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JOÃO CARLOS DE MORAIS ALT




CARTEMAS DE ALOÍSIO MAGALHÃES:
UM PONTO DE ENCONTRO ENTRE A ARTE E O DESIGN




                                        Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
                                        Graduação em Ciência da Arte do Instituto
                                        de Arte e Comunicação Social, Universidade
                                        Federal Fluminense, para obtenção do grau
                                        de Mestre em Ciência da Arte. Área de
                                        concentração: Estudos Poéticos.




      Orientador: Prof. Dr. JOSÉ MAURÍCIO SALDANHA ALVAREZ

     Co-orientador: Prof. Dr. ANTONIO CARLOS AMANCIO DA SILVA




                              Niterói
                              2005
AGRADECIMENTOS




   Ao Luís Sérgio de Oliveira, vai meu primeiro agradecimento; seu incentivo,
nos primórdios deste projeto, foi imprescindível para que eu transformasse
em ação o que antes era um vago propósito.

   Agradeço ao José Maurício Saldanha Alvarez, meu orientador, pelo
paciente estímulo e por todos os conhecimentos transmitidos, bem como aos
professores Wallace de Deus Barbosa e Luiz Antonio Luzio Coelho, pelas
valiosas críticas e sugestões apresentadas no exame de qualificação.

   Agradeço muito especialmente ao Tunico Amancio, amigo e co-orientador,
por colocar sua competência, entusiasmo e bom-humor a serviço deste
trabalho.

   Aos amigos Zé Luiz Sanz e Cristina Cavallo, minha gratidão pelo apoio
generoso e a infalível disponibilidade.

   Finalmente, sou grato à Denise -minha mulher- e aos meus filhos Ana,
Nina e Rafael, por compreenderem e apoiarem um projeto pessoal cuja
realização exigiu tanto tempo e devotamento. A eles dedico esta dissertação.
SUMÁRIO




LISTA DE FIGURAS                                           5
RESUMO                                                     9
ABSTRACT                                                  10

1. INTRODUÇÃO                                             11

2. ARTE E DESIGN: A FRÁGIL (MAS PERSISTENTE) DISTINÇÃO    18

3. ALOÍSIO MAGALHÃES                                      34

  3.1. ALOÍSIO, POLÍTICO                                  39

  3.2. ALOÍSIO, PINTOR                                    47
        3.2.1. O desencanto com a pintura                 58

  3.3. ALOÍSIO, DESIGNER                                 60

4. O CARTEMA                                              73

  4.1. A GÊNESE                                           73
        4.1.1. Expressão e risco: os “anos de chumbo”     77

  4.2. ANALOGIAS VISUAIS E INFLUÊNCIAS                    82
        4.2.1. Livres associações à margem da arte        94

  4.3. PRINCÍPIOS ESTRUTURAIS E CONFIGURAÇÃO              99

  4.4. CARTEMAS DE ALOÍSIO MAGALHÃES - REPRODUÇÕES       111

5. CONCLUSÃO                                             113

REFERÊNCIAS                                              121

ANEXO                                                    125
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 .............................................................................................................................. p. 12
[1.3] Rodovia Castelo Branco, São Paulo, cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982); [1.1] e [1.2]
Imagens produzidas pelo autor, a partir de fotografia do cartema.
Figura 2 ............................................................................................................................... p. 14
Calendário UFF 2000, impresso, 14 páginas, formato 42 x 34 cm, relização da Universidade Federal Fluminense. Fotografia
produzida pelo autor.
Figura 3 ............................................................................................................................... p. 19
[3.1] As sabinas que interrompem o combate entre romanos e sabinos, de Jacques-Louis David (ARGAN, 1992, p. 21); [3.2] ¡No
te escaparás!, de Francisco Goya (idem, p. 43); O ancião dos dias, de William Blake (GOMBRICH, 1977, p. 387).
Figura 4 ............................................................................................................................... p. 22
[4.1] Página do Evangelho de Lindsfarne, autor não identificado (GOMBRICH, 1977, p. 116); [4.2] Detalhe de página de livro
holandês do século XIV (RIBEIRO, 1987, p. 44).
Figura 5 ................................................................................................................................ p. 23
[5.1] Página do livro Poems by the Way, de William Morris (HOLLIS, 2001, p. 20); [5.2] Colófão da Kelmscott Press, de William
Morris (<http://www.lib.umich.edu/spec-coll/morris/> ; acesso em 06.08.2003).
Figura 6 ................................................................................................................................ p. 24
[6.1] Jane Avril, de Henri Toulouse-Lautrec (MULLER, 1966, vol. 68, p. 18); [6.2] France-Champagne, de Pierre Bonnard
(SELZ, 1971, prancha 4).
Figura 7 ................................................................................................................................ p. 24
Loïe Fuller, de Jules Chéret (SELZ, 1971, prancha 5).
Figura 8 ................................................................................................................................ p. 26
[8.1] Medéia, de Alphonse Mucha (ARGAN, 1992, p. 205); [8.2] I Exposição da Secessão Vienense, de Gustav Klimt (idem, p.
173); [8.3] Tropon, de Henri Van de Velde (id., p. 184).
Figura 9 ................................................................................................................................ p. 27
[9.1] Papier Collé, de Pablo Picasso (MULLER, 1966, vol. 70, p. 9); [9.2] Les formes musicales, de Georges Braque (<http://
k_kenar.webpark.pl/galeria.htm>; acesso em 07.08.2003); [9.3] Syphon, verre et journal, de Juan Gris (<http://www.
postershop.com/Gris-Juan/>; acesso em 07.08.2003).
Figura 10 .............................................................................................................................. p. 27
[10.1] Small Dada, de Kurt Schwitters e Theo van Doesburg (<http://personal.cityu.edu.hk/~entim/Professional/Courses/EN3524/
Modernism/Small_dada_1922.jpg>; acesso em 12.08.2004); [10.2] Das Kotsbild, de Kurt Schwitters (<http://faculty.
washington.edu/dillon/rhethtml/dadamaps/dadam287.jpg>; acesso em 12.08.2004); [10.3] Eclipse parcial com Monalisa, de
Kasimir Malevitch (<http://www.museoscienza.it/leonardo/light/images/malev.jpg>; acesso em 21.10.2004).
Figura 11 .............................................................................................................................. p. 48
Aloísio em seu atelier da Rua da Aurora, no Recife (LEITE, 2003, p. 39).
Figura 12 .............................................................................................................................. p. 52
Sem Título, de Aloísio Magalhães (idem, 2003, p. 56).
Figura 13 .............................................................................................................................. p. 53
Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53).
Figura 14 .............................................................................................................................. p. 53
Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53).
Figura 15 .............................................................................................................................. p. 53
Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53).
Figura 16 .............................................................................................................................. p. 55
Monotipia, de Aloísio Magalhães (id., p. 46); tipográfica sobre papel, de Aloísio Magalhães (id., p. 57); aquarela, de Aloísio
Magalhães (id., p. 47); cartema, de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 105).
Figura 17 .............................................................................................................................. p. 57
Símbolo d’O Gráfico Amador, de Aloísio Magalhães (ESCOREL, 2000, p. 106).
Figura 18 .............................................................................................................................. p. 62
Adaptações do símbolo do IV centenário da cidade do Rio de Janeiro -de Aloísio Magalhães- em pipa, vestuário e fantasia de
carnaval (REDIG, 1989, p. 107) e em piso de calçada e carrinho de ambulante (LEITE, 2003, p. 173).

                                                                                                                                             5
Figura 19 ............................................................................................................................. p. 63
Símbolo original do IV centenário, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 170); esquemas construtivo e associativo do símbolo
preparados pelo autor.

Figura 20 ............................................................................................................................. p. 63
Diferentes versões do símbolo da Light, de Aloísio Magalhães (ESCOREL, 2000, p. 116).

Figura 21 ............................................................................................................................. p. 63
Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para a Itaipu Binacional (REDIG, 1989, p. 105); para o Banco Boavista (LEITE, 2003,
p. 216) e a Metalúrgica Icomi (idem, p. 164).

Figura 22 ............................................................................................................................. p. 63
Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para o Banco Nacional (REDIG, 1989, p. 105); para o Banco Aliança (LEITE, 2003, p.
186); para a Companhia Souza Cruz (REDIG, 1989, p. 105).

Figura 23 ............................................................................................................................. p. 64
Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para o Banco de Crédito Mercantil (LEITE, 2003, p. 165); para o Unibanco e para o
Banespa (REDIG, 1989, p. 105).

Figura 24 ............................................................................................................................. p. 64
Capas dos exemplares nº 4 -de Hermelindo Fiaminghi- e nº 1 -de Décio Pignatari- da revista Noigandres (<http://www.obraprima.net/
materias/html693/html693.html>; acesso em 17.04.2004).

Figura 25 ............................................................................................................................. p. 65
Poesia “Eis os amantes”, de Augusto de Campos, do ano de 1953 (<http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm>;
acesso em 17.04.2004).

Figura 26 ............................................................................................................................. p. 65
Poesia concreta “Beba coca cola”, de Décio Pignatari, do ano de 1957 (<http://www.tanto.com.br/luizedmundo-concret.htm>;
acesso em 17.04.2004).

Figura 27 ............................................................................................................................. p. 66
Pinturas [27.1] Movimento Contra Movimento (LEITE, 1982, p. 922) e [27.2] Função Diagonal (ZANINI, 1983, p. 662), de
Geraldo de Barros; [27.3] símbolo para a Cofap (BORGES, 1992, p. 86), de Alexandre Wollner.

Figura 28 ............................................................................................................................. p. 66
[28.1] Logotipo para Cotonifício Capibaribe (LIMA, 1997, p. 39) e [28.2] aplicação de logotipo em veículo (LEITE, 2003, p.
198), criações da PVDI, escritório de Aloísio Magalhães; [28.3] peças publicitárias diversas (LEON, 1992, p. 80), [28.4] sacola
de compras para Casa Almeida (idem, p. 81) e composição/logotipo para Balas Belavista (id., p. 80), de Ruben Martins.

Figura 29 ............................................................................................................................. p. 67
Símbolos: [29.1] criação de Alexandre Wollner (BORGES, 1992, p. 86); [29.2] criação de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 77);
e [29.3] criação de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 169).

Figura 30 ............................................................................................................................. p. 67
Símbolo do Hotel Tropical, de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 81); símbolo do Clube Hípico da Bahia, de Aloísio Magalhães
(LEITE, 2003, p. 217).

Figura 31 ............................................................................................................................. p. 68
Associação conceitual do símbolo para o Hotel Tropical, de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 81) e estudo tridimensional do
símbolo do Clube Hípico da Bahia, de Aloísio Magalhães (LEITE, p. 217).

Figura 32 ............................................................................................................................. p. 69
Símbolos -de Aloísio Magalhães- para: [32.1] Banco Mercantil de Pernambuco (REDIG, 1989, p. 105); [32.2] Laboratório
Maurício Vilella (LEITE, 2003, p. 154); e [32.3] Banco Comercial Brasul (idem, p. 186).

Figura 33 ............................................................................................................................. p. 69
Símbolos -de Aloísio Magalhães- para: [33a] o Sesquicentenário da Independência do Brasil (LEITE, 2003, p. 206) e para [33b]
o Banco Central do Brasil (idem, p. 155).

Figura 34 ............................................................................................................................. p. 69
Design -de Aloísio Magalhães- para Produtos Guri, com aplicação em itens diversos (LEITE, 2003, p. 188).

Figura 35 ............................................................................................................................. p. 70
Projeto de identidade visual para a Petrobrás, de Aloísio Magalhães: aplicação em letreiros [35.1] suspenso (REDIG, 1989, p.
108) e [35.2] de solo (LEITE, 2003, p. 205), em [35.3] veículos (REDIG, 1989, p. 108) e em [35.4] bombas de combustíveis
(LEITE, 2003, p. 204).


                                                                                                                                           6
Figura 36 ............................................................................................................................. p. 70
Anverso e verso de cédula de NCr$ 1,00 -um cruzeiro novo- (<http://www.bcb.gov.br/htms/museu-espacos/cedulas/>; acesso em
20.05.2004), design de Aloísio Magalhães, impressa no Brasil e lançada no ano de 1967.

Figura 37 ............................................................................................................................. p. 71
Anverso e verso de cédula de Cr$ 500,00 -quinhentos cruzeiros- (LEITE, 2003, p. 211), lançada em 1972; design de Aloísio Magalhães.

Figura 38 ............................................................................................................................. p. 71
Anverso e verso das cédulas de Cr$ 1.000,00 -mil cruzeiros- (<http://www.bcb.gov.br/htms/museu-espacos/cedulas/>; acesso
em 20.05.2004) emitidas em 1977; design de Aloísio Magalhães.

Figura 39 ............................................................................................................................. p. 74
Impressora offset da Casa da Moeda do Brasil (<http://www.casadamoeda.com.br/produtos/prodcedu.htm>; acesso em 21.05.2004).

Figura 40 ............................................................................................................................. p. 80
Inserções em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles (Enciclopédia de artes visuais, em <http://www.itaucultural.org.br>;
acesso em 09.10.2004).

Figura 41 ............................................................................................................................. p. 83
[41.1] Moça Afogada, de Roy Liechtenstein (ARGAN, 1992, p. 582); [41.2] O Bandido da Luz Vermelha, de Cláudio Tozzi
(ZANINI, 1983, p. 751).

Figura 42 ............................................................................................................................. p. 84
[42.1] Berço Esplêndido, de Carlos Vergara (ZANINI, 1983, p. 744); [42.2] Cama, de Robert Rauschenberg (ARGAN, 1992, p. 576);
[42.3] Três Bandeiras, de Jasper Johns (<http://artwork.barewalls.com/product/framer.exe?ARTWORKID=13136&ITEMID=13136>;
acesso em 11.10.2004).

Figura 43 ............................................................................................................................. p. 86
Fruteira e copo, de Georges Braque (<http://www.artchive.com/artchive/B/braque/papcol1.jpg.html>; acesso em 30.05.2004).

Figura 44 ............................................................................................................................. p. 87
[44.1] Rodovia Castelo Branco, São Paulo, cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982); [44.2a a 44.2d]
Simulações preparadas pelo autor para esta dissertação.

Figura 45 ............................................................................................................................. p. 88
[45.1] Símbolo do Unibanco, de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 105); [45.2a] Moebius strip e [45.2b] Knots, de M. C.
Escher (ERNST, 1986, p. 99 e 101).

Figura 46 ............................................................................................................................. p. 89
[46.1] Litogravura, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 78); [46.2] Belvedere (e detalhe), de M. C. Escher (ESCHER, 1994,
prancha 74).

Figura 47 ............................................................................................................................. p. 89
[47.1] Imagem produzida pelo autor, a partir de fotografia do cartema; [47.2] Plane-filling motif with crabs, de M. C. Escher
(<http://www.mcescher.com/Gallery/symmetry-bmp/E40.jpg>; acesso em 12.11.2004).

Figura 48 ............................................................................................................................. p. 90
[48.1] Um outro mundo II, de M. C. Escher (ESCHER, 1994, prancha 60); [48.2] Em cima e embaixo, de M. C. Escher (ESCHER,
1994, prancha 61).

Figura 49 ............................................................................................................................. p. 91
Oito cabeças, de M. C. Escher (ESCHER, 1994, p. 4).

Figura 50 ............................................................................................................................. p. 91
[50.1] Detalhe de nota de NCr$ 1,00, preparado pelo autor a partir da imagem mostrada na figura 36; [50.2] Símbolo do Banespa,
de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 05).

Figura 51 ............................................................................................................................. p. 95
[51.1] Carta de baralho digitalizada pelo autor; [51.2] (V. figura 1.2); [51.3] (V. figura 38).

Figura 52 ............................................................................................................................. p. 96
Imagens caleidoscópicas: [52.1] (<http://www.geocities.com/zuliram_es/images/palmerasdecasa_caleidoscopio.jpg>; acesso em
01.12.2004); [52.2] (<http://www.brewstersociety.com/images.html>; acesso em 01.12.2004); [52.3] (<http://
www.kaleidoscopecollector.com/ade.html>; acesso em 01.12.2004).

Figura 53 ............................................................................................................................. p. 97
Três representações do oroboro: [53.1] (<http://www.terra.com.br/planetanaweb/341/fotos/reconectando_b.jpg>; acesso em
01.12.2004); [53.2] (<http://members.tripod.com/smittyjr_11/ouroboros.html>; acesso em 01.12.2004); [53.3] (<http://
abacus.best.vwh.net/oro/oro2.gif>; acesso em 01.12.2004).

                                                                                                                                           7
Figura 54 ........................................................................................................................... p. 100
Conjunto de ilustrações preparadas pelo autor para esta dissertação.

Figura 55 ............................................................................................................................ p. 101
Praia de Copacabana - Rio, cartema de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, prancha 5).

Figura 56 ........................................................................................................................... p. 102
Conjunto de ilustrações preparadas pelo autor para esta dissertação.

Figuras 57 e 58 ................................................................................................................... p. 103
Idem.

Figura 59 ........................................................................................................................... p. 104
Idem.

Figura 60 ........................................................................................................................... p. 105
Idem.

Figuras 61, 62 e 63 .............................................................................................................. p. 106
Idem.

Figura 64 ........................................................................................................................... p. 108
Cartema da Série Barroca, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 73).

Figura 65 ........................................................................................................................... p. 108
Cartema da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, prancha 24).

Figura 66 ........................................................................................................................... p. 109
Ilustração preparada pelo autor para esta dissertação.

Figura 67 ........................................................................................................................... p. 111
Cartema São Paulo, Largo do Paissandu, de Aloísio Magalhães, c. 1973, acervo Banco Itaú S.A. (<http://www.itaucultural.org.br/
bcodeimagens/imagens_publico/005408001013.jpg>; acesso em 22.10.2004)

Figura 68 ........................................................................................................................... p. 112
Cartema da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães, 1974 (LEITE, 2003, p. 69).

Figura 69 ........................................................................................................................... p. 112
Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães, 1972 (LEITE, 2003, p. 71).

Figura 70 ........................................................................................................................... p. 113
Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães, 1973 (REDIG, 1989, p. 105).

Figura 71 ........................................................................................................................... p. 113
Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, capa).

Figura 72 ........................................................................................................................... p. 114
Índio Uaika, Amazonas, de Aloísio Magalhães, cartema da Série Brasileira (FUNARTE, 1982, prancha 2).

Figura 73 ........................................................................................................................... p. 114
Grutas do Mar Morto, Israel, de Aloísio Magalhães, cartema da Série Internacional, 1974 (FUNARTE, 1982, prancha 10).

Figuras 74 e 75 .................................................................................................................... p. 115
Cartemas da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães, 1974 (FUNARTE, 1982, pranchas 13 e 21).




                                                                                                                                           8
RESUMO



        No ano de 1972, o artista plástico e designer brasileiro Aloísio Magalhães (1927-1982)
apresentava ao público, em exposição realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
os cartemas -o produto então mais recente de suas investigações no campo das artes visuais.
Consagrada pelos espectadores nesta e em outras mostras que se seguiram a ela no Brasil e no
exterior, a criação cartemática não foi recebida com semelhante entusiasmo por uma ala da crítica
e da classe artística da época. Se isto já expõe, à primeira vista, um conflito de expectativas entre
arte e público, revela também, num exame mais aprofundado da questão, que fatores exteriores
ao fato artístico em si contribuíram para dificultar a inserção dos cartemas -e mesmo do nome de
seu criador- nos registros da história oficial da arte no Brasil. Esta dissertação, ao mesmo tempo
que analisa a intrincada rede de acontecimentos, influências e motivações adjacentes à trajetória
e à produção artística de Aloísio Magalhães, constitui um esforço no sentido de recuperar, divulgar
e preservar, na memória da arte nacional, essa criação artística que, resistindo à ação
desvanecedora de mais de três décadas, segue vigorosa, surpreendendo olhares e animando
sensibilidades.


Aloísio Magalhães. Brasil: artes visuais. Cartões-postais. Cartema. Colagem. Design.




