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Cáritas Brasileira Regional do Piauí
           Projeto Fecundação




O sonho
construído
em mutirão
                   Uma experiência de
           convivência com o semiárido




          Teresina - Piauí - Brasil, 2010
O Sonho Construído em Mutirão:
Uma experiência de convivência com o semiárido

Direitos autorais - 2010 - Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Permitida a reprodução desde que citada a fonte



Coordenação Colegiada
Secretária Geral: Hortência Mendes
Coordenador Político-Pedagógico: Adonias Rodrigues
Coordenadora Administrativa: Célia Araújo



Texto: Rosângela Ribeiro de Carvalho e João Evangelista Santos Oliveira
Edição e Projeto Gráfico: Mariana Gonçalves
Revisão: Assunção Sousa
Colaboração: Carlos Humberto Campos
Fotografias: Gildásio de Lima e Iran Morais
Impressão: Gráfica do Povo




                       Cáritas Brasileira Regional do Piauí
                  Rua Agnelo Pereira da Silva, 3135 – São João
                   Teresina – Piauí – Brasil – CEP: 64045-440
                             Telefone/fax: 32336302
                         E-mail: caritaspi@caritas.org.br
Miolo fecundação
Dedicamos...



       Dedicamos esse trabalho às populações que habitam o semiári-
       do piauiense. Mulheres e homens, que ao longo de suas histórias
       individuais e coletivas, construíram uma cultura simples e bela.
       Com sua fé consolidaram crenças e credos. Com seu suor,
       criatividade, trabalho e forças, suas vidas foram entregues como
       oferendas para salvar o ambiente exuberante que existe nesse
       pedaço de chão: Sertão. Caatinga. Semiárido...
Sumário

Siglas                                          07
Quadros e Gráfico                               08
Prefácio                                        09
Apresentação                                    11

O SONHO
O projeto de sistematização                     15
Contextualizando o semiárido                    18
Indicadores sociais motivadores do projeto      20
Antecedentes históricos da experiência          22
A escolha de Coronel José Dias                  24
Localizando a experiência                       26

A CONSTRUÇÃO
Projeto Piloto de Coronel José Dias             33
Educar para Conviver                            34
Gestão                                          37
Recursos Hídricos                               42
Produção Agropecuária Apropriada                45
Educação Contextualizada                        47
Fundo Rotativo Solidário                        53

A REALIDADE
Impactos da experiência no ambiente semiárido   57
Significado da experiência                      60
A visão das pessoas envolvidas no projeto       63
Projeto Fecundação como Política Pública        69

Referências Bibliográficas                      71
Anexos                                          73
Fotografias                                     85
Miolo fecundação
Siglas

ASA Brasil – Articulação no Semiárido Brasileiro
BAP – Bomba d’Água Popular
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CML – Projeto Cidadania no Mundo das Letras
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMDEPI – Companhia de Desenvolvimento do Piauí
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ECSA – Educação para Convivência com o Semiárido
EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPS – Economia Popular Solidária
FPCSA – Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido
GT – Grupo de Trabalho
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
P1+2 – Programa Uma Terra e Duas Águas
PACs – Projetos Alternativos Comunitários
PCSA – Programa de Convivência com o Semiárido
PDHC – Projeto Dom Helder Camara
PEA – População Economicamente Ativa
PIAJ – Programa Infância, Adolescência e Juventude
PMA – Planejamento, Monitoramento e Avaliação
PMDS – Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável
PME – Plano Municipal de Educação
PMRH – Plano Municipal de Recursos Hídricos
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE – Plano Nacional de Educação
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSF – Programa Saúde da Família
RESAB – Rede Educação do Semiárido Brasileiro
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação
SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária
STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UFPI – Universidade Federal do Piauí
Quadros

QUADRO 01 – AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A RECURSOS
HÍDRICOS – 1999 A 2000 (pag. 22)

QUADRO 02 – CONSEQUÊNCIAS DAS ESTIAGENS (pag. 27)

QUADRO 03 – MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE CORONEL
JOSÉ DIAS DE 1994 A 1998 (MM) (pag. 29)

QUADRO 04 – PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O
SEMIÁRIDO (pag. 30)

QUADRO 05 – ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO (pag. 38)

QUADRO 06 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO RECURSOS HÍDRICOS (pag. 43)

QUADRO 07 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
APROPRIADA (pag. 46)

QUADRO 08 – DESCRIÇÃO DAS 09 OFICINAS PEDAGÓGICAS (pag. 49)




Gráfico
GRÁFICO 01 – ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS
LOCALIDADES RURAIS NO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS (pag. 28)
09




Prefácio

          O Brasil possui seis grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga (semiá-
rido), Mata Atlântica e os Pampas. Compreendemos um bioma como uma área territorial que
possui um conjunto de vida humana, vegetal e animal que cobre determinada região de forma
contínua, em condições geoclimáticas semelhantes, o que acaba formando uma diversidade
biológica muito própria.
          A caatinga, também conhecida como semiárido ou sertão brasileiro, cantada em
versos e prosas, é propagada como uma das regiões mais pobres do Brasil. As pesquisas
revelam que os Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) desta região estão abaixo da
média nacional, contrariando todo o seu potencial natural e cultural.
          A seca – fenômeno natural do semiárido – é sinônimo de tragédia, provoca grandes
problemas sociais, econômicos e políticos na região. Destrói as atividades agrícolas e pecuárias;
agrava o problema da falta d’água até mesmo para o consumo humano. Ocasiona a sede, a
fome e muitas mortes em consequências de doenças provocadas pelo consumo de águas
impuras e contaminadas. Essa situação de extrema pobreza e falta de uma política de assistên-
cia pública adequada, ao longo dos anos, tem sido a principal causa de migrações de popula-
ções inteiras, em regiões de pobreza acentuada – como é o caso do Estado do Piauí – para
outras regiões do país em busca da sobrevivência.
          Diante dessa realidade, a Cáritas Brasileira Regional Piauí, com a missão de promo-
ver, animar, organizar e participar efetivamente da prática da justiça e da solidariedade, contri-
buindo na construção de alternativas, vem procurando praticar e incentivar na sociedade ações
solidárias aos povos do semiárido, como forma de transformar uma situação de morte para
uma situação de vida. Com isso, a Cáritas implantou em 2001, no município de Coronel José
Dias (PI), o Projeto FECUNDAÇÃO com o objetivo de contribuir, com as famílias e comuni-
dades empobrecidas do semi-árido, para melhoria de suas condições de vida, através do acesso
à água de boa qualidade e em quantidade suficiente para o consumo humano; e do desenvolvi-
mento de conhecimentos e apropriação de saberes, habilidades e técnicas da agropecuária
apropriada para a convivência sustentável no Bioma Caatinga.
          Com este documento, a Cáritas Brasileira Regional Piauí busca retratar em imagens e
palavras o processo de transformação da história do povo de Coronel José Dias, a partir da
                                                                                                     O Sonho construído em mutirão
intervenção do Projeto Fecundação, idealizado pela Cáritas Brasileira – Regional Piauí e
desenvolvido em parceria com os segmentos sociais do município.
          A vontade de resgatar os processos de construção da proposta, as formas de gestão, a
participação das pessoas envolvidas, o processo organizativo nas comunidades, os impactos e
os desafios, as relações sociais, políticas e institucionais estabelecidas, numa perspectiva de se
perceber a trajetória da experiência do Projeto Fecundação, vem sendo debatida no seio da
Cáritas Brasileira Regional Piauí e na Comissão Gestora do projeto, há algum tempo.
          Através do nosso olhar sob a trajetória desenvolvida pelo projeto buscamos retratar
os impactos sociais, ambientais e culturais desta experiência, mostrando as ações desenvolvi-
das, o caráter destas ações, os desafios que elas nos apresentam e a sua importância para o povo
do semiárido no município de Coronel José Dias.
10

                                                  Neste sentido, a sistematização assume como OBJETO, a experiência do Projeto
                                       Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi-
                                       vência com o semiárido, buscando revelar os impactos da experiência no ambiente semiárido e
                                       sua importância para o Programa de Convivência com o Semiárido da Rede Cáritas.
                                                  Outra dimensão importante do Projeto FECUNDAÇÃO é a busca da construção do
                                       saber, através das experiências forjadas no meio do povo com o apoio de entidades não-
                                       governamentais, caracterizando a ausência de políticas públicas adequadas. Ou seja, compre-
                                       ender melhor o contexto do semiárido e a realidade vivida no dia-a-dia das populações sertane-
                                       jas, para, a partir daí, poder contribuir com maior segurança na elaboração de iniciativas de
                                       intervenção junto àquelas pessoas mais empobrecidas e necessitadas, e para a efetivação de
                                       uma proposta de desenvolvimento Territorial Sustentável, considerando principalmente as
                                       pessoas e o meio ambiente.


                                       Carlos Humberto Campos
                                       Sociólogo, Secretário Regional da Cáritas Brasileira Regional do Piauí (2002-2009)
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
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Apresentação

           A Cáritas Brasileira Regional do Piauí agiu coletivamente na busca de melhores
condições de vida para as famílias excluídas, lançando mais uma semente que veio germinar no
solo do semiárido com suas diversas características: rasos, arenosos, argilosos, pedregosos, de
baixa e média fertilidade e que retém pouca água. Neste ambiente onde, à primeira impressão,
pareça ser inabitável, a semente chamada de Projeto Fecundação já rende frutos. Frutos que
podem ser apreciados ao longo desta publicação.
           O Projeto Fecundação, uma ação pioneira da Cáritas Brasileira, é resultado de um
conjunto de pessoas, identificadas como agentes, voluntários e voluntárias, técnicos e técnicas,
famílias agricultoras, professores e professoras, alunos e alunas, religiosos e religiosas, gestores
públicos, parlamentares, crianças e pessoas idosas. Todos protagonistas deste processo e
fazem da Cáritas Brasileira essa imensa Rede de Solidariedade. São pessoas que habitam no
ambiente semiárido do Estado do Piauí, no território da Serra da Capivara e especificamente
localizadas e radicadas no município de Coronel José Dias. Pessoas que se juntaram com o
compromisso maior da valorização da vida.
           Não se pode esquecer parceiros importantes como o Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada – IRPAA, que repassou toda experiência em assessoria técnica
adquirida no apoio à agricultura familiar no Estado da Bahia, e a Cáritas Alemã que ofereceu
colaboração e aporte financeiro para viabilizar a proposta em todas as etapas do projeto. As
etapas se desenvolveram em oito anos de caminhada, garantindo o acúmulo de um conjunto
de informações que possibilitou a implantação e vivência da proposta de Educação para
Convivência com o Semiárido – ECSA em todo o país.
           Trata-se de um trabalho fincado em quatro eixos de ação: Gestão, Recursos Hídricos,
Produção Agropecuária Apropriada e Educação Contextualizada. Eixos que garantiram a
implantação de processos democráticos e participativos, água de qualidade para o consumo
das famílias, aumento e diversificação da produção de base agroecológica. Tudo através de
processos educativos que começaram pela desconstrução de paradigmas enraizados dentro da
educação formal de combate à seca e pela construção de novas concepções e possibilidades de
convivência com a região semiárida.
           Este trabalho mostra uma boa experiência sobre a convivência com a região semiári-
                                                                                                       O Sonho construído em mutirão
do e as condições criadas com as ações reforçam o debate de Desenvolvimento Sustentável e
Solidário, valorização da cultura, relações familiares e de gênero. Condições que afirmam o
protagonismo das pessoas como cidadãs, parte importante de uma democracia.
           Importante registrar a participação de todas as mulheres protagonistas nesse proces-
so. Elas estão no antes, durante e firmes na continuidade do projeto. Elas são maioria na
educação, como professoras ou mães e passaram a ver e a participar da vida da escola em que
filhos e filhas estudam. Presentes na produção, firmes na geração de renda passaram a produ-
zir os mais variados produtos derivados do Umbu, planta nativa da caatinga e sagrada, segundo
a cultura e os costumes locais.
           A experiência do Fecundação tem o cheiro da terra molhada com as primeiras
chuvas, tem a beleza da caatinga que se torna verde viva com uma gota d’água. Tem a criativi-
12

                                       dade de um povo que também se adaptou para crescer e multiplicar. Tem a diversidade de
                                       conhecimentos construídos em mutirão que continua formando consciências. Tem toda uma
                                       gente simples, hospitaleira, que gosta de dançar, que tem valor, que ama seu chão e diz com
                                       segurança “daqui não saio não”.
                                                 Considerando as palavras do compositor João Bosco: “Vida é fazer todo sonho
                                       brilhar”, o Projeto Fecundação fez brilhar o sonho de moradores e moradoras de Coronel José
                                       Dias, pelas mãos de pessoas que acreditaram neste sonho.


                                       Rosângela Ribeiro de Carvalho - Professora da rede pública, ex-assessora do projeto
                                       Fecundação e organizadora desta sistematização

                                       João Evangelista Santos Oliveira - Coordenador do Programa de Convivência com o
                                       Semiárido - PCSA da Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
I




O Sonho
Miolo fecundação
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O projeto de sistematização

                       “Quem não tem desejo não caminha, porque não sonha, não busca o
                                    novo, não muda” (Ana Maria & Susan Chiode, 2002)


          A sistematização da experiência teve início quando a equipe da Cáritas Brasileira
Regional Piauí expressou o desejo de construir um documento que pudesse retratar a expe-
riência, pelo seu caráter de mobilização social e de transformação da realidade.
          Tomando-se então como objeto da sistematização “A experiência do Projeto
Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi-
vência com o semiárido”, buscou-se reviver a experiência, recuperando os processos vivencia-
dos a partir do registro dos passos dados pelo projeto, evidenciando a avaliação processual das
ações realizadas e as conclusões sistematizadas, a partir de relatórios e de outros documentos
produzidos pela comissão gestora do projeto e pelo PCSA – Programa de Convivência com o
Semiárido da Cáritas Brasileira Regional Piauí e Secretaria Municipal de Educação.
          A fala das pessoas envolvidas foi registrada numa perspectiva de possibilitar o
confronto dos dizeres de quem faz a experiência e de mostrá-las enquanto protagonistas deste
processo, pelo compromisso de construir novas perspectivas para a realidade em que vivem,
superando preconceitos em torno do semiárido, quebrando paradigmas e vivenciando novas
relações.
          Partiu-se da concepção de que a sistematização resgata os processos de mudanças e
os valores construídos numa determinada experiência, juntando fatos, ocorrências, depoi-
mentos e, sobretudo, sentimentos. “Como produção de saber da experiência, a sistematização
busca identificar as ideias, os sentimentos e as formas de fazer que ela esteja construindo ou
proporcionando aos diversos sujeitos envolvidos”. (SOUZA, 2000, p.35).
          Não se trata aqui de abrir um debate conceitual em torno da sistematização, mas de
evidenciar as referências tomadas para registrar a experiência do Projeto Fecundação, reafir-
mando a proposta de convivência com o semiárido num processo de construção coletiva, que
possibilita, a partir do conhecimento da realidade, refletir sobre suas vivências, valores e
atitudes, promovendo a desconstrução de saberes e fazeres.
                                                                                                     O Sonho construído em mutirão
          Sistematizar aqui reúne avaliação e pesquisa, à medida que busca revelar nos dados
coletados a investigação do que foi realizado, diante do que foi planejado e ainda, refletir sobre
os resultados alcançados numa perspectiva de revelar as mudanças no modo de vida da
população e dos avanços e desafios encontrados ao longo da experiência.
          Neste sentido, ao fazer o resgate, o documento buscou também dar visibilidade às
ações de convivência com o semiárido, destacando a importância da experiência para o PCSA
desenvolvido pela rede Cáritas.
          Neste processo, foi importante a identificação de mudanças nas relações de gênero e
geração, a partir da implantação do projeto e de outros processos de novas relações em favor
da dignidade humana e do desenvolvimento sustentável.
          Isto só foi possível, a partir do consenso em torno da definição do objeto e do eixo
16

