Este documento resume o projeto Fecundação desenvolvido pela Cáritas Brasileira Regional do Piauí no município de Coronel José Dias entre 2001-2009. O projeto teve como objetivo melhorar as condições de vida das famílias do semiárido por meio do acesso à água, produção agropecuária sustentável e educação contextualizada. O documento descreve as ações realizadas nos eixos de gestão, recursos hídricos, produção e educação do projeto e seus impactos positivos na região
Regulamento do Cartaz da Romaria da Terra e da Água do Piauí
Miolo fecundação
1. Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Projeto Fecundação
O sonho
construído
em mutirão
Uma experiência de
convivência com o semiárido
Teresina - Piauí - Brasil, 2010
2. O Sonho Construído em Mutirão:
Uma experiência de convivência com o semiárido
Direitos autorais - 2010 - Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Permitida a reprodução desde que citada a fonte
Coordenação Colegiada
Secretária Geral: Hortência Mendes
Coordenador Político-Pedagógico: Adonias Rodrigues
Coordenadora Administrativa: Célia Araújo
Texto: Rosângela Ribeiro de Carvalho e João Evangelista Santos Oliveira
Edição e Projeto Gráfico: Mariana Gonçalves
Revisão: Assunção Sousa
Colaboração: Carlos Humberto Campos
Fotografias: Gildásio de Lima e Iran Morais
Impressão: Gráfica do Povo
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Rua Agnelo Pereira da Silva, 3135 – São João
Teresina – Piauí – Brasil – CEP: 64045-440
Telefone/fax: 32336302
E-mail: caritaspi@caritas.org.br
4. Dedicamos...
Dedicamos esse trabalho às populações que habitam o semiári-
do piauiense. Mulheres e homens, que ao longo de suas histórias
individuais e coletivas, construíram uma cultura simples e bela.
Com sua fé consolidaram crenças e credos. Com seu suor,
criatividade, trabalho e forças, suas vidas foram entregues como
oferendas para salvar o ambiente exuberante que existe nesse
pedaço de chão: Sertão. Caatinga. Semiárido...
5. Sumário
Siglas 07
Quadros e Gráfico 08
Prefácio 09
Apresentação 11
O SONHO
O projeto de sistematização 15
Contextualizando o semiárido 18
Indicadores sociais motivadores do projeto 20
Antecedentes históricos da experiência 22
A escolha de Coronel José Dias 24
Localizando a experiência 26
A CONSTRUÇÃO
Projeto Piloto de Coronel José Dias 33
Educar para Conviver 34
Gestão 37
Recursos Hídricos 42
Produção Agropecuária Apropriada 45
Educação Contextualizada 47
Fundo Rotativo Solidário 53
A REALIDADE
Impactos da experiência no ambiente semiárido 57
Significado da experiência 60
A visão das pessoas envolvidas no projeto 63
Projeto Fecundação como Política Pública 69
Referências Bibliográficas 71
Anexos 73
Fotografias 85
7. Siglas
ASA Brasil – Articulação no Semiárido Brasileiro
BAP – Bomba d’Água Popular
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
CML – Projeto Cidadania no Mundo das Letras
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMDEPI – Companhia de Desenvolvimento do Piauí
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ECSA – Educação para Convivência com o Semiárido
EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPS – Economia Popular Solidária
FPCSA – Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido
GT – Grupo de Trabalho
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
P1+2 – Programa Uma Terra e Duas Águas
PACs – Projetos Alternativos Comunitários
PCSA – Programa de Convivência com o Semiárido
PDHC – Projeto Dom Helder Camara
PEA – População Economicamente Ativa
PIAJ – Programa Infância, Adolescência e Juventude
PMA – Planejamento, Monitoramento e Avaliação
PMDS – Plano Municipal de Desenvolvimento Sustentável
PME – Plano Municipal de Educação
PMRH – Plano Municipal de Recursos Hídricos
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE – Plano Nacional de Educação
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSF – Programa Saúde da Família
RESAB – Rede Educação do Semiárido Brasileiro
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação
SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária
STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UFPI – Universidade Federal do Piauí
8. Quadros
QUADRO 01 – AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A RECURSOS
HÍDRICOS – 1999 A 2000 (pag. 22)
QUADRO 02 – CONSEQUÊNCIAS DAS ESTIAGENS (pag. 27)
QUADRO 03 – MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE CORONEL
JOSÉ DIAS DE 1994 A 1998 (MM) (pag. 29)
QUADRO 04 – PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O
SEMIÁRIDO (pag. 30)
QUADRO 05 – ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO (pag. 38)
QUADRO 06 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO RECURSOS HÍDRICOS (pag. 43)
QUADRO 07 – PRINCIPAIS AÇÕES DO EIXO PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA
APROPRIADA (pag. 46)
QUADRO 08 – DESCRIÇÃO DAS 09 OFICINAS PEDAGÓGICAS (pag. 49)
Gráfico
GRÁFICO 01 – ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS
LOCALIDADES RURAIS NO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS (pag. 28)
9. 09
Prefácio
O Brasil possui seis grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga (semiá-
rido), Mata Atlântica e os Pampas. Compreendemos um bioma como uma área territorial que
possui um conjunto de vida humana, vegetal e animal que cobre determinada região de forma
contínua, em condições geoclimáticas semelhantes, o que acaba formando uma diversidade
biológica muito própria.
A caatinga, também conhecida como semiárido ou sertão brasileiro, cantada em
versos e prosas, é propagada como uma das regiões mais pobres do Brasil. As pesquisas
revelam que os Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) desta região estão abaixo da
média nacional, contrariando todo o seu potencial natural e cultural.
A seca – fenômeno natural do semiárido – é sinônimo de tragédia, provoca grandes
problemas sociais, econômicos e políticos na região. Destrói as atividades agrícolas e pecuárias;
agrava o problema da falta d’água até mesmo para o consumo humano. Ocasiona a sede, a
fome e muitas mortes em consequências de doenças provocadas pelo consumo de águas
impuras e contaminadas. Essa situação de extrema pobreza e falta de uma política de assistên-
cia pública adequada, ao longo dos anos, tem sido a principal causa de migrações de popula-
ções inteiras, em regiões de pobreza acentuada – como é o caso do Estado do Piauí – para
outras regiões do país em busca da sobrevivência.
Diante dessa realidade, a Cáritas Brasileira Regional Piauí, com a missão de promo-
ver, animar, organizar e participar efetivamente da prática da justiça e da solidariedade, contri-
buindo na construção de alternativas, vem procurando praticar e incentivar na sociedade ações
solidárias aos povos do semiárido, como forma de transformar uma situação de morte para
uma situação de vida. Com isso, a Cáritas implantou em 2001, no município de Coronel José
Dias (PI), o Projeto FECUNDAÇÃO com o objetivo de contribuir, com as famílias e comuni-
dades empobrecidas do semi-árido, para melhoria de suas condições de vida, através do acesso
à água de boa qualidade e em quantidade suficiente para o consumo humano; e do desenvolvi-
mento de conhecimentos e apropriação de saberes, habilidades e técnicas da agropecuária
apropriada para a convivência sustentável no Bioma Caatinga.
Com este documento, a Cáritas Brasileira Regional Piauí busca retratar em imagens e
palavras o processo de transformação da história do povo de Coronel José Dias, a partir da
O Sonho construído em mutirão
intervenção do Projeto Fecundação, idealizado pela Cáritas Brasileira – Regional Piauí e
desenvolvido em parceria com os segmentos sociais do município.
A vontade de resgatar os processos de construção da proposta, as formas de gestão, a
participação das pessoas envolvidas, o processo organizativo nas comunidades, os impactos e
os desafios, as relações sociais, políticas e institucionais estabelecidas, numa perspectiva de se
perceber a trajetória da experiência do Projeto Fecundação, vem sendo debatida no seio da
Cáritas Brasileira Regional Piauí e na Comissão Gestora do projeto, há algum tempo.
Através do nosso olhar sob a trajetória desenvolvida pelo projeto buscamos retratar
os impactos sociais, ambientais e culturais desta experiência, mostrando as ações desenvolvi-
das, o caráter destas ações, os desafios que elas nos apresentam e a sua importância para o povo
do semiárido no município de Coronel José Dias.
10. 10
Neste sentido, a sistematização assume como OBJETO, a experiência do Projeto
Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi-
vência com o semiárido, buscando revelar os impactos da experiência no ambiente semiárido e
sua importância para o Programa de Convivência com o Semiárido da Rede Cáritas.
