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C h i c o s
P a l e s t i n a
Especial
Veja a nossa poesia em:
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Fale conosco:
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Um dedim de prosa
A poesia é desde os anos oitenta, o gênero da
literatura palestina que mais circulou entre nós, para
sermos sinceros pelo menos entre nós aqui do Chicos foi o
único. Ela nos chegou através do livro da Achiamé –
“Poesia Palestina de combate”. Nós, como dizia a letra do
rock, éramos tão inúteis que nem votávamos para
presidente. Era uma poesia que nos envergonhava. Eles
tinham a coragem de lutar com suas palavras por uma
pátria sem solo, enquanto nós silenciávamos diante de
nossos ditadores. Como não se solidarizar com a combativa
poetisa Fadwa Tuqan sobre quem Moshé Dayan disse: “Seus
poemas eram mais subversivos que dez atentados.”
Com o passar dos anos nos livramos de nossa ditadura. Os
palestinos, ainda sem pátria, continuam vivendo até os dias
de hoje seu martírio. Para sermos solidários e também
protestarmos contra a estupidez e intolerável carnificina
que se abateu sobre a Faixa de Gaza (‫غزة‬ ‫.قطاع‬ em árabe)
Dedicamos esta edição ao povo e aos poetas palestinos.
Os Chicos
Garoto palestino protestando – foto de: Abed Omar Qusini
EU SOU DE LÁ
*Mahmoud Darwish
Eu venho de lá e recordo
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma
mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota
arrebatou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de
capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho uma comida divina de pássaros e uma
oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe o céu chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados
de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
Mahmoud
Darwish: a ira, a saudade,
a esperança
*Uri Avnery
Uma das frases mais sábias que jamais
ouvi em minha vida ouvi-a de um
general egípcio, poucos dias depois da
visita histórica de Anuar Sadat – a visita
da vitória –, a Jerusalém.
Fomos os primeiros israelenses a chegar
ao Cairo, e, dentre outras curiosidades,
queríamos muito saber: como os egípcios
haviam conseguido nos surpreender, no
início da guerra de outubro de 1973?
O general respondeu: “Em vez de ler
relatórios dos serviços de inteligência, vocês
deveriam ler nossos poetas.”
Pensei nestas palavras na quarta-feira
passada, no funeral de Mahmoud
Darwish.
Durante a cerimônia em Ramállah, vários
se referiram a ele como “o Poeta Nacional
da Palestina”.
Aquele morto foi muito mais do que isto.
Foi a encarnação do destino dos
palestinos. Seu destino pessoal coincidiu
com o destino de seu povo da Palestina.
Darwish nasceu em Al-Barwad, vila na
estrada Acra-Safad. Há 900 anos, um
viajante persa contou que visitou esta vila
e ajoelhou-se nos túmulos de “Esaú e
Simeão, que descansem em paz.” Em
1931, dez anos antes de Mahmoud
nascer, viviam na mesma vila 996
habitantes, dos quais 92 cristãos; os
demais, muçulmanos sunitas.
Dia 11 de junho de 1948, a cidade foi
ocupada pelo exército de Israel. Suas 224
casas foram derrubadas logo depois da
guerra, exatamente como em outras 650
vilas da Palestina. Só alguns cactos e
poucas ruínas ainda testemunham que
aquelas vilas um dia existiram. A família
Darwish fugira pouco antes da chegada
das tropas; e o pequeno Mahmoud, de
sete anos, partiu com os parentes.
Não se sabe como, a família conseguiu
voltar – para onde então já era território
israelense. Receberam documentos de
"ausentados presentes [1]" –
espantosíssima invenção israelense.
Significava que eles seriam residentes
legais em Israel, mas que suas terras lhes
haviam sido roubadas, nos termos de
uma lei que dizia que qualquer árabe
perderia a propriedade de suas terras se
não estivesse fisicamente presente na vila
quando fosse ocupada. Nas terras da
família Darwish foi construído o kibbutz
Yasur (do movimento de esquerda
israelense) e implantou-se a vila-
cooperativa Ahihud.
O pai de Mahmoud instalou-se na vila
árabe mais próxima, Jadeidi, de onde
podia ver de longe as suas terras. Aí
Mahmoud cresceu e sua família ainda
vive, até hoje.
Durante os 15 primeiros anos do Estado
de Israel, os cidadãos árabes viveram sob
um “regime militar” – sistema de
repressão severa que controlava todos os
aspectos da vida, inclusive todos os
movimentos. Nenhum árabe podia viajar
para fora de sua vila sem permissão
especial. O jovem Mahmoud várias vezes
violou esta proibição; e sempre que foi
apanhado foi encarcerado. Quando
começou a escrever poesia, foi acusado
de incitar a sublevação e posto sob
“detenção administrativa”, sem
julgamento.
Na prisão, então, escreveu um de seus
poemas mais conhecidos, “Carteira de
Identidade”, poema em que se manifesta
a ira de um jovem que cresceu em
condições de humilhação. O primeiro
verso troveja para o mundo: “Lembrem:
sou árabe!”
Neste período encontrei Darwish pela
primeira vez. Procurou-me e trouxe outro
jovem árabe, nascido em outra vila árabe,
e com forte compromisso político
nacional, o poeta Rachid Hussein.
Lembro do que Hussein disse-me,
naquele dia: “Os alemães mataram seis
milhões de judeus, e apenas seis anos
depois os judeus fizeram a paz com a
Alemanha. Conosco, os judeus não
querem a paz.”
Darwich alistou-se no Partido
Comunista, o único partido, político,
então, em que um nacionalista árabe
poderia atuar politicamente. Editou
jornais. O partido mandou-o estudar em
Moscou, mas o expulsou quando ele
decidiu não voltar a Israel. Em vez de
voltar, alistou-se na OLP e foi para os
quartéis de Yasser Arafat em Beirute.
Lá o reencontrei outra vez, num dos
eventos mais emocionantes de minha
vida, quando cruzei a fronteira em julho
de 1982, no auge do sítio de Beirute, e
tive uma reunião com Arafat. O líder
palestino insistiu em que Mahmoud
Darwich assistisse àquele encontro
simbólico: era a primeira vez que Arafat
encontrava-se com um israelense.
Mandou chamar Darwich.
A descrição do sítio de Beirute é um dos
trabalhos mais impressionantes de
Darwich. Naqueles dias, converteu-se em
poeta nacional da Palestina.
Acompanhou a luta dos palestinos; nas
sessões do Conselho Nacional Palestino –
instituição que uniu todo o povo da
Palestina, eletrizava multidões com seus
versos, que ele mesmo declamava.
Naqueles anos, Darwich viveu muito
próximo de Arafat. Arafat foi o líder
político do movimento nacional na
Palestina; Darwich foi seu líder espiritual.
