1) O documento apresenta uma introdução aos Atos dos Apóstolos, discutindo sua autoria, propósitos e data da primeira publicação.
2) Lucas é apontado como o autor tanto dos Evangelhos quanto dos Atos, escrevendo para Teófilo. Seu objetivo era narrar a expansão da igreja após a vinda do Espírito Santo.
3) A maioria dos estudiosos acredita que Atos foi escrito durante o primeiro aprisionamento de Paulo em Roma, por volta de 63 d.C.
1. INTRODUÇÃO AOS
ATOS DOS APÓSTOLOS
Autoria
Hoje em dia, mesmo entre os mais críticos do meio acadêmico, já é bem aceita a idéia de que o
evangelho de Lucas e o livro dos Atos dos Apóstolos têm um mesmo autor.
O autor do livro de Atos inicia sua obra citando um “primeiro livro”, o que é considerado pelos
estudiosos como uma indicação sobre a primeira parte do mesmo documento histórico, preparado
objetivamente para um destinatário específico chamado “Teófilo”.
Fica claro, ao examinarmos o próprio contexto da obra, que o uso sistemático dos pronomes “nós”
e “nos” se referem à estreita amizade que havia entre o autor de Atos e o apóstolo Paulo (At 16.10-17;
20.5 – 21.18; 27.1 – 28.16). Outros textos nos garantem que Lucas era médico (Cl 4.14; Fl 24; At 1.3;
3.7; 9.18,33; 13.11; 28.1-10). Lucas, da mesma forma que Paulo, atendeu ao chamado missionário
para proclamar o Evangelho aos macedônios, foi responsável pela obra de discipulado e edificação
da igreja de Filipos por cerca de seis anos e, mais tarde, acompanhou as lutas e a grande obra de
evangelização realizada por Paulo em Roma. Durante o período de prisão domiciliar do apóstolo,
escreveu o livro de Atos.
O mais antigo testemunho externo sobre Lucas, como autor de Atos, aparece no Cânon Muratório,
por volta do ano 170 d.C. Nesse documento está claro o registro de que Lucas foi autor tanto do
terceiro evangelho quanto da obra “Atos de todos os apóstolos”. No ano 325 d.C., Eusébio, um dos
chamados “pais da igreja”, publica sua obra “História Eclesiástica” na qual reafirma categoricamente
a autoria lucana desses livros.
Propósitos
Os grandes historiadores da Antigüidade tinham o hábito de iniciar o segundo volume de suas
obras com uma sinopse da primeira e, logo em seguida, uma visão geral sobre o conteúdo abordado
na segunda. Lucas, portanto, resumiu em At 1.1-3 seu primeiro livro; o tema do segundo é apre-
sentado por meio de uma citação do próprio Senhor Jesus: “...recebereis poder quando o Espírito
Santo descer sobre vós, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia
e Samaria, e até os confins da terra!” (At 1.8).
O livro histórico de Atos dos Apóstolos nos permite acesso ao melhor e mais eloqüente registro
sobre a expansão da Igreja de Jesus Cristo e da religião cristã, desde o dia da descida do Espírito
Santo, no dia de Pentecoste (o qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, portanto
o primeiro dia da semana – Lv 23.15,16). A tradicional celebração judaica chamada “Festa das Se-
manas”, ou “Festa dos Primeiros Frutos”, é também conhecida como “Pentecostes” (Dt 16.10; Êx
23.16). O livro narra a saga da Igreja até a chegada de Paulo à capital do mundo da época: Roma.
Neste sentido, Atos é um longo documentário sobre as obras que Jesus Cristo, o Messias e Filho de
Deus, começou a realizar na Terra e, mais tarde, continuou através do Seu Espírito, agindo na vida
dos seus discípulos em todas as partes do mundo.
O mesmo Espírito Santo, que habitou a vida de Lucas, Paulo, Pedro, Estevão e todos os demais
servos do Senhor, habita o ser de cada crente sincero em nossos dias, e assim será até a volta glo-
riosa de Jesus, o Rei dos reis (1Tm 6.14,15).
Data da primeira publicação
A maioria dos mais reconhecidos estudiosos acredita que o livro de Atos foi escrito durante o
período do primeiro aprisionamento do apóstolo Paulo; com este relato Lucas encerra sua narrativa
histórica. Portanto, por volta do ano 63 d.C., o autor não faz qualquer revelação ou previsão quanto
a um segundo mandato de prisão nem sobre o martírio de Paulo. Se Lucas tivesse conhecimento
do tão aguardado resultado do julgamento de Paulo, por que não o registrou ao final de Atos? (At
28.30). A idéia prevalecente é que Lucas já havia narrado tudo o que sabia e lhe fora possível coletar
de fatos até àquela data.
Apesar de os argumentos baseados no silêncio não serem irrefutáveis, é relevante o fato de o livro
não conter nenhuma alusão aos importantes fatos posteriores ao fim dos dois anos de prisão de
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2. 2
Paulo em Roma, como o grande e terrível incêndio da capital do Império Romano e a conseqüente
perseguição aos cristãos (64 d.C.), o martírio de Pedro; e logo em seguida da prisão de Paulo, por
volta de 67 d.C., a profanação e destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., profetizada por Jesus Cristo
quase 40 anos antes do ocorrido (Mt 24.2).
Esboço geral de Atos
1. Os discípulos esperam a chegada do Espírito Santo (1.1-26)
2. O Espírito Santo vem para habitar e vivificar o crente (2.1-47)
A. Fonte de poder para o cristão (2.1-13)
B. Testemunho do poder do Espírito aos dispersos (2.14-47)
3. Nasce e se expande a Igreja de Jesus Cristo (3.1 – 12.25)
4. Primeiro em Jerusalém (3.1- 7.60)
A. A cura do aleijado e as conseqüências deste ato (3.1-26)
B. Os apóstolos Pedro e João testemunham ao Sinédrio (4.1-22)
C. A vida de oração e fraternidade dos cristãos (4.23-37)
D. Logo surgem as primeiras decepções (5.1-16)
E. As primeiras reclamações e murmurações (6.1-7)
F. Chegam também as tribulações externas (6.8 – 7.60)
5. Samaria também é alcançada pelo Pentecostes (8.1-25)
6. E até os confins da terra chega o poder do Espírito (8.26-40)
7. A conversão de Saulo de Roma em Paulo de Jesus (9.1-31)
8. Pedro promove o Pentecostes por toda a Judéia (9.32 – 11.18)
A. Nas cidades estratégicas de Lida e Jope (9.32-43)
B. Cesaréia (10.1-48)
C. Conseqüências (11.1-18)
D. Antioquia e aos confins da terra (11.19 – 12.25)
E. Herodes dispersa os cristãos de Jerusalém (12.1-25)
9. A primeira viagem missionária de Paulo (13.1 – 14.28)
A. Chipre (13.1-12)
B. Antioquia da Psídia (13.13-52)
C. Icônio (14.1-7)
D. Listra, Derbe e retorno à Antioquia da Síria (14.8-28)
10. O primeiro concílio em Jerusalém (15.1-29)
11. A segunda viagem missionária de Paulo (15.30 – 18.22)
A. De Antioquia a Trôade (15.36 – 16.10)
B. De Trôade a Atenas (16.11 – 17.15)
C. Em Atenas (17.16-34)
D. Em Corinto, e o retorno (18.1-22)
12. A terceira viagem missionária de Paulo (18.23 – 21.16)
A. O Pentecostes chega para os cristãos em Éfeso (18.23 – 19.41)
B. Paulo ministra na Macedônia, Acaia, e retorna (20.1 – 21.16)
13. A viagem de Paulo a Roma (21.17 – 28.15)
A. Em Jerusalém (21.17 – 23.35)
B. Em Cesaréia (24.1 – 26.32)
C. Diante do governador Félix (24.1-27)
D. Diante do rei Agripa (25.23 – 26.32)
E. Paulo é mandado para Roma (27.1 – 28.15)
F. Paulo algemado, mas livre para pregar até o fim (28.16-31)
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3. ATOS DOS APÓSTOLOS
Prefácio consultaram: “Senhor, será este o tempo
1 Em meu primeiro livro, caro Teófilo,
escrevi a respeito de tudo o que Jesus
começou a realizar e a ensinar,1
em que restaurarás o Reino a Israel?”.
7 Ele lhes afirmou: “Não vos compete
saber as épocas ou as datas que o Pai
2 até o dia em que foi elevado aos estabeleceu por sua exclusiva autori-
céus, logo após haver entregue seus dade.
mandamentos, por intermédio do Es- 8 Contudo, recebereis poder quando o
pírito Santo aos apóstolos que havia Espírito Santo descer sobre vós, e sereis
escolhido. minhas testemunhas, tanto em Jerusa-
3 Depois do seu martírio, Jesus apresen- lém, como em toda a Judéia e Samaria, e
tou-se a eles e deu-lhes muitas provas in- até os confins da terra!”.5
contestáveis da sua ressurreição. Apare- 9 Tendo dito estas palavras, foi Jesus ele-
cendo-lhes por um período de quarenta vado às alturas enquanto eles o contem-
dias seguidos e ensinando-lhes acerca do plavam, até que uma nuvem o encobriu
Reino de Deus.2 da vista deles.
4 Certa ocasião, enquanto ceava com 10 E aconteceu que estando eles com os
eles, ordenou-lhes que não se ausentas- olhos fixos no céu, enquanto Ele subia,
sem de Jerusalém, mas que aguardassem surgiram junto deles dois homens vesti-
a promessa do Pai, a qual, salientou Ele: dos de branco,
“De mim ouvistes!3 11 que lhes comunicaram: “Homens
5 Porquanto João, de fato, batizou com galileus, por que estais contemplando
água, entretanto dentro de poucos dias as alturas? Esse Jesus, que dentre vós
vós sereis batizados com o Espírito foi elevado ao céu, retornará do mesmo
Santo”.4 modo como o viste subir”.6
A ascensão de Jesus Cristo A escolha do apóstolo Matias
6 Então, os que se haviam reunido lhe 12 Então, eles voltaram para Jerusalém,
1 Lucas narrou seu Evangelho e o livro de Atos sob os auspícios de Teófilo. A ascensão de Jesus ocorreu 40 dias após a
ressurreição. Jesus viveu e pregou sob a direção do Espírito Santo do Pai (Jo 14.10). As declarações posteriores esclarecem que
as realizações dos apóstolos foram, igualmente, orientadas pelo Espírito Santo (vv. 4,5,8; Lc 24.49; Jo 20.22), cuja obra e o poder
de capacitar os cristãos fiéis, ainda hoje, são especialmente focalizados por Lucas (v. 8; Lc 2.4,17; 4.8,31; 5.3; 6.3,5; 7.55; 8.16;
9.17,31; 10.44; 13.2,4; 15.28; 16.6; 19.2,6).
