesso em:
10 dez.2012.
38. 38
Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens
apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para
circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte
da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de
pedestres.
E pune quem atrapalha este fluxo, por exemplo existe uma dúvida
recorrente entre os condutores sobre a diferença entre estacionar e parar, pois
muitos imobilizam o veículo, desligando-o ou não, com o pisca-alerta por vezes
ligado, mantendo-se no mesmo, e entendem que estão parados, e não
estacionados. Engano plenamente esclarecido pelo Anexo1 do Código de Trânsito
Brasileiro:
• ESTACIONAMENTO - imobilização de veículos por tempo superior ao
necessário para embarque ou desembarque de passageiros.
• PARADA - imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo
estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de
passageiros. 62
Porém em qualquer das duas condutas, o Código Brasileiro de Trânsito
prevê multa quando os veículos estacionam ou param na calçada:
Art. 181. Estacionar o veículo:
VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou
ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros
centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados
ou jardim público:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Art. 182. Parar o veículo:
VI - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestres, nas ilhas, refúgios,
canteiros centrais e divisores de pista de rolamento e marcas de
canalização:
Infração - leve;
Penalidade - multa; 63
62 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
63 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
39. 39
64Auto-escola na calçada em Campos dos Goytacazes.
O entrar e sair da garagem, descuidadamente pode ser penalizado:
Art. 216. Entrar ou sair de áreas lindeiras sem estar adequadamente
posicionado para ingresso na via e sem as precauções com a segurança de
pedestres e de outros veículos:
Infração - média;
Penalidade - multa. 65
Até mesmo as brincadeiras de mau gosto são infrações:
Art. 171. Usar o veículo para arremessar, sobre os pedestres ou veículos,
água ou detritos:
Infração - média;
Penalidade - multa. 66
Até mesmo o condutor em bicicleta pode ser penalizado:
64 Até auto-escola estaciona na calçada em Campos dos Goytacazes. Blog Vindo dos Pampas, 14
set.2011. Disponível em:< http://vindodospampas.blogspot.com.br/2011/09/ate-auto-escola-estaciona-
na-calcada-em.html>. Acesso em: 10 nov.2012.
65 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
66 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
40. 40
Art. 255. Conduzir bicicleta em passeios onde não seja permitida a
circulação desta, ou de forma agressiva, em desacordo com o disposto no
parágrafo único do art. 59:
Infração - média;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - remoção da bicicleta, mediante recibo para o
pagamento da multa. 67
Note-se que o parágrafo único do art.59 do Código de Trânsito, não
existe.
Positiva o Código de Trânsito no “Art.68,§1º [que] O ciclista
desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres.”
68, porém observe-se que o verbete do Anexo I do mesmo Código que “BICICLETA –
[é] veículo de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito
deste Código, similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor.” 69, diante da afirmação
de que bicicleta não é similar a nenhum dos veículos citados, observa-se que a
diferença está na presença de motorização ou não, então para ser considerada
bicicleta, o veículo terá propulsão exclusivamente humana, se houver pedal e
adaptação de motor elétrico ou a combustão interna, não será considerada bicicleta,
para efeitos do Código de Trânsito na configuração atual, observe-se que há
modelos de ciclomotores antigos e atuais que são dotados de motor e pedal.
Devido às irregularidades e obstáculos da calçada, não raro, os
passantes preferem arriscar-se no asfalto que apresenta uma superfície regular,
firme, estável e antiderrapante, desejável condição para uma calçada.
67 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
68 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
69 BRASIL. Lei 9503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito. Anexo I. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012.
41. 41
Segundo o subtítulo 6.1.1 da Norma ABNT NBR 9050, que versa sobre
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos:
Os pisos devem ter superfície regular, firme, estável e antiderrapante sob
qualquer condição, que não provoque trepidações em equipamentos com
rodas (cadeiras de rodas ou carrinhos de bebê). Admite-se inclinação
transversal da superfície de até 2% para pisos internos e 3% para pisos
externos e inclinação longitudinal máxima de 5%. Inclinações superiores a
5% são consideradas rampas e, portanto, devem atender a 6.4.