Darwich escreveu a Declaração de
Independência da Palestina, adotada na
sessão de 1988 do Conselho Nacional por
iniciativa de Arafat. É muito semelhante
à Declaração de Independência de Israel,
que Darwich aprendera na escola
primária.
Ele claramente entendeu a significação de
seu discurso: ao adotar este documento, o
parlamento palestino no exílio aceitava,
na prática, a idéia de estabelecer-se um
Estado palestino lado a lado com o
Estado israelense, apenas numa parte da
Palestina, como Arafat propusera.
A aliança entre os dois rompeu-se
quando foram assinados os acordos de
Oslo. Para Arafat, tratava-se de “o
melhor acordo possível, na pior situação
possível”. Darwich entendeu que Arafat
concedera demais. O coração nacional
impôs-se à mentalidade nacional. (Este
debate histórico ainda não está concluído
hoje, embora os dois já estejam mortos.)
Desde aquela época, Darwich viveu em
Paris, Aman e Ramállah – o palestino
errante, que substituiu o judeu errante.
Nunca quis ser o poeta nacional. Não
queria fazer poesia política; queria ser
lírico, poeta do amor. Mas para qualquer
lado para o qual se virasse, o longo braço
do destino dos palestinos o alcançava e o
arrastava de volta.
Não tenho capacidade para avaliar seus
poemas ou a grandeza artística de
Darwich. Reconhecidos especialistas em
língua árabe ainda discutem
furiosamente entre eles o significado de
seus versos, nuances, camadas, imagens e
metáforas. Foi mestre em árabe clássico, e
também vivia à vontade entre poetas
ocidentais e israelenses. Para muitos,
Darwich foi o maior poeta da língua
árabe e dos maiores de nosso tempo.
Pela poesia, conseguiu o que não
conseguira fazer por outros meios:
unificar todas as fraturas e fragmentos
que dividem ainda o povo palestino – na
Cisjordânia, na Faixa de Gaza, em Israel,
nos campos de refugiados e em toda a
Diáspora. Pertenceu a todos os
palestinos. Os refugiados identificavam-
se com Darwich porque era um deles; os
cidadãos palestino-israelenses também,
porque também era um deles; e os que
vivem nos territórios palestinos
ocupados, porque foi um guerreiro
incansável contra a ocupação.
Esta semana, alguns cabeças da
Autoridade Palestina tentaram explorá-
lo, na luta contra o Hamas. Duvido muito
que Darwich concordasse com isto.
Embora fosse palestino absolutamente
secular e muito distante do mundo
religioso do Hamas, ele manifestava os
sentimentos de todos os palestinos.
Também falava à alma dos membros do
Hamas em Gaza.
Darwichfoi o poeta da ira, da saudade, da
esperança e da paz. Estas foram as cordas
de seu violino.
Ira, pela injustiça cometida contra o povo
palestino e contra cada filho da Palestina,
individualmente. Saudade, do “café de
minha mãe”, das oliveiras de sua aldeia,
da terra dos antepassados. Esperança de
que a guerra chegue ao fim. Apoio à paz
entre israelenses e palestinos, baseada em
justiça e respeito mútuo. No
documentário da franco-israelense
Simone Bitton, Darwich apontou o
burrico como símbolo do povo palestino;
o burrico é inteligente, paciente e sempre
encontra meios para sobreviver.
Entendia a natureza do conflito mais
claramente que a maioria dos israelenses
e dos palestinos. Dizia que aquele
conflito era “uma luta entre duas
memórias”. A memória histórica da
Palestina colide contra a memória
histórica dos judeus. Só haverá paz
quando um lado entender a memória do
outro lado – seus mitos, suas saudades
secretas, as esperanças, os medos.
Este o significado do que disse o general
egípcio: a poesia manifesta os
sentimentos mais profundos dos povos.
E só onde se compreendam estes
sentimentos pode haver verdadeira paz.
A paz costurada pelos políticos não vale
grande coisa, se não houver alguma paz
entre os poetas e a emoção dos muitos
que a poesia manifesta. Por isto Oslo foi
um fracasso. Por isto também o “acordo
de prateleira” que está sendo negociado
será também completamente inútil: nada
tem a ver com as emoções e os
sentimentos de palestinos e israelenses,
os povos.
Há oito anos, o então ministro da
Educação de Israel, Yossi Sarid tentou
incluir dois poemas de Darwich no
currículo das escolas em Israel. Houve
escândalo, e o primeiro-ministro, Barak,
decidiu que “o público israelense não
está preparado para isto”. É o mesmo que
Barak ter decidido que o público
israelense não está preparado para a paz.
Talvez ainda seja verdade. A verdadeira
paz entre dois povos, paz entre as
crianças que nasceram na semana
corrente, no dia do funeral de Darwich,
em Telaviv e em Ramállah, só será viável
quando os alunos árabes puderem ler os
versos imortais de Chaim Nachman
Bialik “O vale da morte”, sobre o pogrom
de Kishinev, e quando os alunos
israelenses puderem ler os versos de
Darwich sobre a Naqba [a Catástrofe]. E,
sim, também os poemas da ira, inclusive
o verso “Vão! E levem daqui a morte de
vocês!"
Sem entender e encarar com coragem a
ira flamejante contra a Catástrofe e suas
conseqüências, jamais entenderemos as
raízes da guerra e não saberemos
construir a paz. Como escreveu outro
grande intelectual da Palestina, Edward
Said: sem entender o impacto do
Holocausto na alma dos judeus, os
palestinos nunca entenderão os
israelenses.
Poetas são os generais na luta entre duas
memórias, entre os mitos, entre os
traumas. Precisamos muito de poetas na
estrada que levará à paz entre israelenses
e palestinos, entre dois Estados, para
construirmos um futuro comum.
Não estive presente às cerimônias
funerais organizadas pela Autoridade
Palestina na Mukata, tão organizadas, tão
encenadas. Cheguei duas horas depois,
quando o corpo de Darwich foi enterrado
numa bela colina, pairando sobre o
cenário.
Impressionou-me o povo, reunido sob sol
escaldante à volta do túmulo, ouvindo
uma gravação da voz de Darwich
declamando seus versos. Gente simples,
gente menos simples, unidos com o
homem morto, numa comunhão privada.
Apesar de serem milhares, abriram alas
para nos deixar passar; nós, israelenses,
que ali estávamos para reverenciar
Mahmoud Darwich.
Nos despedimos silenciosamente de um
grande filho da Palestina, um grande
poeta, um grande ser humano.
*Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do
Knesset (parlamento israelense), soldado que
ajudou a fundar Israel em 1948 e que há
décadas milita pela paz.
A Liberdade do Povo
(Canção)
*Fadwa Tuqan
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
voz da grande cólera que faz versos
sob as balas, no meio das chamas
voz que persigo apesar das correntes
cujo avanço apresso, apesar da noite
e luto fazendo versos
liberdade!
liberdade!
liberdade!
e o rio sagrado e as pontes fazem versos
liberdade
e as duas margens fazem versos
liberdade
o trovão, o redemoinho e a tormenta de minha
pátria
fazem versos comigo
liberdade!liberdade!liberdade!
