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ST3 - Índios Citadinos de Altamira e Famílias Indígenas Ribeirinhas da
Volta Grande do Xingu: Aspectos Demográficos, Socioeconômicos e
Culturais
Ana Corbisier, socióloga e Paulo Serpa, antropólogo
A última parte dos estudos etnoecológicos do EIA do AHE Belo Monte foi dedicada
aos indígenas “desaldeados”, ou seja, aqueles grupos indígenas moradores da
cidade de Altamira e dos “beiradões” da Volta Grande do Xingu. De fevereiro a
agosto de 2009, uma equipe de 11 técnicos dedicou-se a levantar as condições de
vida dessa população indígena.
Não havia informação sobre esta população, visto que alguns setores regionais da
Fundação Nacional do Índio – Funai, e da Fundação Nacional de Saúde – Funasa,
não os reconhece como índios pelo fato de não viverem em Terras Indígenas.
Mesmo o cartório do registro civil recusa a inclusão da etnia no nome dos recém
nascidos. Enfim, observa-se uma situação de total invisibilidade dos indígenas
citadinos e das famílias indígenas moradoras na Volta Grande do Xingu.
Optou-se por reunir algumas lideranças e representações dessa população
indígena, integrá-las à equipe e por meio delas, iniciar a identificação das famílias.
À medida que eram localizadas, aplicavam-se questionários de caráter sócio-
econômico, ao mesmo tempo em que eram entrevistados os mais velhos iniciando-
se a construção da genealogia das famílias.
Averiguou-se que além do movimento endógeno de recuperação cultural que
motiva atualmente a população em estudo, alguns órgãos públicos, como a
Defensoria Pública do Estado do Pará, apoiam os índios na busca de recuperação
de sua identidade. Verificou-se que esta invisibilidade pode ser entendida também,
como uma estratégia de sobrevivência e que, em lugar de constituir uma diáspora,
fortaleceu a resistência cultural iniciada ainda na época da missão jesuítica
Tawaquara, no século XVII.
O estudo detectou 400 famílias indígenas, sendo 360 em Altamira e 40 moradoras
às margens do rio Xingu, a jusante da cidade. As famílias entrevistadas pertencem
a 17 etnias, sendo as mais numerosas os Xipaya, os Kuruaya e os Juruna. Todas
essas etnias possuem Terras Indígenas com as quais se relacionam
periodicamente. Portanto, apesar das grandes distâncias e da falta de meios de
transporte mais rápidos, são estreitos os laços que mantêm entre si as várias
comunidades. Essas relações inter e intra comunidades são permeadas pelos
vínculos sagrados que essas etnias mantêm com o rio Xingu, com suas paisagens,
cachoeiras e pedrais, onde residem e resistem as entidades mitológicas.
2
A segunda etapa do trabalho consistiu em inventariar os impactos que, caso seja
construída, a usina irá provocar sobre aquela população.
O objetivo desta comunicação é, portanto, trazer a público as informações sobre
essa população indígena, principalmente sobre a que vive na cidade de Altamira,
mas também, nos “beiradões” da Volta Grande do Xingu, suas condições de vida,
formas de inserção no mundo urbano, estratégias de sobrevivência e reprodução
social, demandas de políticas públicas diferenciadas a que têm direito,
reconhecimento étnico e, principalmente, o grau de interferência que a UHE Belo
Monte virá provocar caso a usina seja construída. Assim, esta comunicação vem
trazer elementos socioeconômicos e culturais, fundamentais para o debate sobre a
eficiência e eficácia dos programas de mitigação e de compensação previstos para
essa população indígena, historicamente abandonada a sua sorte e que, sem
dúvida, será o componente humano que sofrerá a maior incidência de impactos
negativos e irreversíveis caso o empreendimento seja implantado.
Pretende-se também contribuir para o debate sobre o fenômeno indígena no
espaço urbano, indicando as considerações que devem ser atendidas na
elaboração de políticas públicas específicas para esse segmento social.