                                       central da sistematização, o que possibilitou avançar neste propósito e adotar procedimentos
                                       teóricos metodológicos capazes de revelar o sentimento das pessoas envolvidas, através das
                                       entrevistas individuais e coletivas, que associadas à pesquisa bibliográfica, viabilizaram a
                                       análise documental da experiência.
                                                 Tal análise foi realizada sob um olhar crítico em que os elementos do discurso se
                                       encaminharam para um conjunto de informações que convergiram para um mesmo ponto: a
                                       introdução de novas práticas de convivência superando o paradigma de combate à seca.
                                                 Cada passo da sistematização envolveu diálogos, leituras, reflexão, seleção e muita
                                       emoção: angústias e incertezas diante das dificuldades em coletar as informações necessárias,
                                       mas também contentamento e satisfação pelo dever cumprido e, sobretudo, pelas certezas
                                       reveladas de uma experiência que deu certo e que mudou a vida de muita gente.
                                                Perguntas orientadoras:
                                                1. Em que consiste o Projeto Fecundação? (Objetivos e metas)
                                                2. Quais as linhas de ação desenvolvidas pelo projeto?
                                                3. Que ações foram desenvolvidas?
                                                4. Como as ações desenvolvidas contribuíram para a transformação da realidade do
                                                município?
                                                5. Quem são os protagonistas da experiência?
                                                6. O que pensam as pessoas envolvidas neste processo sobre os impactos do projeto
                                                na vida do município?
                                                7. Qual a compreensão das pessoas envolvidas em relação à mudança de paradigma
                                                no tocante à convivência com o semiárido e o combate à seca?
                                                8. Como as ações do projeto influenciaram nas relações de gênero e geração?
                                                9. O que representa a experiência para o Programa de Convivência com o Semiárido
                                                da rede Cáritas?
                                                10. Como era a vida das pessoas antes da implantação do projeto no município?
                                                11. Em relação às linhas de ação, que mudanças significativas foram efetivadas?
                                                    11.1 - Que mudanças ocorreram na educação do município a partir da ECSA?
                                                    (Organização/estrutura; índices/resultados de aprendizagem...)?
                                                   11.2 - O que representa para o município e para as famílias agricultoras e produto-
                                                   ras a adoção da agricultura e produção apropriada?
                                                12. De que forma pode-se perceber o fortalecimento da participação da sociedade
                                                civil na elaboração, implementação e controle social de políticas púbicas do municí-
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                                                pio?
                                                13. Em que medida as ações desenvolvidas pelo projeto possibilitaram aos partici-
                                                pantes serem protagonistas dessa experiência?
                                                14. Em que o Projeto Fecundação contribuiu para o desenvolvimento sustentável da
                                                região?
                                                Procedimentos Teórico-metodológicos:
                                                1. Antecedentes Históricos
                                                Processo de construção e contextualização do Projeto Fecundação
                                                2. Concepção do Objeto
                                                Os objetivos do Projeto Fecundação, a metodologia e as perspectivas
                                                3. Trabalho de Campo
17

   - Realização de entrevistas individuais e coletivas
   - Construção de Histórias de Vida dos sujeitos da experiência
   - Pesquisa bibliográfica
Procedimentos de análise e interpretação:
Categorias de análise: Convergências e divergências/ Presenças e ausências/
Tendências e associações/ Convivência e combate.
1. Análise documental (relatórios, slides, correspondências, documentários etc.)
2. Análise da experiência dos participantes (entrevistas individuais e coletivas,
depoimentos etc.)




                                                                                    O Sonho construído em mutirão
18




                                       Contextualizando o semiárido
                                                 O semiárido brasileiro é o maior do mundo e se estende por uma área de 975 mil km²,
                                       abrangendo mais de 86% da região nordeste e penetrando no norte do estado de Minas Gerais.
                                       É o semiárido com maior densidade demográfica do mundo. Nessa área vivem cerca de 26
                                       milhões de habitantes em 1.113 municípios, e dela faz parte a maior concentração de popula-
                                       ção rural do Brasil.
                                                 No Piauí a região semiárida abrange 125.692 km² - dos 252.378 km² totais do Estado -
                                       ocupando boa parte do setor central e sul, fazendo fronteira com os estados do Ceará,
                                       Pernambuco e Bahia, e correspondendo a 13,96% da área do semiárido brasileiro. Dados do
                                       Governo do Estado e da Universidade Federal do Piauí (UFPI) dão conta de que dos 224
                                       municípios piauienses, 156 estão localizados na região semiárida, com uma população de
                                       956.617 habitantes.
                                                 No semiárido brasileiro ocorrem uma ou duas estações de chuva, de quatro a cinco
                                       meses de duração. A pluviosidade varia entre 300 e 800 mm/ano. As temperaturas médias
                                       variam de 23 a 39º C, com forte evaporação potencial (mais de 2.000 mm/ano). Estudos
                                       revelam que metade da área da região semiárida é composta por embasamento cristalino, com
                                       acumulação de água apenas nas fraturas, e a outra metade é composta de terrenos sedimenta-
                                       res, com a boa capacidade de armazenamento de águas subterrâneas. Muitas vezes, quando a
                                       água é encontrada no subsolo, através da perfuração de poços, sejam eles tubulares, cacimbões
                                       ou artesianos, trata-se de uma água salobra, de péssima qualidade para o consumo humano e
                                       animal.
                                                 Os longos períodos de escassez de chuvas acontecem principalmente na época do
                                       plantio de arroz, feijão, mandioca e milho, culturas predominantes da região. Estudos mais
                                       recentes concluíram que esse problema agrava-se num ciclo de vinte a vinte anos, caracterizan-
                                       do períodos mais longos de estiagens, as chamadas “grandes secas”. As “grandes secas” são
                                       caracterizadas pelo esgotamento da umidade do solo, fenecimento das plantas por falta de
                                       água, depleção do suprimento de água subterrânea e redução e eventual cessação do fluxo dos
                                       cursos de água.
                                                 O Estado do Piauí é caracterizado por três regimes pluviométricos bem definidos,
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                                       que iniciam no mês de novembro na região Sul e prolonga-se até o mês de maio na região
                                       Norte. Em menos da metade do território piauiense (48,36%), as chuvas são superiores a
                                       1.000mm. Os cursos d’água apresentam regime hidrológico intermitente na estação chuvosa e
                                       permanecem completamente secos após a estação das chuvas, com curvas de recessão atingin-
                                       do rapidamente o ponto zero. O flagelo das secas ocorre quando as chuvas são insuficientes ou
                                       irregulares demais para permitir a produção que assegura a subsistência das famílias do semiá-
                                       rido que, mesmo em anos normais, já vivem em condições limites de pobreza.
                                                 Além de vulnerabilidade climática do semiárido, grande parte dos solos da região
                                       encontra-se degradada. Os recursos hídricos rumam à insuficiência. A água é o fator mais rico
                                       do semiárido, porque é um limitativo tanto da ocupação humana quanto das atividades agrope-
                                       cuárias. Os ecossistemas regionais são frágeis e não estão sento protegidos, pondo em risco a
                                       sobrevivência de muitas espécies de vegetais e animais, criando ainda riscos a ocupação
19

humana, associados, inclusive, a processo em curso, como a desertificação.
           Apesar dessas características gerais, o semiárido brasileiro é uma realidade complexa:
a EMPRAPA identificou cerca de 170 diferentes tipos de sistemas geoambientais (ecossiste-
mas). Essa complexidade exige mudanças nas formas de conceber e intervir nessa realidade. É
possível conviver com o semiárido apesar das fragilidades. Ter muita luminosidade, ter muito
calor e ter baixa unidade são elementos diferenciais para o desenvolvimento da região.
           O semiárido piauiense apresenta grandes potencialidades econômicas e sociais, entre
as quais podem ser mencionadas: solos adequados para práticas agrícolas apropriadas; áreas
sedimentadas com boa disponibilidade de águas subterrâneas; açudes públicos com elevadas
reservas de água; a rica biodiversidade da caatinga na qual se destaca o elevado potencial de
exploração; a agroindustrialização de produtos agrícolas e agropecuários, como a castanha de
caju e o mel da abelha; a irrigação dos vales úmidos, principalmente com a perenização dos rios;
o criatório animal; o turismo ecológico, cultural e religioso; as diversas práticas artesanais; o
extrativismo mineral e a localização de vários centros de pesquisas.
           Mas apesar dessas potencialidades, a região não consegue superar seus péssimos
indicadores sociais e nem autofinanciar seu desenvolvimento econômico, seja pela ausência de
poupança interna, seja pelo elevado déficit da balança comercial. Além desses fatores econô-
micos, a falta de conhecimento adequado do semiárido piauiense levou a introdução de
diversas atividades produtivas – agropecuárias extrativas e industriais – que não apresentam
sustentabilidade ambiental e nem se tornam vantagens competitivas dinâmicas.




                                                                                                    O Sonho construído em mutirão
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                                       Indicadores sociais
                                       motivadores do projeto

                                                 A pobreza está disseminada por todo o Estado do Piauí e sabe-se que os dez maiores
                                       índices de indigência absoluta são verificados nos municípios mais populosos e que desempe-
                                       nham funções polarizadoras. Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
                                       Domicilio (PNAD), realizada pelo IBGE em 1997, a População Econômicamente Ativa
                                       (PEA) do semiárido piauiense foi estimada em 538 mil pessoas, sendo que 41% não auferiam
                                       qualquer rendimento e cerca de 40% recebiam entre R$ 33,00 e R$ 100,00 por mês. Dessa
                                       população trabalhadora, 67% desenvolviam atividades ligadas à agricultura ou atividades afins.
                                                 Nesse contexto, foi possível identificar as principais problemáticas enfrentadas pela
                                       população empobrecida do semiárido: a dificuldade de aceso à água e a alimentos em quantida-
                                       des e com qualidade para o consumo humano, principalmente nos períodos de estiagem
                                       prolongada na região. Esse problema era fruto da estrutura excludente que predomina na área,
                                       baseando na concentração da terra e da água, além da dificuldade de acesso da agricultura
                                       familiar aos meios e recursos necessários a produção agrícola e pecuária.
                                                 A persistência desses problemas por centenas de anos conduz a identificação de suas
                                       causas. A principal delas, certamente, é a forma de intervenção do poder público nessa região.
                                       As políticas públicas são excludentes e inapropriadas ao semiárido, caracterizadas pelo caráter
                                       emergencial fragmentado e descontinuo das ações desenvolvidas nos momentos de calamida-
                                       de pública ocasionadas pelas estiagens prolongadas.
                                                 A intervenção estatal privilegia a construção de grandes obras hídricas que favorecem
                                       principalmente às empreiteiras, à grande propriedade rural e às agroindústrias que desenvol-
                                       vem a agricultura irrigada na região, sem considerar as condições específicas do meio ambiente
                                       e da população. As grandes barragens contribuem para a concentração da água, alagam faixas
                                       de terras cultiváveis, deslocam cidades inteiras e pioram as condições de vida das populações
                                       ribeirinhas que nunca são consideradas nos processos de planejamento. Já as grandes áreas de
                                       produção irrigadas são degradadoras dos ecossistemas do semiárido. Além do desmatamento
                                       para implantação das áreas de produção irrigada, constata-se que a utilização de métodos
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                                       inapropriados de irrigação e a utilização de produtos químicos contribuem para a formação de
                                       áreas desertas no semiárido.
                                                 De modo geral, as práticas agropecuárias (com tecnologias tradicionais e modernas)
                                       utilizadas no semiárido são inadequadas e degradadoras do meio ambiente. As queimadas
                                       desordenadas e uso de defensivos e fertilizantes químicos também ocasionam o empobreci-
                                       mento dos solos, pondo em risco os ecossistemas e a própria vida humana. Isso se deve ao fato
                                       de que a maioria da população do semiárido não tem um conhecimento adequado do seu meio
                                       ambiente, de suas potencialidades e limites e de estratégias de sobrevivência adequadas na
                                       região.
                                                 Além da dificuldade de acesso à água para o consumo humano em quantidade
                                       suficiente, as famílias residentes no semiárido consomem água de péssima qualidade, sem um
                                       tratamento adequado. Esse consumo de água tornou-se uma prática tradicional naturalizada,
21

embora tenha como consequência direta o aumento de inúmeras doenças, com elevados
índices de mortalidade infantil. A dificuldade de acesso à água para o consumo humano e
doméstico, além de ser determinada pela privatização e concentração das águas em grandes
reservatórios hídricos, está diretamente relacionada com uma cultura de desvalorização da
captação, armazenamento e tratamento da água da chuva.
          Diante dessas constatações de principais causas das problemáticas do semiárido,
poderiam parecer fáceis as soluções: tornar as políticas públicas apropriadas à região e promo-
ver a educação para a convivência com o semiárido. No entanto, a sociedade civil não tem
conseguido participar efetivamente dos processos de formulação de políticas públicas para a
região, apesar de ter dado alguns passos importantes nos processos de articulação de entidades
em nível dos Estados e na experimentação e disseminação de alternativas produtivas e de
recursos hídricos adaptados à realidade do semiárido.
          Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da
sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos
programas implantados a nível local. A dificuldade de participação está relacionada com
diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de
participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos recursos que são
destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é urgente a melhoria na qualidade da
informação e dos canais de comunicação entre governo e sociedade civil, otimizando a difusão
de tecnologias apropriadas ao semiárido.
          No campo político-institucional, apesar dos recentes avanços no processo de demo-
cratização, organização da sociedade e mecanismos de participação social, ainda persistem, na
região do semiárido, práticas clientelistas e outras formas de apropriação privada do Estado. A
capacidade dos organismos públicos em atender com eficiência as demandas sociais é bastante
limitada em decorrência da baixa qualificação dos seus recursos humanos, das deficiências
organizacionais e dos mecanismos de gestão e insuficiências materiais e financeiras.




                                                                                                  O Sonho construído em mutirão
22




                                       Antecedentes históricos da
                                       experiência

                                                  A Cáritas Brasileira é um organismo ligado à Conferencia Nacional dos Bispos do
                                       Brasil (CNBB) que, testemunhando o Evangelho da Esperança de Jesus, compromete-se a
                                       promover e animar o serviço da solidariedade ecumênica libertadora, participar da defesa da
                                       vida, da organização popular e da construção de um projeto de sociedade, a partir dos excluí-
                                       dos e excluídas, contribuindo para a conquista da cidadania plena para todas as pessoas, a
                                       caminho do Reino de Deus.
                                                  A Cáritas tem tido uma presença constante nessa realidade do semiárido brasileiro,
                                       contribuindo com as famílias empobrecidas, através de diversas formas de atuação: na realiza-
                                       ção de campanhas de solidariedade nos momentos emergentes de calamidade pública, que
                                       agravam a situação estrutural de miséria e pobreza na região; no desenvolvimento de ações
                                       permanentes de formação e de apoio às organizações comunitárias; nas iniciativas comunitári-
                                       as de geração e melhoria de renda (com os projetos alternativos comunitários); na dissemina-
                                       ção de técnicas apropriadas de manejo de recursos hídricos; e no apoio efetivo (financeiro e
                                       material) para a construção de pequenos reservatórios de água da chuva, para manutenção,
                                       equipamento e recuperação de mananciais e reservatórios hídricos para abastecimento familiar.
                                                 Nos últimos anos, a Cáritas Brasileira tem tentado desenvolver uma intervenção pró-
                                       ativa na região (atuando sobre as causas dos problemas e não sobre suas consequências) através
                                       da formação para a cidadania, a universalização do acesso à água para o consumo humano e a
                                       produção como elementos estratégicos para melhoria da qualidade de vida na região.
                                                 Entre 1998 e 1999, a Cáritas Brasileira Regional Piauí coordenou a distribuição de
                                       1.100 (mil e cem) toneladas de alimentos para 55 mil famílias (cerca de 275 mil pessoas) que
                                       estavam em situação de calamidade. Foram realizadas ações permanentes de infraestrutura
                                       hídrica, apoiando a construção de 363 cisternas de placas (captação e armazenamento de água
                                       da chuva), equipando 17 poços artesianos, revestindo 12 poços e realizando 02 canalizações
                                       para facilitar o acesso das famílias e comunidades rurais à água para consumo humano. Além
                                       dessas ações diretas, a Cáritas realizou diversas atividades pedagógicas de capacitação de
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                       agentes pastorais e animadores de comunidade, aprofundando o conhecimento da realidade e
                                       das formas de convivência com o semiárido piauiense.