Continuarei lutando
e gravarei na terra, nos muros
nas portas, nas janelas
no templo da virgem e nos mihrabs
nos sulcos, nos relevos e nas rodas
na prisão, na câmara de torturas, na forca
apesar das correntes, apesar da destruição das
casas
apesar da mordida das brasas
continuarei gravando seu nome
até que a veja
estender-se sobre a minha pátria e crescer
crescer crescer
até cobrir cada polegada de sua terra
até que eu veja a liberdade vermelha abrir cada
porta
a noite fugir e a luz destroçar as fortificações da
névoa
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
o rio sagrado e as pontes fazem versos
liberdade!
e as duas margens fazem versos
liberdade!
e as correntezas do vento rebelde fazem versos
o trovão o redemoinho e as tormentas de minha
pátria
fazem versos comigo
Liberdade! liberdade! liberdade!
*Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina)
Carteira de identidade
*Mahmoud Darwich
Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah² e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na
pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus
antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
1 Célebre tribo da Arábia
2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a
cabeça e que tornou-se símbolo nacional palestino pela
liberdade e independência. Originariamente, esse lenço é usado
pelos camponeses para protegerem a cabeça durante o trabalho
no campo.
Não iremos embora
*Tawfic Zayyad
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as idéias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro
*Tawfic Zayyad (Nazaré – Palestina)
Palestinos deixam suas casas em Rafah – Foto: Ibraeem Abu Mustafa
Confissão de um terrorista!
*Mahmoud Darwich
Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiado apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista
Assassinaram minhas alegrias,
Seqüestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles... mataram um terrorista!
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
Discurso no mercado do desemprego
*Samih Al-Qassim
Talvez perca — se desejares — minha
subsistência
Talvez venda minhas roupas e meu colchão
Talvez trabalhe na pedreira... como
carregador... ou varredor
Talvez procure grãos no esterco
Talvez fique nu e faminto
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez me despojes da última polegada da
minha terra
Talvez aprisiones minha juventude
Talvez me roubes a herança de meus
antepassados
Móveis... utensílios e jarras
Talvez queimes meus poemas e meus livros
Talvez atires meu corpo aos cães
Talvez levantes espantos de terror sobre nossa
aldeia
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez apagues todas as luzes de minha noite
Talvez me prives da ternura de minha mãe
Talvez falsifiques minha história
Talvez ponhas máscaras para enganar meus
amigos
Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu
redor
Talvez me crucifiques um dia diante de
espetáculos indignos
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Ó inimigo do sol
O porto transborda de beleza... e de signos
Botes e alegrias
Clamores e manifestações
Os cantos patrióticos arrebentam as gargantas
E no horizonte... há velas
Que desafiam o vento... a tempestade e
franqueiam os obstáculos
É o regresso de Ulisses
Do mar das privações
O regresso do sol... de meu povo exilado
E para seus olhos
Ó inimigo do sol
Juro que não me venderei
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei
*Samih Al-Qassim nasceu em
Zarqah margem oriental do Jordão.
Zepelin visto na fronteira de Gaza/Israel madrugada Foto: Baz Ratner
Chamada da Tumba
Em memória do massacre de Kafr Kassem*
*Mahmoud Darwich
I
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai
Chamamos a todos os viventes
A todos os que querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
A todos os que querem
Que a trigo madure em seu campo
Semear e colher
Que a massa fermente em seus lares
Fazer o pão e comê-lo
Nós lhes pedimos: não durmam
Se querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
Montem guarda... aqui o sol é de barro e
miséria
Nossa idade se conta em anos de morte
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai
II
Dizemo-lhes
Não queremos sobre nossas tumbas
Nem água nem flores
Nada está vivo aqui
Apenas os casulos de víbora e os vermes
Dizemo-lhes
Não queremos roupas de luto
Não há na tumba outra cor
Que a preta
Dizemo-lhes
Não queremos canções tristes
Intermináveis
Dormimos aqui
E nosso retorno é impossível
Dizemo-lhes
Cantem pela terra que permanece
Rebelem-se
Ensinem nossa história sombria
Aos filhos
A fim de que nosso sangue
Permaneça na bandeira dos criminosos
Como sinal de catástrofe
Pedimos-lhes
Protejam os fracos das balas
Para que os que vivam fiquem salvos
E os que nascerão no futuro
Ainda goteja a fonte do crime
Obstruam-na
E permanecem vigilantes
Prontos para o combate
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
*Cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro
de 1956.
O estrangeiro
*Hayil Assaqilah
Não se apoderem de meus olhos
Sou o estrangeiro
em busca de uma pátria
meu coração se esmigalhou
sobre as montanhas da neve, do sangue e da
geada
caminhei com as crianças
me abandonaram
na noite da fome, do sangue e da geada
levantaram sobre minhas costas
as tábuas de meu ataúde
Não me exterminem
sou o estrangeiro
em busca de uma pátria...
que erro cometeu meu povo
para que viva hoje
numa terra em ruínas
que erro cometeu o pássaro
para que o joguem de um bosque a outro
que erro cometeu meu coração
para que derramem sobre ele
a catástrofe e tanta dor.
Árvore dos salmos
*Mahmoud Darwich
No dia em que minhas palavras forem terra…
Serei um amigo para o perfilhamento do trigo
No dia em que minhas palavras forem ira
Serei amigo das correntes
No dia em que minhas palavras forem pedras
Serei um amigo para represar
No dia em que minhas palavras forem uma
rebelião
Serei um amigo para terremotos
No dia em que minhas palavras forem maçãs de
sabor amargo
Serei um amigo para o otimismo
Mas quando minhas palavras se transformarem
em mel…
Moscas cobrirão
Meus lábios!…
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
O caminho das dores
Poema inspirado em uma visita à velha Jerusalém
*Mu'Ammar Hammuda Az-zaghbi
A terra
dos braseiros em chamas
o caminho calçado de punhais
o itinerário da provação e das dores
se prolonga, sem fim
as pedras da rua me falam
da provação
daquele que levou a coroa de espinhos
seu sangue que cheira corre, corre
e o sol acelera a sangria
a rua... ondas de gargantas
abrasadas pelo chicote gritam:
"Senhor... resiste ao crucifixo
ou roga a teu deus todo poderoso".
E a planície devolve os ecos
que ressoam através dos séculos
"Ó senhor... resite à provação..."
O Senhor se cansou de seu crucifixo
Ó verdugos
Pilatos não é eterno
os dias se encarregarão dele
o itinerário da provação das dores
guiará as massas humanas aos lugares de
crucificação
nós continuaremos caminhando sem cessar
e em nossa marcha construiremos a paz
o hino da dignidade nos envolve
o chamado da justiça nos adverte
semeia hoje, colherás amanhã
colheremos as sementes com nossas mãos
felicidade - paz - dignidade.