Metodologia
O estudo sobre os índios citadinos de Altamira e da Volta Grande do Xingu incluiu a
busca de informações secundárias sobre o tema, além dos estudos ambientais já
realizados sobre o AHE Belo Monte. A coleta de dados primários realizou-se em
duas etapas – abril e maio de 2009 -, sendo a primeira interrompida pela enchente
que atingiu a população indígena que vive à beira dos igarapés Panelas, Altamira e
Ambé, ou próxima a eles. Durante essa campanha foi realizada reunião com os
movimentos da sociedade civil organizada e entidades indígenas e com instituições
competentes da estância municipal, estadual e federal para integrar o trabalho ao
universo local.
Foram agregados à equipe seis colaboradores indígenas locais, com experiência
nesse tipo de levantamento, o que foi essencial para o pleno desenvolvimento do
trabalho, tanto pelo conhecimento que possuem da complicada organização
espacial da cidade de Altamira, como também, e mais importante, pelo
conhecimento e amizade que mantêm com as famílias indígenas objeto da
pesquisa.
Realizou-se um censo, restando 25 famílias, identificadas, mas não localizadas,
porque na época se encontravam nas aldeias ou na zona rural. As informações
foram obtidas por meio de entrevistas semi-estruturadas, de caráter qualitativo, e da
3
aplicação de um questionário e de um cadastro. Priorizou-se sempre o cônjuge
indígena, mas, na falta deste, foram entrevistados os cônjuges não índios.
1. - De Tawaquara a Altamira - Apontamentos da etnohistória do Médio Xingu
O vale do Médio Xingu, área de influência regional do AHE Belo Monte, está
localizado entre os rios Tapajós e Tocantins. Essa região da Amazônia foi ocupada
muito lentamente, devido aos cursos d‟água serem interrompidos por corredeiras, o
que torna o rio Xingu e seus tributários um dos rios brasileiros mais dificultosos para
a navegação.
1.1. Área Cultural do Médio Xingu
Segundo Nimuendaju (1948), os povos indígenas originários1
dessa região podem
ser caracterizados em três grupos: povos canoeiros restritos aos rios Xingu, Iriri e
Curuá: Juruna, Xipaya e Arupaí (extinto); povos do centro da floresta: Kuruaya,
Arara2
, Asurini e Tacunyape (extinto); povos das savanas, que eventualmente
invadem a zona de floresta: Kayapó do Norte3
.
A agricultura da mandioca foi a base da subsistência de todos esses povos, com
exceção dos Arara, que eram menos propícios ao cultivo. A unidade sociopolítica
era a aldeia, e, aparentemente a descendência era patrilinear, principalmente para
as chefias. A poligamia era rara e os laços familiares eram muito fortes. As relações
interétnicas geralmente envolviam guerras com canibalismo.
Os Juruna4
, grandes bebedores de cauim, hoje autodenominados Yudjá, são
conhecidos como exímios canoeiros e são antigos habitantes das ilhas e
penínsulas do baixo e médio Xingu. A história oral Yudjá delimita como território
original toda a região da Volta Grande até a desembocadura do rio Fresco e atribui
a extinção dos povos Takunyapé, Arupaia e Peapaia a sua própria ação guerreira e
a seus inimigos memoráveis, os Txukahamãe (Kayapó).
Os escritos de Nimuendaju (1981), com base em suas visitas de 1918 e 1919,
informam na região, além dos Xipaya, grupos indígenas como os Kuruaya.
1
Vale observar que o autor não faz referência aos Araweté e aos Parakanã. Os Araweté não eram conhecidos na época do estudo de
Nimuendaju; talvez fossem confundidos com os Asurini, porque também faziam uso abundante do urucum, costume que veio a
denominar os Asurini (os vermelhos). Quanto aos Parakanã a ausência de referência se deve ao fato de que, naquela época, ainda
estavam unidos; a cisão que levou uma parte do povo para o Xingu só ocorreu depois dos anos cinquenta.
2
Segundo Melatti esses Arara são os mesmos que podem ser encontrados agora no baixo Iriri, afluente do rio Xingu.
3
Incluem-se aqui todos os grupos Kayapó originários das cisões históricas ocorridas nos últimos séculos e que, grosso modo,
compreendem os grupos Kararaô, Xikrin, Megranoti, Txukahamãe, entre outros.