                                                                     QUADRO 01
                                                     AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A
                                                            RECURSOS HÍDRICOS -1999 A 2000
                                        Tipo de ação              Cisternas Valor (R$) Famílias Pessoas Localidade Município

                                        Construção de cisternas      397   181.481,00     409      2.045       34           12

                                        Revestimento e
                                        equipamento de poços         18     41.318,49    5.554    30.000       13           11
23

           O programa de convivência com o semiárido não se resume à construção de cisternas
e outras ações de apoio hídrico e produtivo. As ações político-pedagógicas são prioritárias. Os
processos pedagógicos se referem tanto à disseminação de alternativas viáveis para a convivên-
cia com o semiárido e à realização de campanhas educativas para conhecimento adequado da
realidade, quanto ao respeito aos seus limites e aproveitamento de suas potencialidades.
Anualmente a Cáritas realiza atividades na “Semana da Água” junto com outras entidades, na
oportunidade em que chama a atenção para as diversas dimensões da problemática da água nos
nossos dias e mobiliza a sociedade para apoiar e lutar para que todas as famílias que residem no
semiárido piauiense possam a ter acesso à água de boa qualidade.
           Ainda no aspecto educativo merecem destaque as atividades de formação realizadas
no âmbito do PCSA. Foram realizados os cursos sobre manejo de recursos hídricos, tendo
como temática central “O uso e o tratamento d’água”, atendendo ao publico de todas as
dioceses do Piauí. A realização dos cursos foi de fundamental importância, pois as famílias
rurais ainda possuem muita dificuldade em entender e desenvolver tecnologias alternativas e
apropriadas para a convivência com o semiárido e mais precisamente para o manejo de recur-
sos hídricos. Esses cursos visam à formação de multiplicadores e multiplicadoras para o
desenvolvimento do trabalho na comunidade, na perspectiva de promover e desenvolver a
organização para a convivência com o semiárido.
           No aspecto sociopolítico, a Cáritas Brasileira Regional Piauí teve uma atuação
decisiva para a articulação do Fórum de Convivência com o Semiárido no Piauí (FPCSA). Esse
fórum conta com a participação de outras 12 organizações não governamentais do Piauí que
tem o compromisso político e ações voltadas para a convivência com o semiárido em nosso
Estado, possibilitando as parcerias e convênios que procuram canalizar recursos públicos para
a região, como por exemplo, um convênio firmado entre as ONGs e a SUDENE (Superinten-
dência para o Desenvolvimento do Nordeste), em que a Cáritas participa com a capacitação de
810 pessoas para a construção de cisternas de placas.
           Outra ação significativa do FPCSA ocorreu durante a semana da água em 2000. O
Fórum programou e realizou uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado para
discutir sobre as políticas públicas para recursos hídricos do Piauí e as alternativas.
Participaram da audiência, representantes da Assembléia Legislativa, Secretaria de Recursos
Hídricos do Estado, SUDENE, COMDEPI, DEFESA CIVIL, Cáritas Brasileira e mais outras
ONGs. Dali resultou um compromisso e abertura por parte da Assembléia para a continuidade
dos debates sobre o tema acima referido.
           A partir dessa experiência em nível estadual, a Cáritas Brasileira Regional Piauí
percebeu que era necessário desenvolver um projeto piloto no âmbito de um município,
                                                                                                     O Sonho construído em mutirão
possibilitando a integração dos sujeitos e das diversas ações de convivência com o semiárido
(recursos hídricos, produção agrícola e não agrícola, educação, construção de políticas públi-
cas apropriadas, serviços sociais básicos, etc.). A Cáritas acredita que a concentração de ações e
a produção de resultados significativos em um município possam ter uma maior capacidade de
impacto em nível de outros municípios do semiárido e das políticas públicas estaduais e
nacionais.
24




                                       A escolha de Coronel José Dias

                                                 Os processos de discussão foram sendo construídos e, a partir de abril de 2000, a
                                       Cáritas Brasileira Regional do Piauí definiu, pelas condições climáticas da região e pela disponi-
                                       bilidade da equipe regional, implantar o projeto na Diocese de São Raimundo Nonato. Diante
                                       disso, passou-se a analisar as condições dos municípios daquela região para receber as ações do
                                       projeto e, após estudos e reflexões, foi apresentado ao município de Coronel José Dias.
                                                 O município foi escolhido com base nos seguintes critérios: localização no semiárido
                                       com a incidência das problemáticas de convivência com a região; a possibilidade de continuida-
                                       de de ação através de parcerias com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e o
                                       governo municipal; a existência de estrutura de apoio (Cáritas Diocesana ou entidade membro,
                                       apoio da Igreja local – paróquia); indicadores socioeconômicos: nível de renda, analfabetismo,
                                       mortalidade infantil e abastecimento de água.
                                                 A elaboração do projeto foi assumida pelos agentes da Cáritas e contou com a
                                       participação ativa de representantes da prefeitura municipal de Coronel José Dias, representan-
                                       tes das organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias das comunidades rurais do
                                       município. As principais atividades realizadas foram: um levantamento de informações em
                                       cada uma das localidades do município, identificando os aspectos sociais e econômicos da
                                       realidade local, as principais problemáticas, potencialidades e expectativas dos moradores e
                                       moradoras daquela região.
                                                 Em setembro de 2000, foi realizado um Seminário Municipal de Planejamento, com a
                                       participação de 95 pessoas, onde foi aprofundado o diagnóstico com a identificação das
                                       potencialidades municipais e os principais problemas enfrentados pelas famílias. Estes eventos
                                       realizados possibilitaram também a identificação de prioridades de ação, a consensualidade de
                                       objetivos e interesses e a afirmação de compromissos entre as diversas organizações partici-
                                       pantes. O seminário municipal, acima citado, foi planejado e realizado conjuntamente pela
                                       Cáritas Brasileira Regional Piauí, Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, Paróquia de
                                       Coronel José Dias e pelo Governo Municipal que assumiu as atividades de articulação, trans-
                                       porte, alimentação e hospedagem das pessoas participantes, além de oferecer toda infraestru-
                                       tura necessária a realização do evento.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                                Objetivos:
                                                A experiência teve como objetivo geral desenvolver um conjunto de ações articuladas
                                       que possibilitassem melhoria das condições de vida das famílias que residiam no semiárido do
                                       município e, a partir dos resultados alcançados, propor políticas públicas apropriadas ao
                                       semiárido nos níveis municipal e estadual.
                                                Objetivos específicos:
                                                    • Viabilizar o acesso a estruturas de captação e armazenamento de água de chuva e
                                                    o aproveitamento sustentável dos mananciais hídricos existentes no município;
                                                    • Favorecer o acesso a recursos e infraestrutura para o desenvolvimento de
                                                    iniciativas produtivas apropriadas ao semiárido favorecendo a melhoria de renda
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            das famílias;
            • Promover capacitação de agentes de desenvolvimento sustentável no município;
            • Fortalecer a participação da sociedade civil na elaboração, implementação e
            controle social de políticas públicas;
            • Garantir a visibilidade e difusão das ações e resultados.
            Assumiram-se também as seguintes diretrizes:
            • Difusão de alternativas;
            • Democratização das políticas públicas;
            • Fortalecimento das parcerias, alianças, articulações e afinidades;
            • Atenção especial às questões de gênero e gerações;
            • Educação para convivência com o semiárido e
            • Manejo adequado dos recursos naturais do semiárido.
          Ao ser apresentado, o projeto foi amplamente discutido pelas pessoas representantes
dos segmentos sociais dos municípios, as quais apresentaram interesse pelo desenvolvimento
das ações propostas.
          Foi esta comissão que cuidou da instalação do projeto e da sensibilização da comuni-
dade. No ano de 2001, após o Seminário de lançamento e apresentação do Projeto Piloto foi
aberto um concurso interno nas escolas da rede municipal para a escolha do nome do projeto.
          FECUNDAÇÃO, o nome escolhido fez jus à proposta de convivência com o
semiárido pela mística que envolve o próprio nome, conforme escreveu Iran Morais de
Oliveira, então coordenador do projeto, representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo
Nonato:
                        No projeto Fecundação está a Fé daqueles/as que acreditam em Deus
                        e sabem que as situações que levam milhares de pessoas ao sofrimento
                        [...] não é o projeto que o Deus da vida preparou para os seus filhos e
                        filhas [...].
                        No projeto Fecundação, fecunda é a terra que se prepara, indepen-
                        dente do seu clima, pois guarda potenciais próprios e características
                        só existentes nela, que se bem trabalhados, conduzidos e aproveitados
                        faz fecundar condições de vida. [...] e germinar possibilidades,
                        caminhos que devolvam a confiança e que mudem situações de morte
                        em situações de vida.
                        O projeto Fecundação é promotor de uma AÇÃO libertadora,

                                                                                                  O Sonho construído em mutirão
                        democrática e contextualizada. [...] Ações que comprometem,
                        provocam participação, que respeitam gerações, culturas/saberes e
                        natureza num objetivo comum de promoção da vida. (OLIVEIRA,
                        Iran M. de. In Boletim Projeto fecundação JULHO/AGOSTO
                        2004).
        Foi com esta visão que o projeto deu os seus primeiros passos para efetivação da
proposta de convivência com o semiárido, buscando a promoção da vida e sendo sinal de
esperança construída na partilha e na solidariedade em Coronel José Dias.
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                                       Localizando a experiência

                                                  O município de Coronel José Dias está localizado na mesorregião sudoeste piauien-
                                       se, microrregião de São Raimundo Nonato, no sopé do Parque Nacional da Serra da Capivara,
                                       a 550 km de Teresina – capital do Estado do Piauí –, área de domínio semiárido. Seus limites
                                       territoriais abrangem ao norte, o município de João Costa; ao sul, o Estado da Bahia e o
                                       município piauiense, Dirceu Arcoverde; A leste, o município de Dom Inocêncio e a oeste, os
                                       municípios de São Raimundo Nonato e São Lourenço do Piauí. Foi instalada no ano de 1992.
                                                  A população total do município é de 4.484 de habitantes, de acordo com o Censo
                                       Demográfico do IBGE (2009). Sua Área é de 1822 km² representando 0,7244 % do Estado,
                                       0,1172 % da Região e 0,0214 % de todo o território brasileiro. Seu Índice de Desenvolvimento
                                       Humano (IDH) é de 0,58 segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). É
                                       fortemente concentrada na área rural (81%) do município que conta com a densidade demo-
                                       gráfica de 2,15 hab/km². A População Economicamente Ativa (PEA) atinge 55% da popula-
                                       ção total.
                                                  Do ponto de vista social, o município apresenta indicadores compatíveis com os
                                       registrados na área do semiárido piauiense. No aspecto da saúde, constatava-se que as princi-
                                       pais doenças que acometiam a população local eram as diarréias, as infecções respiratórias e as
                                       verminoses. Uma das causas da diarréia era a água consumida e a falta de saneamento adequa-
                                       do nas localidades rurais e na sede do município.
                                                  O setor educacional apresenta uma rede de ensino formada por 41 unidades, sendo 3
                                       na sede do município e 38 na zona rural. O acesso ao ensino fundamental é garantido à popula-
                                       ção na faixa etária correspondente, com um índice de 11,37% de evasão escolar ao longo do
                                       período letivo. O analfabetismo atinge 39% da população total, sendo que o analfabetismo da
                                       população com mais de 15 anos é de 31%.
                                                  A base econômica do município é a agricultura de subsistência, com destaque para o
                                       milho e feijão, e a pecuária de pequeno porte, com a criação de caprinos, ovinos e aves, além a
                                       criação de abelhas. A vegetação de caatinga, com a predominância da favela, o angico e o
                                       marmeleiro, favorece a criação de caprinos. As floradas existentes nas proximidades da Serra
                                       da Capivara favorecem a apicultura, com uma significativa produção de mel.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                                  No município, há a predominância da agricultura familiar com base em pequenas
                                       propriedades rurais. O levantamento de dados realizados pela Cáritas nas localidades do
                                       município constatou a seguinte distribuição da população por situação ocupacional: a agricul-
                                       tura familiar desenvolvida em mini e pequenas propriedades predominam na maioria dos
                                       casos, seguida por famílias sem terra (diaristas, meeiros e parceiros) e assalariados e assalariadas
                                       (maioria do setor público).
                                                  O mesmo levantamento constatou que as principais fontes de renda identificadas no
                                       município são: a produção agrícola e pecuária, 48%, a aposentadoria de pessoas idosas, 41%, a
                                       ajuda de familiares ausentes, 7%; e o emprego público, 4%. Foi constatada também a faixa de
                                       renda da população: até ½ salário mínimo, 39%; mais de ½ até 1 salário mínimo, 58%; e entre 1
                                       a 2 salários mínimos, 3%.
                                                  As famílias que desenvolvem a agricultura familiar tinham grande dificuldade de
27

acesso às condições necessárias para desenvolver a atividade agrícola: a falta de crédito (custeio
e investimento, a assistência técnica, sementes, transporte para o escoamento de produção).
Os preços dos produtos eram baixos, estando a comercialização dependente do mercado
atravessador.
          Coronel José Dias é ladeado por serras, pelo lado oeste, com destaque para a Serra da
Capivara, onde está situado o Parque Nacional Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da
Humanidade. O Parque Nacional está localizado em quatro municípios piauienses, sendo que
maior parte fica no município de Coronel José Dias, abrigando os mais importantes Sítios
Arqueológicos e as duas áreas de maior atração turística, que são o Desfiladeiro da Serra da
Capivara e a Pedra Furada.
          Por ser a porta de entrada para o Parque, o município de Coronel José Dias é dotado
de grande potencial para o Ecoturismo, embora não haja investimentos suficientes nesta área
capazes de equiparar a infraestrutura do município às condições de cidade turística.
Atualmente é o município vizinho, São Raimundo Nonato, que explora o ecoturismo cultural
com localização de um hotel, um Museu e fundações culturais. No entanto uma das entradas
do Parque tem acessos pela sede de Coronel José Dias, através da localidade Sitio do Mocó.
          Há também na sede do município uma pequena indústria cerâmica (telhas e blocos) e
um setor comercial bastante precário, atingindo apenas uma pequena parte da população. Esta
base econômica, no entanto, não tem sido o suficiente para a manutenção dos serviços públi-
cos no município. A administração do município é totalmente dependente do repasse de
recursos dos governos Estadual e Federal.
          Localizado em pleno semiárido piauiense, um dos principais problemas enfrentados
pela população local são as estiagens que agravam a precária situação de sobrevivência da
maioria das pessoas. O levantamento realizado pela Cáritas constatou as principais consequên-
cias desses períodos:

                                           QUADRO 02
                                   CONSEQUENCIAS DAS ESTIAGENS

                                   Tipo de consequência*                                      %
  - Falta de água para o consumo humano                                                       76
  - Falta de água para os rebanhos                                                            60
  - Dificuldade de acesso a alimentos para a família                                          60
  - Dificuldade de acesso a alimentos para os animais                                         67
  - Perda total das lavouras                                                                  60
                                                                                                     O Sonho construído em mutirão
  - Perda parcial das lavouras                                                                24
  - Falta de trabalho                                                                         24
* Questão de múltiplas respostas: as pessoas entrevistadas indicavam até três consequências



         O acesso à água de boa qualidade é uma das dificuldades presentes não apenas nos
momentos de estiagem prolongada. O levantamento constatou que as principais fontes de
abastecimento de água da população das áreas rurais do município não eram adequadas.
28

                                                                 GRÁFICO 01
                                                ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS
                                            LOCALIDADES RURAIS DO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS


                                                                           Poços
                                                                           16%
                                                                                                   Cacimbas
                                                           Cisternas
                                                                                                   44%
                                                           17%


                                                                         Barragens
                                                                         23%




                                                 A dificuldade de acesso à água de boa qualidade para o consumo humano deve-se à
                                       escassez dos recursos hídricos no município. O território municipal é cortado pelos rios Piauí e
                                       São Lourenço e pelos riachos Mulungu, Lagos e cavaleiros. No entanto, estes rios e riachos são
                                       todos intermitentes e sofrem com o assoreamento e outros danos provocados nas suas
                                       imediações.
                                                 No que se refere às águas subterrâneas, constata-se que o solo cristalino dificulta a
                                       obtenção de água de boa qualidade através da perfuração de poços. Na maioria dos poços
                                       perfurados a água é salobra, imprópria para o consumo humano. No entanto, a 30 km do
                                       município encontra-se uma área sedimentar com água boa em abundância. Apenas um poço
                                       tinha água de boa qualidade servindo para o abastecimento da sede do município, que conta
                                       com um sistema de abastecimento através de dois chafarizes e carros pipas, sendo distribuída à
                                       população sem nenhum tratamento.
                                                 O município conta com pequenas barragens e açudes que favorecem o abastecimen-
                                       to de água para as famílias e pequenos rebanhos. A maioria destes barramentos demora pouco
                                       tempo com água, tendo em vista a rapidez e intensidade da evaporação, além de estarem
                                       assoreados, precisando urgentemente de reformas nas suas estruturas.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                                 Nos períodos em que a chuva atrasa, a escassez de água se torna ainda mais grave,
                                       sendo preciso o transporte de água da barragem Petrônio Portela, localizada no município de
                                       São Raimundo Nonato, através de carros pipas. No período de estiagem prolongada, as
                                       principais formas de abastecimento são: carro pipa (64%) e os animais de carga (27%). O
                                       levantamento constatou também que as mulheres carregavam água das fontes para as residên-
                                       cias, andando longas distâncias.
                                                 Com a fragilidade desses mananciais hídricos acima apresentados, uma das possibili-
                                       dades apropriadas para acesso à água de boa qualidade no município é a captação e armazena-
                                       mento de água da chuva. De acordo com o quadro 04, a quantidade de chuvas varia de 460 a
                                       850 milímetros/ano, com uma média anual de 580 mm. As chuvas estão concentradas no
                                       período de dezembro a março, sendo irregularmente distribuídas a cada ano, o que dificulta
                                       significativamente as práticas agrícolas.
29