Basta-me permanecer em seu regaço
*Fadwa Tuqan
Basta-me morrer em meu país
aí ser enterrada
dissolver-me e aí reduzir-me a nada
ressuscitar erva em sua terra
ressuscitar flor
que uma criança crescida em meu país
arrancará
basta-me estar no regaço de minha pátria.
terra
........erva
.....................flor
*Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina)
A oliveira foi uma vez.
*Mahmoud Darwich
A oliveira foi uma vez um bosque verde.
Foi, amado, e o ceio
um bosque azul.
Que os fizera mudar esta tarde?
Detiveram a camioneta dos obreiros no meio do
caminho.
(Tranquilamente)
Em algum tempo, o meu coração fora um
passarinho azul.
Ó ninho do meu amado!
Comigo, brancos de todo os teus panos
foram, meu queridinho...
Que pude lavá-los esta tarde?
Porque eu nada entendo.
Retiveram o caminhão dos operários no meio
do caminho.
(Tranquilamente)
E puseram-nos mirando para o Oriente.
(Tranquilamente)
Todas as minhas coisas tens:
a claridade, a sombra,
o anel de casamento, o que desejar,
o vale de oliveiras e figueiras.
Pula janela, penetrando no teu sonho,
achegar-me-ei junto a ti como todas as noites
e arremessar-te-ei um cravo.
Mas, não me repreendas se demoro um bocado,
pois me detiveram...
O olival estava sempre verde
(Estava, meu amado)
Mas, cinquenta vítimas
tornaram-no uma poça vermelha à tardinha.
Cinquenta, meu amado...
Mas, não me repreendas:
Assassinara-me...
Assassinaram-me...
Assassinaram-me...
Com os dentes
*Tawfiq Zayyad
Com os dentes
Defenderei cada polegada da minha pátria
Com os dentes
E não quero nada em troca dela
Mesmo que me deixem pendurado
Nas minhas veias
Aqui permaneço
Escravo do meu amor...
à cerca da minha casa
Ao orvalho... e às géis flores do campo
Aqui continuo
E não poderão derrubar-me
Todas as minhas dores
Aqui permaneço
Com vocês
No meu coração
E com os dentes
Defenderei cada polegada da terra da pátria
Com os dentes
Fogo e fumaça em Rafah Foto Eyad Baba
A peste
*Fadwa Tuqan
Quando a peste se alastrou pela minha cidade
saí
com o peito descoberto
gritando ao vento a tristeza implacável.
Sopra, ó vento
e traz-nos as nuvens
faz com que a chuva caia
para que purifique o ar da minha cidade
para que lave as casas, as montanhas e as
árvores
sopra, ó vento
e conduz as nuvens até nós
que a chuva caia
que a chuva caia
Foguete explode no norte de Gaza Foto: Baz Ratner
O médio do oriente é o meio do inferno
Eu sou o santo, rezando no terraço, — como
os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina.
Artur Rimbaud
*José Antonio Pereira
Milenar e insana terra santa
onde generais imolam em altares
imaculadas ao deus da guerra
Crentes entre orações se matam
profetas circuncidam gargantas
meninos secam em seios mortos
Poetas não fazem versos
explodem-se em bombas
O inferno refletido no casco do míssil
é vermelho como o ódio dos olhares
Almas fogem de balas deixando corpos
que carpideiras oram num choro seco
Onde está a poesia da fé?
Onde está o homem?
Onde está os cantares da crença?
Onde está Deus?
O Oriente médio é o meio do nada.
*José Antonio Pereira (Cataguases – MG)
Palestino olha danos em sua casa Foto Mohammed Saber
Barbarie en Gaza
(El mundo que vino)
*Eduardo Dalter
Ante el silbido y la explosión
y fuego del misil
sobre lo que parecía un barrio
populoso y una placita,
quedé mudo. El mundo escribe
herido,
tocado, consternado, pero yo
quedé mudo.
Ante el video, en que se oye
otra detonación
y crece una nube de humo,
sobre niños
que apenas se mueven, oh Dios
(¿cuál Dios?),
quedé mudo. Ante la tregua de
tres horas,
de generosa o desmedida
bestialidad,
en medio de una gran carnicería
humana,
quedé, quedé mudo. Ante las
palabras
del presidente francés, que no
sé aún
cómo se atrevió a decir sin
cubrirse
la cara, o al menos los ojos,
quedé mudo.
Ante el verdadero baldío de
pinchos
y abrojos en que desde Kabul
y Bagdad
se convirtió las Naciones
Unidas,
quedé mirando nada,
quedé mudo.
Ante las cinco fotos que
recibí anteayer
vía España, con cuerpos y
cuerpos,
una pierna al rojo, un brazo,
quedé mudo.
Ante las declaraciones del
embajador
de Tel Aviv en Buenos Aires,
en el ciclo
de periodista Nelson Castro,
quien
gentilmente le palmeó una
mano
y le ofreció una sonrisa,
quedé mudo.
Ante el almanaque nuevo,
con todas
sus hojas, y que sólo indica
enero 2009,
como con toda mi persona
hundida,
sin más, nada más,
quedé mudo.
*Eduardo Dalter (Buenos Aires – Argentina) Poeta,
autor de vasta obra. Editor de “Hojas de Carmín”.
Cartons Palestinos
Baha Boukhari é um cartunista palestino que trabalha para o
jornal Al Ayyam. Em seu site há mais de uma centena de
caricaturas sobre a ocupação israelense. Infelizmente, não há
tradução dos textos em árabe.