Outra dimensão importante do Projeto FECUNDAÇÃO é a busca da construção do
saber, através das experiências forjadas no meio do povo com o apoio de entidades não-
governamentais, caracterizando a ausência de políticas públicas adequadas. Ou seja, compre-
ender melhor o contexto do semiárido e a realidade vivida no dia-a-dia das populações sertane-
jas, para, a partir daí, poder contribuir com maior segurança na elaboração de iniciativas de
intervenção junto àquelas pessoas mais empobrecidas e necessitadas, e para a efetivação de
uma proposta de desenvolvimento Territorial Sustentável, considerando principalmente as
pessoas e o meio ambiente.
Carlos Humberto Campos
Sociólogo, Secretário Regional da Cáritas Brasileira Regional do Piauí (2002-2009)
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
11. 11
Apresentação
A Cáritas Brasileira Regional do Piauí agiu coletivamente na busca de melhores
condições de vida para as famílias excluídas, lançando mais uma semente que veio germinar no
solo do semiárido com suas diversas características: rasos, arenosos, argilosos, pedregosos, de
baixa e média fertilidade e que retém pouca água. Neste ambiente onde, à primeira impressão,
pareça ser inabitável, a semente chamada de Projeto Fecundação já rende frutos. Frutos que
podem ser apreciados ao longo desta publicação.
O Projeto Fecundação, uma ação pioneira da Cáritas Brasileira, é resultado de um
conjunto de pessoas, identificadas como agentes, voluntários e voluntárias, técnicos e técnicas,
famílias agricultoras, professores e professoras, alunos e alunas, religiosos e religiosas, gestores
públicos, parlamentares, crianças e pessoas idosas. Todos protagonistas deste processo e
fazem da Cáritas Brasileira essa imensa Rede de Solidariedade. São pessoas que habitam no
ambiente semiárido do Estado do Piauí, no território da Serra da Capivara e especificamente
localizadas e radicadas no município de Coronel José Dias. Pessoas que se juntaram com o
compromisso maior da valorização da vida.
Não se pode esquecer parceiros importantes como o Instituto Regional da Pequena
Agropecuária Apropriada – IRPAA, que repassou toda experiência em assessoria técnica
adquirida no apoio à agricultura familiar no Estado da Bahia, e a Cáritas Alemã que ofereceu
colaboração e aporte financeiro para viabilizar a proposta em todas as etapas do projeto. As
etapas se desenvolveram em oito anos de caminhada, garantindo o acúmulo de um conjunto
de informações que possibilitou a implantação e vivência da proposta de Educação para
Convivência com o Semiárido – ECSA em todo o país.
Trata-se de um trabalho fincado em quatro eixos de ação: Gestão, Recursos Hídricos,
Produção Agropecuária Apropriada e Educação Contextualizada. Eixos que garantiram a
implantação de processos democráticos e participativos, água de qualidade para o consumo
das famílias, aumento e diversificação da produção de base agroecológica. Tudo através de
processos educativos que começaram pela desconstrução de paradigmas enraizados dentro da
educação formal de combate à seca e pela construção de novas concepções e possibilidades de
convivência com a região semiárida.
Este trabalho mostra uma boa experiência sobre a convivência com a região semiári-
O Sonho construído em mutirão
do e as condições criadas com as ações reforçam o debate de Desenvolvimento Sustentável e
Solidário, valorização da cultura, relações familiares e de gênero. Condições que afirmam o
protagonismo das pessoas como cidadãs, parte importante de uma democracia.
Importante registrar a participação de todas as mulheres protagonistas nesse proces-
so. Elas estão no antes, durante e firmes na continuidade do projeto. Elas são maioria na
educação, como professoras ou mães e passaram a ver e a participar da vida da escola em que
filhos e filhas estudam. Presentes na produção, firmes na geração de renda passaram a produ-
zir os mais variados produtos derivados do Umbu, planta nativa da caatinga e sagrada, segundo
a cultura e os costumes locais.
A experiência do Fecundação tem o cheiro da terra molhada com as primeiras
chuvas, tem a beleza da caatinga que se torna verde viva com uma gota d’água. Tem a criativi-
12. 12
dade de um povo que também se adaptou para crescer e multiplicar. Tem a diversidade de
conhecimentos construídos em mutirão que continua formando consciências. Tem toda uma
gente simples, hospitaleira, que gosta de dançar, que tem valor, que ama seu chão e diz com
segurança “daqui não saio não”.
Considerando as palavras do compositor João Bosco: “Vida é fazer todo sonho
brilhar”, o Projeto Fecundação fez brilhar o sonho de moradores e moradoras de Coronel José
Dias, pelas mãos de pessoas que acreditaram neste sonho.
Rosângela Ribeiro de Carvalho - Professora da rede pública, ex-assessora do projeto
Fecundação e organizadora desta sistematização
João Evangelista Santos Oliveira - Coordenador do Programa de Convivência com o
Semiárido - PCSA da Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
15. 15
O projeto de sistematização
“Quem não tem desejo não caminha, porque não sonha, não busca o
novo, não muda” (Ana Maria & Susan Chiode, 2002)
A sistematização da experiência teve início quando a equipe da Cáritas Brasileira
Regional Piauí expressou o desejo de construir um documento que pudesse retratar a expe-
riência, pelo seu caráter de mobilização social e de transformação da realidade.
Tomando-se então como objeto da sistematização “A experiência do Projeto
Fecundação no município de Coronel José Dias e sua contribuição para a melhoria da convi-
vência com o semiárido”, buscou-se reviver a experiência, recuperando os processos vivencia-
dos a partir do registro dos passos dados pelo projeto, evidenciando a avaliação processual das
ações realizadas e as conclusões sistematizadas, a partir de relatórios e de outros documentos
produzidos pela comissão gestora do projeto e pelo PCSA – Programa de Convivência com o
Semiárido da Cáritas Brasileira Regional Piauí e Secretaria Municipal de Educação.
A fala das pessoas envolvidas foi registrada numa perspectiva de possibilitar o
confronto dos dizeres de quem faz a experiência e de mostrá-las enquanto protagonistas deste
processo, pelo compromisso de construir novas perspectivas para a realidade em que vivem,
superando preconceitos em torno do semiárido, quebrando paradigmas e vivenciando novas
relações.
Partiu-se da concepção de que a sistematização resgata os processos de mudanças e
os valores construídos numa determinada experiência, juntando fatos, ocorrências, depoi-
mentos e, sobretudo, sentimentos. “Como produção de saber da experiência, a sistematização
busca identificar as ideias, os sentimentos e as formas de fazer que ela esteja construindo ou
proporcionando aos diversos sujeitos envolvidos”. (SOUZA, 2000, p.35).
Não se trata aqui de abrir um debate conceitual em torno da sistematização, mas de
evidenciar as referências tomadas para registrar a experiência do Projeto Fecundação, reafir-
mando a proposta de convivência com o semiárido num processo de construção coletiva, que
possibilita, a partir do conhecimento da realidade, refletir sobre suas vivências, valores e
atitudes, promovendo a desconstrução de saberes e fazeres.
O Sonho construído em mutirão
Sistematizar aqui reúne avaliação e pesquisa, à medida que busca revelar nos dados
coletados a investigação do que foi realizado, diante do que foi planejado e ainda, refletir sobre
os resultados alcançados numa perspectiva de revelar as mudanças no modo de vida da
população e dos avanços e desafios encontrados ao longo da experiência.
Neste sentido, ao fazer o resgate, o documento buscou também dar visibilidade às
ações de convivência com o semiárido, destacando a importância da experiência para o PCSA
desenvolvido pela rede Cáritas.
Neste processo, foi importante a identificação de mudanças nas relações de gênero e
geração, a partir da implantação do projeto e de outros processos de novas relações em favor
da dignidade humana e do desenvolvimento sustentável.
Isto só foi possível, a partir do consenso em torno da definição do objeto e do eixo
16. 16
central da sistematização, o que possibilitou avançar neste propósito e adotar procedimentos
teóricos metodológicos capazes de revelar o sentimento das pessoas envolvidas, através das
entrevistas individuais e coletivas, que associadas à pesquisa bibliográfica, viabilizaram a
análise documental da experiência.
Tal análise foi realizada sob um olhar crítico em que os elementos do discurso se
encaminharam para um conjunto de informações que convergiram para um mesmo ponto: a
introdução de novas práticas de convivência superando o paradigma de combate à seca.