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ABSTRACT



        In 1972, Brazilian artist and designer Aloísio Magalhães (1927-1982) exhibited, in Rio
de Janeiro Museum of Modern Arts, the cartemas, then his newest production in visual arts.
Praised by audiences at this and following exhibitions in Brazil and abroad, his creation wasn’t
received with the same enthusiasm by many artists and art critics at the time. If this alone shows an
expectation conflict between art and public, further analysis will also show that elements other
than artistic have made their contribution to make cartema introduction – as well as its author
name – in official Brazilian art history harder. The present thesis, along with analysing the intricate
net of events, influences and motivations amid the trajectory and artistic production of Aloísio
Magalhães, aims to reclaim, spread and keep alive, in national art registers, this work that,
withstanding any fading effect three decades could have inflicted, goes on powerfully, amazing the
eye and cheering the sensibility.


Aloísio Magalhães. Brazil: visual arts. Cartema. Collage. Design. Postcards.




                                                                                                    10
1. INTRODUÇÃO


          Em fins da década de 1980, ao adquirir um exemplar do catálogo da exposição de
cartemas de Aloísio Magalhães realizada em 1982 pela FUNARTE -uma homenagem póstuma
ao artista que falecera naquele mesmo ano-, pude experimentar sensações ambivalentes a
oscilarem entre um profundo encantamento e a mais trivial das invejas. Os cartemas, que
até então desconhecia, eram a materialização de uma idéia artística que poderia ou deveria,
como pretensiosamente me sugeriam tais sentimentos, ter ocorrido a mim. A comparação -
previsível pela recorrência em relatos semelhantes-, com alguns versos da composição Certas
Canções 1 , de Tunai e Milton Nascimento, torna-se então inevitável. Certamente, minha
formação em arquitetura, a incursão pelo território da ilustração e o cartum e a opção final
pelo design gráfico, são aspectos que facilitaram o processo de identificação pessoal com a
obra. E se declaro aqui minhas impressões, faço-o com o estrito objetivo de registrar o que
teria sido, à época, seu desdobramento natural: o desejo -e provável gérmen desta
dissertação- de aprofundar conhecimentos sobre a origem do cartema, ou mesmo de tentar
compreender a natureza do poder arrebatador daquela simples e inventiva exploração
estética.
          Para minha surpresa, constatei que os cartemas não eram um tema a respeito do
qual se pudesse obter referências com facilidade. Também não era (e continua sendo)
pequeno o número de pessoas que, mesmo familiarizadas com a produção recente da arte
brasileira, ignoravam por completo a existência desse trabalho artístico. Levando em conta
essa realidade, e em respeito a eventuais dúvidas, considero a conveniência de abrir aqui
um parêntese para falar brevemente sobre o que vem a ser o cartema.
          Começando pela etimologia, já que curiosamente os dicionários da língua portuguesa
não negaram registro ao termo como o fizeram alguns dicionários nacionais de arte, a palavra
cartema -um neologismo proposto pelo filólogo Antônio Houaiss para denominar a obra
ainda em seu nascedouro-, resulta da associação do radical cart- (de cartão-postal) com o
sufixo -ema (na acepção de “unidade mínima estrutural”), conforme destaca a edição do
ano de 2001 do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
          Como proposição estética, o cartema é um tipo particular de composição visual
modular, definida pela colagem sistematizada, sobre prancha rígida de papelão, de um


1 “Certas canções que ouço / Cabem tão dentro de mim / Que perguntar carece: / ‘Como não fui eu que fiz?!’ / ...”. Certas
Canções, de Tunai e Milton Nascimento, gravada originalmente no disco Anima (38min32seg), Ariola, Estéreo, Estúdio, 33 rpm,
12 pol, 3ª faixa, lado B, 3min39seg, 1982.

                                                                                                                        11
conjunto de cartões-postais visualmente idênticos e justapostos de modo a explorar
concordâncias formais singulares e efeitos ópticos ambíguos (fig. 1).
         Criação artística do pernambucano Aloísio Magalhães (1926 - 1982) na década de
1970, o cartema revelou-se uma solução que, já na origem, abalava convicções persistentes
acerca da dicotomia técnica/estética (aqui manifesta no confronto design/arte) e da crença,
herdada das vanguardas modernistas, de impossibilidade de diálogo entre obra de arte e
público.
         Movido mesmo pelo inconformismo com as tendências soliloquistas da produção
artística brasileira de então, a conflitarem com o interesse que sempre nutriu pelas
manifestações da cultura popular e com o seu desejo de interação com o coletivo, Aloísio

                                     1                                                  2




  Figura 1 - Da associação planejada do módulo -o cartão-postal (1)- chega-se ao super-módulo
  (2), a partir do qual constrói-se o cartema (3)


  3




                                                                                                12
abandonou a pintura -que exercera desde a primeira metade dos anos 1950- para dedicar-
se, no início da década de 1960, à comunicação visual. O exercício do design, profissão
que ele ajudara a implantar em nosso país e que desempenharia com brilhantismo pelos
aproximados quinze anos seguintes, foi o caminho que, em última análise, o levou à invenção
dos cartemas em 1972. Por fim, assumindo de vez a “causa” da identidade nacional, Aloísio
voltou-se para o campo da política governamental brasileira para o patrimônio e a cultura,
onde atuou -aí também com reconhecida competência- até o fim da vida, em 1982.
        Se a passagem pelo campo do design -essa área do saber que tem na comunicação
um de seus pressupostos fundamentais- foi a grande oportunidade de Aloísio para atingir
sua meta de interação com o grande público, a invenção dos cartemas foi, agora no território
da criação sem fins de consumo, o coroamento dessa conquista. Se por este motivo, ou se
pelos surpreendentes efeitos visuais da obra, o fato é que os cartemas atraíram sempre
quantidades expressivas de espectadores às diversas ocasiões em que foram exibidos em
museus e galerias do Brasil e do exterior.
        Contudo, o período transcorrido desde a última mostra expressiva dos cartemas -
uma homenagem póstuma que em 1983 percorreu dez grandes capitais no país- até os dias
atuais, parece ter feito volatilizar-se quase por completo aquele entusiasmo com que foi
recebida e celebrada essa criação do artista, suscitando algumas reflexões a respeito do
grau de importância conferido à obra de Aloísio Magalhães no âmbito da história da arte
brasileira.
        Feitos os esclarecimentos, fecho o parêntese para retomar a narrativa do ponto em
que foi interrompida, quando então os cartemas despertaram meu interesse e admiração.
Interesse e admiração que, lá por meados dos anos 1990, por obra do tempo e da rotina,
começavam a se acomodar em algum compartimento pouco solicitado da memória, enquanto
o catálogo dos cartemas espremia-se entre outras publicações numa prateleira pouco visitada
da biblioteca.
        Foi preciso que alguns anos se passassem até que, em 1998, uma intenção acadêmica
objetiva me levasse a resgatar os cartemas da memória e da estante de livros. Decidi incorporá-los
aos exercícios aplicados regularmente na disciplina Técnicas de Visualização, que então lecionava
no curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal Fluminense. Estava ali meu primeiro
campo coletivo de observação. As reações invariavelmente admiradas dos alunos diante dos cartemas
ali produzidos, converteram-se logo em estímulo para ações de maior amplitude. Assim, no advento
do ano 2000, contagiados por aquela euforia generalizada que atropelava posições mais ortodoxas

                                                                                               13
e antecipava em um ano o início do novo século, oferecíamos à administração da universidade,
como peça comemorativa e de divulgação institucional, o projeto gráfico (desta vez um trabalho da
disciplina Planejamento Visual e Produção Gráfica) de um calendário de parede ilustrado com imagens
“cartemizadas” do ambiente e cotidiano universitários. Passados quase trinta anos do aparecimento
do cartema, o mundo da tecnologia nos emprestava suas facilidades para a construção de cartemas
digitais, com programas gráficos e periféricos a substituir esquadros, réguas e colas Phênix,
indispensáveis aos cartemas artesanais. Vantagens e prejuízos à parte, o fato é que a invenção
estética de Aloísio Magalhães, estendida, como era seu propósito, a qualquer indivíduo disposto a
reproduzi-la - e aqui posso me incluir -, continuava a surpreender olhares e a confirmar o que seu
idealizador já constatara à época: ninguém fica indiferente ao cartema. Sentíamo-nos, assim, os
alunos e eu, bastante à vontade para veicular as propostas cartemáticas produzidas em sala de aula,
na medida em que a isso nos autorizava aquele desejo de compartilhamento manifestado por seu
idealizador. Naturalmente, dedicamos um espaço do calendário a informações relativas a Aloísio
Magalhães e seus cartemas, ao mesmo tempo uma homenagem a esse brasileiro de tantos fazeres2
e uma tentativa de resgate daquela (literalmente) admirável técnica de expressão artística.
          Contudo, à medida que o projeto evoluía, íamos nos dando conta -com algum
estranhamento, vale dizer- da dificuldade na obtenção de informações textuais sobre os cartemas;
situação que o prazo curto e as precárias condições operacionais de que dispúnhamos se
encarregavam de não facilitar. Trabalhamos, então, dentro dos limites impostos por essa realidade.
          O Reitor, que aceitara nosso convite para comparecer à classe e ser apresentado
pelos alunos à proposta, acolheu o projeto
com entusiasmo, nos autorizando a produzi-lo.
          O calendário (fig. 2) foi produzido e, ao
final, o gabinete do Reitor que se encarregara da
distribuição, controlada e dirigida a setores
internos e externos à Universidade, viu esgotar-
se com surpreendente velocidade a tiragem de
três mil exemplares. As muitas manifestações
de apoio à iniciativa, levadas ao nosso
conhecimento pelos funcionários envolvidos                           Figura 2 - O calendário da UFF, comemorativo do ano 2000, com
                                                                              imagens cartemizadas do ambiente universitário.
no processo, foram o meio através do qual


2
 Aloísio Magalhães foi titereiro, cenógrafo, gravador, pintor, gráfico, designer e, por fim, homem público engajado na política
cultural governamental.

                                                                                                                                14
pude aferir e confirmar, mais uma vez e agora num universo de análise bastante ampliado e
heterogêneo, o poder de sedução visual do cartema.
          Todavia, ao passo que crescia meu interesse pelo assunto, igualmente ganhavam
intensidade as dúvidas e estranhamentos decorrentes do aparente descaso com que a
literatura especializada trata os cartemas (ao contrário do que ocorre, por exemplo e sem
comparações apressadas, com seus quase contemporâneos, os objetos relacionais de Lygia
Clark ou os penetráveis e os parangolés de Hélio Oiticica) e, mesmo, a passagem de
Aloísio Magalhães pelas pertenças da arte. Mas, se de um lado a perspectiva insinuada pelo
quadro descrito conduzia ao desalento, por outro o ineditismo 3 do tema tornava-o
particularmente instigante. Decidi-me pela segunda via, cujo trilhamento, orientado pelos
fundamentos da ciência e da arte e entremeado dos prazeres e angústias próprios à
empreitada, desembocou nesta dissertação.
           Em linhas gerais, essas foram as circunstâncias que conformaram o arcabouço desta
pesquisa, cujo subtítulo parece denotar uma demarcação estanque dos domínios da arte e
do design. Aqui, no entanto, valho-me da comparação não como reforço de uma suposta
dicotomia, mas tão-somente como artifício metodológico, pensado para ajudar a limpar o
terreno de concepções equivocadas acerca das particularidades que distinguem estes dois
universos da produção humana. E nessa distinção apóia-se, de certo modo, a questão central
deste trabalho, qual seja: os cartemas de Aloísio Magalhães, ao conjugar fundamentos
conceituais da arte a pressupostos comunicacionais do design, não se revelam igualmente
obra de arte e design, um ponto de encontro entre estas duas atividades?
          Se observado sob o prisma da multidisciplinaridade, o problema que aí se coloca
aponta para desdobramentos nos campos específicos da Arte, da Comunicação, da Política,
da História, da Sociologia, da Cultura e da Ideologia, mas se apóia, fundamentalmente, na
combinação dos vários aspectos que, numa certa conjuntura espaço-temporal, forjaram o
ambiente social no qual atuou Aloísio Magalhães.
          Dessa forma, considerada a complexa teia dos acontecimentos ocorridos no Brasil
nas décadas de 1960 e 1970, questões subsidiárias -gerais e específicas- se desprendem
daquela, central, suscitando reflexão.

3
  Quando já havia trilhado metade do caminho, recolhido informações relevantes para o trabalho e constatado que a contribuição
de Aloísio para a cultura brasileira tal como ela se configura atualmente ia bem mais além do que pude supor de início, fui
surpreendido pelo mercado editorial com a publicação do livro “A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães” (LEITE,
João de Souza (org.). A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva / Senac Rio, 2003.). A
frustração com a perda do ineditismo, que ameaçou trocar de posição o instigante e o desalento, não impediu que a obra viesse a
se tornar, ao fim e ao cabo, um valioso instrumento de consulta.

                                                                                                                           15
Em resumo, estes são alguns dos aspectos que concorreram para a formatação deste
trabalho nos moldes que passo a descrever.
       O próximo capítulo [cap. 2 – Arte e design: a frágil (mas persistente) distinção] abre
a discussão sobre a delimitação das fronteiras entre a arte e o design, como decorrência da
antiga questão estética-técnica cuja origem, por sua vez, antecede mesmo ao surgimento do
desenho industrial como atividade socialmente reconhecida. Aqui, através da recuperação
de passagens da história dessas duas áreas da produção humana, procuro demonstrar que
esse convívio, nem sempre tranqüilo, foi sempre profícuo. Para tanto e como reforço de
argumentação, recorri às análises críticas da questão a que procederam Giulio Carlo Argan
(sob a ótica da finalidade) e Pierre Francastel (a origem na filosofia); além deles, amparei-
me também no referencial histórico-sociológico de Arnold Hauser. De Ernest H. Gombrich
vieram os imprescindíveis fundamentos histórico-analíticos da arte mundial.
       A seguir [cap. 3 - Aloísio Magalhães], procurei desenvolver uma biografia comentada
de Aloísio Magalhães, restrita ao período em que ele se dedicou à pintura, às artes gráficas,
ao design e à política, no intuito de localizar um fio condutor, um traço comum em suas
realizações, capaz de fazer entender os caminhos que o levaram à invenção do cartema.
Procedendo, então, à revisão de literatura sobre a relevância da obra e a trajetória desse
artista pernambucano no âmbito da produção de arte brasileira, constatei um sintomático
desequilíbrio de registros; se por um lado é grande o número de referências documentais
que tratam de sua passagem pelos organismos oficiais de gestão da cultura, ou acerca do
período em que se envolvera na criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI),
no Rio de Janeiro, ou ainda, que assinalam seu papel pioneiro na implementação e no
desenvolvimento do design no Brasil relacionando premiações e trabalhos realizados na
área da comunicação visual, por outro é escassa a literatura específica sobre os cartemas.
       Desse modo, foi necessário recorrer a consultas diretas, via telefone ou correio
eletrônico, a pessoas de algum modo ligadas ao artista, bem como a pesquisas documentais
no setor de Documentação e Pesquisa do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no
acervo de correspondências pessoais de Aloísio Magalhães, doado por sua viúva à Fundação
Joaquim Nabuco, de Recife. Dentre os inúmeros títulos da bibliografia, três publicações,
relativamente recentes, foram particularmente valiosas na elaboração deste capítulo: A
herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães (2003), organizado por João de Souza
Leite; O Gráfico Amador (1997), de Guilherme Cunha Lima; e A retórica da perda (2000),
de José Reginaldo dos Santos Gonçalves.

                                                                                          16
O capítulo seguinte [cap. 4 - O cartema] é dedicado à análise dos cartemas: sua
origem, o contexto social e político brasileiro nos anos 1970, seu discurso, suas
particularidades estético-compositivas e analogias visuais possíveis. Nele, sempre a partir
de uma perspectiva histórica, busco comparar as reações dos artistas brasileiros diante da
ação da censura imposta pelo governo militar; analiso atributos supostamente capazes de
conferir valor a uma produção em arte; e, num exercício de quase fenomenologia, devaneio
pelo território das coincidências à cata de associações (im?)prováveis.
       Aqui, vali-me novamente de G. C. Argan e de sua profunda análise das teorias,
tendências e procedimentos da arte moderna mundial, e de E. H. Gombrich, um reforço de
base para estudos comparativos entre a configuração cartemática e produções artísticas de
diferentes culturas e períodos.
       Quanto à conclusão, o que posso afirmar com clareza é que este não será -e nem
seria possível ser- um trabalho definitivo, no sentido de esgotamento do tema pesquisado
ou de comprovação de todas as questões havidas -ingenuamente- como comprováveis ao
início da jornada. Será, disto estou certo, uma contribuição para o estudo e difusão dessa
surpreendente e generosa invenção de Aloísio Magalhães. Será, ainda, uma oportunidade
de colaborar para o entendimento das intrincadas relações que cercam um processo de
criação e que, muitas vezes, enformam o resultado do trabalho criativo. Será, também, uma
ajuda à reflexão sobre o que seriam as fronteiras entre arte e design, ou mais precisamente
entre as artes ditas visuais e o design gráfico, para que se possa entender, por fim, que os
cartemas de Aloísio Magalhães inscrevem-se exatamente aí, nesse espaço de interpenetração
de campos, configurando-se um ponto de encontro entre a arte e o design. E será, espero,
uma idéia-semente à espera de uma vontade criadora qualquer, capaz de acolhê-la, plantá-
la e, quem sabe, fazê-la germinar e frutificar em belos cartemas.




                                                                                         17
2. ARTE E DESIGN: A FRÁGIL (MAS PERSISTENTE) DISTINÇÃO


       O recurso a expressões que antagonizam técnica e estética não é incomum. Na
verdade, a cada vez que nos utilizamos do vocábulo artes, dadas as possibilidades de
interpretação que o plural lhe acrescenta, poderemos estar, inadvertidamente, contribuindo
para consolidar essa idéia de oposição geralmente assente no pressuposto de que técnica
significa habilidade e que estética é um atributo indissociável e exclusivo da arte. Nesse
sentido limitado -se se restringe a discussão à arte e ao design-, à arte não caberia senão
uma destinação (um fim) espiritual, enquanto que o design, entendido como forma de arte
aplicada, engendrado e conduzido por interesses fundamentalmente comerciais, estaria
associado, desde sempre, a uma função utilitária, material.
       Neste capítulo, pretendo refletir não a respeito da origem, mas sobre alguns dos
momentos ou eventos no curso da história moderna em que a produção em Arte -numa
ampla significação- deu sinais claros do desgaste dessa discussão, e buscar, através da
ótica da finalidade do trabalho criativo e da confrontação de ocorrências na literatura recente,
demonstrar que o tema ainda faz por merecer a atenção de diferentes autores, como é
possível verificar no que avalia E. H. Gombrich (1977, p. 474):

                       Após os balbucios e hesitações do século XIX, os modernos arquitetos
                       encontraram seu rumo [...]. Quanto à pintura e escultura, a crise ainda
                       não saiu do ponto de perigo. Apesar de algumas experiências
                       promissoras, ainda subsiste uma lamentável brecha entre o que é
                       qualificado de arte “aplicada” ou “comercial”, que nos rodeia na vida
                       cotidiana, e a arte “pura” de exposições e galerias, que muitos têm
                       dificuldade em entender.



       Mas esta opção do artista pela arte “pura”, ou l’art pour l’art, é antes uma atitude
reativa que o resultado de ações legítimas na perseguição de novas formas de expressão, e
remonta aos efeitos das profundas mudanças nas estruturas sociais da Europa, ocorridas
por obra da filosofia das Luzes no decurso do século dezoito.
       De fato, desde que os ideais iluministas forçaram a reorganização dessas sociedades
e, ato contínuo, deslocaram os artistas de sua inserção social tradicional -deixando-lhes por
conseqüência a oportunidade de romper com os cânones então vigentes da realização
artística-, a Arte remodelou seu perfil, expurgando de sua (re)nascente conformação toda e
qualquer atividade a ela historicamente associada, passível de ser considerada um ofício, o
exercício puro e simples de uma habilidade técnica.
                                                                                             18
Essa “alforria” da imaginação criadora -contemporânea da Revolução Francesa-
não fora, é certo, assimilada da mesma forma pelo meio artístico que se dividia, na passagem
do século XVIII, entre aqueles que talvez tocados pela pedagogia das Luzes defendiam
uma finalidade social para a arte, e os que, protegidos pelo patrocínio oficial, contestavam
veementemente essa possibilidade abrigando-se nas hostes das academias; cisão que, por
desdobramento, se confirmaria também no plano representacional, entre os que em sua
obra privilegiariam temas clássicos ou heróicos -como o fizera Jacques Louis David-, e
aqueles que explorariam a representação poética dos devaneios e visões pessoais, como no
caso de Francisco Goya e William Blake (fig.3). Porém, ainda que tivesse havido essa


                                                            1         2                                            3




    Figura 3 - Diferentes caminhos na representação: o academicismo de J.-L. David (1), contemporâneo de Francisco Goya (2) e William Blake (3).




