1. Ano I - número 1 - Janeiro de 2013
O sindicato não esquece as
mortes nos trilhos
As grandes tensões entre o Sindicato e a CPTM
tiveram início com mortes de ferroviários nos tri-
lhos, no final de 2012. Três ferroviários em um
acidente, e mais dois em outro, uma semana após o
primeiro. Nos dois acidentes – nos quais morre-
ram cinco ferroviários -, a CPTM e o governo do
Estado de São Paulo saíram a público, antes mes-
mo de qualquer investigação, e sentenciaram: a cul-
pa das mortes era dos próprios mortos.
Um sindicato de trabalhadores, capaz de aceitar
esse estado de coisas, não merece nem mesmo exis-
tir. Em defesa da memória dos ferroviários mortos,
mas igualmente dos ferroviários vivos, demonstra-
mos nosso inconformismo diante da mídia, assim
como dos deputados estaduais. Dos últimos não
resultou nada de significativo, mas parte da mídia
ouviu e divulgou nossa indignação, bem como a
versão que sustentamos até hoje: falhou toda a se-
gurança da CPTM.
Não bastasse cinco mortes em uma semana, a
CPTM colecionou mais duas nos meses seguintes.
Resultado: em menos de um ano, e sete ferroviári-
os morreram nos trilhos da empresa, e todos, sem
exceção, foram “culpados” pelas próprias mortes.
Este primeiro número de O Movimento Digital
visa registrar alguns dos esforços do sindicato para
fazer valer a voz dos que não puderam se defender
da infâmia das acusações da CPTM e do Governo
do Estado de São Paulo.
Recentemente a CPTM resolveu produzir e Até hoje são desconhecidos os resultados de
divulgar vídeos sobre Segurança no Trabalho sindicâncias e de investigações sobre essas
para seus funcionários. mortes nos trilhos.
2. O Movimento - Ano I - número 1 - Janeiro/2013 Pág. 2
indiretamente pela segurança dos cidadãos, olharem
A morte nos trilhos da CPTM I mais de perto o que acontece dentro da CPTM. Tem
algo de podre no reino da CPTM.
A CPTM deve estar tentando alcançar algum
recorde. Dois acidentes em menos de uma semana, Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP
nos quais dois trens da empresa, em diferentes datas
e locais, ceifam vidas de cinco pessoas nas linhas, São Paulo TREM Jeito de 02/12/2011
além de deixarem uma ferida? Tem coisa errada.
No primeiro acidente, a assessoria de imprensa A morte nos trilhos da CPTM II
da CPTM não teve dúvida: antes mesmo de qualquer
apuração, correu para identificar os culpados. Não dá mesmo para elogiar a CPTM. Mal
Quem? Os mortos, naturalmente, pois estavam sem publiquei um artigo (vide anterior) dizendo que pelo
coletes e andavam pelos trilhos. Estivessem sem os menos no segundo acidente com vítimas fatais ela
tais coletes, e resta saber por que estavam sem eles. não atribuiu culpa aos mortos, e assisto agora, pela
Estivessem com coletes, e resta saber se isso TV, que ela reviu posição. O que fez? Culpou – ao
impediria o impacto. Certamente andavam pelos exemplo do primeiro acidente – justamente os
trilhos – pois apenas assim poderiam ser colhidas mortos.
pelo trem –, mas resta saber por que faziam isso.
Fossem os mortos apenas andarilhos, e as coisas Afinal, o que faziam dois profissionais fer-
caberiam dentro do entendimento até mesmo de um roviários, com longo tempo de serviços prestados
leigo. O problema é que eram todos profissionais a empresa, andando pelos trilhos? “Talvez” a CPTM
de ferrovia, e alguns deles com boa janela de pelo menos reconheça que estavam trabalhando, e
profissão. Seriam todos negligentes? Seriam todos não apenas dando um “rolê” ou fazendo cooper.
suicidas? Difícil de aceitar essa possibilidade. Sendo
assim, resta imaginar que tem coisa errada no reino Com o segundo acidente surge uma variável que
da CPTM. eu não havia aventado no primeiro. Neste, além de
negligência ou ímpeto suicida, surge indisciplina.
