A Educação para a Sustentabilidade é um processo de desenvolvimento da cultura de sustentabilidade necessário à transformação dos processos produtivos de empresas que pretendem sobreviver no futuro. Na perspectiva da autora, o termo Educação para a Sustentabilidade é mais adequado para o trabalho voltado para o público interno, enquanto a Educação Ambiental é mais adequada para os trabalhos com a comunidade. Há também diferenças de abordagem, foco, metodologia de trabalho entre os dois conceitos. Seis aspectos são considerados fundamentais para um programa de Educação para a Sustentabilidade de sucesso: o negócio da empresa, a legislação vigente, os valores humanos, a abordagem técnico-científica, o tempo e o espaço. O paradigma da empresa tratada como uma máquina deve ser substituído pelo entendimento da empresa como uma organização viva. Não faz sentido desenvolver um processo educativo para máquinas, pois a máquina é um equipamento morto. Este artigo, portanto, parte de dois pressupostos: empresas são organismos vivos e devem ser tratadas como ambientes de aprendizagem, e a Educação para a Sustentabilidade é diferente da Educação Ambiental realizada para comunidades. Palavras-chave: educação para a sustentabilidade; produção mais limpa; liderança; educação ambiental para empresas; alfabetização ecológica
Education for Sustainability is a process of developing a culture of sustainability required for transformation of production processes of companies that intend to survive in the future. In view of the author, the term EdS is more aplicable to the work with companies, while environmental education is best suited to work with the community. There are also differences in approach, focus, methodology of work between them. Six aspects are considered essential for an EdS program success: the company's business, the current law, human values, scientific-technical approach, time and space. The paradigm of company like a machine should be replaced by the understanding of the company as a living organization. There is no sense to develop an educational process for machines because the machine is a dead thing. This article, therefore, has two assumptions: companies are living organisms and must be treated as learning environments and EdS is different from the Environmental Education realizad to communities. keywords: education for sustainabiliti; clean production; lideership; enviromental education for companies; ecoliteracy
2. v.6 nº18
janeiro > abril | 2012
SESC | Serviço Social do Comércio
Administração Nacional
ISSN 1809-9815
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3. SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional
PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL
Antonio Oliveira Santos
DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL
Maron Emile Abi-Abib
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Gerência de Estudos e Pesquisas /
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CONSELHO EDITORIAL COMITÊ CONSULTIVO 2011
Álvaro de Melo Salmito Alexandre Palma (UFRJ)
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EDIÇÃO Fernando Blanco (Banco Mundial)
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Idiomas & cia
DIAGRAMAÇÃO
Livros & Livros | Susan Johnson
PRODUÇÃO GRÁFICA
Celso Clapp
Sinais Sociais / SESC, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/
ago. 2006)- . – Rio de Janeiro : SESC,
Departamento Nacional, 2006 - .
v.; 30 cm.
Quadrimestral.
ISSN 1809-9815
1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I.
Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional, 2006 - .
As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.
As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.
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4. SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO5
EDITORIAL6
SOBRE OS AUTORES8
O DEBATE PARLAMENTAR SOBRE O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA NO GOVERNO LULA10
Anete B. L. Ivo
José Carlos Exaltação
EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE:
ESTRATÉGIA PARA EMPRESAS DO SÉCULO XXI48
Deborah Munhoz
FAGULHAS DO AUTORITARISMO NO FUTEBOL:
EMBATES SOBRE O ESTILO DE JOGO
BRASILEIRO EM TEMPOS DE DITADURA
MILITAR (1966-1970)78
Euclides de Freitas Couto
JUVENTUDES, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS NO BRASIL: TENSÕES ENTRE O
INSTITUÍDO E O INSTITUINTE102
Glória Diógenes
A MÁQUINA MODERNA DE JOAQUIM
CARDOZO128
Manoel Ricardo de Lima
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6. APRESENTAÇÃO
A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um
espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira.
Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação.
Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a
publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no
Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas
páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício
poder-se-ão manifestar.
Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da
Sinais Sociais é garantida. O fundamento desse pressuposto está nas
Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da enti-
dade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo
ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como
principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.”
Igualmente, é respeitada a forma como os artigos são expostos – de
acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais
heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos.
Importa para a revista Sinais Sociais artigos cujas fundamentação
teórica, consistência, lógica da argumentação e organização das ideias
tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises
que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou
lhes apresentem um novo olhar sobre os objetos em estudo.
O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas seme-
lhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com
suas reflexões como para segmentos do grande público interessados
em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país.
Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao
mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse deba-
te, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais.
Antonio Oliveira Santos
Presidente do Conselho Nacional do SESC
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7. EDITORIAL
Períodos de instabilidade e mudanças profundas nos colocam diante
do desafio de fazer opções fundamentais, convocando à reflexão os
problemas que emergem na arena política, em grau e complexidade
crescentes.
Pensar alternativas para o presente exige a atualização de questões
sobre as formas de condução das políticas públicas concomitantemen-
te à própria constituição dos novos sujeitos políticos. Se, por um lado,
as estruturas já estão dadas, por outro, os agentes modificam tais es-
truturas e são por elas modificados, em um processo transformador
permanente.
A presente edição da revista Sinais Sociais traz artigos que problemati-
zam a complexa interação entre o Estado e a sociedade na conformação
da esfera pública democrática e instigam a cogitar que valores e sen-
tidos sociais estão presentes, vivos, e podem constituir vetores para
mobilizar o coletivo em favor da viabilização de um processo virtuoso,
ainda possível, de sustentabilidade social, ambiental e ecológica.
Com base na trajetória dos debates parlamentares em torno do
Programa Bolsa Família, o texto de Anete B. L. Ivo e José Carlos Exaltação
discute os campos de disputas e forças institucionais, envolvendo
relações de poder e de significados, que configuram a evolução das po-
líticas sociais. Ainda no campo dos problemas multidimensionais que
exigem articulação intersetorial e relações intergovernamentais, Glória
Diógenes aborda a tensão entre os movimentos instituintes e as ações
instituídas na esfera das políticas públicas da juventude, apresentando
elementos para a desconstrução das representações normativas acerca
dos jovens, das quais advêm formas conservadoras de conceber as po-
líticas, sob a égide dos problemas sociais a serem combatidos. Nesse
cenário de reordenação de forças, com a composição de redes híbridas
que integram atores governamentais, corporativos e não governamen-
tais, o artigo de Deborah Munhoz traz contribuições conceituais e
metodológicas para o desenvolvimento de práticas de educação para
a sustentabilidade empresarial, visando a novos patamares rumo a pa-
drões sustentáveis.
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8. Euclides de Freitas Couto, ao explorar reflexivamente as construções
narrativas da imprensa esportiva sobre a seleção verde-amarela entre
1966 e 1970, interpreta a “textualidade” da vida social, desvelando
aspectos ideológicos e políticos de significação do esporte como palco
de lutas simbólicas da sociedade brasileira.
Finalmente, o artigo de Manoel Ricardo de Lima discorre sobre a
construção poética de Joaquim Cardozo, delineada por uma con-
cepção de espaço-tempo que subverte a racionalidade moderna e
convida a novas institucionalidades, com alargamento e interpenetra-
ções de territórios, simultaneidades, ecos e reverberações.
Maron Emile Abi-Abib
Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC
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9. SOBRE OS AUTORES
Anete B. L. Ivo
Socióloga, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco, professora
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pesquisadora do Centro de Re-
cursos Humanos da Universidade Federal da Bahia e editora da revista Caderno CRH.
Foi titular da Cátedra Simon Bolivar da Université de Paris III (2000); professora visitante
da Université de Paris XII e professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da
Universidade Católica de Salvador (2009-2011). É autora dos livros Viver por um fio:
pobreza e políticas sociais (Annablume, 2008); Metamorfoses da questão democrática:
governabilidade e pobreza (CLCSO, 2001); O poder da cidade: limites da governança
urbana (Edufba, 2000, em coautoria) e de vários artigos sobre Pobreza, desigualdades
e políticas sociais, Estado e sociedade e Teoria social publicados em revistas e obras
coletivas no Brasil e no exterior.