4
O etnônimo Juruna parece significar “boca preta” em Língua Geral (Nhengatu) devido à tatuagem que usavam quando o baixo
Xingu foi explorado pelo colonizador português.
4
Nessa área onde predominam povos falantes do tronco Tupi, os Arara se destacam
por falar uma língua Karib5
. Viviam no divisor que separa as águas que correm para
o Iriri, onde passa a Transamazônica. Hoje, após a atração, ocupam as Terras
Indígenas Arara e Cachoeira Seca6
.
O mosaico etnográfico do Médio Xingu compreende também os Kararaô e os Xikrin,
povos Jê. Tal como os outros grupos Kayapó autodenominam-se Mebengokré, que
significa “gente do buraco d‟água” ou “gente da água grande”, em referência aos
rios Tocantins e Araguaia, cuja travessia marcou a separação do grupo ancestral
(VIDAL, 1977).
1.2. Apontamentos sobre a Etnohistória do Médio Xingu
A reconstrução da etnohistória regional vem fornecer informações e subsídios para
compreender a situação atual dos povos indígenas do Médio Xingu, principalmente
daqueles grupos que lograram sobreviver em áreas urbanas para onde foram
empurrados pela violência dos ciclos histórico-econômicos. Portanto, o foco da
descrição são as etnias Xipaya, Kuruaya e Juruna, por compreenderem a grande
maioria dos indígenas citadinos e das famílias indígenas moradoras na Volta
Grande.
Os arranjos matrimoniais observados nas genealogias, os padrões de localização
de residências nas “palafitas”, os fluxos migratórios históricos dentro da bacia
hidrográfica do Xingu, a inserção dos grupos na cidade de Altamira, o
ressurgimento das etnias consideradas extintas, a re-construção da identidade e do
território no mundo urbano, a busca de visibilidade étnica constituem o “modus
vivendi” desenvolvido por cada etnia, principalmente no cenário urbano.
A colonização aliada à catequização católica realizou ao longo do século XVII
várias tentativas de escravizar e “aldear” os Juruna. Em 1655 os „convertidos‟ foram
estabelecidos na Missão Tawaquara, acima das cachoeiras da Volta Grande
(Oliveira, 1970) onde, em 1842, Adalberto da Prússia registrou a presença dos
Juruna na Missão restabelecida.
Os Juruna foram também observados por Von den Steinen (1884), Coudreau
(1896), Nimuendaju (1918); e, este último afirma que sempre mantiveram relações
de guerra e de paz com os Xipaya, Kuruaya e Arara do Iriri. Nessa época
realizaram uma aliança por meio de casamentos interétnicos, confirmada por
5
Nimuendaju menciona a dispersão do grupo Arara quando a aldeia no rio Iriri foi atacada pelos Kayapó-Gorotire em 1918. No
mesmo relato conta que em 1934 este território foi tomado pelos Kayapó-Gorotire, obrigando os Kuruaya a se espalharem: “alguns
seguiram para o Tapajós, outros se dispersaram ao longo do rio Iriri e outros tantos se juntaram aos poucos Xipaia que viviam perto
do Gorgulho do Barbado” (Nimuendaju 1940).
6
Não devem ser confundidos com os Arara da Volta Grande que também são chamados de Arara do Maia. Esse é provavelmente
um subgrupo Arara de família lingüística Karib, que viveu na foz do rio Bacajá no século XIX e que pode ter se misturado com os
Juruna e outros não índios ao longo do processo de contato interétnico.
5
Coudreau (1896) quando, em visita à aldeia da Cachoeira de Jurucuá, registra
vários casamentos entre Juruna e Xipaya (Oliveira, 1970).
Os Xipaya permaneceram sem contato direto com o “mundo civilizado”, na região
dos rios Iriri e Curuá, apesar de terem feito contato, em 1750, com o jesuíta
Hundertpfund que visita Tawaquara e a seguir entra em contato com os Kuruaya
(Nimuendaju, 1948).
