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ESTELIONATO, RECEPTAÇÃO E
              IMUNIDADES


Professora Cristiane Dupret
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Tema: Estelionato.

1) Considerações gerais: a) Definição e
evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e
subjetiva; b) Diferença entre o estelionato e o
furto qualificado pela fraude; c) Diferença
entre o estelionato e a apropriação indébita;
d) Crimes previstos no artigo 171,       2º, do
CP; e) As outras espécies de fraude. 2)
Aspectos controvertidos. 3) Concurso de
crimes. 4) Pena e ação penal.
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em
prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,
mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

  1o – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o
prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art.
155, parágrafo segundo.

 2o – Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria
I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em
garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa
própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que
prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em
prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
Defraudação de penhor
III – defrauda, mediante alienação não consentida
pelo credor ou por outro modo, a garantia
pignoratícia, quando tem a posse do objeto
empenhado;

Fraude na entrega de coisa
IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade
de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de
seguro
V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa
própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou
agrava as consequências da lesão ou doença, com o
intuito de haver indenização ou valor de seguro;
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI – emite cheque, sem suficiente provisão
de fundos em poder do sacado, ou lhe
frustra o pagamento.

  3o – A pena aumenta-se de um terço, se o
crime é cometido em detrimento de entidade
de direito público ou de instituto de
economia popular, assistência social ou
beneficência.
1. ORIGEM DO TERMO E CONCEITUAÇÃO

O termo vem de stellio (camaleão que muda
de cor para enganar a presa). Na origem de
sua    tipificação,  o    stellionatus era
considerado um delito extraordinário e
abrangia todos os casos em que houvesse
fraude, mas que não se amoldassem entre os
crimes patrimoniais.
Apenas nos meados do século XVIII, o
estelionato passou a ser considerado crime
autônomo,         recebendo        diversas
denominações:

•   Escroquerie, na França;
•   Truffa, na Itália;
•   Estafa, na Espanha;
•   Burla, em Portugal;
•   Betrug, na Alemanha.

No século XIX, passou a ser considerado
delito patrimonial.
O conceito de delito de estelionato, que
inclusive serviu de modelo para muitas
legislações, foi o do Código Francês, de 1810
(art. 405). No entanto, recentemente, tem
sido adotada a conceituação do Código Penal
Alemão, de 1871, ou do Código Penal
Italiano (1871). Nosso CP de 1940 optou por
seguir a conceituação do Código Penal
Italiano de 1930 (art. 640).
A     expressão    estelionato   no    nosso
ordenamento jurídico penal surgiu pela
primeira vez no Código Criminal de 1830,
dentre os crimes contra a propriedade. O
Código de 1890 (art. 338) seguiu a previsão
anterior, mas trouxe onze modalidades de
estelionato no título referente aos crimes
contra a propriedade pública e particular, no
capítulo referente aos crimes de estelionato,
abuso de confiança e outras fraudes.
2. BEM JURÍDICO TUTELADO

Patrimônio. Alguns apontam ainda a
segurança, a fidelidade e a veracidade das
relações jurídicas que gravitam em torno do
patrimônio.
3. SUJEITOS DO DELITO

Sujeito ativo – trata-se de crime comum, que
pode ser praticado por qualquer pessoa.
Ressalte-se que, se a vantagem for dirigida a
terceira pessoa e ela tiver ciência disso, será
considerada coautora do delito, ainda que
dele não tenha participado ativamente. Não
se deve confundir sua conduta posterior de
receber a referida vantagem com o crime de
receptação.
Sujeito passivo – também pode ser qualquer
pessoa, física ou jurídica. Ressalte-se o caso
de fraude empregada contra pessoa que não
é proprietária do bem. Ex.: fraude
empregada contra frentista de posto de
gasolina. Sujeito passivo, a princípio, será o
dono do posto. No entanto, se o frentista
estiver obrigado a ressarcir o dono do posto,
sujeito passivo será o frentista.
O sujeito passivo deve ser pessoa
determinada. Se a fraude for direcionada de
forma genérica, está presente um delito
contra a economia popular ou contra as
relações de consumo.
O sujeito passivo deve ter ainda capacidade
de discernimento. Se a vítima for criança,
pessoa inimputável, a conduta do sujeito
ativo pode configurar abuso de incapazes ou
furto.
4. CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
Luiz Regis Prado afirma que no delito de
estelionato há um duplo nexo de causalidade
– fraude como causa e engano como efeito –,
para posteriormente surgir o segundo nexo:
erro como causa e obtenção da vantagem
como efeito.
Juntamente à obtenção da vantagem deve
estar presente o prejuízo alheio (duplo
resultado), devendo este prejuízo ser
economicamente apreciável, já que estamos
diante de um delito patrimonial. Sem um dos
elementos, a conduta será atípica
5. DISTINÇÃO ENTRE ARTIFÍCIO E ARDIL
Artifício é toda astuta alteração da verdade. O
artifício se reveste de aparato material. O
artifício pressupõe encenação, aparato, disfarce,
teatralização. Ex.: documento falso, disfarce.
Ardil é a aplicação de meios enganosos, mas de
forma intelectual, agindo sobre o psiquismo da
vítima. Ex.: boa conversa, simulação de doença.
Ao trazer a expressão “qualquer outro meio
fraudulento”,    o    legislador     possibilita a
interpretação analógica. Sendo assim, até
formas omissivas, como a mentira e o silêncio,
podem caracterizar o estelionato (item 61 da
exposição     de    motivos),    diferenciando   o
estelionato da apropriação de coisa havida por
erro.
Ressalte-se que o meio fraudulento deve ser
idôneo. É questão controvertida, no entanto,
se essa idoneidade deve ser verificada em
relação à vítima ou em relação a qualquer
pessoa prudente. A primeira posição é mais
adequada, pois os sujeitos ativos do
estelionato    procuram      como     vítimas
justamente as pessoas mais ingênuas. Se o
meio é inidôneo, o crime é impossível.
Outra questão de importância é tentar
estabelecer uma diferença segura entre fraude
penal e fraude civil. O problema é saber quando
a fraude terá repercussão no Direito Penal.
A grande dificuldade é : quando a fraude tem
relevância penal e quando ela é uma malícia
necessária à arte de negociar? Toda transação
comercial envolve uma certa malícia. Todo
negócio envolve um certo risco.
Hungria dizia que a natureza e a dimensão do
dano não podem ser critério. Quando se pode
ter um dado que comprove que houve dolo de
fraudar? A expressão-chave que Hungria usava é
“inadimplemento preconcebido”.
6. ANÁLISE DAS ELEMENTARES DO ART. 171

Trata-se de crime material. Consuma-se com
a efetiva obtenção da vantagem e
necessariamente o prejuízo alheio.
Não precisa ser patrimonial a vantagem, e
sim o prejuízo. Normalmente, as duas coisas
coincidem. Momento consumativo é o da
obtenção da vantagem ilícita com prejuízo
alheio. A obtenção da vantagem sem o
prejuízo não é suficiente para configurar o
crime.
7. SÚMULA 17 DO STJ

A Súmula 17 do STJ estabelece que: “quando
o falso se exaure no estelionato sem mais
potencialidade  lesiva   será   por    esse
absorvido”.
8. TORPEZA BILATERAL, FRAUDE BILATERAL
OU FRAUDE RECÍPROCA

A    questão     é    controvertida.   Hungria
sustentava que, em havendo torpeza
bilateral, não estará caracterizado o delito de
estelionato, pois somente goza de proteção
o patrimônio que serve a um fim legítimo, só
existindo estelionato quando alguém é
iludido em sua boa fé. Luiz Regis Prado
entende em sentido contrário, o que nos
parece mais correto, principalmente por
inexistir no Direito Penal a compensação de
culpas.
9. DISTINÇÃO ENTRE ESTELIONATO E FURTO
QUALIFICADO PELA FRAUDE
No estelionato, a fraude é empregada para
que a vítima entregue a coisa. No furto, para
que a vítima desvigie a coisa e o sujeito ativo
consiga subtraí-la.