Deborah Munhoz
Diretora�������������������������������������������������������������������������
da HUB-C: inteligência em sustentabilidade, atua como palestrante e con-
sultora em Gestão da Qualidade de Vida e Sustentabilidade. Mestre em Saneamento,
Meio Ambiente e Recursos Hídricos e bacharel em Química pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Consultora em Produção Mais Limpa formada pelo Centro
Nacional de Tecnologias Limpas do Senai. Professora de Sustentabilidade Empresarial
e Projetos de Produtos e Processos com Eficiência Ecológica no MBA de Gestão de
Negócios com ênfase em Meio Ambiente e na pós-graduação de Engenharia Ambiental
Integrada do Instituto de Educação Tecnológica (IETEC); professora do curso de pós-
graduação em Educação Ambiental, Agenda 21 e Sustentabilidade do Centro de Eco-
logia Integral em Belo Horizonte, Minas Gerais. Trabalhou como técnica da Gerência
de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e é
pesquisadora independente nas áreas de desenvolvimento de lideranças e ecodesign de
sistemas produtivos.
Euclides de Freitas Couto
Doutor em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em
ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e graduado em
história pela mesma universidade. Atualmente é professor adjunto do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei. É membro dos grupos de
pesquisa Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) e Laboratório de Arquitetura e Urbanismo Social, da Univer-
sidade Federal de São João del-Rei. Nos últimos anos tem se dedicado aos estudos
relacionados à história e à sociologia do esporte.
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10. Glória Diógenes
É professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Federal do Ceará, ����������������������������������������������������������������
coordenadora do Laboratório da Juventude, fundadora e ex-coorde-
nadora do Projeto Enxame – fazendo arte com gangues e galeras. Realizou uma série
de pesquisas sobre a criança e o adolescente, todas publicadas: “Meninos e meninas de
rua: cenário de ambiguidades” (1993); “Histórias de vida de meninos e meninas de rua”
(1994); “Criança infeliz” – exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em
Fortaleza” (1998); “Personagens em foco: esses meninos e meninas moradores de rua”
(1998). Tem artigos publicados nos livros: Abalando os anos 90: funk e hip hop (Roc-
co,1997); Linguagens da violência (Rocco, 2000); Violência em tempo de globalização
(Hucitec, 1999); Política e afetividade (Edufba, 2009); A juventude vai ao cinema (Autên-
tica, 2009); Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil (Petrópolis/Ação Educativa,
2011) e Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades (2011). Em 1998,
como resultado de sua tese de doutorado, lançou pela Annablume o livro Cartografias
da cultura e da violência – gangues, galeras e o movimento hip hop, seguido de: Itine-
rários de corpos juvenis (Annablume, 2003); Cenas de uma tecnologia social: botando
boneco (Annablume/Sesi/Fiec, 2004); Os sete sentimentos capitais: exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes (Annablume, 2008) e ViraVida – uma virada na
vida de meninos e meninas no Brasil (Sesi, 2010).
José Carlos Exaltação
Sociólogo, mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal da Bahia com a dissertação O CadÚnico na identifica-
ção e classificação social de “quem são os pobres do Brasil”. Atualmente é técnico de
nível superior, analista ambiental, do Instituto do Meio Ambiente do governo do Estado
da Bahia. Integrou a equipe da pesquisa Programas de Transferências Monetárias Con-
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dicionadas en Brasil (TMC), coordenada no Brasil por Anete Ivo (Fundación Carolina,
março 2010).
Manoel Ricardo de Lima
Poeta, professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (Unirio). Publicou Falas Inacabadas (um livro-transparência com a artista visual
Elida Tessler), Embrulho e Quando todos os acidentes acontecem (poemas); Entre per-
curso e vanguarda, 55 começos e Fazer, lugar (ensaios) e As mãos (novela). Organizou
as coletâneas A visita (com Isabella Marcatti) e A nossos pés. Tem artigos publicados em
revistas e jornais no Brasil e no exterior. É coordenador editorial da Editora da Casa,
de Santa Catarina, e coordena a coleção Móbile de miniensaios para a Lumme Editor.
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11. O DEBATE PARLAMENTAR
SOBRE O PROGRAMA
BOLSA FAMÍLIA
NO GOVERNO LULA
Anete B. L. Ivo
José Carlos Exaltação
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12. Este artigo recompõe a trajetória dos debates parlamentares sobre os pro-
gramas sociais, em especial o Bolsa Família, em contexto de disputa eleitoral
(2003, 2004, 2006 e 2008). A análise apresenta os principais eixos temáticos
do embate entre parlamentares de governo e de oposição no Congresso Nacio-
nal, exibindo o caráter necessariamente conflitivo e não linear da política, seus
avanços e recuos, o que caracteriza a luta em torno dos programas sociais. Esse
processo representa uma luta por hegemonia na competição partidária: de um
lado, os partidos lutam para garantir a sua própria reprodução e legitimidade,
e, do outro, para construir respostas às demandas sociais, dentro do horizonte
do possível. A despeito das estratégias de neutralização entre os atores políticos
– partidos do governo e da oposição – sobre o Programa Bolsa Família, este ar-
tigo mostra que a arena política do Congresso Nacional constitui-se um fórum
privilegiado e democrático para a construção da política.
Palavras-chave: arena política; políticas sociais; Bolsa Família; legislativo; pobre-
za e desigualdades sociais
The article reconstructs the evolution of parliamentary debates focused on so-
cial programs in Brazil; particular emphasis is given to Bolsa Família (Family
Allowance) in the context of elections which took place in 2003, 2004, 2006
and 2008. The analysis presents the main differences of opinion in Congress
between government members of parliament and those of the opposition,
showing the necessarily conflictive and non-linear policies, the advances and
retreats, which characterize the battle around social programs. This process
represents a struggle for supremacy in the competition between parties: on the
one side, the fight to ensure their own reproduction and legitimacy, and, on the
other, to find answers to social needs, within the horizon of the possible. Despi-
te the neutralization strategies among political actors – government parties and
opposition parties alike – on the Bolsa Família Program, this article shows that
the political arena of National Congress is a privileged and democratic forum
for the building of policy.
Keywords: political arena; social policies; legislative; poverty and social inequa-
lities; development
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13. INTRODUÇÃO
Historicamente a construção das políticas na área social sempre en-
volveu uma tensão política entre liberais ou socialistas a respeito do
grau de comprometimento e responsabilidade do Estado com a área
social. Ou seja, o embate sobre programas e direitos sociais, entre
outros aspectos, implica tensões sobre o quanto a sociedade aceita
redistribuir a riqueza nacional. Desse modo, também a avaliação de
um programa social não é técnica apenas, mas mediada pelo jogo das
forças políticas.
Nesse sentido, o debate sobre as políticas sociais envolve duas di-
mensões associadas: uma conceitual a respeito da natureza do Estado
social; e outra gerencial, que se refere à operacionalização das polí-
ticas na esfera do governo. É no entremeio entre as concepções do
Estado social e os modos de operar as políticas sociais no governo Lula,
que o Programa Bolsa Família é debatido na arena política do Con-
gresso Nacional, condicionando as formas de intervenção das políticas
sociais pelo governo. O fio condutor da análise privilegiada neste tex-
to é o Programa Bolsa Família, mas o debate entre os parlamentares
recorre a outras políticas sociais, como o salário mínimo e as políticas
de emprego mais estruturais e redistributivas como contra-argumentos
da oposição, no sentido de sugerir uma mudança de curso do governo
do Partido dos Trabalhadores (PT) em relação à defesa de políticas
mais próximas à tradição sindical, sem que a oposição se contraponha
diretamente ao Bolsa Família. O artigo, portanto, apresenta e discute
as tensões, concepções e estratégias usadas pelo jogo político entre
oposição e governo Lula acerca do Bolsa Família, expondo o caminho
sutil de construção da luta política e partidária.
O Programa Bolsa Família, instituído em 2003 pelo governo do pre-
sidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, constituiu-se na grande plata-
forma desse governo na área social. Originou-se de um conjunto de
programas sociais de transferência de renda preexistentes, iniciados
no governo anterior1, e sua implementação tem sido objeto de cons-
tantes críticas da oposição e da mídia, que em diversos momentos
1
Do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democra-
cia Brasileira – PSDB (1996-2002).
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14. consideram-no um programa de caráter assistencialista e uma grande
estratégia de marketing eleitoral do governo PT2, como reafirmam al-
gumas falas ao longo deste artigo. Essa crítica da oposição foi se mo-
dificando na medida em que o governo exibiu resultados positivos
da focalização e cobertura (massiva) dos beneficiários, reforçando sua
legitimidade3.