Os ataques dos Kayapó, em 1885, levaram os Xipaya a abandonar as aldeias
localizadas nas cachoeiras do Iriri, estabelecendo-se no Gorgulho do Barbado,
onde realizaram casamentos com os Kuruaya. Entre 1909 e 1913, os Xipaya são
visitados por Emília Snethlage que reencontra os Kuruaya em 1918 e registra uma
situação de extrema subordinação dos Xipaya e Kuruaya aos patrões seringalistas.
A partir de 1918 intensificam-se os ataques dos Kayapó que ficam mais intensos
durante a década de 1950, com o avanço do grupo sobre territórios dos Xipaya,
Kuruaya e Juruna.
Em síntese, a região do Médio Xingu experimentou ao longo dos últimos séculos as
fases da catequese jesuítica (1655 -1760), a administração pombalina e sua
continuidade no período imperial (1760– 1860), o boom da borracha (1880-1945), o
desenvolvimentismo e ampliação da fronteira de colonização (1950-1980) cujo
exemplo mais emblemático é a abertura da Transamazônica na década de 1970 e,
atualmente, a fase dos „mega projetos‟ de hidrelétricas, exploração de recursos
minerais e vegetais e empreendimentos de colonização privada.
A presença de famílias Juruna, Xipaya e Kuruaya no espaço urbano é consolidada
no século XX e está estreitamente relacionada ao auge e declínio do ciclo da
borracha e da formação da vila de Altamira que já era nessa época o principal
entreposto comercial do médio Xingu.
Na primeira metade do século XX as fontes etnohistóricas descrevem, para os
Xipaya e Kuruaya, uma migração pendular, entre os rios Iriri e Curuá e as margens
do Xingu, imediações do igarapé Panelas, local da antiga aldeia-missão
Tawaquara. As histórias de vida dos mais velhos Xipaya, Kuruaya e Juruna
evidenciam esse movimento e a posterior fixação das famílias na cidade, pois
alguns desses indivíduos nasceram nos seringais (“Malocas”) no Iriri-Curuá; outros
nasceram no “Moquiço”7
ou “Aldeinha”, assentamento indígena que posteriormente
foi incorporado pelo bairro São Sebastião, em Altamira.
7
Segundo Maria Helena (Juruna idosa da Ilha da Fazenda), o termo moquiço quer dizer “monte de mato”. O Dicionário Houaiss
define o termo como “habitação rústica, desprovida de conforto; casebre”.
6
1.3. Índios Citadinos: “desaldeados” ou “ressurgidos”?
Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX houve, portanto,
uma profunda compressão das etnias no Xingu, Iriri e Curuá, devido à expansão
dos Kayapó e os relatos dos indígenas mais idosos moradores de Altamira apontam
para as mudanças ocorridas desde então, as migrações dos grupos para outras
áreas do Médio Xingu e, principalmente, o deslocamento de aldeias inteiras para a
cidade de Altamira e imediações.
Por volta das décadas de 1940-50 as doenças, as epidemias, as mortes, os
casamentos entre Xipaya, Kuruaya, Juruna e com os nordestinos, vindos para a
região como "soldados da borracha", imprimiram um novo perfil à região; as
sucessivas mudanças forçadas e a dispersão do grupo passaram a idéia de que os
Xipaya haviam desaparecido como grupo étnico.
Nas décadas de 1970-80 os Kuruaya estavam espalhados ao longo do rio Curuá,
em pequenos núcleos familiares. A reorganização social só foi possível quando o
ouro aluvial atraiu indígenas e garimpeiros para as terras ocupadas; mas quando as
empresas mineradoras passaram a atuar, os Kuruaya começaram a sofrer violência
física8
e isso os levou a empenharam-se em sua reorganização social e territorial.
Em 2002 uma portaria do Ministério da Justiça declarou a TI Kuruaya de posse
indígena permanente.
Os Xipaya iniciaram na década de 1970 um movimento que resultou na
reunificação do grupo para a reconquista de seu antigo território. Atualmente a
situação jurídica da T.I. Xipaya é de “declarada em demarcação” segundo Portaria
2.362 (Funai) publicada em 18/12/2006.