Recomenda-se evitar a utilização de padronagem na superfície do piso que
possa causar sensação de insegurança (por exemplo, estampas que pelo
contraste de cores possam causar a impressão de tridimensionalidade).”70
O conceito, parece ser o ideal para portadores de necessidades
especiais, pois abrange o cadeirante e o portador de baixa visão71. Claramente lê-se
a preocupação com o portador de baixa visão nas três últimas linhas do conceito, e
para o deficiente visual só faltou o piso tátil, mas é tratado em outro subtítulo da
supracitada norma.
A aplicação deste conceito seria benéfico a todos os passantes, pois se
o piso da calçada for suficientemente bom para trafegar o cadeirante, o seria às
outras pessoas com mobilidade reduzida72 que necessitem ou não de muletas,
bengalas ou andadores, e mesmo aos deficientes visuais. Se é bom para os que
podem menos, melhor para que podem mais, ou seja, as pessoas com mobilidade
plena.
Ementa de apelação em face de ação cível por queda em calçada:
70 BRASIL,Norma ABNT NBR 9050:2004. Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos, p.39.Disponível em:< http://portal.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR9050-
31052004.pdf> Acesso em:10 dez.2012.
71 É considerado com baixa visão aquele que apresenta desde a capacidade de perceber
luminosidade até o grau em que a deficiência visual interfira ou limite seu desempenho.
Disponível em: < http://www.ibc.gov.br/?itemid=93> Acesso em: 10 dez.2012.
72 Aquela que, temporária ou permanentemente, tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o
meio e de utilizá-lo. Entende-se por pessoa com mobilidade reduzida, a pessoa com deficiência,
idosa, obesa, gestante entre outros.
BRASIL,Norma ABNT NBR 9050:2004. Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos, p.12.Disponível em:< http://portal.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR9050-
31052004.pdf> Acesso em: 10 dez.2012.
42. 42
RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização -Danos morais - Transeunte que
sofre queda na calçada do estabelecimento requerido - Piso liso que se
mostrou escorregadio durante as chuvas - Aplicação de material
antiderrapante, correta execução ou conservação adequada não
comprovadas pelo réu - Ônus que lhe cabia - Teoria da carga dinâmica das
provas - Prepostos da ré, ademais, que omitiram socorro à
vítima,quedando-se a rir - Abalo físico e psíquico -Indenização devida e
fixada em 80 salários mínimos - Recurso originalmente provido pelo relator -
Julgamento a final convertido em diligência, em acolhimento às
ponderações lançadas pelo revisor, com remessa dos autos ao Juízo de
origem para oitiva de testemunhas e realização de prova pericial.73
3.3 – O MORADOR DE RUA.
74Diogenes
73 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 9082761282006826 SP 9082761-
28.2006.8.26.0000. Relator: Luiz Ambra, julgamento: 04/05/2011, 8ª Câmara de Direito Privado,
publicação: 13/05/2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/18823970/
apelacao-apl-9082761282006826-sp-9082761-2820068260000-tjsp> Acesso em: 10 dez.2012.
74 DIOGENES. Óleo sobre tela, pintada por Jean-León Gérôme em 1860. Atualmente no Museu de
Arte Walters, Baltimore, Estados Unidos da América. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jean-L%C3%A9on_G%C3%A9r%C3%B4me_-_Diogenes_-
_Walters_37131.jpg> Acesso em 10 dez.2012.
43. 43
Apesar de ambientado na Grécia Antiga, apartando os elementos
arquitetônicos, a cena deste quadro nos é bastante familiar, quem já não se deparou
com uma pessoa morando na rua tendo cães por companheiros.