http://www.baha-cartoon.net/

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Chicos 15 - Especial Palestina

  • 1. C h i c o s P a l e s t i n a Especial Veja a nossa poesia em: http://chicoscataletras.blogspot.com/ Fale conosco: chicos.cataletras@hotmail.com
  • 2. Um dedim de prosa A poesia é desde os anos oitenta, o gênero da literatura palestina que mais circulou entre nós, para sermos sinceros pelo menos entre nós aqui do Chicos foi o único. Ela nos chegou através do livro da Achiamé – “Poesia Palestina de combate”. Nós, como dizia a letra do rock, éramos tão inúteis que nem votávamos para presidente. Era uma poesia que nos envergonhava. Eles tinham a coragem de lutar com suas palavras por uma pátria sem solo, enquanto nós silenciávamos diante de nossos ditadores. Como não se solidarizar com a combativa poetisa Fadwa Tuqan sobre quem Moshé Dayan disse: “Seus poemas eram mais subversivos que dez atentados.” Com o passar dos anos nos livramos de nossa ditadura. Os palestinos, ainda sem pátria, continuam vivendo até os dias de hoje seu martírio. Para sermos solidários e também protestarmos contra a estupidez e intolerável carnificina que se abateu sobre a Faixa de Gaza (‫غزة‬ ‫.قطاع‬ em árabe) Dedicamos esta edição ao povo e aos poetas palestinos. Os Chicos Garoto palestino protestando – foto de: Abed Omar Qusini EU SOU DE LÁ *Mahmoud Darwish Eu venho de lá e recordo que nasci como todo mundo nasce, tenho uma mãe e uma casa com muitas janelas, tenho irmãos, amigos e uma prisão. Tenho uma onda marinha que a gaivota arrebatou tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de capim tenho uma lua passada no auge das palavras tenho uma comida divina de pássaros e uma oliveira além da quilha do tempo atravessei a terra antes que espadas tornassem os corpos banquetes. Eu venho dali. Eu faço o céu retornar à sua mãe quando por sua mãe o céu chorar, e eu choro querendo o retorno de uma nuvem para me conhecer. Eu aprendi as palavras de tribunais manchados de sangue de forma a quebrar as regras. Eu aprendi e desmantelei todas as palavras para construir uma única: Lar. *Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
  • 3. Mahmoud Darwish: a ira, a saudade, a esperança *Uri Avnery Uma das frases mais sábias que jamais ouvi em minha vida ouvi-a de um general egípcio, poucos dias depois da visita histórica de Anuar Sadat – a visita da vitória –, a Jerusalém. Fomos os primeiros israelenses a chegar ao Cairo, e, dentre outras curiosidades, queríamos muito saber: como os egípcios haviam conseguido nos surpreender, no início da guerra de outubro de 1973? O general respondeu: “Em vez de ler relatórios dos serviços de inteligência, vocês deveriam ler nossos poetas.” Pensei nestas palavras na quarta-feira passada, no funeral de Mahmoud Darwish. Durante a cerimônia em Ramállah, vários se referiram a ele como “o Poeta Nacional da Palestina”. Aquele morto foi muito mais do que isto. Foi a encarnação do destino dos palestinos. Seu destino pessoal coincidiu com o destino de seu povo da Palestina. Darwish nasceu em Al-Barwad, vila na estrada Acra-Safad. Há 900 anos, um viajante persa contou que visitou esta vila e ajoelhou-se nos túmulos de “Esaú e Simeão, que descansem em paz.” Em 1931, dez anos antes de Mahmoud nascer, viviam na mesma vila 996 habitantes, dos quais 92 cristãos; os demais, muçulmanos sunitas. Dia 11 de junho de 1948, a cidade foi ocupada pelo exército de Israel. Suas 224 casas foram derrubadas logo depois da guerra, exatamente como em outras 650 vilas da Palestina. Só alguns cactos e poucas ruínas ainda testemunham que aquelas vilas um dia existiram. A família Darwish fugira pouco antes da chegada das tropas; e o pequeno Mahmoud, de sete anos, partiu com os parentes. Não se sabe como, a família conseguiu voltar – para onde então já era território israelense. Receberam documentos de "ausentados presentes [1]" – espantosíssima invenção israelense. Significava que eles seriam residentes legais em Israel, mas que suas terras lhes haviam sido roubadas, nos termos de uma lei que dizia que qualquer árabe perderia a propriedade de suas terras se não estivesse fisicamente presente na vila quando fosse ocupada. Nas terras da família Darwish foi construído o kibbutz Yasur (do movimento de esquerda israelense) e implantou-se a vila- cooperativa Ahihud. O pai de Mahmoud instalou-se na vila árabe mais próxima, Jadeidi, de onde podia ver de longe as suas terras. Aí Mahmoud cresceu e sua família ainda vive, até hoje. Durante os 15 primeiros anos do Estado de Israel, os cidadãos árabes viveram sob um “regime militar” – sistema de repressão severa que controlava todos os aspectos da vida, inclusive todos os movimentos. Nenhum árabe podia viajar para fora de sua vila sem permissão especial. O jovem Mahmoud várias vezes violou esta proibição; e sempre que foi apanhado foi encarcerado. Quando começou a escrever poesia, foi acusado de incitar a sublevação e posto sob “detenção administrativa”, sem julgamento. Na prisão, então, escreveu um de seus poemas mais conhecidos, “Carteira de Identidade”, poema em que se manifesta a ira de um jovem que cresceu em condições de humilhação. O primeiro verso troveja para o mundo: “Lembrem: sou árabe!” Neste período encontrei Darwish pela primeira vez. Procurou-me e trouxe outro jovem árabe, nascido em outra vila árabe, e com forte compromisso político nacional, o poeta Rachid Hussein. Lembro do que Hussein disse-me, naquele dia: “Os alemães mataram seis milhões de judeus, e apenas seis anos depois os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.” Darwich alistou-se no Partido Comunista, o único partido, político, então, em que um nacionalista árabe poderia atuar politicamente. Editou jornais. O partido mandou-o estudar em Moscou, mas o expulsou quando ele decidiu não voltar a Israel. Em vez de voltar, alistou-se na OLP e foi para os quartéis de Yasser Arafat em Beirute. Lá o reencontrei outra vez, num dos eventos mais emocionantes de minha vida, quando cruzei a fronteira em julho de 1982, no auge do sítio de Beirute, e tive uma reunião com Arafat. O líder palestino insistiu em que Mahmoud Darwich assistisse àquele encontro simbólico: era a primeira vez que Arafat encontrava-se com um israelense. Mandou chamar Darwich. A descrição do sítio de Beirute é um dos trabalhos mais impressionantes de Darwich. Naqueles dias, converteu-se em poeta nacional da Palestina. Acompanhou a luta dos palestinos; nas sessões do Conselho Nacional Palestino – instituição que uniu todo o povo da Palestina, eletrizava multidões com seus versos, que ele mesmo declamava. Naqueles anos, Darwich viveu muito próximo de Arafat. Arafat foi o líder político do movimento nacional na Palestina; Darwich foi seu líder espiritual. Darwich escreveu a Declaração de Independência da Palestina, adotada na sessão de 1988 do Conselho Nacional por iniciativa de Arafat. É muito semelhante à Declaração de Independência de Israel, que Darwich aprendera na escola primária. Ele claramente entendeu a significação de seu discurso: ao adotar este documento, o parlamento palestino no exílio aceitava, na prática, a idéia de estabelecer-se um Estado palestino lado a lado com o Estado israelense, apenas numa parte da Palestina, como Arafat propusera. A aliança entre os dois rompeu-se quando foram assinados os acordos de