10. DISTINÇÃO ENTRE ESTELIONATO E
EXTORSÃO
Tanto no estelionato quanto na extorsão, a
vítima entrega a res. No entanto, no primeiro
o meio é a fraude, ao passo que na segunda
o meio é a violência ou grave ameaça.
11. ESTELIONATO PRIVILEGIADO

Quando o criminoso for primário e de
pequeno valor o prejuízo, aplica-se o
disposto no art. 155,     2o. Este privilégio
também é aplicado ao chamado estelionato
especial (art. 171, 2o.).
12. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
Art. 332 do CP – tráfico de influência. Este crime
pressupõe necessariamente a fraude e por isso é
chamado por alguns de estelionato qualificado.
Ressalte-se que, se o particular de fato conhece
o funcionário público e solicita dele vantagem
indevida, será coautor de outro crime. Só
responde por tráfico de influência quando há
fraude.
Lei no 8.137/90 (quando a fraude configura
crime contra a ordem tributária).
Art. 251 do CPM.
Se você engana um incapaz fraude é dirigida
contra incapaz, não é estelionato, é sim abuso
de incapaz (art. 173 do CP). Só se engana quem
tem capacidade de discernir.
13. REPARAÇÃO DO DANO
Se feito antes do recebimento da denúncia, é causa
de diminuição de pena – arrependimento posterior
(art. 16 do CP).
Se após o recebimento da denúncia, mas antes do
julgamento, trata-se de circunstância atenuante (art.
65, III, b do CP).
Quanto à Súmula 554 do STF, que dispõe que o
pagamento do cheque emitido sem provisão de
fundos não obsta o prosseguimento da ação penal (o
que, a contrário senso, faz com que, se feito o
pagamento anteriormente ao recebimento da
denúncia, obste-se o prosseguimento), cabe
ressaltar que ela não se aplica por analogia ao
estelionato simples (art. 171, caput, CP). Essa é a
posição dos nossos tribunais. Ressalte-se que há
discussões no sentido de se a súmula continuaria
sendo aplicada mesmo frente à disposição do art. 16
do CP, que é posterior à súmula. Nossos tribunais
vêm aplicando a súmula por ser ela mais benéfica.
14. ESTELIONATO ESPECIAL ( 2O)

I – Disposição de coisa alheia como própria
Art. 171. (...)
   2º Nas mesmas penas incorre quem:
I – vende, permuta, dá em pagamento, em
locação ou em garantia coisa alheia como
própria;

Na verdade, esta conduta já se amolda ao caput.
Apesar de repetir o que já continham os Códigos
de 1830 e de 1890, a previsão continua sendo
desnecessária.
É justamente por dispor como se fosse própria é
que há a fraude. Se o sujeito dispõe de coisa
alheia e o outro sabe que é alheia, está
praticando receptação.
II – Alienação ou oneração fraudulenta de
coisa própria
Art. 171. (...)
   2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em
garantia coisa própria inalienável, gravada de
ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu
vender a terceiro, mediante pagamento em
prestações, silenciando sobre qualquer
dessas circunstâncias;
Neste caso, é o próprio dono da coisa que
pratica o crime, sendo que ele não possui o
domínio pleno da coisa.
III – Defraudação de penhor
Art. 171. (...)
   2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)
III – defrauda, mediante alienação não
consentida pelo credor ou por outro modo, a
garantia pignoratícia, quando tem a posse do
objeto empenhado;
Trata-se de conduta tipificada para punir o
devedor que tem a posse do objeto empenhado
quando se trata de tradição ficta, com a
aplicação     da    cláusula    do    constitutum
possessorium, como no caso do penhor agrícola,
industrial e mercantil, em que o credor recebe a
posse indireta e o devedor, como depositário,
continua na posse direta da coisa.
Nesta modalidade especial de estelionato, ocorre
a consumação independente da obtenção de
vantagem ilícita, não sendo necessário ainda o
prejuízo do credor. Trata-se de crime de mera
conduta,     porém     plurissubsistente,   sendo
admissível a tentativa.
IV – Fraude na entrega de coisa
Art. 171. (...)
  2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)
IV – defrauda substância, qualidade ou
quantidade de coisa que deve entregar a
alguém;
Nesta modalidade de estelionato, o devedor tem
a obrigação de entregar a outrem alguma coisa,
mas a defrauda em sua substância, qualidade ou
quantidade. A coisa defraudada tanto pode ser
móvel quanto imóvel. Esta entrega, no entanto,
não pode ser decorrente de comodato, pois,
neste caso, inexiste lesão ao bem jurídico
tutelado, que é o patrimônio.
A conduta aqui incriminada distingue-se da
prevista no art. 175 (fraude no comércio),
pois nesta o sujeito ativo deve ser
comerciante ou comerciário.
V – Fraude para recebimento de indenização
ou valor de seguro
Art. 171. (...)
  2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)
V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta
coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a
saúde, ou agrava as consequências da lesão
ou doença, com o intuito de haver
indenização ou valor de seguro;

Tutela-se o patrimônio das empresas de
seguro e dos institutos de previdência social
.
VI – Fraude no pagamento por meio de cheque
Art. 171. (...)
  2º Nas mesmas penas incorre quem: (...)
VI – emite cheque, sem suficiente provisão de
fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o
pagamento.
   3o – A pena aumenta-se de um terço, se o
crime é cometido em detrimento de entidade de
direito público ou de instituto de economia
popular, assistência social ou beneficência.

Primeiramente, cabe destacar que emitir não se
confunde com endossar. Aquele que endossa
cheque que sabe não ter provisão de fundos,
pratica estelionato do caput, ao passo que o
avalista, se ciente da fraude, é coautor do
estelionato especial.
Ressalte-se que cheque é ordem de
pagamento à vista. Sendo assim, se o cheque
for pós-datado, a conduta pode se amoldar
ao caput, mas não se trata de estelionato
especial.

A primeira conduta é emitir cheque sem
fundos. Nessa modalidade, a consumação se
dá com a recusa pelo banco sacado. Súmula
521 STF: a competência é do local da recusa
do banco sacado.
E na modalidade frustrar o pagamento?
Quando se consuma? Na hora em que o
agente deu a contraordem de pagamento
sem justa causa.

Súmula 246 STF: diz o óbvio – só há crime se
houver dolo de fraudar.
15. ESTELIONATO MAJORADO
Está previsto no art. 171,     3.º, do CP, como
segue:
“Art. 171. (...)
3o A pena aumenta-se de um terço, se o crime é
cometido em detrimento de entidade de direito
público ou de instituto de economia popular,
assistência social ou beneficência.”

Confira-se, ainda, a Súmula 24 do STJ:

“Aplica-se ao crime de estelionato, em que
figure como vítima entidade autárquica da
Previdência Social, a qualificadora do 3o. do
art. 171 do CP.”
Cabe destacar o entendimento do STF acerca
da      natureza     dual    do    estelionato
previdenciário. Quanto aquele praticado pelo
agente que perpetua a fraude para que
terceiro receba o benefício, o crime será
instantâneo de efeitos permanentes. Quanto
aquele que recebe mensalmente o benefício,
o crime é considerado permanente. A
natureza vai impactar diretamente no termo
inicial da prescrição da pretensão punitiva.
17 - SÚMULAS DO STJ

244 – Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o
crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.
107 – COMPETE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PROCESSAR E
JULGAR CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO MEDIANTE
FALSIFICAÇÃO     DAS    GUIAS    DE    RECOLHIMENTO      DAS
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, QUANDO NÃO OCORRENTE
LESÃO À AUTARQUIA FEDERAL.
73 – A UTILIZAÇÃO DE PAPEL MOEDA GROSSEIRAMENTE
FALSIFICADO CONFIGURA, EM TESE, O CRIME DE ESTELIONATO,
DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
48 – COMPETE AO JUÍZO DO LOCAL DA OBTENÇÃO DA
VANTAGEM ILÍCITA PROCESSAR E JULGAR CRIME DE
ESTELIONATO COMETIDO MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DE
CHEQUE.
24 – APLICA-SE AO CRIME DE ESTELIONATO, EM QUE FIGURE
COMO VÍTIMA ENTIDADE AUTÁRQUICA DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL, A QUALIFICADORA DO 3o, DO ART. 171 DO CODIGO
PENAL.
17 – QUANDO O FALSO SE EXAURE NO ESTELIONATO, SEM MAIS
POTENCIALIDADE LESIVA, É POR ESTE ABSORVIDO.
CASOS CONCRETOS

1ª QUESTÃO:
CAIO, utilizando-se de uniforme militar, e fazendo-se passar
por oficial do Exército Brasileiro, aborda TÍCIO em uma rua no
centro do Rio de Janeiro, oferecendo-lhe uma oportunidade de
ingressar nas Forças Armadas. Segundo o "tenente" CAIO,
TÍCIO poderia tornar-se sargento sem a necessidade de prestar
concurso público, bastando para tal o pagamento da quantia de
R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais), mediante depósito
na conta-corrente daquele. Com a confirmação da transação,
TÍCIO poderia frequentar a escola de formação imediatamente.
Desempregado e sem perspectivas, TÍCIO, que sempre sonhou
com a carreira militar, resolve aceitar a proposta, e promete a
CAIO conseguir o dinheiro no dia seguinte. Ao pedir parte da
importância para MÉVIO, seu amigo policial, TÍCIO contou-lhe a
estória. MÉVIO, então, empresta a soma a seu amigo e, no dia
do encontro, ao segui-lo, dá voz de prisão a CAIO quando este
e TÍCIO estavam prestes a entrar no banco. CAIO, devidamente
uniformizado, confessa não ser militar.
Tipifique a conduta praticada pelo agente, justificando sua
posição.
RESPOSTA:

