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v.6 nº18
                                                            janeiro > abril | 2012
                                                            SESC | Serviço Social do Comércio
                                                            Administração Nacional




               ISSN 1809-9815
               SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012




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SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional

                    PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL
                    Antonio Oliveira Santos
                    DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL
                    Maron Emile Abi-Abib

                    COORDENAÇÃO EDITORIAL
                    Gerência de Estudos e Pesquisas /
                    Divisão de Planejamento e Desenvolvimento
                    Mauro Lopez Rego

                    CONSELHO EDITORIAL                            COMITÊ CONSULTIVO 2011
                    Álvaro de Melo Salmito                        Alexandre Palma (UFRJ)
                    Mauricio Blanco                               Andre Braz Golgher (UFMG-CEDEPLAR)
                    Nivaldo da Costa Pereira                      Antonio Alkmim (PUC-RJ)
                    SECRETÁRIO EXECUTIVO                          Cesar Kiraly (UFF)
                    Mauro Lopez Rego                              Danielle Carusi (UFF)
                    ASSESSORIA EDITORIAL                          Denise Bragotto (PUC-Campinas)
                    Andréa Reza                                   Edith Frigotto (UFF)
                                                                  Eduardo Gomes (UFF)
                    EDIÇÃO                                        Fernando Blanco (Banco Mundial)
                    Assessoria de Divulgação e Promoção /         Flavio Ferreira (FFAU)
                    Direção-Geral                                 Ilana Sender (UFRJ)
                    Christiane Caetano                            José Cláudio Sooma Silva (UFRJ)
                    PROJETO GRÁFICO                               Luiz Guilherme Vergara (UFF)
                    Vinicius Borges                               Marcelo Kischinhevsky (PUC-RJ)
                    SUPERVISÃO EDITORIAL                          Márcia Stein (UERJ)
                    Jane Muniz                                    Maryane Saísse (UFRJ)
                    PRODUÇÃO EDITORIAL                            Mauro Roese (UFRGS)
                    Duas Águas| Ieda Magri                        Rafael Parente (New York University)
                    REVISÃO                                       Ronaldo Rosas Reis (UFF)
                    Elaine Bayma
                    REVISÃO DO INGLÊS
                    Idiomas & cia
                    DIAGRAMAÇÃO
                    Livros & Livros | Susan Johnson
                    PRODUÇÃO GRÁFICA
                    Celso Clapp

                    Sinais Sociais / SESC, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/
                       ago. 2006)- . – Rio de Janeiro : SESC,
                       Departamento Nacional, 2006 - .
                       v.; 30 cm.
                       Quadrimestral.
                       ISSN 1809-9815
                       1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I.
                    Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional, 2006 - .


                    As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.
                    As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.




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SUMÁRIO
               APRESENTAÇÃO5
               EDITORIAL6
               SOBRE OS AUTORES8
               O DEBATE PARLAMENTAR SOBRE O PROGRAMA
               BOLSA FAMÍLIA NO GOVERNO LULA10
               Anete B. L. Ivo
               José Carlos Exaltação

               EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE:
               ESTRATÉGIA PARA EMPRESAS DO SÉCULO XXI48
               Deborah Munhoz

               FAGULHAS DO AUTORITARISMO NO FUTEBOL:
               EMBATES SOBRE O ESTILO DE JOGO
               BRASILEIRO EM TEMPOS DE DITADURA
               MILITAR (1966-1970)78
               Euclides de Freitas Couto

               JUVENTUDES, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS
               PÚBLICAS NO BRASIL: TENSÕES ENTRE O
               INSTITUÍDO E O INSTITUINTE102
               Glória Diógenes

               A MÁQUINA MODERNA DE JOAQUIM
               CARDOZO128
               Manoel Ricardo de Lima




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APRESENTAÇÃO
                 A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um
               espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira.
                 Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação.
               Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a
               publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no
               Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas
               páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício
               poder-se-ão manifestar.
                 Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da
               Sinais Sociais é garantida. O fundamento desse pressuposto está nas
               Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da enti-
               dade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo
               ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como
               principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.”
                 Igualmente, é respeitada a forma como os artigos são expostos – de
               acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais
               heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos.
                 Importa para a revista Sinais Sociais artigos cujas fundamentação
               teórica, consistência, lógica da argumentação e organização das ideias
               tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises
               que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou
               lhes apresentem um novo olhar sobre os objetos em estudo.
                 O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas seme-
               lhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com
               suas reflexões como para segmentos do grande público interessados
               em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país.
                 Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao
               mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse deba-
               te, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais.


                                                                      Antonio Oliveira Santos
                                                     Presidente do Conselho Nacional do SESC




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EDITORIAL
                       Períodos de instabilidade e mudanças profundas nos colocam diante
                    do desafio de fazer opções fundamentais, convocando à reflexão os
                    problemas que emergem na arena política, em grau e complexidade
                    crescentes.
                       Pensar alternativas para o presente exige a atualização de questões
                    sobre as formas de condução das políticas públicas concomitantemen-
                    te à própria constituição dos novos sujeitos políticos. Se, por um lado,
                    as estruturas já estão dadas, por outro, os agentes modificam tais es-
                    truturas e são por elas modificados, em um processo transformador
                    permanente.
                       A presente edição da revista Sinais Sociais traz artigos que problemati-
                    zam a complexa interação entre o Estado e a sociedade na conformação
                    da esfera pública democrática e instigam a cogitar que valores e sen-
                    tidos sociais estão presentes, vivos, e podem constituir vetores para
                    mobilizar o coletivo em favor da viabilização de um processo virtuoso,
                    ainda possível, de sustentabilidade social, ambiental e ecológica.
                       Com base na trajetória dos debates parlamentares em torno do
                    Programa Bolsa Família, o texto de Anete B. L. Ivo e José Carlos Exaltação
                    discute os campos de disputas e forças institucionais, envolvendo
                    relações de poder e de significados, que configuram a evolução das po-
                    líticas sociais. Ainda no campo dos problemas multidimensionais que
                    exigem articulação intersetorial e relações intergovernamentais, Glória
                    Diógenes aborda a tensão entre os movimentos instituintes e as ações
                    instituídas na esfera das políticas públicas da juventude, apresentando
                    elementos para a desconstrução das representações normativas acerca
                    dos jovens, das quais advêm formas conservadoras de conceber as po-
                    líticas, sob a égide dos problemas sociais a serem combatidos. Nesse
                    cenário de reordenação de forças, com a composição de redes híbridas
                    que integram atores governamentais, corporativos e não governamen-
                    tais, o artigo de Deborah Munhoz traz contribuições conceituais e
                    metodológicas para o desenvolvimento de práticas de educação para
                    a sustentabilidade empresarial, visando a novos patamares rumo a pa-
                    drões sustentáveis.



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Euclides de Freitas Couto, ao explorar reflexivamente as construções
               narrativas da imprensa esportiva sobre a seleção verde-amarela entre
               1966 e 1970, interpreta a “textualidade” da vida social, desvelando
               aspectos ideológicos e políticos de significação do esporte como palco
               de lutas simbólicas da sociedade brasileira.
                 Finalmente, o artigo de Manoel Ricardo de Lima discorre sobre a
               construção poética de Joaquim Cardozo, delineada por uma con-
               cepção de espaço-tempo que subverte a racionalidade moderna e
               convida a novas institucionalidades, com alargamento e interpenetra-
               ções de territórios, simultaneidades, ecos e reverberações.


                                                                          Maron Emile Abi-Abib
                                                Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC




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SOBRE OS AUTORES
                    Anete B. L. Ivo
                    Socióloga, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco, professora
                    do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pesquisadora do Centro de Re-
                    cursos Humanos da Universidade Federal da Bahia e editora da revista Caderno CRH.
                    Foi titular da Cátedra Simon Bolivar da Université de Paris III (2000); professora visitante
                    da Université de Paris XII e professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da
                    Universidade Católica de Salvador (2009-2011). É autora dos livros Viver por um fio:
                    pobreza e políticas sociais (Annablume, 2008); Metamorfoses da questão democrática:
                    governabilidade e pobreza (CLCSO, 2001); O poder da cidade: limites da governança
                    urbana (Edufba, 2000, em coautoria) e de vários artigos sobre Pobreza, desigualdades
                    e políticas sociais, Estado e sociedade e Teoria social publicados em revistas e obras
                    coletivas no Brasil e no exterior.


                    Deborah Munhoz
                    Diretora�������������������������������������������������������������������������
                              da HUB-C: inteligência em sustentabilidade, atua como palestrante e con-
                    sultora em Gestão da Qualidade de Vida e Sustentabilidade. Mestre em Saneamento,
                    Meio Ambiente e Recursos Hídricos e bacharel em Química pela Universidade Federal
                    de Minas Gerais (UFMG). Consultora em Produção Mais Limpa formada pelo Centro
                    Nacional de Tecnologias Limpas do Senai. Professora de Sustentabilidade Empresarial
                    e Projetos de Produtos e Processos com Eficiência Ecológica no MBA de Gestão de
                    Negócios com ênfase em Meio Ambiente e na pós-graduação de Engenharia Ambiental
                    Integrada do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC); professora do curso de pós-
                    graduação em Educação Ambiental, Agenda 21 e Sustentabilidade do Centro de Eco-
                    logia Integral em Belo Horizonte, Minas Gerais. Trabalhou como técnica da Gerência
                    de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e é
                    pesquisadora independente nas áreas de desenvolvimento de lideranças e ecodesign de
                    sistemas produtivos.


                    Euclides de Freitas Couto
                    Doutor em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em
                    ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e graduado em
                    história pela mesma universidade. Atualmente é professor adjunto do Departamento de
                    Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei. É membro dos grupos de
                    pesquisa Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer, da Universidade Federal
                    do Rio de Janeiro (UFRJ) e Laboratório de Arquitetura e Urbanismo Social, da Univer-
                    sidade Federal de São João del-Rei. Nos últimos anos tem se dedicado aos estudos
                    relacionados à história e à sociologia do esporte.




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Glória Diógenes
               É professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
               Federal do Ceará, ����������������������������������������������������������������
                                  coordenadora do Laboratório da Juventude, fundadora e ex-coorde-
               nadora do Projeto Enxame – fazendo arte com gangues e galeras. Realizou uma série
               de pesquisas sobre a criança e o adolescente, todas publicadas: “Meninos e meninas de
               rua: cenário de ambiguidades” (1993); “Histórias de vida de meninos e meninas de rua”
               (1994); “Criança infeliz” – exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em
               Fortaleza” (1998); “Personagens em foco: esses meninos e meninas moradores de rua”
               (1998). Tem artigos publicados nos livros: Abalando os anos 90: funk e hip hop (Roc-
               co,1997); Linguagens da violência (Rocco, 2000); Violência em tempo de globalização
               (Hucitec, 1999); Política e afetividade (Edufba, 2009); A juventude vai ao cinema (Autên-
               tica, 2009); Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil (Petrópolis/Ação Educativa,
               2011) e Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades (2011). Em 1998,
               como resultado de sua tese de doutorado, lançou pela Annablume o livro Cartografias
               da cultura e da violência – gangues, galeras e o movimento hip hop, seguido de: Itine-
               rários de corpos juvenis (Annablume, 2003); Cenas de uma tecnologia social: botando
               boneco (Annablume/Sesi/Fiec, 2004); Os sete sentimentos capitais: exploração sexual
               comercial de crianças e adolescentes (Annablume, 2008) e ViraVida – uma virada na
               vida de meninos e meninas no Brasil (Sesi, 2010).


               José Carlos Exaltação
               Sociólogo, mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências
               Sociais da Universidade Federal da Bahia com a dissertação O CadÚnico na identifica-
               ção e classificação social de “quem são os pobres do Brasil”. Atualmente é técnico de
               nível superior, analista ambiental, do Instituto do Meio Ambiente do governo do Estado
               da Bahia. Integrou a equipe da pesquisa Programas de Transferências Monetárias Con-
                                                           �������������������������������������������
               dicionadas en Brasil (TMC), coordenada no Brasil por Anete Ivo (Fundación Carolina,
               março 2010).


               Manoel Ricardo de Lima
               Poeta, professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Estado do Rio de
               Janeiro (Unirio). Publicou Falas Inacabadas (um livro-transparência com a artista visual
               Elida Tessler), Embrulho e Quando todos os acidentes acontecem (poemas); Entre per-
               curso e vanguarda, 55 começos e Fazer, lugar (ensaios) e As mãos (novela). Organizou
               as coletâneas A visita (com Isabella Marcatti) e A nossos pés. Tem artigos publicados em
               revistas e jornais no Brasil e no exterior. É coordenador editorial da Editora da Casa,
               de Santa Catarina, e coordena a coleção Móbile de miniensaios para a Lumme Editor.




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O DEBATE PARLAMENTAR
                    SOBRE O PROGRAMA
                    BOLSA FAMÍLIA
                    NO GOVERNO LULA
                    Anete B. L. Ivo
                    José Carlos Exaltação




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Este artigo recompõe a trajetória dos debates parlamentares sobre os pro-
               gramas sociais, em especial o Bolsa Família, em contexto de disputa eleitoral
               (2003, 2004, 2006 e 2008). A análise apresenta os principais eixos temáticos
               do embate entre parlamentares de governo e de oposição no Congresso Nacio-
               nal, exibindo o caráter necessariamente conflitivo e não linear da política, seus
               avanços e recuos, o que caracteriza a luta em torno dos programas sociais. Esse
               processo representa uma luta por hegemonia na competição partidária: de um
               lado, os partidos lutam para garantir a sua própria reprodução e legitimidade,
               e, do outro, para construir respostas às demandas sociais, dentro do horizonte
               do possível. A despeito das estratégias de neutralização entre os atores políticos
               – partidos do governo e da oposição – sobre o Programa Bolsa Família, este ar-
               tigo mostra que a arena política do Congresso Nacional constitui-se um fórum
               privilegiado e democrático para a construção da política.
               Palavras-chave: arena política; políticas sociais; Bolsa Família; legislativo; pobre-
               za e desigualdades sociais

               The article reconstructs the evolution of parliamentary debates focused on so-
               cial programs in Brazil; particular emphasis is given to Bolsa Família (Family
               Allowance) in the context of elections which took place in 2003, 2004, 2006
               and 2008. The analysis presents the main differences of opinion in Congress
               between government members of parliament and those of the opposition,
               showing the necessarily conflictive and non-linear policies, the advances and
               retreats, which characterize the battle around social programs. This process
               represents a struggle for supremacy in the competition between parties: on the
               one side, the fight to ensure their own reproduction and legitimacy, and, on the
               other, to find answers to social needs, within the horizon of the possible. Despi-
               te the neutralization strategies among political actors – government parties and
               opposition parties alike – on the Bolsa Família Program, this article shows that
               the political arena of National Congress is a privileged and democratic forum
               for the building of policy.
               Keywords: political arena; social policies; legislative; poverty and social inequa-
               lities; development




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INTRODUÇÃO

                       Historicamente a construção das políticas na área social sempre en-
                    volveu uma tensão política entre liberais ou socialistas a respeito do
                    grau de comprometimento e responsabilidade do Estado com a área
                    social. Ou seja, o embate sobre programas e direitos sociais, entre
                    outros aspectos, implica tensões sobre o quanto a sociedade aceita
                    redistribuir a riqueza nacional. Desse modo, também a avaliação de
                    um programa social não é técnica apenas, mas mediada pelo jogo das
                    forças políticas.
                       Nesse sentido, o debate sobre as políticas sociais envolve duas di-
                    mensões associadas: uma conceitual a respeito da natureza do Estado
                    social; e outra gerencial, que se refere à operacionalização das polí-
                    ticas na esfera do governo. É no entremeio entre as concepções do
                    Estado social e os modos de operar as políticas sociais no governo Lula,
                    que o Programa Bolsa Família é debatido na arena política do Con-
                    gresso Nacional, condicionando as formas de intervenção das políticas
                    sociais pelo governo. O fio condutor da análise privilegiada neste tex-
                    to é o Programa Bolsa Família, mas o debate entre os parlamentares
                    recorre a outras políticas sociais, como o salário mínimo e as políticas
                    de emprego mais estruturais e redistributivas como contra-argumentos
                    da oposição, no sentido de sugerir uma mudança de curso do governo
                    do Partido dos Trabalhadores (PT) em relação à defesa de políticas
                    mais próximas à tradição sindical, sem que a oposição se contraponha
                    diretamente ao Bolsa Família. O artigo, portanto, apresenta e discute
                    as tensões, concepções e estratégias usadas pelo jogo político entre
                    oposição e governo Lula acerca do Bolsa Família, expondo o caminho
                    sutil de construção da luta política e partidária.
                       O Programa Bolsa Família, instituído em 2003 pelo governo do pre-
                    sidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, constituiu-se na grande plata-
                    forma desse governo na área social. Originou-se de um conjunto de
                    programas sociais de transferência de renda preexistentes, iniciados
                    no governo anterior1, e sua implementação tem sido objeto de cons-
                    tantes críticas da oposição e da mídia, que em diversos momentos

                    1
                       Do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democra-
                    cia Brasileira – PSDB (1996-2002).