No segundo acidente, a assessoria de imprensa Insubordinação, talvez.
da CPTM mostrou-se mais cautelosa: lamentou o Ferroviários morrem nos trilhos da CPTM por
ocorrido e diz que vai apurar os fatos. Claro que negligência, ímpeto suicida ou indisciplina. Não
vai apurar, pois obrigada, assim como a polícia e usam coletes obrigatórios por mera negligência, e
demais órgãos competentes dos poderes públicos. andam pela linha apenas para contrariar as normas
Disse o óbvio, portanto. Não lamentou, porém, o de segurança da empresa. Devem fazer parte de um
primeiro acidente. Desta vez morreram dois grupo organizado, que visa desestabilizar o bom
ferroviários da CPTM, com muitos anos de casa. nome da empresa, ainda que para isso tenha que
Ao que parece também estavam nos trilhos. Mais sacrificar a própria vida.
negligentes ou suicidas? O que “parece” não ter
acontecido em nenhum dos dois acidentes? Os Francamente: será que alguém vai acreditar nis-
maquinistas (talvez com raiva de engenheiros e so?
colegas) terem desviado os trens dos trilhos com a
intenção de atropelar as vítimas. Poderiam ter esse O que pode levar um grupo de homens experi-
desejo? Talvez - no campo das vicissitudes humanas entes (estamos falando de cinco mortos em menos
-, mas não teriam condições materiais para tanto, de sete dias) a contrariar normas de segurança de
pois trens não saem dos trilhos por mero desejo do uma empresa, pondo em risco a própria vida para
maquinista. exercer suas obrigações profissionais? Fossem “ma-
landros”, e a primeira coisa que fariam seria justa-
Retirando a hipótese de um monte de negligentes mente cuidar dos próprios interesses, em especial
ou suicidas fazer parte do corpo da CPTM, da CAF da própria vida.
ou de prestadoras de serviços, resta a hipótese de
negligentes em outras áreas da CPTM, da CAF ou Será que a CPTM não percebe o tapa que está
das prestadoras de serviços. Talvez sejam todos dando na cara de todos os seus funcionários, dos
negligentes. usuários, da imprensa e das autoridades que irão
investigar esses acidentes? SE os ferroviários es-
Sei que não é boa hora para brincar neste estilo tão fazendo essas barbaridades todas que diz a
irônico, mas é boa hora para registrar o evidente: CPTM, onde estão os gestores da empresa que só
tem algo de podre no reino da CPTM, e vai muito, “descobrem” isso agora, quando cinco deles mor-
mas muito além de alguns coletes... rem em menos de uma semana?
Parece que passou da hora de o Governo do Rogério Centofanti – Consultor do SINFERP
Estado de São Paulo, da Secretaria dos Transportes
Metropolitanos, da Promotoria Pública, da Polícia São Paulo TREM Jeito de 02/12/2011
e de quem mais possa responder direta e
3. O Movimento - Ano I - número 1 - Janeiro/2013 pág. 3
e maquinista) a eles chegaram de “carona” em ou-
As mortes na CPTM que não podem tro trem. Terminado o serviço - por motivos que
cair no esquecimento dos ferroviários cabe a CPTM esclarecer -, os ferroviários regressa-
ram pelos trilhos, pois não havia trem para trazê-
los de volta, e tampouco área de escape. Foi nessa
Nosso sindicato está fazendo o possível para re- condição que foram atropelados. Como se observa,
verter a injustiça da qual nossos colegas falecidos uma ordem de serviço liberada por gestores da em-
foram vítimas: serem acusados pela direção da presa não ocorreu conforme prevista e descrita.
CPTM de culpados pela própria morte. Foram, por- Também não se fez acompanhar por nenhum dos
tanto, vitimados duas vezes – pelos acidentes e pe- procedimentos da NS.DO/002 acima descritos. Em
las acusações da direção da CPTM. resumo: tudo falhou.