STJ: CC 92547 / RS - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA COMUM E A JUSTIÇA CASTRENSE. USO
INDEVIDO DE FARDA E ESTELIONATO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRIME
MILITAR USADO COMO MEIO NECESSÁRIO AO ESTELIONATO. APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 2a. VARA CRIMINAL DE SÃO LEOPOLDO/RS,
DETERMINANDO-SE O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL INSTAURADA NA JUSTIÇA
CASTRENSE, EM CONFORMIDADE COM O PARECER DO MPF.
1. Se um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de
outro crime, encontrando-se, portanto, o fato previsto em uma lei inserido em outro
de maior amplitude, permite-se uma única tipificação, por óbvio, a mais ampla.
2. No caso específico, o uso indevido de uniforme militar, que a princípio poderia
ser tipificado como crime militar (art. 172 do CPM), com o intuito de ludibriar a
vítima oferecendo-lhe, mediante prévio pagamento, uma oportunidade de ingressar
nas Forças Armadas, foi, na verdade, meio necessário para a prática do crime de
estelionato (art. 171 c.c. o art. 14, II, ambos do CPB). Destarte, deve ser reconhecida
a absorção daquele por este, em observância ao princípio da consunção.
3. Ocorrendo a consunção, não se legitima o processamento e julgamento de réu em
dois feitos distintos.
4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara
Criminal de São Leopoldo/RS, ora suscitado, determinando-se o trancamento da
ação penal 08/07-4 instaurado perante a Justiça Castrense, em conformidade com o
parecer ministerial.
2ª QUESTÃO:
DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO foi ao balcão de empresa aérea, no
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, dirigiu-se ao
funcionário MARIOVALDO, e comprou duas passagens aéreas
em nome de terceiros. Para tanto, usou um cheque preenchido
por ele, apocrifamente, assinando-se como sendo TIBÚRCIO
LARANJA e apresentou, nessa mesma ocasião, cédula de
identidade com este nome, contendo seu                retrato.
Posteriormente, ao voltar ao local por razões não conhecidas,
DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO foi detido. Diante do Inspetor de
Polícia ABELARDO, DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO apresentou-se
como ROMUALDO SILVA, o que quis provar, pedindo a um
amigo que buscasse, em sua casa, um envelope que continha
uma cédula de identidade com sua foto, em cópia xerox
autenticada, com o nome de "ROMUALDO SILVA". O Inspetor de
Polícia ABELARDO constatou, então, que ROMUALDO SILVA
havia sido anteriormente autuado na 21ª DP, e que na verdade
se trataria de DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO – o nome "ROMUALDO
SILVA" era de pessoa já falecida.
DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO esclareceu que havia comprado uma
certidão de nascimento falsa e de posse dela, fizera
confeccionar uma cédula de identidade ideologicamente falsa.
O valor do cheque não chegou a ser recebido pela empresa
aérea. Capitule os fatos.
RESPOSTA:
TJ/RJ: Ap. Crim nº 2003.050.02094 - Relator
Des. Eduardo Mayr:
ESTELIONATO. FALSUM. USO DE DOCUMENTO
FALSO. No concurso entre o falsum e o
estelionato, orienta-se a doutrina e a
jurisprudência no sentido de fazer prevalecer o
crime patrimonial, que exterioriza o desideratum
do agente. Igualmente, no concurso entre o
falsum e o uso de documento falso, da mesma
forma se orienta a doutrina e a jurisprudência no
sentido de fazer prevalecer o uso, pois não seria
crível houvesse uma falsificação sem a intenção
de o agente usar o documento apócrifo. Apelo
desprovido.
3ª QUESTÃO:
JOEY TRIBIANI foi denunciado pelo Ministério Público por
infração à norma penal incriminadora do artigo 171, 2º,
VI, do Código Penal, porque, no dia 16/08/2008, emitiu
cheque no valor de R$ 140,00 (cento e quarenta reais)
para pagamento à vista de diversos itens em uma loja.
Após duas tentativas de compensação da cártula, houve a
devolução da mesma pelo banco sacado, por insuficiência
de fundos. Depois de recebida a denúncia pelo Juiz de
Direito, JOEY efetuou a reparação integral do dano, e sua
defesa apresentou petição requerendo a extinção da
punibilidade, com base no enunciado 554 da súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
Pergunta-se:
a) O requerimento da defesa pode ser acolhido?
b) Se a reparação do dano não gera a extinção da
punibilidade, gera outro efeito?
c) Se o crime cometido fosse o do artigo 171, caput, do
Código Penal a decisão seria diferente?
RESPOSTA:
STJ: HC 93.893 - Rel. Min. Nilson Naves:
Cheque/estelionato (Cód. Penal, art. 171,        2º, VI).
Dívida (pagamento). Ação (não-prosseguimento).
Punibilidade (extinção). Insignificância (caso).
1. A ação penal não há de ir para a frente em caso
que tal, mesmo que o pagamento do cheque se
tenha verificado após o recebimento da denúncia.
2. Ainda em caso tal, bem como em casos
assemelhados, é lícito entender que se extingue a
punibilidade pelo pagamento da dívida (por
exemplo, RHC-21.489).
3. Segundo o Relator, lícito ainda é se invoque o
princípio da insignificância diante da reparação do
dano, de modo que se exclua da tipicidade penal
fatos penalmente insignificantes.
4. Habeas corpus deferido - extinção da ação penal.
Tema: Receptação e Disposições Gerais.

1) Considerações gerais: a) Definição e
evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e
subjetiva. Autonomia da receptação; b)
Espécies de receptação. 2) Aspectos
controvertidos. 3) Imunidades materiais (as
escusas    absolutórias).  4)  Imunidades
formais. 5) Concurso de crimes. 6) Pena e
ação penal.
RECEPTAÇÃO – ART. 180
Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir
ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que
terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Receptação qualificada
    1o – Adquirir, receber, transportar, conduzir,
ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer
forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, coisa
que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.
   2o – Equipara-se à atividade comercial, para efeito
do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio
irregular ou clandestino, inclusive o exercício em
residência.
3o – Adquirir ou receber coisa que, por sua
natureza ou pela desproporção entre o valor e o
preço, ou pela condição de quem a oferece, deve
presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou
ambas as penas.
    4o – A receptação é punível, ainda que
desconhecido ou isento de pena o autor do crime de
que proveio a coisa.
   5o – Na hipótese do       3o, se o criminoso é
primário, pode o juiz, tendo em consideração as
circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na
receptação dolosa aplica-se o disposto no     2o do
art. 155.
    6o – Tratando-se de bens e instalações do
patrimônio da União, Estado, Município, empresa
concessionária de serviços públicos ou sociedade de
economia mista, a pena prevista no caput deste
artigo aplica-se em dobro.
1. ESPÉCIES DE RECEPTAÇÃO
2. BEM JURÍDICO TUTELADO E OBJETO
MATERIAL
O bem jurídico tutelado é o patrimônio,
público ou privado. Bitencourt admite que a
posse também possa ser tutelada.
Objeto material do crime, para a doutrina
majoritária, é a coisa móvel, muito embora o
tipo penal não seja expresso quanto a isso.
Um apartamento não pode ser objeto de
receptação . No entanto, poderiam ser objeto
material as coisas imóveis mobilizadas.
Concordam       com     esse   entendimento:
Bitencourt , Damásio , Magalhães Noronha,
Bento de Faria e assim já defendia Nelson
Hungria.
Magalhães Noronha argumenta que receptação tem
o sentido de dar receptáculo, esconderijo, abrigo, o
que seria incompatível como a coisa imóvel.
Já Heleno Claudio Fragoso entende em sentido
contrário, sustentando que o tipo penal, diferente de
outros tipos penais patrimoniais, não mencionou
expressamente a coisa alheia móvel. Além disso, ao
se restringir o alcance do tipo, ficaria impune a
conduta daquele que adquirisse coisa imóvel objeto
de crime. Desta forma, assim como no Direito Penal
Alemão, a coisa imóvel também poderia ser objeto
material do crime. Não teríamos nos restringido,
como no Direito Penal Italiano à coisa móvel.
Fazendo ainda uma ligação com a conceituação do
Direito Civil, em um verdadeiro diálogo de fontes, ao
conceituar coisa, esta também abrangeria a imóvel.
Ressalte-se que objeto da receptação é coisa
produto do crime, não podendo ser objeto
material do crime de receptação os
instrumentos do crime.
3. SUJEITOS DO DELITO

Nas modalidades de receptação própria e
imprópria e imprópria, sujeito ativo pode ser
qualquer pessoa, exceto o sujeito ativo do crime
anterior. Desta forma, aquele que adere à
conduta de quem pratica a conduta, antes ou
durante a execução, também não responderá
por receptação, mas sim em concurso de
pessoas. Exemplo: Caio liga para Mévio e diz
que pretende subtrair um veículo automotor que
está na sua frente, mas que não tem onde
ocultá-lo. Mévio diz que ele pode subtrair, que
ele o ocultará. E assim é feito. Mévio, ao ocultar
o veículo, não responderá por receptação, mas
sim pelo crime de furto, em concurso de
pessoas, pois aderiu (liame subjetivo) à conduta
de Caio antes da execução.
Excepcionalmente, o proprietário pode ser
sujeito ativo da receptação, para aqueles que
consideram que a posse é bem jurídico
tutelado, quando a coisa está sob o poder de
terceiro, quando esta for, por exemplo,
objeto de garantia (ex.: penhor). A
receptação não se refere à coisa alheia. No
entanto, este não é o entendimento
majoritário,    muito   embora,     Bitencourt
admita tal possibilidade.
Na receptação qualificada, sujeito ativo é o
comerciante ou industrial, ainda que exerça
o   comércio     de   forma    irregular  ou
clandestina, ou ainda em sua residência.
A receptação culposa é crime comum,
podendo ser praticada por qualquer pessoa.