Esse longo processo de “pacificação” e territorialização promovido pelo Estado
brasileiro gerou diversas transformações: fixação desses grupos em áreas restritas
enquanto seus modos de vida baseavam-se na exploração de grandes áreas. Esse
processo levou uma parcela significativa da população indígena a se fixar no
ambiente urbano, apesar de continuar mantendo relações com as terras indígenas.
Existe, atualmente, um movimento para identificação de uma área indígena no
bairro de São Sebastião, que além de comportar o território da antiga missão
jesuítica é uma área em que é evidente a ocupação indígena tradicional.
No século XX a antiga aldeia transformou-se em um bairro conhecido por Moquiço
ou “Aldeinha” (Patrício, 2003), que depois passou a ser conhecido como “bairro da
8
Nos anos 1980, os arquivos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mencionam as dificuldades enfrentadas pelos Kuruaya,
como a situação de pressão, agressão, invasão armada e risco de vida que estavam passando no rio Curuá, em razão da presença das
empresas mineradoras: Espeng Minérios e Minerais LTDA, Brasinor Mineração e Comércio LTDA (garimpo Madalena). Nos anos
seguintes passaram a atuar outras empresas, como Andrade Gutierrez S/A, Mineradora Palanqueta, Minerador Souther Anaconda e
Madalena Gold Corporation.
7
onça" por haver um barracão de comércio de peles do felídeo e, até recentemente,
chamava-se São Sebastião.
Os relatos indígenas informam que a área da Missão ia além dos limites do bairro
São Sebastião, que hoje equivale aos bairros Independente I, II e Recreio; aí habita
uma parte substancial da população indígena da cidade. As condições de
ocupação desta área foram agravadas, na segunda metade do século XX, pela
grilagem das terras. Por último, o crescimento urbano iniciado a partir da década de
1960 e o processo de colonização, levado a efeito na região pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra) provocaram outros impactos negativos de
tal intensidade que muitas famílias migraram para outros lugares na região (Patrício
2003).
Nos primeiros anos do século XXI o movimento pela retomada de parte do território
urbano, que consideram seu de direito, tem sido mais presente no seio da
comunidade citadina e veementemente expresso em suas reuniões e nas ações
que desenvolveram com diferentes atores políticos locais (Cimi, ISA, Funai,
Prefeitura, entre outros). Vale destacar o movimento de recuperação de aspectos
da cultura material e imaterial, como por exemplo, o interesse em conhecer a
literatura sobre a etnia, detalhes dos grafismos usados na cerâmica e na pintura
corporal, os cantos tradicionais, a língua original, além do incentivo para recuperar
as celebrações do Kariá, ritual vinculado ao culto dos mortos.
A perspectiva da implantação da usina de Belo Monte vem impor uma nova
situação crítica para a população indígena, como o remanejamento de centenas de
famílias indígenas residentes nas palafitas, além da possibilidade de outros
impactos ambientais que fatalmente irão interferir no cotidiano das famílias
citadinas e da Volta Grande do Xingu.
2. A Terceira Margem do Xingu
2.1. Ser ou não ser índio?
Um fenômeno observável em toda a Amazônia é o estreitamento das relações entre
comunidades indígenas e centros urbanos. Nessa articulação, que ocorre desde o
período colonial, a cidade, a vila, a missão, o entreposto ou o posto militar
sustentaram e sustentam as atividades ligadas ao comércio dos produtos florestais
ou dos produtos agrícolas.
Na área em estudo, os deslocamentos forçados por contingências históricas
acabaram, mas observa-se que há uma intensa mobilidade, contínua e
permanente, entre as terras indígenas situadas na região e a cidade de Altamira.
Esse fluxo observado quando dos levantamentos de campo indica que, há vários
8
anos, famílias indígenas Xipaya e Kuruaya deslocam-se da região do “Alto”9
, para
reencontrar os parentes instalados a jusante, na “rua”10
. A recíproca é verdadeira:
os Xipaya e Kuruaya citadinos, assim como os Juruna, também mantêm fluxo
contínuo para as terras indígenas.