2 As provas da vida e obra de Jesus, o Cristo, são indiscutíveis, pois não são especulativas ou teóricas, mas históricas e auten-
ticadas. Sem a realidade da morte e da ressurreição de Jesus não há cristianismo. O Reino de Deus não se refere apenas a um
lugar ou território, mas à soberania de Cristo (8.12; 28.23,31).
3 O sentido da palavra grega transliterada sunalizomenos tem a ver com uma expressão clássica do idioma, que significa:
“reunir-se”; que pode ser derivada de “als”, dando origem a expressão “comer sal” ou “cear em grupo”. A vinda do Espírito Santo
foi uma promessa de Deus (Jl 2.28-32; Jo 7.39; 14.16,26; 15.26,27; 16.12,13).
4 Enquanto o batismo de João (“com” ou “em” água) selava o arrependimento e preparava o coração das pessoas
(especialmente dos judeus) para receberem Jesus e Seu Reino, o batismo com (ou em) o Espírito Santo, que aconteceu dez dias
mais tarde, no Dia de Pentecostes (2.1-4), sela o crente de todas as raças e nações, no Corpo de Cristo, que é o sentido amplo
de Igreja (1Co 12.13; Gl 3.27,28).
5 Essa passagem é uma espécie do esboço geral do livro de Atos: Jerusalém é evangelizada (1.12 – 7.60). Toda a Judéia e Sa-
maria ouvem as Boas Novas (8.1-40). E o Evangelho avança sem parar por terras gentias até Roma (9.1 – 28.31). E até os “confins
da terra”; chegando ao Novo Mundo (Américas) e a todas as partes do planeta, como acontece em nossos dias.
6 Todos os apóstolos eram galileus (menos Judas Iscariotes, que já estava morto). Os anjos (homens vestidos de branco, como
em Lc 24.4) afirmaram que Jesus voltará da mesma forma pela qual subiu ao céu: com um corpo ressurreto e em meio às nuvens
de glória (em hebraico: shekinah – a Presença de Deus – Êx 13.22; Dn 7.13; Mc 14.62; Mt 24.30).
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4. ATOS 1 4
vindo do monte chamado das Oliveiras, língua deles, essas terras passaram a se
que fica próximo a Jerusalém, à distância chamar Aceldama, que significa: Cam-
de cerca de um quilômetro.7 po de Sangue.10
13 Assim que chegaram, subiram a um 20 “Porquanto”, continuou Pedro, “está
grande aposento onde se hospedavam. escrito no Livro de Salmos:11 ‘Fique
Estavam presentes: Pedro e João, Tiago deserto o seu lugar, e não haja ninguém
e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e que nele habite’; e ainda: ‘Que outro
Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão, o ocupe o seu lugar’”.
Zelote, e Judas, filho de Tiago.8 21 Sendo assim, é preciso que escolha-
14 Todos estes, perseveravam unânimes mos um dos homens que estiveram
em oração, juntamente com as mulhe- conosco durante todo o tempo em que
res, com Maria, mãe de Jesus, e com os o Senhor Jesus viveu entre nós,
irmãos dele.9 22 desde o batismo de João até o dia
15 Naqueles dias, sendo o número de em que Jesus foi elevado dentre nós ao
pessoas ali reunidas cerca de cento e céu. É fundamental que um deles seja
vinte, Pedro se levantou no meio dos conosco testemunha de sua ressurrei-
irmãos e declarou: ção.12
16 “Irmãos, era necessário que se cum- 23 Então, propuseram dois nomes: José,
prisse a Escritura que o Espírito Santo chamado Barsabás, também conhecido
predisse por meio da boca de Davi, como Justo, e Matias.13
acerca de Judas, que serviu de guia aos 24 E, orando, afirmaram: “Tu, Senhor,
que prenderam Jesus. que conheces o coração de todas as
17 Ele foi contado como um dos nossos pessoas, mostra-nos qual destes dois
e teve parte neste ministério”. homens tens escolhido
18 Com o pagamento que recebeu pelo 25 para assumir a vaga neste ministério
seu pecado, Judas comprou um campo. e apostolado, do qual Judas se desviou,
Ali caiu de cabeça, seu corpo partiu-se indo para o lugar que lhe era devido”.
ao meio, e as suas vísceras todas se der- 26 Em seguida, lançaram sortes quan-
ramaram. to a eles e a sorte caiu sobre Matias;
19 Todos em Jerusalém ficaram sabendo assim, ele foi acrescentado aos onze
desse fato; de maneira que, na própria apóstolos.
7 O jardim das Oliveiras (Olival) era, literalmente, a maior distância de caminhada permitida num sábado, conforme os preceitos
rabínicos (Êx 16.29; Nm 35.5; Js 3.4). Local da terrível agonia de Jesus (Lc 22.39); é o mesmo da grande exaltação, do triunfo
sobre a morte e do Glorioso Retorno do Senhor (Zc 14.4).
8 No segundo andar de uma grande casa que pertencia à mãe de Marcos (12.12), e onde se refugiaram temporariamente os
Onze com suas esposas (1Co 9.5) e outros discípulos e discípulas (Mt 27.55; Lc 8.2,3; 24.22), havia uma grande sala (cenáculo),
na qual Jesus celebrou a última Ceia com seus amados apóstolos (Mc 14.15).
9 Esta é a última vez que Maria, a mãe do Senhor, é mencionada nas Escrituras. Mulher virtuosa, humilde, sofrida, mas cheia
de graça (Lc 1.26-38,42); guardou tudo em seu coração e preferiu a discrição absoluta em perseverante oração com os demais
discípulos, até o fim. A conversão de Tiago, irmão de Jesus e autor da epístola, que traz seu nome e faz parte do cânon do NT,
é relatada em 1Co 15.7.
10 Esse é um momento histórico-cultural interessante. O aramaico (língua falada pelos jovens judeus) já havia substituído o
tradicional hebraico na Palestina daquela época.
11 Pedro recorre a duas passagens das Escrituras (Sl 69.25 e Sl 109.8) para explicar que Judas havia deixado uma vaga no
grupo apostólico que precisava ser preenchida. Pedro usa a palavra “episcopado”, que, em grego, descreve a função pastoral.
12 A qualificação humana para o apostolado era ter conhecimento íntimo da vida terrestre de Jesus Cristo e ser testemunha
ocular de Sua ressurreição. A qualidade divina era ser escolhido pelo Espírito de Deus. Aqui, conforme a tradição judaica, se
deu por meio de sorteio (1Cr 26.13-16; Ne 11.1; Pv 16.33; Jn 1.7). Entretanto, essa é a última vez que o lançamento de sortes é
mencionado na Bíblia.
13 Barsabás significa, em hebraico, “filho do Sábado”, e era irmão de Judas, profeta judeu-cristão da igreja primitiva em Jeru-
salém e que foi enviado a Antioquia juntamente com Silas (15.22,32). O nome grego (helenístico) de José era “Justo”. Quanto a
Matias, seu nome é uma contração do nome hebraico Matatias, o macabeu.
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5. 5 ATOS 2
A chegada do Espírito Santo falar em nossa própria língua materna?
2 E ao completar-se o dia de Pentecoste,
estavam todos reunidos num só lugar.1
2 De repente, veio do céu um barulho,
9 Nós que somos partos, medos e elamitas;
habitantes da Mesopotâmia, Judéia e Ca-
padócia, do Ponto e da província da Ásia,
semelhante a um vento soprando muito 10 Frígia e Panfília, Egito e das partes da
forte, e esse som tomou conta de toda a Líbia próximas a Cirene, e romanos que
Casa onde estavam assentados. estão morando aqui, tanto judeus como
3 Então, todos viram distribuídas entre convertidos ao judaísmo;
eles línguas de fogo, e pousou uma sobre 11 cretenses e árabes, todos nós os ouvi-
cada um deles.2 mos discursar sobre as grandes realiza-
4 E todas as pessoas ali reunidas ficaram ções de Deus em nossa própria língua!”.4
cheias do Espírito Santo, e começaram a 12 E todos estavam absolutamente assus-
falar em outras línguas, de acordo com tados e confusos, perguntando uns aos
o poder que o próprio Espírito lhes outros: “O que significa tudo isto?”.
concedia que falassem.3 13 Entretanto, outros, para ridicularizá-
5 Ora, estavam morando em Jerusalém, los, exclamavam: “Esses estão cheios de
judeus, tementes a Deus, vindos de todas vinho novo!”.5
as partes do mundo.
6 Ao ouvirem aquele estrondo, ajuntou- A ministração de Pedro
se um grande número de pessoas; e fica- 14 E aconteceu que, colocando-se em pé,
ram maravilhados, pois cada um ouvia juntamente com os Onze, Pedro tomou a
falar em sua própria língua. palavra e, em alta voz, pregou à multidão
7 Perplexos e admirados comentavam reunida: “Homens judeus e todos os que
uns com os outros: “Porventura, não são habitais em Jerusalém, permitais que vos
galileus todos esses que estão falando? esclareça o que se passa! Dai, pois, aten-
8 Como, então, cada um de nós os ouve ção às minhas palavras.
1 O qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, e, portanto, domingo, era considerado o Dia de Pentecoste (Lv
23.15,16). Pentecostes é o nome que se dava à Festa das Semanas, também chamada Festa da Colheita ou, ainda, Festa dos
Primeiros Frutos (Dt 16.10). Nessa passagem, apóstolos e discípulos estavam no Templo, também chamado de “a Casa” (7.47),
pois é sabido que os apóstolos reuniam-se constantemente no Templo, orando, ministrando e louvando ao Senhor (Lc 24.53).
2 O vento impetuoso e estrepitante é símbolo do Espírito de Deus: poderoso, soberano e absolutamente livre (Ez 37.9,14; Jo 3.8).