Com a responsabilidade e maturidade que a si- No segundo acidente (02/12), os ferroviários
tuação exige, fizemos um levantamento sobre os também tinham uma ordem de serviço: realizar
acidentes, conversamos direta e indiretamente com “inspeção e levantamento topográfico”, ao “longo
pessoas envolvidas, nos cercamos de documentos, da linha”. Isto significa verificar o estado de trilhos,
etc. De posse desses dados redigimos e enviamos dormentes, fixadores, etc. Parte dessas atividades
nota para muitos veículos de comunicação, visan- consiste, por exemplo, em medir desgaste dos
do apresentar a versão dos ferroviários e defender trilhos, etc., - e devidas anotações - o que implica
os colegas mortos das acusações irresponsáveis a em trabalhar na linha, e não ao lado dela. O trabalho,
eles imputadas pela direção da CPTM. de acordo com a ordem de serviço, seria executado
“sem interferência operacional” (medições apenas,
A nota foi a seguinte: portanto), “sendo obedecidas as normas e
O Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana – procedimentos vigentes”. Ao exemplo do primeiro
base CPTM – apresenta informações objetivas que acidente, nenhum dos cuidados descritos na NS.DO/
apurou até o momento sobre os dois acidentes – 002 (acima) foi providenciado pelos setores
ocorridos em espaço de cinco dias -, que vitimaram competentes da empresa. Enquanto trabalhavam,
cinco trabalhadores. mesmo sem as medidas de segurança exigidas – e
tampouco a eles providenciadas -, um trem por eles
Os dois acidentes se deveram a uma sucessão de passou. Quando no destino, o maquinista desse trem
descuidos, isto é, “as normas para execução de obras foi comunicado que deveria retornar, mas no
e serviços ao longo da via férrea” não foram cum- “sentido contrário”, isto é, pela mesma via na qual
pridas principalmente por terceiros que deveriam estava trafegando. Sem ser comunicado da presença
estar envolvidos nos serviços dos ferroviários viti- dos colegas que ainda trabalhavam na via, e eles
mados, mais do que pelos executantes, como sen- que o trem retornaria pela mesma linha (além da
tenciou de imediato a direção da CPTM. ausência de sinalização), deu-se o choque, e ambos
morreram. Em resumo: tudo falhou.
Item b, 4.2 (Proteção Coletiva) da NS.DO/002
da CPTM: “Em serviços ao longo da via que ne- O Sindicato está à disposição para maiores es-
cessitem cautela disponibilizar, no decorrer do pe- clarecimentos, bem como para apresentação dos
ríodo de trabalho, dois sinaleiros com apitos documentos de que dispõe.
apropriados que devem ficar a 450 m atrás e a 450
m à frente do local dos trabalhos. Quando se tratar A mensagem é objetiva, concisa, mas contém ele-
de curvas ou locais de difícil audição, atentar para mentos que podemos provar, inclusive com base
a necessidade de colocar, a uma distância menor do documental.
obstáculo, outros sinaleiros com apitos ou prever Até o momento nenhum desses veículos nos
sistema sonoro e/ou visual automático, que indi- procurou para obter maiores esclarecimentos. Para
que a aproximação de trem. O local de execução a grande mídia o “caso” dos ferroviários mortos é
dos serviços deve ser identificado e todos os em- passado, prato requentado. Não podemos fazer nada
pregados informados sobre a área de escape, na quanto a isso, pois essa é a natureza do negócio das
eminência de circulação de trens no trecho de ser- comunicações. A CPTM dará a história por en-
viço.” cerrada, e o Secretário dos Transportes Metro-
No primeiro acidente (27/11), os ferroviários ti- politanos sentenciou que os acidentes foram “fatos
nham uma ordem de serviço: os trens “deverão sair isolados”.
da Oficina Engenheiro São Paulo e executar teste Quem precisa manter esse “caso” aberto somos
de rampa na Estação Dom Bosco”. Continua a or- nós – ferroviários. Uma iniciativa notável partiu
dem: “após os testes, os TUEs (os dois trens em espontaneamente de ferroviários, com o ca-
teste) retornam para a Oficina São Paulo. Tração: ncelamento da festa de final de ano que seria
providenciar piloto”. Os trens não saíram da Ofi- promovida pelos colegas das oficinas de Presidente
cina Engenheiro São Paulo – pois estavam estacio- Altino. Afinal, comemorar o que?
nados no trecho - e os ferroviários (inclusive piloto
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O sindicato está procurando maneiras de par- conclamam maior rigor no exercício das atividades
ticipar diretamente das investigações. No plano de polícia judiciária com vistas à repressão aos
jurídico, atuaremos nos campos sindical, cível e acidentes de trabalho criminosos”.