À margem desses deslocamentos observa-se, desde os anos 1980, outro
movimento de confluência para as cidades. O fator escolar se sobrepõe a outros,
levando ao deslocamento do centro de gravidade da família da floresta para a
cidade. O acesso aos serviços públicos (aposentadoria, saúde) e ao comércio, a
remota possibilidade de um emprego na cidade e a perspectiva de outro modo de
vida fazem com que se diluam os limites entre o urbano e o rural, ou florestal, o
“indígena” e o “globalizado” (Andrello, 2006).
O surgimento da categoria “índio citadino” é cada vez mais visível na cidade a partir
de 1988, com as conquistas da democracia, que fomentaram esse fenômeno em
todo o país.
A população indígena em questão é composta por uma grande quantidade de
casamentos interétnicos com não índios e, simultaneamente, boa parte dela é
residente há décadas na cidade de Altamira, tendo seus filhos nascido e sido
criados no ambiente urbano.
Estas duas características - “índios misturados” e “índios citadinos”- que, no caso
em foco se sobrepõem, têm em comum o contraste com a imagem do “índio” que
persiste na consciência nacional: vivendo na “selva” e com hábitos de vida
“primitivos” e promíscuos; andando nus ou com vestimentas rudes; fenotipicamente
marcados como exóticos; praticando economia de subsistência ou mesmo
“preguiçosos”; religiões mágicas e ausência de ordem política.
A antropologia acabou por reafirmar este perfil exótico ao afirmar que uma vez que
os povos indígenas entrassem em contato com a sociedade nacional, a tendência
seria a perda estrutural da sua condição de “índio”.
No entanto, a própria representação popular sobre a condição do índio reafirma, de
maneira contraditória que, apesar de não poderem ser classificados como “índios
de verdade” (Patrício, 2000), apresentam persistências sociológicas que lhes dão
uma condição diferenciada no cenário regional.
Os critérios de indianidade definidos pela antropologia, como a continuidade
histórica entre a população originária e a que atualmente se identifica como
indígena, já não se sustentam em termos genéticos e culturais, pois sofreu muitas
9
Expressão que se refere às terras indígenas localizadas a montante de Altamira, entre os rios Iriri e Curuá.
10
A expressão “rua” se refere à cidade propriamente dita em contraposição à “aldeia”.
9
mudanças com as mesclas ocorridas ao longo dos anos, e não é tão simples de ser
documentada.
No Brasil, a antropologia só vai superar os conceitos de “assimilação” e
“aculturação” nos anos 1970, quando incorpora as idéias de F. Barth de que grupo
étnico é “tipo organizacional” e não “unidade portadora de cultura”, e que o código
essencial da identidade que orienta as relações interétnicas se exprime por
contraste. Nas décadas seguintes, essas idéias de etnicidade continuaram fortes.
Definitivamente, uma cultura indígena não é estática, mas se transforma, perde e
ganha, esconde e mostra, conforme as relações interétnicas. Assim, índio é aquele
indivíduo que se auto-identifica enquanto tal e é identificado da mesma maneira
pela comunidade a que pertence (OIT – convenção 169).
Pioneiro nesse campo de estudo, foi o clássico “Urbanismo ou Tribalismo” de
Roberto Cardoso de Oliveira sobre os Terena nas cidades do Mato Grosso do Sul.
Reflexões inovadoras sobre este tema foram elaboradas recentemente por
pesquisadores como Patrício (2000), Saraiva (2005), Andrello (2006) entre outros.
Diante do contexto político favorável à mobilização por direitos indígenas, a partir
da promulgação da Constituição de 1988, e indo ao encontro desta nova
abordagem dinâmica de definição do que é ser índio, um fenômeno sociológico se
alastrou por várias partes do país, particularmente na região nordeste e, mais
recentemente, em estados que compõem a Amazônia Legal: é o surgimento dos
“índios emergentes”, ou, na linguagem acadêmica, de processos de etnogênese.
Os “índios emergentes” conformam um conjunto de pessoas, fruto de processos de
miscigenação históricos, que ligadas por laços de parentesco a populações pré-
colombianas e também de mesma origem territorial, buscam revitalizar suas
tradições culturais e linguísticas colocadas em situação de invisibilidade histórica e
política, e reivindicam suas identidades coletivas de maneira oficial diante do
Estado nacional.