Diógenes de Sínope foi exilado de sua cidade natal e se mudou
para Atenas, onde teria se tornado um discípulo de Antístenes, antigo pupilo
de Sócrates. Tornou-se um mendigo que habitava as ruas de Atenas,
fazendo da pobreza extrema uma virtude; diz-se que teria vivido num
grande barril, no lugar de uma casa, e perambulava pelas ruas carregando
uma lamparina, durante o dia, alegando estar procurando por um homem
honesto. Eventualmente se estabeleceu em Corinto, onde continuou a
buscar o ideal cínico da autossuficiência: uma vida que fosse natural e não
dependesse das luxúrias da civilização. Por acreditar que a virtude era
melhor revelada na ação e não na teoria, sua vida consistiu duma
campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do
que ele via como uma sociedade corrupta.
[...] famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-
lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à
posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes,
então, olhando para [...] Alexandre, disse: "Não me tires o que não me
podes dar!" [...]. Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na
volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: "Se eu não fosse
Alexandre, queria ser Diógenes."
[...] Muitas anedotas sobre Diógenes referem-se ao seu comportamento
semelhante ao de um cão, e seu elogio às virtudes dos cães. Não é sabido
se o filósofo se considerava insultado pelo epíteto "canino" e fez dele uma
virtude, ou se ele assumiu sozinho a temática do cão para si. Os modernos
termos "cínico" e "cinismo" derivam da palavra grega "kynikos", a forma
adjetiva de "kynon", que significa "cão". Diógenes acreditava que os
humanos viviam artificialmente de maneira hipócrita e poderiam ter proveito
ao estudar o cão. Este animal é capaz de realizar as suas funções corporais
naturais em público sem constrangimento, comerá qualquer coisa, e não
fará estardalhaço sobre em que lugar dormir. Os cães, como qualquer
animal, vivem o presente sem ansiedade e não possuem as pretensões da
filosofia abstrata. Somando-se ainda a estas virtudes, estes animais
aprendem instintivamente quem é amigo e quem é inimigo. Diferentemente
dos humanos, que enganam e são enganados uns pelos outros, os cães
reagem com honestidade frente à verdade.75
“No Brasil, entre os principais motivos pelos quais as pessoas passam
a viver e morar na rua se refere aos problemas de alcoolismo e/ou drogas;
desemprego e desavenças com pai/mãe.”76 Exemplo disto foi o que aconteceu com
75 Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%B3genes_de_S%C3%ADnope>.
Acesso em: 10 dez.2012.
76 BOTTI,Nadja Cristiane Lapann Castro e outros. Avaliação da Ocorrência de Transtornos Mentais
Comuns entre a População de Rua de Belo Horizonte.
Disponível em: < http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/viewFile/1583/1318 > . Acesso
em: 10 dez.2012.
44. 44
Renato Rocha, ex-baixista da Legião Urbana, que vive há cinco anos como sem-teto
nas ruas do Rio de Janeiro77.
Morar na rua, não é fenômeno contemporâneo, e está longe de
acontecer pelos motivos filosóficos que levaram Diógenes a fazê-lo, e manter cães
consigo. Neste protocooperativismo78, os cães além de serem féis e amigos, são
vigias eficientes, como relata uma moradora de rua de São Paulo:
Valdelice Sandra Teixeira, 51, há 41 anos nas ruas, diz que contou com o
apoio da cachorra para recuperar seu cobertor furtado. “Roubaram meu
cobertor enquanto dormia. Acordei descoberta. A Luana Billy foi atrás, me
levou e me mostrou uma mulher com meu cobertor. Ela é ótima e muito
inteligente”, elogia.79
Porém existem, em Brasília, denúncias que moradores de rua praticam
todas as condutas previstas no art.32 da Lei Ambiental: abusos, maus-tratos,
ferimentos e mutilação; cuja pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa80;
e extrapolam praticando zoofilia com os cães81 que não está prevista na lei, porém o
Projeto de Lei 3141/12, pretende incluir a conduta como causa de aumento de
pena.82
77 Ex-baixista da Legião Urbana vira morador de rua. iG, São Paulo, 26 mar.2012. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/musica/exbaixista-da-legiao-urbana-esta-morando-na-
rua/n1597711462216.html >. Acesso em: 10 dez.2012.