criminal. Fomos informados de que a 3ª Delegacia
de Investigação de Infrações do Ambiente de Mediante tais argumentos, a Portaria definia co-
Trabalho - que investiga o primeiro dos dois aci- mo atribuições da delegacia:
dentes – foi extinta imediatamente depois do se-
gundo, e estamos apurando a veracidade, que, se I – exercer função orientadora em relação às
confirmada, é muito grave. unidades policiais civis de base territorial, cuidando,
outrossim, da edição de estudo normatizador,
Aprendemos na greve deste ano que não po- próprio ao estabelecimento de rotinas procedi-
demos contar com nada e com ninguém. mentais padronizadas a serem adotadas nos casos
Aprendemos, entretanto, a contar conosco – os de acidentes de trabalho, para, após aprovado pelo
ferroviários. Delegado Geral de Polícia, ser distribuído à fiel
observância das autoridades policiais em exercício
Éverson Paulo dos Santos Craveiro – vice- nas unidades referenciadas;
presidente do Sindicato dos Ferroviários da
Sorocabana II – prestar assessoramento às delegacias de
polícia que tenham em curso procedimentos
São Paulo TREM Jeito de 12/12/2011 policiais para apuração de ilícitos de sua concorrente
atribuição, servindo como órgão consultivo na
matéria, sendo vedada à sua autoridade policial
titular, contudo, assumir a presidência dos referidos
procedimentos;
Os bastidores dos acidentes na
III – exercer atenta vigilância aos inquéritos
CPTM policiais que versarem a respeito de acidentes de
trabalho, facultando-lhe, através da autoridade
Em 1997 ocorreu algo importante para a se- titular, o acompanhamento do andamento de
gurança do trabalhador e para a organização sindical qualquer feito em trâmite nas unidades policiais de
no Estado de São Paulo. base territorial;
O Delegado Geral de Polícia, “no uso de suas IV – manter estreito contato com órgãos públicos
atribuições, e com especial fundamento nos artigos especializados na prevenção e/ou repressão aos
15 do decreto No. 39.948, de 8 de fevereiro de 1995, acidentes de trabalho, buscando estabelecer
e 17 do Decreto No. 40.120, de 1º de junho de interagente colaboração parta a exitosa realização
1995” criou, pela Portaria nº 31, de 24 de dezembro de suas atividades fins.
de 1997, a 1ª Delegacia de Polícia de Investigações
sobre Infrações contra a Organização Sindical e Pois bem: qual não foi a surpresa do sindicato -
Acidente dos Trabalho. imediatamente após o primeiro acidente na CPTM
que vitimou dois trabalhadores, em 27 de novembro
Essa iniciativa primeira no Estado de São Paulo, -, saber que essa delegacia especializada – agora
nos últimos anos do século passado, tinha por denominada 3ª Delegacia de Polícia de Investigação
justificativa – a época de sua criação - “os elevados sobre Infrações contra as Relações de Trabalho,
índices de acidentes verificados nos mais variados contra a Organização Sindical e Acidentes do Tra-
exercícios profissionais, com resultados por vezes balho - havia sido extinta por decreto assinado pelo
até mesmo fatais para trabalhadores de todas as governador Geraldo Alckmin em 28 de novembro
classes, constituindo essa reiterada vitimização fator (Decreto Lei 57.546), e publicado no Dário Oficial
comprometedor da vida econômica e social do de 29 de novembro de 2011. Mais intrigante: o
Estado e, em consequência, da sua ordem pública”. decreto não expõe as razões da extinção.
Considerava, também, “que esta persistente forma
de violência, além de macular a própria dignidade Coincidência ou não, é difícil entender e aceitar
do trabalho, atenta contra a incolumidade das essa extinção, uma vez que – ao menos em nosso
pessoas trabalhadoras, por vezes resultantes de entendimento – as motivações que geraram a criação
ações ou omissões penalmente relevantes, cujas do órgão em 1997 perduram, talvez com maior inci-
apurações, como constitucionalmente previsto, dência nos dias de hoje.
afiguram-se dever da Polícia Civil, assim no
contexto geral das suas funções de defesa e de A investigação dos dois acidentes ficou por conta
promoção dos direitos individuais”. Tampouco da Delegacia de Polícia do Metropolitano, que até
deixou de considerar “as inúmeras e lídimas hoje nada revelou.
manifestações e apelos de entidades representativas
de trabalhadores, as quais, por intermédio de Para nossa surpresa – embora positiva – sou-
consternadores levantamentos estatísticos, bemos que uma equipe da Vigilância Sanitária está
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apurando, inclusive com solicitação de nossa ajuda. Afirmo e reafirmo: essa prática de escamotear,
Não sabemos, entretanto, qual será o enca- desconversar e manter a ilusão que usuários e
minhamento posterior. ferroviários estão protegidos por um super-mega-
hiper-master “sistema” de segurança ainda pode
Quanto a CPTM, o sindicato teve que a ela terminar em tragédia.
