1) O documento é uma homenagem ao poeta palestino Mahmoud Darwish e apresenta sua biografia, obra e importância como poeta nacional da Palestina. 2) Darwish expressou através de sua poesia a ira, saudade e esperança do povo palestino em meio ao conflito com Israel. 3) Sua poesia ajudou a unificar o povo palestino disperso e é vista como fundamental para entender a perspectiva palestina e construir uma paz duradoura.
1. C h i c o s
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2. Um dedim de prosa
A poesia é desde os anos oitenta, o gênero da
literatura palestina que mais circulou entre nós, para
sermos sinceros pelo menos entre nós aqui do Chicos foi o
único. Ela nos chegou através do livro da Achiamé –
“Poesia Palestina de combate”. Nós, como dizia a letra do
rock, éramos tão inúteis que nem votávamos para
presidente. Era uma poesia que nos envergonhava. Eles
tinham a coragem de lutar com suas palavras por uma
pátria sem solo, enquanto nós silenciávamos diante de
nossos ditadores. Como não se solidarizar com a combativa
poetisa Fadwa Tuqan sobre quem Moshé Dayan disse: “Seus
poemas eram mais subversivos que dez atentados.”
Com o passar dos anos nos livramos de nossa ditadura. Os
palestinos, ainda sem pátria, continuam vivendo até os dias
de hoje seu martírio. Para sermos solidários e também
protestarmos contra a estupidez e intolerável carnificina
que se abateu sobre a Faixa de Gaza (غزة .قطاع em árabe)
Dedicamos esta edição ao povo e aos poetas palestinos.
Os Chicos
Garoto palestino protestando – foto de: Abed Omar Qusini
EU SOU DE LÁ
*Mahmoud Darwish
Eu venho de lá e recordo
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma
mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota
arrebatou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de
capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho uma comida divina de pássaros e uma
oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe o céu chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados
de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
3. Mahmoud
Darwish: a ira, a saudade,
a esperança
*Uri Avnery
Uma das frases mais sábias que jamais
ouvi em minha vida ouvi-a de um
general egípcio, poucos dias depois da
visita histórica de Anuar Sadat – a visita
da vitória –, a Jerusalém.
Fomos os primeiros israelenses a chegar
ao Cairo, e, dentre outras curiosidades,
queríamos muito saber: como os egípcios
haviam conseguido nos surpreender, no
início da guerra de outubro de 1973?
O general respondeu: “Em vez de ler
relatórios dos serviços de inteligência, vocês
deveriam ler nossos poetas.”
Pensei nestas palavras na quarta-feira
passada, no funeral de Mahmoud
Darwish.
Durante a cerimônia em Ramállah, vários
se referiram a ele como “o Poeta Nacional
da Palestina”.
Aquele morto foi muito mais do que isto.
Foi a encarnação do destino dos
palestinos. Seu destino pessoal coincidiu
com o destino de seu povo da Palestina.
Darwish nasceu em Al-Barwad, vila na
estrada Acra-Safad. Há 900 anos, um
viajante persa contou que visitou esta vila
e ajoelhou-se nos túmulos de “Esaú e
Simeão, que descansem em paz.” Em
1931, dez anos antes de Mahmoud
nascer, viviam na mesma vila 996
habitantes, dos quais 92 cristãos; os
demais, muçulmanos sunitas.
Dia 11 de junho de 1948, a cidade foi
ocupada pelo exército de Israel. Suas 224
casas foram derrubadas logo depois da
guerra, exatamente como em outras 650
vilas da Palestina. Só alguns cactos e
poucas ruínas ainda testemunham que
aquelas vilas um dia existiram. A família
Darwish fugira pouco antes da chegada
das tropas; e o pequeno Mahmoud, de
sete anos, partiu com os parentes.
Não se sabe como, a família conseguiu
voltar – para onde então já era território
israelense. Receberam documentos de
"ausentados presentes [1]" –
espantosíssima invenção israelense.