Cada passo da sistematização envolveu diálogos, leituras, reflexão, seleção e muita
emoção: angústias e incertezas diante das dificuldades em coletar as informações necessárias,
mas também contentamento e satisfação pelo dever cumprido e, sobretudo, pelas certezas
reveladas de uma experiência que deu certo e que mudou a vida de muita gente.
Perguntas orientadoras:
1. Em que consiste o Projeto Fecundação? (Objetivos e metas)
2. Quais as linhas de ação desenvolvidas pelo projeto?
3. Que ações foram desenvolvidas?
4. Como as ações desenvolvidas contribuíram para a transformação da realidade do
município?
5. Quem são os protagonistas da experiência?
6. O que pensam as pessoas envolvidas neste processo sobre os impactos do projeto
na vida do município?
7. Qual a compreensão das pessoas envolvidas em relação à mudança de paradigma
no tocante à convivência com o semiárido e o combate à seca?
8. Como as ações do projeto influenciaram nas relações de gênero e geração?
9. O que representa a experiência para o Programa de Convivência com o Semiárido
da rede Cáritas?
10. Como era a vida das pessoas antes da implantação do projeto no município?
11. Em relação às linhas de ação, que mudanças significativas foram efetivadas?
11.1 - Que mudanças ocorreram na educação do município a partir da ECSA?
(Organização/estrutura; índices/resultados de aprendizagem...)?
11.2 - O que representa para o município e para as famílias agricultoras e produto-
ras a adoção da agricultura e produção apropriada?
12. De que forma pode-se perceber o fortalecimento da participação da sociedade
civil na elaboração, implementação e controle social de políticas púbicas do municí-
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
pio?
13. Em que medida as ações desenvolvidas pelo projeto possibilitaram aos partici-
pantes serem protagonistas dessa experiência?
14. Em que o Projeto Fecundação contribuiu para o desenvolvimento sustentável da
região?
Procedimentos Teórico-metodológicos:
1. Antecedentes Históricos
Processo de construção e contextualização do Projeto Fecundação
2. Concepção do Objeto
Os objetivos do Projeto Fecundação, a metodologia e as perspectivas
3. Trabalho de Campo
17. 17
- Realização de entrevistas individuais e coletivas
- Construção de Histórias de Vida dos sujeitos da experiência
- Pesquisa bibliográfica
Procedimentos de análise e interpretação:
Categorias de análise: Convergências e divergências/ Presenças e ausências/
Tendências e associações/ Convivência e combate.
1. Análise documental (relatórios, slides, correspondências, documentários etc.)
2. Análise da experiência dos participantes (entrevistas individuais e coletivas,
depoimentos etc.)
O Sonho construído em mutirão
18. 18
Contextualizando o semiárido
O semiárido brasileiro é o maior do mundo e se estende por uma área de 975 mil km²,
abrangendo mais de 86% da região nordeste e penetrando no norte do estado de Minas Gerais.
É o semiárido com maior densidade demográfica do mundo. Nessa área vivem cerca de 26
milhões de habitantes em 1.113 municípios, e dela faz parte a maior concentração de popula-
ção rural do Brasil.
No Piauí a região semiárida abrange 125.692 km² - dos 252.378 km² totais do Estado -
ocupando boa parte do setor central e sul, fazendo fronteira com os estados do Ceará,
Pernambuco e Bahia, e correspondendo a 13,96% da área do semiárido brasileiro. Dados do
Governo do Estado e da Universidade Federal do Piauí (UFPI) dão conta de que dos 224
municípios piauienses, 156 estão localizados na região semiárida, com uma população de
956.617 habitantes.
No semiárido brasileiro ocorrem uma ou duas estações de chuva, de quatro a cinco
meses de duração. A pluviosidade varia entre 300 e 800 mm/ano. As temperaturas médias
variam de 23 a 39º C, com forte evaporação potencial (mais de 2.000 mm/ano). Estudos
revelam que metade da área da região semiárida é composta por embasamento cristalino, com
acumulação de água apenas nas fraturas, e a outra metade é composta de terrenos sedimenta-
res, com a boa capacidade de armazenamento de águas subterrâneas. Muitas vezes, quando a
água é encontrada no subsolo, através da perfuração de poços, sejam eles tubulares, cacimbões
ou artesianos, trata-se de uma água salobra, de péssima qualidade para o consumo humano e
animal.
Os longos períodos de escassez de chuvas acontecem principalmente na época do
plantio de arroz, feijão, mandioca e milho, culturas predominantes da região. Estudos mais
recentes concluíram que esse problema agrava-se num ciclo de vinte a vinte anos, caracterizan-
do períodos mais longos de estiagens, as chamadas “grandes secas”. As “grandes secas” são
caracterizadas pelo esgotamento da umidade do solo, fenecimento das plantas por falta de
água, depleção do suprimento de água subterrânea e redução e eventual cessação do fluxo dos
cursos de água.
O Estado do Piauí é caracterizado por três regimes pluviométricos bem definidos,
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
que iniciam no mês de novembro na região Sul e prolonga-se até o mês de maio na região
Norte. Em menos da metade do território piauiense (48,36%), as chuvas são superiores a
1.000mm. Os cursos d’água apresentam regime hidrológico intermitente na estação chuvosa e
permanecem completamente secos após a estação das chuvas, com curvas de recessão atingin-
do rapidamente o ponto zero. O flagelo das secas ocorre quando as chuvas são insuficientes ou
irregulares demais para permitir a produção que assegura a subsistência das famílias do semiá-
rido que, mesmo em anos normais, já vivem em condições limites de pobreza.
Além de vulnerabilidade climática do semiárido, grande parte dos solos da região
encontra-se degradada. Os recursos hídricos rumam à insuficiência. A água é o fator mais rico
do semiárido, porque é um limitativo tanto da ocupação humana quanto das atividades agrope-
cuárias. Os ecossistemas regionais são frágeis e não estão sento protegidos, pondo em risco a
sobrevivência de muitas espécies de vegetais e animais, criando ainda riscos a ocupação
19. 19
humana, associados, inclusive, a processo em curso, como a desertificação.
Apesar dessas características gerais, o semiárido brasileiro é uma realidade complexa:
a EMPRAPA identificou cerca de 170 diferentes tipos de sistemas geoambientais (ecossiste-
mas). Essa complexidade exige mudanças nas formas de conceber e intervir nessa realidade. É
possível conviver com o semiárido apesar das fragilidades. Ter muita luminosidade, ter muito
calor e ter baixa unidade são elementos diferenciais para o desenvolvimento da região.
O semiárido piauiense apresenta grandes potencialidades econômicas e sociais, entre
as quais podem ser mencionadas: solos adequados para práticas agrícolas apropriadas; áreas
sedimentadas com boa disponibilidade de águas subterrâneas; açudes públicos com elevadas
reservas de água; a rica biodiversidade da caatinga na qual se destaca o elevado potencial de
exploração; a agroindustrialização de produtos agrícolas e agropecuários, como a castanha de
caju e o mel da abelha; a irrigação dos vales úmidos, principalmente com a perenização dos rios;
o criatório animal; o turismo ecológico, cultural e religioso; as diversas práticas artesanais; o
extrativismo mineral e a localização de vários centros de pesquisas.
Mas apesar dessas potencialidades, a região não consegue superar seus péssimos
indicadores sociais e nem autofinanciar seu desenvolvimento econômico, seja pela ausência de
poupança interna, seja pelo elevado déficit da balança comercial. Além desses fatores econô-
micos, a falta de conhecimento adequado do semiárido piauiense levou a introdução de
diversas atividades produtivas – agropecuárias extrativas e industriais – que não apresentam
sustentabilidade ambiental e nem se tornam vantagens competitivas dinâmicas.
O Sonho construído em mutirão
20. 20
Indicadores sociais
motivadores do projeto
A pobreza está disseminada por todo o Estado do Piauí e sabe-se que os dez maiores
índices de indigência absoluta são verificados nos municípios mais populosos e que desempe-
nham funções polarizadoras. Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicilio (PNAD), realizada pelo IBGE em 1997, a População Econômicamente Ativa
(PEA) do semiárido piauiense foi estimada em 538 mil pessoas, sendo que 41% não auferiam
qualquer rendimento e cerca de 40% recebiam entre R$ 33,00 e R$ 100,00 por mês. Dessa
população trabalhadora, 67% desenvolviam atividades ligadas à agricultura ou atividades afins.