                           QUADRO 03
       MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE 1994 A 1998 (mm)

Ano/mês            jan       fev      mar       abr       mai       jun       jul     ago       set      out      nov        dez      Total
 1994              78       124       175       30,1        -         -        -        -         -        -         -       8,3          463,4
 1995              52       131       33         72        32         -        -        -         -       42        42       107           569
 1996               -       96        229       106         -         -        -        -         -        -         -       84            542
 1997              218      75        374        66         -         -        -        -         -       57        57       21           855,5
 1998              129      148       30          -         -         -        -        -         -        -         -       199          505,6
Fonte: Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Recursos Hídricos. Banco de Dados Pluviométricos do Departamento de Hidrometeorologia


          Nos últimos anos, através do incentivo da Cáritas, tem sido implantadas cisternas
com sistema para captação de água da chuva nas residências localizadas no meio rural. A
prefeitura tem incentivado e apoiado esta iniciativa, favorecida pela captação de recursos do
Programa de Combate à Pobreza Rural – PCPR (Governo do Estado e Banco Mundial), tendo
sido construídas mais de 300 cisternas.
          O levantamento de informações realizado pela Cáritas em setembro de 2000 consta-
tou que as famílias residentes nas localidades que tiveram acesso às cisternas ressaltam as
seguintes melhorias: garantia do acesso e a qualidade da água consumida; aumento do tempo
disponível para outras atividades (antes ocupado para carregar água de longas distâncias); a
redução de doenças e a diminuição da dependência política das famílias em relação ao forneci-
mento de água (acesso a reservatórios, carros pipas etc.). No entanto, há o reconhecimento de
que esta quantidade de cisternas construídas é insuficiente para atender as demandas locais.
          O enfrentamento destas problemáticas acima apresentadas deve contar com a
participação de todos os setores sociais do município. O levantamento constatou que em
Coronel Jose Dias já existia um potencial organizativo que podia ser valorizado. Além do
Sindicado dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) existem cerca de 20 associa-
ções comunitárias e de pequenos trabalhadores e trabalhadoras rurais espalhadas pelo municí-
pio. A juventude participa com maior intensidade dessas organizações locais, tendo assumido a
liderança de algumas delas. O município também conta com alguns conselhos de gestão de
políticas públicas: saúde, educação, assistência social e desenvolvimento rural.
          Em duas das localidades pesquisadas já ocorria mobilização da população em busca
de soluções e atendimento de suas necessidades nos períodos de estiagem. Esta participação é
maior quando induzida, como é o caso de onze organizações comunitárias que afirmam ter
participado das atividades e planejamento das Frentes de Trabalho criadas no município, em
                                                                                                                                                  O Sonho construído em mutirão
1998.
          Outro exemplo deste potencial pôde ser medido pela participação de todas as
associações e de outras organizações locais na construção do projeto. No seminário realizado
em setembro de 2000, no município, os participantes identificaram estas problemáticas, mas
também reafirmaram a convicção de que é possível conviver com o semiárido, aproveitando de
modo sustentável suas potencialidades, com o uso de tecnologias de manejo de recursos
hídricos e de produção apropriada a esta realidade. O Quadro 04 expressa a opinião de quem
participa das associações comunitárias sobre as principais ações para conviver com a qualidade
de vida no semiárido.
30


                                                               QUADRO 04
                                          PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

                                             Tipos de ações                                                   n.   %
                                       1 - acesso à água para abastecimento familiar, criações de animais e
                                       pequenas plantações:                                                   33   100
                                       - Cisternas                                                            18   54
                                       - Restaurar açudes e barragens                                         06   18
                                       - Perfurar e equipar poços                                             04   12
                                       - Construir barreiros e cacimbas                                       03   09
                                       - Tratar a água                                                        02   06
                                       2 - Produção agrícola                                                  14    42
                                       - Produção de alimentos (culturas de sequeiro)                         07    18
                                       - Culturas permanentes: caju, mamona, palma                            05    15
                                       - Beneficiamento da produção agrícola                                  02    06
                                       - Acesso a sementes apropriadas                                        01    03
                                       3 - Apoio à produção pecuária                                          20   61
                                       - Criação de caprinos e ovinos                                         08   24
                                       - Melhoria de rebanhos                                                 06   18
                                       - Criação de abelhas (apicultura)                                      03   09
                                       - Beneficiamento da produção de mel                                    03   09
                                       4 - Apoio às atividades agrícolas e pecuária                           12   36
                                       - Assistência técnica                                                  04   12
                                       - Uso de tecnologias apropriadas                                       02   06
                                       - Crédito para produção                                                02   06
                                       - Capacitação                                                          03   09
                                       - Organizações comunitárias                                            01   03
                                       5- Outras iniciativas de geração de renda                              09   27
                                       - Setor turístico                                                      03   09
                                       - Artesanato                                                           06   18
                                       6- Serviços sociais Básicos                                            05   15
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
II




A Construção
     Diretrizes Gerais do PCSA
Miolo fecundação
33




Projeto Piloto de Coronel José Dias

           Conforme o Quadro 04 apresentado sobre a realidade do semiárido brasileiro, onde
foram destacados alguns dos principais problemas enfrentados pelas famílias e comunidades
empobrecidas da região, a Cáritas Brasileira Regional Piauí deu continuidade e ampliou a
intervenção nessa realidade, através de um projeto piloto voltado para a convivência harmôni-
ca e com qualidade de vida no semiárido brasileiro de acordo com os princípios do desenvolvi-
mento humano sustentável.
           Tratou-se de uma intervenção pró-ativa que precisou alguns princípios ou diretrizes
gerais orientadores dos objetivos a serem alcançados, bem como das atividades a serem
realizadas:
           a) Difusão de alternativas: a capacidade de transformar o alternativo em alterativo, ou
seja, a visibilidade do programa, a publicização e a disseminação de ações significativas que se
tornem referencias para a população local e para a formulação de políticas públicas apropria-
das à realidade do semiárido. Tomar como referência os impactos de implementação de
alternativas permanentes de convivência com o semiárido;
           b) Democratização das políticas públicas: aumento das capacidades organizativas,
fortalecimento das organizações comunitárias, desenvolvimento de conhecimento e do
controle e monitoramento das informações referentes ao semiárido e a aplicação de recursos
públicos. Inserir na agenda governamental um planejamento pró-ativo com a interiorização do
desenvolvimento e investimentos em infraestrutura social e econômica;
           c) Fortalecimento das parcerias, alianças, articulação e afinidades entre os diversos
órgãos da sociedade civil e do estado (nas esferas municipal, estadual e federal) que atuam na
região para realizar ações conjuntas que promovam impactos sociais e ambientais sustentáveis
em nível da região semiárida. Combinar ações para potencializar recursos e esforços;
           d) Atenção especifica às questões de gênero e gerações presentes no semiárido,
reconhecendo suas especialidades e buscando enfrentar processos culturais de exclusão, como
garantia de democratização e sustentabilidade das ações previstas no presente programa,
acesso das mulheres e jovens a programas de crédito e nos conselhos de políticas públicas;
           e) Educação para a convivência com o semiárido: ampliação das capacidades educa-
cionais (alfabetização, ensino básico para pessoas jovens e adultas, formação profissional e
                                                                                                     O Sonho construído em mutirão
assistência técnica); valorização de conhecimentos básicos de convivência com a região;
geração e difusão de informações;
           f) Manejo adequado dos recursos do semiárido (hídricos e produtivos): busca
permanente de informações e monitoramento das previsões de seca; conservação, uso
sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais; uso de tecnologias apropriadas;
fortalecimento da agricultura familiar; garantia de segurança alimentar; universalização do
abastecimento de água para consumo humano; acesso ao crédito e canais de comercialização;
estímulos a unidades de beneficiamento da produção e empreendimentos não-agricolas.
34




                                       Educar para Conviver

                                                 O problema da água no mundo tem no semiárido um agravamento maior, pois se
                                       trata de uma realidade onde a água disponível é escassa combinada com a falta de políticas
                                       públicas apropriadas ao uso sustentável dos recursos disponíveis, bem como a construção de
                                       obras hídricas capazes de abastecer toda a comunidade.
                                                 Se por um lado a ação política do Estado brasileiro em todos os níveis não tem sido
                                       capaz de solucionar este problema, por outro lado, a população não tem encontrado formas
                                       para sair da acomodação e mudar essa realidade. Então, faz-se necessário criar novos hábitos,
                                       rompendo com velhos costumes que só contribuem para a perpetuação da situação de mendi-
                                       cância em que vive maioria da população do sertão, agravadas em épocas de estiagem.
                                                 Torna-se, portanto, necessário e urgente investir na educação e mais ainda, em uma
                                       educação de qualidade e contextualizada na região.

                                                                Investir em educação é um dos passos mais decisivos para a superação de tal
                                                                realidade: os dados indicam que cada quatro anos de estudo da mãe
                                                                corresponde à redução de 20 pontos na pobreza das crianças e adolescentes
                                                                [...] (CARVALHO, 2004: 21).

                                                 Viver melhor no semiárido significa conhecer melhor a realidade, perceber as suas
                                       fragilidades e a sua viabilidade no jeito de plantar, de criar, de produzir e de lidar com os
                                       recursos disponíveis na região e estabelecer novas formas de se relacionar com o meio ambiente.
                                                 A convivência com o semiárido consiste em aproveitar as potencialidades da região e
                                       transformá-las em novas perspectivas de vida. Existem plantas e animais que se adaptam
                                       melhor ao clima e à vegetação, assim como o beneficiamento de frutos e a captação da água da
                                       chuva propiciam melhor desenvolvimento e renda para as comunidades e, consequentemente,
                                       para o município.
                                                 É preciso investir na educação, porque é através desta que a população se apropriará
                                       de novas técnicas de criação, plantação, produção e de conhecimento da realidade.
                                       Desenvolvendo estas experiências alternativas, estará contribuindo “para uma convivência
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                       mais solidária e sustentável com a região semiárida e com o meio ambiente em geral” (BRAGA,
                                       2004:28).
                                                 Isto terá um impacto grandioso na vida das pessoas no que se refere à valorização do
                                       lugar onde vivem e de si mesmas, enquanto pessoas capazes de mudar a realidade, evitando que
                                       as famílias se desagreguem pela busca de melhores condições de vida em outros lugares. Sabe-
                                       se que, “quando os trabalhadores do semiárido não conseguem produzir nem para comer ou
                                       dar comida aos seus animais, eles migram. Vão para outra região à procura de uma vida
                                       melhor” (LIMA &ABREU, 2005:15)
                                                 As condições de melhoria de vida estão no próprio lugar onde se vive. Basta acreditar
                                       em uma vida possível no semiárido a partir de um novo olhar para a realidade e um novo jeito
                                       de se viver, rompendo com a tradição do combate à seca e aprendendo a conviver com ela,
                                       numa perspectiva superadora das velhas práticas e instalação de novas capazes de garantir
35

qualidade de vida.
          A Educação para a Convivência com o Semiárido não é apenas uma ação social em
que as pessoas interagem entre si e vão passando novos conhecimentos informalmente. Esta
ação é necessária, mas não é suficiente. A escola será palco de novas práticas também, à medida
que, assuma a responsabilidade em difundir esta nova proposta, adotando metodologias
apropriadas e, sobretudo, que possibilite a construção de novos conhecimentos pautados na
realidade onde vivem.
          A educação escolar deve promover uma releitura da realidade do semiárido e contex-
tualizar o ensino de modo a se construir a convivência como um novo referencial para a região,
contribuindo para que as pessoas deste lugar aprendam a conviver consigo mesma, com as
outras pessoas e com o meio ambiente. Uma ação pedagógica efetiva poderá redimensionar a
relação sociedade-natureza e assim transformar um destino coletivo e um círculo vicioso de
degradação ambiental e pobreza em um espaço da vida e do aconchego. (BRAGA, 2004: 83- 84)
          A proposta de educação para a convivência com o semiárido está associada a um
projeto de sociedade onde se promova a dignidade humana, através de relações ecologicamen-
te saudáveis, economicamente justas e socialmente livres, condições necessárias para o desen-
volvimento sustentável, que está diretamente ligado ao atendimento das necessidades huma-
nas, sem causar prejuízos ao meio ambiente.
          Eis o grande desafio: conviver com o semiárido, a partir do conhecimento da realida-
de, das condições climáticas da região, do respeito à biodiversidade e da preservação do meio
ambiente, e criar condições de sustentabilidade econômica, social e ecológica dos seres ali
existentes.


Eixos de Atuação
        A partir das diretrizes, a Cáritas e as parcerias de elaboração e gestão do projeto,
seguindo a máxima de Educar para Conviver, decidiram delimitar os seguintes eixos de ação:
         •   Gestão
         •   Recursos Hídricos
         •   Produção Agropecuária Apropriada
         •   Educação Contextualizada

          Para cada eixo foi desenvolvida uma política de capacitação, que se constitui também

                                                                                                  O Sonho construído em mutirão
na formação de agentes multiplicadores e multiplicadoras da convivência com o semiárido nas
comunidades envolvidas no projeto. Embora professores e professoras assumam esta função
de forma mais intencional nas escolas onde trabalham a proposta de Educação
Contextualizada.
          Assumindo a dinâmica de intervenção na realidade a partir destes eixos, o Projeto
Fecundação conseguiu promover a discussão e, ao mesmo tempo, realizar as ações, integrando
campo e cidade e envolvendo homens e mulheres, crianças e jovens numa mesma perspectiva:
tornar melhor a vida em Coronel José Dias e proclamar as potencialidades do semiárido
brasileiro.
          Perpassando as ações desenvolvidas nos eixos de ação, buscou-se também trabalhar
as questões de gênero e geração, partindo do entendimento de que as relações “verticalizadas”
36

                                       e “patriarcais” são uma herança que se configura nas relações familiares e sociais de hoje. Desta
                                       forma, nos momentos de formação, esta temática buscou seu lugar na medida em que oportu-
                                       nizava questionamentos e reflexões quanto às relações de gênero e geração, promovendo-se
                                       um recorte, sobretudo em relação às condições da mulher.
                                                 Neste processo se entrelaçam questões sociais, culturais e de cidadania, com foco na
                                       política local, numa perspectiva de empoderamento das pessoas excluídas não somente de
                                       políticas públicas, mas também do poder de decisão.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
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Gestão

          Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da
sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos
programas implantados em nível local. A dificuldade de participação está relacionada com
diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de
participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos direitos, dos recursos
que são destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é que o Projeto Fecundação
trabalha o eixo Gestão: na perspectiva de empoderamento das pessoas, buscando a autonomia
e a sustentabilidade das ações desenvolvidas.
          O desafio de se constituir/construir uma gestão compartilhada do projeto foi
vivenciada desde o início da “gestação” do Projeto Fecundação. Segundo LÜCK (2001), o
próprio conceito de gestão já nos remete a uma idéia de participação, de um trabalho coletivo
de análise/reflexão sobre determinada situação que permite uma tomada de decisão sobre
como agir. Parte-se do princípio de que o sucesso de determinada proposição depende de uma
decisão conjunta do grupo envolvido, de forma recíproca, gerando um “todo” guiado por uma
“vontade coletiva”.
          Deste modo, buscou-se uma organização capaz de se responsabilizar pela execução e
animação do projeto e que fosse capaz de refletir e decidir de forma coletiva, sobre o processo
de construção das ações. Partiu-se da compreensão de que a gestão é um compromisso
coletivo do FAZER – REFLETIR – REFAZER.
          Para este exercício foi composta a comissão gestora do projeto fecundação, concebi-
da de forma a proporcionar a todas as pessoas envolvidas na experiência a apropriação de
saberes e fazeres no processo de execução da proposta. A comissão gestora do projeto fecun-
dação, desde a sua implantação no município foi composta por representantes da Cáritas
Diocesana de São Raimundo Nonato, da Igreja local, do sindicato dos trabalhadores, trabalha-
doras rurais e do poder público municipal. Figurando da seguinte forma:
         • 01 representante da Cáritas Regional
         • 01 representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato
         • 01 representante da Prefeitura Municipal

                                                                                                  O Sonho construído em mutirão
         • 01 representante da Igreja
         • 01 representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
         • 02 representantes das associações de produtores e produtoras (um dos quais deveria
         ser, necessariamente, uma mulher)
          Essa comissão gestora foi instituída com atributos de deliberação em algumas ações
do programa: aprovação de projetos de recursos hídricos e produtivos apresentados pelas
associações; monitoramento do projeto; definição da aplicação de recursos da partilha solidá-
ria; mobilização de recursos locais e em outros níveis para a efetivação das ações previstas.
          Foi instalado no município um escritório do projeto fecundação para atender às
demandas latentes e dar suporte às ações previstas, promovendo a coordenação, a administra-
ção das ações e o apoio técnico de modo a viabilizar o planejamento e a execução do projeto.
38

                                                 Contratou-se inicialmente um técnico agrícola, sob a responsabilidade da prefeitura
                                       municipal, e um auxiliar técnico administrativo que viabilizaria o contato com os grupos
                                       organizados, conforme as ações. Estes profissionais faziam parte da comissão gestora e se
                                       responsabilizaram pelo processo de acompanhamento das ações que vinham sendo desenvol-
                                       vidas, inclusive as reuniões da comissão.
                                                 A gestão do projeto adotou a estratégia de PMA – Planejamento, Monitoramento e
                                       Avaliação para melhor acompanhar o desenvolvimento das ações. Foram realizadas duas
                                       oficinas de PMA com o objetivo de propiciar espaço de análise e planejamento do processo de
                                       implantação do projeto no município e de compreender esta ferramenta como estratégia de
                                       acompanhamento das ações, numa perspectiva de superar as fragilidades, a partir do exercício
                                       da avaliação, do monitoramento e do (re)planejamento das ações.
                                                 Para possibilitar esta dinâmica, foram criados Grupos de Trabalho (GT), como
                                       forma de contribuição no acompanhamento das ações planejadas. Participam dos grupos
                                       pessoas que, de uma forma ou de outra, tem interesse pelas ações do projeto e indicadas pelos
                                       membros da comissão gestora. O grande objetivo dos GTs é discutir e aprofundar as temáticas
                                       e garantir as condições e estratégias para a execução das atividades de cada eixo do projeto.
                                                 Foram constituídos os seguintes grupos:
                                                • GT de Educação;
                                                • GT de Produção;
                                                • GT de Recursos Hídricos;
                                                • GT de Gestão.
                                                Foi definido também o papel dos membros dos GTs:
                                                • Organização das atividades de acordo com o planejamento
                                                • Reuniões de trabalho para execução das atividades
                                                • Contatos com as entidades parceiras para a gestão do projeto
                                                • Participação nas reuniões ampliadas da Comissão Gestora e dos encontros de PMA
                                                • Elaboração do relatório anual de atividades do GT
                                                • Assiduidade e compromisso com as ações do projeto de ECSA

                                                                   QUADRO 05
                                                 ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO
Cáritas Brasileira Regional do Piauí




                                                 Atividade                                   Detalhamento
                                        • Reuniões mensais da        As reuniões são espaços de discussão e controle das ações e o
                                        comissão gestora             momento de reflexão e definição de ações estratégicas de acordo
                                                                     com a necessidade.