Sujeito passivo será sempre o sujeito passivo
do crime de que proveio a coisa, bem ou
objeto da receptação, é o mesmo sujeito
passivo do crime anterior.
4. TIPICIDADE OBJETIVA E ELEMENTO SUBJETIVO
Na receptação própria, temos cinco verbos
núcleos do tipo, tratando-se de tipo penal misto
alternativo, desde que as condutas sejam
praticadas no mesmo contexto, ou seja, em
relação a mesma coisa. Adquirida a coisa, por
exemplo, as demais condutas caracterizam pós
fato impunível.
Deve-se ter cuidado com a conduta “ocultar”,
pois se o agente pratica tal conduta em proveito
do criminoso. Ou seja, para fazer-lhe um favor,
o crime será de favorecimento real (art. 349). Ele
estará tornando seguro o proveito do crime.
Logo, a expressão “em proveito alheio “ da
receptação própria é “alheio” de qualquer
pessoa, menos do autor do crime antecedente.
Na receptação imprópria, quando houve a
inclusão dos verbos transportar e conduzir
na receptação própria, os mesmos não foram
incluídos na imprópria. Desta forma, aquele
que influi para que terceiro de boa-fé
transporte ou conduza coisa que sabe ser
produto de crime, pratica conduta atípica.
Nas duas modalidades previstas no caput, o
crime é doloso, na modalidade de dolo
direto, não admitindo, em hipótese alguma o
dolo eventual, uma vez que o tipo penal
exige que o agente saiba que a coisa é
produto de crime.
Na forma qualificada do parágrafo primeiro, é
prevista a expressão “deve saber”. Parte da
doutrina e da jurisprudência, passou a defender
que o comerciante deveria responder com a
pena do caput. Aplicar-se-ia o preceito primário
do parágrafo primeiro e o preceito secundário
do caput. No entanto, atualmente, não vem
sendo este o entendimento adotado pelos nosso
tribunais superiores, pelos seguintes motivos:

1º) A forma é qualificada, trazendo a previsão de
pena mais gravosa, em virtude da qualidade do
sujeito ativo – comerciante ou industrial
2º) Obviamente, que ao existir a previsão da
expressão “deve saber” no parágrafo 1º, isso não
significa que quando ele “sabe”, sua conduta
estará tipificada no caput. Logo, a expressão
“deve saber”, abrange “sabe” e deve saber”.
O elemento subjetivo, de acordo com os
argumentos vistos pode ser o dolo direto ou
eventual, não se admitindo a forma culposa.
Logo, o comerciante que agir com culpa,
deve responder pelo parágrafo terceiro.
A receptação culposa do parágrafo terceiro é um
tipo penal fechado. Os tipos culposos são
geralmente abertos, mas esse não, porque só
tem três indícios reveladores da culpa aqui: a
natureza do objeto material; desproporção entre
o valor real da coisa o e o preço pago; ou
condição de quem oferece. Desta forma, se
alguém adquire um produto que custa R$
5000,00, este produto está novo , na caixa, e a
pessoa paga R$ 1000,00, ela deve presumir ser
obtido por meio criminoso. Se quem está
vendendo tem “fama” de estelionatário”, ela
também deve presumir. O tipo culposo é apenas
para adquirir ou receber; para transportar,
conduzir ou ocultar a conduta é atípica. A
receptação culposa é passível de perdão judicial,
causa extintiva da punibilidade, consoante a
previsão do parágrafo 5º, de acordo com as
circunstâncias do caso concreto.
O parágrafo 4º determina que é punível a receptação
ainda que desconhecido ou isento depena o autor do
crime de que proveio a coisa. Desta forma, se Caio
adquire a coisa de um menor de 18 anos, de um
doente mental sem inteira capacidade de entender o
caráter ilícito do fato, de alguém em erro de
proibição      inevitável,     praticará    receptação,
obviamente, desde que saiba, na hipótese de
receptação própria, que a coisa é produto de crime.
O parágrafo 4º serve de base para Damásio ter
entendimento diverso no que tange ao conceito
analítico de crime. Damásio diz que quando o
parágrafo menciona isenção de pena, remete à
culpabilidade. O legislador teria colocado de forma
separada a culpabilidade do conceito de crime; por
isso, dentre outras argumentações, ele sustenta que
crime é fato típico e antijurídico, sem culpabilidade.
Além de dispor acerca do perdão judicial
para a receptação culposa, o parágrafo 5º ,
ao fazer menção ao parágrafo 2º do artigo
155, permite, em caso de receptação dolosa,
que se o agente for primário e se for de
pequeno valor a coisa receptada, o juiz possa
substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou
aplicar somente a pena de multa.
O parágrafo 6º traz previsão de aplicação de
causa de aumento de pena, a ser aplicada
apenas para a receptação própria e
imprópria, devendo a pena ser aplicada em
dobro quando se tratar de bens e instalações
do patrimônio da União, Estado, Município,
empresa concessionária de serviços públicos
ou sociedade de economia mista.
Pressuposto do crime de receptação é que a
coisa ou objeto seja produto de crime.
Consequentemente, não serve o produto de
simples contravenção. Basta que proporcione ao
seu autor um proveito econômico, consolidando
ou assegurando o seu animus lucrandi. O crime
anterior não precisa ser, necessariamente,
contra o patrimônio, dele podendo ser
pressupostos os crimes mercenários em geral, v.
g., lenocínio, corrupção etc.
Muito embora a receptação seja um crime
autônomo, ela depende da existência do crime
anterior, bastando indícios da sua prática, da
sua existência, não sendo necessária a
identificação do autor, a existência de
persecução criminal, de condenação.
5. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE

Alguns tipos penais afastarão a aplicação da
receptação, ainda que o agente pratique
alguma conduta nuclear do artigo 180. Uma
delas vimos que é o favorecimento real
(artigo 349). Vejamos outras:

Artigo 334, parágrafo 1º, C e D, CP
Artigo 289, 1º., CP
Artigo 1º da Lei 9613/98
6. RECEPTAÇÃO DE RECEPTAÇÃO

É possível a receptação de receptação, que
seria a possibilidade de uma cadeia de
receptações. Ou seja: Caio adquire a coisa
que sabe ser produto de crime de Mévio, que
adquiriu sabendo ser produto de crime de
Tício e assim por diante. No entanto, todos
devem estar de má fé. Se alguém, no meio
desta cadeia, estiver de boa-fé, quebra a
possibilidade de o próximo adquirente
praticar receptação, ainda que adquira a
coisa sabendo que é produto de crime.
Segundo Hungria , em sede de receptação :
"o que se faz mister é que a coisa seja
proveniente de crime, e este não é apenas o
crime    originário,   senão    também      a
intercorrente receptação. Se, entretanto, a
coisa vem a ser adquirida ou recebida por
terceiro de boa-fé, que, por sua vez, a
transmite a outrem, não comete este
receptação, ainda que tenha conhecimento
de que a coisa provém de crime. Houve, em
tal caso, uma interrupção ou solução de
continuidade    da    situação    patrimonial
anormal criada pelo crime originário e
mantida, acaso, por intercorrente receptação
de má-fé".
7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A receptação própria é crime material e
consuma-se com a efetiva tradição da coisa.
No entanto, nas modalidades de ocultar,
transportar e conduzir, trata-se de crime
permanente. Na forma qualificada, também
crime material, nas modalidades de ter em
depósito e expor a venda, o crime também é
permanente.
A receptação imprópria é crime formal (de
consumação antecipada), consumando-se no
momento       da    influência,  não    sendo
necessário que o terceiro de boa fé adquira
ou receba a coisa. Muito embora a maioria da
doutrina sustente que não é possível a
tentativa, visualizamos a sua possibilidade se
o agente escreve para o terceiro de boa fé e
esta carta é interceptada por terceiro.
A receptação culposa estará consumada com
a prática das condutas previstas no tipo.
A tentativa é possível na receptação própria.
A aquisição de coisas produto de vários
crimes caracteriza crime único, desde que
em um mesmo contexto fático.
ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS – ARTS. 181 E 182
Art. 181 – É isento de pena quem comete qualquer dos
crimes previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco
legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.
Art. 182 – Somente se procede mediante representação,
se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:
I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.
Art. 183 – Não se aplica o disposto nos dois artigos
anteriores:
I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral,
quando haja emprego de grave ameaça ou violência à
pessoa;
II – ao estranho que participa do crime.
III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual
ou superior a 60 (sessenta) anos.
CASOS CONCRETOS

1ª QUESTÃO:
CAIO adquiriu de MÉLVIO arma de fogo de uso
restrito, estando ciente de que a numeração
daquela arma estava raspada. MÉLVIO afirmou
para CAIO que aquela arma lhe pertencia,
tendo-a recebido de seu pai, sendo acertado o
preço justo de mercado, inclusive. Meses depois,
em diligência realizada na casa de CAIO, com
autorização judicial, foi a arma apreendida,
sendo o mesmo preso por receptação, além do
crime correspondente, previsto no Estatuto do
Desarmamento (Lei 10.826/03).
Comente a hipótese.
Resposta sugerida:

...Com o advento da lei 9437/97, o simples
fato de a arma estar raspada já a torna
objeto de crime, ou seja, já se trata de coisa
criminosa, sendo evidente, assim, que aquele
que a adquire nestas circunstâncias estará
praticando o crime de receptação, pouco
importando que se desconheça o auto da
raspagem...
2ª QUESTÃO:
JAIME, comerciante, recebe de MÁRIO
diversas caixas de vinho de cuja origem
criminosa desconfiava. JAIME não questionou
o vendedor sobre tal circunstância. Preso
dias depois, veio a ser denunciado pelo
Ministério Público.
Pergunta-se:
a) Qual a correta capitulação do fato?
b) O fato de o acusado saber da origem ilícita
da coisa pode fazer com que a capitulação
seja alterada?
c) Como diferenciar a hipótese do           1º
daquela prevista no 3º?
3ª QUESTÃO:
PERCIVAL obtinha o seu sustento informalmente,
através da prática de comércio clandestino de peças
de reposição de telefone celular, e não recusava
qualquer serviço para aumentar seus rendimentos.
Certa vez, PERCIVAL foi convidado a participar de
uma operação, que consistiria na venda de cinquenta
e oito kits - de conhecida origem criminosa - para
que carros a gasolina também pudessem consumir
gás. Diante desta oportunidade de obter um lucro de
R$ 500,00, ele não hesitou: recebeu e transportou a
mercadoria, que não tinha nota fiscal, para que fosse
vendida, por ele ou por terceiros, praticando, assim,
atos clandestinos de comércio. Em razão de tais
fatos, PERCIVAL foi denunciado e condenado pela
prática do crime previsto no artigo 180,      1º e 2º
do Código Penal. Está correta a capitulação dos
fatos? Fundamente.
RESPOSTA:
TJ/RJ: Ap.Crim nº 2003.050.05871 - Relator Des. Nildson
Araújo da Cruz: Receptação dolosa. Apelo defensivo.
Exercício de atividade comercial: Inteligência. Recurso
conhecido e parcialmente provido para reclassificar a
conduta do apelante. Unanimidade. Para que se tenha
como configurado o tipo descrito no par. 1. do art. 180, é
necessário que o agente cometa o crime de receptação,
valendo-se de sua atividade comercial, ainda que
clandestina. Portanto, tem de haver um nexo entre a
atividade comercial e o crime. É o que ocorre quando
alguem v.g., para aumentar o estoque da mercadoria que
comercia, adquire produtos criminosos, ou, quando de
outra forma, lança mão das facilidades de seu mister para
cometer o ilícito. Mas, isto não se verificou aqui, eis que
o apelante trabalha com peças de reposição de telefone
celular, atividade de que, aliás, não se prevaleceu para a
prática criminosa. Apelo conhecido e parcialmente
provido, para considerar a conduta do apelante como
sendo aquela tipificada no art. 180, caput, do Código
Penal. Unanimidade.

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Estelionato, receptação e imunidades