78 A protocooperação é uma relação entre duas espécies na qual ambas são beneficiadas.
Porém, uma pode viver independente da outra. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Protocoopera%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 10 dez.2012.
79 Cunha, Simone. Cachorros são “melhores que pai e mãe” para moradores de rua. IG, São Paulo,
16 jul. 2011. Disponível em: < http://delas.ig.com.br/comportamento/cachorros-sao-melhores-que-pai-
e-mae-para-moradores-de-rua/n1597081628772.html> Acesso em: 10 dez.2012.
80 BRASIL.Lei de Crimes Ambientais. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá
outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm> Acesso em:
10 dez.2012.
81 FRASÃO,Gustavo. R7 Notícias, Distrito Federal, 14 nov.2012. Disponível em:
<http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/moradores-de-rua-espancam-mutilam-e-abusam-
sexualmente-de-cachorros-no-df-20120914.html > Acesso em: 10 dez. 2012.
82 BRASIL. Projeto de Lei 3141/12. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=534065 >. Acesso em: 10 dez.2012.
45. 45
A saúde da população de rua é precária, porém o ramo mais
negligenciado é o da saúde mental por isto o comportamento supracitado e outros
igualmente anômalos, podem ocorrer.
O trabalho Avaliação da Ocorrência de Transtornos Mentais Comuns
Entre a População de Rua de Belo Horizonte, cujo protocolo de estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, demonstra-nos que:
As condições adversas de sobrevivência dos moradores de rua podem,
também, desencadear problemas mentais orgânicos. Esses indivíduos
podem manifestar distúrbios psicóticos agudos e também sintomas como
apatia, retardo psicomotor e déficit de memória, decorrentes da adversidade
a que estão submetidos (LOVISI, 2000).[...]
Os distúrbios mentais maiores aparecem com maior prevalência no grupo
de moradores de rua solteiros. Em comparação a outros subgrupos, esse
grupo tem um maior período de vivência nas ruas, aumentando o risco de
agravamento de doença física e mental.[...]
Pesquisas realizadas no Brasil revelam que a taxa de distúrbios mentais
nos moradores de albergues públicos é maior do que a taxa encontrada na
população adulta em geral (LOVISI, 2000).
Destaca-se achados que colocam que os diagnósticos do grupo das
psicoses esquizofrênicas constituem um subgrupo específico entre os
moradores de rua, com características demográficas, biográficas e
comportamentais próprias (HECKERT; SILVA, 2002). Assim estudos
confirmam a alta prevalência de transtornos mentais entre os moradores de
rua (HECKERT; AMARAL; CUNHA; RASO; SILVA, 2001).[...]
Em relação à saúde mental da população adulta masculina em situação de
rua de Belo Horizonte, verifica-se que 49,4% apresentam TMC; e como
principal sintoma do humor depressivo/ansioso encontram-se o nervosismo,
a tensão ou a preocupação (74,7%), seguida do sentimento de tristeza
(70,6%). Em relação aos sintomas somáticos destacam-se a frequência de
dormir mal (56,3%) e os tremores nas mãos (37,1%). Nos sintomas de
decréscimo de energia vital, identificam-se as dificuldades para realizar com
satisfação as atividades diárias (40,8%), seguida da dificuldade em tomar
decisão (37,6%). A perda de interesse pelas coisas (36,7%) e a dificuldade
em sentir-se útil ou importante (35,1%) foram os principais sintomas
encontrados na categoria do pensamento depressivo.83
A Constituição Brasileira garante a todos o direito a saúde e é dever do
Estado fazê-lo:
83 BOTTI,Nadja Cristiane Lapann Castro e outros. Avaliação da Ocorrência de Transtornos Mentais
Comuns entre a População de Rua de Belo Horizonte.