Nos oito anos que envolvem o primeiro (2003-2006) e o segundo
(2007-2010) mandatos do presidente Lula da Silva o programa expan-
diu-se e consolidou-se, passando de 3, 615 milhões em 2003 para
beneficiar hoje mais de 12 milhões de famílias, incorporando aos seus
benefícios cerca de um terço da população brasileira (51 milhões de
pessoas), ao mesmo tempo em que cresceram os índices de aprovação
do governo. O caráter polêmico sobre a autoria política do programa;
a cobertura extraordinária alcançada pelo Bolsa Família no território
nacional, acompanhada por elevados índices de aprovação do gover-
no e do presidente Lula4 e o reconhecimento internacional do progra-
ma junto às agências multilaterais5 alimentaram as discussões entre a
2
Especialmente no período compreendido pela implantação do programa
(2003) até a denúncia da rede Globo de 19 de setembro de 2004, a ser ana-
lisada no item 1 deste artigo (2004).
3
A natureza do jogo político e os novos modelos do Estado social (mais estra-
tégico) aplicados amplamente na América Latina reorientaram gradativamente
as concepções universalistas da Constituição brasileira para a adoção de uma
política social focada sobre os estratos de renda mais baixos, estratégia con-
siderada como a mais eficaz e justa, em benefício dos cidadãos com renda
mais baixa.
4
A área social foi uma das principais vitrines do governo do presidente Lula
em virtude dos elevados investimentos no Programa Bolsa Família, que be-
neficiou mais de 12 milhões de famílias. Segundo pesquisa do Datafolha de
dezembro de 2006 (mês de encerramento do primeiro mandato), Lula obteve
a maior taxa de aprovação de um presidente brasileiro ao final de mandato
captada pelo instituto (que faz essa medição desde a volta do país à democra-
cia) – 52% consideravam seu governo ótimo ou bom.
5
O Bolsa Família tem sido recomendado pela Organização das Nações Uni-
das para adoção em outros países em desenvolvimento (LINDERT, s/d e 2004).
Estudos do Banco Mundial registram resultados mensuráveis positivos no
consumo de alimentos, na qualidade da dieta e no crescimento das crianças
(BANCO MUNDIAL, 2007).
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15. oposição e os governistas, que oscilam entre a crítica e o resgate da
autoria política do programa pelos partidos, especialmente nos emba-
tes entre o PSDB e o PT e seus respectivos aliados.
Este artigo apresenta uma síntese desses debates entre parlamenta-
res governistas e oposicionistas, entre estes destacadamente o PSDB,
e o PFL (Partido da Frente Liberal, hoje Democratas – DEM), no Con-
gresso Nacional, em torno do Programa Bolsa Família. A análise toma
por referência quatro períodos marcados pela disputa eleitoral: o ano
de 2003, primeiro ano do mandato do presidente Lula da Silva, mo-
mento de apresentação e discussão da proposta; o de 2006, relativo
às eleições majoritárias para presidente, governadores, Congresso Na-
cional e Assembleias Legislativas estaduais, quando o presidente Lula
da Silva foi reeleito para o seu segundo mandato; e os anos de 2004
e 2008, correspondentes às eleições municipais. O contexto eleito-
ral favorece a explicitação, na arena política, dos marcos diferenciais
dos programas dos partidos, ou ao menos das concepções que os
orientam. A trajetória desse debate no Congresso Nacional explicita,
portanto, o uso por parlamentares e partidos de concepções distintas
das ações sociais e suas considerações a respeito da exequibilidade e
alcances do programa, ou seja, as “portas de saída” para a superação
da pobreza, no Brasil. Essas tensões estruturam a dialética do poder
sobre a área social, como movimentos de hegemonia e busca de le-
gitimidade entre os partidos, e acabaram influenciando os processos
decisórios do Executivo e as orientações efetivamente assumidas na
implantação dos programas sociais.
O Bolsa Família tomou por base fundamentalmente o Bolsa Escola,
maior programa do conjunto de políticas de transferência de renda
focalizadas sobre os mais pobres. Essa conversão dá lugar a uma dis-
puta entre o PT e o PSDB sobre a autoria do programa, especialmente
quando o Bolsa Família alcançou níveis de cobertura elevados e ampla
legitimidade política.
Em que pesem os reconhecidos méritos do Bolsa Escola, as iniciati-
vas do PT já vinham ocorrendo desde 1991 na formulação de um pro-
grama de garantia de renda aos mais pobres, quando foi apresentado
no Senado o Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy (PT) para um
Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM (PLS nº 80/1991),
que visava garantir a todos os cidadãos do país maiores de 25 anos de
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16. idade o direito a um determinado nível de renda. Em 8 de janeiro de
2004 foi aprovada a Lei 10.835, que instituiu a Renda Mínima6 e, no
dia seguinte, a Lei 10.836 que criou o Bolsa Família. A lei da Renda
Mínima previa sua aplicação de forma gradual, começando pelos mais
necessitados, a partir da evolução de programas de transferência de
renda, em especial do Bolsa Família.
O programa Bolsa Escola, implantado pelo PSDB, também se ins-
pirou em iniciativas anteriores realizadas em algumas municipalida-
des7, especialmente na exitosa experiência do Bolsa Escola no Distrito
Federal, implementado pelo PT no governo de Cristóvão Buarque,
em 1995. A concepção do programa baseava-se na tese do capital
humano, segundo a qual a elevação do nível educacional das crianças
beneficiadas ampliaria suas oportunidades de geração autônoma de
renda, e contribuiria, portanto, no futuro, para interromper o ciclo
intergeracional de reprodução da pobreza.
Em relação à perspectiva mais universalista de aplicação de uma
renda mínima de cidadania, José Carlos Vaz (1995) apresentou o que
seriam os principais pontos de discussão dessas políticas de transfe-
rência de renda, que ainda alimentam muitas críticas: a) insuficiência
de recursos municipais para dar sustentabilidade ao programa; b) o
possível efeito de desestímulo ao trabalho, crítica inspirada nos deba-
tes europeus, em países com Estado social consolidado, cujos sistemas
confinaram os beneficiários na rede de seguridade social em razão da
baixa remuneração do trabalho; e, ainda, c) as dificuldades de gestão
do programa pelas limitações institucionais inerentes ao processo de
seleção e controle de beneficiários.
Vaz considera que parte dessas críticas origina-se da realidade de
países europeus, com Estados sociais consolidados e que o uso desses
6
A Lei nº 10.835/2004, de autoria do senador Suplicy, que institui a Renda
Básica de Cidadania, foi sancionada por unanimidade no Senado em 8 de
janeiro de 2004, mas ainda carece de regulamentação.
7
Lavinas (1998) relaciona os municípios com PGRM: Belém, Belo Horizonte,
Boa Vista, Campinas, Catanduva, Ferraz de Vasconcellos, Franca, Guaratin-
guetá, Guariba, Goiânia, Jaboticabal, Jundiaí, Mundo Novo, Limeira, Osasco,
Ourinhos, Paracatu, Piracicaba, presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santo
André, São Francisco do Conde, São José do Conde, São José dos Campos,
São Luiz, Tocantins e Vitória.
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17. argumentos é inadequado à realidade brasileira, diante do desempre-
go estrutural e da informalidade do mercado de trabalho. Assim, a
adoção de um programa de renda mínima no país ajudaria a minorar
a precarização do mercado de trabalho.
Esses diversos argumentos, ainda que relativos aos programas de ren-
da mínima, reaparecem no debate sobre o Programa Bolsa Família, na
arena política do Congresso Nacional. Em todos os períodos analisa-
dos são recorrentes as manifestações que questionam a capacidade do
governo quanto à operacionalização do programa, cobrando eficácia
no controle da elegibilidade e cumprimento das condicionalidades, su-
gerindo irregularidades e falhas na sua aplicação. Gradativamente esse
processo vai produzindo um deslocamento da concepção mais univer-
salista inerente à Constituição brasileira de 1988 para uma perspectiva
estratégica de focalização cuja operacionalidade implica “acerto” na
elegibilidade dos beneficiários e, por consequência, a correta identifica-
ção do público-alvo, ou seja, uma questão de gerenciamento técnico.