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consideram-no um programa de caráter assistencialista e uma grande
               estratégia de marketing eleitoral do governo PT2, como reafirmam al-
               gumas falas ao longo deste artigo. Essa crítica da oposição foi se mo-
               dificando na medida em que o governo exibiu resultados positivos
               da focalização e cobertura (massiva) dos beneficiários, reforçando sua
               legitimidade3.
                 Nos oito anos que envolvem o primeiro (2003-2006) e o segundo
               (2007-2010) mandatos do presidente Lula da Silva o programa expan-
               diu-se e consolidou-se, passando de 3, 615 milhões em 2003 para
               beneficiar hoje mais de 12 milhões de famílias, incorporando aos seus
               benefícios cerca de um terço da população brasileira (51 milhões de
               pessoas), ao mesmo tempo em que cresceram os índices de aprovação
               do governo. O caráter polêmico sobre a autoria política do programa;
               a cobertura extraordinária alcançada pelo Bolsa Família no território
               nacional, acompanhada por elevados índices de aprovação do gover-
               no e do presidente Lula4 e o reconhecimento internacional do progra-
               ma junto às agências multilaterais5 alimentaram as discussões entre a

               2
                  Especialmente no período compreendido pela implantação do programa
               (2003) até a denúncia da rede Globo de 19 de setembro de 2004, a ser ana-
               lisada no item 1 deste artigo (2004).
               3
                   A natureza do jogo político e os novos modelos do Estado social (mais estra-
               tégico) aplicados amplamente na América Latina reorientaram gradativamente
               as concepções universalistas da Constituição brasileira para a adoção de uma
               política social focada sobre os estratos de renda mais baixos, estratégia con-
               siderada como a mais eficaz e justa, em benefício dos cidadãos com renda
               mais baixa.
               4
                   A área social foi uma das principais vitrines do governo do presidente Lula
               em virtude dos elevados investimentos no Programa Bolsa Família, que be-
               neficiou mais de 12 milhões de famílias. Segundo pesquisa do Datafolha de
               dezembro de 2006 (mês de encerramento do primeiro mandato), Lula obteve
               a maior taxa de aprovação de um presidente brasileiro ao final de mandato
               captada pelo instituto (que faz essa medição desde a volta do país à democra-
               cia) – 52% consideravam seu governo ótimo ou bom.
               5
                   O Bolsa Família tem sido recomendado pela Organização das Nações Uni-
               das para adoção em outros países em desenvolvimento (LINDERT, s/d e 2004).
               Estudos do Banco Mundial registram resultados mensuráveis positivos no
               consumo de alimentos, na qualidade da dieta e no crescimento das crianças
               (BANCO MUNDIAL, 2007).




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oposição e os governistas, que oscilam entre a crítica e o resgate da
                    autoria política do programa pelos partidos, especialmente nos emba-
                    tes entre o PSDB e o PT e seus respectivos aliados.
                       Este artigo apresenta uma síntese desses debates entre parlamenta-
                    res governistas e oposicionistas, entre estes destacadamente o PSDB,
                    e o PFL (Partido da Frente Liberal, hoje Democratas – DEM), no Con-
                    gresso Nacional, em torno do Programa Bolsa Família. A análise toma
                    por referência quatro períodos marcados pela disputa eleitoral: o ano
                    de 2003, primeiro ano do mandato do presidente Lula da Silva, mo-
                    mento de apresentação e discussão da proposta; o de 2006, relativo
                    às eleições majoritárias para presidente, governadores, Congresso Na-
                    cional e Assembleias Legislativas estaduais, quando o presidente Lula
                    da Silva foi reeleito para o seu segundo mandato; e os anos de 2004
                    e 2008, correspondentes às eleições municipais. O contexto eleito-
                    ral favorece a explicitação, na arena política, dos marcos diferenciais
                    dos programas dos partidos, ou ao menos das concepções que os
                    orientam. A trajetória desse debate no Congresso Nacional explicita,
                    portanto, o uso por parlamentares e partidos de concepções distintas
                    das ações sociais e suas considerações a respeito da exequibilidade e
                    alcances do programa, ou seja, as “portas de saída” para a superação
                    da pobreza, no Brasil. Essas tensões estruturam a dialética do poder
                    sobre a área social, como movimentos de hegemonia e busca de le-
                    gitimidade entre os partidos, e acabaram influenciando os processos
                    decisórios do Executivo e as orientações efetivamente assumidas na
                    implantação dos programas sociais.
                       O Bolsa Família tomou por base fundamentalmente o Bolsa Escola,
                    maior programa do conjunto de políticas de transferência de renda
                    focalizadas sobre os mais pobres. Essa conversão dá lugar a uma dis-
                    puta entre o PT e o PSDB sobre a autoria do programa, especialmente
                    quando o Bolsa Família alcançou níveis de cobertura elevados e ampla
                    legitimidade política.
                       Em que pesem os reconhecidos méritos do Bolsa Escola, as iniciati-
                    vas do PT já vinham ocorrendo desde 1991 na formulação de um pro-
                    grama de garantia de renda aos mais pobres, quando foi apresentado
                    no Senado o Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (PT) para um
                    Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM (PLS nº 80/1991),
                    que visava garantir a todos os cidadãos do país maiores de 25 anos de



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idade o direito a um determinado nível de renda. Em 8 de janeiro de
               2004 foi aprovada a Lei 10.835, que instituiu a Renda Mínima6 e, no
               dia seguinte, a Lei 10.836 que criou o Bolsa Família. A lei da Renda
               Mínima previa sua aplicação de forma gradual, começando pelos mais
               necessitados, a partir da evolução de programas de transferência de
               renda, em especial do Bolsa Família.
                 O programa Bolsa Escola, implantado pelo PSDB, também se ins-
               pirou em iniciativas anteriores realizadas em algumas municipalida-
               des7, especialmente na exitosa experiência do Bolsa Escola no Distrito
               Federal, implementado pelo PT no governo de Cristóvão Buarque,
               em 1995. A concepção do programa baseava-se na tese do capital
               humano, segundo a qual a elevação do nível educacional das crianças
               beneficiadas ampliaria suas oportunidades de geração autônoma de
               renda, e contribuiria, portanto, no futuro, para interromper o ciclo
               intergeracional de reprodução da pobreza.
                 Em relação à perspectiva mais universalista de aplicação de uma
               renda mínima de cidadania, José Carlos Vaz (1995) apresentou o que
               seriam os principais pontos de discussão dessas políticas de transfe-
               rência de renda, que ainda alimentam muitas críticas: a) insuficiência
               de recursos municipais para dar sustentabilidade ao programa; b) o
               possível efeito de desestímulo ao trabalho, crítica inspirada nos deba-
               tes europeus, em países com Estado social consolidado, cujos sistemas
               confinaram os beneficiários na rede de seguridade social em razão da
               baixa remuneração do trabalho; e, ainda, c) as dificuldades de gestão
               do programa pelas limitações institucionais inerentes ao processo de
               seleção e controle de beneficiários.
                 Vaz considera que parte dessas críticas origina-se da realidade de
               países europeus, com Estados sociais consolidados e que o uso desses

               6
                   A Lei nº 10.835/2004, de autoria do senador Suplicy, que institui a Renda
               Básica de Cidadania, foi sancionada por unanimidade no Senado em 8 de
               janeiro de 2004, mas ainda carece de regulamentação.
               7
                   Lavinas (1998) relaciona os municípios com PGRM: Belém, Belo Horizonte,
               Boa Vista, Campinas, Catanduva, Ferraz de Vasconcellos, Franca, Guaratin-
               guetá, Guariba, Goiânia, Jaboticabal, Jundiaí, Mundo Novo, Limeira, Osasco,
               Ourinhos, Paracatu, Piracicaba, presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo
               André, São Francisco do Conde, São José do Conde, São José dos Campos,
               São Luiz, Tocantins e Vitória.




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argumentos é inadequado à realidade brasileira, diante do desempre-
                    go estrutural e da informalidade do mercado de trabalho. Assim, a
                    adoção de um programa de renda mínima no país ajudaria a minorar
                    a precarização do mercado de trabalho.
                       Esses diversos argumentos, ainda que relativos aos programas de ren-
                    da mínima, reaparecem no debate sobre o Programa Bolsa Família, na
                    arena política do Congresso Nacional. Em todos os períodos analisa-
                    dos são recorrentes as manifestações que questionam a capacidade do
                    governo quanto à operacionalização do programa, cobrando eficácia
                    no controle da elegibilidade e cumprimento das condicionalidades, su-
                    gerindo irregularidades e falhas na sua aplicação. Gradativamente esse
                    processo vai produzindo um deslocamento da concepção mais univer-
                    salista inerente à Constituição brasileira de 1988 para uma perspectiva
                    estratégica de focalização cuja operacionalidade implica “acerto” na
                    elegibilidade dos beneficiários e, por consequência, a correta identifica-
                    ção do público-alvo, ou seja, uma questão de gerenciamento técnico.
                       O presente artigo tematiza os principais eixos do embate entre par-
                    lamentares de oposição e governo, nesta matéria, nos períodos de
                    2003, 2004, 2006 e 2008, demonstrando avanços e recuos, a mo-
                    bilização de argumentos que operam a passagem da concepção da
                    política para a discussão sobre governo e técnica de gestão (a foca-
                    lização). Nessa passagem, a mobilização da opinião pública sugere a
                    ideia de incompetência, erro e uso de velhas estratégias clientelistas
                    pelo governo. Essa estratégia sutil dos discursos qualifica a vivência
                    tensa no âmbito das forças sociais e dos partidos sobre a política do
                    “possível”, como luta por hegemonia diante dos programas sociais nos
                    contextos analisados. A seção conclusiva recompõe a trajetória dos
                    debates parlamentares relativa aos programas sociais, particularmente
                    ao Bolsa Família, e finaliza questionando a concepção do programa
                    como estratégia de desenvolvimento endógeno.

                                1 APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
                                      (OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2003)

                      O período compreendido entre a edição da Medida Provisória 132,
                    de 20 de outubro de 2003, que cria o Bolsa Família, até sua aprovação
                    para conversão em lei, em 17 de dezembro de 2003, foi de discussões



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no Congresso Nacional sobre os pontos polêmicos do programa. Os
               deputados governistas defendiam a proposta de criação do programa,
               justificando a unificação dos diversos programas anteriores em função
               de operar com maior racionalidade institucional, o que aumentaria
               os investimentos sociais do governo, o valor médio dos benefícios e a
               cobertura do público-alvo. A oposição criticava o caráter excludente
               da proposta do programa em relação aos anteriores, especialmente
               quanto à linha de corte das famílias elegíveis8. Ademais, questionava a
               sua exequibilidade em termos de uma abrangência nacional.
                  Na apresentação da Medida Provisória 132 ao Congresso Nacional
               (21 de outubro de 2003), a base aliada do governo destacou os objetivos
               e pretensões institucionais do Bolsa Família, com vistas a racionalizar o
               gasto social, ampliar a cobertura do público-alvo e aumentar o valor dos
               benefícios e os investimentos federais no setor para execução do que
               viria a ser o principal programa nacional de transferência de renda, a
               exemplo do discurso do deputado Carlito Merss (PT/SC). Os deputados
               da oposição, além de defenderem a paternidade do programa, consi-
               deravam a proposta inexequível devido à falta de sustentabilidade or-
               çamentária, o que o transformava apenas numa “jogada de marketing”
               do governo, sem condições de efetivação. São exemplos dessa postura
               oposicionista os discursos proferidos por alguns parlamentares do PSDB,
               como o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que em 21 de outu-
               bro de 2003, afirmou que o presidente [Lula] reuniu todos os projetos
               sociais implantados pelo governo Fernando Henrique, pelo governo
               Itamar e por outros, tirou seus rótulos e criou um novo programa para
               substituí-los; e o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP),
               que disse: “Gastou-se uma fortuna em marketing no programa Fome
               Zero [...] e agora vão gastar outra fortuna em marketing no Programa
               Bolsa Família”, e criticou a contratação de instituições estrangeiras para a


               8
                  Os programas unificados no Bolsa Família tinham por público-alvo famílias
               com renda per capita de até meio salário mínimo. O Bolsa Escola estipulou
               uma renda de R$ 90,00, à época em que o salário mínimo era R$ 180,00
               (Decreto nº 3.823, de 28 de maio de 2001). O Bolsa Família, porém, definiu
               duas categorias elegíveis: “pobreza extrema”, com renda per capita de até
               R$ 50,00, e “pobreza”, com renda de até R$ 100,00 para um salário mínimo
               que à época era de R$ 240,00.




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implementação dos programas e a mobilização de recursos da área de
                    saúde para a execução dos mesmos.
                       As contradições entre oposição e governo não apresentavam con-
                    tornos claros, já que, em realidade, a distinção entre o novo programa
                    e os anteriores não estava claramente definida, dificultando aos opo-
                    sicionistas a formulação de uma crítica mais contundente à proposta
                    do governo sem que necessariamente atingisse suas próprias linhas de
                    ação anteriores. Assim, o alvo das críticas reorientava-se não à pro-
                    posta, mas, sobretudo, à competência técnica do governo, e à falta de
                    sustentabilidade orçamentária.
                       Quando a Medida Provisória 132 foi incluída na Ordem do Dia, em
                    dezembro 2003, os parlamentares da oposição foram mais incisivos
                    em torno dos elementos que compunham o novo programa, tendo
                    apresentado um número expressivo de Emendas (53) sobre a maté-
                    ria. Contudo, não havia homogeneidade de posição entre esses parla-
                    mentares, a exemplo do PSDB, que se dividia entre adiar ou apoiar a
                    votação da Medida Provisória9. A relatoria do Projeto (Mensagem nº
                    145, 2003) justificou a urgência de votação pela “necessidade imedia-
                    ta de tornar a gestão dos recursos públicos mais eficiente e de elevar
                    o número de famílias atendidas nas ações sociais de governo” (p. 4),
                    com vistas a que o “Programa Bolsa Família contribua efetivamente
                    para reduzir a exclusão social, sem, contudo, gerar maiores ineficiên-
                    cias à economia brasileira” (p. 9). Destacou, ainda, a busca de maior
                    racionalidade e eficiência da administração pública: a “unificação dos
                    programas federais de reforço de renda busca imprimir maior raciona-
                    lidade e eficiência à administração pública” (p. 10).
                       O PFL10 e o PSDB, partidos da oposição, reforçaram aspectos “ne-
                    gativos” da nova proposta, diferenciando-a das experiências anterio-

                    9
                       Os deputados Wilson Santos, PSDB/MT, e Antonio Carlos Pannunzio, PSDB/
                    SP são exemplos de posição contra e a favor ao adiamento da votação, respec-
                       ,
                    tivamente (Câmara dos Deputados, Ordem do Dia, 17 de dezembro de 2003).
                    10
                        O PFL, partido originário da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena),
                    tinha entre um dos seus políticos expoentes o senador Antônio Carlos Maga-
                    lhães (PFL/Bahia,) autor da Emenda Constitucional de criação do Fundo de
                    Combate à Pobreza (2000), que financia mais de dez programas sociais, inclu-
                    sive o Bolsa Família. Daí possivelmente a ativa participação de parlamentares
                    do PFL da Bahia nos debates em 2003.




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res, sobretudo pela linha de corte definida para aquelas famílias com
               renda per capita inferior a R$ 100,00. Apoiando-se no Decreto nº
               4.102/2002 (Art. 3º, I), que regulamentava o Auxílio Gás, e na Lei
               10.689/2003 (Art. 2º, §2º), que criou o Cartão Alimentação, ambos
               desenhados para famílias com renda per capita inferior a meio salário
               mínimo como potenciais beneficiárias das transferências monetárias, o
               que equivalia a R$ 120,00, os deputados oposicionistas consideravam
               que o novo programa era mais excludente que os programas anterio-
               res, impondo a necessidade de revisão do critério de elegibilidade.
               Ademais, o PSDB reivindicava a autoria do programa, demonstrando
               que muitas das características da nova proposta tinham caráter exclu-
               dente em função da nova linha de elegibilidade do programa, o que
               certamente envolvia custos políticos. “Dessa forma, muitas famílias
               que hoje recebem o Vale-Gás e os benefícios do Bolsa Escola e do
               Bolsa Alimentação ficarão de fora desses programas” (deputado Antonio
               Cambraia, PSDB/CE [OD, 17/12/2003]).
                  Diante desses argumentos críticos, o governo contra-argumenta que
               a execução anterior operava de forma caótica, e este seria o principal
               motivo para a baixa cobertura. “A unificação de programas, assim como
               a centralização da gestão do Cadastro Único, dos pagamentos e da ava-
               liação do Programa Bolsa Família proporcionará maior efetividade ao
               gasto social, o que certamente elevará o número de famílias beneficia-
               das” (deputado Odair, PT/MG, Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]). O
               governo considerava que paulatinamente dever-se-ia agregar à transfe-
               rência de renda outras políticas emancipatórias. “Pretende-se, ao passo
               em que a máquina pública aufira ganhos de racionalidade e eficiência
               com o fim da sobreposição de ações, que sejam geradas outras políticas
               para as famílias beneficiadas, de forma a lhes permitir a emancipação
               econômica” (Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]).
                  Em verdade, os partidos oposicionistas demarcaram espaço na ela-
               boração do projeto de “Conversão”, apresentando diversas Emendas11,


                  É significativo o número de Emendas apresentadas por alguns deputados
               11

               nesse período. O maior destaque é José Carlos Aleluia (PFL/Bahia), então líder
               do PFL na Câmara, com 15 Emendas, seguido de seu correligionário, Claudio
               Cajado, com nove. Do PSDB, destacam-se os deputados Antônio Carlos Mendes
               Thame e Sebastião Madeira, com cinco Emendas cada um.