“ruptura da tradição” (nos dizeres de Gombrich) a significar conflitos no âmbito das artes,
isto não implicou em mudanças imediatas e expressivas no domínio das culturas regionais,
preservadas em suas bases historicistas e utilizadas pelas classes dominantes como poderoso
instrumento ideológico1 .
           Um efeito direto desse processo de convulsão interna por que passou a arte, foi
que os artesãos -colaboradores tradicionais das artes- viram-se desligados, já no século
XVIII, da comunidade dos artistas e, conseqüentemente, privados de sua participação
criadora nas realizações da alta cultura. Por força dos interesses corporativos da classe
artística -que encontraria na questão da técnica e da estética um de seus argumentos-, seria
então reservada ao artesanato a condição de atividade estritamente técnica, segundo aquela
concepção de técnica como simples prática ou habilidade de execução de um trabalho ou
tarefa. Inevitavelmente, o mercado de trabalho dos artesãos retrair-se-ia por impacto dessa
investida expurgatória.
1
 Cf. MAYER, Arno. Culturas oficiais e vanguardas. In: A força da tradição: a persistência do antigo regime. São
Paulo: Cia. das Letras, 1987.

                                                                                                                                                   19
Embora a produção de objetos de uso e de arte popular, estimulada desde o século XVI
pela revolução comercial, significasse ainda -e agora em seu apogeu- oportunidade de trabalho
para os artesãos, “à medida que crescia o mercado exportador, a especialização regional em
certos ofícios artesanais tornou-se ainda mais acentuada do que antes” (BURKE, 1999, p. 269),
propiciando o surgimento de centros de artesanato especializados capazes de suprir demandas
não apenas locais, como também nacionais ou internacionais; estes centros, ofertando produtos a
preços mais acessíveis do que poderia fazê-lo a produção artesanal usualmente voltada ao
atendimento de exigências pessoais, logo recorreriam a processos mecânicos de produção e à
estandardização dos objetos. A esse respeito, relata Burke (1999, p. 269)que, entre outras,

                         [...] A indústria de azulejos de Leeuwarden, Haarlem, Amsterdam,
                         Dordrecht e outros centros dos Países Baixos atingiu seu auge entre
                         1600 e 1800; os azulejos, pintados com barcos, moinhos de vento,
                         tulipas, soldados e muitos outros motivos, eram populares não só a
                         nível nacional, mas também na Inglaterra e Alemanha. [...] Ao longo
                         do século XVIII, os desenhos dos azulejos holandeses foram se
                         simplificando até umas poucas pinceladas rápidas, e passou-se a usar
                         métodos semimecânicos, como o emprego de matrizes. Era questão
                         de apenas uma ou duas gerações antes que o objeto artesanal, feito a
                         mão, começasse a ceder ao objeto padronizado, feito a máquina e
                         produzido em massa.



        Dessa forma, a revolução comercial, que impulsionara a produção artesanal de
objetos, contribuía igualmente para o seu fim, na medida em que, em associação com outra
revolução, a industrial, transformava o objeto único em produto em série e o artesão
independente, se tanto, em operário assalariado. Porém, se esse amargo desfecho não
confirmava para os artesãos os pressupostos iluministas da felicidade e prosperidade humanas
como decorrência do progresso e da razão, também teriam custado caro aos artistas aquelas
conquistas resultantes da insurreição contra os valores políticos, sociais e culturais
historicistas; pois até ali,

                         [...] sua posição na vida estava mais ou menos assegurada. Foi
                         justamente esse sentimento de segurança que os artistas perderam no
                         século XIX. A ruptura na tradição abrira-lhes um campo ilimitado de
                         opções. [...] Mas, quanto mais ampla se tornava a gama de opções,
                         menos provável era que o gosto do artista coincidisse com o do público.
                         [...] Assim, desenvolveu-se uma profunda brecha no século XIX entre
                         aqueles artistas cujo temperamento ou convicções lhes permitiam
                         obedecer às convenções e satisfazer a demanda do público e aqueles
                         que se orgulhavam de seu isolamento autodeterminado. (GOMBRICH,
                         1977, p. 397).


                                                                                              20
Todavia, o que o estado da arte na modernidade sugere é que, naquelas circunstâncias
espaço-temporais, prevaleceu o pensamento desse segundo grupo e cavou-se mais fundo o
fosso - simultânea e conseqüentemente- entre a arte e o público e entre a arte e a indústria.
         É certo que a incorporação de atributos estéticos aos produtos industrializados -ou
seja, a integração do artista no sistema de produção- não constituía, a priori, uma
preocupação da primeira revolução industrial; assim é que:

                             Na segunda metade do século XIX, os produtos de massa de uso diário,
                             que haviam escapado ao molde estilístico do artesanato tradicional,
                             são percebidos pela primeira vez como um problema estético. John
                             Ruskin e William Morris querem superar, por meio de uma reforma das
                             artes aplicadas, o abismo que separou utilidade e beleza no cotidiano
                             industrial (industrielle Lebenswelt). (HABERMAS, 1992, p. 134) 2



         No entanto, a luta empreendida por Ruskin e Morris extrapolava, como se sabe, o
âmbito puramente estético da produção industrial; para além desse aspecto, sua crítica
apontava para os efeitos perniciosos da prática capitalista à construção de uma sociedade
moralmente saudável, condição que consideravam indispensável à produção de uma arte
elevada. Na esteira do pensamento crítico de Thomas Carlyle, Ruskin foi:

                             [...] o primeiro a interpretar o declínio da arte e do gosto como indício
                             de uma crise geral da cultura e a exprimir o princípio fundamental, e
                             ainda hoje não devidamente apreciado, de que, se se quer despertar
                             nos homens o seu sentido de beleza e a sua compreensão da arte, há,
                             antes de mais nada, que modificar as condições em que eles vivem.[...]
                             William Morris, o terceiro na série dos críticos sociais representativos
                             da era vitoriana, pensa muito mais coerentemente e vai muito mais
                             longe do que Ruskin no campo da prática. Deste modo, é efetivamente
                             o maior, isto é, o mais audacioso, o mais intransigente dos vitorianos,
                             apesar de, mesmo ele, não ser completamente livre das suas
                             contradições e concessões. [...] Apesar da sua sã concepção da
                             realidade social e da função da arte na vida da sociedade, ele é um
                             romântico enamorado da Idade Média e do ideal medieval da beleza.
                             Prega a necessidade de uma arte criada pelo povo e dirigida a ele, mas
                             continua a ser um diletante hedonista, que produz coisas que só estão
                             ao alcance dos ricos e só os cultos podem gozar. Faz notar que a arte
                             provém do trabalho, da habilidade prática do artífice, mas é incapaz de
                             reconhecer o significado do moderno meio de produção mais importante
                             e mais prático – a máquina. (HAUSER, 1972, p. 994-996).



2
  A expressão “artes aplicadas” de que faz uso Habermas numa referência às críticas de Ruskin e Morris, acaba por
encerrar uma irônica inadequação, visto que Ruskin, na condição de porta-voz do grupo pré-rafaelista, insistia que: “A
arte é una, e qualquer separação entre belas-artes e artes aplicadas é destrutiva e artificial”. (Cf. DONDIS, Donis A.
Sintaxe da linguagem visual. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 10.)

                                                                                                                   21
Em Morris, no entanto -ressalva Hauser-, essa restrição
à produção mecânica teria sido menos rigorosa que em Ruskin,
e isto lhe permitira reconhecer que, em certas circunstâncias, as
invenções técnicas podiam vir a ser um bem para a humanidade.
            De qualquer modo, é desse estado de conflitos
deflagrado pela industrialização européia que “surge o projeto
industrial, ou seja, o meio através do qual um novo especialista,
o designer, passa a controlar o processo que vai da concepção                                1

do produto a seu uso” (ESCOREL, 2000, p. 35). Mas se é no
contexto dessa revolução que se situa a origem da ramificação
do design hoje denominada desenho industrial, sua outra
vertente, o design gráfico, também decorre, dentro de certos
limites, de um tipo particular de “revolução” desencadeada no                                2


século XV com a invenção ou aperfeiçoamento 3 da impressão
                                                                                         Figura 4 - Página do Evangelho de
tipográfica por Gutenberg -a da expansão do alfabetismo e da                             Lindisfarne (1) e letra capitular em livro
                                                                                         holandês do início do séc. XIV (2).
democratização do conhecimento.
            Embora a invenção do tipo móvel tenha substituído a tarefa manual da cópia de
livros -não sem antes enfrentar “séria oposição dos copistas, calígrafos e miniaturistas” 4 -,
não seria difícil constatar que algum tratamento visual próprio do design gráfico (por mais
que esta expressão esteja vinculada à produção em série) já existia antes mesmo de
Gutenberg; as iluminuras, as molduras, os padrões e geometrismos -como os do Evangelho
de Lindisfarne, de cerca de 700 d.C. (fig. 4.1)-, as letras capitulares (fig. 4.2), são exemplos
de recursos estéticos dos quais se valeram copistas e gravadores e que antecederam, ou
mesmo inspiraram, algumas das soluções visuais utilizadas na famosa Bíblia de 42 linhas -
uma versão da Bíblia Sagrada impressa por Gutenberg na primeira metade daquele século.
            Ao menos em parte, isto pode explicar o empenho de William Morris em resgatar
e reintroduzir nos produtos editoriais de sua época, por meio da então recente técnica da
fotografia, o desenho da tipografia clássica e o uso de alguns atrativos gráfico-visuais
(fig. 5) característicos da Idade Média.


3
 Alguns autores atribuem a Gutenberg (c. 1400 - 1468) não a invenção, mas o aprimoramento da técnica de impressão a
partir dos tipos móveis -blocos originalmente feitos de madeira contendo em relevo letras isoladas do alfabeto. Seu
inventor, segundo defendem, teria sido o holandês Lourenço Coster (1370 - 1440) que se utilizara desse recurso na edição
do “Horarium”, o primeiro livro impresso do Ocidente.
4
    Cf. RIBEIRO, Milton. Planejamento visual gráfico. 2. ed. Brasília: Linha, 1987. p.43.

                                                                                                                               22
Nesta linha,

                               em 1891 foi impresso o primeiro livro na Kelmscott Press, de Morris.
                               Entre essa época e o ano de 1896, no qual o designer faleceu, foram
                               produzidos mais de cinqüenta títulos dos mais variados formatos. [...]
                               Esses livros, e aqueles produzidos por outras editoras privadas da Grã-
                               Bretanha, estavam entre os trabalhos gráficos britânicos mais admirados
                               no resto da Europa. (HOLLIS, 2001, p. 20)



          Não obstante o refinamento estético que essas
intervenções promoveram, o processo tipográfico continuava a
exigir -como bem o desejara Morris, aliás- o envolvimento e a
participação de diferentes artífices na produção de impressos,
fossem eles tipógrafos, ilustradores ou gravadores. No entanto,
se este foi o caminho percorrido até aquele momento pelas artes
gráficas na Grã-Bretanha, é necessário que se recue um pouco
no tempo para compreender as razões do diferente rumo tomado
por essa atividade na França.
          Em 1798, na Áustria, a litografia5 foi inventada por Alois
Senefelder. Essa técnica revolucionária não apenas representou
um salto de qualidade para os produtos realizados através dos
mecanismos tradicionais de impressão, como também contribuiu
para dar forma mais aproximada ao perfil do profissional das                              Figura 5 - Página de livro de Morris
                                                                                          (1897) e colofão da Kelmscott Press.
artes gráficas hoje conhecido como designer gráfico.
          Realmente, o processo litográfico significou para o artista gráfico da segunda metade do
século XIX -sintomaticamente designado “artista comercial”- uma grande liberdade de expressão
e criação gráficas. A possibilidade de desenhar diretamente sobre a pedra litográfica permitiu ao
artista criar e executar, ele próprio, todos os componentes gráficos de suas obras, além de propiciar
um maior controle e domínio do processo e do resultado final de seu trabalho -um ganho
considerável, se comparado com limitações típicas do sistema tipográfico, tais como o rígido
alinhamento de textos e a necessidade do uso de matrizes xilográficas ou de metal para a reprodução
de ilustrações.

5
  Litografia (de líthos = pedra): processo de impressão que utiliza como matriz blocos planos de pedra calcárea, sobre a
qual se aplica, por meio de lápis apropriado ou outro instrumento de desenho de base oleosa, a imagem que se quer
reproduzir, e cuja técnica fundamenta-se no princípio da imiscibilidade entre água e óleo. Utilizada nos dias atuais apenas
como técnica voltada à produção de gravuras artísticas, o processo litográfico evoluiu para a fotolitografia -que incorporou
princípios fotográficos na transferência de imagens para a pedra- e propiciou, ainda, o surgimento do processo offset de
impressão.

                                                                                                                          23
Os pioneiros affiches6 franceses de cunho publicitário, surgidos por volta de 1870 7 ,
foram seguramente o meio que mais se beneficiou dessa tecnologia e que também, em
contrapartida, mais contribuiu para o seu aperfeiçoamento; afinal, a exploração capitalista
                                                                                                      1
das formas de diversão de massa -uma alternativa de
lucro que se beneficiou da “passagem gradual das
formas mais espontâneas e participativas de
entretenimento para espetáculos mais formalmente
organizados e comercializados para espectadores”                                                            2

(BURKE, 1999, p. 271)- exigia novos meios de
                                                                             Figura 6 - Cartazes de Toulouse-Lautrec (1) e Bonnard (2)
divulgação condizentes com a efervescência da vida
cultural daquela Paris recém-reformada pelo barão
Haussmann, por determinação de Napoleão III.
            Naquele contexto, os cartazes -forma
emergente de arte que se incorporou definitivamente à
feição das cidades e que tão bem refletiu
comportamentos e hábitos das sociedades fin de siècle
européias- consistiram em importante meio de
comunicação (e de expressão) do qual se valeram
artistas do porte de Henri Toulouse-Lautrec e Pierre
Bonnard (fig. 6), Alphonse Mucha e vários outros de
seus contemporâneos. Todavia, em que pese a sua
valiosa contribuição, não foram os artistas (numa
                                                                             Figura 7 - Cartaz em litografia do precursor Jules Chéret.
acepção bem moderna da palavra) os responsáveis
primeiros pela renovação da linguagem e da técnica de execução que fizeram do cartaz essa
forma simultânea de arte e comunicação; nisto, foram precedidos por um litógrafo
pesquisador e talentoso desenhista, o artista gráfico francês Jules Chéret (1836-1933), cujas
composições visuais (fig. 7), ainda que fortemente marcadas pelo cruzamento das influências
da pintura mural de Giovanni Tiepolo (1696-1770) com as das xilogravuras japonesas
exibidas nas feiras mundiais de Paris em 1867 e 1878 8 revelaram, desde cedo, uma liberdade
de representação gráfica incomum em sua época.

6
    Affiches: designação francesa para os cartazes de publicidade afixados em painéis de rua.
7
    Cf. BARNICOAT, John. Los carteles: su historia y su lenguaje. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1972. p. 7.
8
    Cf. HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 6.

                                                                                                                                    24
Ao lançar mão de formas simples definidas por contornos ligeiros e cores chapadas
em sua obra, Chéret pode ter dado importante contribuição às discussões dos pintores
modernos acerca da planaridade da superfície -essa condição “única e exclusiva da arte
pictórica” da qual nos fala Greenberg 9 -, como exemplifica Barnicoat (1972, p. 20-24):

                           El llamativo uso del negro en sus primeras obras y el entrelazamiento
                           de las formas lisas entrañaba una ruptura con la interpretación
                           tradicional de los cuerpos sólidos y el hábito de crear una ilusión de
                           relieve, ruptura que artistas más jóvenes como Toulouse-Lautrec y
                           Bonnard llevarían aún más lejos. Henri van de Velde, uno de los
                           grandes portavoces del Art Nouveau, mencionaba a Chéret como uno
                           de los precursores más importantes de este movimiento de las artes
                           decorativas.
                           [...]
                           El elemento caricaturesco, irónico y satírico, las formas sencillas y
                           lisas, la línea decorativa, eran artificios que Lautrec podía emplear
                           en un cartel, pero que no hubiera podido expresar tan sencilla y
                           directamente dentro de las convenciones de la pintura de su tiempo.
                           Sus carteles tienen un carácter de bosquejo que es mucho menos
                           patente en los cuadros y dibujos que realizó sobre los mismos temas;
                           volveremos a encontrar esta formulación simplificada en la obra de
                           muchos pintores de la primera mitad del siglo XX.



        Depreende-se desse “encontro” de Chéret e Lautrec, a partir das afinidades
temáticas e representacionais expressas em seus affiches que, ao entretecer fundamentos
da cultura oficial com o idioma da cultura popular de sua época, esses artistas não apenas
reaproximaram arte e público como lograram demonstrar na prática, já àquela altura, a
inocuidade dos esforços de indivíduos ou grupos interessados em reservar territórios
distintos para a grande arte e para o que classificavam de artes menores.
        O desdobramento natural dessa sintonia de linguagens foi que, perfeitamente
assimilados como forma de expressão artística em fins do século XIX, os cartazes
asseguraram um grau de reconhecimento social até então inédito para o artista-designer
francês, situação esta que não tardaria a se estender, também, a outras partes do Ocidente.
        Ocorria que:

                           [...] os artistas que moravam fora da França, e que consideravam Paris
                           a capital artística do mundo, olhavam para os pôsteres parisienses
                           cheios de admiração. Todavia, Amsterdam, Bruxelas, Berlim, Munique,



9
 Cf. GREENBERG, Clement. Pintura Modernista. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília (org.): Clement Greenberg
e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.

                                                                                                          25
Budapeste, Viena, Praga, Barcelona, Madri, Milão e Nova York também
                              investiam em suas próprias escolas de artistas de pôsteres, gerando
                              talentos individuais brilhantes. (HOLLIS, 2001, p. 7)



          A rápida inserção do cartaz na esfera da cultura ocidental influiu no surgimento e
afirmação de um padrão de publicação editorial nas duas últimas décadas do século XIX:
as revistas ilustradas 10 especializadas em temas do cotidiano e arte.
          Valendo-se da expansão do mercado literário -reflexo dos benefícios legados pelos
planos de educação que alguns estados europeus implantaram por volta de 1870 com o
objetivo de afirmar o sentimento e a idéia de nação-, essas e outras publicações do gênero
colaboraram decisivamente para a divulgação mundial da produção européia de pôsteres;
nos Estados Unidos, por exemplo, “após a publicação de um livro sobre o assunto, Les affiches
illustrées, em 1886, os pôsteres adquiriram respeitabilidade cultural, tornando-se moda colecioná-
los” (HOLLIS, 2001, p. 9).
          Essas revistas consistiam num vantajoso veículo de divulgação do trabalho dos
artistas-designers, na medida em que representavam, ao mesmo tempo, um meio de difusão
e o objeto de aplicação das suas teorias,                                                       1     2


técnicas e habilidades.
          Quando enfim desponta o século
XX, os resultados da confluência dos
esforços de Morris com as pesquisas
gráficas de Chéret já teriam promovido
o reencontro dos pintores com os
                                                                                                      3
artistas gráficos, e o movimento Art
Nouveau, desde sua origem, afiança
essa afirmação. Alphonse Mucha (fig.
8.1), Gustav Klimt (fig. 8.2), Henry van
de Velde (fig. 8.3), Charles Rennie
Mackintosh, Eugène Grasset, Aubrey
Beardsley, Maurice Denis e os já citados
Toulouse-Lautrec e Bonnard, são alguns
                                                          Figura 8 - Cartazes de autoria de A. Mucha (1), G. Klimt (2) e H. Van de Velde (3).
dos artistas que transitaram no campo

10
   Destacam-se, entre as publicações da década de 1890, os periódicos ingleses The Studio e The Poster (1898), as revistas
alemãs Die Jugend (1896), Simplicissimus (1896) e Pan (1895), a vienense Ver Sacrum (veículo do movimento Secessão,
liderado por Gustav Klimt) e as norte-americanas The Chap-Book, Lippincott’s e Harper’s Magazine.