Nesse contexto, foi possível identificar as principais problemáticas enfrentadas pela
população empobrecida do semiárido: a dificuldade de aceso à água e a alimentos em quantida-
des e com qualidade para o consumo humano, principalmente nos períodos de estiagem
prolongada na região. Esse problema era fruto da estrutura excludente que predomina na área,
baseando na concentração da terra e da água, além da dificuldade de acesso da agricultura
familiar aos meios e recursos necessários a produção agrícola e pecuária.
A persistência desses problemas por centenas de anos conduz a identificação de suas
causas. A principal delas, certamente, é a forma de intervenção do poder público nessa região.
As políticas públicas são excludentes e inapropriadas ao semiárido, caracterizadas pelo caráter
emergencial fragmentado e descontinuo das ações desenvolvidas nos momentos de calamida-
de pública ocasionadas pelas estiagens prolongadas.
A intervenção estatal privilegia a construção de grandes obras hídricas que favorecem
principalmente às empreiteiras, à grande propriedade rural e às agroindústrias que desenvol-
vem a agricultura irrigada na região, sem considerar as condições específicas do meio ambiente
e da população. As grandes barragens contribuem para a concentração da água, alagam faixas
de terras cultiváveis, deslocam cidades inteiras e pioram as condições de vida das populações
ribeirinhas que nunca são consideradas nos processos de planejamento. Já as grandes áreas de
produção irrigadas são degradadoras dos ecossistemas do semiárido. Além do desmatamento
para implantação das áreas de produção irrigada, constata-se que a utilização de métodos
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
inapropriados de irrigação e a utilização de produtos químicos contribuem para a formação de
áreas desertas no semiárido.
De modo geral, as práticas agropecuárias (com tecnologias tradicionais e modernas)
utilizadas no semiárido são inadequadas e degradadoras do meio ambiente. As queimadas
desordenadas e uso de defensivos e fertilizantes químicos também ocasionam o empobreci-
mento dos solos, pondo em risco os ecossistemas e a própria vida humana. Isso se deve ao fato
de que a maioria da população do semiárido não tem um conhecimento adequado do seu meio
ambiente, de suas potencialidades e limites e de estratégias de sobrevivência adequadas na
região.
Além da dificuldade de acesso à água para o consumo humano em quantidade
suficiente, as famílias residentes no semiárido consomem água de péssima qualidade, sem um
tratamento adequado. Esse consumo de água tornou-se uma prática tradicional naturalizada,
21. 21
embora tenha como consequência direta o aumento de inúmeras doenças, com elevados
índices de mortalidade infantil. A dificuldade de acesso à água para o consumo humano e
doméstico, além de ser determinada pela privatização e concentração das águas em grandes
reservatórios hídricos, está diretamente relacionada com uma cultura de desvalorização da
captação, armazenamento e tratamento da água da chuva.
Diante dessas constatações de principais causas das problemáticas do semiárido,
poderiam parecer fáceis as soluções: tornar as políticas públicas apropriadas à região e promo-
ver a educação para a convivência com o semiárido. No entanto, a sociedade civil não tem
conseguido participar efetivamente dos processos de formulação de políticas públicas para a
região, apesar de ter dado alguns passos importantes nos processos de articulação de entidades
em nível dos Estados e na experimentação e disseminação de alternativas produtivas e de
recursos hídricos adaptados à realidade do semiárido.
Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da
sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos
programas implantados a nível local. A dificuldade de participação está relacionada com
diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de
participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos recursos que são
destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é urgente a melhoria na qualidade da
informação e dos canais de comunicação entre governo e sociedade civil, otimizando a difusão
de tecnologias apropriadas ao semiárido.
No campo político-institucional, apesar dos recentes avanços no processo de demo-
cratização, organização da sociedade e mecanismos de participação social, ainda persistem, na
região do semiárido, práticas clientelistas e outras formas de apropriação privada do Estado. A
capacidade dos organismos públicos em atender com eficiência as demandas sociais é bastante
limitada em decorrência da baixa qualificação dos seus recursos humanos, das deficiências
organizacionais e dos mecanismos de gestão e insuficiências materiais e financeiras.
O Sonho construído em mutirão
22. 22
Antecedentes históricos da
experiência
A Cáritas Brasileira é um organismo ligado à Conferencia Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) que, testemunhando o Evangelho da Esperança de Jesus, compromete-se a
promover e animar o serviço da solidariedade ecumênica libertadora, participar da defesa da
vida, da organização popular e da construção de um projeto de sociedade, a partir dos excluí-
dos e excluídas, contribuindo para a conquista da cidadania plena para todas as pessoas, a
caminho do Reino de Deus.
A Cáritas tem tido uma presença constante nessa realidade do semiárido brasileiro,
contribuindo com as famílias empobrecidas, através de diversas formas de atuação: na realiza-
ção de campanhas de solidariedade nos momentos emergentes de calamidade pública, que
agravam a situação estrutural de miséria e pobreza na região; no desenvolvimento de ações
permanentes de formação e de apoio às organizações comunitárias; nas iniciativas comunitári-
as de geração e melhoria de renda (com os projetos alternativos comunitários); na dissemina-
ção de técnicas apropriadas de manejo de recursos hídricos; e no apoio efetivo (financeiro e
material) para a construção de pequenos reservatórios de água da chuva, para manutenção,
equipamento e recuperação de mananciais e reservatórios hídricos para abastecimento familiar.
Nos últimos anos, a Cáritas Brasileira tem tentado desenvolver uma intervenção pró-
ativa na região (atuando sobre as causas dos problemas e não sobre suas consequências) através
da formação para a cidadania, a universalização do acesso à água para o consumo humano e a
produção como elementos estratégicos para melhoria da qualidade de vida na região.
Entre 1998 e 1999, a Cáritas Brasileira Regional Piauí coordenou a distribuição de
1.100 (mil e cem) toneladas de alimentos para 55 mil famílias (cerca de 275 mil pessoas) que
estavam em situação de calamidade. Foram realizadas ações permanentes de infraestrutura
hídrica, apoiando a construção de 363 cisternas de placas (captação e armazenamento de água
da chuva), equipando 17 poços artesianos, revestindo 12 poços e realizando 02 canalizações
para facilitar o acesso das famílias e comunidades rurais à água para consumo humano. Além
dessas ações diretas, a Cáritas realizou diversas atividades pedagógicas de capacitação de
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
agentes pastorais e animadores de comunidade, aprofundando o conhecimento da realidade e
das formas de convivência com o semiárido piauiense.
QUADRO 01
AÇÕES DE APOIO DA CÁRITAS PIAUÍ AO ACESSO A
RECURSOS HÍDRICOS -1999 A 2000
Tipo de ação Cisternas Valor (R$) Famílias Pessoas Localidade Município
Construção de cisternas 397 181.481,00 409 2.045 34 12
Revestimento e
equipamento de poços 18 41.318,49 5.554 30.000 13 11
23. 23
O programa de convivência com o semiárido não se resume à construção de cisternas
e outras ações de apoio hídrico e produtivo. As ações político-pedagógicas são prioritárias. Os
processos pedagógicos se referem tanto à disseminação de alternativas viáveis para a convivên-
cia com o semiárido e à realização de campanhas educativas para conhecimento adequado da
realidade, quanto ao respeito aos seus limites e aproveitamento de suas potencialidades.
Anualmente a Cáritas realiza atividades na “Semana da Água” junto com outras entidades, na
oportunidade em que chama a atenção para as diversas dimensões da problemática da água nos
nossos dias e mobiliza a sociedade para apoiar e lutar para que todas as famílias que residem no
semiárido piauiense possam a ter acesso à água de boa qualidade.
Ainda no aspecto educativo merecem destaque as atividades de formação realizadas
no âmbito do PCSA. Foram realizados os cursos sobre manejo de recursos hídricos, tendo
como temática central “O uso e o tratamento d’água”, atendendo ao publico de todas as
dioceses do Piauí. A realização dos cursos foi de fundamental importância, pois as famílias
rurais ainda possuem muita dificuldade em entender e desenvolver tecnologias alternativas e
apropriadas para a convivência com o semiárido e mais precisamente para o manejo de recur-
sos hídricos. Esses cursos visam à formação de multiplicadores e multiplicadoras para o
desenvolvimento do trabalho na comunidade, na perspectiva de promover e desenvolver a
organização para a convivência com o semiárido.
No aspecto sociopolítico, a Cáritas Brasileira Regional Piauí teve uma atuação
decisiva para a articulação do Fórum de Convivência com o Semiárido no Piauí (FPCSA). Esse
fórum conta com a participação de outras 12 organizações não governamentais do Piauí que
tem o compromisso político e ações voltadas para a convivência com o semiárido em nosso
Estado, possibilitando as parcerias e convênios que procuram canalizar recursos públicos para
a região, como por exemplo, um convênio firmado entre as ONGs e a SUDENE (Superinten-
dência para o Desenvolvimento do Nordeste), em que a Cáritas participa com a capacitação de
810 pessoas para a construção de cisternas de placas.