                                        • 04 oficinas de PMA         Os encontros de PMA ocorreram entre os anos de 2001 a 2004
                                                                     com o objetivo de Propiciar espaços de análise e planejamento do
                                                                     processo de implantação e de desenvolvimento do projeto.

                                        • Reuniões com               Os grupos de trabalho foram criados para darem suporte às ações
                                        coordenações dos Grupos      e promover o acompanhamento a cada eixo.
                                        de Trabalho da comissão
                                        gestora.
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  • 1. Cáritas Brasileira Regional do Piauí Projeto Fecundação O sonho construído em mutirão Uma experiência de convivência com o semiárido Teresina - Piauí - Brasil, 2010
  • 2. O Sonho Construído em Mutirão: Uma experiência de convivência com o semiárido Direitos autorais - 2010 - Cáritas Brasileira Regional do Piauí Permitida a reprodução desde que citada a fonte Coordenação Colegiada Secretária Geral: Hortência Mendes Coordenador Político-Pedagógico: Adonias Rodrigues Coordenadora Administrativa: Célia Araújo Texto: Rosângela Ribeiro de Carvalho e João Evangelista Santos Oliveira Edição e Projeto Gráfico: Mariana Gonçalves Revisão: Assunção Sousa Colaboração: Carlos Humberto Campos Fotografias: Gildásio de Lima e Iran Morais Impressão: Gráfica do Povo Cáritas Brasileira Regional do Piauí Rua Agnelo Pereira da Silva, 3135 – São João Teresina – Piauí – Brasil – CEP: 64045-440 Telefone/fax: 32336302 E-mail: caritaspi@caritas.org.br
  • 4. Dedicamos... Dedicamos esse trabalho às populações que habitam o semiári- do piauiense. Mulheres e homens, que ao longo de suas histórias individuais e coletivas, construíram uma cultura simples e bela. Com sua fé consolidaram crenças e credos. Com seu suor, criatividade, trabalho e forças, suas vidas foram entregues como oferendas para salvar o ambiente exuberante que existe nesse pedaço de chão: Sertão. Caatinga. Semiárido...
  • 5. Sumário Siglas 07 Quadros e Gráfico 08 Prefácio 09 Apresentação 11 O SONHO O projeto de sistematização 15 Contextualizando o semiárido 18 Indicadores sociais motivadores do projeto 20 Antecedentes históricos da experiência 22 A escolha de Coronel José Dias 24 Localizando a experiência 26 A CONSTRUÇÃO Projeto Piloto de Coronel José Dias 33 Educar para Conviver 34 Gestão 37 Recursos Hídricos 42 Produção Agropecuária Apropriada 45 Educação Contextualizada 47 Fundo Rotativo Solidário 53 A REALIDADE Impactos da experiência no ambiente semiárido 57 Significado da experiência 60 A visão das pessoas envolvidas no projeto 63 Projeto Fecundação como Política Pública 69 Referências Bibliográficas 71 Anexos 73 Fotografias 85
  • 7. Siglas ASA Brasil – Articulação no Semiárido Brasileiro BAP – Bomba d’Água Popular BNB – Banco do Nordeste do Brasil CML – Projeto Cidadania no Mundo das Letras CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil COMDEPI – Companhia de Desenvolvimento do Piauí ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ECSA – Educação para Convivência com o Semiárido EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EPS – Economia Popular Solidária FPCSA – Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido GT – Grupo de Trabalho IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas P1+2 – Programa Uma Terra e Duas Águas PACs – Projetos Alternativos Comunitários PCSA – Programa de Convivência com o Semiárido PDHC – Projeto Dom Helder Camara PEA – População Economicamente Ativa PIAJ – Programa Infância, Adolescência e Juventude PMA – Planejamento, Monitoramento e Avaliação PMDS – Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável PME – Plano Municipal de Educação PMRH – Plano Municipal de Recursos Hídricos PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNE – Plano Nacional de Educação PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PSF – Programa Saúde da Família RESAB – Rede Educação do Semiárido Brasileiro SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas SEMEC – Secretaria Municipal de Educação SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste UFPI – Universidade Federal do Piauí
  • 8. Quadros QUADRO 01 – AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A RECURSOS HÍDRICOS – 1999 A 2000 (pag. 22) QUADRO 02 – CONSEQUÊNCIAS DAS ESTIAGENS (pag. 27) QUADRO 03 – MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS DE 1994 A 1998 (MM) (pag. 29) QUADRO 04 – PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO (pag. 30) QUADRO 05 – ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO (pag. 38) QUADRO 06 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO RECURSOS HÍDRICOS (pag. 43) QUADRO 07 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA APROPRIADA (pag. 46) QUADRO 08 – DESCRIÇÃO DAS 09 OFICINAS PEDAGÓGICAS (pag. 49) Gráfico GRÁFICO 01 – ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS LOCALIDADES RURAIS NO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS (pag. 28)
  • 9. 09 Prefácio O Brasil possui seis grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga (semiá- rido), Mata Atlântica e os Pampas. Compreendemos um bioma como uma área territorial que possui um conjunto de vida humana, vegetal e animal que cobre determinada região de forma contínua, em condições geoclimáticas semelhantes, o que acaba formando uma diversidade biológica muito própria. A caatinga, também conhecida como semiárido ou sertão brasileiro, cantada em versos e prosas, é propagada como uma das regiões mais pobres do Brasil. As pesquisas revelam que os Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) desta região estão abaixo da média nacional, contrariando todo o seu potencial natural e cultural. A seca – fenômeno natural do semiárido – é sinônimo de tragédia, provoca grandes problemas sociais, econômicos e políticos na região. Destrói as atividades agrícolas e pecuárias; agrava o problema da falta d’água até mesmo para o consumo humano. Ocasiona a sede, a fome e muitas mortes em consequências de doenças provocadas pelo consumo de águas impuras e contaminadas. Essa situação de extrema pobreza e falta de uma política de assistên- cia pública adequada, ao longo dos anos, tem sido a principal causa de migrações de popula- ções inteiras, em regiões de pobreza acentuada – como é o caso do Estado do Piauí – para outras regiões do país em busca da sobrevivência. Diante dessa realidade, a Cáritas Brasileira Regional Piauí, com a missão de promo- ver, animar, organizar e participar efetivamente da prática da justiça e da solidariedade, contri- buindo na construção de alternativas, vem procurando praticar e incentivar na sociedade ações solidárias aos povos do semiárido, como forma de transformar uma situação de morte para uma situação de vida. Com isso, a Cáritas implantou em 2001, no município de Coronel José Dias (PI), o Projeto FECUNDAÇÃO com o objetivo de contribuir, com as famílias e comuni- dades empobrecidas do semi-árido, para melhoria de suas condições de vida, através do acesso à água de boa qualidade e em quantidade suficiente para o consumo humano; e do desenvolvi- mento de conhecimentos e apropriação de saberes, habilidades e técnicas da agropecuária apropriada para a convivência sustentável no Bioma Caatinga. Com este documento, a Cáritas Brasileira Regional Piauí busca retratar em imagens e palavras o processo de transformação da história do povo de Coronel José Dias, a partir da O Sonho construído em mutirão intervenção do Projeto Fecundação, idealizado pela Cáritas Brasileira – Regional Piauí e desenvolvido em parceria com os segmentos sociais do município. A vontade de resgatar os processos de construção da proposta, as formas de gestão, a participação das pessoas envolvidas, o processo organizativo nas comunidades, os impactos e os desafios, as relações sociais, políticas e institucionais estabelecidas, numa perspectiva de se perceber a trajetória da experiência do Projeto Fecundação, vem sendo debatida no seio da Cáritas Brasileira Regional Piauí e na Comissão Gestora do projeto, há algum tempo. Através do nosso olhar sob a trajetória desenvolvida pelo projeto buscamos retratar os impactos sociais, ambientais e culturais desta experiência, mostrando as ações desenvolvi- das, o caráter destas ações, os desafios que elas nos apresentam e a sua importância para o povo do semiárido no município de Coronel José Dias.
  • 10. 10 Neste sentido, a sistematização assume como OBJETO, a experiência do Projeto Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi- vência com o semiárido, buscando revelar os impactos da experiência no ambiente semiárido e sua importância para o Programa de Convivência com o Semiárido da Rede Cáritas. Outra dimensão importante do Projeto FECUNDAÇÃO é a busca da construção do saber, através das experiências forjadas no meio do povo com o apoio de entidades não- governamentais, caracterizando a ausência de políticas públicas adequadas. Ou seja, compre- ender melhor o contexto do semiárido e a realidade vivida no dia-a-dia das populações sertane- jas, para, a partir daí, poder contribuir com maior segurança na elaboração de iniciativas de intervenção junto àquelas pessoas mais empobrecidas e necessitadas, e para a efetivação de uma proposta de desenvolvimento Territorial Sustentável, considerando principalmente as pessoas e o meio ambiente. Carlos Humberto Campos Sociólogo, Secretário Regional da Cáritas Brasileira Regional do Piauí (2002-2009) Cáritas Brasileira Regional do Piauí
  • 11. 11 Apresentação A Cáritas Brasileira Regional do Piauí agiu coletivamente na busca de melhores condições de vida para as famílias excluídas, lançando mais uma semente que veio germinar no solo do semiárido com suas diversas características: rasos, arenosos, argilosos, pedregosos, de baixa e média fertilidade e que retém pouca água. Neste ambiente onde, à primeira impressão, pareça ser inabitável, a semente chamada de Projeto Fecundação já rende frutos. Frutos que podem ser apreciados ao longo desta publicação. O Projeto Fecundação, uma ação pioneira da Cáritas Brasileira, é resultado de um conjunto de pessoas, identificadas como agentes, voluntários e voluntárias, técnicos e técnicas, famílias agricultoras, professores e professoras, alunos e alunas, religiosos e religiosas, gestores públicos, parlamentares, crianças e pessoas idosas. Todos protagonistas deste processo e fazem da Cáritas Brasileira essa imensa Rede de Solidariedade. São pessoas que habitam no ambiente semiárido do Estado do Piauí, no território da Serra da Capivara e especificamente localizadas e radicadas no município de Coronel José Dias. Pessoas que se juntaram com o compromisso maior da valorização da vida. Não se pode esquecer parceiros importantes como o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA, que repassou toda experiência em assessoria técnica adquirida no apoio à agricultura familiar no Estado da Bahia, e a Cáritas Alemã que ofereceu colaboração e aporte financeiro para viabilizar a proposta em todas as etapas do projeto. As etapas se desenvolveram em oito anos de caminhada, garantindo o acúmulo de um conjunto de informações que possibilitou a implantação e vivência da proposta de Educação para Convivência com o Semiárido – ECSA em todo o país. Trata-se de um trabalho fincado em quatro eixos de ação: Gestão, Recursos Hídricos, Produção Agropecuária Apropriada e Educação Contextualizada. Eixos que garantiram a implantação de processos democráticos e participativos, água de qualidade para o consumo das famílias, aumento e diversificação da produção de base agroecológica. Tudo através de processos educativos que começaram pela desconstrução de paradigmas enraizados dentro da educação formal de combate à seca e pela construção de novas concepções e possibilidades de convivência com a região semiárida. Este trabalho mostra uma boa experiência sobre a convivência com a região semiári- O Sonho construído em mutirão do e as condições criadas com as ações reforçam o debate de Desenvolvimento Sustentável e Solidário, valorização da cultura, relações familiares e de gênero. Condições que afirmam o protagonismo das pessoas como cidadãs, parte importante de uma democracia. Importante registrar a participação de todas as mulheres protagonistas nesse proces- so. Elas estão no antes, durante e firmes na continuidade do projeto. Elas são maioria na educação, como professoras ou mães e passaram a ver e a participar da vida da escola em que filhos e filhas estudam. Presentes na produção, firmes na geração de renda passaram a produ- zir os mais variados produtos derivados do Umbu, planta nativa da caatinga e sagrada, segundo a cultura e os costumes locais. A experiência do Fecundação tem o cheiro da terra molhada com as primeiras chuvas, tem a beleza da caatinga que se torna verde viva com uma gota d’água. Tem a criativi-
  • 12. 12 dade de um povo que também se adaptou para crescer e multiplicar. Tem a diversidade de conhecimentos construídos em mutirão que continua formando consciências. Tem toda uma gente simples, hospitaleira, que gosta de dançar, que tem valor, que ama seu chão e diz com segurança “daqui não saio não”. Considerando as palavras do compositor João Bosco: “Vida é fazer todo sonho brilhar”, o Projeto Fecundação fez brilhar o sonho de moradores e moradoras de Coronel José Dias, pelas mãos de pessoas que acreditaram neste sonho. Rosângela Ribeiro de Carvalho - Professora da rede pública, ex-assessora do projeto Fecundação e organizadora desta sistematização João Evangelista Santos Oliveira - Coordenador do Programa de Convivência com o Semiárido - PCSA da Cáritas Brasileira Regional do Piauí Cáritas Brasileira Regional do Piauí
  • 15. 15 O projeto de sistematização “Quem não tem desejo não caminha, porque não sonha, não busca o novo, não muda” (Ana Maria & Susan Chiode, 2002) A sistematização da experiência teve início quando a equipe da Cáritas Brasileira Regional Piauí expressou o desejo de construir um documento que pudesse retratar a expe- riência, pelo seu caráter de mobilização social e de transformação da realidade. Tomando-se então como objeto da sistematização “A experiência do Projeto Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi- vência com o semiárido”, buscou-se reviver a experiência, recuperando os processos vivencia- dos a partir do registro dos passos dados pelo projeto, evidenciando a avaliação processual das ações realizadas e as conclusões sistematizadas, a partir de relatórios e de outros documentos produzidos pela comissão gestora do projeto e pelo PCSA – Programa de Convivência com o Semiárido da Cáritas Brasileira Regional Piauí e Secretaria Municipal de Educação. A fala das pessoas envolvidas foi registrada numa perspectiva de possibilitar o confronto dos dizeres de quem faz a experiência e de mostrá-las enquanto protagonistas deste processo, pelo compromisso de construir novas perspectivas para a realidade em que vivem, superando preconceitos em torno do semiárido, quebrando paradigmas e vivenciando novas relações. Partiu-se da concepção de que a sistematização resgata os processos de mudanças e os valores construídos numa determinada experiência, juntando fatos, ocorrências, depoi- mentos e, sobretudo, sentimentos. “Como produção de saber da experiência, a sistematização busca identificar as ideias, os sentimentos e as formas de fazer que ela esteja construindo ou proporcionando aos diversos sujeitos envolvidos”. (SOUZA, 2000, p.35). Não se trata aqui de abrir um debate conceitual em torno da sistematização, mas de evidenciar as referências tomadas para registrar a experiência do Projeto Fecundação, reafir- mando a proposta de convivência com o semiárido num processo de construção coletiva, que possibilita, a partir do conhecimento da realidade, refletir sobre suas vivências, valores e atitudes, promovendo a desconstrução de saberes e fazeres. O Sonho construído em mutirão Sistematizar aqui reúne avaliação e pesquisa, à medida que busca revelar nos dados coletados a investigação do que foi realizado, diante do que foi planejado e ainda, refletir sobre os resultados alcançados numa perspectiva de revelar as mudanças no modo de vida da população e dos avanços e desafios encontrados ao longo da experiência. Neste sentido, ao fazer o resgate, o documento buscou também dar visibilidade às ações de convivência com o semiárido, destacando a importância da experiência para o PCSA desenvolvido pela rede Cáritas. Neste processo, foi importante a identificação de mudanças nas relações de gênero e geração, a partir da implantação do projeto e de outros processos de novas relações em favor da dignidade humana e do desenvolvimento sustentável. Isto só foi possível, a partir do consenso em torno da definição do objeto e do eixo