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como a revisão, pelo Executivo, dos reajustes tanto dos benefícios quan-
                    to dos valores referenciais do programa, proposta pela Emenda de nº 1,
                    do deputado Cláudio Cajado. Essas emendas, no entanto, foram rejeita-
                    das em sua maior parte, de modo a não alterar o sentido original da pro-
                    posta. Contudo, o próprio fato de assimilar-se os programas anteriores
                    ao Bolsa Família já se constituía numa condição favorável à aprovação
                    da proposta, ao mesmo tempo em que gerava um elemento conflitivo
                    entre os partidos na luta pela hegemonia sobre a área social.

                            2 A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (2004) E
                               AS IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS

                      O ano de 2004 caracterizou-se como um importante período de
                    “prova” e legitimação do Bolsa Família, quando o governo adotou, na
                    área social em geral, algumas medidas impopulares, como a reforma
                    do sistema previdenciário e restrições no reajuste do salário mínimo,
                    exatamente em um ano de eleições municipais, no qual os programas
                    sociais têm importante papel de formação da base de apoio popular
                    dos partidos.
                      Os trabalhos parlamentares no Congresso Nacional foram antecipados
                    por uma Convocação Extraordinária feita pelo presidente da Repúbli-
                    ca, fato que gerou diversas especulações. De um lado, essa convocação
                    indicava pressa do governo em aprovar seus projetos, e, de outro, o
                    governo o fez em razão do ano eleitoral. Isso pode não ter sentido, uma
                    vez que um dos itens da pauta da Convocação era justamente a Refor-
                    ma da Previdência, alvo de grande polêmica e elevados custos políticos.
                    De todo modo, quanto antes fosse discutida, mais tempo se teria para
                    minimizar os efeitos políticos indesejáveis dessas medidas.
                      A discussão enveredou inicialmente para uma avaliação do desem-
                    penho do Governo Federal durante o ano de 2003, primeiro ano do
                    presidente Lula. Na sessão de abertura (19 de janeiro 2004) parte da
                    oposição questionou o governo pela impropriedade da Convocação
                    antecipada do Congresso. Segundo o deputado Sebastião Madeira
                    (PSDB), “o volume de matérias a serem apreciadas – emendas consti-
                    tucionais, medidas provisórias, projetos de lei – demonstra claramen-
                    te que esta convocação será inócua, não resultará na aprovação de
                    emendas ou leis”, e, em sua opinião, um dos resultados seria o desgas-



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te do Legislativo perante a população. Acusou-se o governo de falta de
               projeto para o país, criticando a reforma ministerial em processo como
               fisiologista e sem propósito. Nas palavras do então líder do PSDB, o
               deputado Jutahy Júnior, “trata-se de um governo baseado em inte-
               resses claramente clientelistas, fisiológicos, sem projeto, que faz uma
               colcha de retalhos na base de apoio, porque, como não existe projeto,
               é tudo baseado em interesses imediatos”.
                  O então líder do PT no Congresso – o deputado Nelson Pellegrino
               – proferiu discurso, destacando a conjuntura econômica favorável,
               com expectativas positivas em relação às suas projeções para o futuro
               próximo. Em se tratando dos “investimentos na área social”, obser-
               va que o Bolsa Família assume claramente o pilar da política social,
               garantindo a “mais de 10 milhões de brasileiros” o acesso diário à
               alimentação. Essa avaliação otimista do governo é complementada,
               ainda, por argumentos defensivos em relação às críticas da oposição,
               segundo as quais o governo teria posto o país em posição desfavorável
               ao seu desenvolvimento.
                  Nesse debate observa-se desencontro no âmbito da própria oposi-
               ção, pois na mesma sessão de abertura dos trabalhos no Congresso (19
               de janeiro de 2004), um deputado do PFL (partido da oposição), Paulo
               Magalhães, saiu em defesa do governo, afirmando que o presidente
               Lula seria “o presidente da esperança dos brasileiros”. Ele defendeu a
               convocação antecipada e considerou que o desgaste da imagem do
               Legislativo ocorre quando parlamentares “usam os microfones para fa-
               zer politicagem”, referindo-se, aparentemente, aos discursos de alguns
               deputados do PSDB. Esse desencontro dos oposicionistas certamente
               se justifica pela iminente disputa eleitoral nos municípios. Exemplo
               dessa dissonância pode ser visto no discurso do próprio deputado Paulo
               Magalhães em 21 de janeiro daquele ano, com fortes acusações
               contra os gestores do município de Itiruçu, no sudoeste da Bahia, afir-
               mando a sua confiança em “ganhar as eleições naquele Município”.
               Em outras palavras, a defesa feita ao Executivo Federal sugere ser antes
               uma tática para capitalização dos ganhos políticos oriundos do Pro-
               grama Bolsa Família, que um alinhamento ideológico com o governo.
                  Paradoxalmente, a principal oposição nesse período aparece exata-
               mente nos parlamentares dissidentes do próprio PT, aqueles conside-
               rados “radicais”, expulsos do partido por terem se posicionado contra



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os rumos assumidos pelo governo do PT e votado contra as propostas
                    do governo12. Em 11 de fevereiro de 2004, Luciana Genro (eleita pelo
                    PT/RS), considerada à época uma deputada “sem partido”, critica o PT
                    por sua tendência a assimilar-se ao PSDB, e também o governo, que,
                    em sua opinião, teria capitulado ao projeto neoliberal. A deputada
                    fundamenta essa posição, mostrando os resultados econômicos insig-
                    nificantes e os indicadores sociais graves, como desemprego, redução
                    da renda e violência, em razão da subordinação do governo a uma
                    política econômica de juros altos.
                      Essa crítica foi reiterada por membros do PFL (expondo as contradi-
                    ções da arena política), a exemplo do deputado Felix Mendonça, que
                    afirma a discordância do seu partido em relação à política econômica:
                    [seu partido é] “contra a política econômico-financeira adotada”13 e
                    “no Brasil segue-se o caminho inverso da política econômica adotada
                    por países que querem desenvolver-se”, afirma o deputado do PFL.
                      Importa esclarecer uma imensa diferença entre essas duas posições.
                    Diferentemente dos parlamentares do PFL, a deputada Luciana Genro
                    expõe uma posição ideológica crítica ao governo sobre o caráter da
                    focalização adotada pelos programas sociais. Para a deputada, trata-se
                    de uma política social subordinada aos ajustes impostos pela política
                    econômica, desvinculada de problemas estruturais, como a elevação
                    do desemprego. Segundo a deputada, o “foco do governo” se orien-

                    12
                        Os deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA), e a senadora Heloísa Helena
                    (AL), que junto ao deputado estadual João Fontes (SE) compunham o grupo de
                    parlamentares “radicais”, por posicionarem-se contra as alianças formadas pelo
                    PT, desde a campanha presidencial. Uma vez instituído o governo, estes parla-
                    mentares mantiveram-se discordantes de medidas adotadas, que, segundo eles,
                    contrariavam a postura histórica do partido, como as reformas da Previdência
                    e Tributária, e ratificaram suas posições, votando contra essas reformas. Os de-
                    sentendimentos culminaram na expulsão desses parlamentares pelo Diretório
                    Nacional do PT, em meados de dezembro de 2003. Eles ganharam projeção
                    nacional e foram acompanhados por uma legião de dissidentes do PT, também
                    inconformados com a nova postura do partido, que para eles se insinuava mais
                    à direita. Em junho de 2004 os radicais criaram o Partido Socialismo e Liberdade
                    (PSOL), tendo a senadora Heloísa Helena como principal representante.
                    13
                        Trata-se de um deputado do PFL e um dos principais apoiadores do gover-
                    no anterior.




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taria mais pela política econômica hegemônica do que pelo encami-
               nhamento da questão social interna do país.
                 O governo justifica que seu objetivo não é “apresentar o melhor dos
               mundos”, mas reverter o quadro caótico das inúmeras políticas imple-
               mentadas pelo governo anterior, entre as quais se enquadram as políti-
               cas sociais focalizadas. Neste sentido, o discurso do deputado Professor
               Luizinho, do PT de São Paulo (29 de abril de 2004), é emblemático:

                            Herdamos um país, cujo patrimônio brasileiro foi todo dizimado; foi
                            vendido o que foi construído com o suor e o sangue do povo brasileiro.
                            Foram transformados em pó, em fumaça, 100 bilhões de reais do povo
                            brasileiro. Aumentaram, de forma irresponsável, a dívida pública interna e
                            a dívida externa, que chegam, hoje, ao patamar de 900 bilhões de reais.

                 Ou seja, o governo põe-se na condição de quem assume a missão
               de reconstruir um país quebrado por escolhas políticas anteriores equi-
               vocadas, que, segundo seus representantes, deveriam ser revertidas.
               Usando o argumento da racionalidade institucional para as políticas
               da assistência social, o deputado sugere cautela aos parlamentares go-
               vernistas quanto à definição do piso do salário mínimo – cujo valor a
               oposição critica, sugerindo ainda que a restrição do valor do salário mí-
               nimo proposto pelo governo permitiria investimentos compensatórios
               no Bolsa Família e no aumento do salário-família14. Nas palavras desse
               parlamentar, o governo estaria “protegendo os miseráveis com a política
               do Programa Bolsa Família” e o reajuste do salário-família permitiria
               “proteger a família que tem filhos e maiores necessidades”. É dentro
               desse contexto que o Bolsa Família ganha centralidade no debate15.
                 Durante a Ordem do Dia (29 de abril 2004), o líder do governo, de-
               putado Professor Luizinho, defende que o governo está perseguindo
               os objetivos do crescimento e do desenvolvimento sustentável para o
               14
                   O salário-família é um benefício previdenciário a que têm direito o segu-
               rado empregado e o trabalhador avulso que tenham salário de contribuição
               inferior ou igual a remuneração máxima da tabela do salário-família. Em 2004
               ele pulou de R$ 13,48 para R$ 20,00 para segurados que recebiam até R$ 390,00
               de salário (MP 182/2004).
               15
                   O salário mínimo em 2004 foi reajustado a partir de 1º de maio, por meio
               da Medida Provisória nº 182, de 30 de abril, cuja aprovação pelo Congresso
               Nacional deu-se em 24 de junho, convertendo-a na Lei nº 10.888/2004.




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país, dentro das “condições possíveis, de forma responsável e segura”,
                    oposta ao que se fizera na gestão anterior, segundo opinião do depu-
                    tado. Para o governo, o caminho para beneficiar diretamente os mais
                    necessitados está na transferência de renda focalizada. No que tange
                    à questão salarial, a fórmula encontrada para alcançar as famílias mais
                    necessitadas, respeitando-se as limitações orçamentárias, foi o reajuste
                    do benefício do salário-família.
                      Essa postura alimentou os oposicionistas, que encontraram na atitude
                    cautelosa do PT quanto ao aumento do salário mínimo uma ambigui-
                    dade, considerada a sua história anterior de defesa dos trabalhadores.
                    O líder do PFL, deputado José Carlos Aleluia (29 de abril 2004),
                    questionou a capacidade gerencial do governo e considerou que este
                    “não aprovou um valor para o salário mínimo maior, porque o salário
                    mínimo é o reflexo dos equívocos de seu projeto de governo”. Em 23
                    de junho de 2004, com o debate sobre o salário mínimo ainda em
                    aberto, mas já em vias de votação, o deputado do PSDB/SP Aloysio
                                                                                   ,
                    N. Ferreira (entre outros) negou o argumento do governo relativo às
                    limitações orçamentárias e atribuiu o caráter módico do reajuste do
                    salário mínimo proposto pelo governo à escolha equivocada deste por
                    investimentos em programas assistenciais, desprezando uma política
                    mais vigorosa centrada no mercado de trabalho.
                      Dentro dessa mesma ótica, o governo já recebia críticas do próprio
                    PT. A expulsão dos “radicais” não calou os descontentes da base go-
                    vernista, notadamente da legenda petista. Em 25 de maio de 2004, o
                    deputado Ivan Valente (PT/SP) disparou críticas ao seu governo. Apre-
                    sentou dados históricos que exibem os níveis de defasagem do salário
                    mínimo, criticou o módico reajuste oferecido pelo governo devido
                    à sua política monetária, contrapôs-se aos argumentos de ameaça à
                    Previdência e aos entes federativos, defendeu a distribuição de renda
                    como mecanismo de justiça social via salário mínimo e colocou-se
                    contra os programas de transferência de renda16. Ou seja, a prioridade

                    16
                        Ivan Valente votou contra a proposta do governo, defendendo um reajuste
                    mais elevado para o salário mínimo, e sofreu então a sanção do partido, como
                    ocorrera anteriormente, quando votou contra a reforma da Previdência. Em
                    2005, desfiliou-se do PT e ingressou no PSOL, partido pelo qual concorreu às
                    eleições de 2006, tendo sido reeleito deputado federal.




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da intervenção social do governo via Bolsa Família estava longe de se
               constituir uma unanimidade na arena política em 2004, contrapondo-
               se a opção por políticas sociais focalizadas como o Bolsa Família às
               políticas estruturais mais amplas e distributivas, associadas ao mercado
               de trabalho mais universalista via aumento do salário mínimo.
                  Ante a resistência do governo em reajustar o salário mínimo acima
               dos R$ 260,00, o que correspondia a pouco mais de 8% do seu valor à
               época (R$ 240,00)17, as críticas dos dissidentes do PT encontraram res-
               sonância em outros parlamentares e no conjunto da oposição no ano
               eleitoral. Ou seja, o debate político na área social em 2004, alentado
               pelo ambiente eleitoral, contrapõe políticas vinculadas à remuneração
               do trabalho (o salário mínimo) às políticas de assistência social como o
               Bolsa Família. Nesse cenário, vale recobrar as promessas de campanha
               do PT quando defendia a duplicação do valor do salário, expondo
               contradições do partido quando no exercício do governo em relação
               às suas lutas históricas em defesa dos trabalhadores.
                  Superado o debate sobre o piso do salário mínimo, as discussões parla-
               mentares em torno dos programas sociais do Governo Federal seriam re-
               tomadas no segundo semestre, tendo como eixo estratégico as denúncias
               da imprensa de irregularidades na atribuição dos benefícios. No contexto
               do período eleitoral18 reaparecem especulações sobre o uso eleitoreiro
               do Bolsa Família, retomando acusações de 2003 do Congresso Nacional,
               quando da proposta de criação do programa. A imprensa fez denúncias
               contundentes de irregularidades na concessão de benefícios e na insu-
               ficiência de acompanhamento do programa pelo governo, ao mesmo
               tempo em que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgava relatório
               de auditoria solicitado pelo governo, desde 2003, cujo resultado aponta
               “irregularidades e limitações” do programa, desde sua concepção.
                  A disputa parlamentar desloca-se do Congresso Nacional para a opi-
               nião pública via imprensa. Uma das notícias de maior impacto foi

               17
                   O valor do salário mínimo em 2003 era de R$ 240,00 (US$ 70,69) e, em
               2004, R$ 260,00 (US$ 89,48), calculado com base na cotação de 3, 3950
               (2003) e 2, 9056 (2004).
               18
                   Em 2004 ocorreram eleições municipais em dois turnos. A maior parte dos
               pleitos foi definida no primeiro turno, em 3 de outubro; o restante se deu no
               segundo turno, no dia 31 do mesmo mês.