A expressão “línguas” é uma metáfora usada para explicar aquela situação inusitada, chamada de experiência extática, ou seja, de
grande êxtase. Haja vista, que por milagre, uma multidão de pessoas, de nações, culturas e línguas totalmente diferentes umas das
outras, puderam ouvir a Palavra de Deus, em sua própria língua materna, por meio da pregação dos apóstolos. O “fogo” é um outro
símbolo metafórico da presença divina (Êx 3.2), também freqüentemente associado ao Juízo (Mt 3.2; Lc 3.16 e 1Ts 5.19).
3 A Igreja de Cristo estava em formação. Unida e esperançosa quanto à volta do Senhor, passou pelo batismo do Espírito,
conforme a promessa de Jesus (1.5), e dedicou-se à oração, comunhão e evangelização segundo as Escrituras. O Pentecostes
significa para a Igreja: 1) A presença e ação do Espírito Santo habitando (tabernaculando) a alma do crente (Jo 14.17), e não
apenas influenciando os aspectos religiosos e exteriores (Jz 6.34; 15.14; Ez 36.26); 2) O Espírito passa a ter presença contínua
ao invés de eventual como foi no AT; 3) O Espírito veio para habitar toda a Igreja, não apenas alguns indivíduos especialmente
selecionados para determinadas obras e ministérios como no AT (1Co 3.16; 12.12,13); 4) Ter coragem para confrontar esse
mundo caído, com amor e sem medo (v.14); ganhar almas para o Reino de Cristo (v.41) e operar milagres, sinais e maravilhas,
de acordo com a vontade e instrução do Espírito (v.43). Sendo assim, há apenas um batismo da Igreja (o Corpo vivo de Cristo)
e de cada indivíduo, membro da Igreja; mas repetidas plenitudes para a adoração, o serviço cristão (Ef 5.18) e o exercício dos
dons do Espírito (1Co 12.7-11). O dom de línguas (em grego transliterado: heterais glõssais, que significa “línguas diversas”) foi
um milagre que se deu no âmbito da expressão dos apóstolos e da audição das pessoas de várias línguas e dialetos naquele dia
e local (1Co 14.23). Estas línguas “estrangeiras” anteciparam a chegada do Evangelho em toda nação, povo, raça, tribo e língua,
unindo o mundo todo em torno do Senhor Jesus, num flagrante contraste com o julgamento em Babel (Gn 11.7-9).
4 Houve quatro classes de judeus da Dispersão: 1) Orientais ou babilônicos (região onde hoje se situa o Iraque). 2) Sírios; 3)
Egípcios; 4) Romanos, que a exemplo do apóstolo Paulo, eram cidadãos do império, embora não originários de Roma, assim
como a província romana da Ásia, citada no v.9, é a atual região da Turquia.
5 Algumas versões trazem simplesmente a expressão “estão embriagados!”. Entretanto, o texto original grego (aqui
traduzido literalmente) enfatiza que os zombadores estavam acusando jocosamente os apóstolos de terem apressadamente se
embebedado com os primeiros vinhos da colheita que se dava no mês de agosto e que produzia um “vinho doce”, ainda em
processo de fermentação.
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6. ATOS 2 6
15 Estes homens não estão embriagados, 25 A respeito dele afirmou Davi: ‘Eu sem-
como pensais. Até porque são apenas pre via o Senhor diante de mim. Porque
nove horas da manhã.6 está à minha direita.
16 Muito diferente disto. O que está ocor- 26 Por esse motivo, o meu coração está
rendo foi predito pelo profeta Joel: alegre e a minha língua exulta; o meu
17 ‘Nos últimos dias, diz o Senhor, que corpo também repousará em esperança,
derramarei do meu Espírito sobre todos 27 porque tu não me abandonarás no se-
os povos, os seus filhos e as suas filhas pulcro, nem permitirás que o teu Santo
profetizarão, os jovens terão visões, os sofra decomposição.8
velhos terão sonhos.7 28 Tu me fizeste conhecer os caminhos
18 Sobre os meus servos e as minhas ser- da vida e me encherás de alegria na tua
vas derramarei do meu Espírito naqueles presença’.
dias, e eles profetizarão. 29 Caros irmãos, concedei-me a licença de
19 Mostrarei maravilhas em cima, no céu, falar-vos com toda franqueza que o pa-
e sinais embaixo, na terra: sangue, fogo e triarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu
nuvens de fumaça. túmulo está entre nós até o dia de hoje.9
20 O sol se tornará em trevas e a lua em 30 Todavia, ele era profeta e sabia que
sangue, antes que venha o grande e glo- Deus lhe prometera sob juramento que
rioso Dia do Senhor. colocaria um dos seus descendentes em
21 E todo aquele que invocar o nome do seu trono.
Senhor será salvo!’. 31 Antevendo isso, profetizou sobre a
22 Israelitas, escutai estas palavras: Jesus ressurreição do Cristo, que não foi aban-
de Nazaré, homem aprovado por Deus donado no sepulcro e cujo corpo não
diante de vós por meio de milagres, feitos sofreu decomposição.
portentosos e muitos sinais, que Deus por 32 Deus ressuscitou este Jesus, e todos
meio dele realizou entre vós, como vós nós somos testemunhas deste fato.
mesmos bem sabeis, 33 Exaltado à direita de Deus, Ele recebeu
23 este homem vos foi entregue por pro- do Pai o Espírito Santo prometido e
pósito determinado e pré-conhecimento derramou o que vós agora vedes e ouvis.
de Deus; mas vós, com a cooperação de 34 Porquanto, Davi não foi elevado aos
homens perversos, o assassinaram, pre- céus, mas ele mesmo declarou: ‘O Se-
gando-o numa cruz. nhor disse ao meu Senhor: Senta-te à
24 Contudo, Deus o ressuscitou dos mor- minha direita
tos, rompendo os laços da morte, porque 35 até que Eu ponha os teus inimigos
era impossível que a morte o retivesse. como estrado para os teus pés’.10
6 Os judeus costumavam tomar o desjejum às dez horas da manhã e no sábado, ao meio dia. Ainda mais num dia de festa
religiosa como o Pentecoste, nenhum judeu se atreveria a quebrar o jejum às nove horas da manhã (literalmente em grego: “a
terceira hora do dia”).
7 Pedro cita e interpreta a passagem profética de Joel 2.28-32 como uma referência específica aos dias da nova aliança (Jr
31.33,34; Ez 36.26,27; 39.29) e inaugura a “cidade messiânica”. Pedro adverte também sobre os acontecimentos apocalípticos
que serão os grandes sinais do iminente e glorioso retorno de Jesus Cristo e do Juízo final (Is 2.2; Os 3.5; Mq 4.1; 1Tm 4.1; 2Tm
3.1; Hb 1.1; 1Pe 1.20; 1Jo 2.18).
8 Algumas versões traduzem a palavra grega hades (que se origina da expressão hebraica: sheol) por “morte, profundezas, ou
ainda, inferno”. Entretanto, o Comitê de Tradução da Bíblia King James decidiu usar aqui seu sentido mais literal: “sepulcro” (túmulo).
Davi refere-se, em última análise, ao fato de o corpo de Jesus, o Messias, não ter experimentado “deteriorização” alguma (v.31).
9 O túmulo de Davi podia ser visto em Jerusalém e ainda continha seus restos mortais. Mas em relação a Jesus Cristo, ninguém
podia apontar para um sepulcro onde seu corpo estivesse depositado. As palavras de Davi no Sl 16.8-11 aplicam-se mais
completamente, e de forma profética, ao próprio Senhor Jesus. A expressão hebraica “Messias” corresponde à palavra “Cristo”,
em grego, e ambas significam “Ungido”.
10 Na expressão “O Senhor disse ao meu Senhor” (Sl 110.1), o primeiro “Senhor” traduz a palavra hebraica Yahweh (o nome
sagrado e impronunciável de Deus), e o segundo Ãdõn (Senhor). Sendo assim, o Senhor (Deus) disse ao meu Senhor (o Filho
de Davi, o Messias). De acordo com Pedro, Davi dirigiu-se ao seu descendente com o mais elevado respeito, pois Davi, por meio
da inspiração do Espírito Santo, reconhecia a absoluta divindade desse descendente (Mt 22.41-45). Porquanto, além da sua
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7. 7 ATOS 2
36 Sendo assim, que todo o povo de Israel 41 Assim, todos quantos aceitaram a sua
tenha absoluta certeza disto: Este Jesus, palavra foram batizados; e naquele mes-
a quem vós crucificastes, Deus o fez Se- mo dia juntaram-se a eles cerca de três
nhor e Messias!”.11 mil pessoas.
Os primeiros cristãos Como viviam os novos cristãos
37 Ao ouvirem tais palavras, ficaram ago- 42 Eles perseveravam no ensino dos após-
niados em seu coração, e desejaram saber tolos e na comunhão, no partir do pão e
de Pedro e dos outros apóstolos: “Caros nas orações.13
irmãos! O que devemos fazer?”. 43 E na alma de cada pessoa havia pleno
38 Orientou-lhes Pedro: “Arrependei-vos temor, e muitos feitos extraordinários e
e cada um de vós seja batizado em o sinais maravilhosos eram realizados pe-
nome de Jesus Cristo para o perdão de los apóstolos.14
vossos pecados; e recebereis o dom do 44 Todos os que criam estavam unidos e
Espírito Santo.12 tinham tudo em comum.
39 Porquanto a promessa pertence a vós, 45 Vendiam suas propriedades e bens, e
a vossos filhos e a todos os que estão dividiam o produto entre todos, segundo
distantes. Enfim, para todos quantos o a necessidade de cada um.15
Senhor, nosso Deus, chamar!”. 46 Diariamente, continuavam a reunir-se
40 E com muitas outras palavras dava no pátio do templo. Partiam o pão em
seu testemunho pessoal e os encorajava, suas casas e juntos participavam das
proclamando: “Sede salvos desta geração refeições, com alegria e sinceridade de
que perece!”. coração,16
ressurreição da morte (vv. 31,32), também seria exaltado à direita de Deus, com todas as honras de Filho e Rei (vv. 33-35). E sua
excelsa presença estava ali revelada na pessoa do Espírito Santo, que chegara conforme prometido (v.33; Jo 7.39; 14.16,26; 16.7
de acordo com Sl 68.18).
11 Esta afirmação corajosa de Pedro constitui-se no mais antigo Credo da Igreja de Jesus Cristo (Rm 10.9; 1Co 12.3; Fp 2.11).