Disponível em: < http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/viewFile/1583/1318 > .
Acesso em: 10 dez.2012.
46. 46
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.84
E a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República,
e não há dignidade em ser ou estar doente, ou conviver com esse sofrimento e seus
efeitos, seja doente mental ou não, seja morador de rua ou não, incluído neste
conceito o vício em drogas. Verifique-se que os efeitos podem alcançar níveis de
inversa e perigosa proporcionalidade à assistência estatal:
Morador de rua agrediu gringa com pedaço de pau.
O homem acusado de atacar com pedaço de madeira uma americana na
manhã de ontem na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, foi indiciado
por tentativa de homicídio qualificado. A pastora americana Renee Murdoch,
44, está internada em estado gravíssimo no CTI do Hospital Miguel Couto,
na Gávea, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Ela sofreu
traumatismo craniano e passou por duas neurocirurgias. Segundo o
delegado adjunto Paulo Mendes Júnior, da 16ª DP (Barra da Tijuca), onde o
caso foi registrado, Alexandre Luiz de Oliveira Francesco, 38, vai passar por
exame de insanidade mental [conforme texto original], já que, de acordo
com o policial, não existem indícios de que ele seja usuário de drogas.
Renee foi atacada por Alexandre enquanto praticava corrida, por volta das
8h30 [conforme texto original]. Testemunhas disseram que homem golpeou
a vítima sem razão aparente e escapou de ser linchado graças à
intervenção de guardas municipais e de um vendedor ambulante. Na
delegacia, o homem estava alterado e repetia que não gostava de
mulheres. Ele já vive há algum tempo como morador de rua. Alexandre
pode pegar até 30 anos de prisão pelo crime, mas, se ficar comprovado que
possui problemas mentais, a pena poderá ser revertida em tratamento
psiquiátrico.85
Também pela sua exposição, pois a rua é seu lar, o morador de rua
está bastante propenso a ser vitima de crimes, desde furto (CP,art.155)86
84 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 dez.
2012.
85 Pastora é atacada. Meia Hora de Notícias, Rio de Janeiro, 27 out.2012. Plantão de Polícia.
Disponível em: <http://www.meiahora.ig.com.br/noticias/pastora-e-atacada_6502.html>. Acesso em
20 nov.2012.
86 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
47. 47
supracitado, de um cobertor, ao assassinato por motivo fútil (CP,art.121,§2º,II) 87,
uma dívida de dois reais:
Os quatro adolescentes suspeitos de atearem fogo em um morador de rua
em Caxias do Sul, na serra gaúcha, confessaram o ato na tarde desta terça-
feira (25), diz a polícia. Segundo o delegado responsável pelas
investigações, Joigler Paduano, o ato foi motivado por uma “dívida” de R$ 2
do papeleiro de 45 anos com um dos garotos.
“Dias atrás, um deles teria furtado uma faquinha do morador de rua. Ele
ofereceu R$2,00 para reaver o objeto. Porém, acabou não pagando, o que
motivou a ira dos jovens”, disse o delegado[...] 88
Com certeza fosse um furto neste valor, com certeza aqui aplicaria-se o
princípio da insignificância, que segundo o Glossário Jurídico do Supremo Tribunal
Federal:
Princípio da Insignificância (crime de bagatela)
Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir
ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato
praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do
réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não
aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos
requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a
nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre
no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que
produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a
bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da
própria ordem social.89
Em delitos que podem ocorrer na delimitação deste trabalho, a calçada,
o Princípio da Insignificância é por muitas vezes aplicado, nas Notícias do Supremo
87 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
88 CARDOSO,Gabriel. Dívida de R$ 2 motivou queima de morador de rua em Caxias do Sul. G1 Rio
Grande do Sul, 25 nov. 2012. Disponível em: < http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-
sul/noticia/2012/09/divida-de-r-2-motivou-queima-de-morador-de-rua-em-caxias-do-sul.html> . Acesso
em : 20 nov.2012
89 Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491 >. Acesso em: 20 nov.2012.