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a denúncia de O Globo, veiculada em 19 de setembro de 200419,
                    sobre o uso indevido do Bolsa Família na cidade de São Francisco de
                    Itabapoana – Rio de Janeiro –, a poucos dias do primeiro turno das
                    eleições. A reportagem acusa o então prefeito da cidade (PMDB), can-
                    didato à reeleição, de distribuir senhas para o cadastramento do Bolsa
                    Família pela secretaria municipal, exigindo das pessoas a apresentação
                    do título de eleitor.
                       Essa denúncia mobilizou o governo, que imediatamente suspendeu
                    as atividades do programa naquela cidade, mantendo o pagamento
                    dos benefícios daqueles que já haviam sido antes contemplados. Com
                    base em relatório da Corregedoria Geral da União (CGU) que con-
                    firmava as irregularidades, o governo iniciou um processo de fiscali-
                    zação. O resultado confirmou um conjunto de irregularidades: não
                    havia cronograma do Governo Federal para implementação do pro-
                    grama no município, o que não justificava o cadastramento (além de
                    708 famílias já registradas pela Secretaria de Educação e Cultura, mais
                    900 possuíam senha para o cadastramento); identificou-se um bene­
                    ficiário que não estava recebendo o benefício, mas cujos saques
                    estavam sendo realizados em seu nome; cartões magnéticos não foram
                    entregues pela Caixa Econômica Federal aos beneficiários, e outros
                    foram entregues sem a devida identificação do titular; entre outras
                    irregularidades, como descrito pela CGU.
                       Curiosamente, no período que se seguiu a essas denúncias da im-
                    prensa até o transcurso do 1º turno das eleições, não há registro de de-
                    bates parlamentares na Câmara Federal sobre o assunto20. Poder-se-ia

                    19
                       De acordo com as informações apuradas, essa reportagem foi intitulada
                    “A miséria como cabo eleitoral”. O arquivo original não está mais disponível
                    na internet, assim, essas informações foram recolhidas de fontes distintas.
                    Alguns artigos encontrados fazem referência à reportagem – a exemplo de “A
                    implementação do Programa Bolsa Família: as experiências de São Francisco
                    de Itabapoana e Duque de Caxias”, de Rosana Magalhães et al., disponível
                    em: http://www.scielo.br (Ciência & Saúde Coletiva, 2007) –, mas também
                    não oferecem link para o arquivo original, ou seus links já não funcionam (por
                    exemplo: http://oglobo.globo.com/jornal/pais/145949815.asp).
                    20
                        Foram efetuadas buscas na seção específica do site da Câmara (www2.camara.gov.
                    br/), com palavra-chave (Itabapoana, denúncia, Bolsa Família) e também abertas; por
                    partido e também abertas, mas não há qualquer menção ao fato.




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atribuir a ausência do debate ao período denominado “recesso bran-
               co”, realizado em período eleitoral, quando os parlamentares delibe-
               ram priorizar suas campanhas nas suas bases, fazendo-se presente no
               Congresso apenas para votação de questões eventualmente conside-
               radas relevantes. Mas esse procedimento foge às regulamentações da
               atividade parlamentar e, por ínfimas que sejam, registram-se presenças
               no período eleitoral, a exemplo da sessão ocorrida em 21 de setembro
               de 2004, dois dias após a publicação da referida denúncia que
               registrou, somados os diferentes momentos, 12 oradores. Assim, uma
               hipótese para a ausência é que as denúncias foram dirigidas contra
               um candidato do PMDB, partido que em 2004 se encontrava cindido
               entre o apoio e o não apoio ao governo. Por outro lado, é possível
               que os partidos tenham sido cautelosos devido às coligações feitas no
               âmbito municipal, compartilhando candidaturas. No município objeto
               da denúncia estavam coligados ao PMDB21 tanto partidos que com-
               punham a base de apoio ao governo no âmbito nacional como outros
               da oposição, como o PFL e PSDB. Essa diferença entre alianças nacio-
               nais e as coligações locais pode ter inibido a crítica ao Bolsa Família,
               dado os custos políticos no contexto das eleições municipais. Além do
               mais, para a oposição, as denúncias não eram contra o programa, mas
               contra o governo, e outros elementos poderiam municiar a oposição.
                  De todo modo, o governo mobilizou-se na resposta a essas e outras
               denúncias sobre o Bolsa Família, à época. Não há elementos suficientes
               para se estabelecer uma relação direta entre a denúncia do caso de
               Itabapoana com algumas iniciativas tomadas pelo governo, mas, coinci-
               dentemente, o Governo Federal regulamentou o programa pelo Decreto
               nº 5.209/2004, em 17 de setembro, antecipando-se à reportagem do
               jornal O Globo exatamente em dois dias. Seja qual for a possível relação
               entre esses fatos, é perceptível que o Relatório da Auditoria do Tribunal
               de Contas da União sobre o programa pressionou a edição do Regula-
               mento do Bolsa Família. Essa auditoria havia sido solicitada, muito antes,
               desde 2003, pelo então ministro Extraordinário de Segurança Alimentar,
               José Graziano. O seu objetivo tinha em vista a avaliação dos programas

               21
                   A aliança que reelegeu Pedro Cherene em 2004 (Coligação São Francisco pra
               Frente), a despeito das denúncias e acusações, aglutinou doze partidos diferen-
               tes: PMDB, PP PSL, PSC, PFL, PSDC, PRTB, PHS, PTC, PSB, PSDB, PT do B.
                              ,




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preexistentes: Cartão Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação,
                    Auxílio Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e
                    Agente Jovem (anteriores ao Bolsa Família), sobre possíveis problemas
                    de operação para a implantação do Fome Zero. Como a maioria desses
                    programas foi aglutinada ao Bolsa Família, a avaliação do Tribunal de
                    Contas da União acabou concentrando-se sobre o programa do novo
                    governo. Embora a divulgação dos resultados tenha ocorrido já ao final
                    de setembro, o Governo Federal teve acesso à versão preliminar do seu
                    conteúdo, de forma que os elementos levantados pela auditoria e as
                    medidas corretivas sugeridas foram contemplados na versão definitiva
                    da Regulamentação do Bolsa Família.
                       O Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas da União identi-
                    ficou uma série de problemas, como a ausência de critérios claros
                    para seleção de beneficiários, além da renda declarada (como data de
                    cadastramento, perfil municipal ou familiar); metas de cobertura pre-
                    vistas até 2005 limitadas às já operadas pelos programas unificados,
                    pelo que o previsto para 2006 representava um importante desafio;
                    ausência de mecanismos efetivos de controle e acompanhamento das
                    condicionalidades, com interrupção da experiência anterior desenvol-
                    vida pelos Ministérios da Educação (Bolsa Escola) e da Saúde (Bolsa
                    Alimentação); carência de informações e orientações aos municípios
                    sobre o programa; veiculação de propaganda genérica governamen-
                    tal, criando expectativas na população; inexistência das instâncias de
                    controle social por falta da regulamentação do programa.
                       O Relatório da Auditoria do TCU expôs, assim, as fragilidades do Bolsa
                    Família e não se furtou a imprimir um tom crítico ao compará-lo com
                    os programas anteriores, no que se refere ao cumprimento das condi-
                    cionalidades. O parecer da auditoria revela a importância das condicio-
                    nalidades no desenho do programa22, cuja ausência de monitoramento,
                    e mesmo de sanção em casos de seu descumprimento, comprometeria
                    os objetivos implícitos de capacitação dos jovens para a superação
                    intergeracional da pobreza pelo Bolsa Família (de inspiração do Bolsa
                    Escola). “A obrigação de utilização dos serviços públicos estabelece cons-
                    trangimentos que podem funcionar como barreiras de acesso àqueles

                       As críticas referiam-se aos parâmetros do Bolsa Escola e à importância do
                    22

                    controle das condicionalidades para a eficácia da inserção na educação.




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que não fazem parte do público-alvo” (p. 30), afirmava o relatório. Se
               a solicitação desta auditoria pelo então ministro Graziano (2003)
               objetivava expor os limites dos programas vigentes e municiar o governo
               na implantação dos novos programas – Bolsa Família e Fome Zero –,
               o resultado da avaliação transferiu o ônus político das irregularidades
               constatadas nos programas anteriores completamente ao governo Lula.
                 O Regulamento do Bolsa Família (Decreto nº 5.209/2004) foi uma
               exigência institucional e evidentemente não atendeu exclusivamente
               às pressões da auditoria do TCU ou às denúncias da imprensa já que a
               conversão da MP nº 132/2003 na Lei nº 10.836/2004, que instituiu o
               programa, subordina um conjunto de aspectos gerenciais do programa
               ao seu regulamento, como as questões das condicionalidades (Art. 3º);
               do controle social (Art. 9º); da divulgação de lista de beneficiários (Art.
               13, Parágrafo Único); da coibição de fraudes (Art. 14, §2º). Portanto,
               enquanto o Regulamento do programa não estivesse instituído, o Bolsa
               Família teria dificuldades de operar plenamente.
                 O governo gerenciou o conflito e bloqueou a ação da oposição,
               instituindo a Regulamentação do Programa pela qual se antecipava
               e dava respostas às possíveis críticas. A responsabilidade pelo acom-
               panhamento e fiscalização do “cumprimento das condicionalidades”
               previstas no Decreto (nº 5.209/2004) foi devolvida (ou reiterada)
               aos Ministérios da Educação e da Saúde (Art. 28). O controle social
               foi definido para ser exercido por conselhos específicos, respeitada
               a paridade de participação entre Estado e sociedade, por instância
               preexistente (Art. 29). A responsabilidade do município na execução
               e no controle do programa foi reiterada, sendo que a fiscalização e a
               apuração de eventuais denúncias ficaram com o Ministério de Desen-
               volvimento Social e Combate à Fome (Art. 33). Nesse contexto não se
               verificou debate importante na Câmara Federal, cujos parlamentares,
               no período, estavam mais envolvidos com suas bases eleitorais nas
               campanhas para eleições municipais.
                 O mesmo não ocorreu, porém, em relação às denúncias divulgadas
               pela imprensa em outubro, posteriores ao 1º turno das eleições muni-
               cipais. Elas parecem ter fornecido a evidência que faltava à oposição
               para fundamentar a sua crítica ao governo, sem refutar a essência do
               programa. A oposição voltou ao argumento da incapacidade gerencial
               do governo do PT, como vinha expressando desde o anúncio do



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programa, munida desta vez, de dados oficiais do TCU e da exposição das
                    denúncias na mídia. Mais uma vez a imprensa apresenta denúncia de
                    grande proporção, coincidentemente (ou não) a exatas duas semanas
                    do 2º turno do pleito eleitoral, tal qual se dera no 1º turno.
                       Em 17 de outubro (2004), o Fantástico da rede Globo levou ao ar os
                    resultados de uma investigação de sua autoria acerca do funcionamen-
                    to do Bolsa Família em alguns municípios, expondo irregularidades na
                    alocação dos benefícios. Os repórteres denunciaram casos de famílias
                    beneficiadas pelo programa que visivelmente não se enquadravam
                    no perfil de elegibilidade dos beneficiários, uma vez que possuíam
                    patrimônio (casas confortáveis e veículos automotores), inclusive o
                    caso de um empresário, proprietário de um hotel em Mato Grosso,
                    com patrimônio incompatível com os critérios do programa. A essas
                    evidências a matéria contrapôs a situação de famílias extremamente
                    pobres e não contempladas. Denunciava, também, funcionários pú-
                    blicos e apadrinhados políticos irregularmente beneficiados. Ademais,
                    mostrava famílias contempladas, mas cujos cartões nunca chegaram
                    a elas por dificuldades de operação da Caixa Econômica Federal na
                    identificação e comunicação com os beneficiários.
                       Diante das evidências de incorreções no processo de elegibilidade
                    e concessão dos benefícios, a reportagem conclui que “o governo não
                    pode ter certeza de que o Bolsa Família está chegando às famílias que
                    realmente precisam dele” e questiona a validade dos dados sobre o
                    contingente de pobres no país: “O governo quer incluir cerca de 11 mi-
                    lhões de famílias no cadastro único e assim habilitá-las a receber o Bolsa
                    Família. Isso significa que, para o governo, cerca de 54 milhões de bra-
                    sileiros passam fome. Não seria esse número alto demais?” Uma curiosi-
                    dade no objeto desta denúncia é que todos os casos citados referem-se
                    aos programas anteriores (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação ou Auxílio
                    Gás), mantidos em funcionamento enquanto não houve migração para
                    o cadastro do Bolsa Família, e sem novas concessões (MP nº 132/2003,
                    Art. 9), mas a reportagem denuncia “Falhas graves no Bolsa Família”.23

                       O Art. 9º da MP nº 132, de outubro de 2003, que trata da transferência
                    23

                    dos programas anteriores para o Bolsa Família, veda a concessão de novos
                    benefícios para os programas anteriores. Assim, as incorreções se referiam a
                    concessões anteriores e não ao Bolsa Família.




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Essa denúncia alimentou os discursos oposicionistas na Câmara. No
               dia seguinte à exibição da reportagem (18/10/2004) houve manifes-
               tação generalizada dos parlamentares: o PSDB acusou o governo de
               “desvio de finalidade do programa”, conforme o deputado Bismarck
               Maia (CE). A tônica da oposição mudou: passou a reconhecer que
               o programa era bom, inclusive porque apenas aglutinava iniciativas
               anteriores do próprio partido (PSDB), e o problema estaria, portanto,
               nos maus gestores, e era inaceitável “que maus brasileiros conduzam
               dessa forma um programa de alta valia para muitos cidadãos, princi-
               palmente os mais necessitados”. O deputado Pauderney Avelino, do
               PFL (19/10/2004) afirma que a denúncia traz a “prova da ineficiência”
               de um “governo inoperante e incompetente [que] inchou a máquina
               administrativa com pessoas ineficientes e ineficazes, que não têm ca-
               pacidade para gerir a coisa pública”.
                 Os governistas reiteraram a defesa dos programas federais. Já no dia
               18 de outubro (2004), o deputado Luiz Couto (PT/PB) considerou que
               “As políticas sociais do governo estão cumprindo o papel de atenuar
               carências e déficits que não podem ser compensados por meio de
               mecanismos de distribuição universais”. Corroborando a classificação
               de “maus brasileiros” utilizada pela oposição – como no discurso do
               deputado Bismarck Maia (PSDB/CE) em outro momento da mesma
               sessão –, o parlamentar petista transferiu às administrações locais a
               responsabilidade pelo quadro denunciado. “Prefeitos usam os pro-
               gramas sociais do governo, dizendo-se responsáveis por eles, com
               o único objetivo de comprar votos, manter a dominação política no
               Município e alterar a vontade popular”. E considerou que os proble-
               mas estavam majoritariamente no “cadastro realizado pelo governo
               anterior”, e que eram problemas pontuais, passíveis de correção, sem
               ameaças à estrutura do Bolsa Família.
                 Sintetizando, a luta política no período deslizou de um debate sobre
               a natureza e o caráter das políticas sociais do governo, que se contra-
               punha a políticas mais universalistas, como as de emprego e do salário
               mínimo, priorizando as políticas focalizadas, no primeiro semestre,
               para a criminalização do governo pela oposição, com base na irre-
               gularidade da aplicação dos benefícios, atrelados à avaliação de uma
               incapacidade gestionária do governo. Como não havia contestação da
               oposição quanto à natureza do programa, à exceção dos dissidentes



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petistas, o desafio do cumprimento da meta de 11 milhões de famílias
                    beneficiárias até 2006 anunciava-se como possibilidade.

                            3 OS PROGRAMAS SOCIAIS EM ANO DE ELEIÇÃO PRESIDENCIAL
                                     (2006): REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO

                      O ano de 2006 é marcado pelas eleições majoritárias, que elegem
                    o presidente da República, governos estaduais, deputados federais e
                    senadores, e que afetam mais diretamente o embate no Congresso
                    Nacional em relação ao desempenho da Presidência da República.
                    Neste contexto, a avaliação dos quatro anos do governo Lula (2003–
                    2006) ganha destaque e a arena política polariza os resultados entre
                    o mandato de Lula e o de Fernando Henrique Cardoso. Alguns resul-
                    tados no desempenho social do governo Lula fortalecem agora a sua
                    posição no Congresso: a) a abrangência de cobertura do Bolsa Família,
                    alcançando as metas propostas; b) a melhoria no controle das condi-
                    cionalidades; c) os aumentos reais do salário mínimo e d) a retomada
                    dos indicadores do mercado de trabalho, num ambiente econômico
                    favorável. Assim, o tema que centralizou o debate foi, mais uma vez,
                    o novo patamar do salário mínimo. O Programa Bolsa Família foi pre-
                    servado, sugerindo um cálculo estratégico de seu uso futuro por vários
                    partidos da oposição.
                      Em relação ao salário mínimo, o governo saiu da sua postura cau-
                    telosa, que marcara o início do mandato, para defender um aumento
                    em patamares bastante elevados, em termos de valores reais nos
                    últimos anos. O deputado Eduardo Valverde, na condição de líder do
                    PT24, anunciou em 26 de janeiro de 2006 o reajuste do salário para
                    R$ 350,0025, o que considera ser “o maior valor de compra dos últi-
                    mos 40 anos”, resultado possível devido ao ambiente de estabilidade
                    econômica no Brasil. Expondo mudanças no padrão redistributivo da
                    renda no país, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia

                    24
                        O líder titular do PT era o deputado Henrique Fontana, Eduardo Valverde
                    parece ter realizado esse pronunciamento em nome da liderança, mas não
                    foram encontradas informações que o justificassem.
                    25
                        Em 1º de maio de 2005 o salário mínimo foi reajustado para R$ 300,00
                    (Lei nº 11.164/2005).