  • 4. Oslo. Para Arafat, tratava-se de “o melhor acordo possível, na pior situação possível”. Darwich entendeu que Arafat concedera demais. O coração nacional impôs-se à mentalidade nacional. (Este debate histórico ainda não está concluído hoje, embora os dois já estejam mortos.) Desde aquela época, Darwich viveu em Paris, Aman e Ramállah – o palestino errante, que substituiu o judeu errante. Nunca quis ser o poeta nacional. Não queria fazer poesia política; queria ser lírico, poeta do amor. Mas para qualquer lado para o qual se virasse, o longo braço do destino dos palestinos o alcançava e o arrastava de volta. Não tenho capacidade para avaliar seus poemas ou a grandeza artística de Darwich. Reconhecidos especialistas em língua árabe ainda discutem furiosamente entre eles o significado de seus versos, nuances, camadas, imagens e metáforas. Foi mestre em árabe clássico, e também vivia à vontade entre poetas ocidentais e israelenses. Para muitos, Darwich foi o maior poeta da língua árabe e dos maiores de nosso tempo. Pela poesia, conseguiu o que não conseguira fazer por outros meios: unificar todas as fraturas e fragmentos que dividem ainda o povo palestino – na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, em Israel, nos campos de refugiados e em toda a Diáspora. Pertenceu a todos os palestinos. Os refugiados identificavam- se com Darwich porque era um deles; os cidadãos palestino-israelenses também, porque também era um deles; e os que vivem nos territórios palestinos ocupados, porque foi um guerreiro incansável contra a ocupação. Esta semana, alguns cabeças da Autoridade Palestina tentaram explorá- lo, na luta contra o Hamas. Duvido muito que Darwich concordasse com isto. Embora fosse palestino absolutamente secular e muito distante do mundo religioso do Hamas, ele manifestava os sentimentos de todos os palestinos. Também falava à alma dos membros do Hamas em Gaza. Darwichfoi o poeta da ira, da saudade, da esperança e da paz. Estas foram as cordas de seu violino. Ira, pela injustiça cometida contra o povo palestino e contra cada filho da Palestina, individualmente. Saudade, do “café de minha mãe”, das oliveiras de sua aldeia, da terra dos antepassados. Esperança de que a guerra chegue ao fim. Apoio à paz entre israelenses e palestinos, baseada em justiça e respeito mútuo. No documentário da franco-israelense Simone Bitton, Darwich apontou o burrico como símbolo do povo palestino; o burrico é inteligente, paciente e sempre encontra meios para sobreviver. Entendia a natureza do conflito mais claramente que a maioria dos israelenses e dos palestinos. Dizia que aquele conflito era “uma luta entre duas memórias”. A memória histórica da Palestina colide contra a memória histórica dos judeus. Só haverá paz quando um lado entender a memória do outro lado – seus mitos, suas saudades secretas, as esperanças, os medos. Este o significado do que disse o general egípcio: a poesia manifesta os sentimentos mais profundos dos povos. E só onde se compreendam estes sentimentos pode haver verdadeira paz. A paz costurada pelos políticos não vale grande coisa, se não houver alguma paz entre os poetas e a emoção dos muitos que a poesia manifesta. Por isto Oslo foi um fracasso. Por isto também o “acordo de prateleira” que está sendo negociado será também completamente inútil: nada tem a ver com as emoções e os sentimentos de palestinos e israelenses, os povos. Há oito anos, o então ministro da Educação de Israel, Yossi Sarid tentou incluir dois poemas de Darwich no currículo das escolas em Israel. Houve escândalo, e o primeiro-ministro, Barak, decidiu que “o público israelense não está preparado para isto”. É o mesmo que Barak ter decidido que o público israelense não está preparado para a paz. Talvez ainda seja verdade. A verdadeira paz entre dois povos, paz entre as crianças que nasceram na semana corrente, no dia do funeral de Darwich, em Telaviv e em Ramállah, só será viável quando os alunos árabes puderem ler os versos imortais de Chaim Nachman Bialik “O vale da morte”, sobre o pogrom de Kishinev, e quando os alunos israelenses puderem ler os versos de Darwich sobre a Naqba [a Catástrofe]. E, sim, também os poemas da ira, inclusive o verso “Vão! E levem daqui a morte de vocês!" Sem entender e encarar com coragem a ira flamejante contra a Catástrofe e suas conseqüências, jamais entenderemos as raízes da guerra e não saberemos construir a paz. Como escreveu outro grande intelectual da Palestina, Edward Said: sem entender o impacto do Holocausto na alma dos judeus, os palestinos nunca entenderão os israelenses. Poetas são os generais na luta entre duas memórias, entre os mitos, entre os traumas. Precisamos muito de poetas na estrada que levará à paz entre israelenses e palestinos, entre dois Estados, para construirmos um futuro comum. Não estive presente às cerimônias funerais organizadas pela Autoridade Palestina na Mukata, tão organizadas, tão encenadas. Cheguei duas horas depois, quando o corpo de Darwich foi enterrado numa bela colina, pairando sobre o cenário. Impressionou-me o povo, reunido sob sol escaldante à volta do túmulo, ouvindo uma gravação da voz de Darwich declamando seus versos. Gente simples, gente menos simples, unidos com o homem morto, numa comunhão privada. Apesar de serem milhares, abriram alas para nos deixar passar; nós, israelenses, que ali estávamos para reverenciar Mahmoud Darwich. Nos despedimos silenciosamente de um grande filho da Palestina, um grande poeta, um grande ser humano. *Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do Knesset (parlamento israelense), soldado que ajudou a fundar Israel em 1948 e que há décadas milita pela paz.
  • 5. A Liberdade do Povo (Canção) *Fadwa Tuqan Liberdade! Liberdade! Liberdade! voz da grande cólera que faz versos sob as balas, no meio das chamas voz que persigo apesar das correntes cujo avanço apresso, apesar da noite e luto fazendo versos liberdade! liberdade! liberdade! e o rio sagrado e as pontes fazem versos liberdade e as duas margens fazem versos liberdade o trovão, o redemoinho e a tormenta de minha pátria fazem versos comigo liberdade!liberdade!liberdade! Continuarei lutando e gravarei na terra, nos muros nas portas, nas janelas no templo da virgem e nos mihrabs nos sulcos, nos relevos e nas rodas na prisão, na câmara de torturas, na forca apesar das correntes, apesar da destruição das casas apesar da mordida das brasas continuarei gravando seu nome até que a veja estender-se sobre a minha pátria e crescer crescer crescer até cobrir cada polegada de sua terra até que eu veja a liberdade vermelha abrir cada porta a noite fugir e a luz destroçar as fortificações da névoa Liberdade! Liberdade! Liberdade! o rio sagrado e as pontes fazem versos liberdade! e as duas margens fazem versos liberdade! e as correntezas do vento rebelde fazem versos o trovão o redemoinho e as tormentas de minha pátria fazem versos comigo Liberdade! liberdade! liberdade! *Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina) Carteira de identidade *Mahmoud Darwich Registra-me! sou árabe número de minha identidade é cinqüenta mil tenho oito filhos e o nono... virá logo depois do verão! vais te irritar por acaso? Registra-me! sou árabe trabalho com meus companheiros de luta em uma pedreira tenho oito filhos arranco pedras o pão, as roupas, os cadernos e não venho mendigar em tua porta e não me dobro diante das lajes de teu umbral vais te irritar por acaso? Registra-me!