12 A mensagem de João Batista, o grande precursor do Reino, é reenfatizada por Pedro e será a marca das principais
mensagens evangelísticas dos apóstolos para o recebimento de perdão e o novo nascimento (Mc 1.4; Lc 3.3). O mesmo
destaque foi dado pelo próprio Jesus (Mc 1.5; Lc 13.3; Lc 24.47). Da mesma forma, o batismo era importante para João, Jesus
e na Igreja primitiva sob direção dos apóstolos, pois esta ordenança sempre esteve associada à fé, à aceitação da Palavra, ao
arrependimento e à busca de uma vida de adoração a Deus (Mt 28,19; At 8.12; 18.8). O ato do batismo em si não é capaz de
perdoar o pecado original ou qualquer outro. O perdão total e definitivo dos nossos pecados ocorre por meio da graça de Deus
que converte o coração humano e faz germinar a fé cristã (Rm 6.3,4). Depois do sacrifício de Jesus, duas dádivas são concedidas
aos que crêem: o perdão dos pecados (22.16) e o Espírito Santo. A promessa do Espírito Santo de habitar no interior do ser
humano é um presente e selo (marca divina) de Deus, garantido a todos os cristãos sinceros, indistintamente de suas posições
teológicas ou doutrinárias (8.9-11; 1Co 12.13). No v.39, Pedro refere-se aos que estão longe, os gentios, e aos filhos dos judeus
presentes, às futuras gerações judaicas (Ef 2.13).
13 O ensino ou doutrina dos apóstolos incluía tudo o que o próprio Jesus ensinara (Mt 28.20), sendo o mais importante o Evan-
gelho, o qual se firmava em sua vida e obra, morte e ressurreição (v.23,24; 3.15; 4.10; 1Co 15.1-4). A ministração dos apóstolos
era incomparável por ser inspirada por Deus e estar revestida de toda autoridade a eles outorgada pelo próprio Senhor Jesus
(2Co 13.10; 1Ts 4.2). Em nossos dias, esse mesmo ensino dos apóstolos está à nossa disposição nas páginas das Escrituras
Sagradas, especialmente do NT. O livro de Atos ressalta a importância da oração diária na vida dos cristãos, tanto em particular
quanto em público (1.14; 3.1; 6.4; 10.4,31; 12.5; 16.13,16).
14 O temor (estado de adoração contínua) que existia no coração dos crentes daquela época era uma mistura de pavor, êxtase
e perplexidade diante da presença majestosa de Deus, operando milagres, prodígios e sinais maravilhosos entre a multidão dos
que iam sendo convertidos pelo Espírito Santo e acrescentados à Igreja.
15 A união e o amor com que os convertidos viviam a vida cristã era um testemunho poderoso em Jerusalém e em muitas
outras partes. Além das diversas operações de milagres e curas realizadas pelos apóstolos todos os dias, a Igreja não permitia
que a ninguém faltasse o necessário para viver. As colaborações eram voluntárias e generosas, regadas com muita oração,
manifestações de louvor e satisfação. A alegria deve ser o estado de ânimo do crente, não apenas uma euforia eventual
e passageira, como é próprio dos que não depositam sua fé e a própria vida aos cuidados do Senhor (16.34). A união e
o compartilhar da Igreja são frutos do Espírito Santo. Muitos filósofos e pensadores, ao longo dos séculos, idealizaram
comunidades e nações inteiras, cujos povos socializariam seus recursos humanos e materiais. Contudo, não obtiveram sucesso.
Sem a plenitude do Espírito Santo, o homem tende ao pecado e ao engano (erro).
16 Judeus e gentios convertidos pelo Espírito a Jesus Cristo começavam a formar e desenvolver a Igreja primitiva. Os cultos
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8. ATOS 2, 3 8
47 louvando a Deus por tudo e sendo a andar. Logo em seguida, entrou com
estimados por todo o povo. E, assim, a eles no pátio do templo, andando, sal-
cada dia o Senhor juntava à comunidade tando e louvando a Deus.3
as pessoas que iam sendo salvas. 9 Quando todo o povo o viu andando e
adorando a Deus,
A cura de um aleijado 10 reconheceu que era ele, aquele mesmo
3 Certa ocasião, Pedro e João estavam
subindo ao templo na hora da ora-
ção, isto é, às três horas da tarde.1
homem que estivera prostrado junto ao
Portão Formoso do templo; e ficaram
plenos de temor e perplexidade com o
2 E aconteceu que um homem, aleijado que lhe acontecera.
de nascença, estava sendo carregado
para um dos portões do templo, cha- A severa pregação de Pedro
mado Portão Formoso. Todos os dias 11 Apegando-se o mendigo a Pedro e
o colocavam ali para pedir esmolas aos João, todo o povo correu maravilhado
que entravam no templo.2 para junto deles, num lugar chamado
3 Quando viu que Pedro e João iam Pórtico de Salomão.4
entrar no templo, pediu que lhe dessem 12 Ao perceber isso, Pedro exclamou
um donativo. ao povo: “Varões de Israel, por que vos
4 Fixando nele o olhar, Pedro, em com- admirais a respeito disso? Por que estais
panhia de João, disse: “Olha para nós!”. olhando para nós, como se tivéssemos
5 E o homem olhou para eles com feito este homem andar por nosso pró-
atenção, na expectativa de receber deles prio poder ou santidade?
alguma ajuda. 13 O Deus de Abraão, de Isaque e de
6 Então, afirmou-lhe Pedro: “Não pos- Jacó, o Deus dos nossos antepassados,
suo prata nem ouro, mas o que tenho, glorificou a seu Servo Jesus, a quem vós
isso te dou: em o Nome de Jesus Cristo, entregastes para ser morto e, diante de
o Nazareno, ergue-te e anda!”. Pilatos, o rejeitastes, quando este havia
7 E, segurando-o pela mão direita, aju- decidido soltá-lo.5
dou-o a levantar-se e, naquele mesmo 14 Todavia, vós negastes publicamente o
instante, os pés e tornozelos do homem Santo e Justo, e pedistes que um assassi-
ficaram firmes. no fosse libertado.
8 E de um salto pôs-se em pé e começou 15 Vós matastes o Autor da vida, a quem
que reuniam os crentes em Jerusalém se realizavam diariamente no Templo (Lc 24.53). Entretanto, a Ceia em memória ao
Senhor Jesus, que na época coincidia com uma refeição de confraternização, era realizada nas casas dos cristãos em meio a
uma celebração chamada “Agapẽ” (Festa do amor fraternal), na qual os irmãos exerciam a “comunhão” (em grego: koinonia),
que tinha um sentido muito maior do que apenas aquecer a amizade: expressava a própria “vida de Cristo”, de uns para com os
outros, com suas vitórias e desafios, alegrias e tristezas. A “koinonia” solidificava a intimidade espiritual dos crentes com o próprio
Jesus (por meio do Espírito Santo) e entre si.
Capítulo 3
1 Pedro, João e Tiago (irmão de João) naturalmente passaram a liderar o grupo dos apóstolos e discípulos por causa da íntima
comunhão que tiveram com Jesus (Mc 9.2; 13.3; 14.33; Lc 22.8; Gl 2.9). O judaísmo antigo obedecia a três horários fixos de
oração: no meio da manhã (terceira hora, ou nove horas); a hora em que se oferecia o sacrifício vespertino (hora nona, ou quinze
horas) e ao pôr-do-sol.
2 Esse portão, também chamado de “Porta Formosa” ou “Portão de Nicanor”, era todo revestido de bronze fino (coríntio) e
principal acesso para o átrio do templo, oferecendo passagem entre o pátio dos gentios e o das mulheres.
3 Do pátio exterior entraram no pátio das mulheres (onde ficavam as caixas coletoras de ofertas – Mc 12.41-44), e depois pas-
saram para o pátio de Israel. Desde o pátio exterior, foram atravessados nove portões até os pátios interiores.
4 O Pórtico de Salomão ficava ao longo do lado interno do muro que cercava o pátio exterior, com fileiras de altas colunas de
pedra de nove metros de altura e um teto todo trabalhado em cedro maciço (Jo 10.23).
5 Em sua soberana vontade de glorificar seu Filho Jesus, Deus não se limita, no exercício de seu poder, às virtudes ou
capacidades humanas. Pedro fez questão de proclamar sua condição de servo e render glória a Deus. Relembrou as profecias
que anunciavam a vinda do Servo Sofredor (Is 52.13-53.12 com Mt 12.18; At 4.27,30). Pedro aproveita o momento de atenção
e fala de irmão para irmão com seus compatriotas. Corajosamente, lhes revela a gravidade do erro cometido. Eles negaram
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9. 9 ATOS 3
Deus ressuscitou dentre os mortos. E nós Deus restaurará todas as coisas, confor-
somos testemunhas deste fato.6 me já decretou há muito tempo, por
16 Pela fé em o Nome de Jesus, o Nome intermédio dos seus santos profetas.8
curou este homem que aqui vedes e bem 22 Porquanto declarou Moisés: ‘O
o conheceis; sim, a fé que vem por meio Senhor Deus levantará dentre vossos
de Jesus deu a este, agora, saúde perfei- irmãos um profeta como eu; a Ele
ta, como todos podem observar. ouvireis em tudo que vos ordenar.9
17 Contudo, irmãos, eu sei que o que 23 E acontecerá que toda pessoa que
vós e vossos líderes fizeram com Jesus não ouvir esse profeta será exterminada
foi sem o perfeito conhecimento do que dentre o povo’.
estavam praticando. 24 Em verdade, todos os profetas, de Sa-
18 Entretanto, foi desta forma que Deus muel em diante, um por um, pregaram
cumpriu o que tinha predito por todos e predisseram estes dias.10
os profetas, anunciando que o seu Cris- 25 E vós sois os herdeiros dos profetas
to haveria de sofrer.7 e da aliança que Deus estabeleceu com
19 Arrependei-vos, portanto, e conver- vossos antepassados. Ele declarou a
tei-vos para que assim sejam apagados Abraão: ‘Por meio da sua descendência,
os vossos pecados, todos os povos da terra serão aben-
20 de modo que da presença do Senhor çoados’.
venham tempos de refrigério, e Ele en- 26 Sendo assim, tendo Deus ressuscitado
vie o Cristo, que já vos foi previamente o seu Servo, enviou-o primeiramente
designado: Jesus. para vós, a fim de abençoá-los, conver-
21 É necessário que Jesus permaneça tendo cada um de vós das vossas vidas
no céu até que chegue o tempo em que pecaminosas”.11
o Senhor votando por sua condenação, desprezaram-no e se recusaram a reconhecê-lo como o Messias, mesmo diante do
poder dos ensinos de Jesus, dos seus sinais miraculosos e de sua vida absolutamente consagrada ao Pai. O próprio procu-
rador romano, Pilatos, não viu motivo para condená-lo e tentou soltá-lo, mas os judeus ensandecidos exigiram a crucificação
de Jesus (Jo 19.12).