Significava que eles seriam residentes
legais em Israel, mas que suas terras lhes
haviam sido roubadas, nos termos de
uma lei que dizia que qualquer árabe
perderia a propriedade de suas terras se
não estivesse fisicamente presente na vila
quando fosse ocupada. Nas terras da
família Darwish foi construído o kibbutz
Yasur (do movimento de esquerda
israelense) e implantou-se a vila-
cooperativa Ahihud.
O pai de Mahmoud instalou-se na vila
árabe mais próxima, Jadeidi, de onde
podia ver de longe as suas terras. Aí
Mahmoud cresceu e sua família ainda
vive, até hoje.
Durante os 15 primeiros anos do Estado
de Israel, os cidadãos árabes viveram sob
um “regime militar” – sistema de
repressão severa que controlava todos os
aspectos da vida, inclusive todos os
movimentos. Nenhum árabe podia viajar
para fora de sua vila sem permissão
especial. O jovem Mahmoud várias vezes
violou esta proibição; e sempre que foi
apanhado foi encarcerado. Quando
começou a escrever poesia, foi acusado
de incitar a sublevação e posto sob
“detenção administrativa”, sem
julgamento.
Na prisão, então, escreveu um de seus
poemas mais conhecidos, “Carteira de
Identidade”, poema em que se manifesta
a ira de um jovem que cresceu em
condições de humilhação. O primeiro
verso troveja para o mundo: “Lembrem:
sou árabe!”
Neste período encontrei Darwish pela
primeira vez. Procurou-me e trouxe outro
jovem árabe, nascido em outra vila árabe,
e com forte compromisso político
nacional, o poeta Rachid Hussein.
Lembro do que Hussein disse-me,
naquele dia: “Os alemães mataram seis
milhões de judeus, e apenas seis anos
depois os judeus fizeram a paz com a
Alemanha. Conosco, os judeus não
querem a paz.”
Darwich alistou-se no Partido
Comunista, o único partido, político,
então, em que um nacionalista árabe
poderia atuar politicamente. Editou
jornais. O partido mandou-o estudar em
Moscou, mas o expulsou quando ele
decidiu não voltar a Israel. Em vez de
voltar, alistou-se na OLP e foi para os
quartéis de Yasser Arafat em Beirute.
Lá o reencontrei outra vez, num dos
eventos mais emocionantes de minha
vida, quando cruzei a fronteira em julho
de 1982, no auge do sítio de Beirute, e
tive uma reunião com Arafat. O líder
palestino insistiu em que Mahmoud
Darwich assistisse àquele encontro
simbólico: era a primeira vez que Arafat
encontrava-se com um israelense.
Mandou chamar Darwich.
A descrição do sítio de Beirute é um dos
trabalhos mais impressionantes de
Darwich. Naqueles dias, converteu-se em
poeta nacional da Palestina.
Acompanhou a luta dos palestinos; nas
sessões do Conselho Nacional Palestino –
instituição que uniu todo o povo da
Palestina, eletrizava multidões com seus
versos, que ele mesmo declamava.
Naqueles anos, Darwich viveu muito
próximo de Arafat. Arafat foi o líder
político do movimento nacional na
Palestina; Darwich foi seu líder espiritual.
Darwich escreveu a Declaração de
Independência da Palestina, adotada na
sessão de 1988 do Conselho Nacional por
iniciativa de Arafat. É muito semelhante
à Declaração de Independência de Israel,
que Darwich aprendera na escola
primária.
Ele claramente entendeu a significação de
seu discurso: ao adotar este documento, o
parlamento palestino no exílio aceitava,
na prática, a idéia de estabelecer-se um
Estado palestino lado a lado com o
Estado israelense, apenas numa parte da
Palestina, como Arafat propusera.