  • 1. ESTELIONATO, RECEPTAÇÃO E IMUNIDADES Professora Cristiane Dupret www.cristianedupret.com.br www.direitopenalbrasileiro.com.br www.metodosdeestudo.com.br www.direitocriancaeadolescente.com.br
  • 2. Tema: Estelionato. 1) Considerações gerais: a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva; b) Diferença entre o estelionato e o furto qualificado pela fraude; c) Diferença entre o estelionato e a apropriação indébita; d) Crimes previstos no artigo 171, 2º, do CP; e) As outras espécies de fraude. 2) Aspectos controvertidos. 3) Concurso de crimes. 4) Pena e ação penal.
  • 3. Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. 1o – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, parágrafo segundo. 2o – Nas mesmas penas incorre quem: Disposição de coisa alheia como própria I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
  • 4. Defraudação de penhor III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; Fraude na entrega de coisa IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém; Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
  • 5. Fraude no pagamento por meio de cheque VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento. 3o – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
  • 6. 1. ORIGEM DO TERMO E CONCEITUAÇÃO O termo vem de stellio (camaleão que muda de cor para enganar a presa). Na origem de sua tipificação, o stellionatus era considerado um delito extraordinário e abrangia todos os casos em que houvesse fraude, mas que não se amoldassem entre os crimes patrimoniais.
  • 7. Apenas nos meados do século XVIII, o estelionato passou a ser considerado crime autônomo, recebendo diversas denominações: • Escroquerie, na França; • Truffa, na Itália; • Estafa, na Espanha; • Burla, em Portugal; • Betrug, na Alemanha. No século XIX, passou a ser considerado delito patrimonial.
  • 8. O conceito de delito de estelionato, que inclusive serviu de modelo para muitas legislações, foi o do Código Francês, de 1810 (art. 405). No entanto, recentemente, tem sido adotada a conceituação do Código Penal Alemão, de 1871, ou do Código Penal Italiano (1871). Nosso CP de 1940 optou por seguir a conceituação do Código Penal Italiano de 1930 (art. 640).
  • 9. A expressão estelionato no nosso ordenamento jurídico penal surgiu pela primeira vez no Código Criminal de 1830, dentre os crimes contra a propriedade. O Código de 1890 (art. 338) seguiu a previsão anterior, mas trouxe onze modalidades de estelionato no título referente aos crimes contra a propriedade pública e particular, no capítulo referente aos crimes de estelionato, abuso de confiança e outras fraudes.
  • 10. 2. BEM JURÍDICO TUTELADO Patrimônio. Alguns apontam ainda a segurança, a fidelidade e a veracidade das relações jurídicas que gravitam em torno do patrimônio.
  • 11. 3. SUJEITOS DO DELITO Sujeito ativo – trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Ressalte-se que, se a vantagem for dirigida a terceira pessoa e ela tiver ciência disso, será considerada coautora do delito, ainda que dele não tenha participado ativamente. Não se deve confundir sua conduta posterior de receber a referida vantagem com o crime de receptação.
  • 12. Sujeito passivo – também pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica. Ressalte-se o caso de fraude empregada contra pessoa que não é proprietária do bem. Ex.: fraude empregada contra frentista de posto de gasolina. Sujeito passivo, a princípio, será o dono do posto. No entanto, se o frentista estiver obrigado a ressarcir o dono do posto, sujeito passivo será o frentista. O sujeito passivo deve ser pessoa determinada. Se a fraude for direcionada de forma genérica, está presente um delito contra a economia popular ou contra as relações de consumo.
  • 13. O sujeito passivo deve ter ainda capacidade de discernimento. Se a vítima for criança, pessoa inimputável, a conduta do sujeito ativo pode configurar abuso de incapazes ou furto.
  • 14. 4. CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS Luiz Regis Prado afirma que no delito de estelionato há um duplo nexo de causalidade – fraude como causa e engano como efeito –, para posteriormente surgir o segundo nexo: erro como causa e obtenção da vantagem como efeito. Juntamente à obtenção da vantagem deve estar presente o prejuízo alheio (duplo resultado), devendo este prejuízo ser economicamente apreciável, já que estamos diante de um delito patrimonial. Sem um dos elementos, a conduta será atípica
  • 15. 5. DISTINÇÃO ENTRE ARTIFÍCIO E ARDIL Artifício é toda astuta alteração da verdade. O artifício se reveste de aparato material. O artifício pressupõe encenação, aparato, disfarce, teatralização. Ex.: documento falso, disfarce. Ardil é a aplicação de meios enganosos, mas de forma intelectual, agindo sobre o psiquismo da vítima. Ex.: boa conversa, simulação de doença. Ao trazer a expressão “qualquer outro meio fraudulento”, o legislador possibilita a interpretação analógica. Sendo assim, até formas omissivas, como a mentira e o silêncio, podem caracterizar o estelionato (item 61 da exposição de motivos), diferenciando o estelionato da apropriação de coisa havida por erro.
  • 16. Ressalte-se que o meio fraudulento deve ser idôneo. É questão controvertida, no entanto, se essa idoneidade deve ser verificada em relação à vítima ou em relação a qualquer pessoa prudente. A primeira posição é mais adequada, pois os sujeitos ativos do estelionato procuram como vítimas justamente as pessoas mais ingênuas. Se o meio é inidôneo, o crime é impossível.
  • 17. Outra questão de importância é tentar estabelecer uma diferença segura entre fraude penal e fraude civil. O problema é saber quando a fraude terá repercussão no Direito Penal. A grande dificuldade é : quando a fraude tem relevância penal e quando ela é uma malícia necessária à arte de negociar? Toda transação comercial envolve uma certa malícia. Todo negócio envolve um certo risco. Hungria dizia que a natureza e a dimensão do dano não podem ser critério. Quando se pode ter um dado que comprove que houve dolo de fraudar? A expressão-chave que Hungria usava é “inadimplemento preconcebido”.
  • 18. 6. ANÁLISE DAS ELEMENTARES DO ART. 171 Trata-se de crime material. Consuma-se com a efetiva obtenção da vantagem e necessariamente o prejuízo alheio. Não precisa ser patrimonial a vantagem, e sim o prejuízo. Normalmente, as duas coisas coincidem. Momento consumativo é o da obtenção da vantagem ilícita com prejuízo alheio. A obtenção da vantagem sem o prejuízo não é suficiente para configurar o crime.
  • 19. 7. SÚMULA 17 DO STJ A Súmula 17 do STJ estabelece que: “quando o falso se exaure no estelionato sem mais potencialidade lesiva será por esse absorvido”.
  • 20. 8. TORPEZA BILATERAL, FRAUDE BILATERAL OU FRAUDE RECÍPROCA A questão é controvertida. Hungria sustentava que, em havendo torpeza bilateral, não estará caracterizado o delito de estelionato, pois somente goza de proteção o patrimônio que serve a um fim legítimo, só existindo estelionato quando alguém é iludido em sua boa fé. Luiz Regis Prado entende em sentido contrário, o que nos parece mais correto, principalmente por inexistir no Direito Penal a compensação de culpas.
  • 21. 9. DISTINÇÃO ENTRE ESTELIONATO E FURTO QUALIFICADO PELA FRAUDE No estelionato, a fraude é empregada para que a vítima entregue a coisa. No furto, para que a vítima desvigie a coisa e o sujeito ativo consiga subtraí-la. 10. DISTINÇÃO ENTRE ESTELIONATO E EXTORSÃO Tanto no estelionato quanto na extorsão, a vítima entrega a res. No entanto, no primeiro o meio é a fraude, ao passo que na segunda o meio é a violência ou grave ameaça.
  • 22. 11. ESTELIONATO PRIVILEGIADO Quando o criminoso for primário e de pequeno valor o prejuízo, aplica-se o disposto no art. 155, 2o. Este privilégio também é aplicado ao chamado estelionato especial (art. 171, 2o.).
  • 23. 12. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE Art. 332 do CP – tráfico de influência. Este crime pressupõe necessariamente a fraude e por isso é chamado por alguns de estelionato qualificado. Ressalte-se que, se o particular de fato conhece o funcionário público e solicita dele vantagem indevida, será coautor de outro crime. Só responde por tráfico de influência quando há fraude. Lei no 8.137/90 (quando a fraude configura crime contra a ordem tributária). Art. 251 do CPM. Se você engana um incapaz fraude é dirigida contra incapaz, não é estelionato, é sim abuso de incapaz (art. 173 do CP). Só se engana quem tem capacidade de discernir.
  • 24. 13. REPARAÇÃO DO DANO Se feito antes do recebimento da denúncia, é causa de diminuição de pena – arrependimento posterior (art. 16 do CP). Se após o recebimento da denúncia, mas antes do julgamento, trata-se de circunstância atenuante (art. 65, III, b do CP). Quanto à Súmula 554 do STF, que dispõe que o pagamento do cheque emitido sem provisão de fundos não obsta o prosseguimento da ação penal (o que, a contrário senso, faz com que, se feito o pagamento anteriormente ao recebimento da denúncia, obste-se o prosseguimento), cabe ressaltar que ela não se aplica por analogia ao estelionato simples (art. 171, caput, CP). Essa é a posição dos nossos tribunais. Ressalte-se que há discussões no sentido de se a súmula continuaria sendo aplicada mesmo frente à disposição do art. 16 do CP, que é posterior à súmula. Nossos tribunais vêm aplicando a súmula por ser ela mais benéfica.
  • 25. 14. ESTELIONATO ESPECIAL ( 2O) I – Disposição de coisa alheia como própria Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Na verdade, esta conduta já se amolda ao caput. Apesar de repetir o que já continham os Códigos de 1830 e de 1890, a previsão continua sendo desnecessária. É justamente por dispor como se fosse própria é que há a fraude. Se o sujeito dispõe de coisa alheia e o outro sabe que é alheia, está praticando receptação.
  • 26. II – Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...) II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias; Neste caso, é o próprio dono da coisa que pratica o crime, sendo que ele não possui o domínio pleno da coisa.
  • 27. III – Defraudação de penhor Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...) III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
  • 28. Trata-se de conduta tipificada para punir o devedor que tem a posse do objeto empenhado quando se trata de tradição ficta, com a aplicação da cláusula do constitutum possessorium, como no caso do penhor agrícola, industrial e mercantil, em que o credor recebe a posse indireta e o devedor, como depositário, continua na posse direta da coisa. Nesta modalidade especial de estelionato, ocorre a consumação independente da obtenção de vantagem ilícita, não sendo necessário ainda o prejuízo do credor. Trata-se de crime de mera conduta, porém plurissubsistente, sendo admissível a tentativa.
  • 29. IV – Fraude na entrega de coisa Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...) IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém; Nesta modalidade de estelionato, o devedor tem a obrigação de entregar a outrem alguma coisa, mas a defrauda em sua substância, qualidade ou quantidade. A coisa defraudada tanto pode ser móvel quanto imóvel. Esta entrega, no entanto, não pode ser decorrente de comodato, pois, neste caso, inexiste lesão ao bem jurídico tutelado, que é o patrimônio.
  • 30. A conduta aqui incriminada distingue-se da prevista no art. 175 (fraude no comércio), pois nesta o sujeito ativo deve ser comerciante ou comerciário.
  • 31. V – Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...) V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro; Tutela-se o patrimônio das empresas de seguro e dos institutos de previdência social .
  • 32. VI – Fraude no pagamento por meio de cheque Art. 171. (...) 2º Nas mesmas penas incorre quem: (...) VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento. 3o – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. Primeiramente, cabe destacar que emitir não se confunde com endossar. Aquele que endossa cheque que sabe não ter provisão de fundos, pratica estelionato do caput, ao passo que o avalista, se ciente da fraude, é coautor do estelionato especial.