6 Os apóstolos foram testemunhas oculares da vida santa e poderosa do Filho de Deus e da sua injusta condenação e morte.
A maioria dos discursos em Atos repete esse tema: “vós matastes Jesus. Deus o ressuscitou dentre os mortos” (At 2.23,24; 4.10;
5.30-32; 10.39-41; 13.28,29 de acordo com 1Co 15.1-4). Pedro enfatiza que Jesus é inculpável (Santo e Justo) em relação a Deus
e aos homens.
7 A expressão “seu Cristo” também significa “seu Ungido ou seu Messias”, numa clara referência ao Sl 2.2 (conforme At
4.25,26). Era indispensável que os judeus se rendessem às evidências quanto à necessidade dos sofrimentos expiatórios do
Messias, claramente preditos ao longo de todas as Escrituras Sagradas (Is 53.7,8 com At 8.32,33; Sl 22.1 com Mt 27.46 e 1Pe 1.11
com Lc 24.26,27). Entretanto, até nossos dias, a cruz de Jesus continua sendo escândalo para os judeus (1Co 1.23).
8 O arrependimento verdadeiro é a radical mudança de idéia e de vontade proveniente de um profundo sentimento de
reconhecimento e tristeza pelos erros cometidos, motivando total transformação no caráter e estilo de vida (comportamento).
Em conseqüência do arrependimento (repúdio ao pecado e a tudo que é errado) e da consagração ao Senhor (obediência a
Deus pela fé em Jesus), todos os pecados são destruídos, cancelados e anulados em seus efeitos (Rm 8.18-25; 12.1-2). A total
restauração da humanidade e de toda a terra ocorrerá com a segunda vinda de Cristo, quando as grandes bênçãos prometidas,
e ainda não plenamente usufruídas, serão derramadas sobre todo o povo de Deus. Por isso, devemos orar e trabalhar pela
conversão dos judeus e evangelização do mundo. E, assim, apressarmos o glorioso retorno do Senhor (2Pe 3.12; Rm 11.25).
9 Jesus Cristo é o cumprimento das profecias feitas no tocante a Moisés, Davi e Abraão. O Messias seria um profeta semelhante
a Moisés. Previsto nas pregações de Samuel a respeito de Davi, o Ungido, traria bênçãos sobre todos os povos da terra, de
acordo com as promessas feitas a Abraão (vv. 25,26). Os primeiros sermões de Pedro em Atos revelam que Jesus é o sucessor
de Davi e Moisés, cumprindo as profecias do AT desde Abraão.
10 O profeta Samuel ungiu a Davi para ser rei e declarou que seu reino seria estabelecido (1Sm 16.13; conforme 12.14; 15.28;
28.17). A palavra de Natã, em última análise, é uma profecia messiânica (2Sm 7.12-16; At 13.22,23,34; Hb 1.5).
11 A palavra grega traduzida no v.22 por “levantará” é a mesma aqui traduzida por “ressuscitado”, o que reforça a idéia de Deus
haver providenciado nosso Redentor; e nem mesmo todos os pecados da humanidade e a morte poderiam detê-lo. Ao contrário,
na ressurreição de Cristo, o Senhor cumpre as profecias entregues aos pais (13.32-34). Em Jesus ressurreto, aquela bênção
prometida a Abraão, e dirigida a todas as nações (Gn 12.3), alcança seu pleno cumprimento.
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10. ATOS 4 10
Pedro e João levados ao Sinédrio 10 tomai conhecimento, vós todos e todo
4 Enquanto Pedro e João estavam falan-
do ao povo, chegaram os sacerdotes,
o capitão dos guardas do templo e os
o povo de Israel, de que, em o Nome de
Jesus Cristo, o nazareno, aquele a quem
vós crucificastes, porém a quem Deus
saduceus.1 ressuscitou dentre os mortos, sim, por
2 Eles estavam muito perturbados por- intermédio desse Nome é que este ho-
que os apóstolos estavam ensinando o mem está aqui, diante de vós, plenamen-
povo e proclamando em Jesus a ressur- te curado!
reição dos mortos.2 11 Este Jesus é ‘a pedra que foi rejeitada
3 Então, prenderam Pedro e João e os por vós, os construtores, a qual foi posta
lançaram ao cárcere até o dia seguinte, como pedra angular’.3
pois já estava anoitecendo. 12 E, portanto, não há salvação em ne-
4 Entretanto, muitos dos que tinham nhum outro ente, pois, em todo universo
ouvido a pregação aceitaram a Palavra, não há nenhum outro Nome dado aos
chegando o número dos homens que seres humanos pelo qual devamos ser
creram próximo de cinco mil. salvos!”.
5 No dia seguinte, reuniram-se em Jeru- 13 Observando a coragem de Pedro e de
salém as autoridades, os líderes religiosos João, e tendo notado que eram homens
e os mestres da lei. simples e iletrados, ficaram perplexos e
6 Estavam reunidos Anás, o sumo sacer- reconheceram que eles haviam convivi-
dote, bem como Caifás, João, Alexandre do com Jesus.4
e todos os que eram da família do sumo 14 Além disso, como podiam constatar
sacerdote. diante de seus olhos a presença daquele
7 Ordenaram que Pedro e João fossem homem, em pé, que fora curado, nada
trazidos à presença deles e começaram podiam alegar contra eles.
a interrogá-los: “Com que poder ou em 15 E, por isso, ordenaram que se retiras-
nome de quem fizestes isso?”. sem do Sinédrio e começaram a discutir
8 Então Pedro, cheio do Espírito Santo, entre si,
lhes declarou: “Autoridades e líderes do 16 argumentando: “Que faremos a estes
povo! homens? Pois todos os habitantes de
9 Visto que hoje somos questionados em Jerusalém sabem que por meio deles foi
relação a um ato de caridade praticado realizado um sinal miraculoso compro-
a favor de um homem doente e sobre o vado, o qual não temos como negar.
modo como foi curado, 17 Todavia, para que isso não se divulgue
1 Esses são sacerdotes que estavam servindo naquela semana no recinto do templo (Lc 1.23). O capitão (em grego sãgãn) era
membro de uma das famílias sacerdotais de destaque, e segundo oficial no poder político e religioso dos judeus depois do sumo
sacerdote (Lc 22.4,52; At 5.24,26). Os saduceus faziam parte de uma seita da elite religiosa judaica, seus membros provinham da
linhagem sacerdotal, eram cultos, ricos e governavam o templo. Não acreditavam na ressurreição dos mortos nem na vinda de um
Messias pessoal e Libertador, mas pregavam que Israel já vivia a época messiânica e cabia a eles instruírem os mestres da lei para
ensinarem o povo a edificar e preservar esse chamado “estado ideal”. O sumo sacerdote, um entre os demais sacerdotes (Mt 3.7;
22.23-33; Mc 12.18; Lc 20.27; At 5.17; 23.6-8), era escolhido para presidir o Sinédrio (Supremo Tribunal Judaico).
2 Os saduceus haviam tomado a liderança no plano para condenar e crucificar a Jesus (Jo 11.49,50) com a esperança de
que, eliminando o líder, aquela “nova seita judaica” que se esboçava viesse a desvanecer-se doutrinariamente e perdesse seus
adeptos. Precisamente os saduceus, que não acreditavam na ressurreição (23.6-8), têm agora que lidar com o Espírito do líder
ressurreto dos cristãos e com o dinamismo, alegria, poder e carisma dos seus seguidores.
3 Os primeiros cristãos enfatizavam em suas pregações e ensinos o cumprimento das profecias do AT sobre a vida e obra
redentora de Jesus Cristo, o Messias (Mt 21.42; 1Pe 2.7), de acordo com Rm 9.33; Is 28.16, o próprio Jesus havia citado Sl 118.22.
E sua ressurreição estabeleceu o novo Templo “construído sem mãos” (Jo 2.19; Mc 14.58) que é a habitação de Deus: o coração
do indivíduo salvo e a reunião dos crentes, que é a Igreja, o Corpo de Cristo (Ef 2.20).
4 Em comparação com os saduceus e os teólogos da época, Pedro e João eram literalmente “analfabetos” (como está nos
originais em grego agrammatos) e “leigos” (da mesma forma em grego idiotai). Entretanto, o Espírito Santo os capacitou de tal
maneira, que a coragem, eloqüência, poder e sabedoria de suas palavras fizeram os líderes judaicos deduzirem que aqueles
homens haviam estudado e convivido com Jesus (Mc 1.22; 3.14).