A aliança entre os dois rompeu-se
quando foram assinados os acordos de
4. Oslo. Para Arafat, tratava-se de “o
melhor acordo possível, na pior situação
possível”. Darwich entendeu que Arafat
concedera demais. O coração nacional
impôs-se à mentalidade nacional. (Este
debate histórico ainda não está concluído
hoje, embora os dois já estejam mortos.)
Desde aquela época, Darwich viveu em
Paris, Aman e Ramállah – o palestino
errante, que substituiu o judeu errante.
Nunca quis ser o poeta nacional. Não
queria fazer poesia política; queria ser
lírico, poeta do amor. Mas para qualquer
lado para o qual se virasse, o longo braço
do destino dos palestinos o alcançava e o
arrastava de volta.
Não tenho capacidade para avaliar seus
poemas ou a grandeza artística de
Darwich. Reconhecidos especialistas em
língua árabe ainda discutem
furiosamente entre eles o significado de
seus versos, nuances, camadas, imagens e
metáforas. Foi mestre em árabe clássico, e
também vivia à vontade entre poetas
ocidentais e israelenses. Para muitos,
Darwich foi o maior poeta da língua
árabe e dos maiores de nosso tempo.
Pela poesia, conseguiu o que não
conseguira fazer por outros meios:
unificar todas as fraturas e fragmentos
que dividem ainda o povo palestino – na
Cisjordânia, na Faixa de Gaza, em Israel,
nos campos de refugiados e em toda a
Diáspora. Pertenceu a todos os
palestinos. Os refugiados identificavam-
se com Darwich porque era um deles; os
cidadãos palestino-israelenses também,
porque também era um deles; e os que
vivem nos territórios palestinos
ocupados, porque foi um guerreiro
incansável contra a ocupação.
Esta semana, alguns cabeças da
Autoridade Palestina tentaram explorá-
lo, na luta contra o Hamas. Duvido muito
que Darwich concordasse com isto.
Embora fosse palestino absolutamente
secular e muito distante do mundo
religioso do Hamas, ele manifestava os
sentimentos de todos os palestinos.
Também falava à alma dos membros do
Hamas em Gaza.
Darwichfoi o poeta da ira, da saudade, da
esperança e da paz. Estas foram as cordas
de seu violino.
Ira, pela injustiça cometida contra o povo
palestino e contra cada filho da Palestina,
individualmente. Saudade, do “café de
minha mãe”, das oliveiras de sua aldeia,
da terra dos antepassados. Esperança de
que a guerra chegue ao fim. Apoio à paz
entre israelenses e palestinos, baseada em
justiça e respeito mútuo. No
documentário da franco-israelense
Simone Bitton, Darwich apontou o
burrico como símbolo do povo palestino;
o burrico é inteligente, paciente e sempre
encontra meios para sobreviver.
Entendia a natureza do conflito mais
claramente que a maioria dos israelenses
e dos palestinos. Dizia que aquele
conflito era “uma luta entre duas
memórias”. A memória histórica da
Palestina colide contra a memória
histórica dos judeus. Só haverá paz
quando um lado entender a memória do
outro lado – seus mitos, suas saudades
secretas, as esperanças, os medos.
Este o significado do que disse o general
egípcio: a poesia manifesta os
sentimentos mais profundos dos povos.
E só onde se compreendam estes
sentimentos pode haver verdadeira paz.
A paz costurada pelos políticos não vale
grande coisa, se não houver alguma paz
entre os poetas e a emoção dos muitos
que a poesia manifesta. Por isto Oslo foi
um fracasso. Por isto também o “acordo
de prateleira” que está sendo negociado
será também completamente inútil: nada
tem a ver com as emoções e os
sentimentos de palestinos e israelenses,
os povos.
Há oito anos, o então ministro da
Educação de Israel, Yossi Sarid tentou
incluir dois poemas de Darwich no
currículo das escolas em Israel. Houve
escândalo, e o primeiro-ministro, Barak,
decidiu que “o público israelense não
está preparado para isto”. É o mesmo que
Barak ter decidido que o público
israelense não está preparado para a paz.