                                                                                                                                         26
das artes gráficas durante o período em que o chamado estilo moderno dominou o cenário
artístico ocidental.
         Daí em diante, não foram poucas as ocasiões em que a pintura exerceu influências
sobre as artes gráficas ou foi por elas influenciada. Georges Braque, Juan Gris e Pablo
Picasso estamparam letras ou palavras e colaram fragmentos de jornais e outros impressos
em suas telas cubistas (fig. 9), recursos que propiciariam experiências estéticas singulares
                                                           2

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                                             1




      Figura 9 - Nos quadros de Picasso (1), Braque (2) e Gris (3), a inserção de elementos semânticos, com a constante do tema “jornal”.



como aquelas a que procederam Roman Opalka e Emilio Isgrò. Filippo T. Marinetti ampliou
o sentido das palavras de seus poemas ao imprimi-las com direções, pesos, dimensões e
tipos diferenciados que subverteram a estrutura convencional das composições tipográficas
(ainda que antes dele e dos demais futuristas e de maneira menos radical Mallarmé já o
tivesse feito em 1897, com seu poema Un coup de dés) e abriu nova alternativa estética
para os artistas gráficos, italianos e não, nas duas primeiras décadas do século passado.
Caminho semelhante trilharam os dadaístas (figuras 10.1 e 10.2), e Kurt Schwitters fornece
bons exemplos do efeito dessa incorporação de produtos gráficos (como bilhetes de ônibus,
fotografias e recortes de jornais) às suas “pinturas”. Daí para a frente, design e pintura
seguiriam trocando influências, como se pode observar com o movimento de stjil de Théo
van Doesburg e Piet Mondrian, com o suprematismo de Kasimir Malevitch (fig. 10.3) e o
                                       1                   2                                                     3




     Figura 10 - O cartaz dadaísta de Schwitters e van Doesburg (1) aproxima-se, na linguagem, das telas de Schwitters (2) e Malevitch (3).


                                                                                                                                              27
construtivismo russo, até que os pressupostos filosóficos, a interdisciplinaridade e a
produção da Bauhaus (que seriam retomados mais tarde, em meados da década de 1950 e
em outras bases, pela Escola da Forma de Ulm) viessem confirmar a tese da indissociabilidade
entre a técnica e a estética.
          Todavia, por mais consistência que comporte, o legado dos mestres da escola de
Weimar (e de Ulm) parece não ter sido convincente o bastante para pôr fim a essa herança
discriminatória que, ao final, é o alimento de que se nutre a tendência classificatória das
diferentes formas de expressão artística. Ora como tema de discussão levantado por críticos,
designers e historiadores da arte contemporâneos, ora como fato aparentemente assimilado
por certos autores, o problema da referida diferenciação tem persistido e, ainda que possam
causar surpresa pelo contexto no qual soem ocorrer, não são raras as construções verbais
suscitando prevalência de um sobre outro tipo de manifestação artística. A título de ilustração
transcrevo, a seguir, algumas dessas ocorrências.
          A publicação Arte no Brasil, por exemplo, que trata da produção de arte no país
desde o descobrimento até a data de sua edição -o ano de 1982-, registra no capítulo
intitulado (Século XVIII) Artes Menores:

                        O problema da existência de uma arte brasileira, com características
                        nacionais, talvez não deva ser colocado em função das manifestações
                        artísticas puras, como a escultura ou a pintura, e sim em relação às
                        chamadas artes aplicadas, decorativas ou menores, que incluem
                        mobiliário, ourivesaria, cerâmica, imaginária, têxteis etc. Nessas
                        manifestações artísticas, tidas como inferiores, a alma nacional soube
                        expressar-se melhor do que nas artes “superiores”; se se quiser localizar
                        a marca da mão do povo brasileiro, é nessas produções modestas
                        que se irá descobri-la, pois nelas o artesão ou o artífice soube externar-
                        se com uma liberdade e uma invenção que nem sempre lhe
                        possibilitaram as manifestações artísticas mais sofisticadas.
                        (LEITE, 1982, p. 337, grifos meus)



          O exemplo acima não representa, no entanto, um caso isolado. Ao contrário, com
relativa freqüência deparamo-nos com formulações semelhantes àquela, como as que
reproduzo a seguir. A primeira, do autor inglês John Barnicoat, num registro em sua obra já
citada:

                        El Art Nouveau fue el estilo moderno más característico del cambio de
                        siglo. El diseño de carteles formó parte de este movimiento artístico
                        que afectó tanto a las artes mayores como a las menores.
                        (BARNICOAT, 1977, p. 29, grifos meus)

                                                                                               28
Outra, talvez mais surpreendente, é a que nos oferece em seu livro Layout: o design
da página impressa, o designer gráfico Allen Hurlburt:

                        [...] Neste século [o século XX], mais do que em qualquer outro, as
                        múltiplas disciplinas do design são entrelaçadas para formar o tecido
                        do estilo contemporâneo. O movimento cubista estava relacionado
                        apenas com a pintura e a escultura, mas, em composição com o
                        Dadaísmo e o Futurismo, os estilos e influências começaram a
                        disseminar-se das artes mais nobres para outras áreas do design.
                        (HURLBURT, 1986, p. 14-15, grifos meus)



        É bem pouco provável que tais citações -por mais carregadas que sejam de atributos
de valor- pretendam intencionalmente reforçar essa idéia de hierarquização entre as
alternativas de realização artística; a desatenção, todavia, acaba por fazê-lo. Só que aceitar
aí qualquer condição de supremacia é, em última análise, acatar a tese de que as formas
“superiores” de arte rejeitam toda e qualquer finalidade prática; ou que seriam, segundo
Kant, uma "finalidade sem fim". Quanto a isto, tendo a concordar com Pierre Francastel
(1973, p. 57), quando observa:

                        Hoje, tanto quanto em qualquer outra época, a arte verdadeira jamais
                        revestiu um caráter de gratuidade. Os valores estéticos não são os
                        valores desligados de toda contingência, os valores inúteis. Sei
                        perfeitamente que a opinião de Kant foi tomada por vários, dentre os
                        melhores pensadores. Se hoje, nos círculos de filósofos, existe uma
                        tendência desastrosa de identificar a arte com o supérfluo, isto se
                        deve em grande parte a Bergson que divulgou essa ilusão. Para ele a
                        finalidade da arte é criar mundos imaginários; ela preenche a vocação
                        fabuladora da humanidade.[...] Acresce que a arte sofre, em nossos
                        dias, uma tentação pelo gratuito e há de se reconhecer que em grande
                        parte a culpa cabe aos artistas e aos filósofos se os técnicos têm uma
                        idéia tão falsa sobre as relações da arte com a técnica.
                        A origem dessas teorias é dupla. Filosófica por um lado. Mostrei sua
                        origem em Kant e não se poderia estar de acordo com sua fórmula
                        pois se arte era verdadeiramente uma finalidade sem fim, ou se o artista
                        não se propunha um outro objetivo exterior a ela, seria necessário negar
                        à arte toda significação. Ao contrário o que ocorre de fato é que a
                        arte, servindo em todas as épocas como meio de expressão e de
                        propaganda, é um dos veículos da ideologia de seu tempo; é também
                        um fato que o arquiteto que constrói um palácio, uma ponte ou uma
                        igreja não trabalha no absoluto, fora de toda contingência, mas, pelo
                        contrário, para satisfazer ao mesmo tempo às necessidades práticas e
                        às exigências de gosto de seus contemporâneos.



        Recuando no tempo até o ano de 1923, encontraremos também no pensamento de
Leon Trotski a seguinte abordagem sobre a relação entre arte e técnica, sob a ótica da finalidade:
                                                                                               29
Tomemos o canivete como um exemplo. A combinação de arte e técnica
                      pode desenvolver-se dentro de duas linhas fundamentais: ou a arte embeleza
                      o canivete e retrata em sua lâmina um elefante de suprema beleza, ou a
                      Torre Eiffel; ou a arte ajuda a técnica a encontrar uma forma "ideal" para
                      o canivete, ou seja, uma forma que corresponda mais adequadamente ao
                      material de um canivete e ao seu uso. Pensar que essa tarefa pode ser
                      resolvida por meios puramente técnicos é incorreto, porque finalidade e
                      material permitem numerosas... variações. Para fazer um canivete "ideal"
                      precisamos, além do conhecimento das propriedades do material e dos
                      métodos de sua utilização, também de imaginação e gosto. Segundo toda a
                      tendência da cultura industrial, podemos pensar que a imaginação artística
                      na criação de objetos materiais será dirigida para a elaboração da forma
                      ideal de uma coisa como coisa, e não para o seu embelezamento como uma
                      finalidade estética em si. (SELZ, 1999. p. 471-472)



       As palavras de Francastel e de Trotski irão encontrar consonância na esclarecedora
parábola d'O busto e o elmo, em que o autor, Giulio Carlo Argan, estabelece comparações
de objetivos entre os trabalhos do artista -um escultor- e do artesão de um mesmo período
histórico, empenhados em produzir, o primeiro, um busto de bronze, e o segundo, o elmo de
um guerreiro. Salientando que ambos têm por referencial comum de criação a cabeça do
homem, Argan (1992, p. 115-116) considera:

                      O artista que modelou o busto pensou que a cabeça do homem é bela
                      porque é a parte mais nobre do corpo humano, aquela que em mais alto
                      grau reflete e revela a perfeição ideal de Deus. O artesão que lavrou o
                      capacete pensou que a cabeça é a parte mais importante, vital e delicada
                      do corpo humano, aquela que merece em mais alto grau ser protegida, e
                      condicionou a forma do objeto a esse seu conceito de valor: aumentou a
                      espessura do metal onde piores podem ser os efeitos dos golpes, estudou a
                      inclinação ou a curvatura da superfície de modo a fazer derrapar os
                      fendentes, buscou obter o máximo de segurança com o mínimo de peso.
                      Para o artista que modelou o busto, o valor de uma cabeça é estreitamente
                      ligado à semelhança, para o artesão que forjou o capacete ele é praticamente
                      independente desta.



       Porém, enfatiza o autor, a semelhança interessa ao artista enquanto parâmetro de
transposição para o universal -o espaço, no qual se instalará como imagem-, aquilo que
antes é individual: os traços exteriores de um rosto determinado. Assim, o busto é fruto da
contemplação e destina-se, em última análise, à contemplação. Quanto ao artesão, interessa-
lhe resolver o elmo como agente mediador entre a cabeça e o espaço em que atua o guerreiro;
sua obra está, pois, em relação direta com a idéia de ação. E mais:

                      O escultor concebeu a sua forma como uma "coisa" que apenas
                      ocasionalmente é tal, mas na realidade tende a separar-se da contingência

                                                                                               30
e temporalidade da coisa para atingir a universalidade ou a imóvel
                       espacialidade da imagem. O artesão quis, ao contrário, criar uma forma
                       que fosse antes de tudo e de pleno direito uma coisa, um objeto, e que
                       como tal se referisse a uma contingência específica, a uma dada condição
                       temporal: a do homem que vai à guerra. A forma do busto é naturalista
                       porque nasce da consideração da figura humana como um aspecto, o mais
                       alto aspecto, da Criação. A forma do capacete, embora aparentemente
                       abstrata, é de fato realista porque considera o homem na sua realidade, no
                       tempo e no lugar de uma circunstância bem precisa. Para o autor do busto,
                       tudo é já criado, já está no espaço, e ao artista não se permite senão imitar
                       ou repetir, mesmo que individualizando o momento eterno da beleza sob as
                       semelhanças mutáveis do contingente. Para o autor do elmo, a série dos
                       objetos é ilimitada como a das ações humanas; aliás, há uma
                       correspondência tão estreita entre as ações e os objetos que são as primeiras
                       que determinam ou criam os segundos.
                       A própria objeção comum sobre a pura esteticidade do busto e a pura
                       praticidade do elmo se revela inconsistente: todos estamos de acordo em
                       reconhecer que a forma do elmo é bela, e o é porque responde de modo
                       preciso e exaustivo a uma função. [...] Portanto, a idéia de função nos
                       serve de unidade de medida da qualidade estética da forma do elmo, do
                       mesmo modo como a idéia da observação ou da contemplação nos serve
                       de unidade de medida da qualidade estética do busto: só que a idéia de
                       função implica a de ação, enquanto a idéia de contemplação implica a de
                       imobilidade.



       Num desdobramento desse raciocínio Argan pontua que, para cumprir com êxito a
função a que se destina, é preciso que ao objeto esteja associada a noção de projeto -a
base do trabalho do designer (e também do arquiteto)-, em lugar daquela de esboço com a
qual trabalha, geralmente, a maioria dos artistas. Projetar, por sua vez, requer conhecimentos
dos meios de operação e das etapas da produção de determinado objeto em escala industrial;
igualmente, implica na consciência da possibilidade de atendimento às exigências de uma
certa coletividade e não mais de demandas individuais. E conclui:

                       É portanto o "projeto" ou o "desenho industrial" que determina a priori,
                       e sempre em relação à função, a qualidade do produto, que é sempre
                       qualidade estética; e não pode, na atual condição da cultura, haver um
                       bom projeto que não nasça de um processo de intuição ou de invenção,
                       isto é, de um processo tradicionalmente considerado de caráter estético
                       e próprio dos artistas.


       Naturalmente, não se concebe hoje uma escala de produção de objetos destinados
ao atendimento às necessidades materiais das sociedades que ocorra fora da indústria, e
o designer é o profissional que pode conferir distinção de qualidade -funcional e estética-
a esses produtos. A relação entre o design (gráfico ou de produto) e a indústria é, pois,
inextricável; mas essa condição atual de interdependência não implica, necessariamente,
                                                                                                 31
em que todo produto industrial seja esteticamente bem resolvido ou mesmo socialmente
necessário; só que neste caso, a resposta da coletividade se dá de maneira clara e precisa,
através de seu direito de escolha. Afinal, há boas e más soluções em design como há, na
arte em geral, obras de maior ou menor significação, e a medida do êxito ou fracasso para
essas atividades pode ser dada pelo grau em que cada uma delas opera e modifica a
realidade.
         Sabemos que a noção de finalidade que conduz o processo de criação em design
não recomenda ao designer atitudes hedonistas, algo equivalente a um design pelo design;
a arte, por seu lado, ainda as admite, e os mecanismos sutis -mesmo denunciados e
combatidos pelos artistas mais conscientes- de parte do mecenato contemporâneo, não
raro as alimentam e exploram. Um livro recente, intitulado Livre-troca: diálogos entre
ciência e arte -trabalho conjunto do sociólogo francês Pierre Bourdieu com o artista alemão
Hans Haacke-, é um importante sinal de alerta que desvela, também, alguns dos princípios
norteadores das estratégias de patrocínio da arte contemporânea. É o próprio Haacke (1995,
p. 28-29) quem esclarece:

                            Creio que é importante distinguir a idéia tradicional do mecenato das
                            manobras de relações públicas que se apoderam desse termo. Invocando
                            o nome de Mecenas, as empresas de hoje se dão uma aura de altruísmo.
                            O termo americano de sponsoring explica melhor que existe, na
                            realidade, uma troca de bens, de bens financeiros da parte do
                            patrocinador e de bens simbólicos da parte do patrocinado. A maioria
                            dos homens de negócio é mais direta quando fala a seus pares. Alain-
                            Dominique Perrin, presidente da Cartier, por exemplo, diz claramente
                            que ele gasta o dinheiro da Cartier visando metas que nada têm a ver
                            com o amor à arte.
                            [...] Segundo suas próprias palavras: "O mecenato não é apenas um
                            formidável instrumento de comunicação; muito mais do que isto, ele é
                            um instrumento de sedução da opinião". Os contribuintes pagam aquilo
                            que as empresas recuperam através de isenções fiscais pelas suas
                            "doações", e somos nós quem verdadeiramente subvencionamos a
                            propaganda. Estes custos da sedução não servem apenas para o
                            marketing dos produtos, como os relógios e as jóias no caso da Cartier.
                            É mais importante para os patrocinadores criar um clima político
                            favorável a seus interesses no que diz respeito, por exemplo, aos
                            impostos, à regulamentação do trabalho ou da saúde, às coações
                            ecológicas ou à exportação de seus produtos. 11


11
   Destaquei aqui o caso da Cartier -empresa multinacional de origem francesa que atua no mercado de jóias- por dois
motivos que me parecem relevantes. O primeiro, expresso no texto, por revelar as verdadeiras intenções do mecenato
da troca e da cooptação; o segundo porque, atento às manobras da empresa, Hans Haacke produziu, em 1986, uma
instalação denominada O must de Rembrandt em que desmistifica a “aura de altruísmo” da empresa que explora e
preserva, através do trust Rembrandt, condições subumanas de trabalho nas minas de metais preciosos na África do
Sul. (id., 1995, p. 40-43)

                                                                                                                 32
Produzir arte sob tais circunstâncias difere pouco daquela atitude submissa e acrítica
dos artistas que trabalharam, até por volta do século XIX, a serviço da alta cultura e das
ideologias da aristocracia, da igreja e do estado; e isso, por mais que se possa pretender, não
confere a qualquer dos segmentos da arte as supostas qualidades superiores; e não seria de
se estranhar que fossem os beneficiários desse tipo de mecenato -que tanto os afasta de seu
importante papel de transformadores sociais-, os mesmos a defender com veemência uma
condição especialmente pura para a Arte. Em situações como esta, o pacto firmado entre o
capital e a arte é seguramente mais nocivo à sociedade (e à própria arte, naturalmente) do que
poderia sê-lo a "polêmica" (porém clara) relação da indústria com a arte, estabelecida através
do design -essa "forma de expressão que se projeta para o futuro, sempre em busca de
articulações e significados novos e cujo pressuposto nuclear é atender às demandas de bem-
estar físico, intelectual e emocional do ser humano" (ESCOREL, 2000, p. 69).
       Na controversa obra literária Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão, Affonso
Romano de Sant'Anna (2003, p. 185), ao discorrer sobre a função da arte, assinala que:

                       [...] quando um congolês fazia uma colher de madeira que admiramos
                       hoje, ele a fazia, primeiramente, movido pela necessidade, mas também
                       por um desejo de funcionalidade e harmonia com seu universo. É a
                       mesma coisa com a arte plumária de nossos índios ou desenhos e
                       esculturas astecas. [...] O processo de sedução estética e artística
                       que pode acontecer pelo avesso, até pelo exercício do horror e do
                       grotesco, tem uma função na relação entre as criaturas. Não existe
                       cultura sem símbolo e sem o mínimo de estética. E uma das maneiras
                       de medir o grau de desenvolvimento dos indivíduos e coletividades,
                       deve (ou deveria) ser a capacidade de se expressarem simbolicamente,
                       pelos rituais, pelos jogos, pela política e pela arte.



       Desconectada do público e de uma função, a arte não serve sequer a si mesma.
Compreendendo muito bem isso, não são poucos os artistas que têm buscado reafirmar seu
papel na sociedade através de ações capazes de reatar os laços da arte com a coletividade.
Aloísio Magalhães, como será mostrado a seguir, foi um deles. Para lograr êxito nesta tarefa
precisou experienciar o "isolamento do artista", rever criticamente seus próprios objetivos,
mudar a direção de sua produção, transitar por áreas de criação e realização específicas. A
soma de todas essas ações desembocou nos cartemas, trabalho artístico que confirmou a
tese de que, juntos, arte e design têm mais em comum do que se pode ser levado a deduzir
pela habitual (e já desgastada) pretensão de conferir graus diferenciados de valor às variadas
formas de expressão artística.