endereçar dois ofícios – em diferentes datas -,
lembrando que a participação da entidade na Se isso acontecer, antes que gestores da CPTM
sindicância está prevista no Contrato Coletivo. A e instâncias do governo apontem os dedos na direção
resposta - mas apenas depois do segundo -, veio dos ferroviários, eles, os ferroviários e seu sindicato,
expressa na forma de concordância, mas sem apontarão os dedos na direção dos gestores da
nenhuma data e local para efetivar tal participação. empresa e do governo, e dirão – “vocês sabiam, vo-
cês sabiam...”
Investigação e sindicância dos dois acidentes que
vitimaram cinco trabalhadores na CPTM estão nesse Éverson Paulo dos Santos Craveiro - Presidente
pé. do SINFERP
Mais recentemente outro acidente, desta vez São Paulo TREM Jeito de 07/02/2012
entre dois trens da CPTM, agora envolvendo
passageiros. Por sorte, mera sorte, o número de
passageiros naquele horário era pequeno, muito
pequeno.
O porta voz da CPTM não soube nem mesmo
dizer à sociedade como havia ocorrido o acidente. Não esquecemos os mortos e feridos
Explicou mal ao afirmar que os trens não estavam
na mesma linha. Se não estivessem na mesma linha nos trilhos
não haveria choque entre eles. Nem mesmo soube
dizer que um dos trens estava em um desvio, Entre 27 de novembro de 2011 e 23 de maio de
aguardando a passagem do outro para entrar na via, 2012, a CPTM registra em seu portfolio – e apenas
e entrou no momento errado. contabilizando trabalhadores próprios e
Agora, diante da enfática afirmação do secretário terceirizados – o expressivo número de sete mortes
dos Transportes Metropolitanos de São Paulo nos trilhos. Em cem por cento dos episódios – vale
(depois que o governador exigiu apuração), que o ressaltar - a direção da CPTM apressou-se, antes
acidente não se deveu a defeitos no “sistema”, cabe de qualquer apuração preliminar, em atribuir às ví-
até mesmo imaginar que a desinformação do porta timas a responsabilidade pela própria morte.
voz tenha tido por motivo apenas evitar possível Os protestos do sindicato diante desse quadro
suspeita sobre a segurança dessa coisa etérea desolador estão a ele custando represálias. A CPTM
chamada “sistema”. Mais inteligente do que os formulou queixa crime contra um sindicalista. Co-
gestores da CPTM, que correram para atribuir a locou em marcha um plano de perseguição contra
causa das mortes aos próprios mortos nos dois alguns de seus dirigentes nos locais de trabalho,
primeiros acidentes, diz o secretário que é necessária move esforços para desalojar a entidade de sua sede
cautela antes de responsabilizar o ou os maquinistas. social, além de acusar a entidade de ludibriar jor-
Incompreensível, entretanto, foi o argumento nalistas.
utilizado pelo secretário para isentar o tal “sistema” Em meio a tantas condutas anti-sindicais, foi um
de qualquer responsabilidade (embora sua condição prazer recebermos a visita do Sr. Helmut Josef
impessoal seja excelente para levar a culpa de tudo): Gruber. Engenheiro eletrônico com experiência pro-
a análise da “caixa preta”. Esqueceu o secretário fissional em ferrovias, e advogado. Sr. Helmut é
que estamos falando de trens, e não de aeronaves. pai de Cauê Gruber, o único sobrevivente do aci-
Não existe caixa preta, principalmente nos antigos dente de 27 de novembro de 2011, que ceifou a vida
trens da série 5000 envolvidos no acidente.
de três experientes ferroviários.