Talvez ainda seja verdade. A verdadeira
paz entre dois povos, paz entre as
crianças que nasceram na semana
corrente, no dia do funeral de Darwich,
em Telaviv e em Ramállah, só será viável
quando os alunos árabes puderem ler os
versos imortais de Chaim Nachman
Bialik “O vale da morte”, sobre o pogrom
de Kishinev, e quando os alunos
israelenses puderem ler os versos de
Darwich sobre a Naqba [a Catástrofe]. E,
sim, também os poemas da ira, inclusive
o verso “Vão! E levem daqui a morte de
vocês!"
Sem entender e encarar com coragem a
ira flamejante contra a Catástrofe e suas
conseqüências, jamais entenderemos as
raízes da guerra e não saberemos
construir a paz. Como escreveu outro
grande intelectual da Palestina, Edward
Said: sem entender o impacto do
Holocausto na alma dos judeus, os
palestinos nunca entenderão os
israelenses.
Poetas são os generais na luta entre duas
memórias, entre os mitos, entre os
traumas. Precisamos muito de poetas na
estrada que levará à paz entre israelenses
e palestinos, entre dois Estados, para
construirmos um futuro comum.
Não estive presente às cerimônias
funerais organizadas pela Autoridade
Palestina na Mukata, tão organizadas, tão
encenadas. Cheguei duas horas depois,
quando o corpo de Darwich foi enterrado
numa bela colina, pairando sobre o
cenário.
Impressionou-me o povo, reunido sob sol
escaldante à volta do túmulo, ouvindo
uma gravação da voz de Darwich
declamando seus versos. Gente simples,
gente menos simples, unidos com o
homem morto, numa comunhão privada.
Apesar de serem milhares, abriram alas
para nos deixar passar; nós, israelenses,
que ali estávamos para reverenciar
Mahmoud Darwich.
Nos despedimos silenciosamente de um
grande filho da Palestina, um grande
poeta, um grande ser humano.
*Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do
Knesset (parlamento israelense), soldado que
ajudou a fundar Israel em 1948 e que há
décadas milita pela paz.
5. A Liberdade do Povo
(Canção)
*Fadwa Tuqan
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
voz da grande cólera que faz versos
sob as balas, no meio das chamas
voz que persigo apesar das correntes
cujo avanço apresso, apesar da noite
e luto fazendo versos
liberdade!
liberdade!
liberdade!
e o rio sagrado e as pontes fazem versos
liberdade
e as duas margens fazem versos
liberdade
o trovão, o redemoinho e a tormenta de minha
pátria
fazem versos comigo
liberdade!liberdade!liberdade!
Continuarei lutando
e gravarei na terra, nos muros
nas portas, nas janelas
no templo da virgem e nos mihrabs
nos sulcos, nos relevos e nas rodas
na prisão, na câmara de torturas, na forca
apesar das correntes, apesar da destruição das
casas
apesar da mordida das brasas
continuarei gravando seu nome
até que a veja
estender-se sobre a minha pátria e crescer
crescer crescer
até cobrir cada polegada de sua terra
até que eu veja a liberdade vermelha abrir cada
porta
a noite fugir e a luz destroçar as fortificações da
névoa
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
o rio sagrado e as pontes fazem versos
liberdade!
e as duas margens fazem versos
liberdade!
e as correntezas do vento rebelde fazem versos
o trovão o redemoinho e as tormentas de minha
pátria
fazem versos comigo
Liberdade! liberdade! liberdade!
*Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina)
Carteira de identidade
*Mahmoud Darwich
Registra-me!
sou árabe
número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão!
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me!
6. sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujub¹
e meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah² e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na
pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus
antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixastes
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
1 Célebre tribo da Arábia
2 Lenço com desenhos quadriculados, usado para cobrir a
cabeça e que tornou-se símbolo nacional palestino pela
liberdade e independência. Originariamente, esse lenço é usado
pelos camponeses para protegerem a cabeça durante o trabalho
no campo.