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e Estatística (IBGE), o deputado destacou a tendência de queda inédita
               dos índices de desigualdades. Os resultados positivos na redução das
               desigualdades no país são confrontados com dados de ampliação dos
               beneficiários dos programas federais de transferência de renda, re-
               qualificando o Bolsa Família como programa eficaz na superação das
               históricas condições de desigualdade social brasileira. A esses resulta-
               dos acrescenta as tendências de recuperação do mercado de trabalho,
               com “3,7 milhões de empregos com carteira assinada” e os investi-
               mentos realizados em educação básica. Esses dados de desempenho
               do governo Lula foram comparados pelo deputado com o quadro
               socioeconômico herdado do PSDB, em 2003, caracterizado por cresci­
               mento pífio, elevado desemprego da “camada mais empobrecida da
               população brasileira”, e, simultaneamente, por um “endividamento
               brutal” do país.
                  O confronto do Bolsa Família com os novos indicadores de desi-
               gualdade do país reabriu o debate sobre a pertinência das políticas de
               renda como caminho efetivo de superação da pobreza e das desigual-
               dades, apesar de muitos considerarem que esses resultados se devam,
               sobretudo, à recuperação do mercado de trabalho e do aumento do
               salário mínimo. Diante da melhoria desses indicadores sociais, a opo-
               sição contrapõe dados da mesma fonte (IBGE) que desqualificam a
               ação do governo em relação ao desempenho do mercado de trabalho.
               Referindo-se a um discurso atribuído ao presidente da República, em
               31 de janeiro, o deputado Alberto Goldman, então líder do PSDB,
               exibe dados que demonstram ainda a persistência de um percen­
               tual de brasileiros ocupados com renda inferior a um salário mínimo.
               Segundo ele, em 2005, 14,5% dos trabalhadores ocupados estavam
               nessa condição, parcela que teria crescido gradualmente durante os
               três anos do governo Lula.
                  O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT), reagiu a essas
               declarações, afirmando que não se pode estabelecer relação de cau-
               sa direta entre a renda inferior a um salário mínimo e o aumento da
               miséria no país, como insinuava o deputado Goldman. Para ele este
               dado, ao contrário, sugere que “o aumento de pessoas que recebem
               menos de um salário mínimo pode ter decorrido dos programas de
               transferência de renda, que visam tirar da situação de fome e miséria
               aqueles que ainda não conseguiram emprego”. Ou seja, a elevação