O presente artigo tematiza os principais eixos do embate entre par-
lamentares de oposição e governo, nesta matéria, nos períodos de
2003, 2004, 2006 e 2008, demonstrando avanços e recuos, a mo-
bilização de argumentos que operam a passagem da concepção da
política para a discussão sobre governo e técnica de gestão (a foca-
lização). Nessa passagem, a mobilização da opinião pública sugere a
ideia de incompetência, erro e uso de velhas estratégias clientelistas
pelo governo. Essa estratégia sutil dos discursos qualifica a vivência
tensa no âmbito das forças sociais e dos partidos sobre a política do
“possível”, como luta por hegemonia diante dos programas sociais nos
contextos analisados. A seção conclusiva recompõe a trajetória dos
debates parlamentares relativa aos programas sociais, particularmente
ao Bolsa Família, e finaliza questionando a concepção do programa
como estratégia de desenvolvimento endógeno.
1 APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
(OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2003)
O período compreendido entre a edição da Medida Provisória 132,
de 20 de outubro de 2003, que cria o Bolsa Família, até sua aprovação
para conversão em lei, em 17 de dezembro de 2003, foi de discussões
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18. no Congresso Nacional sobre os pontos polêmicos do programa. Os
deputados governistas defendiam a proposta de criação do programa,
justificando a unificação dos diversos programas anteriores em função
de operar com maior racionalidade institucional, o que aumentaria
os investimentos sociais do governo, o valor médio dos benefícios e a
cobertura do público-alvo. A oposição criticava o caráter excludente
da proposta do programa em relação aos anteriores, especialmente
quanto à linha de corte das famílias elegíveis8. Ademais, questionava a
sua exequibilidade em termos de uma abrangência nacional.
Na apresentação da Medida Provisória 132 ao Congresso Nacional
(21 de outubro de 2003), a base aliada do governo destacou os objetivos
e pretensões institucionais do Bolsa Família, com vistas a racionalizar o
gasto social, ampliar a cobertura do público-alvo e aumentar o valor dos
benefícios e os investimentos federais no setor para execução do que
viria a ser o principal programa nacional de transferência de renda, a
exemplo do discurso do deputado Carlito Merss (PT/SC). Os deputados
da oposição, além de defenderem a paternidade do programa, consi-
deravam a proposta inexequível devido à falta de sustentabilidade or-
çamentária, o que o transformava apenas numa “jogada de marketing”
do governo, sem condições de efetivação. São exemplos dessa postura
oposicionista os discursos proferidos por alguns parlamentares do PSDB,
como o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que em 21 de outu-
bro de 2003, afirmou que o presidente [Lula] reuniu todos os projetos
sociais implantados pelo governo Fernando Henrique, pelo governo
Itamar e por outros, tirou seus rótulos e criou um novo programa para
substituí-los; e o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP),
que disse: “Gastou-se uma fortuna em marketing no programa Fome
Zero [...] e agora vão gastar outra fortuna em marketing no Programa
Bolsa Família”, e criticou a contratação de instituições estrangeiras para a
8
Os programas unificados no Bolsa Família tinham por público-alvo famílias
com renda per capita de até meio salário mínimo. O Bolsa Escola estipulou
uma renda de R$ 90,00, à época em que o salário mínimo era R$ 180,00
(Decreto nº 3.823, de 28 de maio de 2001). O Bolsa Família, porém, definiu
duas categorias elegíveis: “pobreza extrema”, com renda per capita de até
R$ 50,00, e “pobreza”, com renda de até R$ 100,00 para um salário mínimo
que à época era de R$ 240,00.
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19. implementação dos programas e a mobilização de recursos da área de
saúde para a execução dos mesmos.
As contradições entre oposição e governo não apresentavam con-
tornos claros, já que, em realidade, a distinção entre o novo programa
e os anteriores não estava claramente definida, dificultando aos opo-
sicionistas a formulação de uma crítica mais contundente à proposta
do governo sem que necessariamente atingisse suas próprias linhas de
ação anteriores. Assim, o alvo das críticas reorientava-se não à pro-
posta, mas, sobretudo, à competência técnica do governo, e à falta de
sustentabilidade orçamentária.
Quando a Medida Provisória 132 foi incluída na Ordem do Dia, em
dezembro 2003, os parlamentares da oposição foram mais incisivos
em torno dos elementos que compunham o novo programa, tendo
apresentado um número expressivo de Emendas (53) sobre a maté-
ria. Contudo, não havia homogeneidade de posição entre esses parla-
mentares, a exemplo do PSDB, que se dividia entre adiar ou apoiar a
votação da Medida Provisória9. A relatoria do Projeto (Mensagem nº
145, 2003) justificou a urgência de votação pela “necessidade imedia-
ta de tornar a gestão dos recursos públicos mais eficiente e de elevar
o número de famílias atendidas nas ações sociais de governo” (p. 4),
com vistas a que o “Programa Bolsa Família contribua efetivamente
para reduzir a exclusão social, sem, contudo, gerar maiores ineficiên-
cias à economia brasileira” (p. 9). Destacou, ainda, a busca de maior
racionalidade e eficiência da administração pública: a “unificação dos
programas federais de reforço de renda busca imprimir maior raciona-
lidade e eficiência à administração pública” (p. 10).
O PFL10 e o PSDB, partidos da oposição, reforçaram aspectos “ne-
gativos” da nova proposta, diferenciando-a das experiências anterio-
9
Os deputados Wilson Santos, PSDB/MT, e Antonio Carlos Pannunzio, PSDB/
SP são exemplos de posição contra e a favor ao adiamento da votação, respec-
,
tivamente (Câmara dos Deputados, Ordem do Dia, 17 de dezembro de 2003).
10
O PFL, partido originário da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena),
tinha entre um dos seus políticos expoentes o senador Antônio Carlos Maga-
lhães (PFL/Bahia,) autor da Emenda Constitucional de criação do Fundo de
Combate à Pobreza (2000), que financia mais de dez programas sociais, inclu-
sive o Bolsa Família. Daí possivelmente a ativa participação de parlamentares
do PFL da Bahia nos debates em 2003.
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20. res, sobretudo pela linha de corte definida para aquelas famílias com
renda per capita inferior a R$ 100,00. Apoiando-se no Decreto nº
4.102/2002 (Art. 3º, I), que regulamentava o Auxílio Gás, e na Lei
10.689/2003 (Art. 2º, §2º), que criou o Cartão Alimentação, ambos
desenhados para famílias com renda per capita inferior a meio salário
mínimo como potenciais beneficiárias das transferências monetárias, o
que equivalia a R$ 120,00, os deputados oposicionistas consideravam
que o novo programa era mais excludente que os programas anterio-
res, impondo a necessidade de revisão do critério de elegibilidade.
Ademais, o PSDB reivindicava a autoria do programa, demonstrando
que muitas das características da nova proposta tinham caráter exclu-
dente em função da nova linha de elegibilidade do programa, o que
certamente envolvia custos políticos. “Dessa forma, muitas famílias
que hoje recebem o Vale-Gás e os benefícios do Bolsa Escola e do
Bolsa Alimentação ficarão de fora desses programas” (deputado Antonio
Cambraia, PSDB/CE [OD, 17/12/2003]).
Diante desses argumentos críticos, o governo contra-argumenta que
a execução anterior operava de forma caótica, e este seria o principal
motivo para a baixa cobertura. “A unificação de programas, assim como
a centralização da gestão do Cadastro Único, dos pagamentos e da ava-
liação do Programa Bolsa Família proporcionará maior efetividade ao
gasto social, o que certamente elevará o número de famílias beneficia-
das” (deputado Odair, PT/MG, Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]). O
governo considerava que paulatinamente dever-se-ia agregar à transfe-
rência de renda outras políticas emancipatórias. “Pretende-se, ao passo
em que a máquina pública aufira ganhos de racionalidade e eficiência
com o fim da sobreposição de ações, que sejam geradas outras políticas
para as famílias beneficiadas, de forma a lhes permitir a emancipação
econômica” (Parecer do Relator [OD, 17/12/2003]).
Em verdade, os partidos oposicionistas demarcaram espaço na ela-
boração do projeto de “Conversão”, apresentando diversas Emendas11,
É significativo o número de Emendas apresentadas por alguns deputados
11
nesse período. O maior destaque é José Carlos Aleluia (PFL/Bahia), então líder
do PFL na Câmara, com 15 Emendas, seguido de seu correligionário, Claudio
Cajado, com nove. Do PSDB, destacam-se os deputados Antônio Carlos Mendes
Thame e Sebastião Madeira, com cinco Emendas cada um.