                                                                                            33
3. ALOÍSIO MAGALHÃES


          A trajetória de vida do brasileiro Aloísio Barbosa Magalhães foi marcada por intensa
atuação nos campos da pintura, das artes gráficas, do design e da política cultural.
          Nascido na cidade do Recife, em 1927, Aloísio descende de família rica e influente
no cenário político pernambucano e nacional. Seu pai, o médico e professor Aggeu Sérgio
de Godoy Magalhães, foi diretor da Faculdade de Medicina do Recife em meados da década
de 1930 e mais tarde secretário de Saúde e Educação de Pernambuco; seu tio, Agamenon
Magalhães, foi deputado estadual (1918), deputado constituinte eleito em 1932, ministro
do Trabalho do governo Getúlio Vargas, interventor do Estado de Pernambuco -sob o Estado
Novo- de 1937 a 1945, ministro da Justiça de Vargas, novamente deputado constituinte em
1946 e governador de Pernambuco, agora eleito, em 1950. Sérgio Magalhães, outro irmão
de seu pai, também foi deputado federal com base eleitoral no Rio de Janeiro, em princípio
da década de 1960.
          Aos dezoito anos de idade, Aloísio ingressava no curso de Direito da Universidade
Federal de Pernambuco, profissão que nunca viria a exercer e, sobre as razões que o levaram
a escolhê-la, pronunciaria mais tarde: “quem é que não fazia direito na época? Era o primeiro
sinal de bom senso, quer dizer, bom senso de desejo de uma projeção política, intelectual”
(LEITE, 2003, p. 27).
          Sua vida acadêmica foi conciliada desde o início em 1946, e até o final do curso em
1950, com as funções de cenógrafo e figurinista do Teatro do Estudante de Pernambuco -
TEP, cuja “proposta de trabalho estava sintonizada com os movimentos estudantis do Recife
que no período do Estado Novo tinham se engajado nas lutas antifascistas e em 1946
participavam intensamente do processo de redemocratização política do país”, segundo
registra em texto 1 o amigo -e ex-integrante do TEP- José Laurenio de Melo. Ali também,
Aloísio respondeu temporariamente pelo Setor de Teatro de Bonecos e participou da criação
das Edições TEP, destinadas a divulgar a “produção de uma literatura dramática embebida
na realidade brasileira”.
          Em janeiro do ano em que se graduaria em Direito, Aloísio ocupa seu primeiro cargo
público, como redator da Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife.
          Uma bolsa de estudos obtida do governo francês por indicação de seu amigo, o
diplomata Wladimir Murtinho, leva-o a Paris entre 1951 e 1953, onde cursa museologia na

1
 MELO, José Laurenio de. Aloísio e o TEP. In: LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio
de Janeiro: Artviva, 2003.

                                                                                                                       34
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As cartemas de Aloísio Magalhães: arte, design e experimentação gráfica