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  • 1. capa_Sinais_Sociais_18.pdf 1 26/04/12 11:45
  • 2. v.6 nº18 janeiro > abril | 2012 SESC | Serviço Social do Comércio Administração Nacional ISSN 1809-9815 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 1 26/04/12 12:44
  • 3. SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL Antonio Oliveira Santos DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL Maron Emile Abi-Abib COORDENAÇÃO EDITORIAL Gerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Mauro Lopez Rego CONSELHO EDITORIAL COMITÊ CONSULTIVO 2011 Álvaro de Melo Salmito Alexandre Palma (UFRJ) Mauricio Blanco Andre Braz Golgher (UFMG-CEDEPLAR) Nivaldo da Costa Pereira Antonio Alkmim (PUC-RJ) SECRETÁRIO EXECUTIVO Cesar Kiraly (UFF) Mauro Lopez Rego Danielle Carusi (UFF) ASSESSORIA EDITORIAL Denise Bragotto (PUC-Campinas) Andréa Reza Edith Frigotto (UFF) Eduardo Gomes (UFF) EDIÇÃO Fernando Blanco (Banco Mundial) Assessoria de Divulgação e Promoção / Flavio Ferreira (FFAU) Direção-Geral Ilana Sender (UFRJ) Christiane Caetano José Cláudio Sooma Silva (UFRJ) PROJETO GRÁFICO Luiz Guilherme Vergara (UFF) Vinicius Borges Marcelo Kischinhevsky (PUC-RJ) SUPERVISÃO EDITORIAL Márcia Stein (UERJ) Jane Muniz Maryane Saísse (UFRJ) PRODUÇÃO EDITORIAL Mauro Roese (UFRGS) Duas Águas| Ieda Magri Rafael Parente (New York University) REVISÃO Ronaldo Rosas Reis (UFF) Elaine Bayma REVISÃO DO INGLÊS Idiomas & cia DIAGRAMAÇÃO Livros & Livros | Susan Johnson PRODUÇÃO GRÁFICA Celso Clapp Sinais Sociais / SESC, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/ ago. 2006)- . – Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2006 - . v.; 30 cm. Quadrimestral. ISSN 1809-9815 1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I. Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional, 2006 - . As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores. As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br. Sinais_Sociais_18.indd 2 26/04/12 12:44
  • 4. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO5 EDITORIAL6 SOBRE OS AUTORES8 O DEBATE PARLAMENTAR SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO GOVERNO LULA10 Anete B. L. Ivo José Carlos Exaltação EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE: ESTRATÉGIA PARA EMPRESAS DO SÉCULO XXI48 Deborah Munhoz FAGULHAS DO AUTORITARISMO NO FUTEBOL: EMBATES SOBRE O ESTILO DE JOGO BRASILEIRO EM TEMPOS DE DITADURA MILITAR (1966-1970)78 Euclides de Freitas Couto JUVENTUDES, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: TENSÕES ENTRE O INSTITUÍDO E O INSTITUINTE102 Glória Diógenes A MÁQUINA MODERNA DE JOAQUIM CARDOZO128 Manoel Ricardo de Lima SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 3 Sinais_Sociais_18.indd 3 26/04/12 12:44
  • 5. Sinais_Sociais_18.indd 4 26/04/12 12:44
  • 6. APRESENTAÇÃO A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira. Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poder-se-ão manifestar. Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da Sinais Sociais é garantida. O fundamento desse pressuposto está nas Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da enti- dade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.” Igualmente, é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos. Importa para a revista Sinais Sociais artigos cujas fundamentação teórica, consistência, lógica da argumentação e organização das ideias tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou lhes apresentem um novo olhar sobre os objetos em estudo. O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas seme- lhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas reflexões como para segmentos do grande público interessados em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país. Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse deba- te, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais. Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do SESC SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 5 Sinais_Sociais_18.indd 5 26/04/12 12:44
  • 7. EDITORIAL Períodos de instabilidade e mudanças profundas nos colocam diante do desafio de fazer opções fundamentais, convocando à reflexão os problemas que emergem na arena política, em grau e complexidade crescentes. Pensar alternativas para o presente exige a atualização de questões sobre as formas de condução das políticas públicas concomitantemen- te à própria constituição dos novos sujeitos políticos. Se, por um lado, as estruturas já estão dadas, por outro, os agentes modificam tais es- truturas e são por elas modificados, em um processo transformador permanente. A presente edição da revista Sinais Sociais traz artigos que problemati- zam a complexa interação entre o Estado e a sociedade na conformação da esfera pública democrática e instigam a cogitar que valores e sen- tidos sociais estão presentes, vivos, e podem constituir vetores para mobilizar o coletivo em favor da viabilização de um processo virtuoso, ainda possível, de sustentabilidade social, ambiental e ecológica. Com base na trajetória dos debates parlamentares em torno do Programa Bolsa Família, o texto de Anete B. L. Ivo e José Carlos Exaltação discute os campos de disputas e forças institucionais, envolvendo relações de poder e de significados, que configuram a evolução das po- líticas sociais. Ainda no campo dos problemas multidimensionais que exigem articulação intersetorial e relações intergovernamentais, Glória Diógenes aborda a tensão entre os movimentos instituintes e as ações instituídas na esfera das políticas públicas da juventude, apresentando elementos para a desconstrução das representações normativas acerca dos jovens, das quais advêm formas conservadoras de conceber as po- líticas, sob a égide dos problemas sociais a serem combatidos. Nesse cenário de reordenação de forças, com a composição de redes híbridas que integram atores governamentais, corporativos e não governamen- tais, o artigo de Deborah Munhoz traz contribuições conceituais e metodológicas para o desenvolvimento de práticas de educação para a sustentabilidade empresarial, visando a novos patamares rumo a pa- drões sustentáveis. 6 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 6 26/04/12 12:44
  • 8. Euclides de Freitas Couto, ao explorar reflexivamente as construções narrativas da imprensa esportiva sobre a seleção verde-amarela entre 1966 e 1970, interpreta a “textualidade” da vida social, desvelando aspectos ideológicos e políticos de significação do esporte como palco de lutas simbólicas da sociedade brasileira. Finalmente, o artigo de Manoel Ricardo de Lima discorre sobre a construção poética de Joaquim Cardozo, delineada por uma con- cepção de espaço-tempo que subverte a racionalidade moderna e convida a novas institucionalidades, com alargamento e interpenetra- ções de territórios, simultaneidades, ecos e reverberações. Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 7 Sinais_Sociais_18.indd 7 26/04/12 12:44
  • 9. SOBRE OS AUTORES Anete B. L. Ivo Socióloga, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pesquisadora do Centro de Re- cursos Humanos da Universidade Federal da Bahia e editora da revista Caderno CRH. Foi titular da Cátedra Simon Bolivar da Université de Paris III (2000); professora visitante da Université de Paris XII e professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador (2009-2011). É autora dos livros Viver por um fio: pobreza e políticas sociais (Annablume, 2008); Metamorfoses da questão democrática: governabilidade e pobreza (CLCSO, 2001); O poder da cidade: limites da governança urbana (Edufba, 2000, em coautoria) e de vários artigos sobre Pobreza, desigualdades e políticas sociais, Estado e sociedade e Teoria social publicados em revistas e obras coletivas no Brasil e no exterior. Deborah Munhoz Diretora������������������������������������������������������������������������� da HUB-C: inteligência em sustentabilidade, atua como palestrante e con- sultora em Gestão da Qualidade de Vida e Sustentabilidade. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos e bacharel em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Consultora em Produção Mais Limpa formada pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpas do Senai. Professora de Sustentabilidade Empresarial e Projetos de Produtos e Processos com Eficiência Ecológica no MBA de Gestão de Negócios com ênfase em Meio Ambiente e na pós-graduação de Engenharia Ambiental Integrada do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC); professora do curso de pós- graduação em Educação Ambiental, Agenda 21 e Sustentabilidade do Centro de Eco- logia Integral em Belo Horizonte, Minas Gerais. Trabalhou como técnica da Gerência de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e é pesquisadora independente nas áreas de desenvolvimento de lideranças e ecodesign de sistemas produtivos. Euclides de Freitas Couto Doutor em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e graduado em história pela mesma universidade. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei. É membro dos grupos de pesquisa Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Laboratório de Arquitetura e Urbanismo Social, da Univer- sidade Federal de São João del-Rei. Nos últimos anos tem se dedicado aos estudos relacionados à história e à sociologia do esporte. 8 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 8 26/04/12 12:44
  • 10. Glória Diógenes É professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, ���������������������������������������������������������������� coordenadora do Laboratório da Juventude, fundadora e ex-coorde- nadora do Projeto Enxame – fazendo arte com gangues e galeras. Realizou uma série de pesquisas sobre a criança e o adolescente, todas publicadas: “Meninos e meninas de rua: cenário de ambiguidades” (1993); “Histórias de vida de meninos e meninas de rua” (1994); “Criança infeliz” – exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em Fortaleza” (1998); “Personagens em foco: esses meninos e meninas moradores de rua” (1998). Tem artigos publicados nos livros: Abalando os anos 90: funk e hip hop (Roc- co,1997); Linguagens da violência (Rocco, 2000); Violência em tempo de globalização (Hucitec, 1999); Política e afetividade (Edufba, 2009); A juventude vai ao cinema (Autên- tica, 2009); Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil (Petrópolis/Ação Educativa, 2011) e Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades (2011). Em 1998, como resultado de sua tese de doutorado, lançou pela Annablume o livro Cartografias da cultura e da violência – gangues, galeras e o movimento hip hop, seguido de: Itine- rários de corpos juvenis (Annablume, 2003); Cenas de uma tecnologia social: botando boneco (Annablume/Sesi/Fiec, 2004); Os sete sentimentos capitais: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (Annablume, 2008) e ViraVida – uma virada na vida de meninos e meninas no Brasil (Sesi, 2010). José Carlos Exaltação Sociólogo, mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia com a dissertação O CadÚnico na identifica- ção e classificação social de “quem são os pobres do Brasil”. Atualmente é técnico de nível superior, analista ambiental, do Instituto do Meio Ambiente do governo do Estado da Bahia. Integrou a equipe da pesquisa Programas de Transferências Monetárias Con- ������������������������������������������� dicionadas en Brasil (TMC), coordenada no Brasil por Anete Ivo (Fundación Carolina, março 2010). Manoel Ricardo de Lima Poeta, professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Publicou Falas Inacabadas (um livro-transparência com a artista visual Elida Tessler), Embrulho e Quando todos os acidentes acontecem (poemas); Entre per- curso e vanguarda, 55 começos e Fazer, lugar (ensaios) e As mãos (novela). Organizou as coletâneas A visita (com Isabella Marcatti) e A nossos pés. Tem artigos publicados em revistas e jornais no Brasil e no exterior. É coordenador editorial da Editora da Casa, de Santa Catarina, e coordena a coleção Móbile de miniensaios para a Lumme Editor. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 1-168 | JANEIRO > ABRIL 2012 9 Sinais_Sociais_18.indd 9 26/04/12 12:44
  • 11. O DEBATE PARLAMENTAR SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO GOVERNO LULA Anete B. L. Ivo José Carlos Exaltação 10 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 10 26/04/12 12:44
  • 12. Este artigo recompõe a trajetória dos debates parlamentares sobre os pro- gramas sociais, em especial o Bolsa Família, em contexto de disputa eleitoral (2003, 2004, 2006 e 2008). A análise apresenta os principais eixos temáticos do embate entre parlamentares de governo e de oposição no Congresso Nacio- nal, exibindo o caráter necessariamente conflitivo e não linear da política, seus avanços e recuos, o que caracteriza a luta em torno dos programas sociais. Esse processo representa uma luta por hegemonia na competição partidária: de um lado, os partidos lutam para garantir a sua própria reprodução e legitimidade, e, do outro, para construir respostas às demandas sociais, dentro do horizonte do possível. A despeito das estratégias de neutralização entre os atores políticos – partidos do governo e da oposição – sobre o Programa Bolsa Família, este ar- tigo mostra que a arena política do Congresso Nacional constitui-se um fórum privilegiado e democrático para a construção da política. Palavras-chave: arena política; políticas sociais; Bolsa Família; legislativo; pobre- za e desigualdades sociais The article reconstructs the evolution of parliamentary debates focused on so- cial programs in Brazil; particular emphasis is given to Bolsa Família (Family Allowance) in the context of elections which took place in 2003, 2004, 2006 and 2008. The analysis presents the main differences of opinion in Congress between government members of parliament and those of the opposition, showing the necessarily conflictive and non-linear policies, the advances and retreats, which characterize the battle around social programs. This process represents a struggle for supremacy in the competition between parties: on the one side, the fight to ensure their own reproduction and legitimacy, and, on the other, to find answers to social needs, within the horizon of the possible. Despi- te the neutralization strategies among political actors – government parties and opposition parties alike – on the Bolsa Família Program, this article shows that the political arena of National Congress is a privileged and democratic forum for the building of policy. Keywords: political arena; social policies; legislative; poverty and social inequa- lities; development SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 11 Sinais_Sociais_18.indd 11 26/04/12 12:44
  • 13. INTRODUÇÃO Historicamente a construção das políticas na área social sempre en- volveu uma tensão política entre liberais ou socialistas a respeito do grau de comprometimento e responsabilidade do Estado com a área social. Ou seja, o embate sobre programas e direitos sociais, entre outros aspectos, implica tensões sobre o quanto a sociedade aceita redistribuir a riqueza nacional. Desse modo, também a avaliação de um programa social não é técnica apenas, mas mediada pelo jogo das forças políticas. Nesse sentido, o debate sobre as políticas sociais envolve duas di- mensões associadas: uma conceitual a respeito da natureza do Estado social; e outra gerencial, que se refere à operacionalização das polí- ticas na esfera do governo. É no entremeio entre as concepções do Estado social e os modos de operar as políticas sociais no governo Lula, que o Programa Bolsa Família é debatido na arena política do Con- gresso Nacional, condicionando as formas de intervenção das políticas sociais pelo governo. O fio condutor da análise privilegiada neste tex- to é o Programa Bolsa Família, mas o debate entre os parlamentares recorre a outras políticas sociais, como o salário mínimo e as políticas de emprego mais estruturais e redistributivas como contra-argumentos da oposição, no sentido de sugerir uma mudança de curso do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) em relação à defesa de políticas mais próximas à tradição sindical, sem que a oposição se contraponha diretamente ao Bolsa Família. O artigo, portanto, apresenta e discute as tensões, concepções e estratégias usadas pelo jogo político entre oposição e governo Lula acerca do Bolsa Família, expondo o caminho sutil de construção da luta política e partidária. O Programa Bolsa Família, instituído em 2003 pelo governo do pre- sidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, constituiu-se na grande plata- forma desse governo na área social. Originou-se de um conjunto de programas sociais de transferência de renda preexistentes, iniciados no governo anterior1, e sua implementação tem sido objeto de cons- tantes críticas da oposição e da mídia, que em diversos momentos 1   Do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democra- cia Brasileira – PSDB (1996-2002). 12 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 12 26/04/12 12:44
  • 14. consideram-no um programa de caráter assistencialista e uma grande estratégia de marketing eleitoral do governo PT2, como reafirmam al- gumas falas ao longo deste artigo. Essa crítica da oposição foi se mo- dificando na medida em que o governo exibiu resultados positivos da focalização e cobertura (massiva) dos beneficiários, reforçando sua legitimidade3. Nos oito anos que envolvem o primeiro (2003-2006) e o segundo (2007-2010) mandatos do presidente Lula da Silva o programa expan- diu-se e consolidou-se, passando de 3, 615 milhões em 2003 para beneficiar hoje mais de 12 milhões de famílias, incorporando aos seus benefícios cerca de um terço da população brasileira (51 milhões de pessoas), ao mesmo tempo em que cresceram os índices de aprovação do governo. O caráter polêmico sobre a autoria política do programa; a cobertura extraordinária alcançada pelo Bolsa Família no território nacional, acompanhada por elevados índices de aprovação do gover- no e do presidente Lula4 e o reconhecimento internacional do progra- ma junto às agências multilaterais5 alimentaram as discussões entre a 2  Especialmente no período compreendido pela implantação do programa (2003) até a denúncia da rede Globo de 19 de setembro de 2004, a ser ana- lisada no item 1 deste artigo (2004). 3   A natureza do jogo político e os novos modelos do Estado social (mais estra- tégico) aplicados amplamente na América Latina reorientaram gradativamente as concepções universalistas da Constituição brasileira para a adoção de uma política social focada sobre os estratos de renda mais baixos, estratégia con- siderada como a mais eficaz e justa, em benefício dos cidadãos com renda mais baixa. 4   A área social foi uma das principais vitrines do governo do presidente Lula em virtude dos elevados investimentos no Programa Bolsa Família, que be- neficiou mais de 12 milhões de famílias. Segundo pesquisa do Datafolha de dezembro de 2006 (mês de encerramento do primeiro mandato), Lula obteve a maior taxa de aprovação de um presidente brasileiro ao final de mandato captada pelo instituto (que faz essa medição desde a volta do país à democra- cia) – 52% consideravam seu governo ótimo ou bom. 5   O Bolsa Família tem sido recomendado pela Organização das Nações Uni- das para adoção em outros países em desenvolvimento (LINDERT, s/d e 2004). Estudos do Banco Mundial registram resultados mensuráveis positivos no consumo de alimentos, na qualidade da dieta e no crescimento das crianças (BANCO MUNDIAL, 2007). SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 13 Sinais_Sociais_18.indd 13 26/04/12 12:44
  • 15. oposição e os governistas, que oscilam entre a crítica e o resgate da autoria política do programa pelos partidos, especialmente nos emba- tes entre o PSDB e o PT e seus respectivos aliados. Este artigo apresenta uma síntese desses debates entre parlamenta- res governistas e oposicionistas, entre estes destacadamente o PSDB, e o PFL (Partido da Frente Liberal, hoje Democratas – DEM), no Con- gresso Nacional, em torno do Programa Bolsa Família. A análise toma por referência quatro períodos marcados pela disputa eleitoral: o ano de 2003, primeiro ano do mandato do presidente Lula da Silva, mo- mento de apresentação e discussão da proposta; o de 2006, relativo às eleições majoritárias para presidente, governadores, Congresso Na- cional e Assembleias Legislativas estaduais, quando o presidente Lula da Silva foi reeleito para o seu segundo mandato; e os anos de 2004 e 2008, correspondentes às eleições municipais. O contexto eleito- ral favorece a explicitação, na arena política, dos marcos diferenciais dos programas dos partidos, ou ao menos das concepções que os orientam. A trajetória desse debate no Congresso Nacional explicita, portanto, o uso por parlamentares e partidos de concepções distintas das ações sociais e suas considerações a respeito da exequibilidade e alcances do programa, ou seja, as “portas de saída” para a superação da pobreza, no Brasil. Essas tensões estruturam a dialética do poder sobre a área social, como movimentos de hegemonia e busca de le- gitimidade entre os partidos, e acabaram influenciando os processos decisórios do Executivo e as orientações efetivamente assumidas na implantação dos programas sociais. O Bolsa Família tomou por base fundamentalmente o Bolsa Escola, maior programa do conjunto de políticas de transferência de renda focalizadas sobre os mais pobres. Essa conversão dá lugar a uma dis- puta entre o PT e o PSDB sobre a autoria do programa, especialmente quando o Bolsa Família alcançou níveis de cobertura elevados e ampla legitimidade política. Em que pesem os reconhecidos méritos do Bolsa Escola, as iniciati- vas do PT já vinham ocorrendo desde 1991 na formulação de um pro- grama de garantia de renda aos mais pobres, quando foi apresentado no Senado o Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (PT) para um Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM (PLS nº 80/1991), que visava garantir a todos os cidadãos do país maiores de 25 anos de 14 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 14 26/04/12 12:44