Não iremos embora
*Tawfic Zayyad
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
7. Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as idéias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro
*Tawfic Zayyad (Nazaré – Palestina)
Palestinos deixam suas casas em Rafah – Foto: Ibraeem Abu Mustafa
Confissão de um terrorista!
*Mahmoud Darwich
Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiado apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista
Assassinaram minhas alegrias,
Seqüestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles... mataram um terrorista!
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
8. Discurso no mercado do desemprego
*Samih Al-Qassim
Talvez perca — se desejares — minha
subsistência
Talvez venda minhas roupas e meu colchão
Talvez trabalhe na pedreira... como
carregador... ou varredor
Talvez procure grãos no esterco
Talvez fique nu e faminto
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez me despojes da última polegada da
minha terra
Talvez aprisiones minha juventude
Talvez me roubes a herança de meus
antepassados
Móveis... utensílios e jarras
Talvez queimes meus poemas e meus livros
Talvez atires meu corpo aos cães
Talvez levantes espantos de terror sobre nossa
aldeia
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez apagues todas as luzes de minha noite
Talvez me prives da ternura de minha mãe
Talvez falsifiques minha história
Talvez ponhas máscaras para enganar meus
amigos
Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu
redor
Talvez me crucifiques um dia diante de
espetáculos indignos
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Ó inimigo do sol
O porto transborda de beleza... e de signos
Botes e alegrias
Clamores e manifestações
Os cantos patrióticos arrebentam as gargantas
E no horizonte... há velas
Que desafiam o vento... a tempestade e
franqueiam os obstáculos
É o regresso de Ulisses
Do mar das privações
O regresso do sol... de meu povo exilado
E para seus olhos
Ó inimigo do sol
Juro que não me venderei
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei
*Samih Al-Qassim nasceu em
Zarqah margem oriental do Jordão.
Zepelin visto na fronteira de Gaza/Israel madrugada Foto: Baz Ratner
9. Chamada da Tumba
Em memória do massacre de Kafr Kassem*
*Mahmoud Darwich
I
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai
Chamamos a todos os viventes
A todos os que querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
A todos os que querem
Que a trigo madure em seu campo
Semear e colher
Que a massa fermente em seus lares
Fazer o pão e comê-lo
Nós lhes pedimos: não durmam
Se querem viver por muito tempo
Sobre a terra
Não debaixo dela
Montem guarda... aqui o sol é de barro e
miséria
Nossa idade se conta em anos de morte
Minha morte aconteceu há oito anos
Tenho a mesma idade de meu pai
II
Dizemo-lhes
Não queremos sobre nossas tumbas
Nem água nem flores
Nada está vivo aqui
Apenas os casulos de víbora e os vermes
Dizemo-lhes
Não queremos roupas de luto
Não há na tumba outra cor
Que a preta
Dizemo-lhes
Não queremos canções tristes
Intermináveis
Dormimos aqui
E nosso retorno é impossível
Dizemo-lhes
Cantem pela terra que permanece
Rebelem-se
Ensinem nossa história sombria
Aos filhos
A fim de que nosso sangue
Permaneça na bandeira dos criminosos
Como sinal de catástrofe
Pedimos-lhes
Protejam os fracos das balas
Para que os que vivam fiquem salvos
E os que nascerão no futuro
Ainda goteja a fonte do crime
Obstruam-na
E permanecem vigilantes
Prontos para o combate
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
*Cidade convertida em santa após o massacre de 29 de Outubro
de 1956.