  • 6. sou árabe meu nome é muito comum e sou paciente em um país que ferve de cólera minhas raízes... fixadas antes do nascimento dos tempos antes da eclosão dos séculos antes dos ciprestes e oliveiras antes do crescimento vegetal meu pai... da família do arado e não dos senhores do Nujub¹ e meu avô era camponês sem árvore genealógica minha casa uma cabana de guarda de canas e ramagens satisfeito com minha condição meu nome é muito comum Registra-me sou árabe sou árabe cabelos... negros olhos... castanhos sinais particulares um kuffiah² e uma faixa na cabeça as palmas ásperas como rochas arranharam as mãos que estreitam e amo acima de tudo o azeite de oliva e o tomilho meu endereço sou de um povoado perdido... esquecido de ruas sem nome e todos os seus homens... no campo e na pedreira amam o comunismo vais te irritar por acaso? Registra-me sou árabe tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados e da terra que cultivava com meus filhos e não os deixastes nem a nossos descendentes mais que estes seixos que nosso governo tomará também como se diz vamos! escreve bem no alto da primeira página que não odeio os homens que eu não agrido ninguém mas... se me esfomeiam como a carne de quem me despoja e cuidado... cuida-te de minha fome e minha cólera. *Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina) 1 Célebre tribo da Arábia 2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a cabeça e que tornou-se símbolo nacional palestino pela liberdade e independência. Originariamente, esse lenço é usado pelos camponeses para protegerem a cabeça durante o trabalho no campo. Não iremos embora *Tawfic Zayyad Aqui Sobre vossos peitos Persistimos Como uma muralha Em vossas goelas Como cacos de vidro Imperturbáveis E em vossos olhos Como uma tempestade de fogo Aqui Sobre vossos peitos
  • 7. Persistimos Como uma muralha Em lavar os pratos em vossas casas Em encher os copos dos senhores Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas Para arrancar A comida de nossos filhos De vossas presas azuis Aqui sobre vossos peitos Persistimos Como uma muralha Famintos Nus Provocadores Declamando poemas Somos os guardiões da sombra Das laranjeiras e das oliveiras Semeamos as idéias como o fermento na massa Nossos nervos são de gelo Mas nossos corações vomitam fogo Quando tivermos sede Espremeremos as pedras E comeremos terra Quando estivermos famintos Mas não iremos embora E não seremos avarentos com nosso sangue Aqui Temos um passado E um presente Aqui Está nosso futuro *Tawfic Zayyad (Nazaré – Palestina) Palestinos deixam suas casas em Rafah – Foto: Ibraeem Abu Mustafa Confissão de um terrorista! *Mahmoud Darwich Ocuparam minha pátria Expulsaram meu povo Anularam minha identidade E me chamaram de terrorista Confiscaram minha propriedade Arrancaram meu pomar Demoliram minha casa E me chamaram de terrorista Legislaram leis fascistas Praticaram odiado apartheid Destruíram, dividiram, humilharam E me chamaram de terrorista Assassinaram minhas alegrias, Seqüestraram minhas esperanças, Algemaram meus sonhos, Quando recusei todas as barbáries Eles... mataram um terrorista! *Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
  • 8. Discurso no mercado do desemprego *Samih Al-Qassim Talvez perca — se desejares — minha subsistência Talvez venda minhas roupas e meu colchão Talvez trabalhe na pedreira... como carregador... ou varredor Talvez procure grãos no esterco Talvez fique nu e faminto Mas não me venderei Ó inimigo do sol E até a última pulsação de minhas veias Resistirei Talvez me despojes da última polegada da minha terra Talvez aprisiones minha juventude Talvez me roubes a herança de meus antepassados Móveis... utensílios e jarras Talvez queimes meus poemas e meus livros Talvez atires meu corpo aos cães Talvez levantes espantos de terror sobre nossa aldeia Mas não me venderei Ó inimigo do sol E até a última pulsação de minhas veias Resistirei Talvez apagues todas as luzes de minha noite Talvez me prives da ternura de minha mãe Talvez falsifiques minha história Talvez ponhas máscaras para enganar meus amigos Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu redor Talvez me crucifiques um dia diante de espetáculos indignos Mas não me venderei Ó inimigo do sol E até a última pulsação de minhas veias Resistirei Ó inimigo do sol O porto transborda de beleza... e de signos Botes e alegrias Clamores e manifestações Os cantos patrióticos arrebentam as gargantas E no horizonte... há velas Que desafiam o vento... a tempestade e franqueiam os obstáculos É o regresso de Ulisses Do mar das privações O regresso do sol... de meu povo exilado E para seus olhos Ó inimigo do sol Juro que não me venderei E até a última pulsação de minhas veias Resistirei Resistirei Resistirei *Samih Al-Qassim nasceu em Zarqah margem oriental do Jordão. Zepelin visto na fronteira de Gaza/Israel madrugada Foto: Baz Ratner
  • 9. Chamada da Tumba Em memória do massacre de Kafr Kassem* *Mahmoud Darwich I Minha morte aconteceu há oito anos Tenho a mesma idade de meu pai Chamamos a todos os viventes A todos os que querem viver por muito tempo Sobre a terra Não debaixo dela A todos os que querem Que a trigo madure em seu campo Semear e colher Que a massa fermente em seus lares Fazer o pão e comê-lo Nós lhes pedimos: não durmam Se querem viver por muito tempo Sobre a terra Não debaixo dela Montem guarda... aqui o sol é de barro e miséria Nossa idade se conta em anos de morte Minha morte aconteceu há oito anos Tenho a mesma idade de meu pai II Dizemo-lhes Não queremos sobre nossas tumbas Nem água nem flores Nada está vivo aqui Apenas os casulos de víbora e os vermes Dizemo-lhes Não queremos roupas de luto Não há na tumba outra cor Que a preta Dizemo-lhes Não queremos canções tristes Intermináveis Dormimos aqui E nosso retorno é impossível Dizemo-lhes Cantem pela terra que permanece Rebelem-se Ensinem nossa história sombria Aos filhos A fim de que nosso sangue Permaneça na bandeira dos criminosos Como sinal de catástrofe Pedimos-lhes Protejam os fracos das balas Para que os que vivam fiquem salvos E os que nascerão no futuro Ainda goteja a fonte do crime Obstruam-na E permanecem vigilantes Prontos para o combate *Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina) *Cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro de 1956. O estrangeiro *Hayil Assaqilah Não se apoderem de meus olhos Sou o estrangeiro em busca de uma pátria meu coração se esmigalhou sobre as montanhas da neve, do sangue e da geada caminhei com as crianças me abandonaram na noite da fome, do sangue e da geada levantaram sobre minhas costas as tábuas de meu ataúde Não me exterminem
  • 10. sou o estrangeiro em busca de uma pátria... que erro cometeu meu povo para que viva hoje numa terra em ruínas que erro cometeu o pássaro para que o joguem de um bosque a outro que erro cometeu meu coração para que derramem sobre ele a catástrofe e tanta dor. Árvore dos salmos *Mahmoud Darwich No dia em que minhas palavras forem terra… Serei um amigo para o perfilhamento do trigo No dia em que minhas palavras forem ira Serei amigo das correntes No dia em que minhas palavras forem pedras Serei um amigo para represar No dia em que minhas palavras forem uma rebelião Serei um amigo para terremotos No dia em que minhas palavras forem maçãs de sabor amargo Serei um amigo para o otimismo Mas quando minhas palavras se transformarem em mel… Moscas cobrirão Meus lábios!… *Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina) O caminho das dores Poema inspirado em uma visita à velha Jerusalém *Mu'Ammar Hammuda Az-zaghbi A terra dos braseiros em chamas o caminho calçado de punhais o itinerário da provação e das dores se prolonga, sem fim as pedras da rua me falam da provação daquele que levou a coroa de espinhos seu sangue que cheira corre, corre e o sol acelera a sangria a rua... ondas de gargantas abrasadas pelo chicote gritam: "Senhor... resiste ao crucifixo ou roga a teu deus todo poderoso". E a planície devolve os ecos que ressoam através dos séculos "Ó senhor... resite à provação..." O Senhor se cansou de seu crucifixo Ó verdugos Pilatos não é eterno os dias se encarregarão dele o itinerário da provação das dores guiará as massas humanas aos lugares de crucificação nós continuaremos caminhando sem cessar e em nossa marcha construiremos a paz o hino da dignidade nos envolve o chamado da justiça nos adverte semeia hoje, colherás amanhã colheremos as sementes com nossas mãos felicidade - paz - dignidade.