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21. como a revisão, pelo Executivo, dos reajustes tanto dos benefícios quan-
to dos valores referenciais do programa, proposta pela Emenda de nº 1,
do deputado Cláudio Cajado. Essas emendas, no entanto, foram rejeita-
das em sua maior parte, de modo a não alterar o sentido original da pro-
posta. Contudo, o próprio fato de assimilar-se os programas anteriores
ao Bolsa Família já se constituía numa condição favorável à aprovação
da proposta, ao mesmo tempo em que gerava um elemento conflitivo
entre os partidos na luta pela hegemonia sobre a área social.
2 A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (2004) E
AS IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS
O ano de 2004 caracterizou-se como um importante período de
“prova” e legitimação do Bolsa Família, quando o governo adotou, na
área social em geral, algumas medidas impopulares, como a reforma
do sistema previdenciário e restrições no reajuste do salário mínimo,
exatamente em um ano de eleições municipais, no qual os programas
sociais têm importante papel de formação da base de apoio popular
dos partidos.
Os trabalhos parlamentares no Congresso Nacional foram antecipados
por uma Convocação Extraordinária feita pelo presidente da Repúbli-
ca, fato que gerou diversas especulações. De um lado, essa convocação
indicava pressa do governo em aprovar seus projetos, e, de outro, o
governo o fez em razão do ano eleitoral. Isso pode não ter sentido, uma
vez que um dos itens da pauta da Convocação era justamente a Refor-
ma da Previdência, alvo de grande polêmica e elevados custos políticos.
De todo modo, quanto antes fosse discutida, mais tempo se teria para
minimizar os efeitos políticos indesejáveis dessas medidas.
A discussão enveredou inicialmente para uma avaliação do desem-
penho do Governo Federal durante o ano de 2003, primeiro ano do
presidente Lula. Na sessão de abertura (19 de janeiro 2004) parte da
oposição questionou o governo pela impropriedade da Convocação
antecipada do Congresso. Segundo o deputado Sebastião Madeira
(PSDB), “o volume de matérias a serem apreciadas – emendas consti-
tucionais, medidas provisórias, projetos de lei – demonstra claramen-
te que esta convocação será inócua, não resultará na aprovação de
emendas ou leis”, e, em sua opinião, um dos resultados seria o desgas-
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22. te do Legislativo perante a população. Acusou-se o governo de falta de
projeto para o país, criticando a reforma ministerial em processo como
fisiologista e sem propósito. Nas palavras do então líder do PSDB, o
deputado Jutahy Júnior, “trata-se de um governo baseado em inte-
resses claramente clientelistas, fisiológicos, sem projeto, que faz uma
colcha de retalhos na base de apoio, porque, como não existe projeto,
é tudo baseado em interesses imediatos”.
O então líder do PT no Congresso – o deputado Nelson Pellegrino
– proferiu discurso, destacando a conjuntura econômica favorável,
com expectativas positivas em relação às suas projeções para o futuro
próximo. Em se tratando dos “investimentos na área social”, obser-
va que o Bolsa Família assume claramente o pilar da política social,
garantindo a “mais de 10 milhões de brasileiros” o acesso diário à
alimentação. Essa avaliação otimista do governo é complementada,
ainda, por argumentos defensivos em relação às críticas da oposição,
segundo as quais o governo teria posto o país em posição desfavorável
ao seu desenvolvimento.
Nesse debate observa-se desencontro no âmbito da própria oposi-
ção, pois na mesma sessão de abertura dos trabalhos no Congresso (19
de janeiro de 2004), um deputado do PFL (partido da oposição), Paulo
Magalhães, saiu em defesa do governo, afirmando que o presidente
Lula seria “o presidente da esperança dos brasileiros”. Ele defendeu a
convocação antecipada e considerou que o desgaste da imagem do
Legislativo ocorre quando parlamentares “usam os microfones para fa-
zer politicagem”, referindo-se, aparentemente, aos discursos de alguns
deputados do PSDB. Esse desencontro dos oposicionistas certamente
se justifica pela iminente disputa eleitoral nos municípios. Exemplo
dessa dissonância pode ser visto no discurso do próprio deputado Paulo
Magalhães em 21 de janeiro daquele ano, com fortes acusações
contra os gestores do município de Itiruçu, no sudoeste da Bahia, afir-
mando a sua confiança em “ganhar as eleições naquele Município”.
Em outras palavras, a defesa feita ao Executivo Federal sugere ser antes
uma tática para capitalização dos ganhos políticos oriundos do Pro-
grama Bolsa Família, que um alinhamento ideológico com o governo.
Paradoxalmente, a principal oposição nesse período aparece exata-
mente nos parlamentares dissidentes do próprio PT, aqueles conside-
rados “radicais”, expulsos do partido por terem se posicionado contra
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23. os rumos assumidos pelo governo do PT e votado contra as propostas
do governo12. Em 11 de fevereiro de 2004, Luciana Genro (eleita pelo
PT/RS), considerada à época uma deputada “sem partido”, critica o PT
por sua tendência a assimilar-se ao PSDB, e também o governo, que,
em sua opinião, teria capitulado ao projeto neoliberal. A deputada
fundamenta essa posição, mostrando os resultados econômicos insig-
nificantes e os indicadores sociais graves, como desemprego, redução
da renda e violência, em razão da subordinação do governo a uma
política econômica de juros altos.
Essa crítica foi reiterada por membros do PFL (expondo as contradi-
ções da arena política), a exemplo do deputado Felix Mendonça, que
afirma a discordância do seu partido em relação à política econômica:
[seu partido é] “contra a política econômico-financeira adotada”13 e
“no Brasil segue-se o caminho inverso da política econômica adotada
por países que querem desenvolver-se”, afirma o deputado do PFL.
Importa esclarecer uma imensa diferença entre essas duas posições.
Diferentemente dos parlamentares do PFL, a deputada Luciana Genro
expõe uma posição ideológica crítica ao governo sobre o caráter da
focalização adotada pelos programas sociais. Para a deputada, trata-se
de uma política social subordinada aos ajustes impostos pela política
econômica, desvinculada de problemas estruturais, como a elevação
do desemprego. Segundo a deputada, o “foco do governo” se orien-
12
Os deputados Luciana Genro (RS), Babá (PA), e a senadora Heloísa Helena
(AL), que junto ao deputado estadual João Fontes (SE) compunham o grupo de
parlamentares “radicais”, por posicionarem-se contra as alianças formadas pelo
PT, desde a campanha presidencial. Uma vez instituído o governo, estes parla-
mentares mantiveram-se discordantes de medidas adotadas, que, segundo eles,
contrariavam a postura histórica do partido, como as reformas da Previdência
e Tributária, e ratificaram suas posições, votando contra essas reformas. Os de-
sentendimentos culminaram na expulsão desses parlamentares pelo Diretório
Nacional do PT, em meados de dezembro de 2003. Eles ganharam projeção
nacional e foram acompanhados por uma legião de dissidentes do PT, também
inconformados com a nova postura do partido, que para eles se insinuava mais
à direita. Em junho de 2004 os radicais criaram o Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL), tendo a senadora Heloísa Helena como principal representante.
13
Trata-se de um deputado do PFL e um dos principais apoiadores do gover-
no anterior.
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24. taria mais pela política econômica hegemônica do que pelo encami-
nhamento da questão social interna do país.
O governo justifica que seu objetivo não é “apresentar o melhor dos
mundos”, mas reverter o quadro caótico das inúmeras políticas imple-
mentadas pelo governo anterior, entre as quais se enquadram as políti-
cas sociais focalizadas. Neste sentido, o discurso do deputado Professor
Luizinho, do PT de São Paulo (29 de abril de 2004), é emblemático:
Herdamos um país, cujo patrimônio brasileiro foi todo dizimado; foi
vendido o que foi construído com o suor e o sangue do povo brasileiro.
Foram transformados em pó, em fumaça, 100 bilhões de reais do povo
brasileiro. Aumentaram, de forma irresponsável, a dívida pública interna e
a dívida externa, que chegam, hoje, ao patamar de 900 bilhões de reais.
Ou seja, o governo põe-se na condição de quem assume a missão
de reconstruir um país quebrado por escolhas políticas anteriores equi-
vocadas, que, segundo seus representantes, deveriam ser revertidas.
Usando o argumento da racionalidade institucional para as políticas
da assistência social, o deputado sugere cautela aos parlamentares go-
vernistas quanto à definição do piso do salário mínimo – cujo valor a
oposição critica, sugerindo ainda que a restrição do valor do salário mí-
nimo proposto pelo governo permitiria investimentos compensatórios
no Bolsa Família e no aumento do salário-família14. Nas palavras desse
parlamentar, o governo estaria “protegendo os miseráveis com a política
do Programa Bolsa Família” e o reajuste do salário-família permitiria
“proteger a família que tem filhos e maiores necessidades”. É dentro
desse contexto que o Bolsa Família ganha centralidade no debate15.