48. 48
Tribunal Federal, com o título Princípio da insignificância é aplicado a furtos de
objetos de pequeno valor, lê-se:
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu na primeira
sessão de 2011 a análise de quatro Habeas Corpus pedindo a aplicação do
princípio da insignificância (ou bagatela). Três deles foram concedidos,
resultando na extinção de ações penais.
[...] Ao conceder o pedido de Habeas Corpus para anular a ação penal, o
relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que o princípio da
insignificância se firmou “como importante instrumento de aprimoramento do
Direito Penal, sendo paulatinamente reconhecido pela jurisprudência dos
tribunais superiores, em especial pelo Supremo Tribunal Federal”, após
passar por um “longo processo de formação, marcado por decisões casuais
e excepcionais”.
Segundo ele, “não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do
Estado-Polícia e do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir
relevância típica a um furto de pequena monta”.[...]
A jurisprudência do Supremo determina que a aplicação do princípio da
insignificância deve ser criteriosa e feita caso a caso. A Primeira Turma, por
exemplo, já reconheceu que o preceito pode ser aplicado a atos infracionais
previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).[...]90
Em mesmo texto, explica-se que a “Reincidência, entretanto, inviabiliza
a aplicação do princípio.”91, e em outra parte do texto:
[...]Em maio de 2009, isso foi ressaltado em julgamento realizado pela
Segunda Turma do Supremo. Os ministros aplicaram o princípio da
insignificância a uma tentativa de furto de cinco barras de chocolate [..].
Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou-se a extinguir a
punibilidade do acusado. Mas a Turma, seguindo voto do relator do
processo, ministro Celso de Mello, reformou a decisão para absolver o réu e
extinguir a ação penal porque, segundo ele, a conduta sequer poderia ser
considerada crime.
É que a extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais.
Ou seja, a tentativa de furto ficaria registrada e poderia pesar contra o
acusado no futuro, na qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, o
acusado é considerado primário caso se torne réu em outra ação.92
90 Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor. Notícias STF, 07 mar.2011.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173584> Acesso
em: 10 dez.2012.
91 Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor. Notícias STF, 07 mar.2011.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173584> Acesso
em: 10 dez.2012.
92 Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor. Notícias STF, 07 mar.2011.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173584> Acesso
em: 10 dez.2012.
49. 49
Conjugando-se a afirmação de que a reincidência inviabiliza a
aplicação do Princípio da Insignificância com a reforma pela 2ª turma, da decisão do
Superior Tribunal de Justiça, no caso supracitado, em que apesar da condenação,
houve extinção da punibilidade. Reforma esta fulcrada no intuito de beneficiar o réu
com a primariedade; primariedade que o mesmo alcançaria com o lapso de cinco
anos, Código Penal, o art.64,I, :
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento
ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo
superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou
do livramento condicional, se não ocorrer revogação; 93
Usa-se este mecanismo jurídico para desencorajar a reincidência e
também para puni-la, entende-se então que qualquer ser humano imputável ou
inimputável sujeito a legislação especial94, que realize delito, cujo resultado
patrimonial negativo à vítima, seja de pequena monta, será absolvido sumariamente,
desde que a vítima não seja pobre:
A Primeira Turma do STF também analisou pedidos de aplicação do
princípio da insignificância logo nas primeiras sessões deste ano. Um dos
Habeas Corpus beneficiaria dois condenados pelo furto de bicicleta avaliada
em cerca de R$ 100,00.
O pedido não foi concedido porque a vítima do crime era pobre, o que, para
os ministros, torna o valor do bem significativo. Com isso, continua valendo
a pena de dois anos reclusão e pagamento de multa imposta aos acusados,
que foi substituída por outra restritiva de direitos.95
93 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
94 Imputabilidade penal é a condição ou qualidade que possui o agente de sofrer a aplicação de pena.
A inimputabilidade ou não imputabilidade penal é prevista no Código Penal nos artigos:
art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial.
BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
95 Princípio da insignificância é aplicado a furto de objetos de pouco valor. Ibidem.
50. 50
Mas o que é ser pobre? Segundo o Banco Mundial, pobre é aquele que
sobrevive com renda de US$2,00 ao dia96 e para o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate a Fome, a renda é de R$70,00 mensais97, ou para tanto, bastará
Declaração de Pobreza fundamentada nas leis: nº 1.060 de 05 de fevereiro de
195098 e nº 7.115, de 29 de agosto de 198399; utilizada para conseguir gratuidade de
justiça? Esta interrogação tem pertinência na área jurídica pois, com o devido
respeito, deduzindo-se da população total brasileira100, a parcela de que tem renda
até de R$70,00101 , ficarão à margem da Justiça, 177.676.886 de brasileiros, em
furtos de até R$100,00 , como o da bicicleta, acima citado, e caso a Declaração de
Pobreza venha a ser o parâmetro esse número seria menor. E sobre a quantia de
R$100,00 , existe muita subjetividade sobre o quanto vale R$100,00 , para os
177.676.886 de brasileiros e quem percebe o subsídio de R$26.723,13102.
3.3 – A PROSTITUTA.
96 Cai para 22% número de extremamente pobres no mundo. Veja, Economia, 29 fev.2012.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/pobreza-mundial-recua-para-1-29-bilhao-
revela-banco-mundial>. Acesso em: 10 dez.2012.
97 Sobre a Ação Brasil Carinhoso – Primeira Infância.
Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em: 10 dez.2012.
98 BRASIL. Lei nº 1.060 de 05 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de
assistência judiciária aos necessitados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_
03/leis/L1060.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
99 BRASIL. Lei nº 7.115, de 29 de agosto de 1983. Dispõe sobre prova documental nos casos que
indica e da outras providências. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7115.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
100 Brasil tem 193.946.886 habitantes, aponta estimativa do IBGE. G1 São Paulo, 31 ago.2012.
Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/brasil-tem-193946886-habitantes-aponta-
estimativa-do-ibge.html >. Acesso em: 10 dez.2012.
101 Brasil tem 16,27 milhões de pessoas em extrema pobreza, diz governo. G1 Brasília, 30 mai.2011.
Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/05/brasil-tem-1627-milhoes-de-pessoas-em-
situacao-de-extrema-pobreza.html >. Acesso em: 10 dez.2012.
102STF divulga salários; Fux teve maior remuneração em maio. Notícias Terra 29 jun.2012. Disponível
em:< http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5868487-EI306,00-
STF+divulga+salarios+Fux+teve+maior+remuneracao+em+maio.html>. Acesso em: 10 dez.2012.
51. 51
O Ministério do Trabalho e Emprego, na Classificação Brasileira de
Ocupações – CBO, indica-nos:
[...] 5198-05 - Profissional do sexo
Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê,
Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo
Descrição Sumária
Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes ;participam
em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são
exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a
vulnerabilidades da profissão.103
Apesar de elencada na Classificação Brasileira de Ocupações, que a
primeiro momento nos lembra vínculo empregatício, tal vínculo é impossível, a não
ser que haja mudança na legislação brasileira. Ao contrário da prostituição que não
é elencada como crime ou contravenção; qualquer ação que: direcione, explore e/ou
mantenha local para alguém prostituir-se, é crime, segundo o Código Penal:
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de
exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a
abandone:[...]
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que
ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta
do proprietário ou gerente:[...]
Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de
seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a
exerça:[...]104
No Portal de Notícias do Senado Federal, lê-se a intenção de mudar
este cenário:
Comissão do Senado propõe uma reforma no Código Penal para colocar fim
às punições a donos de prostíbulos e regulamentar as casas de prostituição
no país. A proposta de legalização, elaborada por especialistas em direito,
quer acabar com o chamado "cinismo" moral da atual legislação, já que a
103 BRASIL. Classificação Brasileira de Ocupações. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em:
< http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorCodigo.jsf >. Acesso em: 10 dez.2012.