Outra ação significativa do FPCSA ocorreu durante a semana da água em 2000. O
Fórum programou e realizou uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado para
discutir sobre as políticas públicas para recursos hídricos do Piauí e as alternativas.
Participaram da audiência, representantes da Assembléia Legislativa, Secretaria de Recursos
Hídricos do Estado, SUDENE, COMDEPI, DEFESA CIVIL, Cáritas Brasileira e mais outras
ONGs. Dali resultou um compromisso e abertura por parte da Assembléia para a continuidade
dos debates sobre o tema acima referido.
A partir dessa experiência em nível estadual, a Cáritas Brasileira Regional Piauí
percebeu que era necessário desenvolver um projeto piloto no âmbito de um município,
O Sonho construído em mutirão
possibilitando a integração dos sujeitos e das diversas ações de convivência com o semiárido
(recursos hídricos, produção agrícola e não agrícola, educação, construção de políticas públi-
cas apropriadas, serviços sociais básicos, etc.). A Cáritas acredita que a concentração de ações e
a produção de resultados significativos em um município possam ter uma maior capacidade de
impacto em nível de outros municípios do semiárido e das políticas públicas estaduais e
nacionais.
24. 24
A escolha de Coronel José Dias
Os processos de discussão foram sendo construídos e, a partir de abril de 2000, a
Cáritas Brasileira Regional do Piauí definiu, pelas condições climáticas da região e pela disponi-
bilidade da equipe regional, implantar o projeto na Diocese de São Raimundo Nonato. Diante
disso, passou-se a analisar as condições dos municípios daquela região para receber as ações do
projeto e, após estudos e reflexões, foi apresentado ao município de Coronel José Dias.
O município foi escolhido com base nos seguintes critérios: localização no semiárido
com a incidência das problemáticas de convivência com a região; a possibilidade de continuida-
de de ação através de parcerias com organizações da sociedade civil, movimentos sociais e o
governo municipal; a existência de estrutura de apoio (Cáritas Diocesana ou entidade membro,
apoio da Igreja local – paróquia); indicadores socioeconômicos: nível de renda, analfabetismo,
mortalidade infantil e abastecimento de água.
A elaboração do projeto foi assumida pelos agentes da Cáritas e contou com a
participação ativa de representantes da prefeitura municipal de Coronel José Dias, representan-
tes das organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias das comunidades rurais do
município. As principais atividades realizadas foram: um levantamento de informações em
cada uma das localidades do município, identificando os aspectos sociais e econômicos da
realidade local, as principais problemáticas, potencialidades e expectativas dos moradores e
moradoras daquela região.
Em setembro de 2000, foi realizado um Seminário Municipal de Planejamento, com a
participação de 95 pessoas, onde foi aprofundado o diagnóstico com a identificação das
potencialidades municipais e os principais problemas enfrentados pelas famílias. Estes eventos
realizados possibilitaram também a identificação de prioridades de ação, a consensualidade de
objetivos e interesses e a afirmação de compromissos entre as diversas organizações partici-
pantes. O seminário municipal, acima citado, foi planejado e realizado conjuntamente pela
Cáritas Brasileira Regional Piauí, Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, Paróquia de
Coronel José Dias e pelo Governo Municipal que assumiu as atividades de articulação, trans-
porte, alimentação e hospedagem das pessoas participantes, além de oferecer toda infraestru-
tura necessária a realização do evento.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Objetivos:
A experiência teve como objetivo geral desenvolver um conjunto de ações articuladas
que possibilitassem melhoria das condições de vida das famílias que residiam no semiárido do
município e, a partir dos resultados alcançados, propor políticas públicas apropriadas ao
semiárido nos níveis municipal e estadual.
Objetivos específicos:
• Viabilizar o acesso a estruturas de captação e armazenamento de água de chuva e
o aproveitamento sustentável dos mananciais hídricos existentes no município;
• Favorecer o acesso a recursos e infraestrutura para o desenvolvimento de
iniciativas produtivas apropriadas ao semiárido favorecendo a melhoria de renda
25. 25
das famílias;
• Promover capacitação de agentes de desenvolvimento sustentável no município;
• Fortalecer a participação da sociedade civil na elaboração, implementação e
controle social de políticas públicas;
• Garantir a visibilidade e difusão das ações e resultados.
Assumiram-se também as seguintes diretrizes:
• Difusão de alternativas;
• Democratização das políticas públicas;
• Fortalecimento das parcerias, alianças, articulações e afinidades;
• Atenção especial às questões de gênero e gerações;
• Educação para convivência com o semiárido e
• Manejo adequado dos recursos naturais do semiárido.
Ao ser apresentado, o projeto foi amplamente discutido pelas pessoas representantes
dos segmentos sociais dos municípios, as quais apresentaram interesse pelo desenvolvimento
das ações propostas.
Foi esta comissão que cuidou da instalação do projeto e da sensibilização da comuni-
dade. No ano de 2001, após o Seminário de lançamento e apresentação do Projeto Piloto foi
aberto um concurso interno nas escolas da rede municipal para a escolha do nome do projeto.
FECUNDAÇÃO, o nome escolhido fez jus à proposta de convivência com o
semiárido pela mística que envolve o próprio nome, conforme escreveu Iran Morais de
Oliveira, então coordenador do projeto, representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo
Nonato:
No projeto Fecundação está a Fé daqueles/as que acreditam em Deus
e sabem que as situações que levam milhares de pessoas ao sofrimento
[...] não é o projeto que o Deus da vida preparou para os seus filhos e
filhas [...].
No projeto Fecundação, fecunda é a terra que se prepara, indepen-
dente do seu clima, pois guarda potenciais próprios e características
só existentes nela, que se bem trabalhados, conduzidos e aproveitados
faz fecundar condições de vida. [...] e germinar possibilidades,
caminhos que devolvam a confiança e que mudem situações de morte
em situações de vida.
O projeto Fecundação é promotor de uma AÇÃO libertadora,
O Sonho construído em mutirão
democrática e contextualizada. [...] Ações que comprometem,
provocam participação, que respeitam gerações, culturas/saberes e
natureza num objetivo comum de promoção da vida. (OLIVEIRA,
Iran M. de. In Boletim Projeto fecundação JULHO/AGOSTO
2004).
Foi com esta visão que o projeto deu os seus primeiros passos para efetivação da
proposta de convivência com o semiárido, buscando a promoção da vida e sendo sinal de
esperança construída na partilha e na solidariedade em Coronel José Dias.
26. 26
Localizando a experiência
O município de Coronel José Dias está localizado na mesorregião sudoeste piauien-
se, microrregião de São Raimundo Nonato, no sopé do Parque Nacional da Serra da Capivara,
a 550 km de Teresina – capital do Estado do Piauí –, área de domínio semiárido. Seus limites
territoriais abrangem ao norte, o município de João Costa; ao sul, o Estado da Bahia e o
município piauiense, Dirceu Arcoverde; A leste, o município de Dom Inocêncio e a oeste, os
municípios de São Raimundo Nonato e São Lourenço do Piauí. Foi instalada no ano de 1992.
A população total do município é de 4.484 de habitantes, de acordo com o Censo
Demográfico do IBGE (2009). Sua Área é de 1822 km² representando 0,7244 % do Estado,
0,1172 % da Região e 0,0214 % de todo o território brasileiro. Seu Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é de 0,58 segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). É
fortemente concentrada na área rural (81%) do município que conta com a densidade demo-
gráfica de 2,15 hab/km². A População Economicamente Ativa (PEA) atinge 55% da popula-
ção total.
Do ponto de vista social, o município apresenta indicadores compatíveis com os
registrados na área do semiárido piauiense. No aspecto da saúde, constatava-se que as princi-
pais doenças que acometiam a população local eram as diarréias, as infecções respiratórias e as
verminoses. Uma das causas da diarréia era a água consumida e a falta de saneamento adequa-
do nas localidades rurais e na sede do município.
O setor educacional apresenta uma rede de ensino formada por 41 unidades, sendo 3
na sede do município e 38 na zona rural. O acesso ao ensino fundamental é garantido à popula-
ção na faixa etária correspondente, com um índice de 11,37% de evasão escolar ao longo do
período letivo. O analfabetismo atinge 39% da população total, sendo que o analfabetismo da
população com mais de 15 anos é de 31%.