  • 16. idade o direito a um determinado nível de renda. Em 8 de janeiro de 2004 foi aprovada a Lei 10.835, que instituiu a Renda Mínima6 e, no dia seguinte, a Lei 10.836 que criou o Bolsa Família. A lei da Renda Mínima previa sua aplicação de forma gradual, começando pelos mais necessitados, a partir da evolução de programas de transferência de renda, em especial do Bolsa Família. O programa Bolsa Escola, implantado pelo PSDB, também se ins- pirou em iniciativas anteriores realizadas em algumas municipalida- des7, especialmente na exitosa experiência do Bolsa Escola no Distrito Federal, implementado pelo PT no governo de Cristóvão Buarque, em 1995. A concepção do programa baseava-se na tese do capital humano, segundo a qual a elevação do nível educacional das crianças beneficiadas ampliaria suas oportunidades de geração autônoma de renda, e contribuiria, portanto, no futuro, para interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Em relação à perspectiva mais universalista de aplicação de uma renda mínima de cidadania, José Carlos Vaz (1995) apresentou o que seriam os principais pontos de discussão dessas políticas de transfe- rência de renda, que ainda alimentam muitas críticas: a) insuficiência de recursos municipais para dar sustentabilidade ao programa; b) o possível efeito de desestímulo ao trabalho, crítica inspirada nos deba- tes europeus, em países com Estado social consolidado, cujos sistemas confinaram os beneficiários na rede de seguridade social em razão da baixa remuneração do trabalho; e, ainda, c) as dificuldades de gestão do programa pelas limitações institucionais inerentes ao processo de seleção e controle de beneficiários. Vaz considera que parte dessas críticas origina-se da realidade de países europeus, com Estados sociais consolidados e que o uso desses 6   A Lei nº 10.835/2004, de autoria do senador Suplicy, que institui a Renda Básica de Cidadania, foi sancionada por unanimidade no Senado em 8 de janeiro de 2004, mas ainda carece de regulamentação. 7   Lavinas (1998) relaciona os municípios com PGRM: Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Campinas, Catanduva, Ferraz de Vasconcellos, Franca, Guaratin- guetá, Guariba, Goiânia, Jaboticabal, Jundiaí, Mundo Novo, Limeira, Osasco, Ourinhos, Paracatu, Piracicaba, presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo André, São Francisco do Conde, São José do Conde, São José dos Campos, São Luiz, Tocantins e Vitória. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 15 Sinais_Sociais_18.indd 15 26/04/12 12:44
  • 17. argumentos é inadequado à realidade brasileira, diante do desempre- go estrutural e da informalidade do mercado de trabalho. Assim, a adoção de um programa de renda mínima no país ajudaria a minorar a precarização do mercado de trabalho. Esses diversos argumentos, ainda que relativos aos programas de ren- da mínima, reaparecem no debate sobre o Programa Bolsa Família, na arena política do Congresso Nacional. Em todos os períodos analisa- dos são recorrentes as manifestações que questionam a capacidade do governo quanto à operacionalização do programa, cobrando eficácia no controle da elegibilidade e cumprimento das condicionalidades, su- gerindo irregularidades e falhas na sua aplicação. Gradativamente esse processo vai produzindo um deslocamento da concepção mais univer- salista inerente à Constituição brasileira de 1988 para uma perspectiva estratégica de focalização cuja operacionalidade implica “acerto” na elegibilidade dos beneficiários e, por consequência, a correta identifica- ção do público-alvo, ou seja, uma questão de gerenciamento técnico. O presente artigo tematiza os principais eixos do embate entre par- lamentares de oposição e governo, nesta matéria, nos períodos de 2003, 2004, 2006 e 2008, demonstrando avanços e recuos, a mo- bilização de argumentos que operam a passagem da concepção da política para a discussão sobre governo e técnica de gestão (a foca- lização). Nessa passagem, a mobilização da opinião pública sugere a ideia de incompetência, erro e uso de velhas estratégias clientelistas pelo governo. Essa estratégia sutil dos discursos qualifica a vivência tensa no âmbito das forças sociais e dos partidos sobre a política do “possível”, como luta por hegemonia diante dos programas sociais nos contextos analisados. A seção conclusiva recompõe a trajetória dos debates parlamentares relativa aos programas sociais, particularmente ao Bolsa Família, e finaliza questionando a concepção do programa como estratégia de desenvolvimento endógeno. 1 APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2003) O período compreendido entre a edição da Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003, que cria o Bolsa Família, até sua aprovação para conversão em lei, em 17 de dezembro de 2003, foi de discussões 16 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 16 26/04/12 12:44
  • 18. no Congresso Nacional sobre os pontos polêmicos do programa. Os deputados governistas defendiam a proposta de criação do programa, justificando a unificação dos diversos programas anteriores em função de operar com maior racionalidade institucional, o que aumentaria os investimentos sociais do governo, o valor médio dos benefícios e a cobertura do público-alvo. A oposição criticava o caráter excludente da proposta do programa em relação aos anteriores, especialmente quanto à linha de corte das famílias elegíveis8. Ademais, questionava a sua exequibilidade em termos de uma abrangência nacional. Na apresentação da Medida Provisória 132 ao Congresso Nacional (21 de outubro de 2003), a base aliada do governo destacou os objetivos e pretensões institucionais do Bolsa Família, com vistas a racionalizar o gasto social, ampliar a cobertura do público-alvo e aumentar o valor dos benefícios e os investimentos federais no setor para execução do que viria a ser o principal programa nacional de transferência de renda, a exemplo do discurso do deputado Carlito Merss (PT/SC). Os deputados da oposição, além de defenderem a paternidade do programa, consi- deravam a proposta inexequível devido à falta de sustentabilidade or- çamentária, o que o transformava apenas numa “jogada de marketing” do governo, sem condições de efetivação. São exemplos dessa postura oposicionista os discursos proferidos por alguns parlamentares do PSDB, como o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que em 21 de outu- bro de 2003, afirmou que o presidente [Lula] reuniu todos os projetos sociais implantados pelo governo Fernando Henrique, pelo governo Itamar e por outros, tirou seus rótulos e criou um novo programa para substituí-los; e o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP), que disse: “Gastou-se uma fortuna em marketing no programa Fome Zero [...] e agora vão gastar outra fortuna em marketing no Programa Bolsa Família”, e criticou a contratação de instituições estrangeiras para a 8   Os programas unificados no Bolsa Família tinham por público-alvo famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. O Bolsa Escola estipulou uma renda de R$ 90,00, à época em que o salário mínimo era R$ 180,00 (Decreto nº 3.823, de 28 de maio de 2001). O Bolsa Família, porém, definiu duas categorias elegíveis: “pobreza extrema”, com renda per capita de até R$ 50,00, e “pobreza”, com renda de até R$ 100,00 para um salário mínimo que à época era de R$ 240,00. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 17 Sinais_Sociais_18.indd 17 26/04/12 12:44
  • 19. implementação dos programas e a mobilização de recursos da área de saúde para a execução dos mesmos. As contradições entre oposição e governo não apresentavam con- tornos claros, já que, em realidade, a distinção entre o novo programa e os anteriores não estava claramente definida, dificultando aos opo- sicionistas a formulação de uma crítica mais contundente à proposta do governo sem que necessariamente atingisse suas próprias linhas de ação anteriores. Assim, o alvo das críticas reorientava-se não à pro- posta, mas, sobretudo, à competência técnica do governo, e à falta de sustentabilidade orçamentária. Quando a Medida Provisória 132 foi incluída na Ordem do Dia, em dezembro 2003, os parlamentares da oposição foram mais incisivos em torno dos elementos que compunham o novo programa, tendo apresentado um número expressivo de Emendas (53) sobre a maté- ria. Contudo, não havia homogeneidade de posição entre esses parla- mentares, a exemplo do PSDB, que se dividia entre adiar ou apoiar a votação da Medida Provisória9. A relatoria do Projeto (Mensagem nº 145, 2003) justificou a urgência de votação pela “necessidade imedia- ta de tornar a gestão dos recursos públicos mais eficiente e de elevar o número de famílias atendidas nas ações sociais de governo” (p. 4), com vistas a que o “Programa Bolsa Família contribua efetivamente para reduzir a exclusão social, sem, contudo, gerar maiores ineficiên- cias à economia brasileira” (p. 9). Destacou, ainda, a busca de maior racionalidade e eficiência da administração pública: a “unificação dos programas federais de reforço de renda busca imprimir maior raciona- lidade e eficiência à administração pública” (p. 10). O PFL10 e o PSDB, partidos da oposição, reforçaram aspectos “ne- gativos” da nova proposta, diferenciando-a das experiências anterio- 9   Os deputados Wilson Santos, PSDB/MT, e Antonio Carlos Pannunzio, PSDB/ SP são exemplos de posição contra e a favor ao adiamento da votação, respec- , tivamente (Câmara dos Deputados, Ordem do Dia, 17 de dezembro de 2003). 10   O PFL, partido originário da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), tinha entre um dos seus políticos expoentes o senador Antônio Carlos Maga- lhães (PFL/Bahia,) autor da Emenda Constitucional de criação do Fundo de Combate à Pobreza (2000), que financia mais de dez programas sociais, inclu- sive o Bolsa Família. Daí possivelmente a ativa participação de parlamentares do PFL da Bahia nos debates em 2003. 18 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 18 26/04/12 12:44
  • 20. res, sobretudo pela linha de corte definida para aquelas famílias com renda per capita inferior a R$ 100,00. Apoiando-se no Decreto nº 4.102/2002 (Art. 3º, I), que regulamentava o Auxílio Gás, e na Lei 10.689/2003 (Art. 2º, §2º), que criou o Cartão Alimentação, ambos desenhados para famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo como potenciais beneficiárias das transferências monetárias, o que equivalia a R$ 120,00, os deputados oposicionistas consideravam que o novo programa era mais excludente que os programas anterio- res, impondo a necessidade de revisão do critério de elegibilidade. Ademais, o PSDB reivindicava a autoria do programa, demonstrando que muitas das características da nova proposta tinham caráter exclu- dente em função da nova linha de elegibilidade do programa, o que certamente envolvia custos políticos. “Dessa forma, muitas famílias que hoje recebem o Vale-Gás e os benefícios do Bolsa Escola e do Bolsa Alimentação ficarão de fora desses programas” (deputado Antonio Cambraia, PSDB/CE [OD, 17/12/2003]). Diante desses argumentos críticos, o governo contra-argumenta que a execução anterior operava de forma caótica, e este seria o principal motivo para a baixa cobertura. “A unificação de programas, assim como a centralização da gestão do Cadastro Único, dos pagamentos e da ava- liação do Programa Bolsa Família proporcionará maior efetividade ao gasto social, o que certamente elevará o número de famílias beneficia- das” (deputado Odair, PT/MG, Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]). O governo considerava que paulatinamente dever-se-ia agregar à transfe- rência de renda outras políticas emancipatórias. “Pretende-se, ao passo em que a máquina pública aufira ganhos de racionalidade e eficiência com o fim da sobreposição de ações, que sejam geradas outras políticas para as famílias beneficiadas, de forma a lhes permitir a emancipação econômica” (Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]). Em verdade, os partidos oposicionistas demarcaram espaço na ela- boração do projeto de “Conversão”, apresentando diversas Emendas11,   É significativo o número de Emendas apresentadas por alguns deputados 11 nesse período. O maior destaque é José Carlos Aleluia (PFL/Bahia), então líder do PFL na Câmara, com 15 Emendas, seguido de seu correligionário, Claudio Cajado, com nove. Do PSDB, destacam-se os deputados Antônio Carlos Mendes Thame e Sebastião Madeira, com cinco Emendas cada um. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 19 Sinais_Sociais_18.indd 19 26/04/12 12:44
  • 21. como a revisão, pelo Executivo, dos reajustes tanto dos benefícios quan- to dos valores referenciais do programa, proposta pela Emenda de nº 1, do deputado Cláudio Cajado. Essas emendas, no entanto, foram rejeita- das em sua maior parte, de modo a não alterar o sentido original da pro- posta. Contudo, o próprio fato de assimilar-se os programas anteriores ao Bolsa Família já se constituía numa condição favorável à aprovação da proposta, ao mesmo tempo em que gerava um elemento conflitivo entre os partidos na luta pela hegemonia sobre a área social. 2 A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (2004) E AS IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS O ano de 2004 caracterizou-se como um importante período de “prova” e legitimação do Bolsa Família, quando o governo adotou, na área social em geral, algumas medidas impopulares, como a reforma do sistema previdenciário e restrições no reajuste do salário mínimo, exatamente em um ano de eleições municipais, no qual os programas sociais têm importante papel de formação da base de apoio popular dos partidos. Os trabalhos parlamentares no Congresso Nacional foram antecipados por uma Convocação Extraordinária feita pelo presidente da Repúbli- ca, fato que gerou diversas especulações. De um lado, essa convocação indicava pressa do governo em aprovar seus projetos, e, de outro, o governo o fez em razão do ano eleitoral. Isso pode não ter sentido, uma vez que um dos itens da pauta da Convocação era justamente a Refor- ma da Previdência, alvo de grande polêmica e elevados custos políticos. De todo modo, quanto antes fosse discutida, mais tempo se teria para minimizar os efeitos políticos indesejáveis dessas medidas. A discussão enveredou inicialmente para uma avaliação do desem- penho do Governo Federal durante o ano de 2003, primeiro ano do presidente Lula. Na sessão de abertura (19 de janeiro 2004) parte da oposição questionou o governo pela impropriedade da Convocação antecipada do Congresso. Segundo o deputado Sebastião Madeira (PSDB), “o volume de matérias a serem apreciadas – emendas consti- tucionais, medidas provisórias, projetos de lei – demonstra claramen- te que esta convocação será inócua, não resultará na aprovação de emendas ou leis”, e, em sua opinião, um dos resultados seria o desgas- 20 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 20 26/04/12 12:44
  • 22. te do Legislativo perante a população. Acusou-se o governo de falta de projeto para o país, criticando a reforma ministerial em processo como fisiologista e sem propósito. Nas palavras do então líder do PSDB, o deputado Jutahy Júnior, “trata-se de um governo baseado em inte- resses claramente clientelistas, fisiológicos, sem projeto, que faz uma colcha de retalhos na base de apoio, porque, como não existe projeto, é tudo baseado em interesses imediatos”. O então líder do PT no Congresso – o deputado Nelson Pellegrino – proferiu discurso, destacando a conjuntura econômica favorável, com expectativas positivas em relação às suas projeções para o futuro próximo. Em se tratando dos “investimentos na área social”, obser- va que o Bolsa Família assume claramente o pilar da política social, garantindo a “mais de 10 milhões de brasileiros” o acesso diário à alimentação. Essa avaliação otimista do governo é complementada, ainda, por argumentos defensivos em relação às críticas da oposição, segundo as quais o governo teria posto o país em posição desfavorável ao seu desenvolvimento. Nesse debate observa-se desencontro no âmbito da própria oposi- ção, pois na mesma sessão de abertura dos trabalhos no Congresso (19 de janeiro de 2004), um deputado do PFL (partido da oposição), Paulo Magalhães, saiu em defesa do governo, afirmando que o presidente Lula seria “o presidente da esperança dos brasileiros”. Ele defendeu a convocação antecipada e considerou que o desgaste da imagem do Legislativo ocorre quando parlamentares “usam os microfones para fa- zer politicagem”, referindo-se, aparentemente, aos discursos de alguns deputados do PSDB. Esse desencontro dos oposicionistas certamente se justifica pela iminente disputa eleitoral nos municípios. Exemplo dessa dissonância pode ser visto no discurso do próprio deputado Paulo Magalhães em 21 de janeiro daquele ano, com fortes acusações contra os gestores do município de Itiruçu, no sudoeste da Bahia, afir- mando a sua confiança em “ganhar as eleições naquele Município”. Em outras palavras, a defesa feita ao Executivo Federal sugere ser antes uma tática para capitalização dos ganhos políticos oriundos do Pro- grama Bolsa Família, que um alinhamento ideológico com o governo. Paradoxalmente, a principal oposição nesse período aparece exata- mente nos parlamentares dissidentes do próprio PT, aqueles conside- rados “radicais”, expulsos do partido por terem se posicionado contra SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 21 Sinais_Sociais_18.indd 21 26/04/12 12:44
  • 23. os rumos assumidos pelo governo do PT e votado contra as propostas do governo12. Em 11 de fevereiro de 2004, Luciana Genro (eleita pelo PT/RS), considerada à época uma deputada “sem partido”, critica o PT por sua tendência a assimilar-se ao PSDB, e também o governo, que, em sua opinião, teria capitulado ao projeto neoliberal. A deputada fundamenta essa posição, mostrando os resultados econômicos insig- nificantes e os indicadores sociais graves, como desemprego, redução da renda e violência, em razão da subordinação do governo a uma política econômica de juros altos. Essa crítica foi reiterada por membros do PFL (expondo as contradi- ções da arena política), a exemplo do deputado Felix Mendonça, que afirma a discordância do seu partido em relação à política econômica: [seu partido é] “contra a política econômico-financeira adotada”13 e “no Brasil segue-se o caminho inverso da política econômica adotada por países que querem desenvolver-se”, afirma o deputado do PFL. Importa esclarecer uma imensa diferença entre essas duas posições. Diferentemente dos parlamentares do PFL, a deputada Luciana Genro expõe uma posição ideológica crítica ao governo sobre o caráter da focalização adotada pelos programas sociais. Para a deputada, trata-se de uma política social subordinada aos ajustes impostos pela política econômica, desvinculada de problemas estruturais, como a elevação do desemprego. Segundo a deputada, o “foco do governo” se orien- 12   Os deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA), e a senadora Heloísa Helena (AL), que junto ao deputado estadual João Fontes (SE) compunham o grupo de parlamentares “radicais”, por posicionarem-se contra as alianças formadas pelo PT, desde a campanha presidencial. Uma vez instituído o governo, estes parla- mentares mantiveram-se discordantes de medidas adotadas, que, segundo eles, contrariavam a postura histórica do partido, como as reformas da Previdência e Tributária, e ratificaram suas posições, votando contra essas reformas. Os de- sentendimentos culminaram na expulsão desses parlamentares pelo Diretório Nacional do PT, em meados de dezembro de 2003. Eles ganharam projeção nacional e foram acompanhados por uma legião de dissidentes do PT, também inconformados com a nova postura do partido, que para eles se insinuava mais à direita. Em junho de 2004 os radicais criaram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), tendo a senadora Heloísa Helena como principal representante. 13   Trata-se de um deputado do PFL e um dos principais apoiadores do gover- no anterior. 22 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 22 26/04/12 12:44
  • 24. taria mais pela política econômica hegemônica do que pelo encami- nhamento da questão social interna do país. O governo justifica que seu objetivo não é “apresentar o melhor dos mundos”, mas reverter o quadro caótico das inúmeras políticas imple- mentadas pelo governo anterior, entre as quais se enquadram as políti- cas sociais focalizadas. Neste sentido, o discurso do deputado Professor Luizinho, do PT de São Paulo (29 de abril de 2004), é emblemático: Herdamos um país, cujo patrimônio brasileiro foi todo dizimado; foi vendido o que foi construído com o suor e o sangue do povo brasileiro. Foram transformados em pó, em fumaça, 100 bilhões de reais do povo brasileiro. Aumentaram, de forma irresponsável, a dívida pública interna e a dívida externa, que chegam, hoje, ao patamar de 900 bilhões de reais. Ou seja, o governo põe-se na condição de quem assume a missão de reconstruir um país quebrado por escolhas políticas anteriores equi- vocadas, que, segundo seus representantes, deveriam ser revertidas. Usando o argumento da racionalidade institucional para as políticas da assistência social, o deputado sugere cautela aos parlamentares go- vernistas quanto à definição do piso do salário mínimo – cujo valor a oposição critica, sugerindo ainda que a restrição do valor do salário mí- nimo proposto pelo governo permitiria investimentos compensatórios no Bolsa Família e no aumento do salário-família14. Nas palavras desse parlamentar, o governo estaria “protegendo os miseráveis com a política do Programa Bolsa Família” e o reajuste do salário-família permitiria “proteger a família que tem filhos e maiores necessidades”. É dentro desse contexto que o Bolsa Família ganha centralidade no debate15. Durante a Ordem do Dia (29 de abril 2004), o líder do governo, de- putado Professor Luizinho, defende que o governo está perseguindo os objetivos do crescimento e do desenvolvimento sustentável para o 14   O salário-família é um benefício previdenciário a que têm direito o segu- rado empregado e o trabalhador avulso que tenham salário de contribuição inferior ou igual a remuneração máxima da tabela do salário-família. Em 2004 ele pulou de R$ 13,48 para R$ 20,00 para segurados que recebiam até R$ 390,00 de salário (MP 182/2004). 15   O salário mínimo em 2004 foi reajustado a partir de 1º de maio, por meio da Medida Provisória nº 182, de 30 de abril, cuja aprovação pelo Congresso Nacional deu-se em 24 de junho, convertendo-a na Lei nº 10.888/2004. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 23 Sinais_Sociais_18.indd 23 26/04/12 12:44
  • 25. país, dentro das “condições possíveis, de forma responsável e segura”, oposta ao que se fizera na gestão anterior, segundo opinião do depu- tado. Para o governo, o caminho para beneficiar diretamente os mais necessitados está na transferência de renda focalizada. No que tange à questão salarial, a fórmula encontrada para alcançar as famílias mais necessitadas, respeitando-se as limitações orçamentárias, foi o reajuste do benefício do salário-família. Essa postura alimentou os oposicionistas, que encontraram na atitude cautelosa do PT quanto ao aumento do salário mínimo uma ambigui- dade, considerada a sua história anterior de defesa dos trabalhadores. O líder do PFL, deputado José Carlos Aleluia (29 de abril 2004), questionou a capacidade gerencial do governo e considerou que este “não aprovou um valor para o salário mínimo maior, porque o salário mínimo é o reflexo dos equívocos de seu projeto de governo”. Em 23 de junho de 2004, com o debate sobre o salário mínimo ainda em aberto, mas já em vias de votação, o deputado do PSDB/SP Aloysio , N. Ferreira (entre outros) negou o argumento do governo relativo às limitações orçamentárias e atribuiu o caráter módico do reajuste do salário mínimo proposto pelo governo à escolha equivocada deste por investimentos em programas assistenciais, desprezando uma política mais vigorosa centrada no mercado de trabalho. Dentro dessa mesma ótica, o governo já recebia críticas do próprio PT. A expulsão dos “radicais” não calou os descontentes da base go- vernista, notadamente da legenda petista. Em 25 de maio de 2004, o deputado Ivan Valente (PT/SP) disparou críticas ao seu governo. Apre- sentou dados históricos que exibem os níveis de defasagem do salário mínimo, criticou o módico reajuste oferecido pelo governo devido à sua política monetária, contrapôs-se aos argumentos de ameaça à Previdência e aos entes federativos, defendeu a distribuição de renda como mecanismo de justiça social via salário mínimo e colocou-se contra os programas de transferência de renda16. Ou seja, a prioridade 16   Ivan Valente votou contra a proposta do governo, defendendo um reajuste mais elevado para o salário mínimo, e sofreu então a sanção do partido, como ocorrera anteriormente, quando votou contra a reforma da Previdência. Em 2005, desfiliou-se do PT e ingressou no PSOL, partido pelo qual concorreu às eleições de 2006, tendo sido reeleito deputado federal. 24 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 24 26/04/12 12:44