Durante a Ordem do Dia (29 de abril 2004), o líder do governo, de-
putado Professor Luizinho, defende que o governo está perseguindo
os objetivos do crescimento e do desenvolvimento sustentável para o
14
O salário-família é um benefício previdenciário a que têm direito o segu-
rado empregado e o trabalhador avulso que tenham salário de contribuição
inferior ou igual a remuneração máxima da tabela do salário-família. Em 2004
ele pulou de R$ 13,48 para R$ 20,00 para segurados que recebiam até R$ 390,00
de salário (MP 182/2004).
15
O salário mínimo em 2004 foi reajustado a partir de 1º de maio, por meio
da Medida Provisória nº 182, de 30 de abril, cuja aprovação pelo Congresso
Nacional deu-se em 24 de junho, convertendo-a na Lei nº 10.888/2004.
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25. país, dentro das “condições possíveis, de forma responsável e segura”,
oposta ao que se fizera na gestão anterior, segundo opinião do depu-
tado. Para o governo, o caminho para beneficiar diretamente os mais
necessitados está na transferência de renda focalizada. No que tange
à questão salarial, a fórmula encontrada para alcançar as famílias mais
necessitadas, respeitando-se as limitações orçamentárias, foi o reajuste
do benefício do salário-família.
Essa postura alimentou os oposicionistas, que encontraram na atitude
cautelosa do PT quanto ao aumento do salário mínimo uma ambigui-
dade, considerada a sua história anterior de defesa dos trabalhadores.
O líder do PFL, deputado José Carlos Aleluia (29 de abril 2004),
questionou a capacidade gerencial do governo e considerou que este
“não aprovou um valor para o salário mínimo maior, porque o salário
mínimo é o reflexo dos equívocos de seu projeto de governo”. Em 23
de junho de 2004, com o debate sobre o salário mínimo ainda em
aberto, mas já em vias de votação, o deputado do PSDB/SP Aloysio
,
N. Ferreira (entre outros) negou o argumento do governo relativo às
limitações orçamentárias e atribuiu o caráter módico do reajuste do
salário mínimo proposto pelo governo à escolha equivocada deste por
investimentos em programas assistenciais, desprezando uma política
mais vigorosa centrada no mercado de trabalho.
Dentro dessa mesma ótica, o governo já recebia críticas do próprio
PT. A expulsão dos “radicais” não calou os descontentes da base go-
vernista, notadamente da legenda petista. Em 25 de maio de 2004, o
deputado Ivan Valente (PT/SP) disparou críticas ao seu governo. Apre-
sentou dados históricos que exibem os níveis de defasagem do salário
mínimo, criticou o módico reajuste oferecido pelo governo devido
à sua política monetária, contrapôs-se aos argumentos de ameaça à
Previdência e aos entes federativos, defendeu a distribuição de renda
como mecanismo de justiça social via salário mínimo e colocou-se
contra os programas de transferência de renda16. Ou seja, a prioridade
16
Ivan Valente votou contra a proposta do governo, defendendo um reajuste
mais elevado para o salário mínimo, e sofreu então a sanção do partido, como
ocorrera anteriormente, quando votou contra a reforma da Previdência. Em
2005, desfiliou-se do PT e ingressou no PSOL, partido pelo qual concorreu às
eleições de 2006, tendo sido reeleito deputado federal.
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26. da intervenção social do governo via Bolsa Família estava longe de se
constituir uma unanimidade na arena política em 2004, contrapondo-
se a opção por políticas sociais focalizadas como o Bolsa Família às
políticas estruturais mais amplas e distributivas, associadas ao mercado
de trabalho mais universalista via aumento do salário mínimo.
Ante a resistência do governo em reajustar o salário mínimo acima
dos R$ 260,00, o que correspondia a pouco mais de 8% do seu valor à
época (R$ 240,00)17, as críticas dos dissidentes do PT encontraram res-
sonância em outros parlamentares e no conjunto da oposição no ano
eleitoral. Ou seja, o debate político na área social em 2004, alentado
pelo ambiente eleitoral, contrapõe políticas vinculadas à remuneração
do trabalho (o salário mínimo) às políticas de assistência social como o
Bolsa Família. Nesse cenário, vale recobrar as promessas de campanha
do PT quando defendia a duplicação do valor do salário, expondo
contradições do partido quando no exercício do governo em relação
às suas lutas históricas em defesa dos trabalhadores.
Superado o debate sobre o piso do salário mínimo, as discussões parla-
mentares em torno dos programas sociais do Governo Federal seriam re-
tomadas no segundo semestre, tendo como eixo estratégico as denúncias
da imprensa de irregularidades na atribuição dos benefícios. No contexto
do período eleitoral18 reaparecem especulações sobre o uso eleitoreiro
do Bolsa Família, retomando acusações de 2003 do Congresso Nacional,
quando da proposta de criação do programa. A imprensa fez denúncias
contundentes de irregularidades na concessão de benefícios e na insu-
ficiência de acompanhamento do programa pelo governo, ao mesmo
tempo em que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgava relatório
de auditoria solicitado pelo governo, desde 2003, cujo resultado aponta
“irregularidades e limitações” do programa, desde sua concepção.
A disputa parlamentar desloca-se do Congresso Nacional para a opi-
nião pública via imprensa. Uma das notícias de maior impacto foi
17
O valor do salário mínimo em 2003 era de R$ 240,00 (US$ 70,69) e, em
2004, R$ 260,00 (US$ 89,48), calculado com base na cotação de 3, 3950
(2003) e 2, 9056 (2004).
18
Em 2004 ocorreram eleições municipais em dois turnos. A maior parte dos
pleitos foi definida no primeiro turno, em 3 de outubro; o restante se deu no
segundo turno, no dia 31 do mesmo mês.
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27. a denúncia de O Globo, veiculada em 19 de setembro de 200419,
sobre o uso indevido do Bolsa Família na cidade de São Francisco de
Itabapoana – Rio de Janeiro –, a poucos dias do primeiro turno das
eleições. A reportagem acusa o então prefeito da cidade (PMDB), can-
didato à reeleição, de distribuir senhas para o cadastramento do Bolsa
Família pela secretaria municipal, exigindo das pessoas a apresentação
do título de eleitor.
Essa denúncia mobilizou o governo, que imediatamente suspendeu
as atividades do programa naquela cidade, mantendo o pagamento
dos benefícios daqueles que já haviam sido antes contemplados. Com
base em relatório da Corregedoria Geral da União (CGU) que con-
firmava as irregularidades, o governo iniciou um processo de fiscali-
zação. O resultado confirmou um conjunto de irregularidades: não
havia cronograma do Governo Federal para implementação do pro-
grama no município, o que não justificava o cadastramento (além de
708 famílias já registradas pela Secretaria de Educação e Cultura, mais
900 possuíam senha para o cadastramento); identificou-se um bene
ficiário que não estava recebendo o benefício, mas cujos saques
estavam sendo realizados em seu nome; cartões magnéticos não foram
entregues pela Caixa Econômica Federal aos beneficiários, e outros
foram entregues sem a devida identificação do titular; entre outras
irregularidades, como descrito pela CGU.
Curiosamente, no período que se seguiu a essas denúncias da im-
prensa até o transcurso do 1º turno das eleições, não há registro de de-
bates parlamentares na Câmara Federal sobre o assunto20. Poder-se-ia
19
De acordo com as informações apuradas, essa reportagem foi intitulada
“A miséria como cabo eleitoral”. O arquivo original não está mais disponível
na internet, assim, essas informações foram recolhidas de fontes distintas.
Alguns artigos encontrados fazem referência à reportagem – a exemplo de “A
implementação do Programa Bolsa Família: as experiências de São Francisco
de Itabapoana e Duque de Caxias”, de Rosana Magalhães et al., disponível
em: http://www.scielo.br (Ciência & Saúde Coletiva, 2007) –, mas também
não oferecem link para o arquivo original, ou seus links já não funcionam (por
exemplo: http://oglobo.globo.com/jornal/pais/145949815.asp).
20
Foram efetuadas buscas na seção específica do site da Câmara (www2.camara.gov.
br/), com palavra-chave (Itabapoana, denúncia, Bolsa Família) e também abertas; por
partido e também abertas, mas não há qualquer menção ao fato.