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11. 11 ATOS 4
ainda mais entre o povo, vamos intimi- vernantes se ajuntam em oposição ao
dá-los, exigindo que a ninguém mais Senhor e contra o seu Ungido’.
falem sobre este Nome”. 27 De fato, Herodes e Pôncio Pilatos reuni-
18 Então, convocando-os novamente, orde- ram-se com as nações pagãs e os povos de
naram-lhes que não falassem, tampouco Israel nesta cidade, para conspirar contra o
ensinassem em o Nome de Jesus. seu Santo Servo Jesus, a quem ungiste.5
19 Contudo, Pedro e João propuseram- 28 Realizaram tudo o que, em teu poder
lhes: “Julgai vós mesmos se é justo e sabedoria, já havia predeterminado que
diante de Deus obedecer a vós mais do aconteceria.6
que a Deus. 29 Agora, pois, ó Senhor, considera as
20 Pois não podemos deixar de falar de ameaças deles e capacita os teus servos
tudo quanto vimos e ouvimos!”. para proclamarem a tua Palavra com
21 E, os ameaçando ainda mais, os deixa- toda a intrepidez.
ram ir, pois não conseguiram encontrar 30 Estende a tua mão para curar e realizar
motivo algum para castigá-los e o povo sinais e maravilhas por meio do Nome
estava extasiado, louvando a Deus pelo do teu Santo Servo Jesus!”.
que acontecera; 31 E assim que terminaram de orar,
22 pois o homem em quem se operara tremeu o lugar onde estavam reunidos;
aquela cura milagrosa tinha mais de todos ficaram plenos do Espírito Santo e,
quarenta anos. com toda a coragem saíram anunciando
a Palavra de Deus.7
Como os primeiros cristãos oravam
23 Assim que foram soltos, Pedro e João A vida da Igreja de Cristo
buscaram a companhia dos seus amigos e 32 E da multidão dos que creram, um só
contaram tudo o que os chefes dos sacerdo- era o sentimento e a maneira de pensar.
tes e os líderes religiosos lhes haviam dito. Ninguém considerava exclusivamente
24 Ao ouvirem esse relato, os irmãos unâ- seu os bens que possuía, mas todos com-
nimes elevaram a voz a Deus e exclama- partilhavam tudo entre si.
ram: “Ó Todo-Poderoso Senhor, Tu que 33 Com grande poder os apóstolos con-
fizeste o céu e a terra, o mar e tudo o que tinuavam a pregar, testemunhando da
neles existe; ressurreição do Senhor, e maravilhosa
25 que, pelo Espírito Santo, por boca de graça estava sobre todos eles.8
nosso pai Davi, teu servo, declaraste: ‘Por 34 Não havia uma só pessoa necessitada en-
que os gentios se enfurecem, e os povos tre eles, pois os que possuíam terras ou casas
conspiram em vão? as vendiam, traziam o dinheiro da venda
26 Os reis da terra se levantam, e os go- 35 e o depositavam aos pés dos apóstolos,
5 O “Ungido” (em grego: Christos, que é a tradução da palavra hebraica: Mãshïah, Messias). Na oração, os companheiros de
Pedro e João, referem-se ao batismo de Jesus quando Deus declarou: “meu filho amado” (Mt 3.17). Herodes Antipas (tetrarca da
Galiléia e Peréia) e Pôncio Pilatos (procurador romano na Judéia) são os reis e autoridades (príncipes) mencionados na profecia
do Sl 2.1,2 (de acordo com Lc 23.1-24). Santo Servo é novamente uma alusão às profecias de Isaías (Is 52.13 – 53.12).
6 A expressão “predeterminado” (conforme o original grego: prowvrisen) foi somente usada por Paulo e Pedro (1Pe 1.2,20:
2.4-6). O plano de Deus, contemplado e traçado antes da fundação do mundo (Ef 1.4; Ap 13.8), considera em seu contexto amplo
as boas e más ações da humanidade sem, contudo, diminuir qualquer responsabilidade pelos atos de cada indivíduo sobre a
terra. Deus não força o ser humano a agir de uma forma ou outra. Entretanto, o Senhor vê a história do universo como um todo
atemporal, sem os limites de tempos e épocas (passado, presente e futuro) e, portanto, tem o poder de usar os homens, com
seus progressos e tragédias, bem como as ações do Diabo, em prol da salvação final e eterna da humanidade, particularmente
de todos aqueles que depositarem fé sincera e absoluta em seu Filho Jesus, o Messias Salvador (Jo 1.12-13).
7 A exemplo do que ocorreu no AT, Deus fez tremer o lugar onde seus servos estavam reunidos em oração, como um sinal da
sua presença e aprovação (Êx 19.18; Is 6.4). Foi uma maneira através da qual o Senhor renovou nos apóstolos e discípulos, que
estavam iniciando a Igreja de Cristo, a experiência do dia do Pentecoste (ou semana do Pentecostes). É o Espírito Santo quem
nos capacita com força espiritual, generosidade, coragem (intrepidez), determinação, sabedoria e santidade para testemunhar-
mos da salvação que há – somente – em Jesus (8.13,33).
8 A expressão grega original: dunamis significa “poder” e também “milagre” (2.22). Em 2.47, a Igreja (o povo de Deus) recebeu
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12. ATOS 4, 5 12
que por sua vez, o repartiam conforme a continuaria teu? E vendido, não estaria
necessidade de cada um. todo o dinheiro em teu poder? Como
pudestes permitir que tais idéias domi-
A oferta de José Barnabé nassem tua vontade?2
36 Então José, um levita natural de Chi- 5 Ao ouvir esta admoestação, Ananias
pre, a quem os apóstolos deram o sobre- caiu morto. Então, grande temor tomou
nome de Barnabé, que significa “filho da conta de todos os que souberam do que
consolação”, havia acontecido.
37 sendo proprietário de um campo, ven- 6 E, alguns jovens tomaram a iniciativa
dendo-o, trouxe o dinheiro da venda e o de cobri-lo, carregaram-no para fora e o
colocou junto aos pés dos apóstolos.9 sepultaram.
7 Cerca de três horas mais tarde entrou sua
A oferta de Ananias e Safira esposa, sem saber o que havia se passado.
5 Entrementes, um certo homem cha-
mado Ananias, com sua esposa Safira,
também vendeu uma propriedade.
8 E Pedro a questionou: “Dize-me, ven-
destes por este preço aquelas terras? Ela
confirmou: “Sim, por este preço!”.
2 Mas ele reteve parte do dinheiro da ven- 9 Então Pedro a repreendeu: “Por que vós
da para si, tendo conhecimento disso tam- entrastes em acordo para tentar o Espíri-
bém sua esposa. Ele levou a parte restante to do Senhor? Eis que estão aí à porta os
e a depositou aos pés dos apóstolos.1 pés dos que sepultaram o teu marido, e
3 Então, indagou-lhe Pedro: “Ananias, eles a levarão também”.
por que permitistes que Satanás encheste 10 Naquele mesmo instante, ela caiu
o teu coração, induzindo-te a mentir ao morta aos pés de Pedro. Então, aqueles
Espírito Santo para que ficasses com par- jovens entraram e, encontrando-a mor-
te do valor do terreno? ta, levaram-na e a sepultaram ao lado
4 Mantendo-o contigo, porventura não de seu marido.
“graça” (no original em grego charin) que significa: “favor, simpatia, apreciação”, da parte do povo. Neste trecho, a “graça” vem
de Deus e se constitui na fonte da generosidade e do serviço cristão (2Co 8.1,9).
9 José Barnabé (em grego: “filho de paraklẽsis” – “aquele que exorta, anima, consola”) era primo de João Marcos de Jerusalém
(Cl 4.10) e originário de uma família sacerdotal (levita) judaico-cipriota que vivia e possuía propriedades na ilha de Chipre (um país
localizado na parte leste do mar Mediterrâneo). Desde os tempos dos macabeus muitos judeus se estabeleceram em Chipre. Esta
é a maneira como Lucas apresenta aquele que virá a ser um dos melhores amigos e conselheiros de Paulo: um homem cheio do
Espírito e de bondade (9.27; 11.22,25; 13.1-4; 15.37,39).
Capítulo 5
1 A palavra “reteve” é a mesma expressão que aparece na tradução grega do AT (Septuaginta) quando narra o pecado de
Acã (Js 7.1-25). A mesma avareza, associada à hipocrisia (desejo de manter uma falsa imagem de santidade), gerou mentira,
afastamento de Deus e destruição. Veja os exemplos de Nadabe e Abiú (Lv 10.2) e Uzá (2Sm 6.7). Ananias e Safira foram os
primeiros exemplos de “falta de sinceridade no serviço cristão” ocorridos nos primórdios da Igreja de Jesus Cristo. Essa terrível
experiência demonstrou à Igreja em formação que “de Deus não se zomba” (Gl 6.7). Um grande contraste em relação ao bom
exemplo de José Barnabé (4.36).
2 O sentido geral da frase no original revela uma contínua atividade de Satanás, tentando sistematicamente, e por diversos
modos, persuadir o ser humano a cair em pecado. A palavra hebraica: sãtãn (Satanás) significa “adversário” e, por isso, foi
traduzida para o grego por diabolos. Em Jó 1.6 e Zc 3.1 e nos versos seguintes destas passagens, a palavra sãtãn corresponde
ao nome próprio de um anjo mal, cuja principal atividade é acusar os seres humanos diante de Deus e requerer destruição
sobre as nações. Essa pessoa absolutamente maligna domina o reino das trevas, possui filhos e anjos caídos a seu serviço;
que diuturnamente fazem oposição a Deus (Trindade), seu Reino, anjos e filhos (Mt 12.26; 25.41; 1Jo 3.10). Ainda que Satanás
conheça todas as fraquezas humanas e freqüentemente nos sugira maneiras de expressá-las em pecado, os cristãos contam
com a poderosa presença de Deus em suas almas, na pessoa do Espírito Santo, e podem – pela fé – rejeitar todos os ardis e
sugestões do Inimigo, vencendo as tentações. Os textos de 4.36,37 – 5.1,4 deixam claro que as ofertas e donativos eram atos
voluntários, segundo a generosidade de cada um. Os apóstolos não haviam pedido nada, foi o Espírito Santo quem moveu cada
pessoa a contribuir conforme a alegria do coração (2Co 9.7). Ananias e Safira não pecaram por ficar com parte do dinheiro da
venda de sua propriedade, mas sim por haverem mentido ao Espírito Santo (Deus) e suporem arrogantemente que é possível
ao ser humano pensar ou realizar qualquer coisa fora do pleno conhecimento do Senhor. A ofensa contra a Igreja, habitada pelo
Espírito, é insulto e pecado contra o próprio Deus (9.5).