A base econômica do município é a agricultura de subsistência, com destaque para o
milho e feijão, e a pecuária de pequeno porte, com a criação de caprinos, ovinos e aves, além a
criação de abelhas. A vegetação de caatinga, com a predominância da favela, o angico e o
marmeleiro, favorece a criação de caprinos. As floradas existentes nas proximidades da Serra
da Capivara favorecem a apicultura, com uma significativa produção de mel.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
No município, há a predominância da agricultura familiar com base em pequenas
propriedades rurais. O levantamento de dados realizados pela Cáritas nas localidades do
município constatou a seguinte distribuição da população por situação ocupacional: a agricul-
tura familiar desenvolvida em mini e pequenas propriedades predominam na maioria dos
casos, seguida por famílias sem terra (diaristas, meeiros e parceiros) e assalariados e assalariadas
(maioria do setor público).
O mesmo levantamento constatou que as principais fontes de renda identificadas no
município são: a produção agrícola e pecuária, 48%, a aposentadoria de pessoas idosas, 41%, a
ajuda de familiares ausentes, 7%; e o emprego público, 4%. Foi constatada também a faixa de
renda da população: até ½ salário mínimo, 39%; mais de ½ até 1 salário mínimo, 58%; e entre 1
a 2 salários mínimos, 3%.
As famílias que desenvolvem a agricultura familiar tinham grande dificuldade de
27. 27
acesso às condições necessárias para desenvolver a atividade agrícola: a falta de crédito (custeio
e investimento, a assistência técnica, sementes, transporte para o escoamento de produção).
Os preços dos produtos eram baixos, estando a comercialização dependente do mercado
atravessador.
Coronel José Dias é ladeado por serras, pelo lado oeste, com destaque para a Serra da
Capivara, onde está situado o Parque Nacional Serra da Capivara, Patrimônio Cultural da
Humanidade. O Parque Nacional está localizado em quatro municípios piauienses, sendo que
maior parte fica no município de Coronel José Dias, abrigando os mais importantes Sítios
Arqueológicos e as duas áreas de maior atração turística, que são o Desfiladeiro da Serra da
Capivara e a Pedra Furada.
Por ser a porta de entrada para o Parque, o município de Coronel José Dias é dotado
de grande potencial para o Ecoturismo, embora não haja investimentos suficientes nesta área
capazes de equiparar a infraestrutura do município às condições de cidade turística.
Atualmente é o município vizinho, São Raimundo Nonato, que explora o ecoturismo cultural
com localização de um hotel, um Museu e fundações culturais. No entanto uma das entradas
do Parque tem acessos pela sede de Coronel José Dias, através da localidade Sitio do Mocó.
Há também na sede do município uma pequena indústria cerâmica (telhas e blocos) e
um setor comercial bastante precário, atingindo apenas uma pequena parte da população. Esta
base econômica, no entanto, não tem sido o suficiente para a manutenção dos serviços públi-
cos no município. A administração do município é totalmente dependente do repasse de
recursos dos governos Estadual e Federal.
Localizado em pleno semiárido piauiense, um dos principais problemas enfrentados
pela população local são as estiagens que agravam a precária situação de sobrevivência da
maioria das pessoas. O levantamento realizado pela Cáritas constatou as principais consequên-
cias desses períodos:
QUADRO 02
CONSEQUENCIAS DAS ESTIAGENS
Tipo de consequência* %
- Falta de água para o consumo humano 76
- Falta de água para os rebanhos 60
- Dificuldade de acesso a alimentos para a família 60
- Dificuldade de acesso a alimentos para os animais 67
- Perda total das lavouras 60
O Sonho construído em mutirão
- Perda parcial das lavouras 24
- Falta de trabalho 24
* Questão de múltiplas respostas: as pessoas entrevistadas indicavam até três consequências
O acesso à água de boa qualidade é uma das dificuldades presentes não apenas nos
momentos de estiagem prolongada. O levantamento constatou que as principais fontes de
abastecimento de água da população das áreas rurais do município não eram adequadas.
28. 28
GRÁFICO 01
ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA PELAS FAMÍLIAS DAS
LOCALIDADES RURAIS DO MUNICÍPIO DE CORONEL JOSÉ DIAS
Poços
16%
Cacimbas
Cisternas
44%
17%
Barragens
23%
A dificuldade de acesso à água de boa qualidade para o consumo humano deve-se à
escassez dos recursos hídricos no município. O território municipal é cortado pelos rios Piauí e
São Lourenço e pelos riachos Mulungu, Lagos e cavaleiros. No entanto, estes rios e riachos são
todos intermitentes e sofrem com o assoreamento e outros danos provocados nas suas
imediações.
No que se refere às águas subterrâneas, constata-se que o solo cristalino dificulta a
obtenção de água de boa qualidade através da perfuração de poços. Na maioria dos poços
perfurados a água é salobra, imprópria para o consumo humano. No entanto, a 30 km do
município encontra-se uma área sedimentar com água boa em abundância. Apenas um poço
tinha água de boa qualidade servindo para o abastecimento da sede do município, que conta
com um sistema de abastecimento através de dois chafarizes e carros pipas, sendo distribuída à
população sem nenhum tratamento.
O município conta com pequenas barragens e açudes que favorecem o abastecimen-
to de água para as famílias e pequenos rebanhos. A maioria destes barramentos demora pouco
tempo com água, tendo em vista a rapidez e intensidade da evaporação, além de estarem
assoreados, precisando urgentemente de reformas nas suas estruturas.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Nos períodos em que a chuva atrasa, a escassez de água se torna ainda mais grave,
sendo preciso o transporte de água da barragem Petrônio Portela, localizada no município de
São Raimundo Nonato, através de carros pipas. No período de estiagem prolongada, as
principais formas de abastecimento são: carro pipa (64%) e os animais de carga (27%). O
levantamento constatou também que as mulheres carregavam água das fontes para as residên-
cias, andando longas distâncias.
Com a fragilidade desses mananciais hídricos acima apresentados, uma das possibili-
dades apropriadas para acesso à água de boa qualidade no município é a captação e armazena-
mento de água da chuva. De acordo com o quadro 04, a quantidade de chuvas varia de 460 a
850 milímetros/ano, com uma média anual de 580 mm. As chuvas estão concentradas no
período de dezembro a março, sendo irregularmente distribuídas a cada ano, o que dificulta
significativamente as práticas agrícolas.
29. 29
QUADRO 03
MEDIDAS PLUVIOMÉTRICAS NO MUNICÍPIO DE 1994 A 1998 (mm)
Ano/mês jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Total
1994 78 124 175 30,1 - - - - - - - 8,3 463,4
1995 52 131 33 72 32 - - - - 42 42 107 569
1996 - 96 229 106 - - - - - - - 84 542
1997 218 75 374 66 - - - - - 57 57 21 855,5
1998 129 148 30 - - - - - - - - 199 505,6
Fonte: Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Recursos Hídricos. Banco de Dados Pluviométricos do Departamento de Hidrometeorologia
Nos últimos anos, através do incentivo da Cáritas, tem sido implantadas cisternas
com sistema para captação de água da chuva nas residências localizadas no meio rural. A
prefeitura tem incentivado e apoiado esta iniciativa, favorecida pela captação de recursos do
Programa de Combate à Pobreza Rural – PCPR (Governo do Estado e Banco Mundial), tendo
sido construídas mais de 300 cisternas.
O levantamento de informações realizado pela Cáritas em setembro de 2000 consta-
tou que as famílias residentes nas localidades que tiveram acesso às cisternas ressaltam as
seguintes melhorias: garantia do acesso e a qualidade da água consumida; aumento do tempo
disponível para outras atividades (antes ocupado para carregar água de longas distâncias); a
redução de doenças e a diminuição da dependência política das famílias em relação ao forneci-
mento de água (acesso a reservatórios, carros pipas etc.). No entanto, há o reconhecimento de
que esta quantidade de cisternas construídas é insuficiente para atender as demandas locais.
O enfrentamento destas problemáticas acima apresentadas deve contar com a
participação de todos os setores sociais do município. O levantamento constatou que em
Coronel Jose Dias já existia um potencial organizativo que podia ser valorizado. Além do
Sindicado dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) existem cerca de 20 associa-
ções comunitárias e de pequenos trabalhadores e trabalhadoras rurais espalhadas pelo municí-
pio. A juventude participa com maior intensidade dessas organizações locais, tendo assumido a
liderança de algumas delas. O município também conta com alguns conselhos de gestão de
políticas públicas: saúde, educação, assistência social e desenvolvimento rural.