  • 16. 16 central da sistematização, o que possibilitou avançar neste propósito e adotar procedimentos teóricos metodológicos capazes de revelar o sentimento das pessoas envolvidas, através das entrevistas individuais e coletivas, que associadas à pesquisa bibliográfica, viabilizaram a análise documental da experiência. Tal análise foi realizada sob um olhar crítico em que os elementos do discurso se encaminharam para um conjunto de informações que convergiram para um mesmo ponto: a introdução de novas práticas de convivência superando o paradigma de combate à seca. Cada passo da sistematização envolveu diálogos, leituras, reflexão, seleção e muita emoção: angústias e incertezas diante das dificuldades em coletar as informações necessárias, mas também contentamento e satisfação pelo dever cumprido e, sobretudo, pelas certezas reveladas de uma experiência que deu certo e que mudou a vida de muita gente. Perguntas orientadoras: 1. Em que consiste o Projeto Fecundação? (Objetivos e metas) 2. Quais as linhas de ação desenvolvidas pelo projeto? 3. Que ações foram desenvolvidas? 4. Como as ações desenvolvidas contribuíram para a transformação da realidade do município? 5. Quem são os protagonistas da experiência? 6. O que pensam as pessoas envolvidas neste processo sobre os impactos do projeto na vida do município? 7. Qual a compreensão das pessoas envolvidas em relação à mudança de paradigma no tocante à convivência com o semiárido e o combate à seca? 8. Como as ações do projeto influenciaram nas relações de gênero e geração? 9. O que representa a experiência para o Programa de Convivência com o Semiárido da rede Cáritas? 10. Como era a vida das pessoas antes da implantação do projeto no município? 11. Em relação às linhas de ação, que mudanças significativas foram efetivadas? 11.1 - Que mudanças ocorreram na educação do município a partir da ECSA? (Organização/estrutura; índices/resultados de aprendizagem...)? 11.2 - O que representa para o município e para as famílias agricultoras e produto- ras a adoção da agricultura e produção apropriada? 12. De que forma pode-se perceber o fortalecimento da participação da sociedade civil na elaboração, implementação e controle social de políticas púbicas do municí- Cáritas Brasileira Regional do Piauí pio? 13. Em que medida as ações desenvolvidas pelo projeto possibilitaram aos partici- pantes serem protagonistas dessa experiência? 14. Em que o Projeto Fecundação contribuiu para o desenvolvimento sustentável da região? Procedimentos Teórico-metodológicos: 1. Antecedentes Históricos Processo de construção e contextualização do Projeto Fecundação 2. Concepção do Objeto Os objetivos do Projeto Fecundação, a metodologia e as perspectivas 3. Trabalho de Campo
  • 17. 17 - Realização de entrevistas individuais e coletivas - Construção de Histórias de Vida dos sujeitos da experiência - Pesquisa bibliográfica Procedimentos de análise e interpretação: Categorias de análise: Convergências e divergências/ Presenças e ausências/ Tendências e associações/ Convivência e combate. 1. Análise documental (relatórios, slides, correspondências, documentários etc.) 2. Análise da experiência dos participantes (entrevistas individuais e coletivas, depoimentos etc.) O Sonho construído em mutirão
  • 18. 18 Contextualizando o semiárido O semiárido brasileiro é o maior do mundo e se estende por uma área de 975 mil km², abrangendo mais de 86% da região nordeste e penetrando no norte do estado de Minas Gerais. É o semiárido com maior densidade demográfica do mundo. Nessa área vivem cerca de 26 milhões de habitantes em 1.113 municípios, e dela faz parte a maior concentração de popula- ção rural do Brasil. No Piauí a região semiárida abrange 125.692 km² - dos 252.378 km² totais do Estado - ocupando boa parte do setor central e sul, fazendo fronteira com os estados do Ceará, Pernambuco e Bahia, e correspondendo a 13,96% da área do semiárido brasileiro. Dados do Governo do Estado e da Universidade Federal do Piauí (UFPI) dão conta de que dos 224 municípios piauienses, 156 estão localizados na região semiárida, com uma população de 956.617 habitantes. No semiárido brasileiro ocorrem uma ou duas estações de chuva, de quatro a cinco meses de duração. A pluviosidade varia entre 300 e 800 mm/ano. As temperaturas médias variam de 23 a 39º C, com forte evaporação potencial (mais de 2.000 mm/ano). Estudos revelam que metade da área da região semiárida é composta por embasamento cristalino, com acumulação de água apenas nas fraturas, e a outra metade é composta de terrenos sedimenta- res, com a boa capacidade de armazenamento de águas subterrâneas. Muitas vezes, quando a água é encontrada no subsolo, através da perfuração de poços, sejam eles tubulares, cacimbões ou artesianos, trata-se de uma água salobra, de péssima qualidade para o consumo humano e animal. Os longos períodos de escassez de chuvas acontecem principalmente na época do plantio de arroz, feijão, mandioca e milho, culturas predominantes da região. Estudos mais recentes concluíram que esse problema agrava-se num ciclo de vinte a vinte anos, caracterizan- do períodos mais longos de estiagens, as chamadas “grandes secas”. As “grandes secas” são caracterizadas pelo esgotamento da umidade do solo, fenecimento das plantas por falta de água, depleção do suprimento de água subterrânea e redução e eventual cessação do fluxo dos cursos de água. O Estado do Piauí é caracterizado por três regimes pluviométricos bem definidos, Cáritas Brasileira Regional do Piauí que iniciam no mês de novembro na região Sul e prolonga-se até o mês de maio na região Norte. Em menos da metade do território piauiense (48,36%), as chuvas são superiores a 1.000mm. Os cursos d’água apresentam regime hidrológico intermitente na estação chuvosa e permanecem completamente secos após a estação das chuvas, com curvas de recessão atingin- do rapidamente o ponto zero. O flagelo das secas ocorre quando as chuvas são insuficientes ou irregulares demais para permitir a produção que assegura a subsistência das famílias do semiá- rido que, mesmo em anos normais, já vivem em condições limites de pobreza. Além de vulnerabilidade climática do semiárido, grande parte dos solos da região encontra-se degradada. Os recursos hídricos rumam à insuficiência. A água é o fator mais rico do semiárido, porque é um limitativo tanto da ocupação humana quanto das atividades agrope- cuárias. Os ecossistemas regionais são frágeis e não estão sento protegidos, pondo em risco a sobrevivência de muitas espécies de vegetais e animais, criando ainda riscos a ocupação
  • 19. 19 humana, associados, inclusive, a processo em curso, como a desertificação. Apesar dessas características gerais, o semiárido brasileiro é uma realidade complexa: a EMPRAPA identificou cerca de 170 diferentes tipos de sistemas geoambientais (ecossiste- mas). Essa complexidade exige mudanças nas formas de conceber e intervir nessa realidade. É possível conviver com o semiárido apesar das fragilidades. Ter muita luminosidade, ter muito calor e ter baixa unidade são elementos diferenciais para o desenvolvimento da região. O semiárido piauiense apresenta grandes potencialidades econômicas e sociais, entre as quais podem ser mencionadas: solos adequados para práticas agrícolas apropriadas; áreas sedimentadas com boa disponibilidade de águas subterrâneas; açudes públicos com elevadas reservas de água; a rica biodiversidade da caatinga na qual se destaca o elevado potencial de exploração; a agroindustrialização de produtos agrícolas e agropecuários, como a castanha de caju e o mel da abelha; a irrigação dos vales úmidos, principalmente com a perenização dos rios; o criatório animal; o turismo ecológico, cultural e religioso; as diversas práticas artesanais; o extrativismo mineral e a localização de vários centros de pesquisas. Mas apesar dessas potencialidades, a região não consegue superar seus péssimos indicadores sociais e nem autofinanciar seu desenvolvimento econômico, seja pela ausência de poupança interna, seja pelo elevado déficit da balança comercial. Além desses fatores econô- micos, a falta de conhecimento adequado do semiárido piauiense levou a introdução de diversas atividades produtivas – agropecuárias extrativas e industriais – que não apresentam sustentabilidade ambiental e nem se tornam vantagens competitivas dinâmicas. O Sonho construído em mutirão
  • 20. 20 Indicadores sociais motivadores do projeto A pobreza está disseminada por todo o Estado do Piauí e sabe-se que os dez maiores índices de indigência absoluta são verificados nos municípios mais populosos e que desempe- nham funções polarizadoras. Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (PNAD), realizada pelo IBGE em 1997, a População Econômicamente Ativa (PEA) do semiárido piauiense foi estimada em 538 mil pessoas, sendo que 41% não auferiam qualquer rendimento e cerca de 40% recebiam entre R$ 33,00 e R$ 100,00 por mês. Dessa população trabalhadora, 67% desenvolviam atividades ligadas à agricultura ou atividades afins. Nesse contexto, foi possível identificar as principais problemáticas enfrentadas pela população empobrecida do semiárido: a dificuldade de aceso à água e a alimentos em quantida- des e com qualidade para o consumo humano, principalmente nos períodos de estiagem prolongada na região. Esse problema era fruto da estrutura excludente que predomina na área, baseando na concentração da terra e da água, além da dificuldade de acesso da agricultura familiar aos meios e recursos necessários a produção agrícola e pecuária. A persistência desses problemas por centenas de anos conduz a identificação de suas causas. A principal delas, certamente, é a forma de intervenção do poder público nessa região. As políticas públicas são excludentes e inapropriadas ao semiárido, caracterizadas pelo caráter emergencial fragmentado e descontinuo das ações desenvolvidas nos momentos de calamida- de pública ocasionadas pelas estiagens prolongadas. A intervenção estatal privilegia a construção de grandes obras hídricas que favorecem principalmente às empreiteiras, à grande propriedade rural e às agroindústrias que desenvol- vem a agricultura irrigada na região, sem considerar as condições específicas do meio ambiente e da população. As grandes barragens contribuem para a concentração da água, alagam faixas de terras cultiváveis, deslocam cidades inteiras e pioram as condições de vida das populações ribeirinhas que nunca são consideradas nos processos de planejamento. Já as grandes áreas de produção irrigadas são degradadoras dos ecossistemas do semiárido. Além do desmatamento para implantação das áreas de produção irrigada, constata-se que a utilização de métodos Cáritas Brasileira Regional do Piauí inapropriados de irrigação e a utilização de produtos químicos contribuem para a formação de áreas desertas no semiárido. De modo geral, as práticas agropecuárias (com tecnologias tradicionais e modernas) utilizadas no semiárido são inadequadas e degradadoras do meio ambiente. As queimadas desordenadas e uso de defensivos e fertilizantes químicos também ocasionam o empobreci- mento dos solos, pondo em risco os ecossistemas e a própria vida humana. Isso se deve ao fato de que a maioria da população do semiárido não tem um conhecimento adequado do seu meio ambiente, de suas potencialidades e limites e de estratégias de sobrevivência adequadas na região. Além da dificuldade de acesso à água para o consumo humano em quantidade suficiente, as famílias residentes no semiárido consomem água de péssima qualidade, sem um tratamento adequado. Esse consumo de água tornou-se uma prática tradicional naturalizada,
  • 21. 21 embora tenha como consequência direta o aumento de inúmeras doenças, com elevados índices de mortalidade infantil. A dificuldade de acesso à água para o consumo humano e doméstico, além de ser determinada pela privatização e concentração das águas em grandes reservatórios hídricos, está diretamente relacionada com uma cultura de desvalorização da captação, armazenamento e tratamento da água da chuva. Diante dessas constatações de principais causas das problemáticas do semiárido, poderiam parecer fáceis as soluções: tornar as políticas públicas apropriadas à região e promo- ver a educação para a convivência com o semiárido. No entanto, a sociedade civil não tem conseguido participar efetivamente dos processos de formulação de políticas públicas para a região, apesar de ter dado alguns passos importantes nos processos de articulação de entidades em nível dos Estados e na experimentação e disseminação de alternativas produtivas e de recursos hídricos adaptados à realidade do semiárido. Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos programas implantados a nível local. A dificuldade de participação está relacionada com diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos recursos que são destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é urgente a melhoria na qualidade da informação e dos canais de comunicação entre governo e sociedade civil, otimizando a difusão de tecnologias apropriadas ao semiárido. No campo político-institucional, apesar dos recentes avanços no processo de demo- cratização, organização da sociedade e mecanismos de participação social, ainda persistem, na região do semiárido, práticas clientelistas e outras formas de apropriação privada do Estado. A capacidade dos organismos públicos em atender com eficiência as demandas sociais é bastante limitada em decorrência da baixa qualificação dos seus recursos humanos, das deficiências organizacionais e dos mecanismos de gestão e insuficiências materiais e financeiras. O Sonho construído em mutirão
  • 22. 22 Antecedentes históricos da experiência A Cáritas Brasileira é um organismo ligado à Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, testemunhando o Evangelho da Esperança de Jesus, compromete-se a promover e animar o serviço da solidariedade ecumênica libertadora, participar da defesa da vida, da organização popular e da construção de um projeto de sociedade, a partir dos excluí- dos e excluídas, contribuindo para a conquista da cidadania plena para todas as pessoas, a caminho do Reino de Deus. A Cáritas tem tido uma presença constante nessa realidade do semiárido brasileiro, contribuindo com as famílias empobrecidas, através de diversas formas de atuação: na realiza- ção de campanhas de solidariedade nos momentos emergentes de calamidade pública, que agravam a situação estrutural de miséria e pobreza na região; no desenvolvimento de ações permanentes de formação e de apoio às organizações comunitárias; nas iniciativas comunitári- as de geração e melhoria de renda (com os projetos alternativos comunitários); na dissemina- ção de técnicas apropriadas de manejo de recursos hídricos; e no apoio efetivo (financeiro e material) para a construção de pequenos reservatórios de água da chuva, para manutenção, equipamento e recuperação de mananciais e reservatórios hídricos para abastecimento familiar. Nos últimos anos, a Cáritas Brasileira tem tentado desenvolver uma intervenção pró- ativa na região (atuando sobre as causas dos problemas e não sobre suas consequências) através da formação para a cidadania, a universalização do acesso à água para o consumo humano e a produção como elementos estratégicos para melhoria da qualidade de vida na região. Entre 1998 e 1999, a Cáritas Brasileira Regional Piauí coordenou a distribuição de 1.100 (mil e cem) toneladas de alimentos para 55 mil famílias (cerca de 275 mil pessoas) que estavam em situação de calamidade. Foram realizadas ações permanentes de infraestrutura hídrica, apoiando a construção de 363 cisternas de placas (captação e armazenamento de água da chuva), equipando 17 poços artesianos, revestindo 12 poços e realizando 02 canalizações para facilitar o acesso das famílias e comunidades rurais à água para consumo humano. Além dessas ações diretas, a Cáritas realizou diversas atividades pedagógicas de capacitação de Cáritas Brasileira Regional do Piauí agentes pastorais e animadores de comunidade, aprofundando o conhecimento da realidade e das formas de convivência com o semiárido piauiense. QUADRO 01 AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A RECURSOS HÍDRICOS -1999 A 2000 Tipo de ação Cisternas Valor (R$) Famílias Pessoas Localidade Município Construção de cisternas 397 181.481,00 409 2.045 34 12 Revestimento e equipamento de poços 18 41.318,49 5.554 30.000 13 11
  • 23. 23 O programa de convivência com o semiárido não se resume à construção de cisternas e outras ações de apoio hídrico e produtivo. As ações político-pedagógicas são prioritárias. Os processos pedagógicos se referem tanto à disseminação de alternativas viáveis para a convivên- cia com o semiárido e à realização de campanhas educativas para conhecimento adequado da realidade, quanto ao respeito aos seus limites e aproveitamento de suas potencialidades. Anualmente a Cáritas realiza atividades na “Semana da Água” junto com outras entidades, na oportunidade em que chama a atenção para as diversas dimensões da problemática da água nos nossos dias e mobiliza a sociedade para apoiar e lutar para que todas as famílias que residem no semiárido piauiense possam a ter acesso à água de boa qualidade. Ainda no aspecto educativo merecem destaque as atividades de formação realizadas no âmbito do PCSA. Foram realizados os cursos sobre manejo de recursos hídricos, tendo como temática central “O uso e o tratamento d’água”, atendendo ao publico de todas as dioceses do Piauí. A realização dos cursos foi de fundamental importância, pois as famílias rurais ainda possuem muita dificuldade em entender e desenvolver tecnologias alternativas e apropriadas para a convivência com o semiárido e mais precisamente para o manejo de recur- sos hídricos. Esses cursos visam à formação de multiplicadores e multiplicadoras para o desenvolvimento do trabalho na comunidade, na perspectiva de promover e desenvolver a organização para a convivência com o semiárido. No aspecto sociopolítico, a Cáritas Brasileira Regional Piauí teve uma atuação decisiva para a articulação do Fórum de Convivência com o Semiárido no Piauí (FPCSA). Esse fórum conta com a participação de outras 12 organizações não governamentais do Piauí que tem o compromisso político e ações voltadas para a convivência com o semiárido em nosso Estado, possibilitando as parcerias e convênios que procuram canalizar recursos públicos para a região, como por exemplo, um convênio firmado entre as ONGs e a SUDENE (Superinten- dência para o Desenvolvimento do Nordeste), em que a Cáritas participa com a capacitação de 810 pessoas para a construção de cisternas de placas. Outra ação significativa do FPCSA ocorreu durante a semana da água em 2000. O Fórum programou e realizou uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado para discutir sobre as políticas públicas para recursos hídricos do Piauí e as alternativas. Participaram da audiência, representantes da Assembléia Legislativa, Secretaria de Recursos Hídricos do Estado, SUDENE, COMDEPI, DEFESA CIVIL, Cáritas Brasileira e mais outras ONGs. Dali resultou um compromisso e abertura por parte da Assembléia para a continuidade dos debates sobre o tema acima referido. A partir dessa experiência em nível estadual, a Cáritas Brasileira Regional Piauí percebeu que era necessário desenvolver um projeto piloto no âmbito de um município, O Sonho construído em mutirão possibilitando a integração dos sujeitos e das diversas ações de convivência com o semiárido (recursos hídricos, produção agrícola e não agrícola, educação, construção de políticas públi- cas apropriadas, serviços sociais básicos, etc.). A Cáritas acredita que a concentração de ações e a produção de resultados significativos em um município possam ter uma maior capacidade de impacto em nível de outros municípios do semiárido e das políticas públicas estaduais e nacionais.