  • 33. Ressalte-se que cheque é ordem de pagamento à vista. Sendo assim, se o cheque for pós-datado, a conduta pode se amoldar ao caput, mas não se trata de estelionato especial. A primeira conduta é emitir cheque sem fundos. Nessa modalidade, a consumação se dá com a recusa pelo banco sacado. Súmula 521 STF: a competência é do local da recusa do banco sacado.
  • 34. E na modalidade frustrar o pagamento? Quando se consuma? Na hora em que o agente deu a contraordem de pagamento sem justa causa. Súmula 246 STF: diz o óbvio – só há crime se houver dolo de fraudar.
  • 35. 15. ESTELIONATO MAJORADO Está previsto no art. 171, 3.º, do CP, como segue: “Art. 171. (...) 3o A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.” Confira-se, ainda, a Súmula 24 do STJ: “Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do 3o. do art. 171 do CP.”
  • 36. Cabe destacar o entendimento do STF acerca da natureza dual do estelionato previdenciário. Quanto aquele praticado pelo agente que perpetua a fraude para que terceiro receba o benefício, o crime será instantâneo de efeitos permanentes. Quanto aquele que recebe mensalmente o benefício, o crime é considerado permanente. A natureza vai impactar diretamente no termo inicial da prescrição da pretensão punitiva.
  • 37. 17 - SÚMULAS DO STJ 244 – Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos. 107 – COMPETE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PROCESSAR E JULGAR CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DAS GUIAS DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, QUANDO NÃO OCORRENTE LESÃO À AUTARQUIA FEDERAL. 73 – A UTILIZAÇÃO DE PAPEL MOEDA GROSSEIRAMENTE FALSIFICADO CONFIGURA, EM TESE, O CRIME DE ESTELIONATO, DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 48 – COMPETE AO JUÍZO DO LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA PROCESSAR E JULGAR CRIME DE ESTELIONATO COMETIDO MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DE CHEQUE. 24 – APLICA-SE AO CRIME DE ESTELIONATO, EM QUE FIGURE COMO VÍTIMA ENTIDADE AUTÁRQUICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, A QUALIFICADORA DO 3o, DO ART. 171 DO CODIGO PENAL. 17 – QUANDO O FALSO SE EXAURE NO ESTELIONATO, SEM MAIS POTENCIALIDADE LESIVA, É POR ESTE ABSORVIDO.
  • 38. CASOS CONCRETOS 1ª QUESTÃO: CAIO, utilizando-se de uniforme militar, e fazendo-se passar por oficial do Exército Brasileiro, aborda TÍCIO em uma rua no centro do Rio de Janeiro, oferecendo-lhe uma oportunidade de ingressar nas Forças Armadas. Segundo o "tenente" CAIO, TÍCIO poderia tornar-se sargento sem a necessidade de prestar concurso público, bastando para tal o pagamento da quantia de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais), mediante depósito na conta-corrente daquele. Com a confirmação da transação, TÍCIO poderia frequentar a escola de formação imediatamente. Desempregado e sem perspectivas, TÍCIO, que sempre sonhou com a carreira militar, resolve aceitar a proposta, e promete a CAIO conseguir o dinheiro no dia seguinte. Ao pedir parte da importância para MÉVIO, seu amigo policial, TÍCIO contou-lhe a estória. MÉVIO, então, empresta a soma a seu amigo e, no dia do encontro, ao segui-lo, dá voz de prisão a CAIO quando este e TÍCIO estavam prestes a entrar no banco. CAIO, devidamente uniformizado, confessa não ser militar. Tipifique a conduta praticada pelo agente, justificando sua posição.
  • 39. RESPOSTA: STJ: CC 92547 / RS - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho: CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA COMUM E A JUSTIÇA CASTRENSE. USO INDEVIDO DE FARDA E ESTELIONATO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRIME MILITAR USADO COMO MEIO NECESSÁRIO AO ESTELIONATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 2a. VARA CRIMINAL DE SÃO LEOPOLDO/RS, DETERMINANDO-SE O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL INSTAURADA NA JUSTIÇA CASTRENSE, EM CONFORMIDADE COM O PARECER DO MPF. 1. Se um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime, encontrando-se, portanto, o fato previsto em uma lei inserido em outro de maior amplitude, permite-se uma única tipificação, por óbvio, a mais ampla. 2. No caso específico, o uso indevido de uniforme militar, que a princípio poderia ser tipificado como crime militar (art. 172 do CPM), com o intuito de ludibriar a vítima oferecendo-lhe, mediante prévio pagamento, uma oportunidade de ingressar nas Forças Armadas, foi, na verdade, meio necessário para a prática do crime de estelionato (art. 171 c.c. o art. 14, II, ambos do CPB). Destarte, deve ser reconhecida a absorção daquele por este, em observância ao princípio da consunção. 3. Ocorrendo a consunção, não se legitima o processamento e julgamento de réu em dois feitos distintos. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de São Leopoldo/RS, ora suscitado, determinando-se o trancamento da ação penal 08/07-4 instaurado perante a Justiça Castrense, em conformidade com o parecer ministerial.
  • 40. 2ª QUESTÃO: DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO foi ao balcão de empresa aérea, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, dirigiu-se ao funcionário MARIOVALDO, e comprou duas passagens aéreas em nome de terceiros. Para tanto, usou um cheque preenchido por ele, apocrifamente, assinando-se como sendo TIBÚRCIO LARANJA e apresentou, nessa mesma ocasião, cédula de identidade com este nome, contendo seu retrato. Posteriormente, ao voltar ao local por razões não conhecidas, DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO foi detido. Diante do Inspetor de Polícia ABELARDO, DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO apresentou-se como ROMUALDO SILVA, o que quis provar, pedindo a um amigo que buscasse, em sua casa, um envelope que continha uma cédula de identidade com sua foto, em cópia xerox autenticada, com o nome de "ROMUALDO SILVA". O Inspetor de Polícia ABELARDO constatou, então, que ROMUALDO SILVA havia sido anteriormente autuado na 21ª DP, e que na verdade se trataria de DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO – o nome "ROMUALDO SILVA" era de pessoa já falecida. DEOCLÉCIO ESPERTALHÃO esclareceu que havia comprado uma certidão de nascimento falsa e de posse dela, fizera confeccionar uma cédula de identidade ideologicamente falsa. O valor do cheque não chegou a ser recebido pela empresa aérea. Capitule os fatos.
  • 41. RESPOSTA: TJ/RJ: Ap. Crim nº 2003.050.02094 - Relator Des. Eduardo Mayr: ESTELIONATO. FALSUM. USO DE DOCUMENTO FALSO. No concurso entre o falsum e o estelionato, orienta-se a doutrina e a jurisprudência no sentido de fazer prevalecer o crime patrimonial, que exterioriza o desideratum do agente. Igualmente, no concurso entre o falsum e o uso de documento falso, da mesma forma se orienta a doutrina e a jurisprudência no sentido de fazer prevalecer o uso, pois não seria crível houvesse uma falsificação sem a intenção de o agente usar o documento apócrifo. Apelo desprovido.
  • 42. 3ª QUESTÃO: JOEY TRIBIANI foi denunciado pelo Ministério Público por infração à norma penal incriminadora do artigo 171, 2º, VI, do Código Penal, porque, no dia 16/08/2008, emitiu cheque no valor de R$ 140,00 (cento e quarenta reais) para pagamento à vista de diversos itens em uma loja. Após duas tentativas de compensação da cártula, houve a devolução da mesma pelo banco sacado, por insuficiência de fundos. Depois de recebida a denúncia pelo Juiz de Direito, JOEY efetuou a reparação integral do dano, e sua defesa apresentou petição requerendo a extinção da punibilidade, com base no enunciado 554 da súmula do Superior Tribunal de Justiça. Pergunta-se: a) O requerimento da defesa pode ser acolhido? b) Se a reparação do dano não gera a extinção da punibilidade, gera outro efeito? c) Se o crime cometido fosse o do artigo 171, caput, do Código Penal a decisão seria diferente?
  • 43. RESPOSTA: STJ: HC 93.893 - Rel. Min. Nilson Naves: Cheque/estelionato (Cód. Penal, art. 171, 2º, VI). Dívida (pagamento). Ação (não-prosseguimento). Punibilidade (extinção). Insignificância (caso). 1. A ação penal não há de ir para a frente em caso que tal, mesmo que o pagamento do cheque se tenha verificado após o recebimento da denúncia. 2. Ainda em caso tal, bem como em casos assemelhados, é lícito entender que se extingue a punibilidade pelo pagamento da dívida (por exemplo, RHC-21.489). 3. Segundo o Relator, lícito ainda é se invoque o princípio da insignificância diante da reparação do dano, de modo que se exclua da tipicidade penal fatos penalmente insignificantes. 4. Habeas corpus deferido - extinção da ação penal.
  • 44. Tema: Receptação e Disposições Gerais. 1) Considerações gerais: a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. Autonomia da receptação; b) Espécies de receptação. 2) Aspectos controvertidos. 3) Imunidades materiais (as escusas absolutórias). 4) Imunidades formais. 5) Concurso de crimes. 6) Pena e ação penal.
  • 45. RECEPTAÇÃO – ART. 180 Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. Receptação qualificada 1o – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. 2o – Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.
  • 46. 3o – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. 4o – A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa. 5o – Na hipótese do 3o, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no 2o do art. 155. 6o – Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.
  • 47. 1. ESPÉCIES DE RECEPTAÇÃO
  • 48. 2. BEM JURÍDICO TUTELADO E OBJETO MATERIAL O bem jurídico tutelado é o patrimônio, público ou privado. Bitencourt admite que a posse também possa ser tutelada. Objeto material do crime, para a doutrina majoritária, é a coisa móvel, muito embora o tipo penal não seja expresso quanto a isso. Um apartamento não pode ser objeto de receptação . No entanto, poderiam ser objeto material as coisas imóveis mobilizadas. Concordam com esse entendimento: Bitencourt , Damásio , Magalhães Noronha, Bento de Faria e assim já defendia Nelson Hungria.
  • 49. Magalhães Noronha argumenta que receptação tem o sentido de dar receptáculo, esconderijo, abrigo, o que seria incompatível como a coisa imóvel. Já Heleno Claudio Fragoso entende em sentido contrário, sustentando que o tipo penal, diferente de outros tipos penais patrimoniais, não mencionou expressamente a coisa alheia móvel. Além disso, ao se restringir o alcance do tipo, ficaria impune a conduta daquele que adquirisse coisa imóvel objeto de crime. Desta forma, assim como no Direito Penal Alemão, a coisa imóvel também poderia ser objeto material do crime. Não teríamos nos restringido, como no Direito Penal Italiano à coisa móvel. Fazendo ainda uma ligação com a conceituação do Direito Civil, em um verdadeiro diálogo de fontes, ao conceituar coisa, esta também abrangeria a imóvel.
  • 50. Ressalte-se que objeto da receptação é coisa produto do crime, não podendo ser objeto material do crime de receptação os instrumentos do crime.
  • 51. 3. SUJEITOS DO DELITO Nas modalidades de receptação própria e imprópria e imprópria, sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, exceto o sujeito ativo do crime anterior. Desta forma, aquele que adere à conduta de quem pratica a conduta, antes ou durante a execução, também não responderá por receptação, mas sim em concurso de pessoas. Exemplo: Caio liga para Mévio e diz que pretende subtrair um veículo automotor que está na sua frente, mas que não tem onde ocultá-lo. Mévio diz que ele pode subtrair, que ele o ocultará. E assim é feito. Mévio, ao ocultar o veículo, não responderá por receptação, mas sim pelo crime de furto, em concurso de pessoas, pois aderiu (liame subjetivo) à conduta de Caio antes da execução.