Em duas das localidades pesquisadas já ocorria mobilização da população em busca
de soluções e atendimento de suas necessidades nos períodos de estiagem. Esta participação é
maior quando induzida, como é o caso de onze organizações comunitárias que afirmam ter
participado das atividades e planejamento das Frentes de Trabalho criadas no município, em
O Sonho construído em mutirão
1998.
Outro exemplo deste potencial pôde ser medido pela participação de todas as
associações e de outras organizações locais na construção do projeto. No seminário realizado
em setembro de 2000, no município, os participantes identificaram estas problemáticas, mas
também reafirmaram a convicção de que é possível conviver com o semiárido, aproveitando de
modo sustentável suas potencialidades, com o uso de tecnologias de manejo de recursos
hídricos e de produção apropriada a esta realidade. O Quadro 04 expressa a opinião de quem
participa das associações comunitárias sobre as principais ações para conviver com a qualidade
de vida no semiárido.
30. 30
QUADRO 04
PRIORIDADES DE AÇÕES DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO
Tipos de ações n. %
1 - acesso à água para abastecimento familiar, criações de animais e
pequenas plantações: 33 100
- Cisternas 18 54
- Restaurar açudes e barragens 06 18
- Perfurar e equipar poços 04 12
- Construir barreiros e cacimbas 03 09
- Tratar a água 02 06
2 - Produção agrícola 14 42
- Produção de alimentos (culturas de sequeiro) 07 18
- Culturas permanentes: caju, mamona, palma 05 15
- Beneficiamento da produção agrícola 02 06
- Acesso a sementes apropriadas 01 03
3 - Apoio à produção pecuária 20 61
- Criação de caprinos e ovinos 08 24
- Melhoria de rebanhos 06 18
- Criação de abelhas (apicultura) 03 09
- Beneficiamento da produção de mel 03 09
4 - Apoio às atividades agrícolas e pecuária 12 36
- Assistência técnica 04 12
- Uso de tecnologias apropriadas 02 06
- Crédito para produção 02 06
- Capacitação 03 09
- Organizações comunitárias 01 03
5- Outras iniciativas de geração de renda 09 27
- Setor turístico 03 09
- Artesanato 06 18
6- Serviços sociais Básicos 05 15
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
33. 33
Projeto Piloto de Coronel José Dias
Conforme o Quadro 04 apresentado sobre a realidade do semiárido brasileiro, onde
foram destacados alguns dos principais problemas enfrentados pelas famílias e comunidades
empobrecidas da região, a Cáritas Brasileira Regional Piauí deu continuidade e ampliou a
intervenção nessa realidade, através de um projeto piloto voltado para a convivência harmôni-
ca e com qualidade de vida no semiárido brasileiro de acordo com os princípios do desenvolvi-
mento humano sustentável.
Tratou-se de uma intervenção pró-ativa que precisou alguns princípios ou diretrizes
gerais orientadores dos objetivos a serem alcançados, bem como das atividades a serem
realizadas:
a) Difusão de alternativas: a capacidade de transformar o alternativo em alterativo, ou
seja, a visibilidade do programa, a publicização e a disseminação de ações significativas que se
tornem referencias para a população local e para a formulação de políticas públicas apropria-
das à realidade do semiárido. Tomar como referência os impactos de implementação de
alternativas permanentes de convivência com o semiárido;
b) Democratização das políticas públicas: aumento das capacidades organizativas,
fortalecimento das organizações comunitárias, desenvolvimento de conhecimento e do
controle e monitoramento das informações referentes ao semiárido e a aplicação de recursos
públicos. Inserir na agenda governamental um planejamento pró-ativo com a interiorização do
desenvolvimento e investimentos em infraestrutura social e econômica;
c) Fortalecimento das parcerias, alianças, articulação e afinidades entre os diversos
órgãos da sociedade civil e do estado (nas esferas municipal, estadual e federal) que atuam na
região para realizar ações conjuntas que promovam impactos sociais e ambientais sustentáveis
em nível da região semiárida. Combinar ações para potencializar recursos e esforços;
d) Atenção especifica às questões de gênero e gerações presentes no semiárido,
reconhecendo suas especialidades e buscando enfrentar processos culturais de exclusão, como
garantia de democratização e sustentabilidade das ações previstas no presente programa,
acesso das mulheres e jovens a programas de crédito e nos conselhos de políticas públicas;
e) Educação para a convivência com o semiárido: ampliação das capacidades educa-
cionais (alfabetização, ensino básico para pessoas jovens e adultas, formação profissional e
O Sonho construído em mutirão
assistência técnica); valorização de conhecimentos básicos de convivência com a região;
geração e difusão de informações;
f) Manejo adequado dos recursos do semiárido (hídricos e produtivos): busca
permanente de informações e monitoramento das previsões de seca; conservação, uso
sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais; uso de tecnologias apropriadas;
fortalecimento da agricultura familiar; garantia de segurança alimentar; universalização do
abastecimento de água para consumo humano; acesso ao crédito e canais de comercialização;
estímulos a unidades de beneficiamento da produção e empreendimentos não-agricolas.
34. 34
Educar para Conviver
O problema da água no mundo tem no semiárido um agravamento maior, pois se
trata de uma realidade onde a água disponível é escassa combinada com a falta de políticas
públicas apropriadas ao uso sustentável dos recursos disponíveis, bem como a construção de
obras hídricas capazes de abastecer toda a comunidade.
Se por um lado a ação política do Estado brasileiro em todos os níveis não tem sido
capaz de solucionar este problema, por outro lado, a população não tem encontrado formas
para sair da acomodação e mudar essa realidade. Então, faz-se necessário criar novos hábitos,
rompendo com velhos costumes que só contribuem para a perpetuação da situação de mendi-
cância em que vive maioria da população do sertão, agravadas em épocas de estiagem.
Torna-se, portanto, necessário e urgente investir na educação e mais ainda, em uma
educação de qualidade e contextualizada na região.
Investir em educação é um dos passos mais decisivos para a superação de tal
realidade: os dados indicam que cada quatro anos de estudo da mãe
corresponde à redução de 20 pontos na pobreza das crianças e adolescentes
[...] (CARVALHO, 2004: 21).
Viver melhor no semiárido significa conhecer melhor a realidade, perceber as suas
fragilidades e a sua viabilidade no jeito de plantar, de criar, de produzir e de lidar com os
recursos disponíveis na região e estabelecer novas formas de se relacionar com o meio ambiente.
A convivência com o semiárido consiste em aproveitar as potencialidades da região e
transformá-las em novas perspectivas de vida. Existem plantas e animais que se adaptam
melhor ao clima e à vegetação, assim como o beneficiamento de frutos e a captação da água da
chuva propiciam melhor desenvolvimento e renda para as comunidades e, consequentemente,
para o município.
É preciso investir na educação, porque é através desta que a população se apropriará
de novas técnicas de criação, plantação, produção e de conhecimento da realidade.
Desenvolvendo estas experiências alternativas, estará contribuindo “para uma convivência
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
mais solidária e sustentável com a região semiárida e com o meio ambiente em geral” (BRAGA,
2004:28).
Isto terá um impacto grandioso na vida das pessoas no que se refere à valorização do
lugar onde vivem e de si mesmas, enquanto pessoas capazes de mudar a realidade, evitando que
as famílias se desagreguem pela busca de melhores condições de vida em outros lugares. Sabe-
se que, “quando os trabalhadores do semiárido não conseguem produzir nem para comer ou
dar comida aos seus animais, eles migram. Vão para outra região à procura de uma vida
melhor” (LIMA &ABREU, 2005:15)
As condições de melhoria de vida estão no próprio lugar onde se vive. Basta acreditar
em uma vida possível no semiárido a partir de um novo olhar para a realidade e um novo jeito
de se viver, rompendo com a tradição do combate à seca e aprendendo a conviver com ela,
numa perspectiva superadora das velhas práticas e instalação de novas capazes de garantir
35. 35
qualidade de vida.
A Educação para a Convivência com o Semiárido não é apenas uma ação social em
que as pessoas interagem entre si e vão passando novos conhecimentos informalmente. Esta
ação é necessária, mas não é suficiente. A escola será palco de novas práticas também, à medida
que, assuma a responsabilidade em difundir esta nova proposta, adotando metodologias
apropriadas e, sobretudo, que possibilite a construção de novos conhecimentos pautados na
realidade onde vivem.