  • 1. JOÃO CARLOS DE MORAIS ALT CARTEMAS DE ALOÍSIO MAGALHÃES: UM PONTO DE ENCONTRO ENTRE A ARTE E O DESIGN Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Arte do Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, para obtenção do grau de Mestre em Ciência da Arte. Área de concentração: Estudos Poéticos. Orientador: Prof. Dr. JOSÉ MAURÍCIO SALDANHA ALVAREZ Co-orientador: Prof. Dr. ANTONIO CARLOS AMANCIO DA SILVA Niterói 2005
  • 2.
  • 3. AGRADECIMENTOS Ao Luís Sérgio de Oliveira, vai meu primeiro agradecimento; seu incentivo, nos primórdios deste projeto, foi imprescindível para que eu transformasse em ação o que antes era um vago propósito. Agradeço ao José Maurício Saldanha Alvarez, meu orientador, pelo paciente estímulo e por todos os conhecimentos transmitidos, bem como aos professores Wallace de Deus Barbosa e Luiz Antonio Luzio Coelho, pelas valiosas críticas e sugestões apresentadas no exame de qualificação. Agradeço muito especialmente ao Tunico Amancio, amigo e co-orientador, por colocar sua competência, entusiasmo e bom-humor a serviço deste trabalho. Aos amigos Zé Luiz Sanz e Cristina Cavallo, minha gratidão pelo apoio generoso e a infalível disponibilidade. Finalmente, sou grato à Denise -minha mulher- e aos meus filhos Ana, Nina e Rafael, por compreenderem e apoiarem um projeto pessoal cuja realização exigiu tanto tempo e devotamento. A eles dedico esta dissertação.
  • 4. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS 5 RESUMO 9 ABSTRACT 10 1. INTRODUÇÃO 11 2. ARTE E DESIGN: A FRÁGIL (MAS PERSISTENTE) DISTINÇÃO 18 3. ALOÍSIO MAGALHÃES 34 3.1. ALOÍSIO, POLÍTICO 39 3.2. ALOÍSIO, PINTOR 47 3.2.1. O desencanto com a pintura 58 3.3. ALOÍSIO, DESIGNER 60 4. O CARTEMA 73 4.1. A GÊNESE 73 4.1.1. Expressão e risco: os “anos de chumbo” 77 4.2. ANALOGIAS VISUAIS E INFLUÊNCIAS 82 4.2.1. Livres associações à margem da arte 94 4.3. PRINCÍPIOS ESTRUTURAIS E CONFIGURAÇÃO 99 4.4. CARTEMAS DE ALOÍSIO MAGALHÃES - REPRODUÇÕES 111 5. CONCLUSÃO 113 REFERÊNCIAS 121 ANEXO 125
  • 5. LISTA DE FIGURAS Figura 1 .............................................................................................................................. p. 12 [1.3] Rodovia Castelo Branco, São Paulo, cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982); [1.1] e [1.2] Imagens produzidas pelo autor, a partir de fotografia do cartema. Figura 2 ............................................................................................................................... p. 14 Calendário UFF 2000, impresso, 14 páginas, formato 42 x 34 cm, relização da Universidade Federal Fluminense. Fotografia produzida pelo autor. Figura 3 ............................................................................................................................... p. 19 [3.1] As sabinas que interrompem o combate entre romanos e sabinos, de Jacques-Louis David (ARGAN, 1992, p. 21); [3.2] ¡No te escaparás!, de Francisco Goya (idem, p. 43); O ancião dos dias, de William Blake (GOMBRICH, 1977, p. 387). Figura 4 ............................................................................................................................... p. 22 [4.1] Página do Evangelho de Lindsfarne, autor não identificado (GOMBRICH, 1977, p. 116); [4.2] Detalhe de página de livro holandês do século XIV (RIBEIRO, 1987, p. 44). Figura 5 ................................................................................................................................ p. 23 [5.1] Página do livro Poems by the Way, de William Morris (HOLLIS, 2001, p. 20); [5.2] Colófão da Kelmscott Press, de William Morris (<http://www.lib.umich.edu/spec-coll/morris/> ; acesso em 06.08.2003). Figura 6 ................................................................................................................................ p. 24 [6.1] Jane Avril, de Henri Toulouse-Lautrec (MULLER, 1966, vol. 68, p. 18); [6.2] France-Champagne, de Pierre Bonnard (SELZ, 1971, prancha 4). Figura 7 ................................................................................................................................ p. 24 Loïe Fuller, de Jules Chéret (SELZ, 1971, prancha 5). Figura 8 ................................................................................................................................ p. 26 [8.1] Medéia, de Alphonse Mucha (ARGAN, 1992, p. 205); [8.2] I Exposição da Secessão Vienense, de Gustav Klimt (idem, p. 173); [8.3] Tropon, de Henri Van de Velde (id., p. 184). Figura 9 ................................................................................................................................ p. 27 [9.1] Papier Collé, de Pablo Picasso (MULLER, 1966, vol. 70, p. 9); [9.2] Les formes musicales, de Georges Braque (<http:// k_kenar.webpark.pl/galeria.htm>; acesso em 07.08.2003); [9.3] Syphon, verre et journal, de Juan Gris (<http://www. postershop.com/Gris-Juan/>; acesso em 07.08.2003). Figura 10 .............................................................................................................................. p. 27 [10.1] Small Dada, de Kurt Schwitters e Theo van Doesburg (<http://personal.cityu.edu.hk/~entim/Professional/Courses/EN3524/ Modernism/Small_dada_1922.jpg>; acesso em 12.08.2004); [10.2] Das Kotsbild, de Kurt Schwitters (<http://faculty. washington.edu/dillon/rhethtml/dadamaps/dadam287.jpg>; acesso em 12.08.2004); [10.3] Eclipse parcial com Monalisa, de Kasimir Malevitch (<http://www.museoscienza.it/leonardo/light/images/malev.jpg>; acesso em 21.10.2004). Figura 11 .............................................................................................................................. p. 48 Aloísio em seu atelier da Rua da Aurora, no Recife (LEITE, 2003, p. 39). Figura 12 .............................................................................................................................. p. 52 Sem Título, de Aloísio Magalhães (idem, 2003, p. 56). Figura 13 .............................................................................................................................. p. 53 Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53). Figura 14 .............................................................................................................................. p. 53 Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53). Figura 15 .............................................................................................................................. p. 53 Sem Título, de Aloísio Magalhães (id., p. 53). Figura 16 .............................................................................................................................. p. 55 Monotipia, de Aloísio Magalhães (id., p. 46); tipográfica sobre papel, de Aloísio Magalhães (id., p. 57); aquarela, de Aloísio Magalhães (id., p. 47); cartema, de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 105). Figura 17 .............................................................................................................................. p. 57 Símbolo d’O Gráfico Amador, de Aloísio Magalhães (ESCOREL, 2000, p. 106). Figura 18 .............................................................................................................................. p. 62 Adaptações do símbolo do IV centenário da cidade do Rio de Janeiro -de Aloísio Magalhães- em pipa, vestuário e fantasia de carnaval (REDIG, 1989, p. 107) e em piso de calçada e carrinho de ambulante (LEITE, 2003, p. 173). 5
  • 6. Figura 19 ............................................................................................................................. p. 63 Símbolo original do IV centenário, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 170); esquemas construtivo e associativo do símbolo preparados pelo autor. Figura 20 ............................................................................................................................. p. 63 Diferentes versões do símbolo da Light, de Aloísio Magalhães (ESCOREL, 2000, p. 116). Figura 21 ............................................................................................................................. p. 63 Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para a Itaipu Binacional (REDIG, 1989, p. 105); para o Banco Boavista (LEITE, 2003, p. 216) e a Metalúrgica Icomi (idem, p. 164). Figura 22 ............................................................................................................................. p. 63 Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para o Banco Nacional (REDIG, 1989, p. 105); para o Banco Aliança (LEITE, 2003, p. 186); para a Companhia Souza Cruz (REDIG, 1989, p. 105). Figura 23 ............................................................................................................................. p. 64 Símbolos criados por Aloísio Magalhães: para o Banco de Crédito Mercantil (LEITE, 2003, p. 165); para o Unibanco e para o Banespa (REDIG, 1989, p. 105). Figura 24 ............................................................................................................................. p. 64 Capas dos exemplares nº 4 -de Hermelindo Fiaminghi- e nº 1 -de Décio Pignatari- da revista Noigandres (<http://www.obraprima.net/ materias/html693/html693.html>; acesso em 17.04.2004). Figura 25 ............................................................................................................................. p. 65 Poesia “Eis os amantes”, de Augusto de Campos, do ano de 1953 (<http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm>; acesso em 17.04.2004). Figura 26 ............................................................................................................................. p. 65 Poesia concreta “Beba coca cola”, de Décio Pignatari, do ano de 1957 (<http://www.tanto.com.br/luizedmundo-concret.htm>; acesso em 17.04.2004). Figura 27 ............................................................................................................................. p. 66 Pinturas [27.1] Movimento Contra Movimento (LEITE, 1982, p. 922) e [27.2] Função Diagonal (ZANINI, 1983, p. 662), de Geraldo de Barros; [27.3] símbolo para a Cofap (BORGES, 1992, p. 86), de Alexandre Wollner. Figura 28 ............................................................................................................................. p. 66 [28.1] Logotipo para Cotonifício Capibaribe (LIMA, 1997, p. 39) e [28.2] aplicação de logotipo em veículo (LEITE, 2003, p. 198), criações da PVDI, escritório de Aloísio Magalhães; [28.3] peças publicitárias diversas (LEON, 1992, p. 80), [28.4] sacola de compras para Casa Almeida (idem, p. 81) e composição/logotipo para Balas Belavista (id., p. 80), de Ruben Martins. Figura 29 ............................................................................................................................. p. 67 Símbolos: [29.1] criação de Alexandre Wollner (BORGES, 1992, p. 86); [29.2] criação de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 77); e [29.3] criação de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 169). Figura 30 ............................................................................................................................. p. 67 Símbolo do Hotel Tropical, de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 81); símbolo do Clube Hípico da Bahia, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 217). Figura 31 ............................................................................................................................. p. 68 Associação conceitual do símbolo para o Hotel Tropical, de Ruben Martins (LEON, 1992, p. 81) e estudo tridimensional do símbolo do Clube Hípico da Bahia, de Aloísio Magalhães (LEITE, p. 217). Figura 32 ............................................................................................................................. p. 69 Símbolos -de Aloísio Magalhães- para: [32.1] Banco Mercantil de Pernambuco (REDIG, 1989, p. 105); [32.2] Laboratório Maurício Vilella (LEITE, 2003, p. 154); e [32.3] Banco Comercial Brasul (idem, p. 186). Figura 33 ............................................................................................................................. p. 69 Símbolos -de Aloísio Magalhães- para: [33a] o Sesquicentenário da Independência do Brasil (LEITE, 2003, p. 206) e para [33b] o Banco Central do Brasil (idem, p. 155). Figura 34 ............................................................................................................................. p. 69 Design -de Aloísio Magalhães- para Produtos Guri, com aplicação em itens diversos (LEITE, 2003, p. 188). Figura 35 ............................................................................................................................. p. 70 Projeto de identidade visual para a Petrobrás, de Aloísio Magalhães: aplicação em letreiros [35.1] suspenso (REDIG, 1989, p. 108) e [35.2] de solo (LEITE, 2003, p. 205), em [35.3] veículos (REDIG, 1989, p. 108) e em [35.4] bombas de combustíveis (LEITE, 2003, p. 204). 6
  • 7. Figura 36 ............................................................................................................................. p. 70 Anverso e verso de cédula de NCr$ 1,00 -um cruzeiro novo- (<http://www.bcb.gov.br/htms/museu-espacos/cedulas/>; acesso em 20.05.2004), design de Aloísio Magalhães, impressa no Brasil e lançada no ano de 1967. Figura 37 ............................................................................................................................. p. 71 Anverso e verso de cédula de Cr$ 500,00 -quinhentos cruzeiros- (LEITE, 2003, p. 211), lançada em 1972; design de Aloísio Magalhães. Figura 38 ............................................................................................................................. p. 71 Anverso e verso das cédulas de Cr$ 1.000,00 -mil cruzeiros- (<http://www.bcb.gov.br/htms/museu-espacos/cedulas/>; acesso em 20.05.2004) emitidas em 1977; design de Aloísio Magalhães. Figura 39 ............................................................................................................................. p. 74 Impressora offset da Casa da Moeda do Brasil (<http://www.casadamoeda.com.br/produtos/prodcedu.htm>; acesso em 21.05.2004). Figura 40 ............................................................................................................................. p. 80 Inserções em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles (Enciclopédia de artes visuais, em <http://www.itaucultural.org.br>; acesso em 09.10.2004). Figura 41 ............................................................................................................................. p. 83 [41.1] Moça Afogada, de Roy Liechtenstein (ARGAN, 1992, p. 582); [41.2] O Bandido da Luz Vermelha, de Cláudio Tozzi (ZANINI, 1983, p. 751). Figura 42 ............................................................................................................................. p. 84 [42.1] Berço Esplêndido, de Carlos Vergara (ZANINI, 1983, p. 744); [42.2] Cama, de Robert Rauschenberg (ARGAN, 1992, p. 576); [42.3] Três Bandeiras, de Jasper Johns (<http://artwork.barewalls.com/product/framer.exe?ARTWORKID=13136&ITEMID=13136>; acesso em 11.10.2004). Figura 43 ............................................................................................................................. p. 86 Fruteira e copo, de Georges Braque (<http://www.artchive.com/artchive/B/braque/papcol1.jpg.html>; acesso em 30.05.2004). Figura 44 ............................................................................................................................. p. 87 [44.1] Rodovia Castelo Branco, São Paulo, cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982); [44.2a a 44.2d] Simulações preparadas pelo autor para esta dissertação. Figura 45 ............................................................................................................................. p. 88 [45.1] Símbolo do Unibanco, de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 105); [45.2a] Moebius strip e [45.2b] Knots, de M. C. Escher (ERNST, 1986, p. 99 e 101). Figura 46 ............................................................................................................................. p. 89 [46.1] Litogravura, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 78); [46.2] Belvedere (e detalhe), de M. C. Escher (ESCHER, 1994, prancha 74). Figura 47 ............................................................................................................................. p. 89 [47.1] Imagem produzida pelo autor, a partir de fotografia do cartema; [47.2] Plane-filling motif with crabs, de M. C. Escher (<http://www.mcescher.com/Gallery/symmetry-bmp/E40.jpg>; acesso em 12.11.2004). Figura 48 ............................................................................................................................. p. 90 [48.1] Um outro mundo II, de M. C. Escher (ESCHER, 1994, prancha 60); [48.2] Em cima e embaixo, de M. C. Escher (ESCHER, 1994, prancha 61). Figura 49 ............................................................................................................................. p. 91 Oito cabeças, de M. C. Escher (ESCHER, 1994, p. 4). Figura 50 ............................................................................................................................. p. 91 [50.1] Detalhe de nota de NCr$ 1,00, preparado pelo autor a partir da imagem mostrada na figura 36; [50.2] Símbolo do Banespa, de Aloísio Magalhães (REDIG, 1989, p. 05). Figura 51 ............................................................................................................................. p. 95 [51.1] Carta de baralho digitalizada pelo autor; [51.2] (V. figura 1.2); [51.3] (V. figura 38). Figura 52 ............................................................................................................................. p. 96 Imagens caleidoscópicas: [52.1] (<http://www.geocities.com/zuliram_es/images/palmerasdecasa_caleidoscopio.jpg>; acesso em 01.12.2004); [52.2] (<http://www.brewstersociety.com/images.html>; acesso em 01.12.2004); [52.3] (<http:// www.kaleidoscopecollector.com/ade.html>; acesso em 01.12.2004). Figura 53 ............................................................................................................................. p. 97 Três representações do oroboro: [53.1] (<http://www.terra.com.br/planetanaweb/341/fotos/reconectando_b.jpg>; acesso em 01.12.2004); [53.2] (<http://members.tripod.com/smittyjr_11/ouroboros.html>; acesso em 01.12.2004); [53.3] (<http:// abacus.best.vwh.net/oro/oro2.gif>; acesso em 01.12.2004). 7
  • 8. Figura 54 ........................................................................................................................... p. 100 Conjunto de ilustrações preparadas pelo autor para esta dissertação. Figura 55 ............................................................................................................................ p. 101 Praia de Copacabana - Rio, cartema de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, prancha 5). Figura 56 ........................................................................................................................... p. 102 Conjunto de ilustrações preparadas pelo autor para esta dissertação. Figuras 57 e 58 ................................................................................................................... p. 103 Idem. Figura 59 ........................................................................................................................... p. 104 Idem. Figura 60 ........................................................................................................................... p. 105 Idem. Figuras 61, 62 e 63 .............................................................................................................. p. 106 Idem. Figura 64 ........................................................................................................................... p. 108 Cartema da Série Barroca, de Aloísio Magalhães (LEITE, 2003, p. 73). Figura 65 ........................................................................................................................... p. 108 Cartema da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, prancha 24). Figura 66 ........................................................................................................................... p. 109 Ilustração preparada pelo autor para esta dissertação. Figura 67 ........................................................................................................................... p. 111 Cartema São Paulo, Largo do Paissandu, de Aloísio Magalhães, c. 1973, acervo Banco Itaú S.A. (<http://www.itaucultural.org.br/ bcodeimagens/imagens_publico/005408001013.jpg>; acesso em 22.10.2004) Figura 68 ........................................................................................................................... p. 112 Cartema da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães, 1974 (LEITE, 2003, p. 69). Figura 69 ........................................................................................................................... p. 112 Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães, 1972 (LEITE, 2003, p. 71). Figura 70 ........................................................................................................................... p. 113 Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães, 1973 (REDIG, 1989, p. 105). Figura 71 ........................................................................................................................... p. 113 Cartema da Série Brasileira, de Aloísio Magalhães (FUNARTE, 1982, capa). Figura 72 ........................................................................................................................... p. 114 Índio Uaika, Amazonas, de Aloísio Magalhães, cartema da Série Brasileira (FUNARTE, 1982, prancha 2). Figura 73 ........................................................................................................................... p. 114 Grutas do Mar Morto, Israel, de Aloísio Magalhães, cartema da Série Internacional, 1974 (FUNARTE, 1982, prancha 10). Figuras 74 e 75 .................................................................................................................... p. 115 Cartemas da Série em Preto e Branco, de Aloísio Magalhães, 1974 (FUNARTE, 1982, pranchas 13 e 21). 8
  • 9. RESUMO No ano de 1972, o artista plástico e designer brasileiro Aloísio Magalhães (1927-1982) apresentava ao público, em exposição realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, os cartemas -o produto então mais recente de suas investigações no campo das artes visuais. Consagrada pelos espectadores nesta e em outras mostras que se seguiram a ela no Brasil e no exterior, a criação cartemática não foi recebida com semelhante entusiasmo por uma ala da crítica e da classe artística da época. Se isto já expõe, à primeira vista, um conflito de expectativas entre arte e público, revela também, num exame mais aprofundado da questão, que fatores exteriores ao fato artístico em si contribuíram para dificultar a inserção dos cartemas -e mesmo do nome de seu criador- nos registros da história oficial da arte no Brasil. Esta dissertação, ao mesmo tempo que analisa a intrincada rede de acontecimentos, influências e motivações adjacentes à trajetória e à produção artística de Aloísio Magalhães, constitui um esforço no sentido de recuperar, divulgar e preservar, na memória da arte nacional, essa criação artística que, resistindo à ação desvanecedora de mais de três décadas, segue vigorosa, surpreendendo olhares e animando sensibilidades. Aloísio Magalhães. Brasil: artes visuais. Cartões-postais. Cartema. Colagem. Design. 9
  • 10. ABSTRACT In 1972, Brazilian artist and designer Aloísio Magalhães (1927-1982) exhibited, in Rio de Janeiro Museum of Modern Arts, the cartemas, then his newest production in visual arts. Praised by audiences at this and following exhibitions in Brazil and abroad, his creation wasn’t received with the same enthusiasm by many artists and art critics at the time. If this alone shows an expectation conflict between art and public, further analysis will also show that elements other than artistic have made their contribution to make cartema introduction – as well as its author name – in official Brazilian art history harder. The present thesis, along with analysing the intricate net of events, influences and motivations amid the trajectory and artistic production of Aloísio Magalhães, aims to reclaim, spread and keep alive, in national art registers, this work that, withstanding any fading effect three decades could have inflicted, goes on powerfully, amazing the eye and cheering the sensibility. Aloísio Magalhães. Brazil: visual arts. Cartema. Collage. Design. Postcards. 10
  • 11. 1. INTRODUÇÃO Em fins da década de 1980, ao adquirir um exemplar do catálogo da exposição de cartemas de Aloísio Magalhães realizada em 1982 pela FUNARTE -uma homenagem póstuma ao artista que falecera naquele mesmo ano-, pude experimentar sensações ambivalentes a oscilarem entre um profundo encantamento e a mais trivial das invejas. Os cartemas, que até então desconhecia, eram a materialização de uma idéia artística que poderia ou deveria, como pretensiosamente me sugeriam tais sentimentos, ter ocorrido a mim. A comparação - previsível pela recorrência em relatos semelhantes-, com alguns versos da composição Certas Canções 1 , de Tunai e Milton Nascimento, torna-se então inevitável. Certamente, minha formação em arquitetura, a incursão pelo território da ilustração e o cartum e a opção final pelo design gráfico, são aspectos que facilitaram o processo de identificação pessoal com a obra. E se declaro aqui minhas impressões, faço-o com o estrito objetivo de registrar o que teria sido, à época, seu desdobramento natural: o desejo -e provável gérmen desta dissertação- de aprofundar conhecimentos sobre a origem do cartema, ou mesmo de tentar compreender a natureza do poder arrebatador daquela simples e inventiva exploração estética. Para minha surpresa, constatei que os cartemas não eram um tema a respeito do qual se pudesse obter referências com facilidade. Também não era (e continua sendo) pequeno o número de pessoas que, mesmo familiarizadas com a produção recente da arte brasileira, ignoravam por completo a existência desse trabalho artístico. Levando em conta essa realidade, e em respeito a eventuais dúvidas, considero a conveniência de abrir aqui um parêntese para falar brevemente sobre o que vem a ser o cartema. Começando pela etimologia, já que curiosamente os dicionários da língua portuguesa não negaram registro ao termo como o fizeram alguns dicionários nacionais de arte, a palavra cartema -um neologismo proposto pelo filólogo Antônio Houaiss para denominar a obra ainda em seu nascedouro-, resulta da associação do radical cart- (de cartão-postal) com o sufixo -ema (na acepção de “unidade mínima estrutural”), conforme destaca a edição do ano de 2001 do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Como proposição estética, o cartema é um tipo particular de composição visual modular, definida pela colagem sistematizada, sobre prancha rígida de papelão, de um 1 “Certas canções que ouço / Cabem tão dentro de mim / Que perguntar carece: / ‘Como não fui eu que fiz?!’ / ...”. Certas Canções, de Tunai e Milton Nascimento, gravada originalmente no disco Anima (38min32seg), Ariola, Estéreo, Estúdio, 33 rpm, 12 pol, 3ª faixa, lado B, 3min39seg, 1982. 11
  • 12. conjunto de cartões-postais visualmente idênticos e justapostos de modo a explorar concordâncias formais singulares e efeitos ópticos ambíguos (fig. 1). Criação artística do pernambucano Aloísio Magalhães (1926 - 1982) na década de 1970, o cartema revelou-se uma solução que, já na origem, abalava convicções persistentes acerca da dicotomia técnica/estética (aqui manifesta no confronto design/arte) e da crença, herdada das vanguardas modernistas, de impossibilidade de diálogo entre obra de arte e público. Movido mesmo pelo inconformismo com as tendências soliloquistas da produção artística brasileira de então, a conflitarem com o interesse que sempre nutriu pelas manifestações da cultura popular e com o seu desejo de interação com o coletivo, Aloísio 1 2 Figura 1 - Da associação planejada do módulo -o cartão-postal (1)- chega-se ao super-módulo (2), a partir do qual constrói-se o cartema (3) 3 12