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28. atribuir a ausência do debate ao período denominado “recesso bran-
co”, realizado em período eleitoral, quando os parlamentares delibe-
ram priorizar suas campanhas nas suas bases, fazendo-se presente no
Congresso apenas para votação de questões eventualmente conside-
radas relevantes. Mas esse procedimento foge às regulamentações da
atividade parlamentar e, por ínfimas que sejam, registram-se presenças
no período eleitoral, a exemplo da sessão ocorrida em 21 de setembro
de 2004, dois dias após a publicação da referida denúncia que
registrou, somados os diferentes momentos, 12 oradores. Assim, uma
hipótese para a ausência é que as denúncias foram dirigidas contra
um candidato do PMDB, partido que em 2004 se encontrava cindido
entre o apoio e o não apoio ao governo. Por outro lado, é possível
que os partidos tenham sido cautelosos devido às coligações feitas no
âmbito municipal, compartilhando candidaturas. No município objeto
da denúncia estavam coligados ao PMDB21 tanto partidos que com-
punham a base de apoio ao governo no âmbito nacional como outros
da oposição, como o PFL e PSDB. Essa diferença entre alianças nacio-
nais e as coligações locais pode ter inibido a crítica ao Bolsa Família,
dado os custos políticos no contexto das eleições municipais. Além do
mais, para a oposição, as denúncias não eram contra o programa, mas
contra o governo, e outros elementos poderiam municiar a oposição.
De todo modo, o governo mobilizou-se na resposta a essas e outras
denúncias sobre o Bolsa Família, à época. Não há elementos suficientes
para se estabelecer uma relação direta entre a denúncia do caso de
Itabapoana com algumas iniciativas tomadas pelo governo, mas, coinci-
dentemente, o Governo Federal regulamentou o programa pelo Decreto
nº 5.209/2004, em 17 de setembro, antecipando-se à reportagem do
jornal O Globo exatamente em dois dias. Seja qual for a possível relação
entre esses fatos, é perceptível que o Relatório da Auditoria do Tribunal
de Contas da União sobre o programa pressionou a edição do Regula-
mento do Bolsa Família. Essa auditoria havia sido solicitada, muito antes,
desde 2003, pelo então ministro Extraordinário de Segurança Alimentar,
José Graziano. O seu objetivo tinha em vista a avaliação dos programas
21
A aliança que reelegeu Pedro Cherene em 2004 (Coligação São Francisco pra
Frente), a despeito das denúncias e acusações, aglutinou doze partidos diferen-
tes: PMDB, PP PSL, PSC, PFL, PSDC, PRTB, PHS, PTC, PSB, PSDB, PT do B.
,
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29. preexistentes: Cartão Alimentação, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação,
Auxílio Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e
Agente Jovem (anteriores ao Bolsa Família), sobre possíveis problemas
de operação para a implantação do Fome Zero. Como a maioria desses
programas foi aglutinada ao Bolsa Família, a avaliação do Tribunal de
Contas da União acabou concentrando-se sobre o programa do novo
governo. Embora a divulgação dos resultados tenha ocorrido já ao final
de setembro, o Governo Federal teve acesso à versão preliminar do seu
conteúdo, de forma que os elementos levantados pela auditoria e as
medidas corretivas sugeridas foram contemplados na versão definitiva
da Regulamentação do Bolsa Família.
O Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas da União identi-
ficou uma série de problemas, como a ausência de critérios claros
para seleção de beneficiários, além da renda declarada (como data de
cadastramento, perfil municipal ou familiar); metas de cobertura pre-
vistas até 2005 limitadas às já operadas pelos programas unificados,
pelo que o previsto para 2006 representava um importante desafio;
ausência de mecanismos efetivos de controle e acompanhamento das
condicionalidades, com interrupção da experiência anterior desenvol-
vida pelos Ministérios da Educação (Bolsa Escola) e da Saúde (Bolsa
Alimentação); carência de informações e orientações aos municípios
sobre o programa; veiculação de propaganda genérica governamen-
tal, criando expectativas na população; inexistência das instâncias de
controle social por falta da regulamentação do programa.
O Relatório da Auditoria do TCU expôs, assim, as fragilidades do Bolsa
Família e não se furtou a imprimir um tom crítico ao compará-lo com
os programas anteriores, no que se refere ao cumprimento das condi-
cionalidades. O parecer da auditoria revela a importância das condicio-
nalidades no desenho do programa22, cuja ausência de monitoramento,
e mesmo de sanção em casos de seu descumprimento, comprometeria
os objetivos implícitos de capacitação dos jovens para a superação
intergeracional da pobreza pelo Bolsa Família (de inspiração do Bolsa
Escola). “A obrigação de utilização dos serviços públicos estabelece cons-
trangimentos que podem funcionar como barreiras de acesso àqueles
As críticas referiam-se aos parâmetros do Bolsa Escola e à importância do
22
controle das condicionalidades para a eficácia da inserção na educação.
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30. que não fazem parte do público-alvo” (p. 30), afirmava o relatório. Se
a solicitação desta auditoria pelo então ministro Graziano (2003)
objetivava expor os limites dos programas vigentes e municiar o governo
na implantação dos novos programas – Bolsa Família e Fome Zero –,
o resultado da avaliação transferiu o ônus político das irregularidades
constatadas nos programas anteriores completamente ao governo Lula.
O Regulamento do Bolsa Família (Decreto nº 5.209/2004) foi uma
exigência institucional e evidentemente não atendeu exclusivamente
às pressões da auditoria do TCU ou às denúncias da imprensa já que a
conversão da MP nº 132/2003 na Lei nº 10.836/2004, que instituiu o
programa, subordina um conjunto de aspectos gerenciais do programa
ao seu regulamento, como as questões das condicionalidades (Art. 3º);
do controle social (Art. 9º); da divulgação de lista de beneficiários (Art.
13, Parágrafo Único); da coibição de fraudes (Art. 14, §2º). Portanto,
enquanto o Regulamento do programa não estivesse instituído, o Bolsa
Família teria dificuldades de operar plenamente.
O governo gerenciou o conflito e bloqueou a ação da oposição,
instituindo a Regulamentação do Programa pela qual se antecipava
e dava respostas às possíveis críticas. A responsabilidade pelo acom-
panhamento e fiscalização do “cumprimento das condicionalidades”
previstas no Decreto (nº 5.209/2004) foi devolvida (ou reiterada)
aos Ministérios da Educação e da Saúde (Art. 28). O controle social
foi definido para ser exercido por conselhos específicos, respeitada
a paridade de participação entre Estado e sociedade, por instância
preexistente (Art. 29). A responsabilidade do município na execução
e no controle do programa foi reiterada, sendo que a fiscalização e a
apuração de eventuais denúncias ficaram com o Ministério de Desen-
volvimento Social e Combate à Fome (Art. 33). Nesse contexto não se
verificou debate importante na Câmara Federal, cujos parlamentares,
no período, estavam mais envolvidos com suas bases eleitorais nas
campanhas para eleições municipais.
O mesmo não ocorreu, porém, em relação às denúncias divulgadas
pela imprensa em outubro, posteriores ao 1º turno das eleições muni-
cipais. Elas parecem ter fornecido a evidência que faltava à oposição
para fundamentar a sua crítica ao governo, sem refutar a essência do
programa. A oposição voltou ao argumento da incapacidade gerencial
do governo do PT, como vinha expressando desde o anúncio do
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31. programa, munida desta vez, de dados oficiais do TCU e da exposição das
denúncias na mídia. Mais uma vez a imprensa apresenta denúncia de
grande proporção, coincidentemente (ou não) a exatas duas semanas
do 2º turno do pleito eleitoral, tal qual se dera no 1º turno.
Em 17 de outubro (2004), o Fantástico da rede Globo levou ao ar os
resultados de uma investigação de sua autoria acerca do funcionamen-
to do Bolsa Família em alguns municípios, expondo irregularidades na
alocação dos benefícios. Os repórteres denunciaram casos de famílias
beneficiadas pelo programa que visivelmente não se enquadravam
no perfil de elegibilidade dos beneficiários, uma vez que possuíam
patrimônio (casas confortáveis e veículos automotores), inclusive o
caso de um empresário, proprietário de um hotel em Mato Grosso,
com patrimônio incompatível com os critérios do programa. A essas
evidências a matéria contrapôs a situação de famílias extremamente
pobres e não contempladas. Denunciava, também, funcionários pú-
blicos e apadrinhados políticos irregularmente beneficiados. Ademais,
mostrava famílias contempladas, mas cujos cartões nunca chegaram
a elas por dificuldades de operação da Caixa Econômica Federal na
identificação e comunicação com os beneficiários.