O estrangeiro
*Hayil Assaqilah
Não se apoderem de meus olhos
Sou o estrangeiro
em busca de uma pátria
meu coração se esmigalhou
sobre as montanhas da neve, do sangue e da
geada
caminhei com as crianças
me abandonaram
na noite da fome, do sangue e da geada
levantaram sobre minhas costas
as tábuas de meu ataúde
Não me exterminem
10. sou o estrangeiro
em busca de uma pátria...
que erro cometeu meu povo
para que viva hoje
numa terra em ruínas
que erro cometeu o pássaro
para que o joguem de um bosque a outro
que erro cometeu meu coração
para que derramem sobre ele
a catástrofe e tanta dor.
Árvore dos salmos
*Mahmoud Darwich
No dia em que minhas palavras forem terra…
Serei um amigo para o perfilhamento do trigo
No dia em que minhas palavras forem ira
Serei amigo das correntes
No dia em que minhas palavras forem pedras
Serei um amigo para represar
No dia em que minhas palavras forem uma
rebelião
Serei um amigo para terremotos
No dia em que minhas palavras forem maçãs de
sabor amargo
Serei um amigo para o otimismo
Mas quando minhas palavras se transformarem
em mel…
Moscas cobrirão
Meus lábios!…
*Mahmoud Darwish (Al Barwad – Palestina)
O caminho das dores
Poema inspirado em uma visita à velha Jerusalém
*Mu'Ammar Hammuda Az-zaghbi
A terra
dos braseiros em chamas
o caminho calçado de punhais
o itinerário da provação e das dores
se prolonga, sem fim
as pedras da rua me falam
da provação
daquele que levou a coroa de espinhos
seu sangue que cheira corre, corre
e o sol acelera a sangria
a rua... ondas de gargantas
abrasadas pelo chicote gritam:
"Senhor... resiste ao crucifixo
ou roga a teu deus todo poderoso".
E a planície devolve os ecos
que ressoam através dos séculos
"Ó senhor... resite à provação..."
O Senhor se cansou de seu crucifixo
Ó verdugos
Pilatos não é eterno
os dias se encarregarão dele
o itinerário da provação das dores
guiará as massas humanas aos lugares de
crucificação
nós continuaremos caminhando sem cessar
e em nossa marcha construiremos a paz
o hino da dignidade nos envolve
o chamado da justiça nos adverte
semeia hoje, colherás amanhã
colheremos as sementes com nossas mãos
felicidade - paz - dignidade.
11. Basta-me permanecer em seu regaço
*Fadwa Tuqan
Basta-me morrer em meu país
aí ser enterrada
dissolver-me e aí reduzir-me a nada
ressuscitar erva em sua terra
ressuscitar flor
que uma criança crescida em meu país
arrancará
basta-me estar no regaço de minha pátria.
terra
........erva
.....................flor
*Fadwa Tuqan (Naplusa – Palestina)
A oliveira foi uma vez.
*Mahmoud Darwich
A oliveira foi uma vez um bosque verde.
Foi, amado, e o ceio
um bosque azul.
Que os fizera mudar esta tarde?
Detiveram a camioneta dos obreiros no meio do
caminho.
(Tranquilamente)
Em algum tempo, o meu coração fora um
passarinho azul.
Ó ninho do meu amado!
Comigo, brancos de todo os teus panos
foram, meu queridinho...
Que pude lavá-los esta tarde?
Porque eu nada entendo.
Retiveram o caminhão dos operários no meio
do caminho.
(Tranquilamente)
E puseram-nos mirando para o Oriente.
(Tranquilamente)
Todas as minhas coisas tens:
a claridade, a sombra,
o anel de casamento, o que desejar,
o vale de oliveiras e figueiras.
Pula janela, penetrando no teu sonho,
achegar-me-ei junto a ti como todas as noites
e arremessar-te-ei um cravo.
Mas, não me repreendas se demoro um bocado,
pois me detiveram...
O olival estava sempre verde
(Estava, meu amado)
Mas, cinquenta vítimas
tornaram-no uma poça vermelha à tardinha.
Cinquenta, meu amado...
Mas, não me repreendas:
Assassinara-me...
Assassinaram-me...
Assassinaram-me...