  • 13. abandonou a pintura -que exercera desde a primeira metade dos anos 1950- para dedicar- se, no início da década de 1960, à comunicação visual. O exercício do design, profissão que ele ajudara a implantar em nosso país e que desempenharia com brilhantismo pelos aproximados quinze anos seguintes, foi o caminho que, em última análise, o levou à invenção dos cartemas em 1972. Por fim, assumindo de vez a “causa” da identidade nacional, Aloísio voltou-se para o campo da política governamental brasileira para o patrimônio e a cultura, onde atuou -aí também com reconhecida competência- até o fim da vida, em 1982. Se a passagem pelo campo do design -essa área do saber que tem na comunicação um de seus pressupostos fundamentais- foi a grande oportunidade de Aloísio para atingir sua meta de interação com o grande público, a invenção dos cartemas foi, agora no território da criação sem fins de consumo, o coroamento dessa conquista. Se por este motivo, ou se pelos surpreendentes efeitos visuais da obra, o fato é que os cartemas atraíram sempre quantidades expressivas de espectadores às diversas ocasiões em que foram exibidos em museus e galerias do Brasil e do exterior. Contudo, o período transcorrido desde a última mostra expressiva dos cartemas - uma homenagem póstuma que em 1983 percorreu dez grandes capitais no país- até os dias atuais, parece ter feito volatilizar-se quase por completo aquele entusiasmo com que foi recebida e celebrada essa criação do artista, suscitando algumas reflexões a respeito do grau de importância conferido à obra de Aloísio Magalhães no âmbito da história da arte brasileira. Feitos os esclarecimentos, fecho o parêntese para retomar a narrativa do ponto em que foi interrompida, quando então os cartemas despertaram meu interesse e admiração. Interesse e admiração que, lá por meados dos anos 1990, por obra do tempo e da rotina, começavam a se acomodar em algum compartimento pouco solicitado da memória, enquanto o catálogo dos cartemas espremia-se entre outras publicações numa prateleira pouco visitada da biblioteca. Foi preciso que alguns anos se passassem até que, em 1998, uma intenção acadêmica objetiva me levasse a resgatar os cartemas da memória e da estante de livros. Decidi incorporá-los aos exercícios aplicados regularmente na disciplina Técnicas de Visualização, que então lecionava no curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal Fluminense. Estava ali meu primeiro campo coletivo de observação. As reações invariavelmente admiradas dos alunos diante dos cartemas ali produzidos, converteram-se logo em estímulo para ações de maior amplitude. Assim, no advento do ano 2000, contagiados por aquela euforia generalizada que atropelava posições mais ortodoxas 13
  • 14. e antecipava em um ano o início do novo século, oferecíamos à administração da universidade, como peça comemorativa e de divulgação institucional, o projeto gráfico (desta vez um trabalho da disciplina Planejamento Visual e Produção Gráfica) de um calendário de parede ilustrado com imagens “cartemizadas” do ambiente e cotidiano universitários. Passados quase trinta anos do aparecimento do cartema, o mundo da tecnologia nos emprestava suas facilidades para a construção de cartemas digitais, com programas gráficos e periféricos a substituir esquadros, réguas e colas Phênix, indispensáveis aos cartemas artesanais. Vantagens e prejuízos à parte, o fato é que a invenção estética de Aloísio Magalhães, estendida, como era seu propósito, a qualquer indivíduo disposto a reproduzi-la - e aqui posso me incluir -, continuava a surpreender olhares e a confirmar o que seu idealizador já constatara à época: ninguém fica indiferente ao cartema. Sentíamo-nos, assim, os alunos e eu, bastante à vontade para veicular as propostas cartemáticas produzidas em sala de aula, na medida em que a isso nos autorizava aquele desejo de compartilhamento manifestado por seu idealizador. Naturalmente, dedicamos um espaço do calendário a informações relativas a Aloísio Magalhães e seus cartemas, ao mesmo tempo uma homenagem a esse brasileiro de tantos fazeres2 e uma tentativa de resgate daquela (literalmente) admirável técnica de expressão artística. Contudo, à medida que o projeto evoluía, íamos nos dando conta -com algum estranhamento, vale dizer- da dificuldade na obtenção de informações textuais sobre os cartemas; situação que o prazo curto e as precárias condições operacionais de que dispúnhamos se encarregavam de não facilitar. Trabalhamos, então, dentro dos limites impostos por essa realidade. O Reitor, que aceitara nosso convite para comparecer à classe e ser apresentado pelos alunos à proposta, acolheu o projeto com entusiasmo, nos autorizando a produzi-lo. O calendário (fig. 2) foi produzido e, ao final, o gabinete do Reitor que se encarregara da distribuição, controlada e dirigida a setores internos e externos à Universidade, viu esgotar- se com surpreendente velocidade a tiragem de três mil exemplares. As muitas manifestações de apoio à iniciativa, levadas ao nosso conhecimento pelos funcionários envolvidos Figura 2 - O calendário da UFF, comemorativo do ano 2000, com imagens cartemizadas do ambiente universitário. no processo, foram o meio através do qual 2 Aloísio Magalhães foi titereiro, cenógrafo, gravador, pintor, gráfico, designer e, por fim, homem público engajado na política cultural governamental. 14
  • 15. pude aferir e confirmar, mais uma vez e agora num universo de análise bastante ampliado e heterogêneo, o poder de sedução visual do cartema. Todavia, ao passo que crescia meu interesse pelo assunto, igualmente ganhavam intensidade as dúvidas e estranhamentos decorrentes do aparente descaso com que a literatura especializada trata os cartemas (ao contrário do que ocorre, por exemplo e sem comparações apressadas, com seus quase contemporâneos, os objetos relacionais de Lygia Clark ou os penetráveis e os parangolés de Hélio Oiticica) e, mesmo, a passagem de Aloísio Magalhães pelas pertenças da arte. Mas, se de um lado a perspectiva insinuada pelo quadro descrito conduzia ao desalento, por outro o ineditismo 3 do tema tornava-o particularmente instigante. Decidi-me pela segunda via, cujo trilhamento, orientado pelos fundamentos da ciência e da arte e entremeado dos prazeres e angústias próprios à empreitada, desembocou nesta dissertação. Em linhas gerais, essas foram as circunstâncias que conformaram o arcabouço desta pesquisa, cujo subtítulo parece denotar uma demarcação estanque dos domínios da arte e do design. Aqui, no entanto, valho-me da comparação não como reforço de uma suposta dicotomia, mas tão-somente como artifício metodológico, pensado para ajudar a limpar o terreno de concepções equivocadas acerca das particularidades que distinguem estes dois universos da produção humana. E nessa distinção apóia-se, de certo modo, a questão central deste trabalho, qual seja: os cartemas de Aloísio Magalhães, ao conjugar fundamentos conceituais da arte a pressupostos comunicacionais do design, não se revelam igualmente obra de arte e design, um ponto de encontro entre estas duas atividades? Se observado sob o prisma da multidisciplinaridade, o problema que aí se coloca aponta para desdobramentos nos campos específicos da Arte, da Comunicação, da Política, da História, da Sociologia, da Cultura e da Ideologia, mas se apóia, fundamentalmente, na combinação dos vários aspectos que, numa certa conjuntura espaço-temporal, forjaram o ambiente social no qual atuou Aloísio Magalhães. Dessa forma, considerada a complexa teia dos acontecimentos ocorridos no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, questões subsidiárias -gerais e específicas- se desprendem daquela, central, suscitando reflexão. 3 Quando já havia trilhado metade do caminho, recolhido informações relevantes para o trabalho e constatado que a contribuição de Aloísio para a cultura brasileira tal como ela se configura atualmente ia bem mais além do que pude supor de início, fui surpreendido pelo mercado editorial com a publicação do livro “A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães” (LEITE, João de Souza (org.). A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva / Senac Rio, 2003.). A frustração com a perda do ineditismo, que ameaçou trocar de posição o instigante e o desalento, não impediu que a obra viesse a se tornar, ao fim e ao cabo, um valioso instrumento de consulta. 15
  • 16. Em resumo, estes são alguns dos aspectos que concorreram para a formatação deste trabalho nos moldes que passo a descrever. O próximo capítulo [cap. 2 – Arte e design: a frágil (mas persistente) distinção] abre a discussão sobre a delimitação das fronteiras entre a arte e o design, como decorrência da antiga questão estética-técnica cuja origem, por sua vez, antecede mesmo ao surgimento do desenho industrial como atividade socialmente reconhecida. Aqui, através da recuperação de passagens da história dessas duas áreas da produção humana, procuro demonstrar que esse convívio, nem sempre tranqüilo, foi sempre profícuo. Para tanto e como reforço de argumentação, recorri às análises críticas da questão a que procederam Giulio Carlo Argan (sob a ótica da finalidade) e Pierre Francastel (a origem na filosofia); além deles, amparei- me também no referencial histórico-sociológico de Arnold Hauser. De Ernest H. Gombrich vieram os imprescindíveis fundamentos histórico-analíticos da arte mundial. A seguir [cap. 3 - Aloísio Magalhães], procurei desenvolver uma biografia comentada de Aloísio Magalhães, restrita ao período em que ele se dedicou à pintura, às artes gráficas, ao design e à política, no intuito de localizar um fio condutor, um traço comum em suas realizações, capaz de fazer entender os caminhos que o levaram à invenção do cartema. Procedendo, então, à revisão de literatura sobre a relevância da obra e a trajetória desse artista pernambucano no âmbito da produção de arte brasileira, constatei um sintomático desequilíbrio de registros; se por um lado é grande o número de referências documentais que tratam de sua passagem pelos organismos oficiais de gestão da cultura, ou acerca do período em que se envolvera na criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), no Rio de Janeiro, ou ainda, que assinalam seu papel pioneiro na implementação e no desenvolvimento do design no Brasil relacionando premiações e trabalhos realizados na área da comunicação visual, por outro é escassa a literatura específica sobre os cartemas. Desse modo, foi necessário recorrer a consultas diretas, via telefone ou correio eletrônico, a pessoas de algum modo ligadas ao artista, bem como a pesquisas documentais no setor de Documentação e Pesquisa do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no acervo de correspondências pessoais de Aloísio Magalhães, doado por sua viúva à Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. Dentre os inúmeros títulos da bibliografia, três publicações, relativamente recentes, foram particularmente valiosas na elaboração deste capítulo: A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães (2003), organizado por João de Souza Leite; O Gráfico Amador (1997), de Guilherme Cunha Lima; e A retórica da perda (2000), de José Reginaldo dos Santos Gonçalves. 16
  • 17. O capítulo seguinte [cap. 4 - O cartema] é dedicado à análise dos cartemas: sua origem, o contexto social e político brasileiro nos anos 1970, seu discurso, suas particularidades estético-compositivas e analogias visuais possíveis. Nele, sempre a partir de uma perspectiva histórica, busco comparar as reações dos artistas brasileiros diante da ação da censura imposta pelo governo militar; analiso atributos supostamente capazes de conferir valor a uma produção em arte; e, num exercício de quase fenomenologia, devaneio pelo território das coincidências à cata de associações (im?)prováveis. Aqui, vali-me novamente de G. C. Argan e de sua profunda análise das teorias, tendências e procedimentos da arte moderna mundial, e de E. H. Gombrich, um reforço de base para estudos comparativos entre a configuração cartemática e produções artísticas de diferentes culturas e períodos. Quanto à conclusão, o que posso afirmar com clareza é que este não será -e nem seria possível ser- um trabalho definitivo, no sentido de esgotamento do tema pesquisado ou de comprovação de todas as questões havidas -ingenuamente- como comprováveis ao início da jornada. Será, disto estou certo, uma contribuição para o estudo e difusão dessa surpreendente e generosa invenção de Aloísio Magalhães. Será, ainda, uma oportunidade de colaborar para o entendimento das intrincadas relações que cercam um processo de criação e que, muitas vezes, enformam o resultado do trabalho criativo. Será, também, uma ajuda à reflexão sobre o que seriam as fronteiras entre arte e design, ou mais precisamente entre as artes ditas visuais e o design gráfico, para que se possa entender, por fim, que os cartemas de Aloísio Magalhães inscrevem-se exatamente aí, nesse espaço de interpenetração de campos, configurando-se um ponto de encontro entre a arte e o design. E será, espero, uma idéia-semente à espera de uma vontade criadora qualquer, capaz de acolhê-la, plantá- la e, quem sabe, fazê-la germinar e frutificar em belos cartemas. 17
  • 18. 2. ARTE E DESIGN: A FRÁGIL (MAS PERSISTENTE) DISTINÇÃO O recurso a expressões que antagonizam técnica e estética não é incomum. Na verdade, a cada vez que nos utilizamos do vocábulo artes, dadas as possibilidades de interpretação que o plural lhe acrescenta, poderemos estar, inadvertidamente, contribuindo para consolidar essa idéia de oposição geralmente assente no pressuposto de que técnica significa habilidade e que estética é um atributo indissociável e exclusivo da arte. Nesse sentido limitado -se se restringe a discussão à arte e ao design-, à arte não caberia senão uma destinação (um fim) espiritual, enquanto que o design, entendido como forma de arte aplicada, engendrado e conduzido por interesses fundamentalmente comerciais, estaria associado, desde sempre, a uma função utilitária, material. Neste capítulo, pretendo refletir não a respeito da origem, mas sobre alguns dos momentos ou eventos no curso da história moderna em que a produção em Arte -numa ampla significação- deu sinais claros do desgaste dessa discussão, e buscar, através da ótica da finalidade do trabalho criativo e da confrontação de ocorrências na literatura recente, demonstrar que o tema ainda faz por merecer a atenção de diferentes autores, como é possível verificar no que avalia E. H. Gombrich (1977, p. 474): Após os balbucios e hesitações do século XIX, os modernos arquitetos encontraram seu rumo [...]. Quanto à pintura e escultura, a crise ainda não saiu do ponto de perigo. Apesar de algumas experiências promissoras, ainda subsiste uma lamentável brecha entre o que é qualificado de arte “aplicada” ou “comercial”, que nos rodeia na vida cotidiana, e a arte “pura” de exposições e galerias, que muitos têm dificuldade em entender. Mas esta opção do artista pela arte “pura”, ou l’art pour l’art, é antes uma atitude reativa que o resultado de ações legítimas na perseguição de novas formas de expressão, e remonta aos efeitos das profundas mudanças nas estruturas sociais da Europa, ocorridas por obra da filosofia das Luzes no decurso do século dezoito. De fato, desde que os ideais iluministas forçaram a reorganização dessas sociedades e, ato contínuo, deslocaram os artistas de sua inserção social tradicional -deixando-lhes por conseqüência a oportunidade de romper com os cânones então vigentes da realização artística-, a Arte remodelou seu perfil, expurgando de sua (re)nascente conformação toda e qualquer atividade a ela historicamente associada, passível de ser considerada um ofício, o exercício puro e simples de uma habilidade técnica. 18
  • 19. Essa “alforria” da imaginação criadora -contemporânea da Revolução Francesa- não fora, é certo, assimilada da mesma forma pelo meio artístico que se dividia, na passagem do século XVIII, entre aqueles que talvez tocados pela pedagogia das Luzes defendiam uma finalidade social para a arte, e os que, protegidos pelo patrocínio oficial, contestavam veementemente essa possibilidade abrigando-se nas hostes das academias; cisão que, por desdobramento, se confirmaria também no plano representacional, entre os que em sua obra privilegiariam temas clássicos ou heróicos -como o fizera Jacques Louis David-, e aqueles que explorariam a representação poética dos devaneios e visões pessoais, como no caso de Francisco Goya e William Blake (fig.3). Porém, ainda que tivesse havido essa 1 2 3 Figura 3 - Diferentes caminhos na representação: o academicismo de J.-L. David (1), contemporâneo de Francisco Goya (2) e William Blake (3). “ruptura da tradição” (nos dizeres de Gombrich) a significar conflitos no âmbito das artes, isto não implicou em mudanças imediatas e expressivas no domínio das culturas regionais, preservadas em suas bases historicistas e utilizadas pelas classes dominantes como poderoso instrumento ideológico1 . Um efeito direto desse processo de convulsão interna por que passou a arte, foi que os artesãos -colaboradores tradicionais das artes- viram-se desligados, já no século XVIII, da comunidade dos artistas e, conseqüentemente, privados de sua participação criadora nas realizações da alta cultura. Por força dos interesses corporativos da classe artística -que encontraria na questão da técnica e da estética um de seus argumentos-, seria então reservada ao artesanato a condição de atividade estritamente técnica, segundo aquela concepção de técnica como simples prática ou habilidade de execução de um trabalho ou tarefa. Inevitavelmente, o mercado de trabalho dos artesãos retrair-se-ia por impacto dessa investida expurgatória. 1 Cf. MAYER, Arno. Culturas oficiais e vanguardas. In: A força da tradição: a persistência do antigo regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. 19
  • 20. Embora a produção de objetos de uso e de arte popular, estimulada desde o século XVI pela revolução comercial, significasse ainda -e agora em seu apogeu- oportunidade de trabalho para os artesãos, “à medida que crescia o mercado exportador, a especialização regional em certos ofícios artesanais tornou-se ainda mais acentuada do que antes” (BURKE, 1999, p. 269), propiciando o surgimento de centros de artesanato especializados capazes de suprir demandas não apenas locais, como também nacionais ou internacionais; estes centros, ofertando produtos a preços mais acessíveis do que poderia fazê-lo a produção artesanal usualmente voltada ao atendimento de exigências pessoais, logo recorreriam a processos mecânicos de produção e à estandardização dos objetos. A esse respeito, relata Burke (1999, p. 269)que, entre outras, [...] A indústria de azulejos de Leeuwarden, Haarlem, Amsterdam, Dordrecht e outros centros dos Países Baixos atingiu seu auge entre 1600 e 1800; os azulejos, pintados com barcos, moinhos de vento, tulipas, soldados e muitos outros motivos, eram populares não só a nível nacional, mas também na Inglaterra e Alemanha. [...] Ao longo do século XVIII, os desenhos dos azulejos holandeses foram se simplificando até umas poucas pinceladas rápidas, e passou-se a usar métodos semimecânicos, como o emprego de matrizes. Era questão de apenas uma ou duas gerações antes que o objeto artesanal, feito a mão, começasse a ceder ao objeto padronizado, feito a máquina e produzido em massa. Dessa forma, a revolução comercial, que impulsionara a produção artesanal de objetos, contribuía igualmente para o seu fim, na medida em que, em associação com outra revolução, a industrial, transformava o objeto único em produto em série e o artesão independente, se tanto, em operário assalariado. Porém, se esse amargo desfecho não confirmava para os artesãos os pressupostos iluministas da felicidade e prosperidade humanas como decorrência do progresso e da razão, também teriam custado caro aos artistas aquelas conquistas resultantes da insurreição contra os valores políticos, sociais e culturais historicistas; pois até ali, [...] sua posição na vida estava mais ou menos assegurada. Foi justamente esse sentimento de segurança que os artistas perderam no século XIX. A ruptura na tradição abrira-lhes um campo ilimitado de opções. [...] Mas, quanto mais ampla se tornava a gama de opções, menos provável era que o gosto do artista coincidisse com o do público. [...] Assim, desenvolveu-se uma profunda brecha no século XIX entre aqueles artistas cujo temperamento ou convicções lhes permitiam obedecer às convenções e satisfazer a demanda do público e aqueles que se orgulhavam de seu isolamento autodeterminado. (GOMBRICH, 1977, p. 397). 20
  • 21. Todavia, o que o estado da arte na modernidade sugere é que, naquelas circunstâncias espaço-temporais, prevaleceu o pensamento desse segundo grupo e cavou-se mais fundo o fosso - simultânea e conseqüentemente- entre a arte e o público e entre a arte e a indústria. É certo que a incorporação de atributos estéticos aos produtos industrializados -ou seja, a integração do artista no sistema de produção- não constituía, a priori, uma preocupação da primeira revolução industrial; assim é que: Na segunda metade do século XIX, os produtos de massa de uso diário, que haviam escapado ao molde estilístico do artesanato tradicional, são percebidos pela primeira vez como um problema estético. John Ruskin e William Morris querem superar, por meio de uma reforma das artes aplicadas, o abismo que separou utilidade e beleza no cotidiano industrial (industrielle Lebenswelt). (HABERMAS, 1992, p. 134) 2 No entanto, a luta empreendida por Ruskin e Morris extrapolava, como se sabe, o âmbito puramente estético da produção industrial; para além desse aspecto, sua crítica apontava para os efeitos perniciosos da prática capitalista à construção de uma sociedade moralmente saudável, condição que consideravam indispensável à produção de uma arte elevada. Na esteira do pensamento crítico de Thomas Carlyle, Ruskin foi: [...] o primeiro a interpretar o declínio da arte e do gosto como indício de uma crise geral da cultura e a exprimir o princípio fundamental, e ainda hoje não devidamente apreciado, de que, se se quer despertar nos homens o seu sentido de beleza e a sua compreensão da arte, há, antes de mais nada, que modificar as condições em que eles vivem.[...] William Morris, o terceiro na série dos críticos sociais representativos da era vitoriana, pensa muito mais coerentemente e vai muito mais longe do que Ruskin no campo da prática. Deste modo, é efetivamente o maior, isto é, o mais audacioso, o mais intransigente dos vitorianos, apesar de, mesmo ele, não ser completamente livre das suas contradições e concessões. [...] Apesar da sua sã concepção da realidade social e da função da arte na vida da sociedade, ele é um romântico enamorado da Idade Média e do ideal medieval da beleza. Prega a necessidade de uma arte criada pelo povo e dirigida a ele, mas continua a ser um diletante hedonista, que produz coisas que só estão ao alcance dos ricos e só os cultos podem gozar. Faz notar que a arte provém do trabalho, da habilidade prática do artífice, mas é incapaz de reconhecer o significado do moderno meio de produção mais importante e mais prático – a máquina. (HAUSER, 1972, p. 994-996). 2 A expressão “artes aplicadas” de que faz uso Habermas numa referência às críticas de Ruskin e Morris, acaba por encerrar uma irônica inadequação, visto que Ruskin, na condição de porta-voz do grupo pré-rafaelista, insistia que: “A arte é una, e qualquer separação entre belas-artes e artes aplicadas é destrutiva e artificial”. (Cf. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 10.) 21
  • 22. Em Morris, no entanto -ressalva Hauser-, essa restrição à produção mecânica teria sido menos rigorosa que em Ruskin, e isto lhe permitira reconhecer que, em certas circunstâncias, as invenções técnicas podiam vir a ser um bem para a humanidade. De qualquer modo, é desse estado de conflitos deflagrado pela industrialização européia que “surge o projeto industrial, ou seja, o meio através do qual um novo especialista, o designer, passa a controlar o processo que vai da concepção 1 do produto a seu uso” (ESCOREL, 2000, p. 35). Mas se é no contexto dessa revolução que se situa a origem da ramificação do design hoje denominada desenho industrial, sua outra vertente, o design gráfico, também decorre, dentro de certos limites, de um tipo particular de “revolução” desencadeada no 2 século XV com a invenção ou aperfeiçoamento 3 da impressão Figura 4 - Página do Evangelho de tipográfica por Gutenberg -a da expansão do alfabetismo e da Lindisfarne (1) e letra capitular em livro holandês do início do séc. XIV (2). democratização do conhecimento. Embora a invenção do tipo móvel tenha substituído a tarefa manual da cópia de livros -não sem antes enfrentar “séria oposição dos copistas, calígrafos e miniaturistas” 4 -, não seria difícil constatar que algum tratamento visual próprio do design gráfico (por mais que esta expressão esteja vinculada à produção em série) já existia antes mesmo de Gutenberg; as iluminuras, as molduras, os padrões e geometrismos -como os do Evangelho de Lindisfarne, de cerca de 700 d.C. (fig. 4.1)-, as letras capitulares (fig. 4.2), são exemplos de recursos estéticos dos quais se valeram copistas e gravadores e que antecederam, ou mesmo inspiraram, algumas das soluções visuais utilizadas na famosa Bíblia de 42 linhas - uma versão da Bíblia Sagrada impressa por Gutenberg na primeira metade daquele século. Ao menos em parte, isto pode explicar o empenho de William Morris em resgatar e reintroduzir nos produtos editoriais de sua época, por meio da então recente técnica da fotografia, o desenho da tipografia clássica e o uso de alguns atrativos gráfico-visuais (fig. 5) característicos da Idade Média. 3 Alguns autores atribuem a Gutenberg (c. 1400 - 1468) não a invenção, mas o aprimoramento da técnica de impressão a partir dos tipos móveis -blocos originalmente feitos de madeira contendo em relevo letras isoladas do alfabeto. Seu inventor, segundo defendem, teria sido o holandês Lourenço Coster (1370 - 1440) que se utilizara desse recurso na edição do “Horarium”, o primeiro livro impresso do Ocidente. 4 Cf. RIBEIRO, Milton. Planejamento visual gráfico. 2. ed. Brasília: Linha, 1987. p.43. 22
  • 23. Nesta linha, em 1891 foi impresso o primeiro livro na Kelmscott Press, de Morris. Entre essa época e o ano de 1896, no qual o designer faleceu, foram produzidos mais de cinqüenta títulos dos mais variados formatos. [...] Esses livros, e aqueles produzidos por outras editoras privadas da Grã- Bretanha, estavam entre os trabalhos gráficos britânicos mais admirados no resto da Europa. (HOLLIS, 2001, p. 20) Não obstante o refinamento estético que essas intervenções promoveram, o processo tipográfico continuava a exigir -como bem o desejara Morris, aliás- o envolvimento e a participação de diferentes artífices na produção de impressos, fossem eles tipógrafos, ilustradores ou gravadores. No entanto, se este foi o caminho percorrido até aquele momento pelas artes gráficas na Grã-Bretanha, é necessário que se recue um pouco no tempo para compreender as razões do diferente rumo tomado por essa atividade na França. Em 1798, na Áustria, a litografia5 foi inventada por Alois Senefelder. Essa técnica revolucionária não apenas representou um salto de qualidade para os produtos realizados através dos mecanismos tradicionais de impressão, como também contribuiu para dar forma mais aproximada ao perfil do profissional das Figura 5 - Página de livro de Morris (1897) e colofão da Kelmscott Press. artes gráficas hoje conhecido como designer gráfico. Realmente, o processo litográfico significou para o artista gráfico da segunda metade do século XIX -sintomaticamente designado “artista comercial”- uma grande liberdade de expressão e criação gráficas. A possibilidade de desenhar diretamente sobre a pedra litográfica permitiu ao artista criar e executar, ele próprio, todos os componentes gráficos de suas obras, além de propiciar um maior controle e domínio do processo e do resultado final de seu trabalho -um ganho considerável, se comparado com limitações típicas do sistema tipográfico, tais como o rígido alinhamento de textos e a necessidade do uso de matrizes xilográficas ou de metal para a reprodução de ilustrações. 5 Litografia (de líthos = pedra): processo de impressão que utiliza como matriz blocos planos de pedra calcárea, sobre a qual se aplica, por meio de lápis apropriado ou outro instrumento de desenho de base oleosa, a imagem que se quer reproduzir, e cuja técnica fundamenta-se no princípio da imiscibilidade entre água e óleo. Utilizada nos dias atuais apenas como técnica voltada à produção de gravuras artísticas, o processo litográfico evoluiu para a fotolitografia -que incorporou princípios fotográficos na transferência de imagens para a pedra- e propiciou, ainda, o surgimento do processo offset de impressão. 23