  • 24. 24 A escolha de Coronel José Dias Os processos de discussão foram sendo construídos e, a partir de abril de 2000, a Cáritas Brasileira Regional do Piauí definiu, pelas condições climáticas da região e pela disponi- bilidade da equipe regional, implantar o projeto na Diocese de São Raimundo Nonato. Diante disso, passou-se a analisar as condições dos municípios daquela região para receber as ações do projeto e, após estudos e reflexões, foi apresentado ao município de Coronel José Dias. O município foi escolhido com base nos seguintes critérios: localização no semiárido com a incidência das problemáticas de convivência com a região; a possibilidade de continuida- de de ação através de parcerias com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e o governo municipal; a existência de estrutura de apoio (Cáritas Diocesana ou entidade membro, apoio da Igreja local – paróquia); indicadores socioeconômicos: nível de renda, analfabetismo, mortalidade infantil e abastecimento de água. A elaboração do projeto foi assumida pelos agentes da Cáritas e contou com a participação ativa de representantes da prefeitura municipal de Coronel José Dias, representan- tes das organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias das comunidades rurais do município. As principais atividades realizadas foram: um levantamento de informações em cada uma das localidades do município, identificando os aspectos sociais e econômicos da realidade local, as principais problemáticas, potencialidades e expectativas dos moradores e moradoras daquela região. Em setembro de 2000, foi realizado um Seminário Municipal de Planejamento, com a participação de 95 pessoas, onde foi aprofundado o diagnóstico com a identificação das potencialidades municipais e os principais problemas enfrentados pelas famílias. Estes eventos realizados possibilitaram também a identificação de prioridades de ação, a consensualidade de objetivos e interesses e a afirmação de compromissos entre as diversas organizações partici- pantes. O seminário municipal, acima citado, foi planejado e realizado conjuntamente pela Cáritas Brasileira Regional Piauí, Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, Paróquia de Coronel José Dias e pelo Governo Municipal que assumiu as atividades de articulação, trans- porte, alimentação e hospedagem das pessoas participantes, além de oferecer toda infraestru- tura necessária a realização do evento. Cáritas Brasileira Regional do Piauí Objetivos: A experiência teve como objetivo geral desenvolver um conjunto de ações articuladas que possibilitassem melhoria das condições de vida das famílias que residiam no semiárido do município e, a partir dos resultados alcançados, propor políticas públicas apropriadas ao semiárido nos níveis municipal e estadual. Objetivos específicos: • Viabilizar o acesso a estruturas de captação e armazenamento de água de chuva e o aproveitamento sustentável dos mananciais hídricos existentes no município; • Favorecer o acesso a recursos e infraestrutura para o desenvolvimento de iniciativas produtivas apropriadas ao semiárido favorecendo a melhoria de renda
  • 25. 25 das famílias; • Promover capacitação de agentes de desenvolvimento sustentável no município; • Fortalecer a participação da sociedade civil na elaboração, implementação e controle social de políticas públicas; • Garantir a visibilidade e difusão das ações e resultados. Assumiram-se também as seguintes diretrizes: • Difusão de alternativas; • Democratização das políticas públicas; • Fortalecimento das parcerias, alianças, articulações e afinidades; • Atenção especial às questões de gênero e gerações; • Educação para convivência com o semiárido e • Manejo adequado dos recursos naturais do semiárido. Ao ser apresentado, o projeto foi amplamente discutido pelas pessoas representantes dos segmentos sociais dos municípios, as quais apresentaram interesse pelo desenvolvimento das ações propostas. Foi esta comissão que cuidou da instalação do projeto e da sensibilização da comuni- dade. No ano de 2001, após o Seminário de lançamento e apresentação do Projeto Piloto foi aberto um concurso interno nas escolas da rede municipal para a escolha do nome do projeto. FECUNDAÇÃO, o nome escolhido fez jus à proposta de convivência com o semiárido pela mística que envolve o próprio nome, conforme escreveu Iran Morais de Oliveira, então coordenador do projeto, representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato: No projeto Fecundação está a Fé daqueles/as que acreditam em Deus e sabem que as situações que levam milhares de pessoas ao sofrimento [...] não é o projeto que o Deus da vida preparou para os seus filhos e filhas [...]. No projeto Fecundação, fecunda é a terra que se prepara, indepen- dente do seu clima, pois guarda potenciais próprios e características só existentes nela, que se bem trabalhados, conduzidos e aproveitados faz fecundar condições de vida. [...] e germinar possibilidades, caminhos que devolvam a confiança e que mudem situações de morte em situações de vida. O projeto Fecundação é promotor de uma AÇÃO libertadora, O Sonho construído em mutirão democrática e contextualizada. [...] Ações que comprometem, provocam participação, que respeitam gerações, culturas/saberes e natureza num objetivo comum de promoção da vida. (OLIVEIRA, Iran M. de. In Boletim Projeto fecundação JULHO/AGOSTO 2004). Foi com esta visão que o projeto deu os seus primeiros passos para efetivação da proposta de convivência com o semiárido, buscando a promoção da vida e sendo sinal de esperança construída na partilha e na solidariedade em Coronel José Dias.
  • 26. 26 Localizando a experiência O município de Coronel José Dias está localizado na mesorregião sudoeste piauien- se, microrregião de São Raimundo Nonato, no sopé do Parque Nacional da Serra da Capivara, a 550 km de Teresina – capital do Estado do Piauí –, área de domínio semiárido. Seus limites territoriais abrangem ao norte, o município de João Costa; ao sul, o Estado da Bahia e o município piauiense, Dirceu Arcoverde; A leste, o município de Dom Inocêncio e a oeste, os municípios de São Raimundo Nonato e São Lourenço do Piauí. Foi instalada no ano de 1992. A população total do município é de 4.484 de habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2009). Sua Área é de 1822 km² representando 0,7244 % do Estado, 0,1172 % da Região e 0,0214 % de todo o território brasileiro. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,58 segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). É fortemente concentrada na área rural (81%) do município que conta com a densidade demo- gráfica de 2,15 hab/km². A População Economicamente Ativa (PEA) atinge 55% da popula- ção total. Do ponto de vista social, o município apresenta indicadores compatíveis com os registrados na área do semiárido piauiense. No aspecto da saúde, constatava-se que as princi- pais doenças que acometiam a população local eram as diarréias, as infecções respiratórias e as verminoses. Uma das causas da diarréia era a água consumida e a falta de saneamento adequa- do nas localidades rurais e na sede do município. O setor educacional apresenta uma rede de ensino formada por 41 unidades, sendo 3 na sede do município e 38 na zona rural. O acesso ao ensino fundamental é garantido à popula- ção na faixa etária correspondente, com um índice de 11,37% de evasão escolar ao longo do período letivo. O analfabetismo atinge 39% da população total, sendo que o analfabetismo da população com mais de 15 anos é de 31%. A base econômica do município é a agricultura de subsistência, com destaque para o milho e feijão, e a pecuária de pequeno porte, com a criação de caprinos, ovinos e aves, além a criação de abelhas. A vegetação de caatinga, com a predominância da favela, o angico e o marmeleiro, favorece a criação de caprinos. As floradas existentes nas proximidades da Serra da Capivara favorecem a apicultura, com uma significativa produção de mel. Cáritas Brasileira Regional do Piauí No município, há a predominância da agricultura familiar com base em pequenas propriedades rurais. O levantamento de dados realizados pela Cáritas nas localidades do município constatou a seguinte distribuição da população por situação ocupacional: a agricul- tura familiar desenvolvida em mini e pequenas propriedades predominam na maioria dos casos, seguida por famílias sem terra (diaristas, meeiros e parceiros) e assalariados e assalariadas (maioria do setor público). O mesmo levantamento constatou que as principais fontes de renda identificadas no município são: a produção agrícola e pecuária, 48%, a aposentadoria de pessoas idosas, 41%, a ajuda de familiares ausentes, 7%; e o emprego público, 4%. Foi constatada também a faixa de renda da população: até ½ salário mínimo, 39%; mais de ½ até 1 salário mínimo, 58%; e entre 1 a 2 salários mínimos, 3%. As famílias que desenvolvem a agricultura familiar tinham grande dificuldade de
  • 27. 27 acesso às condições necessárias para desenvolver a atividade agrícola: a falta de crédito (custeio e investimento, a assistência técnica, sementes, transporte para o escoamento de produção). Os preços dos produtos eram baixos, estando a comercialização dependente do mercado atravessador. Coronel José Dias é ladeado por serras, pelo lado oeste, com destaque para a Serra da Capivara, onde está situado o Parque Nacional Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da Humanidade. O Parque Nacional está localizado em quatro municípios piauienses, sendo que maior parte fica no município de Coronel José Dias, abrigando os mais importantes Sítios Arqueológicos e as duas áreas de maior atração turística, que são o Desfiladeiro da Serra da Capivara e a Pedra Furada. Por ser a porta de entrada para o Parque, o município de Coronel José Dias é dotado de grande potencial para o Ecoturismo, embora não haja investimentos suficientes nesta área capazes de equiparar a infraestrutura do município às condições de cidade turística. Atualmente é o município vizinho, São Raimundo Nonato, que explora o ecoturismo cultural com localização de um hotel, um Museu e fundações culturais. No entanto uma das entradas do Parque tem acessos pela sede de Coronel José Dias, através da localidade Sitio do Mocó. Há também na sede do município uma pequena indústria cerâmica (telhas e blocos) e um setor comercial bastante precário, atingindo apenas uma pequena parte da população. Esta base econômica, no entanto, não tem sido o suficiente para a manutenção dos serviços públi- cos no município. A administração do município é totalmente dependente do repasse de recursos dos governos Estadual e Federal. Localizado em pleno semiárido piauiense, um dos principais problemas enfrentados pela população local são as estiagens que agravam a precária situação de sobrevivência da maioria das pessoas. O levantamento realizado pela Cáritas constatou as principais consequên- cias desses períodos: QUADRO 02 CONSEQUENCIAS DAS ESTIAGENS Tipo de consequência* % - Falta de água para o consumo humano 76 - Falta de água para os rebanhos 60 - Dificuldade de acesso a alimentos para a família 60 - Dificuldade de acesso a alimentos para os animais 67 - Perda total das lavouras 60 O Sonho construído em mutirão - Perda parcial das lavouras 24 - Falta de trabalho 24 * Questão de múltiplas respostas: as pessoas entrevistadas indicavam até três consequências O acesso à água de boa qualidade é uma das dificuldades presentes não apenas nos momentos de estiagem prolongada. O levantamento constatou que as principais fontes de abastecimento de água da população das áreas rurais do município não eram adequadas.
  • 28. 28 GRÁFICO 01 ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS LOCALIDADES RURAIS DO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS Poços 16% Cacimbas Cisternas 44% 17% Barragens 23% A dificuldade de acesso à água de boa qualidade para o consumo humano deve-se à escassez dos recursos hídricos no município. O território municipal é cortado pelos rios Piauí e São Lourenço e pelos riachos Mulungu, Lagos e cavaleiros. No entanto, estes rios e riachos são todos intermitentes e sofrem com o assoreamento e outros danos provocados nas suas imediações. No que se refere às águas subterrâneas, constata-se que o solo cristalino dificulta a obtenção de água de boa qualidade através da perfuração de poços. Na maioria dos poços perfurados a água é salobra, imprópria para o consumo humano. No entanto, a 30 km do município encontra-se uma área sedimentar com água boa em abundância. Apenas um poço tinha água de boa qualidade servindo para o abastecimento da sede do município, que conta com um sistema de abastecimento através de dois chafarizes e carros pipas, sendo distribuída à população sem nenhum tratamento. O município conta com pequenas barragens e açudes que favorecem o abastecimen- to de água para as famílias e pequenos rebanhos. A maioria destes barramentos demora pouco tempo com água, tendo em vista a rapidez e intensidade da evaporação, além de estarem assoreados, precisando urgentemente de reformas nas suas estruturas. Cáritas Brasileira Regional do Piauí Nos períodos em que a chuva atrasa, a escassez de água se torna ainda mais grave, sendo preciso o transporte de água da barragem Petrônio Portela, localizada no município de São Raimundo Nonato, através de carros pipas. No período de estiagem prolongada, as principais formas de abastecimento são: carro pipa (64%) e os animais de carga (27%). O levantamento constatou também que as mulheres carregavam água das fontes para as residên- cias, andando longas distâncias. Com a fragilidade desses mananciais hídricos acima apresentados, uma das possibili- dades apropriadas para acesso à água de boa qualidade no município é a captação e armazena- mento de água da chuva. De acordo com o quadro 04, a quantidade de chuvas varia de 460 a 850 milímetros/ano, com uma média anual de 580 mm. As chuvas estão concentradas no período de dezembro a março, sendo irregularmente distribuídas a cada ano, o que dificulta significativamente as práticas agrícolas.
  • 29. 29 QUADRO 03 MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE 1994 A 1998 (mm) Ano/mês jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Total 1994 78 124 175 30,1 - - - - - - - 8,3 463,4 1995 52 131 33 72 32 - - - - 42 42 107 569 1996 - 96 229 106 - - - - - - - 84 542 1997 218 75 374 66 - - - - - 57 57 21 855,5 1998 129 148 30 - - - - - - - - 199 505,6 Fonte: Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Recursos Hídricos. Banco de Dados Pluviométricos do Departamento de Hidrometeorologia Nos últimos anos, através do incentivo da Cáritas, tem sido implantadas cisternas com sistema para captação de água da chuva nas residências localizadas no meio rural. A prefeitura tem incentivado e apoiado esta iniciativa, favorecida pela captação de recursos do Programa de Combate à Pobreza Rural – PCPR (Governo do Estado e Banco Mundial), tendo sido construídas mais de 300 cisternas. O levantamento de informações realizado pela Cáritas em setembro de 2000 consta- tou que as famílias residentes nas localidades que tiveram acesso às cisternas ressaltam as seguintes melhorias: garantia do acesso e a qualidade da água consumida; aumento do tempo disponível para outras atividades (antes ocupado para carregar água de longas distâncias); a redução de doenças e a diminuição da dependência política das famílias em relação ao forneci- mento de água (acesso a reservatórios, carros pipas etc.). No entanto, há o reconhecimento de que esta quantidade de cisternas construídas é insuficiente para atender as demandas locais. O enfrentamento destas problemáticas acima apresentadas deve contar com a participação de todos os setores sociais do município. O levantamento constatou que em Coronel Jose Dias já existia um potencial organizativo que podia ser valorizado. Além do Sindicado dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) existem cerca de 20 associa- ções comunitárias e de pequenos trabalhadores e trabalhadoras rurais espalhadas pelo municí- pio. A juventude participa com maior intensidade dessas organizações locais, tendo assumido a liderança de algumas delas. O município também conta com alguns conselhos de gestão de políticas públicas: saúde, educação, assistência social e desenvolvimento rural. Em duas das localidades pesquisadas já ocorria mobilização da população em busca de soluções e atendimento de suas necessidades nos períodos de estiagem. Esta participação é maior quando induzida, como é o caso de onze organizações comunitárias que afirmam ter participado das atividades e planejamento das Frentes de Trabalho criadas no município, em O Sonho construído em mutirão 1998. Outro exemplo deste potencial pôde ser medido pela participação de todas as associações e de outras organizações locais na construção do projeto. No seminário realizado em setembro de 2000, no município, os participantes identificaram estas problemáticas, mas também reafirmaram a convicção de que é possível conviver com o semiárido, aproveitando de modo sustentável suas potencialidades, com o uso de tecnologias de manejo de recursos hídricos e de produção apropriada a esta realidade. O Quadro 04 expressa a opinião de quem participa das associações comunitárias sobre as principais ações para conviver com a qualidade de vida no semiárido.