  • 26. da intervenção social do governo via Bolsa Família estava longe de se constituir uma unanimidade na arena política em 2004, contrapondo- se a opção por políticas sociais focalizadas como o Bolsa Família às políticas estruturais mais amplas e distributivas, associadas ao mercado de trabalho mais universalista via aumento do salário mínimo. Ante a resistência do governo em reajustar o salário mínimo acima dos R$ 260,00, o que correspondia a pouco mais de 8% do seu valor à época (R$ 240,00)17, as críticas dos dissidentes do PT encontraram res- sonância em outros parlamentares e no conjunto da oposição no ano eleitoral. Ou seja, o debate político na área social em 2004, alentado pelo ambiente eleitoral, contrapõe políticas vinculadas à remuneração do trabalho (o salário mínimo) às políticas de assistência social como o Bolsa Família. Nesse cenário, vale recobrar as promessas de campanha do PT quando defendia a duplicação do valor do salário, expondo contradições do partido quando no exercício do governo em relação às suas lutas históricas em defesa dos trabalhadores. Superado o debate sobre o piso do salário mínimo, as discussões parla- mentares em torno dos programas sociais do Governo Federal seriam re- tomadas no segundo semestre, tendo como eixo estratégico as denúncias da imprensa de irregularidades na atribuição dos benefícios. No contexto do período eleitoral18 reaparecem especulações sobre o uso eleitoreiro do Bolsa Família, retomando acusações de 2003 do Congresso Nacional, quando da proposta de criação do programa. A imprensa fez denúncias contundentes de irregularidades na concessão de benefícios e na insu- ficiência de acompanhamento do programa pelo governo, ao mesmo tempo em que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgava relatório de auditoria solicitado pelo governo, desde 2003, cujo resultado aponta “irregularidades e limitações” do programa, desde sua concepção. A disputa parlamentar desloca-se do Congresso Nacional para a opi- nião pública via imprensa. Uma das notícias de maior impacto foi 17   O valor do salário mínimo em 2003 era de R$ 240,00 (US$ 70,69) e, em 2004, R$ 260,00 (US$ 89,48), calculado com base na cotação de 3, 3950 (2003) e 2, 9056 (2004). 18   Em 2004 ocorreram eleições municipais em dois turnos. A maior parte dos pleitos foi definida no primeiro turno, em 3 de outubro; o restante se deu no segundo turno, no dia 31 do mesmo mês. SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 25 Sinais_Sociais_18.indd 25 26/04/12 12:44
  • 27. a denúncia de O Globo, veiculada em 19 de setembro de 200419, sobre o uso indevido do Bolsa Família na cidade de São Francisco de Itabapoana – Rio de Janeiro –, a poucos dias do primeiro turno das eleições. A reportagem acusa o então prefeito da cidade (PMDB), can- didato à reeleição, de distribuir senhas para o cadastramento do Bolsa Família pela secretaria municipal, exigindo das pessoas a apresentação do título de eleitor. Essa denúncia mobilizou o governo, que imediatamente suspendeu as atividades do programa naquela cidade, mantendo o pagamento dos benefícios daqueles que já haviam sido antes contemplados. Com base em relatório da Corregedoria Geral da União (CGU) que con- firmava as irregularidades, o governo iniciou um processo de fiscali- zação. O resultado confirmou um conjunto de irregularidades: não havia cronograma do Governo Federal para implementação do pro- grama no município, o que não justificava o cadastramento (além de 708 famílias já registradas pela Secretaria de Educação e Cultura, mais 900 possuíam senha para o cadastramento); identificou-se um bene­ ficiário que não estava recebendo o benefício, mas cujos saques estavam sendo realizados em seu nome; cartões magnéticos não foram entregues pela Caixa Econômica Federal aos beneficiários, e outros foram entregues sem a devida identificação do titular; entre outras irregularidades, como descrito pela CGU. Curiosamente, no período que se seguiu a essas denúncias da im- prensa até o transcurso do 1º turno das eleições, não há registro de de- bates parlamentares na Câmara Federal sobre o assunto20. Poder-se-ia 19  De acordo com as informações apuradas, essa reportagem foi intitulada “A miséria como cabo eleitoral”. O arquivo original não está mais disponível na internet, assim, essas informações foram recolhidas de fontes distintas. Alguns artigos encontrados fazem referência à reportagem – a exemplo de “A implementação do Programa Bolsa Família: as experiências de São Francisco de Itabapoana e Duque de Caxias”, de Rosana Magalhães et al., disponível em: http://www.scielo.br (Ciência & Saúde Coletiva, 2007) –, mas também não oferecem link para o arquivo original, ou seus links já não funcionam (por exemplo: http://oglobo.globo.com/jornal/pais/145949815.asp). 20   Foram efetuadas buscas na seção específica do site da Câmara (www2.camara.gov. br/), com palavra-chave (Itabapoana, denúncia, Bolsa Família) e também abertas; por partido e também abertas, mas não há qualquer menção ao fato. 26 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 26 26/04/12 12:44
  • 28. atribuir a ausência do debate ao período denominado “recesso bran- co”, realizado em período eleitoral, quando os parlamentares delibe- ram priorizar suas campanhas nas suas bases, fazendo-se presente no Congresso apenas para votação de questões eventualmente conside- radas relevantes. Mas esse procedimento foge às regulamentações da atividade parlamentar e, por ínfimas que sejam, registram-se presenças no período eleitoral, a exemplo da sessão ocorrida em 21 de setembro de 2004, dois dias após a publicação da referida denúncia que registrou, somados os diferentes momentos, 12 oradores. Assim, uma hipótese para a ausência é que as denúncias foram dirigidas contra um candidato do PMDB, partido que em 2004 se encontrava cindido entre o apoio e o não apoio ao governo. Por outro lado, é possível que os partidos tenham sido cautelosos devido às coligações feitas no âmbito municipal, compartilhando candidaturas. No município objeto da denúncia estavam coligados ao PMDB21 tanto partidos que com- punham a base de apoio ao governo no âmbito nacional como outros da oposição, como o PFL e PSDB. Essa diferença entre alianças nacio- nais e as coligações locais pode ter inibido a crítica ao Bolsa Família, dado os custos políticos no contexto das eleições municipais. Além do mais, para a oposição, as denúncias não eram contra o programa, mas contra o governo, e outros elementos poderiam municiar a oposição. De todo modo, o governo mobilizou-se na resposta a essas e outras denúncias sobre o Bolsa Família, à época. Não há elementos suficientes para se estabelecer uma relação direta entre a denúncia do caso de Itabapoana com algumas iniciativas tomadas pelo governo, mas, coinci- dentemente, o Governo Federal regulamentou o programa pelo Decreto nº 5.209/2004, em 17 de setembro, antecipando-se à reportagem do jornal O Globo exatamente em dois dias. Seja qual for a possível relação entre esses fatos, é perceptível que o Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas da União sobre o programa pressionou a edição do Regula- mento do Bolsa Família. Essa auditoria havia sido solicitada, muito antes, desde 2003, pelo então ministro Extraordinário de Segurança Alimentar, José Graziano. O seu objetivo tinha em vista a avaliação dos programas 21   A aliança que reelegeu Pedro Cherene em 2004 (Coligação São Francisco pra Frente), a despeito das denúncias e acusações, aglutinou doze partidos diferen- tes: PMDB, PP PSL, PSC, PFL, PSDC, PRTB, PHS, PTC, PSB, PSDB, PT do B. , SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 27 Sinais_Sociais_18.indd 27 26/04/12 12:44
  • 29. preexistentes: Cartão Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e Agente Jovem (anteriores ao Bolsa Família), sobre possíveis problemas de operação para a implantação do Fome Zero. Como a maioria desses programas foi aglutinada ao Bolsa Família, a avaliação do Tribunal de Contas da União acabou concentrando-se sobre o programa do novo governo. Embora a divulgação dos resultados tenha ocorrido já ao final de setembro, o Governo Federal teve acesso à versão preliminar do seu conteúdo, de forma que os elementos levantados pela auditoria e as medidas corretivas sugeridas foram contemplados na versão definitiva da Regulamentação do Bolsa Família. O Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas da União identi- ficou uma série de problemas, como a ausência de critérios claros para seleção de beneficiários, além da renda declarada (como data de cadastramento, perfil municipal ou familiar); metas de cobertura pre- vistas até 2005 limitadas às já operadas pelos programas unificados, pelo que o previsto para 2006 representava um importante desafio; ausência de mecanismos efetivos de controle e acompanhamento das condicionalidades, com interrupção da experiência anterior desenvol- vida pelos Ministérios da Educação (Bolsa Escola) e da Saúde (Bolsa Alimentação); carência de informações e orientações aos municípios sobre o programa; veiculação de propaganda genérica governamen- tal, criando expectativas na população; inexistência das instâncias de controle social por falta da regulamentação do programa. O Relatório da Auditoria do TCU expôs, assim, as fragilidades do Bolsa Família e não se furtou a imprimir um tom crítico ao compará-lo com os programas anteriores, no que se refere ao cumprimento das condi- cionalidades. O parecer da auditoria revela a importância das condicio- nalidades no desenho do programa22, cuja ausência de monitoramento, e mesmo de sanção em casos de seu descumprimento, comprometeria os objetivos implícitos de capacitação dos jovens para a superação intergeracional da pobreza pelo Bolsa Família (de inspiração do Bolsa Escola). “A obrigação de utilização dos serviços públicos estabelece cons- trangimentos que podem funcionar como barreiras de acesso àqueles   As críticas referiam-se aos parâmetros do Bolsa Escola e à importância do 22 controle das condicionalidades para a eficácia da inserção na educação. 28 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 28 26/04/12 12:44
  • 30. que não fazem parte do público-alvo” (p. 30), afirmava o relatório. Se a solicitação desta auditoria pelo então ministro Graziano (2003) objetivava expor os limites dos programas vigentes e municiar o governo na implantação dos novos programas – Bolsa Família e Fome Zero –, o resultado da avaliação transferiu o ônus político das irregularidades constatadas nos programas anteriores completamente ao governo Lula. O Regulamento do Bolsa Família (Decreto nº 5.209/2004) foi uma exigência institucional e evidentemente não atendeu exclusivamente às pressões da auditoria do TCU ou às denúncias da imprensa já que a conversão da MP nº 132/2003 na Lei nº 10.836/2004, que instituiu o programa, subordina um conjunto de aspectos gerenciais do programa ao seu regulamento, como as questões das condicionalidades (Art. 3º); do controle social (Art. 9º); da divulgação de lista de beneficiários (Art. 13, Parágrafo Único); da coibição de fraudes (Art. 14, §2º). Portanto, enquanto o Regulamento do programa não estivesse instituído, o Bolsa Família teria dificuldades de operar plenamente. O governo gerenciou o conflito e bloqueou a ação da oposição, instituindo a Regulamentação do Programa pela qual se antecipava e dava respostas às possíveis críticas. A responsabilidade pelo acom- panhamento e fiscalização do “cumprimento das condicionalidades” previstas no Decreto (nº 5.209/2004) foi devolvida (ou reiterada) aos Ministérios da Educação e da Saúde (Art. 28). O controle social foi definido para ser exercido por conselhos específicos, respeitada a paridade de participação entre Estado e sociedade, por instância preexistente (Art. 29). A responsabilidade do município na execução e no controle do programa foi reiterada, sendo que a fiscalização e a apuração de eventuais denúncias ficaram com o Ministério de Desen- volvimento Social e Combate à Fome (Art. 33). Nesse contexto não se verificou debate importante na Câmara Federal, cujos parlamentares, no período, estavam mais envolvidos com suas bases eleitorais nas campanhas para eleições municipais. O mesmo não ocorreu, porém, em relação às denúncias divulgadas pela imprensa em outubro, posteriores ao 1º turno das eleições muni- cipais. Elas parecem ter fornecido a evidência que faltava à oposição para fundamentar a sua crítica ao governo, sem refutar a essência do programa. A oposição voltou ao argumento da incapacidade gerencial do governo do PT, como vinha expressando desde o anúncio do SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 29 Sinais_Sociais_18.indd 29 26/04/12 12:44
  • 31. programa, munida desta vez, de dados oficiais do TCU e da exposição das denúncias na mídia. Mais uma vez a imprensa apresenta denúncia de grande proporção, coincidentemente (ou não) a exatas duas semanas do 2º turno do pleito eleitoral, tal qual se dera no 1º turno. Em 17 de outubro (2004), o Fantástico da rede Globo levou ao ar os resultados de uma investigação de sua autoria acerca do funcionamen- to do Bolsa Família em alguns municípios, expondo irregularidades na alocação dos benefícios. Os repórteres denunciaram casos de famílias beneficiadas pelo programa que visivelmente não se enquadravam no perfil de elegibilidade dos beneficiários, uma vez que possuíam patrimônio (casas confortáveis e veículos automotores), inclusive o caso de um empresário, proprietário de um hotel em Mato Grosso, com patrimônio incompatível com os critérios do programa. A essas evidências a matéria contrapôs a situação de famílias extremamente pobres e não contempladas. Denunciava, também, funcionários pú- blicos e apadrinhados políticos irregularmente beneficiados. Ademais, mostrava famílias contempladas, mas cujos cartões nunca chegaram a elas por dificuldades de operação da Caixa Econômica Federal na identificação e comunicação com os beneficiários. Diante das evidências de incorreções no processo de elegibilidade e concessão dos benefícios, a reportagem conclui que “o governo não pode ter certeza de que o Bolsa Família está chegando às famílias que realmente precisam dele” e questiona a validade dos dados sobre o contingente de pobres no país: “O governo quer incluir cerca de 11 mi- lhões de famílias no cadastro único e assim habilitá-las a receber o Bolsa Família. Isso significa que, para o governo, cerca de 54 milhões de bra- sileiros passam fome. Não seria esse número alto demais?” Uma curiosi- dade no objeto desta denúncia é que todos os casos citados referem-se aos programas anteriores (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação ou Auxílio Gás), mantidos em funcionamento enquanto não houve migração para o cadastro do Bolsa Família, e sem novas concessões (MP nº 132/2003, Art. 9), mas a reportagem denuncia “Falhas graves no Bolsa Família”.23   O Art. 9º da MP nº 132, de outubro de 2003, que trata da transferência 23 dos programas anteriores para o Bolsa Família, veda a concessão de novos benefícios para os programas anteriores. Assim, as incorreções se referiam a concessões anteriores e não ao Bolsa Família. 30 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 30 26/04/12 12:44
  • 32. Essa denúncia alimentou os discursos oposicionistas na Câmara. No dia seguinte à exibição da reportagem (18/10/2004) houve manifes- tação generalizada dos parlamentares: o PSDB acusou o governo de “desvio de finalidade do programa”, conforme o deputado Bismarck Maia (CE). A tônica da oposição mudou: passou a reconhecer que o programa era bom, inclusive porque apenas aglutinava iniciativas anteriores do próprio partido (PSDB), e o problema estaria, portanto, nos maus gestores, e era inaceitável “que maus brasileiros conduzam dessa forma um programa de alta valia para muitos cidadãos, princi- palmente os mais necessitados”. O deputado Pauderney Avelino, do PFL (19/10/2004) afirma que a denúncia traz a “prova da ineficiência” de um “governo inoperante e incompetente [que] inchou a máquina administrativa com pessoas ineficientes e ineficazes, que não têm ca- pacidade para gerir a coisa pública”. Os governistas reiteraram a defesa dos programas federais. Já no dia 18 de outubro (2004), o deputado Luiz Couto (PT/PB) considerou que “As políticas sociais do governo estão cumprindo o papel de atenuar carências e déficits que não podem ser compensados por meio de mecanismos de distribuição universais”. Corroborando a classificação de “maus brasileiros” utilizada pela oposição – como no discurso do deputado Bismarck Maia (PSDB/CE) em outro momento da mesma sessão –, o parlamentar petista transferiu às administrações locais a responsabilidade pelo quadro denunciado. “Prefeitos usam os pro- gramas sociais do governo, dizendo-se responsáveis por eles, com o único objetivo de comprar votos, manter a dominação política no Município e alterar a vontade popular”. E considerou que os proble- mas estavam majoritariamente no “cadastro realizado pelo governo anterior”, e que eram problemas pontuais, passíveis de correção, sem ameaças à estrutura do Bolsa Família. Sintetizando, a luta política no período deslizou de um debate sobre a natureza e o caráter das políticas sociais do governo, que se contra- punha a políticas mais universalistas, como as de emprego e do salário mínimo, priorizando as políticas focalizadas, no primeiro semestre, para a criminalização do governo pela oposição, com base na irre- gularidade da aplicação dos benefícios, atrelados à avaliação de uma incapacidade gestionária do governo. Como não havia contestação da oposição quanto à natureza do programa, à exceção dos dissidentes SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 31 Sinais_Sociais_18.indd 31 26/04/12 12:44
  • 33. petistas, o desafio do cumprimento da meta de 11 milhões de famílias beneficiárias até 2006 anunciava-se como possibilidade. 3 OS PROGRAMAS SOCIAIS EM ANO DE ELEIÇÃO PRESIDENCIAL (2006): REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO O ano de 2006 é marcado pelas eleições majoritárias, que elegem o presidente da República, governos estaduais, deputados federais e senadores, e que afetam mais diretamente o embate no Congresso Nacional em relação ao desempenho da Presidência da República. Neste contexto, a avaliação dos quatro anos do governo Lula (2003– 2006) ganha destaque e a arena política polariza os resultados entre o mandato de Lula e o de Fernando Henrique Cardoso. Alguns resul- tados no desempenho social do governo Lula fortalecem agora a sua posição no Congresso: a) a abrangência de cobertura do Bolsa Família, alcançando as metas propostas; b) a melhoria no controle das condi- cionalidades; c) os aumentos reais do salário mínimo e d) a retomada dos indicadores do mercado de trabalho, num ambiente econômico favorável. Assim, o tema que centralizou o debate foi, mais uma vez, o novo patamar do salário mínimo. O Programa Bolsa Família foi pre- servado, sugerindo um cálculo estratégico de seu uso futuro por vários partidos da oposição. Em relação ao salário mínimo, o governo saiu da sua postura cau- telosa, que marcara o início do mandato, para defender um aumento em patamares bastante elevados, em termos de valores reais nos últimos anos. O deputado Eduardo Valverde, na condição de líder do PT24, anunciou em 26 de janeiro de 2006 o reajuste do salário para R$ 350,0025, o que considera ser “o maior valor de compra dos últi- mos 40 anos”, resultado possível devido ao ambiente de estabilidade econômica no Brasil. Expondo mudanças no padrão redistributivo da renda no país, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia 24   O líder titular do PT era o deputado Henrique Fontana, Eduardo Valverde parece ter realizado esse pronunciamento em nome da liderança, mas não foram encontradas informações que o justificassem. 25   Em 1º de maio de 2005 o salário mínimo foi reajustado para R$ 300,00 (Lei nº 11.164/2005). 32 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 Sinais_Sociais_18.indd 32 26/04/12 12:44
  • 34. e Estatística (IBGE), o deputado destacou a tendência de queda inédita dos índices de desigualdades. Os resultados positivos na redução das desigualdades no país são confrontados com dados de ampliação dos beneficiários dos programas federais de transferência de renda, re- qualificando o Bolsa Família como programa eficaz na superação das históricas condições de desigualdade social brasileira. A esses resulta- dos acrescenta as tendências de recuperação do mercado de trabalho, com “3,7 milhões de empregos com carteira assinada” e os investi- mentos realizados em educação básica. Esses dados de desempenho do governo Lula foram comparados pelo deputado com o quadro socioeconômico herdado do PSDB, em 2003, caracterizado por cresci­ mento pífio, elevado desemprego da “camada mais empobrecida da população brasileira”, e, simultaneamente, por um “endividamento brutal” do país. O confronto do Bolsa Família com os novos indicadores de desi- gualdade do país reabriu o debate sobre a pertinência das políticas de renda como caminho efetivo de superação da pobreza e das desigual- dades, apesar de muitos considerarem que esses resultados se devam, sobretudo, à recuperação do mercado de trabalho e do aumento do salário mínimo. Diante da melhoria desses indicadores sociais, a opo- sição contrapõe dados da mesma fonte (IBGE) que desqualificam a ação do governo em relação ao desempenho do mercado de trabalho. Referindo-se a um discurso atribuído ao presidente da República, em 31 de janeiro, o deputado Alberto Goldman, então líder do PSDB, exibe dados que demonstram ainda a persistência de um percen­ tual de brasileiros ocupados com renda inferior a um salário mínimo. Segundo ele, em 2005, 14,5% dos trabalhadores ocupados estavam nessa condição, parcela que teria crescido gradualmente durante os três anos do governo Lula. O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT), reagiu a essas declarações, afirmando que não se pode estabelecer relação de cau- sa direta entre a renda inferior a um salário mínimo e o aumento da miséria no país, como insinuava o deputado Goldman. Para ele este dado, ao contrário, sugere que “o aumento de pessoas que recebem menos de um salário mínimo pode ter decorrido dos programas de transferência de renda, que visam tirar da situação de fome e miséria aqueles que ainda não conseguiram emprego”. Ou seja, a elevação SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.6 nº18 | p. 10-47 | JANEIRO > ABRIL 2012 33 Sinais_Sociais_18.indd 33 26/04/12 12:44