Como não é falha do “sistema”? Que sistema é
esse que permite (com ou sem eventual negligência Dos muitos pontos comuns, destaque para o fato
do ou dos maquinistas) que um trem saia de um do transporte de pessoas sobre trilhos não ter, a
desvio e entre na linha enquanto outro está exemplo dos modais aéreo e marítimo, uma instân-
transitando? Se existe o tal “sistema”, parece que cia independente, orientada especificamente para a
não é propriamente o suprassumo da tecnologia em investigação de acidentes ferroviários, em especial
segurança ferroviária. Quantos outros buracos os com vítimas. Para cobrir essa lacuna, Sr. Helmut
existem nesse queijo tão requintado chamado pretende fazer gestão junto a parlamentares, com o
“sistema” da CPTM? intuito de sensibilizá-los para a necessidade da cri-
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ação desse órgão. Para o sindicato, mais cético e profissional formado e bem formado, com especia-
imediatista, parece conveniente que instâncias su- lização no exterior e as afirmações mentirosas da
periores aos atuais dirigentes da CPTM, a eles de- CPTM são injuriosas. Isso também se aplica aos
terminem a subordinação das políticas de seguran- que faleceram, pois se trata de vilipêndio à memó-
ça da empresa a uma instituição certificadora ex- ria dos mortos, e essa postura infame ensejará a
terna, sem prejuízo da criação do órgão específico devida medida judicial”.
de que fala Sr. Helmut.
Cauê Gruber está fisicamente bem, “mas psico-
Incompreensível para o Sr. Helmut, como para logicamente abalado”. Não causou surpresa Sr.
nós, a extinção de uma delegacia especializada em Helmut nos dizer que em nenhum momento diri-
acidentes de trabalho, dois dias depois do acidente gentes da CPTM apareceram para saber do estado
de 2 de dezembro de 2011, e que levou a vida de de seu filho.
mais dois ferroviários veteranos, passando as in-
vestigações, dessa forma, para a Delegacia do Me- Oito meses após essa tragédia Cauê Gruber de-
tropolitano, generalista em suas atribuições, e que cidiu abandonar a profissão, e encontra na música
“não está aparelhada especificamente para essa si- e nas artes a paz de espírito que lhe foi ceifada.
tuação”.
São Paulo TREM Jeito de 03/08/2013
Sr. Helmut J. Gruber pensa em criar, na condi-
ção de “medida propositiva”, uma espécie de
memorial do acidente, um blog específico, além de O calendário das mortes nos trilhos
medidas correlatas, e recebeu do sindicato o com-
promisso de todo apoio necessário para a da CPTM
concretização de tais iniciativas.
Reunidos em 23 de maio de 2012, os membros
Sr. Helmut mantém contato com as demais fa- da INTERCIPAS (cipeiros da CPTM e de empre-
mílias dos acidentados. “Essa tragédia nos uniu”, sas terceirizadas que prestam serviços nas instala-
assegura, e responsabiliza diretamente a cúpula ções da CPTM) trataram do acidente de 23 de maio
administrativa da CPTM pelo acidente por conta deste ano,
de “erros operacionais”. Como o sindicato, enten-
de que “vários fatores anteriores na estrutura de Fizeram algumas considerações interessantes: 1)
funcionamento”, criaram as condições para o aci- quanto ao acesso da vítima à via, constaram que a
dente, e mais especificamente “a falta de comuni- contratada (Consórcio Consbem/ICS) não havia
cação entre os operadores, o CCO, e a ausência de colocado sinalização própria no local; 2) que a
um simples técnico de segurança que poderia ter cerquite erguida no local não atendia normas de
evitado isso, para liberar ou não a linha, enquanto segurança; e que o Diálogo Diário de Segurança da
pessoas ali estivessem trabalhando”. contratada também não atendia normas.
Também como o sindicato, não se conforma com Concluíram, preliminarmente, que houve negli-
a alegação da CPTM, a época, que os vitimados gência pessoal do acidentado, mas também da em-
não deveriam estar transitando pela via, depois de presa terceira para a qual trabalhava, dentre elas a
concluído o trabalho em campo, e retornando à base. ausência de um técnico de segurança do trabalho
“Só se eles voassem, afirma, pois não havia nenhum no local, durante a execução dos serviços.
outro acesso que não fosse através dos trilhos. O
pátio onde fizeram os testes com o trem ficava A contar exclusivamente a partir de meados de
encravado entre as linhas do Metrô e da CPTM”. 2006, a CPTM vem acumulando acidentes com ví-
timas fatais – e apenas computando trabalhadores
Sr. Helmut sabe que o acidente no qual seu filho ferroviários - nas seguintes datas: 04/08/2006, 29/
Cauê foi envolvido não é fato isolado. “Sim, sabe- 12/2006, 20/02/2008, 26/10/2009, 03/11/2009, 20/
mos que há uma reiteração de similaridades, um
completo descaso, e trata-se de conduta omissiva 07/2010, 09/02/2011, 01/03/2011, 27/11/2011 (3
criminosa. Entendemos que há um crime cometido mortos), 02/12/2011 (2 mortos), 10/04/2012 e 23/
pela cúpula administrativa da CPTM”. Como o sin- 05/2012
dicato, Sr. Helmut não teve acesso ao inquérito in-
terno da CPTM. Vai requerer oficialmente, mas, São Paulo TREM Jeito de 08/08/2012
como bem afirmou, “já sei a resposta. Seria como
perguntar à raposa quem comeu as galinhas”.