Diante das evidências de incorreções no processo de elegibilidade
e concessão dos benefícios, a reportagem conclui que “o governo não
pode ter certeza de que o Bolsa Família está chegando às famílias que
realmente precisam dele” e questiona a validade dos dados sobre o
contingente de pobres no país: “O governo quer incluir cerca de 11 mi-
lhões de famílias no cadastro único e assim habilitá-las a receber o Bolsa
Família. Isso significa que, para o governo, cerca de 54 milhões de bra-
sileiros passam fome. Não seria esse número alto demais?” Uma curiosi-
dade no objeto desta denúncia é que todos os casos citados referem-se
aos programas anteriores (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação ou Auxílio
Gás), mantidos em funcionamento enquanto não houve migração para
o cadastro do Bolsa Família, e sem novas concessões (MP nº 132/2003,
Art. 9), mas a reportagem denuncia “Falhas graves no Bolsa Família”.23
O Art. 9º da MP nº 132, de outubro de 2003, que trata da transferência
23
dos programas anteriores para o Bolsa Família, veda a concessão de novos
benefícios para os programas anteriores. Assim, as incorreções se referiam a
concessões anteriores e não ao Bolsa Família.
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32. Essa denúncia alimentou os discursos oposicionistas na Câmara. No
dia seguinte à exibição da reportagem (18/10/2004) houve manifes-
tação generalizada dos parlamentares: o PSDB acusou o governo de
“desvio de finalidade do programa”, conforme o deputado Bismarck
Maia (CE). A tônica da oposição mudou: passou a reconhecer que
o programa era bom, inclusive porque apenas aglutinava iniciativas
anteriores do próprio partido (PSDB), e o problema estaria, portanto,
nos maus gestores, e era inaceitável “que maus brasileiros conduzam
dessa forma um programa de alta valia para muitos cidadãos, princi-
palmente os mais necessitados”. O deputado Pauderney Avelino, do
PFL (19/10/2004) afirma que a denúncia traz a “prova da ineficiência”
de um “governo inoperante e incompetente [que] inchou a máquina
administrativa com pessoas ineficientes e ineficazes, que não têm ca-
pacidade para gerir a coisa pública”.
Os governistas reiteraram a defesa dos programas federais. Já no dia
18 de outubro (2004), o deputado Luiz Couto (PT/PB) considerou que
“As políticas sociais do governo estão cumprindo o papel de atenuar
carências e déficits que não podem ser compensados por meio de
mecanismos de distribuição universais”. Corroborando a classificação
de “maus brasileiros” utilizada pela oposição – como no discurso do
deputado Bismarck Maia (PSDB/CE) em outro momento da mesma
sessão –, o parlamentar petista transferiu às administrações locais a
responsabilidade pelo quadro denunciado. “Prefeitos usam os pro-
gramas sociais do governo, dizendo-se responsáveis por eles, com
o único objetivo de comprar votos, manter a dominação política no
Município e alterar a vontade popular”. E considerou que os proble-
mas estavam majoritariamente no “cadastro realizado pelo governo
anterior”, e que eram problemas pontuais, passíveis de correção, sem
ameaças à estrutura do Bolsa Família.
Sintetizando, a luta política no período deslizou de um debate sobre
a natureza e o caráter das políticas sociais do governo, que se contra-
punha a políticas mais universalistas, como as de emprego e do salário
mínimo, priorizando as políticas focalizadas, no primeiro semestre,
para a criminalização do governo pela oposição, com base na irre-
gularidade da aplicação dos benefícios, atrelados à avaliação de uma
incapacidade gestionária do governo. Como não havia contestação da
oposição quanto à natureza do programa, à exceção dos dissidentes
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33. petistas, o desafio do cumprimento da meta de 11 milhões de famílias
beneficiárias até 2006 anunciava-se como possibilidade.
3 OS PROGRAMAS SOCIAIS EM ANO DE ELEIÇÃO PRESIDENCIAL
(2006): REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO
O ano de 2006 é marcado pelas eleições majoritárias, que elegem
o presidente da República, governos estaduais, deputados federais e
senadores, e que afetam mais diretamente o embate no Congresso
Nacional em relação ao desempenho da Presidência da República.
Neste contexto, a avaliação dos quatro anos do governo Lula (2003–
2006) ganha destaque e a arena política polariza os resultados entre
o mandato de Lula e o de Fernando Henrique Cardoso. Alguns resul-
tados no desempenho social do governo Lula fortalecem agora a sua
posição no Congresso: a) a abrangência de cobertura do Bolsa Família,
alcançando as metas propostas; b) a melhoria no controle das condi-
cionalidades; c) os aumentos reais do salário mínimo e d) a retomada
dos indicadores do mercado de trabalho, num ambiente econômico
favorável. Assim, o tema que centralizou o debate foi, mais uma vez,
o novo patamar do salário mínimo. O Programa Bolsa Família foi pre-
servado, sugerindo um cálculo estratégico de seu uso futuro por vários
partidos da oposição.
Em relação ao salário mínimo, o governo saiu da sua postura cau-
telosa, que marcara o início do mandato, para defender um aumento
em patamares bastante elevados, em termos de valores reais nos
últimos anos. O deputado Eduardo Valverde, na condição de líder do
PT24, anunciou em 26 de janeiro de 2006 o reajuste do salário para
R$ 350,0025, o que considera ser “o maior valor de compra dos últi-
mos 40 anos”, resultado possível devido ao ambiente de estabilidade
econômica no Brasil. Expondo mudanças no padrão redistributivo da
renda no país, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia
24
O líder titular do PT era o deputado Henrique Fontana, Eduardo Valverde
parece ter realizado esse pronunciamento em nome da liderança, mas não
foram encontradas informações que o justificassem.
25
Em 1º de maio de 2005 o salário mínimo foi reajustado para R$ 300,00
(Lei nº 11.164/2005).
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34. e Estatística (IBGE), o deputado destacou a tendência de queda inédita
dos índices de desigualdades. Os resultados positivos na redução das
desigualdades no país são confrontados com dados de ampliação dos
beneficiários dos programas federais de transferência de renda, re-
qualificando o Bolsa Família como programa eficaz na superação das
históricas condições de desigualdade social brasileira. A esses resulta-
dos acrescenta as tendências de recuperação do mercado de trabalho,
com “3,7 milhões de empregos com carteira assinada” e os investi-
mentos realizados em educação básica. Esses dados de desempenho
do governo Lula foram comparados pelo deputado com o quadro
socioeconômico herdado do PSDB, em 2003, caracterizado por cresci
mento pífio, elevado desemprego da “camada mais empobrecida da
população brasileira”, e, simultaneamente, por um “endividamento
brutal” do país.
O confronto do Bolsa Família com os novos indicadores de desi-
gualdade do país reabriu o debate sobre a pertinência das políticas de
renda como caminho efetivo de superação da pobreza e das desigual-
dades, apesar de muitos considerarem que esses resultados se devam,
sobretudo, à recuperação do mercado de trabalho e do aumento do
salário mínimo. Diante da melhoria desses indicadores sociais, a opo-
sição contrapõe dados da mesma fonte (IBGE) que desqualificam a
ação do governo em relação ao desempenho do mercado de trabalho.
Referindo-se a um discurso atribuído ao presidente da República, em
31 de janeiro, o deputado Alberto Goldman, então líder do PSDB,
exibe dados que demonstram ainda a persistência de um percen
tual de brasileiros ocupados com renda inferior a um salário mínimo.
Segundo ele, em 2005, 14,5% dos trabalhadores ocupados estavam
nessa condição, parcela que teria crescido gradualmente durante os
três anos do governo Lula.
O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT), reagiu a essas
declarações, afirmando que não se pode estabelecer relação de cau-
sa direta entre a renda inferior a um salário mínimo e o aumento da
miséria no país, como insinuava o deputado Goldman. Para ele este
dado, ao contrário, sugere que “o aumento de pessoas que recebem
menos de um salário mínimo pode ter decorrido dos programas de
transferência de renda, que visam tirar da situação de fome e miséria
aqueles que ainda não conseguiram emprego”. Ou seja, a elevação
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