A educação escolar deve promover uma releitura da realidade do semiárido e contex-
tualizar o ensino de modo a se construir a convivência como um novo referencial para a região,
contribuindo para que as pessoas deste lugar aprendam a conviver consigo mesma, com as
outras pessoas e com o meio ambiente. Uma ação pedagógica efetiva poderá redimensionar a
relação sociedade-natureza e assim transformar um destino coletivo e um círculo vicioso de
degradação ambiental e pobreza em um espaço da vida e do aconchego. (BRAGA, 2004: 83- 84)
A proposta de educação para a convivência com o semiárido está associada a um
projeto de sociedade onde se promova a dignidade humana, através de relações ecologicamen-
te saudáveis, economicamente justas e socialmente livres, condições necessárias para o desen-
volvimento sustentável, que está diretamente ligado ao atendimento das necessidades huma-
nas, sem causar prejuízos ao meio ambiente.
Eis o grande desafio: conviver com o semiárido, a partir do conhecimento da realida-
de, das condições climáticas da região, do respeito à biodiversidade e da preservação do meio
ambiente, e criar condições de sustentabilidade econômica, social e ecológica dos seres ali
existentes.
Eixos de Atuação
A partir das diretrizes, a Cáritas e as parcerias de elaboração e gestão do projeto,
seguindo a máxima de Educar para Conviver, decidiram delimitar os seguintes eixos de ação:
• Gestão
• Recursos Hídricos
• Produção Agropecuária Apropriada
• Educação Contextualizada
Para cada eixo foi desenvolvida uma política de capacitação, que se constitui também
O Sonho construído em mutirão
na formação de agentes multiplicadores e multiplicadoras da convivência com o semiárido nas
comunidades envolvidas no projeto. Embora professores e professoras assumam esta função
de forma mais intencional nas escolas onde trabalham a proposta de Educação
Contextualizada.
Assumindo a dinâmica de intervenção na realidade a partir destes eixos, o Projeto
Fecundação conseguiu promover a discussão e, ao mesmo tempo, realizar as ações, integrando
campo e cidade e envolvendo homens e mulheres, crianças e jovens numa mesma perspectiva:
tornar melhor a vida em Coronel José Dias e proclamar as potencialidades do semiárido
brasileiro.
Perpassando as ações desenvolvidas nos eixos de ação, buscou-se também trabalhar
as questões de gênero e geração, partindo do entendimento de que as relações “verticalizadas”
36. 36
e “patriarcais” são uma herança que se configura nas relações familiares e sociais de hoje. Desta
forma, nos momentos de formação, esta temática buscou seu lugar na medida em que oportu-
nizava questionamentos e reflexões quanto às relações de gênero e geração, promovendo-se
um recorte, sobretudo em relação às condições da mulher.
Neste processo se entrelaçam questões sociais, culturais e de cidadania, com foco na
política local, numa perspectiva de empoderamento das pessoas excluídas não somente de
políticas públicas, mas também do poder de decisão.
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
37. 37
Gestão
Na maioria dos municípios localizados no semiárido brasileiro, as organizações da
sociedade civil tem tido pouca capacidade de articulação para intervenção e controle social dos
programas implantados em nível local. A dificuldade de participação está relacionada com
diversas causas: a falta de capacitação, a pouca articulação, a fragilidade dos mecanismos de
participação popular (conselhos, fóruns, etc.) e o desconhecimento dos direitos, dos recursos
que são destinados e de como são aplicados. Nesse sentido, é que o Projeto Fecundação
trabalha o eixo Gestão: na perspectiva de empoderamento das pessoas, buscando a autonomia
e a sustentabilidade das ações desenvolvidas.
O desafio de se constituir/construir uma gestão compartilhada do projeto foi
vivenciada desde o início da “gestação” do Projeto Fecundação. Segundo LÜCK (2001), o
próprio conceito de gestão já nos remete a uma idéia de participação, de um trabalho coletivo
de análise/reflexão sobre determinada situação que permite uma tomada de decisão sobre
como agir. Parte-se do princípio de que o sucesso de determinada proposição depende de uma
decisão conjunta do grupo envolvido, de forma recíproca, gerando um “todo” guiado por uma
“vontade coletiva”.
Deste modo, buscou-se uma organização capaz de se responsabilizar pela execução e
animação do projeto e que fosse capaz de refletir e decidir de forma coletiva, sobre o processo
de construção das ações. Partiu-se da compreensão de que a gestão é um compromisso
coletivo do FAZER – REFLETIR – REFAZER.
Para este exercício foi composta a comissão gestora do projeto fecundação, concebi-
da de forma a proporcionar a todas as pessoas envolvidas na experiência a apropriação de
saberes e fazeres no processo de execução da proposta. A comissão gestora do projeto fecun-
dação, desde a sua implantação no município foi composta por representantes da Cáritas
Diocesana de São Raimundo Nonato, da Igreja local, do sindicato dos trabalhadores, trabalha-
doras rurais e do poder público municipal. Figurando da seguinte forma:
• 01 representante da Cáritas Regional
• 01 representante da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato
• 01 representante da Prefeitura Municipal
O Sonho construído em mutirão
• 01 representante da Igreja
• 01 representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
• 02 representantes das associações de produtores e produtoras (um dos quais deveria
ser, necessariamente, uma mulher)
Essa comissão gestora foi instituída com atributos de deliberação em algumas ações
do programa: aprovação de projetos de recursos hídricos e produtivos apresentados pelas
associações; monitoramento do projeto; definição da aplicação de recursos da partilha solidá-
ria; mobilização de recursos locais e em outros níveis para a efetivação das ações previstas.
Foi instalado no município um escritório do projeto fecundação para atender às
demandas latentes e dar suporte às ações previstas, promovendo a coordenação, a administra-
ção das ações e o apoio técnico de modo a viabilizar o planejamento e a execução do projeto.
38. 38
Contratou-se inicialmente um técnico agrícola, sob a responsabilidade da prefeitura
municipal, e um auxiliar técnico administrativo que viabilizaria o contato com os grupos
organizados, conforme as ações. Estes profissionais faziam parte da comissão gestora e se
responsabilizaram pelo processo de acompanhamento das ações que vinham sendo desenvol-
vidas, inclusive as reuniões da comissão.
A gestão do projeto adotou a estratégia de PMA – Planejamento, Monitoramento e
Avaliação para melhor acompanhar o desenvolvimento das ações. Foram realizadas duas
oficinas de PMA com o objetivo de propiciar espaço de análise e planejamento do processo de
implantação do projeto no município e de compreender esta ferramenta como estratégia de
acompanhamento das ações, numa perspectiva de superar as fragilidades, a partir do exercício
da avaliação, do monitoramento e do (re)planejamento das ações.
Para possibilitar esta dinâmica, foram criados Grupos de Trabalho (GT), como
forma de contribuição no acompanhamento das ações planejadas. Participam dos grupos
pessoas que, de uma forma ou de outra, tem interesse pelas ações do projeto e indicadas pelos
membros da comissão gestora. O grande objetivo dos GTs é discutir e aprofundar as temáticas
e garantir as condições e estratégias para a execução das atividades de cada eixo do projeto.
Foram constituídos os seguintes grupos:
• GT de Educação;
• GT de Produção;
• GT de Recursos Hídricos;
• GT de Gestão.
Foi definido também o papel dos membros dos GTs:
• Organização das atividades de acordo com o planejamento
• Reuniões de trabalho para execução das atividades
• Contatos com as entidades parceiras para a gestão do projeto
• Participação nas reuniões ampliadas da Comissão Gestora e dos encontros de PMA
• Elaboração do relatório anual de atividades do GT
• Assiduidade e compromisso com as ações do projeto de ECSA
QUADRO 05
ATIVIDADES NA EXECUÇÃO DO PROJETO FECUNDAÇÃO
Cáritas Brasileira Regional do Piauí
Atividade Detalhamento
• Reuniões mensais da As reuniões são espaços de discussão e controle das ações e o
comissão gestora momento de reflexão e definição de ações estratégicas de acordo
com a necessidade.
• 04 oficinas de PMA Os encontros de PMA ocorreram entre os anos de 2001 a 2004
com o objetivo de Propiciar espaços de análise e planejamento do
processo de implantação e de desenvolvimento do projeto.
• Reuniões com Os grupos de trabalho foram criados para darem suporte às ações
coordenações dos Grupos e promover o acompanhamento a cada eixo.
de Trabalho da comissão
gestora.