Quanto à afirmação apressada da CPTM, logo Até hoje são desconhecidos os resultados de
após o acidente, que os acidentados foram respon- sindicâncias e de investigações dessas mortes
sáveis pelo próprio destino, Sr. Helmut entende que nos trilhos
tal medida constituiu “um crime contra a honra,
pois, no caso do único sobrevivente, trata-se de um
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Ao que tudo indica, perante alguns órgãos
Mais uma morte nos trilhos da públicos e veículos de comunicação, a versão da
CPTM? empresa prevaleceu. Dias depois do acidente o
governador do Estado extinguiu a única delegacia
especializada em acidentes de trabalho, e passou
No dia 23 de maio - dia da greve dos metroviários as investigações para a Delegacia do Metropolitano.
e dos ferroviários das linhas leste -, funcionário de Nada mais se sabe sobre o acidente depois disso.
empresa terceirizada (ou de subempreiteira de
terceirizada) que presta serviço na via para a CPTM, O Sindicato não se conforma com as alegações
foi atropelado e morto por um trem, nas proxi- e com a postura “escapista” da empresa, pois
midades da estação Francisco Morato. entende que alguns fatores anteriores geraram as
condições para o acidente, dentre eles – a falta de
Nosso sindicato tem procurado por maiores comunicação entre acidentados, maquinista e CCO,
informações - inclusive junto a CPTM -, mas falta de sinalização no local, e a simples ausência
ninguém viu nada, ninguém sabe de nada, etc. de um técnico de segurança que poderia ter evitado
Reina o mais completo silêncio, dentro do clás- a tragédia.
sico cenário do estilo “abafa”. Vale ressaltar que, diferentemente da empresa,
Alguém sabe informar? desde o inicio o Sindicato fez um levantamento
sobre o acidente, conversou direta e indiretamente
com pessoas envolvidas, cercou-se de documentos,
São Paulo TREM Jeito de 06/06/2012 e apresentou sua versão aos ferroviários, órgãos
públicos e veículos de comunicação, representando
a memória dos colegas mortos contra as acusações
irresponsáveis da CPTM, atitudes que a ele
A morte foi confirmada por reportagem do jornal custaram e ainda custam represálias.
O Diário de São Paulo. Inconformada com a O Sindicato não desiste. Apesar das represálias,
palavra “oculta morte”, no título da matéria, a continua e continuará exigindo esclarecimentos da
CPTM interpela jornal e sindicato para fornecer CPTM e dos órgãos públicos responsáveis pela
provas da ocultação. Sindicato apresenta, em sua apuração.
defesa, os dois e-mails que enviou à CPTM Não foi permitido ao Sindicato o acesso ao
solicitando informações, e que nunca foram inquérito interno. A empresa continua escondendo
respondidos. os fatos a fim de se livrar das responsabilidades e
fazer com que essas e outras mortes caiam no
esquecimento.
Nosso Sindicato continuará fazendo o possível
para reverter essa situação, até que os fatos sejam
Depois de um ano, causas das esclarecidos e os responsáveis pela tragédia sejam
devidamente penalizados.
mortes de ferroviários continuam
São Paulo TREM Jeito de 27/11/2012
sem o esclarecimento da CPTM
Há um ano, colegas e familiares dos ferroviários
mortos em acidente ocorrido em 27 de novembro
de 2011 - na linha 11- Coral da CPTM – esperam
pelo resultado de sindicância da empresa, onde
explique o que levou três experientes funcionários
a perderem suas vidas nos trilhos.
Hoje, no primeiro aniversário da morte desses
ferroviários, ainda não são claras as circunstâncias
que causaram o acidente.
Na ocasião a CPTM apressou-se, antes mesmo
de qualquer apuração preliminar, em atribuir às
vítimas a responsabilidade pela própria morte,
dizendo que não deveriam estar transitando pela via,
depois de concluído o trabalho ao lado dela.