12. Com os dentes
*Tawfiq Zayyad
Com os dentes
Defenderei cada polegada da minha pátria
Com os dentes
E não quero nada em troca dela
Mesmo que me deixem pendurado
Nas minhas veias
Aqui permaneço
Escravo do meu amor...
à cerca da minha casa
Ao orvalho... e às géis flores do campo
Aqui continuo
E não poderão derrubar-me
Todas as minhas dores
Aqui permaneço
Com vocês
No meu coração
E com os dentes
Defenderei cada polegada da terra da pátria
Com os dentes
Fogo e fumaça em Rafah Foto Eyad Baba
A peste
*Fadwa Tuqan
Quando a peste se alastrou pela minha cidade
saí
com o peito descoberto
gritando ao vento a tristeza implacável.
Sopra, ó vento
e traz-nos as nuvens
faz com que a chuva caia
para que purifique o ar da minha cidade
para que lave as casas, as montanhas e as
árvores
sopra, ó vento
e conduz as nuvens até nós
que a chuva caia
que a chuva caia
13. Foguete explode no norte de Gaza Foto: Baz Ratner
O médio do oriente é o meio do inferno
Eu sou o santo, rezando no terraço, — como
os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina.
Artur Rimbaud
*José Antonio Pereira
Milenar e insana terra santa
onde generais imolam em altares
imaculadas ao deus da guerra
Crentes entre orações se matam
profetas circuncidam gargantas
meninos secam em seios mortos
Poetas não fazem versos
explodem-se em bombas
O inferno refletido no casco do míssil
é vermelho como o ódio dos olhares
Almas fogem de balas deixando corpos
que carpideiras oram num choro seco
Onde está a poesia da fé?
Onde está o homem?
Onde está os cantares da crença?
Onde está Deus?
O Oriente médio é o meio do nada.
*José Antonio Pereira (Cataguases – MG)
Palestino olha danos em sua casa Foto Mohammed Saber
Barbarie en Gaza
(El mundo que vino)
*Eduardo Dalter
Ante el silbido y la explosión
y fuego del misil
sobre lo que parecía un barrio
populoso y una placita,
quedé mudo. El mundo escribe
herido,
tocado, consternado, pero yo
quedé mudo.
Ante el video, en que se oye
otra detonación
y crece una nube de humo,
sobre niños
que apenas se mueven, oh Dios
(¿cuál Dios?),
quedé mudo. Ante la tregua de
tres horas,
de generosa o desmedida
bestialidad,
en medio de una gran carnicería
humana,
quedé, quedé mudo. Ante las
palabras
del presidente francés, que no
sé aún
cómo se atrevió a decir sin
14. cubrirse
la cara, o al menos los ojos,
quedé mudo.
Ante el verdadero baldío de
pinchos
y abrojos en que desde Kabul
y Bagdad
se convirtió las Naciones
Unidas,
quedé mirando nada,
quedé mudo.
Ante las cinco fotos que
recibí anteayer
vía España, con cuerpos y
cuerpos,
una pierna al rojo, un brazo,
quedé mudo.
Ante las declaraciones del
embajador
de Tel Aviv en Buenos Aires,
en el ciclo
de periodista Nelson Castro,
quien
gentilmente le palmeó una
mano
y le ofreció una sonrisa,
quedé mudo.
Ante el almanaque nuevo,
con todas
sus hojas, y que sólo indica
enero 2009,
como con toda mi persona
hundida,
sin más, nada más,
quedé mudo.
*Eduardo Dalter (Buenos Aires – Argentina) Poeta,
autor de vasta obra. Editor de “Hojas de Carmín”.
Cartons Palestinos
Baha Boukhari é um cartunista palestino que trabalha para o
jornal Al Ayyam. Em seu site há mais de uma centena de
caricaturas sobre a ocupação israelense. Infelizmente, não há
tradução dos textos em árabe.
http://www.baha-cartoon.net/