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13. 13 ATOS 5
11 E grande temor se apoderou de toda apóstolos, jogando-os numa prisão
a igreja e de todos os que ouviram falar pública.
sobre esses acontecimentos.3 19 Todavia, durante a noite um anjo do
Senhor abriu as portas do cárcere, con-
Os sinais dos apóstolos duziu-os para fora e
12 Muitos sinais e maravilhas eram re- 20 instruiu-lhes: “Ide, apresentai-vos no
alizados entre o povo pelas mãos dos templo e anunciai às multidões todas
apóstolos. E todos os que creram costu- as palavras da Salvação!”.7
mavam reunir-se, em comunhão, junto 21 Assim, ao raiar do dia, eles entraram
ao Pórtico de Salomão. no pátio do templo, como haviam sido
13 Todavia, ninguém de fora tinha cora- orientados, e começaram a pregar ao
gem de juntar-se a eles, ainda que o povo povo. De outro lado, chegando o sumo
os tivesse em grande estima.4 sacerdote e os seus companheiros, ime-
14 Em número cada vez maior, homens e diatamente convocaram o Sinédrio, ou
mulheres criam no Senhor e eram acres- seja, toda a assembléia dos principais
centados à comunidade, líderes de Israel, e mandaram buscar os
15 a ponto de os doentes serem levados apóstolos na prisão.8
para as ruas e colocados em leitos e ma- 22 Entretanto, ao chegarem à prisão, os
cas para que, quando Pedro passasse, ao guardas não os encontraram ali. Então
menos sua sombra se projetasse sobre voltaram e comunicaram:
alguns deles. 23 “Encontramos o cárcere fechado com
16 Da mesma forma, das cidades ao redor, toda a segurança e as sentinelas nos seus
vinha muita gente a Jerusalém, trazen-do postos junto às portas; mas, abrindo-as,
doentes e pessoas atormentadas por espí- a ninguém encontramos lá dentro!”.
ritos demoníacos, e todos eram libertos.5 24 Diante desse relato, o capitão da guar-
da do templo e os chefes dos sacerdotes
Os apóstolos são presos e libertos ficaram atônitos, imaginando o que po-
17 Então, o sumo sacerdote e todos os seus deria ter acontecido com os apóstolos.
correligionários, membros do partido 25 Nesse momento, chegou alguém com
dos saduceus, foram tomados de grande a notícia: “Eis que os homens que reco-
inveja.6 lhestes à prisão, estão no pátio do templo,
18 E, por isso, mandaram prender os ensinando ao povo!”.
3 Essa conseqüência drástica em relação ao pecado foi necessária, especialmente no momento em que a Igreja, como Corpo
de Cristo, começava a dar seus primeiros passos. Era fundamental que todos soubessem que o Espírito Santo é a própria pessoa
do Senhor habitando o corpo do crente, não um tipo de energia qualquer, e não pode ser logrado. Além disso, a Igreja de Jesus
Cristo não é uma empresa comercial, tampouco um negócio onde a hipocrisia, fraude ou corrupção possa ser aceita. A disciplina
na Igreja, em grande parte, depende da ação corretiva de Deus (1Co 11.30-32; Hb 12.5-11; 1Jo 5.16,17). O poder disciplinador
do Pai está em harmonia com sua capacidade de curar, ressuscitar e dar a vida eterna a seus filhos sinceros (Jo 1.12-13). Essa é
a primeira vez que a palavra “igreja” ocorre no livro de Atos. A expressão: ekklẽsia, nos originais em grego, era empregada para
designar as assembléias religiosas e políticas dos judeus, e os apóstolos passaram a usar a mesma expressão para convocar a
reunião dos primeiros cristãos (8.1; 11.22; 13.1; 19.32,40).
4 Lucas usa a expressão “ninguém de fora” para registrar que depois do fim vergonhoso e trágico de Ananias e sua mulher,
nenhuma pessoa filiou-se à comunidade cristã daqueles dias sem avaliar a sinceridade e a responsabilidade de tal compromisso
com Deus. O v.14 demonstra, entretanto, que muitos “corações convertidos” juntavam-se à Igreja todos os dias (1.14; 8.3,12;
9.2; 13.50; 16.1,13,14; 17.4,12,34; 18.2; 21.5). Essa é a primeira vez em que Lucas faz menção específica a uma quantidade de
mulheres convertidas que se tornaram membros da Igreja (v. 14).
5 Cumpre-se a segunda etapa da profecia de Jesus Cristo sobre a propagação do Evangelho: “em toda Judéia” (1.8).
6 Caifás era sumo sacerdote oficial e reconhecido por Roma. Contudo, os judeus consideravam Anás, o sogro de Caifás, o
verdadeiro sumo sacerdote, pois esse cargo era vitalício (4.1-6).
7 A expressão aramaica hayye significa “salvação” ou “vida” (13.26).
8 O Supremo tribunal dos judeus era composto de 71 homens (às vezes mais). Sentavam-se num semicírculo, tendo às suas
costas três fileiras de seguidores e aprendizes conhecidos como “discípulos dos sábios”. E, na frente, em pé ficavam os escrivães
do tribunal. Sinédrio e Senado são termos equivalentes (Mt 26.59-68).
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14. ATOS 5 14
26 Então, o capitão foi com os guardas e os 35 E prosseguiu dizendo: “Caros israeli-
trouxe outra vez, porém sem violência, pois tas, considerai com toda cautela o que
temiam ser apedrejados pela multidão. estais para decidir fazer a estes homens.
27 E, depois de trazê-los, os apresentaram 36 Porquanto, há algum tempo surgiu
ao Sinédrio. E o sumo sacerdote os in- Teudas, pregando ser alguém, e apro-
terrogou: ximadamente quatrocentos homens se
28 “Não vos ordenamos expressamente juntaram a ele. Todavia, ele foi morto e
que não pregásseis nesse Nome? Contu- todos os seus seguidores se dispersaram
do, enchestes Jerusalém dessa vossa dou- e acabaram em nada.
trina e quereis lançar sobre nós a culpa 37 Depois dele, na época do recensea-
pelo sangue desse homem?”. mento, apareceu Judas, o galileu, que
29 Ao que Pedro e os demais apóstolos liderou um grupo revolucionário. Ele, da
afirmaram: “É necessário que primeiro mesma forma foi morto, e todos os seus
obedeçamos a Deus, depois às autoridades companheiros se espalharam.12
humanas. 38 Contudo, neste caso, vos advirto: afastai-
30 O Deus de nossos antepassados ressus- vos destes homens e deixai-os seguir em
citou a Jesus, a quem vós assassinastes, paz. Pois, se a obra ou o propósito deles for
crucificando-o num madeiro. de origem meramente humana, perecerá.
31 Deus, no entanto, o exaltou, elevando- 39 Se, todavia, proceder de Deus não
o à sua direita, como Príncipe e Salvador, conseguireis jamais impedi-los, pois vos
a fim de dar a Israel arrependimento e achareis em guerra contra Deus!”.
perdão de pecados.9 40 E as palavras de Gamaliel convenceram
32 Ora, nós somos testemunhas destes fa- a eles. Então, mandaram trazer os após-
tos, bem como o Espírito Santo, que Deus tolos e ordenaram que fossem açoitados.
concedeu aos que são obedientes a Ele!”.10 Depois, exigiram-lhes que não mais falas-
sem no Nome de Jesus e os deixaram sair
O sabedoria de Gamaliel em liberdade.
33 Ao ouvir estas palavras, eles muito se 41 Os apóstolos se retiraram do Sinédrio,
enfureceram e queriam matá-los. contentes por haverem sido considerados
34 Então, certo fariseu chamado Gama- dignos de serem humilhados por causa do
liel, doutor da lei, respeitado por todas as Nome.13
pessoas, levantou-se no Sinédrio e pediu 42 E, todos os dias no templo, bem como
que aqueles homens fossem retirados de casa em casa, não deixavam de pregar
por um momento.11 e ensinar que Jesus Cristo é o Messias.
9 A palavra “príncipe” (em grego archegon) pode ser também traduzida como “Autor” (3.15). A palavra hebraica “levantou”,
assim como as expressões: “Salvador” ou “Libertador” são as mesmas que aparecem em Js 3.9. O arrependimento é a condição
imposta pelo Príncipe (Autor) e salvação (remissão) é o galardão maior por Ele concedido aos cristãos sinceros.
10 O testemunho dos apóstolos era dirigido e confirmado pelo Espírito Santo, que convence o mundo mediante a Palavra e
é concedido a todos que correspondem ao amor e convite de Deus com a obediência que vêm pela fé (Rm 1.5). Em meio aos
muitos prodígios, maravilhas e conversões, cumpriu-se a promessa de Cristo (Jo 16.7-14).
11 Gamaliel pertencia a um partido popular judaico que dava ênfase à absoluta obediência da Lei como o caminho da Salvação.
Embora fariseu, representava a renomada escola de Hilel, que favorecia uma interpretação mais liberal e humanizante da Lei. Uma
das doutrinas características dos fariseus é que “Deus está acima de tudo e não precisa do auxílio de ninguém para cumprir seus
desígnios. O que é de Deus se estabelecerá, o que não é jamais se firmará”. Gamaliel era respeitado por sua devoção a Deus,
sabedoria e erudição. Foi mestre de Saulo que viria a se tornar o apóstolo Paulo (22.3).
12 Quando a Judéia foi reduzida à província romana, no ano 6 d.C., Quirino, procurador imperial na Síria, promoveu um re-
censeamento com o fim de calcular a soma do tributo a que a nova província estava obrigada a recolher para Roma. Foi quando
Judas, cidadão de Gamala e outros revolucionários, considerando isso um prelúdio de escravidão e uma desonra a Deus, o único
e verdadeiro Rei de Israel, desfraldou a bandeira da revolta. Esta foi esmagada, porém o partido dos Zelotes conservou-lhe vivo
os ideais (1.13; Mt 10.4).
13 Os apóstolos receberam a punição judaica de “quarenta açoites menos um” (2Co 11.24). Entretanto, consideraram tudo
isso como o cumprimento da “bem-aventurança” de padecer por amor a Jesus Cristo e pela proclamação do Evangelho (Mt
5.10-12; Lc 6.22,23).