  • 52. Excepcionalmente, o proprietário pode ser sujeito ativo da receptação, para aqueles que consideram que a posse é bem jurídico tutelado, quando a coisa está sob o poder de terceiro, quando esta for, por exemplo, objeto de garantia (ex.: penhor). A receptação não se refere à coisa alheia. No entanto, este não é o entendimento majoritário, muito embora, Bitencourt admita tal possibilidade.
  • 53. Na receptação qualificada, sujeito ativo é o comerciante ou industrial, ainda que exerça o comércio de forma irregular ou clandestina, ou ainda em sua residência. A receptação culposa é crime comum, podendo ser praticada por qualquer pessoa. Sujeito passivo será sempre o sujeito passivo do crime de que proveio a coisa, bem ou objeto da receptação, é o mesmo sujeito passivo do crime anterior.
  • 54. 4. TIPICIDADE OBJETIVA E ELEMENTO SUBJETIVO Na receptação própria, temos cinco verbos núcleos do tipo, tratando-se de tipo penal misto alternativo, desde que as condutas sejam praticadas no mesmo contexto, ou seja, em relação a mesma coisa. Adquirida a coisa, por exemplo, as demais condutas caracterizam pós fato impunível. Deve-se ter cuidado com a conduta “ocultar”, pois se o agente pratica tal conduta em proveito do criminoso. Ou seja, para fazer-lhe um favor, o crime será de favorecimento real (art. 349). Ele estará tornando seguro o proveito do crime. Logo, a expressão “em proveito alheio “ da receptação própria é “alheio” de qualquer pessoa, menos do autor do crime antecedente.
  • 55. Na receptação imprópria, quando houve a inclusão dos verbos transportar e conduzir na receptação própria, os mesmos não foram incluídos na imprópria. Desta forma, aquele que influi para que terceiro de boa-fé transporte ou conduza coisa que sabe ser produto de crime, pratica conduta atípica. Nas duas modalidades previstas no caput, o crime é doloso, na modalidade de dolo direto, não admitindo, em hipótese alguma o dolo eventual, uma vez que o tipo penal exige que o agente saiba que a coisa é produto de crime.
  • 56. Na forma qualificada do parágrafo primeiro, é prevista a expressão “deve saber”. Parte da doutrina e da jurisprudência, passou a defender que o comerciante deveria responder com a pena do caput. Aplicar-se-ia o preceito primário do parágrafo primeiro e o preceito secundário do caput. No entanto, atualmente, não vem sendo este o entendimento adotado pelos nosso tribunais superiores, pelos seguintes motivos: 1º) A forma é qualificada, trazendo a previsão de pena mais gravosa, em virtude da qualidade do sujeito ativo – comerciante ou industrial 2º) Obviamente, que ao existir a previsão da expressão “deve saber” no parágrafo 1º, isso não significa que quando ele “sabe”, sua conduta estará tipificada no caput. Logo, a expressão “deve saber”, abrange “sabe” e deve saber”.
  • 57. O elemento subjetivo, de acordo com os argumentos vistos pode ser o dolo direto ou eventual, não se admitindo a forma culposa. Logo, o comerciante que agir com culpa, deve responder pelo parágrafo terceiro.
  • 58. A receptação culposa do parágrafo terceiro é um tipo penal fechado. Os tipos culposos são geralmente abertos, mas esse não, porque só tem três indícios reveladores da culpa aqui: a natureza do objeto material; desproporção entre o valor real da coisa o e o preço pago; ou condição de quem oferece. Desta forma, se alguém adquire um produto que custa R$ 5000,00, este produto está novo , na caixa, e a pessoa paga R$ 1000,00, ela deve presumir ser obtido por meio criminoso. Se quem está vendendo tem “fama” de estelionatário”, ela também deve presumir. O tipo culposo é apenas para adquirir ou receber; para transportar, conduzir ou ocultar a conduta é atípica. A receptação culposa é passível de perdão judicial, causa extintiva da punibilidade, consoante a previsão do parágrafo 5º, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
  • 59. O parágrafo 4º determina que é punível a receptação ainda que desconhecido ou isento depena o autor do crime de que proveio a coisa. Desta forma, se Caio adquire a coisa de um menor de 18 anos, de um doente mental sem inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato, de alguém em erro de proibição inevitável, praticará receptação, obviamente, desde que saiba, na hipótese de receptação própria, que a coisa é produto de crime. O parágrafo 4º serve de base para Damásio ter entendimento diverso no que tange ao conceito analítico de crime. Damásio diz que quando o parágrafo menciona isenção de pena, remete à culpabilidade. O legislador teria colocado de forma separada a culpabilidade do conceito de crime; por isso, dentre outras argumentações, ele sustenta que crime é fato típico e antijurídico, sem culpabilidade.
  • 60. Além de dispor acerca do perdão judicial para a receptação culposa, o parágrafo 5º , ao fazer menção ao parágrafo 2º do artigo 155, permite, em caso de receptação dolosa, que se o agente for primário e se for de pequeno valor a coisa receptada, o juiz possa substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
  • 61. O parágrafo 6º traz previsão de aplicação de causa de aumento de pena, a ser aplicada apenas para a receptação própria e imprópria, devendo a pena ser aplicada em dobro quando se tratar de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista.
  • 62. Pressuposto do crime de receptação é que a coisa ou objeto seja produto de crime. Consequentemente, não serve o produto de simples contravenção. Basta que proporcione ao seu autor um proveito econômico, consolidando ou assegurando o seu animus lucrandi. O crime anterior não precisa ser, necessariamente, contra o patrimônio, dele podendo ser pressupostos os crimes mercenários em geral, v. g., lenocínio, corrupção etc. Muito embora a receptação seja um crime autônomo, ela depende da existência do crime anterior, bastando indícios da sua prática, da sua existência, não sendo necessária a identificação do autor, a existência de persecução criminal, de condenação.
  • 63. 5. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE Alguns tipos penais afastarão a aplicação da receptação, ainda que o agente pratique alguma conduta nuclear do artigo 180. Uma delas vimos que é o favorecimento real (artigo 349). Vejamos outras: Artigo 334, parágrafo 1º, C e D, CP Artigo 289, 1º., CP Artigo 1º da Lei 9613/98
  • 64. 6. RECEPTAÇÃO DE RECEPTAÇÃO É possível a receptação de receptação, que seria a possibilidade de uma cadeia de receptações. Ou seja: Caio adquire a coisa que sabe ser produto de crime de Mévio, que adquiriu sabendo ser produto de crime de Tício e assim por diante. No entanto, todos devem estar de má fé. Se alguém, no meio desta cadeia, estiver de boa-fé, quebra a possibilidade de o próximo adquirente praticar receptação, ainda que adquira a coisa sabendo que é produto de crime.
  • 65. Segundo Hungria , em sede de receptação : "o que se faz mister é que a coisa seja proveniente de crime, e este não é apenas o crime originário, senão também a intercorrente receptação. Se, entretanto, a coisa vem a ser adquirida ou recebida por terceiro de boa-fé, que, por sua vez, a transmite a outrem, não comete este receptação, ainda que tenha conhecimento de que a coisa provém de crime. Houve, em tal caso, uma interrupção ou solução de continuidade da situação patrimonial anormal criada pelo crime originário e mantida, acaso, por intercorrente receptação de má-fé".
  • 66. 7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA A receptação própria é crime material e consuma-se com a efetiva tradição da coisa. No entanto, nas modalidades de ocultar, transportar e conduzir, trata-se de crime permanente. Na forma qualificada, também crime material, nas modalidades de ter em depósito e expor a venda, o crime também é permanente.
  • 67. A receptação imprópria é crime formal (de consumação antecipada), consumando-se no momento da influência, não sendo necessário que o terceiro de boa fé adquira ou receba a coisa. Muito embora a maioria da doutrina sustente que não é possível a tentativa, visualizamos a sua possibilidade se o agente escreve para o terceiro de boa fé e esta carta é interceptada por terceiro. A receptação culposa estará consumada com a prática das condutas previstas no tipo. A tentativa é possível na receptação própria. A aquisição de coisas produto de vários crimes caracteriza crime único, desde que em um mesmo contexto fático.
  • 68. ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS – ARTS. 181 E 182 Art. 181 – É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural. Art. 182 – Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; II – de irmão, legítimo ou ilegítimo; III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. Art. 183 – Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores: I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; II – ao estranho que participa do crime. III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
  • 69. CASOS CONCRETOS 1ª QUESTÃO: CAIO adquiriu de MÉLVIO arma de fogo de uso restrito, estando ciente de que a numeração daquela arma estava raspada. MÉLVIO afirmou para CAIO que aquela arma lhe pertencia, tendo-a recebido de seu pai, sendo acertado o preço justo de mercado, inclusive. Meses depois, em diligência realizada na casa de CAIO, com autorização judicial, foi a arma apreendida, sendo o mesmo preso por receptação, além do crime correspondente, previsto no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). Comente a hipótese.
  • 70. Resposta sugerida: ...Com o advento da lei 9437/97, o simples fato de a arma estar raspada já a torna objeto de crime, ou seja, já se trata de coisa criminosa, sendo evidente, assim, que aquele que a adquire nestas circunstâncias estará praticando o crime de receptação, pouco importando que se desconheça o auto da raspagem...
  • 71. 2ª QUESTÃO: JAIME, comerciante, recebe de MÁRIO diversas caixas de vinho de cuja origem criminosa desconfiava. JAIME não questionou o vendedor sobre tal circunstância. Preso dias depois, veio a ser denunciado pelo Ministério Público. Pergunta-se: a) Qual a correta capitulação do fato? b) O fato de o acusado saber da origem ilícita da coisa pode fazer com que a capitulação seja alterada? c) Como diferenciar a hipótese do 1º daquela prevista no 3º?
  • 72. 3ª QUESTÃO: PERCIVAL obtinha o seu sustento informalmente, através da prática de comércio clandestino de peças de reposição de telefone celular, e não recusava qualquer serviço para aumentar seus rendimentos. Certa vez, PERCIVAL foi convidado a participar de uma operação, que consistiria na venda de cinquenta e oito kits - de conhecida origem criminosa - para que carros a gasolina também pudessem consumir gás. Diante desta oportunidade de obter um lucro de R$ 500,00, ele não hesitou: recebeu e transportou a mercadoria, que não tinha nota fiscal, para que fosse vendida, por ele ou por terceiros, praticando, assim, atos clandestinos de comércio. Em razão de tais fatos, PERCIVAL foi denunciado e condenado pela prática do crime previsto no artigo 180, 1º e 2º do Código Penal. Está correta a capitulação dos fatos? Fundamente.
  • 73. RESPOSTA: TJ/RJ: Ap.Crim nº 2003.050.05871 - Relator Des. Nildson Araújo da Cruz: Receptação dolosa. Apelo defensivo. Exercício de atividade comercial: Inteligência. Recurso conhecido e parcialmente provido para reclassificar a conduta do apelante. Unanimidade. Para que se tenha como configurado o tipo descrito no par. 1. do art. 180, é necessário que o agente cometa o crime de receptação, valendo-se de sua atividade comercial, ainda que clandestina. Portanto, tem de haver um nexo entre a atividade comercial e o crime. É o que ocorre quando alguem v.g., para aumentar o estoque da mercadoria que comercia, adquire produtos criminosos, ou, quando de outra forma, lança mão das facilidades de seu mister para cometer o ilícito. Mas, isto não se verificou aqui, eis que o apelante trabalha com peças de reposição de telefone celular, atividade de que, aliás, não se prevaleceu para a prática criminosa. Apelo conhecido e parcialmente provido, para considerar a conduta do apelante como sendo aquela tipificada no art. 180, caput, do Código Penal. Unanimidade.