104 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em: 10 dez.2012.
52. 52
proibição só estaria servindo para que policiais possam extorquir donos
desse tipo de estabelecimento. Pela proposta, que deve ser enviada para a
apreciação do Senado no final de maio, os trabalhadores, que deverão ter
mais de 18 anos, terão de estar no prostíbulo de forma
espontânea. As informações são do jornal Folha de São Paulo.
De acordo com o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, relator-
geral da comissão, "a proibição não faz mais sentido". O objetivo é preparar
um anteprojeto para ser submetido aos parlamentares.
Pela legislação atual, está sujeito a pena de 2 a 5 anos de prisão e multa
quem mantém prostíbulos, sendo que a prostituição não é criminalizada
nem regulamentada. Se aprovada no Congresso, a mudança pode abrir
caminho para a regulamentação da profissão, já que será possível
estabelecer vínculos trabalhistas entre o empregado do prostíbulo e o
empregador, como já ocorre em países como Alemanha e Holanda.
No entanto, o texto contempla penas mais duras para quem explorar a
prostituição de crianças e ou de adolescentes, estabelecendo reclusão de 4
para 10 anos de reclusão. A pena atinge quem praticar o ato e ao dono do
estabelecimento.105
Mas apesar de não regulamentada, os profissionais desta área podem
contribuir para a Previdência Social pois adéquam-se como contribuintes individuais:
Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes
pessoas físicas:
V - como contribuinte individual:
h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de
natureza urbana, com fins lucrativos ou não;106
A aprovação deste projeto, que em sua esteira regulamentará a
profissão, trará, em caso de relação de emprego, a este obreiro a proteção da
Consolidação das Leis do Trabalho e a todos eles, a sujeição ao Código de Defesa
do Consumidor, pois é uma relação de consumo, é o que se entende com a leitura
dos três primeiros artigos do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°,
105Comissão do Senado quer legalizar casas de prostituição. Senado na Mídia, 10 jul. 2012.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/senadonamidia/noticia.asp?n=683194&t=1>.
Acesso em: 10 dez. 2012.
106 BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social,
institui Plano de Custeio, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>. Acesso em: 10 dez.2012.
53. 53
inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.107
Será importante não só para os que se tornarão assalariados, mas
também para os que continuarem autonomamente, pois em caso de doença
profissional, deverão contar com especifidades inerentes à profissão, a nível de
saúde pública e previdência social, o que beneficiará também o consumidor quanto
a minimizar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis ou não.
No trabalho Práticas de saúde entre prostitutas de segmentos
populares da cidade de Santa Maria-RS: o cuidado em rede, cita dificuldades de no
acesso à saúde:
As principais dificuldades em atendê-las se concentram, basicamente, nas
atitudes de estigma por parte dos profissionais da saúde, nas limitações de
horário – em função do trabalho, as mulheres que participaram da pesquisa
dificilmente tinham disponibilidade para frequentar o serviço de saúde pela
manhã, por exemplo, horário bastante usual de atendimento nos serviços de
atenção primária do município – e na abordagem fragmentada de
assistência, calcada em cada vez mais especializações [clínica geral], não
atendendo integralmente essas mulheres (BRASIL, 2007; 2010).
Os motivos mais citados para busca por algum serviço de saúde foram: a
ocorrência de gravidez, a realização do exame preventivo do colo uterino e
a busca de preservativos. Em menor número, motivos como "colesterol e
glicose altos", ou mesmo, para "cuidar dos dentes" foram referidos.
[...]Sandra (37 anos, nove anos na prostituição) reclama do atendimento
discriminatório que recebe, às vezes, no postinho: "no postinho, às vezes,
107 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá
outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso
em: 10 dez.2012.