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15. 15 ATOS 6
A escolha de sete diáconos fé e do Espírito Santo, além de Filipe,
6 Ora, naqueles dias, multiplicando-se
o número de discípulos, houve uma
queixa entre eles. Os judeus helenistas
Prócoro, Nicanor, Timom, Pármenas e
Nicolau, um convertido ao judaísmo,
proveniente de Antioquia.
protestaram contra os judeus de fala 6 Apresentaram-nos diante dos apósto-
hebraico-aramaica, porque suas viúvas los, os quais oraram e lhes impuseram
não estavam sendo atendidas na distri- as mãos.4
buição diária de alimentos.1 7 E a Palavra de Deus era divulgada, de
2 Então, os Doze reuniram todos os dis- modo que se multiplicava grandemente o
cípulos e propuseram: “Não é sensato número dos discípulos em Jerusalém; in-
negligenciarmos o ministério da Pala- clusive, muitos sacerdotes obedeciam a fé.5
vra de Deus, a fim de servir às mesas.2
3 Portanto, irmãos, escolhei dentre Estevão é levado ao Sinédrio
vós Sete homens de bom testemunho, 8 Estevão, homem cheio de graça e do
cheios do Espírito e de sabedoria, aos poder de Deus, realizava prodígios e
quais encarregaremos deste ministério.3 sinais milagrosos entre as multidões.6
4 Quanto a nós, nos devotaremos à ora- 9 Entretanto, levantaram-se alguns que
ção e ao ministério da Palavra. pertenciam à chamada sinagoga dos
5 Tal proposta agradou a todos. Então, Libertos, dos judeus de Cirene e de
escolheram Estevão, homem cheio de Alexandria, assim como das províncias
1 Há um intervalo de tempo considerável e impreciso entre o final do cap.5 e este momento no qual, devido ao gigantismo da
Igreja que continuava crescendo sem parar (5.14), problemas administrativos estavam ocorrendo, tanto dentro (6.1-7) quanto
fora da comunidade (6.8 – 7.60). Nesta altura dos acontecimentos, a Igreja era formada integralmente por judeus convertidos à
doutrina de Jesus Cristo e batizados com o Espírito Santo. Contudo, havia dois grupos bem distintos de judeus que conviviam
dentro da comunidade dos crentes: 1) Os judeus helenistas (essa é a primeira vez que esse termo é usado na literatura grega) ou
de fala grega, pois pertenciam a uma geração nascida em países fora da Palestina, cujos conceitos e hábitos eram mais gregos
que hebreus. 2) Os judeus hebreus pertenciam à geração nascida na Palestina e que falava o aramaico, uma língua derivada
do hebraico e muito popular entre os mais jovens. Eles aprendiam a ler a Bíblia hebraica e procuravam manter as tradições
e cultura judaicas. Entretanto, o zelo missionário partiu dos crentes helenistas menos tradicionais e mais comunicativos, pois
falavam grego, que era a língua franca em todo o Império Romano. As viúvas, tradicionalmente protegidas pela Lei, ficaram sob
os cuidados da Igreja (4.35; 11.28,29; 1Tm 5.3-16).
2 O vocábulo grego original: diakonein (diáconos) significa “servidores” ou “ministros”, e foi usado por Lucas para descrever o
trabalho de “servir às mesas”, ou seja, zelar e prover às viúvas o sustento de cada dia (Fp 1.1; 1Tm 3.6). Nesse momento da Igreja,
os apóstolos estavam sobrecarregados, pois eram responsáveis por toda a ministração da Palavra, curas e outros milagres; e
ainda cuidavam da arrecadação de ofertas, distribuição dos recursos entre as famílias da comunidade, ajuda às viúvas, órfãos
e demais necessitados.
3 A Igreja distingüiu homens cheios do Espírito Santo (v.5), e os Doze (como eram chamados pela Igreja) comissionaram os
Sete (21.8), escolhidos democraticamente pelos crentes (v.6). Desta maneira, foram nomeados para realizar seu “serviço cristão”
(ministério). Curiosamente, todos têm nomes gregos, mas somente Estevão e Filipe são citados novamente por Lucas (6.8 – 7.60;
8.5-40; 21.8,9). E havia um prosélito (um gentio convertido ao judaísmo) que era de Antioquia, cidade para a qual o Evangelho
seria levado dentro em breve, e se tornaria a “sede” da primeira grande campanha missionária de evangelização aos gentios.
4 A imposição de mãos tem uma simbologia e um significado muito amplo e profundo. No AT era usada para outorgar bênçãos
(Gn 48.13-20); para transferir a culpa do pecador para o sacrifício oferecido (Lv 1.4); e para comissionar uma pessoa a uma nova
responsabilidade ou desafio (Nm 27.23). No período do NT, as mãos eram colocadas sobre as pessoas que eram agraciadas com
curas e livramentos (28.8; Mc 1.41), na invocação de bênçãos (Mc 10.16), na ordenação ou comissionamento (6.6; 13.3; 1Tm
5.22), bem como na outorga de dons espirituais (8.17; 19.6; 1Tm 4.14; 2Tm 1.6).
5 Esse é mais um dos relatórios sobre o crescimento da Igreja apresentados por Lucas durante o livro de Atos (1.15; 2.41;
4.4; 5.14; 6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20; 28.31). Lucas ainda enfatiza a conversão de sacerdotes que, apesar do seu compromisso
vitalício com os serviços relativos ao cumprimento das ordenanças da antiga aliança, compreenderam o ensino dos apóstolos
quanto ao sacrifício vicário de Jesus Cristo, o qual tornou desnecessário qualquer outro tipo de sacrifício (Hb 8.13; 10.1-4, 11-14).
Além disso, movidos pelo Espírito Santo, passaram a obedecer de bom grado, aos princípios do Evangelho da Graça (Rm 1.5; Ef
2.8-10; Tg 2.14-26). Zacarias foi um exemplo, na época de Cristo, de sacerdote convertido a Jesus (Lc 1.5-6).
6 Até esse momento Lucas narrou exclusivamente os apóstolos realizando milagres e maravilhas (2.43; 3.4-8; 5.12). A partir de
agora, porém, após a imposição de mãos dos apóstolos, Estevão – pleno do Espírito e de fé – passa a ministrar sinais e prodígios
entre o povo. Mais adiante, veremos Filipe também operando milagres para a glória de Jesus Cristo e salvação dos crentes (8.6).
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16. ATOS 6, 7 16
da Cilícia e da Ásia. E, estes homens 2 Diante disso, declarou Estevão: “Caros
começaram a discutir com Estevão;7 irmãos e pais, ouvi-me com atenção!
10 contudo, não podiam resistir a O Deus da glória apareceu a Abraão,
sabedoria e ao Espírito com que ele nosso pai, estando ele ainda na Meso-
argumentava. potâmia, antes de morar em Harã, e lhe
11 Sendo assim, subornaram alguns ou- ordenou:1
tros homens para o caluniarem: “Nós o 3 ‘Sai da tua terra e da comunidade dos
temos ouvido proferir palavras ultrajan- teus parentes e vai para a terra que Eu te
tes contra Moisés e contra Deus!”. mostrarei’.
12 Com isso, conseguiram incitar o 4 Então, ele saiu da terra dos caldeus e se
povo, os líderes religiosos e os mestres estabeleceu em Harã. Após a morte de
da lei. E, prendendo Estevão, conduzi- seu pai, Deus o trouxe para esta terra em
ram-no à presença do Sinédrio. que vós agora habitais.
13 Ali apresentaram falsas testemunhas 5 Nela, Deus não lhe deu nenhuma he-
que alegavam: “Este homem não pára rança, nem ao menos o espaço de um pé.
de proferir blasfêmias contra este santo Todavia, prometeu que lhe daria a terra
lugar e contra a lei.8 como herança, e mesmo depois dele à
14 Porquanto nós o temos ouvido procla- sua descendência, quando ele ainda não
mar que esse Jesus de Nazaré destruirá tinha nenhum filho.
este lugar e mudará as tradições que 6 E Deus lhe falou desta forma: ‘Teus
Moisés nos legou!”.9 descendentes serão peregrinos numa
15 Então, todos os que estavam assenta- terra estrangeira e serão escravizados e
dos no Sinédrio, ao fixarem seus olhos maltratados por mais de quatrocentos
em Estevão, viram que seu rosto parecia anos.2
como o rosto de um anjo.10 7 Contudo, Eu punirei a nação a quem ser-
vireis como escravos e, depois disso, saireis
O depoimento de Estevão livres dali e me adorareis neste lugar’.
7 Então, o sumo sacerdote interpelou a
Estevão: “Porventura são verdadeiras
estas acusações contra ti?”.
8 E assim, concedeu a Abraão a aliança
da circuncisão. Por esse motivo, Abraão
gerou a Isaque e o circuncidou oito dias
7 Os membros da sinagoga de “Libertos” eram descendentes dos judeus levados cativos para Roma pelo imperador Pompeu
(63 a.C.) e que logo foram libertos, junto com outros judeus das regiões mencionadas nessa passagem bíblica.
8 O templo era o lugar mais sagrado do mundo e centro do universo para os judeus por ser a habitação de Deus. A Lei oferecia
como único caminho para a salvação a obediência absoluta à Lei e aos sacrifícios no Templo. Evidentemente, que qualquer
insinuação contrária à Lei ou à reverência devida a Deus era considerada como blasfêmia (ultraje) e punida com a morte.
Contudo, a própria Lei previa um julgamento justo mediante várias testemunhas. Porém, os acusadores de Estevão usaram os
mesmos artifícios que já se haviam provado eficientes contra Jesus: falsos depoimentos, calúnias e incitação popular (Mc 14.56-
64). Os mesmos argumentos seriam usados contra Paulo e muitos mártires da Igreja (21.28).
9 Estevão, como os demais “servos” do Senhor, estava anunciando que a fé cristã não se conservaria dentro dos estreitos
e legalistas limites do judaísmo (Mc 7.18,19; Mt 23.25,26; Lc 11.39-41), e antecipa a nova e universal teologia, que seria
sistematizada por Paulo mais tarde.
10 A aparência radiante, poderosa e angelical de Estevão indica um fenômeno físico-espiritual de transfiguração na presença
de um acompanhante sobrenatural (2Co 3.18 de acordo com Êx 34.29 e Mt 17.2).
Capítulo 7
1 O primeiro chamado de Abraão ocorreu na cidade de Ur (Gn 15.7; Ne 9.7). Em Harã, houve uma renovação desta convocação
missionária (Jr 15.19-21). Estevão não estava preocupado em salvar-se a si mesmo, mas sim, tentou abrir o entendimento e o
coração dos líderes judeus para os erros que vinham cometendo ao rejeitar o chamamento de Deus e, por fim, seu próprio Filho,
o Messias. Estevão não se preocupa em responder diretamente às acusações feitas em 6.11-14. Em sua defesa apresenta uma
visão teológica universal do Evangelho: 1) Deus não limita seus encontros com a humanidade às congregações, (tabernáculos)
nem ao Templo. Por isso, chamou Abraão, José, Moisés e outros profetas. Além disso, as primeiras grandes revelações de Deus
aconteceram em terras gentias: Ur, Harã, Egito, Sinai. 2) Israel sempre foi insensível à voz de Deus e, em sua rebeldia extrema,
rejeitou os profetas do Senhor, finalmente crucificando o próprio Filho de Deus – Jesus, o Justo (52).
2 Israel peregrinou pelo deserto por 430 anos (Êx 12.40,41 e Gl 3.17). O povo de Deus não deve se apegar a sua casa, país ou
cultura. Somos cidadãos do Reino dos céus (Hb 11.8; 16).
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