  • 11. Basta-me permanecer em seu regaço *Fadwa Tuqan Basta-me morrer em meu país aí ser enterrada dissolver-me e aí reduzir-me a nada ressuscitar erva em sua terra ressuscitar flor que uma criança crescida em meu país arrancará basta-me estar no regaço de minha pátria. terra ........erva .....................flor *Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina) A oliveira foi uma vez. *Mahmoud Darwich A oliveira foi uma vez um bosque verde. Foi, amado, e o ceio um bosque azul. Que os fizera mudar esta tarde? Detiveram a camioneta dos obreiros no meio do caminho. (Tranquilamente) Em algum tempo, o meu coração fora um passarinho azul. Ó ninho do meu amado! Comigo, brancos de todo os teus panos foram, meu queridinho... Que pude lavá-los esta tarde? Porque eu nada entendo. Retiveram o caminhão dos operários no meio do caminho. (Tranquilamente) E puseram-nos mirando para o Oriente. (Tranquilamente) Todas as minhas coisas tens: a claridade, a sombra, o anel de casamento, o que desejar, o vale de oliveiras e figueiras. Pula janela, penetrando no teu sonho, achegar-me-ei junto a ti como todas as noites e arremessar-te-ei um cravo. Mas, não me repreendas se demoro um bocado, pois me detiveram... O olival estava sempre verde (Estava, meu amado) Mas, cinquenta vítimas tornaram-no uma poça vermelha à tardinha. Cinquenta, meu amado... Mas, não me repreendas: Assassinara-me... Assassinaram-me... Assassinaram-me...
  • 12. Com os dentes *Tawfiq Zayyad Com os dentes Defenderei cada polegada da minha pátria Com os dentes E não quero nada em troca dela Mesmo que me deixem pendurado Nas minhas veias Aqui permaneço Escravo do meu amor... à cerca da minha casa Ao orvalho... e às géis flores do campo Aqui continuo E não poderão derrubar-me Todas as minhas dores Aqui permaneço Com vocês No meu coração E com os dentes Defenderei cada polegada da terra da pátria Com os dentes Fogo e fumaça em Rafah Foto Eyad Baba A peste *Fadwa Tuqan Quando a peste se alastrou pela minha cidade saí com o peito descoberto gritando ao vento a tristeza implacável. Sopra, ó vento e traz-nos as nuvens faz com que a chuva caia para que purifique o ar da minha cidade para que lave as casas, as montanhas e as árvores sopra, ó vento e conduz as nuvens até nós que a chuva caia que a chuva caia
  • 13. Foguete explode no norte de Gaza Foto: Baz Ratner O médio do oriente é o meio do inferno Eu sou o santo, rezando no terraço, — como os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina. Artur Rimbaud *José Antonio Pereira Milenar e insana terra santa onde generais imolam em altares imaculadas ao deus da guerra Crentes entre orações se matam profetas circuncidam gargantas meninos secam em seios mortos Poetas não fazem versos explodem-se em bombas O inferno refletido no casco do míssil é vermelho como o ódio dos olhares Almas fogem de balas deixando corpos que carpideiras oram num choro seco Onde está a poesia da fé? Onde está o homem? Onde está os cantares da crença? Onde está Deus? O Oriente médio é o meio do nada. *José Antonio Pereira (Cataguases – MG) Palestino olha danos em sua casa Foto Mohammed Saber Barbarie en Gaza (El mundo que vino) *Eduardo Dalter Ante el silbido y la explosión y fuego del misil sobre lo que parecía un barrio populoso y una placita, quedé mudo. El mundo escribe herido, tocado, consternado, pero yo quedé mudo. Ante el video, en que se oye otra detonación y crece una nube de humo, sobre niños que apenas se mueven, oh Dios (¿cuál Dios?), quedé mudo. Ante la tregua de tres horas, de generosa o desmedida bestialidad, en medio de una gran carnicería humana, quedé, quedé mudo. Ante las palabras del presidente francés, que no sé aún cómo se atrevió a decir sin
  • 14. cubrirse la cara, o al menos los ojos, quedé mudo. Ante el verdadero baldío de pinchos y abrojos en que desde Kabul y Bagdad se convirtió las Naciones Unidas, quedé mirando nada, quedé mudo. Ante las cinco fotos que recibí anteayer vía España, con cuerpos y cuerpos, una pierna al rojo, un brazo, quedé mudo. Ante las declaraciones del embajador de Tel Aviv en Buenos Aires, en el ciclo de periodista Nelson Castro, quien gentilmente le palmeó una mano y le ofreció una sonrisa, quedé mudo. Ante el almanaque nuevo, con todas sus hojas, y que sólo indica enero 2009, como con toda mi persona hundida, sin más, nada más, quedé mudo. *Eduardo Dalter (Buenos Aires – Argentina) Poeta, autor de vasta obra. Editor de “Hojas de Carmín”. Cartons Palestinos Baha Boukhari é um cartunista palestino que trabalha para o jornal Al Ayyam. Em seu site há mais de uma centena de caricaturas sobre a ocupação israelense. Infelizmente, não há tradução dos textos em árabe. http://www.baha-cartoon.net/