  • 30. 30 QUADRO 04 PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO Tipos de ações n. % 1 - acesso à água para abastecimento familiar, criações de animais e pequenas plantações: 33 100 - Cisternas 18 54 - Restaurar açudes e barragens 06 18 - Perfurar e equipar poços 04 12 - Construir barreiros e cacimbas 03 09 - Tratar a água 02 06 2 - Produção agrícola 14 42 - Produção de alimentos (culturas de sequeiro) 07 18 - Culturas permanentes: caju, mamona, palma 05 15 - Beneficiamento da produção agrícola 02 06 - Acesso a sementes apropriadas 01 03 3 - Apoio à produção pecuária 20 61 - Criação de caprinos e ovinos 08 24 - Melhoria de rebanhos 06 18 - Criação de abelhas (apicultura) 03 09 - Beneficiamento da produção de mel 03 09 4 - Apoio às atividades agrícolas e pecuária 12 36 - Assistência técnica 04 12 - Uso de tecnologias apropriadas 02 06 - Crédito para produção 02 06 - Capacitação 03 09 - Organizações comunitárias 01 03 5- Outras iniciativas de geração de renda 09 27 - Setor turístico 03 09 - Artesanato 06 18 6- Serviços sociais Básicos 05 15 Cáritas Brasileira Regional do Piauí
  • 31. II A Construção Diretrizes Gerais do PCSA
  • 33. 33 Projeto Piloto de Coronel José Dias Conforme o Quadro 04 apresentado sobre a realidade do semiárido brasileiro, onde foram destacados alguns dos principais problemas enfrentados pelas famílias e comunidades empobrecidas da região, a Cáritas Brasileira Regional Piauí deu continuidade e ampliou a intervenção nessa realidade, através de um projeto piloto voltado para a convivência harmôni- ca e com qualidade de vida no semiárido brasileiro de acordo com os princípios do desenvolvi- mento humano sustentável. Tratou-se de uma intervenção pró-ativa que precisou alguns princípios ou diretrizes gerais orientadores dos objetivos a serem alcançados, bem como das atividades a serem realizadas: a) Difusão de alternativas: a capacidade de transformar o alternativo em alterativo, ou seja, a visibilidade do programa, a publicização e a disseminação de ações significativas que se tornem referencias para a população local e para a formulação de políticas públicas apropria- das à realidade do semiárido. Tomar como referência os impactos de implementação de alternativas permanentes de convivência com o semiárido; b) Democratização das políticas públicas: aumento das capacidades organizativas, fortalecimento das organizações comunitárias, desenvolvimento de conhecimento e do controle e monitoramento das informações referentes ao semiárido e a aplicação de recursos públicos. Inserir na agenda governamental um planejamento pró-ativo com a interiorização do desenvolvimento e investimentos em infraestrutura social e econômica; c) Fortalecimento das parcerias, alianças, articulação e afinidades entre os diversos órgãos da sociedade civil e do estado (nas esferas municipal, estadual e federal) que atuam na região para realizar ações conjuntas que promovam impactos sociais e ambientais sustentáveis em nível da região semiárida. Combinar ações para potencializar recursos e esforços; d) Atenção especifica às questões de gênero e gerações presentes no semiárido, reconhecendo suas especialidades e buscando enfrentar processos culturais de exclusão, como garantia de democratização e sustentabilidade das ações previstas no presente programa, acesso das mulheres e jovens a programas de crédito e nos conselhos de políticas públicas; e) Educação para a convivência com o semiárido: ampliação das capacidades educa- cionais (alfabetização, ensino básico para pessoas jovens e adultas, formação profissional e O Sonho construído em mutirão assistência técnica); valorização de conhecimentos básicos de convivência com a região; geração e difusão de informações; f) Manejo adequado dos recursos do semiárido (hídricos e produtivos): busca permanente de informações e monitoramento das previsões de seca; conservação, uso sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais; uso de tecnologias apropriadas; fortalecimento da agricultura familiar; garantia de segurança alimentar; universalização do abastecimento de água para consumo humano; acesso ao crédito e canais de comercialização; estímulos a unidades de beneficiamento da produção e empreendimentos não-agricolas.
  • 34. 34 Educar para Conviver O problema da água no mundo tem no semiárido um agravamento maior, pois se trata de uma realidade onde a água disponível é escassa combinada com a falta de políticas públicas apropriadas ao uso sustentável dos recursos disponíveis, bem como a construção de obras hídricas capazes de abastecer toda a comunidade. Se por um lado a ação política do Estado brasileiro em todos os níveis não tem sido capaz de solucionar este problema, por outro lado, a população não tem encontrado formas para sair da acomodação e mudar essa realidade. Então, faz-se necessário criar novos hábitos, rompendo com velhos costumes que só contribuem para a perpetuação da situação de mendi- cância em que vive maioria da população do sertão, agravadas em épocas de estiagem. Torna-se, portanto, necessário e urgente investir na educação e mais ainda, em uma educação de qualidade e contextualizada na região. Investir em educação é um dos passos mais decisivos para a superação de tal realidade: os dados indicam que cada quatro anos de estudo da mãe corresponde à redução de 20 pontos na pobreza das crianças e adolescentes [...] (CARVALHO, 2004: 21). Viver melhor no semiárido significa conhecer melhor a realidade, perceber as suas fragilidades e a sua viabilidade no jeito de plantar, de criar, de produzir e de lidar com os recursos disponíveis na região e estabelecer novas formas de se relacionar com o meio ambiente. A convivência com o semiárido consiste em aproveitar as potencialidades da região e transformá-las em novas perspectivas de vida. Existem plantas e animais que se adaptam melhor ao clima e à vegetação, assim como o beneficiamento de frutos e a captação da água da chuva propiciam melhor desenvolvimento e renda para as comunidades e, consequentemente, para o município. É preciso investir na educação, porque é através desta que a população se apropriará de novas técnicas de criação, plantação, produção e de conhecimento da realidade. Desenvolvendo estas experiências alternativas, estará contribuindo “para uma convivência Cáritas Brasileira Regional do Piauí mais solidária e sustentável com a região semiárida e com o meio ambiente em geral” (BRAGA, 2004:28). Isto terá um impacto grandioso na vida das pessoas no que se refere à valorização do lugar onde vivem e de si mesmas, enquanto pessoas capazes de mudar a realidade, evitando que as famílias se desagreguem pela busca de melhores condições de vida em outros lugares. Sabe- se que, “quando os trabalhadores do semiárido não conseguem produzir nem para comer ou dar comida aos seus animais, eles migram. Vão para outra região à procura de uma vida melhor” (LIMA &ABREU, 2005:15) As condições de melhoria de vida estão no próprio lugar onde se vive. Basta acreditar em uma vida possível no semiárido a partir de um novo olhar para a realidade e um novo jeito de se viver, rompendo com a tradição do combate à seca e aprendendo a conviver com ela, numa perspectiva superadora das velhas práticas e instalação de novas capazes de garantir
  • 35. 35 qualidade de vida. A Educação para a Convivência com o Semiárido não é apenas uma ação social em que as pessoas interagem entre si e vão passando novos conhecimentos informalmente. Esta ação é necessária, mas não é suficiente. A escola será palco de novas práticas também, à medida que, assuma a responsabilidade em difundir esta nova proposta, adotando metodologias apropriadas e, sobretudo, que possibilite a construção de novos conhecimentos pautados na realidade onde vivem. A educação escolar deve promover uma releitura da realidade do semiárido e contex- tualizar o ensino de modo a se construir a convivência como um novo referencial para a região, contribuindo para que as pessoas deste lugar aprendam a conviver consigo mesma, com as outras pessoas e com o meio ambiente. Uma ação pedagógica efetiva poderá redimensionar a relação sociedade-natureza e assim transformar um destino coletivo e um círculo vicioso de degradação ambiental e pobreza em um espaço da vida e do aconchego. (BRAGA, 2004: 83- 84) A proposta de educação para a convivência com o semiárido está associada a um projeto de sociedade onde se promova a dignidade humana, através de relações ecologicamen- te saudáveis, economicamente justas e socialmente livres, condições necessárias para o desen- volvimento sustentável, que está diretamente ligado ao atendimento das necessidades huma- nas, sem causar prejuízos ao meio ambiente. Eis o grande desafio: conviver com o semiárido, a partir do conhecimento da realida- de, das condições climáticas da região, do respeito à biodiversidade e da preservação do meio ambiente, e criar condições de sustentabilidade econômica, social e ecológica dos seres ali existentes. Eixos de Atuação A partir das diretrizes, a Cáritas e as parcerias de elaboração e gestão do projeto, seguindo a máxima de Educar para Conviver, decidiram delimitar os seguintes eixos de ação: • Gestão • Recursos Hídricos • Produção Agropecuária Apropriada • Educação Contextualizada Para cada eixo foi desenvolvida uma política de capacitação, que se constitui também O Sonho construído em mutirão na formação de agentes multiplicadores e multiplicadoras da convivência com o semiárido nas comunidades envolvidas no projeto. Embora professores e professoras assumam esta função de forma mais intencional nas escolas onde trabalham a proposta de Educação Contextualizada. Assumindo a dinâmica de intervenção na realidade a partir destes eixos, o Projeto Fecundação conseguiu promover a discussão e, ao mesmo tempo, realizar as ações, integrando campo e cidade e envolvendo homens e mulheres, crianças e jovens numa mesma perspectiva: tornar melhor a vida em Coronel José Dias e proclamar as potencialidades do semiárido brasileiro. Perpassando as ações desenvolvidas nos eixos de ação, buscou-se também trabalhar as questões de gênero e geração, partindo do entendimento de que as relações “verticalizadas”
  • 36. 36 e “patriarcais” são uma herança que se configura nas relações familiares e sociais de hoje. Desta forma, nos momentos de formação, esta temática buscou seu lugar na medida em que oportu- nizava questionamentos e reflexões quanto às relações de gênero e geração, promovendo-se um recorte, sobretudo em relação às condições da mulher. Neste processo se entrelaçam questões sociais, culturais e de cidadania, com foco na política local, numa perspectiva de empoderamento das pessoas excluídas não somente de políticas públicas, mas também do poder de decisão. Cáritas Brasileira Regional do Piauí
  • 37. 37 Gestão Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos programas implantados em nível local. A dificuldade de participação está relacionada com diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos direitos, dos recursos que são destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é que o Projeto Fecundação trabalha o eixo Gestão: na perspectiva de empoderamento das pessoas, buscando a autonomia e a sustentabilidade das ações desenvolvidas. O desafio de se constituir/construir uma gestão compartilhada do projeto foi vivenciada desde o início da “gestação” do Projeto Fecundação. Segundo LÜCK (2001), o próprio conceito de gestão já nos remete a uma idéia de participação, de um trabalho coletivo de análise/reflexão sobre determinada situação que permite uma tomada de decisão sobre como agir. Parte-se do princípio de que o sucesso de determinada proposição depende de uma decisão conjunta do grupo envolvido, de forma recíproca, gerando um “todo” guiado por uma “vontade coletiva”. Deste modo, buscou-se uma organização capaz de se responsabilizar pela execução e animação do projeto e que fosse capaz de refletir e decidir de forma coletiva, sobre o processo de construção das ações. Partiu-se da compreensão de que a gestão é um compromisso coletivo do FAZER – REFLETIR – REFAZER. Para este exercício foi composta a comissão gestora do projeto fecundação, concebi- da de forma a proporcionar a todas as pessoas envolvidas na experiência a apropriação de saberes e fazeres no processo de execução da proposta. A comissão gestora do projeto fecun- dação, desde a sua implantação no município foi composta por representantes da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, da Igreja local, do sindicato dos trabalhadores, trabalha- doras rurais e do poder público municipal. Figurando da seguinte forma: • 01 representante da Cáritas Regional • 01 representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato • 01 representante da Prefeitura Municipal O Sonho construído em mutirão • 01 representante da Igreja • 01 representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais • 02 representantes das associações de produtores e produtoras (um dos quais deveria ser, necessariamente, uma mulher) Essa comissão gestora foi instituída com atributos de deliberação em algumas ações do programa: aprovação de projetos de recursos hídricos e produtivos apresentados pelas associações; monitoramento do projeto; definição da aplicação de recursos da partilha solidá- ria; mobilização de recursos locais e em outros níveis para a efetivação das ações previstas. Foi instalado no município um escritório do projeto fecundação para atender às demandas latentes e dar suporte às ações previstas, promovendo a coordenação, a administra- ção das ações e o apoio técnico de modo a viabilizar o planejamento e a execução do projeto.
  • 38. 38 Contratou-se inicialmente um técnico agrícola, sob a responsabilidade da prefeitura municipal, e um auxiliar técnico administrativo que viabilizaria o contato com os grupos organizados, conforme as ações. Estes profissionais faziam parte da comissão gestora e se responsabilizaram pelo processo de acompanhamento das ações que vinham sendo desenvol- vidas, inclusive as reuniões da comissão. A gestão do projeto adotou a estratégia de PMA – Planejamento, Monitoramento e Avaliação para melhor acompanhar o desenvolvimento das ações. Foram realizadas duas oficinas de PMA com o objetivo de propiciar espaço de análise e planejamento do processo de implantação do projeto no município e de compreender esta ferramenta como estratégia de acompanhamento das ações, numa perspectiva de superar as fragilidades, a partir do exercício da avaliação, do monitoramento e do (re)planejamento das ações. Para possibilitar esta dinâmica, foram criados Grupos de Trabalho (GT), como forma de contribuição no acompanhamento das ações planejadas. Participam dos grupos pessoas que, de uma forma ou de outra, tem interesse pelas ações do projeto e indicadas pelos membros da comissão gestora. O grande objetivo dos GTs é discutir e aprofundar as temáticas e garantir as condições e estratégias para a execução das atividades de cada eixo do projeto. Foram constituídos os seguintes grupos: • GT de Educação; • GT de Produção; • GT de Recursos Hídricos; • GT de Gestão. Foi definido também o papel dos membros dos GTs: • Organização das atividades de acordo com o planejamento • Reuniões de trabalho para execução das atividades • Contatos com as entidades parceiras para a gestão do projeto • Participação nas reuniões ampliadas da Comissão Gestora e dos encontros de PMA • Elaboração do relatório anual de atividades do GT • Assiduidade e compromisso com as ações do projeto de ECSA QUADRO 05 ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO Cáritas Brasileira Regional do Piauí Atividade Detalhamento • Reuniões mensais da As reuniões são espaços de discussão e controle das ações e o comissão gestora momento de reflexão e definição de ações estratégicas de acordo com a necessidade. • 04 oficinas de PMA Os encontros de PMA ocorreram entre os anos de 2001 a 2004 com o objetivo de Propiciar espaços de análise e planejamento do processo de implantação e de desenvolvimento do projeto. • Reuniões com Os grupos de trabalho foram criados para darem suporte às ações coordenações dos Grupos e promover o acompanhamento a cada eixo. de Trabalho da comissão gestora.