  • 24. Os pioneiros affiches6 franceses de cunho publicitário, surgidos por volta de 1870 7 , foram seguramente o meio que mais se beneficiou dessa tecnologia e que também, em contrapartida, mais contribuiu para o seu aperfeiçoamento; afinal, a exploração capitalista 1 das formas de diversão de massa -uma alternativa de lucro que se beneficiou da “passagem gradual das formas mais espontâneas e participativas de entretenimento para espetáculos mais formalmente organizados e comercializados para espectadores” 2 (BURKE, 1999, p. 271)- exigia novos meios de Figura 6 - Cartazes de Toulouse-Lautrec (1) e Bonnard (2) divulgação condizentes com a efervescência da vida cultural daquela Paris recém-reformada pelo barão Haussmann, por determinação de Napoleão III. Naquele contexto, os cartazes -forma emergente de arte que se incorporou definitivamente à feição das cidades e que tão bem refletiu comportamentos e hábitos das sociedades fin de siècle européias- consistiram em importante meio de comunicação (e de expressão) do qual se valeram artistas do porte de Henri Toulouse-Lautrec e Pierre Bonnard (fig. 6), Alphonse Mucha e vários outros de seus contemporâneos. Todavia, em que pese a sua valiosa contribuição, não foram os artistas (numa Figura 7 - Cartaz em litografia do precursor Jules Chéret. acepção bem moderna da palavra) os responsáveis primeiros pela renovação da linguagem e da técnica de execução que fizeram do cartaz essa forma simultânea de arte e comunicação; nisto, foram precedidos por um litógrafo pesquisador e talentoso desenhista, o artista gráfico francês Jules Chéret (1836-1933), cujas composições visuais (fig. 7), ainda que fortemente marcadas pelo cruzamento das influências da pintura mural de Giovanni Tiepolo (1696-1770) com as das xilogravuras japonesas exibidas nas feiras mundiais de Paris em 1867 e 1878 8 revelaram, desde cedo, uma liberdade de representação gráfica incomum em sua época. 6 Affiches: designação francesa para os cartazes de publicidade afixados em painéis de rua. 7 Cf. BARNICOAT, John. Los carteles: su historia y su lenguaje. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1972. p. 7. 8 Cf. HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 6. 24
  • 25. Ao lançar mão de formas simples definidas por contornos ligeiros e cores chapadas em sua obra, Chéret pode ter dado importante contribuição às discussões dos pintores modernos acerca da planaridade da superfície -essa condição “única e exclusiva da arte pictórica” da qual nos fala Greenberg 9 -, como exemplifica Barnicoat (1972, p. 20-24): El llamativo uso del negro en sus primeras obras y el entrelazamiento de las formas lisas entrañaba una ruptura con la interpretación tradicional de los cuerpos sólidos y el hábito de crear una ilusión de relieve, ruptura que artistas más jóvenes como Toulouse-Lautrec y Bonnard llevarían aún más lejos. Henri van de Velde, uno de los grandes portavoces del Art Nouveau, mencionaba a Chéret como uno de los precursores más importantes de este movimiento de las artes decorativas. [...] El elemento caricaturesco, irónico y satírico, las formas sencillas y lisas, la línea decorativa, eran artificios que Lautrec podía emplear en un cartel, pero que no hubiera podido expresar tan sencilla y directamente dentro de las convenciones de la pintura de su tiempo. Sus carteles tienen un carácter de bosquejo que es mucho menos patente en los cuadros y dibujos que realizó sobre los mismos temas; volveremos a encontrar esta formulación simplificada en la obra de muchos pintores de la primera mitad del siglo XX. Depreende-se desse “encontro” de Chéret e Lautrec, a partir das afinidades temáticas e representacionais expressas em seus affiches que, ao entretecer fundamentos da cultura oficial com o idioma da cultura popular de sua época, esses artistas não apenas reaproximaram arte e público como lograram demonstrar na prática, já àquela altura, a inocuidade dos esforços de indivíduos ou grupos interessados em reservar territórios distintos para a grande arte e para o que classificavam de artes menores. O desdobramento natural dessa sintonia de linguagens foi que, perfeitamente assimilados como forma de expressão artística em fins do século XIX, os cartazes asseguraram um grau de reconhecimento social até então inédito para o artista-designer francês, situação esta que não tardaria a se estender, também, a outras partes do Ocidente. Ocorria que: [...] os artistas que moravam fora da França, e que consideravam Paris a capital artística do mundo, olhavam para os pôsteres parisienses cheios de admiração. Todavia, Amsterdam, Bruxelas, Berlim, Munique, 9 Cf. GREENBERG, Clement. Pintura Modernista. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília (org.): Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997. 25
  • 26. Budapeste, Viena, Praga, Barcelona, Madri, Milão e Nova York também investiam em suas próprias escolas de artistas de pôsteres, gerando talentos individuais brilhantes. (HOLLIS, 2001, p. 7) A rápida inserção do cartaz na esfera da cultura ocidental influiu no surgimento e afirmação de um padrão de publicação editorial nas duas últimas décadas do século XIX: as revistas ilustradas 10 especializadas em temas do cotidiano e arte. Valendo-se da expansão do mercado literário -reflexo dos benefícios legados pelos planos de educação que alguns estados europeus implantaram por volta de 1870 com o objetivo de afirmar o sentimento e a idéia de nação-, essas e outras publicações do gênero colaboraram decisivamente para a divulgação mundial da produção européia de pôsteres; nos Estados Unidos, por exemplo, “após a publicação de um livro sobre o assunto, Les affiches illustrées, em 1886, os pôsteres adquiriram respeitabilidade cultural, tornando-se moda colecioná- los” (HOLLIS, 2001, p. 9). Essas revistas consistiam num vantajoso veículo de divulgação do trabalho dos artistas-designers, na medida em que representavam, ao mesmo tempo, um meio de difusão e o objeto de aplicação das suas teorias, 1 2 técnicas e habilidades. Quando enfim desponta o século XX, os resultados da confluência dos esforços de Morris com as pesquisas gráficas de Chéret já teriam promovido o reencontro dos pintores com os 3 artistas gráficos, e o movimento Art Nouveau, desde sua origem, afiança essa afirmação. Alphonse Mucha (fig. 8.1), Gustav Klimt (fig. 8.2), Henry van de Velde (fig. 8.3), Charles Rennie Mackintosh, Eugène Grasset, Aubrey Beardsley, Maurice Denis e os já citados Toulouse-Lautrec e Bonnard, são alguns Figura 8 - Cartazes de autoria de A. Mucha (1), G. Klimt (2) e H. Van de Velde (3). dos artistas que transitaram no campo 10 Destacam-se, entre as publicações da década de 1890, os periódicos ingleses The Studio e The Poster (1898), as revistas alemãs Die Jugend (1896), Simplicissimus (1896) e Pan (1895), a vienense Ver Sacrum (veículo do movimento Secessão, liderado por Gustav Klimt) e as norte-americanas The Chap-Book, Lippincott’s e Harper’s Magazine. 26
  • 27. das artes gráficas durante o período em que o chamado estilo moderno dominou o cenário artístico ocidental. Daí em diante, não foram poucas as ocasiões em que a pintura exerceu influências sobre as artes gráficas ou foi por elas influenciada. Georges Braque, Juan Gris e Pablo Picasso estamparam letras ou palavras e colaram fragmentos de jornais e outros impressos em suas telas cubistas (fig. 9), recursos que propiciariam experiências estéticas singulares 2 3 1 Figura 9 - Nos quadros de Picasso (1), Braque (2) e Gris (3), a inserção de elementos semânticos, com a constante do tema “jornal”. como aquelas a que procederam Roman Opalka e Emilio Isgrò. Filippo T. Marinetti ampliou o sentido das palavras de seus poemas ao imprimi-las com direções, pesos, dimensões e tipos diferenciados que subverteram a estrutura convencional das composições tipográficas (ainda que antes dele e dos demais futuristas e de maneira menos radical Mallarmé já o tivesse feito em 1897, com seu poema Un coup de dés) e abriu nova alternativa estética para os artistas gráficos, italianos e não, nas duas primeiras décadas do século passado. Caminho semelhante trilharam os dadaístas (figuras 10.1 e 10.2), e Kurt Schwitters fornece bons exemplos do efeito dessa incorporação de produtos gráficos (como bilhetes de ônibus, fotografias e recortes de jornais) às suas “pinturas”. Daí para a frente, design e pintura seguiriam trocando influências, como se pode observar com o movimento de stjil de Théo van Doesburg e Piet Mondrian, com o suprematismo de Kasimir Malevitch (fig. 10.3) e o 1 2 3 Figura 10 - O cartaz dadaísta de Schwitters e van Doesburg (1) aproxima-se, na linguagem, das telas de Schwitters (2) e Malevitch (3). 27
  • 28. construtivismo russo, até que os pressupostos filosóficos, a interdisciplinaridade e a produção da Bauhaus (que seriam retomados mais tarde, em meados da década de 1950 e em outras bases, pela Escola da Forma de Ulm) viessem confirmar a tese da indissociabilidade entre a técnica e a estética. Todavia, por mais consistência que comporte, o legado dos mestres da escola de Weimar (e de Ulm) parece não ter sido convincente o bastante para pôr fim a essa herança discriminatória que, ao final, é o alimento de que se nutre a tendência classificatória das diferentes formas de expressão artística. Ora como tema de discussão levantado por críticos, designers e historiadores da arte contemporâneos, ora como fato aparentemente assimilado por certos autores, o problema da referida diferenciação tem persistido e, ainda que possam causar surpresa pelo contexto no qual soem ocorrer, não são raras as construções verbais suscitando prevalência de um sobre outro tipo de manifestação artística. A título de ilustração transcrevo, a seguir, algumas dessas ocorrências. A publicação Arte no Brasil, por exemplo, que trata da produção de arte no país desde o descobrimento até a data de sua edição -o ano de 1982-, registra no capítulo intitulado (Século XVIII) Artes Menores: O problema da existência de uma arte brasileira, com características nacionais, talvez não deva ser colocado em função das manifestações artísticas puras, como a escultura ou a pintura, e sim em relação às chamadas artes aplicadas, decorativas ou menores, que incluem mobiliário, ourivesaria, cerâmica, imaginária, têxteis etc. Nessas manifestações artísticas, tidas como inferiores, a alma nacional soube expressar-se melhor do que nas artes “superiores”; se se quiser localizar a marca da mão do povo brasileiro, é nessas produções modestas que se irá descobri-la, pois nelas o artesão ou o artífice soube externar- se com uma liberdade e uma invenção que nem sempre lhe possibilitaram as manifestações artísticas mais sofisticadas. (LEITE, 1982, p. 337, grifos meus) O exemplo acima não representa, no entanto, um caso isolado. Ao contrário, com relativa freqüência deparamo-nos com formulações semelhantes àquela, como as que reproduzo a seguir. A primeira, do autor inglês John Barnicoat, num registro em sua obra já citada: El Art Nouveau fue el estilo moderno más característico del cambio de siglo. El diseño de carteles formó parte de este movimiento artístico que afectó tanto a las artes mayores como a las menores. (BARNICOAT, 1977, p. 29, grifos meus) 28
  • 29. Outra, talvez mais surpreendente, é a que nos oferece em seu livro Layout: o design da página impressa, o designer gráfico Allen Hurlburt: [...] Neste século [o século XX], mais do que em qualquer outro, as múltiplas disciplinas do design são entrelaçadas para formar o tecido do estilo contemporâneo. O movimento cubista estava relacionado apenas com a pintura e a escultura, mas, em composição com o Dadaísmo e o Futurismo, os estilos e influências começaram a disseminar-se das artes mais nobres para outras áreas do design. (HURLBURT, 1986, p. 14-15, grifos meus) É bem pouco provável que tais citações -por mais carregadas que sejam de atributos de valor- pretendam intencionalmente reforçar essa idéia de hierarquização entre as alternativas de realização artística; a desatenção, todavia, acaba por fazê-lo. Só que aceitar aí qualquer condição de supremacia é, em última análise, acatar a tese de que as formas “superiores” de arte rejeitam toda e qualquer finalidade prática; ou que seriam, segundo Kant, uma "finalidade sem fim". Quanto a isto, tendo a concordar com Pierre Francastel (1973, p. 57), quando observa: Hoje, tanto quanto em qualquer outra época, a arte verdadeira jamais revestiu um caráter de gratuidade. Os valores estéticos não são os valores desligados de toda contingência, os valores inúteis. Sei perfeitamente que a opinião de Kant foi tomada por vários, dentre os melhores pensadores. Se hoje, nos círculos de filósofos, existe uma tendência desastrosa de identificar a arte com o supérfluo, isto se deve em grande parte a Bergson que divulgou essa ilusão. Para ele a finalidade da arte é criar mundos imaginários; ela preenche a vocação fabuladora da humanidade.[...] Acresce que a arte sofre, em nossos dias, uma tentação pelo gratuito e há de se reconhecer que em grande parte a culpa cabe aos artistas e aos filósofos se os técnicos têm uma idéia tão falsa sobre as relações da arte com a técnica. A origem dessas teorias é dupla. Filosófica por um lado. Mostrei sua origem em Kant e não se poderia estar de acordo com sua fórmula pois se arte era verdadeiramente uma finalidade sem fim, ou se o artista não se propunha um outro objetivo exterior a ela, seria necessário negar à arte toda significação. Ao contrário o que ocorre de fato é que a arte, servindo em todas as épocas como meio de expressão e de propaganda, é um dos veículos da ideologia de seu tempo; é também um fato que o arquiteto que constrói um palácio, uma ponte ou uma igreja não trabalha no absoluto, fora de toda contingência, mas, pelo contrário, para satisfazer ao mesmo tempo às necessidades práticas e às exigências de gosto de seus contemporâneos. Recuando no tempo até o ano de 1923, encontraremos também no pensamento de Leon Trotski a seguinte abordagem sobre a relação entre arte e técnica, sob a ótica da finalidade: 29
  • 30. Tomemos o canivete como um exemplo. A combinação de arte e técnica pode desenvolver-se dentro de duas linhas fundamentais: ou a arte embeleza o canivete e retrata em sua lâmina um elefante de suprema beleza, ou a Torre Eiffel; ou a arte ajuda a técnica a encontrar uma forma "ideal" para o canivete, ou seja, uma forma que corresponda mais adequadamente ao material de um canivete e ao seu uso. Pensar que essa tarefa pode ser resolvida por meios puramente técnicos é incorreto, porque finalidade e material permitem numerosas... variações. Para fazer um canivete "ideal" precisamos, além do conhecimento das propriedades do material e dos métodos de sua utilização, também de imaginação e gosto. Segundo toda a tendência da cultura industrial, podemos pensar que a imaginação artística na criação de objetos materiais será dirigida para a elaboração da forma ideal de uma coisa como coisa, e não para o seu embelezamento como uma finalidade estética em si. (SELZ, 1999. p. 471-472) As palavras de Francastel e de Trotski irão encontrar consonância na esclarecedora parábola d'O busto e o elmo, em que o autor, Giulio Carlo Argan, estabelece comparações de objetivos entre os trabalhos do artista -um escultor- e do artesão de um mesmo período histórico, empenhados em produzir, o primeiro, um busto de bronze, e o segundo, o elmo de um guerreiro. Salientando que ambos têm por referencial comum de criação a cabeça do homem, Argan (1992, p. 115-116) considera: O artista que modelou o busto pensou que a cabeça do homem é bela porque é a parte mais nobre do corpo humano, aquela que em mais alto grau reflete e revela a perfeição ideal de Deus. O artesão que lavrou o capacete pensou que a cabeça é a parte mais importante, vital e delicada do corpo humano, aquela que merece em mais alto grau ser protegida, e condicionou a forma do objeto a esse seu conceito de valor: aumentou a espessura do metal onde piores podem ser os efeitos dos golpes, estudou a inclinação ou a curvatura da superfície de modo a fazer derrapar os fendentes, buscou obter o máximo de segurança com o mínimo de peso. Para o artista que modelou o busto, o valor de uma cabeça é estreitamente ligado à semelhança, para o artesão que forjou o capacete ele é praticamente independente desta. Porém, enfatiza o autor, a semelhança interessa ao artista enquanto parâmetro de transposição para o universal -o espaço, no qual se instalará como imagem-, aquilo que antes é individual: os traços exteriores de um rosto determinado. Assim, o busto é fruto da contemplação e destina-se, em última análise, à contemplação. Quanto ao artesão, interessa- lhe resolver o elmo como agente mediador entre a cabeça e o espaço em que atua o guerreiro; sua obra está, pois, em relação direta com a idéia de ação. E mais: O escultor concebeu a sua forma como uma "coisa" que apenas ocasionalmente é tal, mas na realidade tende a separar-se da contingência 30
  • 31. e temporalidade da coisa para atingir a universalidade ou a imóvel espacialidade da imagem. O artesão quis, ao contrário, criar uma forma que fosse antes de tudo e de pleno direito uma coisa, um objeto, e que como tal se referisse a uma contingência específica, a uma dada condição temporal: a do homem que vai à guerra. A forma do busto é naturalista porque nasce da consideração da figura humana como um aspecto, o mais alto aspecto, da Criação. A forma do capacete, embora aparentemente abstrata, é de fato realista porque considera o homem na sua realidade, no tempo e no lugar de uma circunstância bem precisa. Para o autor do busto, tudo é já criado, já está no espaço, e ao artista não se permite senão imitar ou repetir, mesmo que individualizando o momento eterno da beleza sob as semelhanças mutáveis do contingente. Para o autor do elmo, a série dos objetos é ilimitada como a das ações humanas; aliás, há uma correspondência tão estreita entre as ações e os objetos que são as primeiras que determinam ou criam os segundos. A própria objeção comum sobre a pura esteticidade do busto e a pura praticidade do elmo se revela inconsistente: todos estamos de acordo em reconhecer que a forma do elmo é bela, e o é porque responde de modo preciso e exaustivo a uma função. [...] Portanto, a idéia de função nos serve de unidade de medida da qualidade estética da forma do elmo, do mesmo modo como a idéia da observação ou da contemplação nos serve de unidade de medida da qualidade estética do busto: só que a idéia de função implica a de ação, enquanto a idéia de contemplação implica a de imobilidade. Num desdobramento desse raciocínio Argan pontua que, para cumprir com êxito a função a que se destina, é preciso que ao objeto esteja associada a noção de projeto -a base do trabalho do designer (e também do arquiteto)-, em lugar daquela de esboço com a qual trabalha, geralmente, a maioria dos artistas. Projetar, por sua vez, requer conhecimentos dos meios de operação e das etapas da produção de determinado objeto em escala industrial; igualmente, implica na consciência da possibilidade de atendimento às exigências de uma certa coletividade e não mais de demandas individuais. E conclui: É portanto o "projeto" ou o "desenho industrial" que determina a priori, e sempre em relação à função, a qualidade do produto, que é sempre qualidade estética; e não pode, na atual condição da cultura, haver um bom projeto que não nasça de um processo de intuição ou de invenção, isto é, de um processo tradicionalmente considerado de caráter estético e próprio dos artistas. Naturalmente, não se concebe hoje uma escala de produção de objetos destinados ao atendimento às necessidades materiais das sociedades que ocorra fora da indústria, e o designer é o profissional que pode conferir distinção de qualidade -funcional e estética- a esses produtos. A relação entre o design (gráfico ou de produto) e a indústria é, pois, inextricável; mas essa condição atual de interdependência não implica, necessariamente, 31
  • 32. em que todo produto industrial seja esteticamente bem resolvido ou mesmo socialmente necessário; só que neste caso, a resposta da coletividade se dá de maneira clara e precisa, através de seu direito de escolha. Afinal, há boas e más soluções em design como há, na arte em geral, obras de maior ou menor significação, e a medida do êxito ou fracasso para essas atividades pode ser dada pelo grau em que cada uma delas opera e modifica a realidade. Sabemos que a noção de finalidade que conduz o processo de criação em design não recomenda ao designer atitudes hedonistas, algo equivalente a um design pelo design; a arte, por seu lado, ainda as admite, e os mecanismos sutis -mesmo denunciados e combatidos pelos artistas mais conscientes- de parte do mecenato contemporâneo, não raro as alimentam e exploram. Um livro recente, intitulado Livre-troca: diálogos entre ciência e arte -trabalho conjunto do sociólogo francês Pierre Bourdieu com o artista alemão Hans Haacke-, é um importante sinal de alerta que desvela, também, alguns dos princípios norteadores das estratégias de patrocínio da arte contemporânea. É o próprio Haacke (1995, p. 28-29) quem esclarece: Creio que é importante distinguir a idéia tradicional do mecenato das manobras de relações públicas que se apoderam desse termo. Invocando o nome de Mecenas, as empresas de hoje se dão uma aura de altruísmo. O termo americano de sponsoring explica melhor que existe, na realidade, uma troca de bens, de bens financeiros da parte do patrocinador e de bens simbólicos da parte do patrocinado. A maioria dos homens de negócio é mais direta quando fala a seus pares. Alain- Dominique Perrin, presidente da Cartier, por exemplo, diz claramente que ele gasta o dinheiro da Cartier visando metas que nada têm a ver com o amor à arte. [...] Segundo suas próprias palavras: "O mecenato não é apenas um formidável instrumento de comunicação; muito mais do que isto, ele é um instrumento de sedução da opinião". Os contribuintes pagam aquilo que as empresas recuperam através de isenções fiscais pelas suas "doações", e somos nós quem verdadeiramente subvencionamos a propaganda. Estes custos da sedução não servem apenas para o marketing dos produtos, como os relógios e as jóias no caso da Cartier. É mais importante para os patrocinadores criar um clima político favorável a seus interesses no que diz respeito, por exemplo, aos impostos, à regulamentação do trabalho ou da saúde, às coações ecológicas ou à exportação de seus produtos. 11 11 Destaquei aqui o caso da Cartier -empresa multinacional de origem francesa que atua no mercado de jóias- por dois motivos que me parecem relevantes. O primeiro, expresso no texto, por revelar as verdadeiras intenções do mecenato da troca e da cooptação; o segundo porque, atento às manobras da empresa, Hans Haacke produziu, em 1986, uma instalação denominada O must de Rembrandt em que desmistifica a “aura de altruísmo” da empresa que explora e preserva, através do trust Rembrandt, condições subumanas de trabalho nas minas de metais preciosos na África do Sul. (id., 1995, p. 40-43) 32
  • 33. Produzir arte sob tais circunstâncias difere pouco daquela atitude submissa e acrítica dos artistas que trabalharam, até por volta do século XIX, a serviço da alta cultura e das ideologias da aristocracia, da igreja e do estado; e isso, por mais que se possa pretender, não confere a qualquer dos segmentos da arte as supostas qualidades superiores; e não seria de se estranhar que fossem os beneficiários desse tipo de mecenato -que tanto os afasta de seu importante papel de transformadores sociais-, os mesmos a defender com veemência uma condição especialmente pura para a Arte. Em situações como esta, o pacto firmado entre o capital e a arte é seguramente mais nocivo à sociedade (e à própria arte, naturalmente) do que poderia sê-lo a "polêmica" (porém clara) relação da indústria com a arte, estabelecida através do design -essa "forma de expressão que se projeta para o futuro, sempre em busca de articulações e significados novos e cujo pressuposto nuclear é atender às demandas de bem- estar físico, intelectual e emocional do ser humano" (ESCOREL, 2000, p. 69). Na controversa obra literária Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão, Affonso Romano de Sant'Anna (2003, p. 185), ao discorrer sobre a função da arte, assinala que: [...] quando um congolês fazia uma colher de madeira que admiramos hoje, ele a fazia, primeiramente, movido pela necessidade, mas também por um desejo de funcionalidade e harmonia com seu universo. É a mesma coisa com a arte plumária de nossos índios ou desenhos e esculturas astecas. [...] O processo de sedução estética e artística que pode acontecer pelo avesso, até pelo exercício do horror e do grotesco, tem uma função na relação entre as criaturas. Não existe cultura sem símbolo e sem o mínimo de estética. E uma das maneiras de medir o grau de desenvolvimento dos indivíduos e coletividades, deve (ou deveria) ser a capacidade de se expressarem simbolicamente, pelos rituais, pelos jogos, pela política e pela arte. Desconectada do público e de uma função, a arte não serve sequer a si mesma. Compreendendo muito bem isso, não são poucos os artistas que têm buscado reafirmar seu papel na sociedade através de ações capazes de reatar os laços da arte com a coletividade. Aloísio Magalhães, como será mostrado a seguir, foi um deles. Para lograr êxito nesta tarefa precisou experienciar o "isolamento do artista", rever criticamente seus próprios objetivos, mudar a direção de sua produção, transitar por áreas de criação e realização específicas. A soma de todas essas ações desembocou nos cartemas, trabalho artístico que confirmou a tese de que, juntos, arte e design têm mais em comum do que se pode ser levado a deduzir pela habitual (e já desgastada) pretensão de conferir graus diferenciados de valor às variadas formas de expressão artística. 33
  • 34. 3. ALOÍSIO MAGALHÃES A trajetória de vida do brasileiro Aloísio Barbosa Magalhães foi marcada por intensa atuação nos campos da pintura, das artes gráficas, do design e da política cultural. Nascido na cidade do Recife, em 1927, Aloísio descende de família rica e influente no cenário político pernambucano e nacional. Seu pai, o médico e professor Aggeu Sérgio de Godoy Magalhães, foi diretor da Faculdade de Medicina do Recife em meados da década de 1930 e mais tarde secretário de Saúde e Educação de Pernambuco; seu tio, Agamenon Magalhães, foi deputado estadual (1918), deputado constituinte eleito em 1932, ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas, interventor do Estado de Pernambuco -sob o Estado Novo- de 1937 a 1945, ministro da Justiça de Vargas, novamente deputado constituinte em 1946 e governador de Pernambuco, agora eleito, em 1950. Sérgio Magalhães, outro irmão de seu pai, também foi deputado federal com base eleitoral no Rio de Janeiro, em princípio da década de 1960. Aos dezoito anos de idade, Aloísio ingressava no curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, profissão que nunca viria a exercer e, sobre as razões que o levaram a escolhê-la, pronunciaria mais tarde: “quem é que não fazia direito na época? Era o primeiro sinal de bom senso, quer dizer, bom senso de desejo de uma projeção política, intelectual” (LEITE, 2003, p. 27). Sua vida acadêmica foi conciliada desde o início em 1946, e até o final do curso em 1950, com as funções de cenógrafo e figurinista do Teatro do Estudante de Pernambuco - TEP, cuja “proposta de trabalho estava sintonizada com os movimentos estudantis do Recife que no período do Estado Novo tinham se engajado nas lutas antifascistas e em 1946 participavam intensamente do processo de redemocratização política do país”, segundo registra em texto 1 o amigo -e ex-integrante do TEP- José Laurenio de Melo. Ali também, Aloísio respondeu temporariamente pelo Setor de Teatro de Bonecos e participou da criação das Edições TEP, destinadas a divulgar a “produção de uma literatura dramática embebida na realidade brasileira”. Em janeiro do ano em que se graduaria em Direito, Aloísio ocupa seu primeiro cargo público, como redator da Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife. Uma bolsa de estudos obtida do governo francês por indicação de seu amigo, o diplomata Wladimir Murtinho, leva-o a Paris entre 1951 e 1953, onde cursa museologia na 1 MELO, José Laurenio de. Aloísio e o TEP. In: LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva, 2003. 34