O caso dos Xipaya, Kuruaya e Juruna citadinos e moradores da Volta Grande do
Xingu se encaixa perfeitamente nestas características, como demonstraram as
pesquisadoras Marlinda Patrício (2000) e Márcia Saraiva (2004).
Além dessa condição de “índios misturados”, os três grupos em foco têm sobre si o
preconceito generalizado e arraigado na consciência nacional e regional (inclusive,
em segmentos da própria Funai) de serem, em sua maior parte, moradores da
cidade, carregando o estigma de “índios desaldeados”, portanto, não sujeitos aos
direitos coletivos garantidos para aqueles que vivem em situação de aldeia.
O conceito “índio citadino” é também aplicado aos indígenas “beiradeiros”, ou seja,
às famílias indígenas moradoras na região da Volta Grande do Xingu, que mesmo
10
morando fora das terras indígenas reservadas têm reivindicado, junto à Funai e
Funasa regionais, sua condição étnica e, portanto, os mesmos direitos especiais de
assistência.
Os quadros genealógicos dão conta da relação de parentesco entre os “índios
citadinos” e grupos que residem em terras indígenas. Essas informações
genealógicas fornecerão subsídios para que as famílias Xipaya, Kuruaya, Juruna,
entre outras – “citadinas” e “misturadas” – possam acessar seus direitos
constitucionais, a começar pelo reconhecimento formal de sua condição indígena.
2.2. Aldeias e Indígenas invisíveis emergem dos igarapés – padrões de
ocupação urbana e espaços de resistência indígena.
Empurrada para as zonas mais insalubres da cidade de Altamira, a maioria das
famílias indígenas vive hoje à beira dos igarapés Altamira, Ambé e Panelas e em
suas proximidades, em condições extremamente precárias e sujeita, todos os anos,
às enchentes que as levam para abrigos provisórios em estádios, escolas etc.
Entre as etnias residentes na cidade predominam os Xipaya, com 38,24%, seguidos
pelos Kuruaya, com 25,58% e pelos Juruna, com 13,83%. O total das outras etnias
soma 22,35%. (ver em anexo o quadro 2.2.1)
Gráfico 2.2.1 – Percentual de etnias das famílias indígenas entrevistadas em
Altamira
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009
Essas etnias estão espalhadas por vários bairros da cidade, mas Açaizal e
Independente II são aqueles em que há mais famílias Xipaya e Kuruaya, seguidos
por Boa Esperança, Aparecida, Independente I, próximos aos igarapés Altamira e
Panelas. Essas aglomerações parecem reproduzir a espacialidade das aldeias no
espaço urbano.
Quanto à pirâmide etária, como se vê no gráfico, predominam as pessoas em idade
produtiva, o que é muito favorável à reprodução física e cultural daquelas famílias:
11
Gráfico 2.2.2- Faixa etária e sexo dos entrevistados (%)
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009; (homens / mulheres)
Entre os “índios citadinos”, são muito frequentes os casamentos, tanto entre etnias
como entre índios e não índios. Os quadros 2.2.2 e 2.2.3 em anexo mostram estes
casamentos interetnicos – 222 em 248 casais. Não parece haver qualquer restrição
à exogamia. Pelo contrário, os casamentos com não índios já ocorriam no ciclo da
borracha, quando os seringueiros recebiam ou tomavam índias em troca do apoio a
determinado povo indígena acossado por outros povos. Tais casamentos, que
continuam acontecendo, parecem representar, hoje ainda, uma estratégia de
sobrevivência, não mais como sobrevivência física, mas como busca de
reconhecimento social.
Na Volta Grande, esta situação se repete: os casamentos mistos, principalmente
entre índios e não índios também são frequentes. De 38 casais, 34 estão neste
caso, como mostra o quadro 2.2.4 em anexo.
Confirma-se a estreita relação entre a “rua”, as aldeias e a Volta Grande:
aproximadamente 2/3 da população indígena de Altamira (72%) tem parentes nas
aldeias, assim como em outros locais, como a beira do Xingu, ou, mais
especificamente, na Volta Grande.
Na Volta Grande, quase a metade das famílias afirmou ter parentes morando nas
terras indígenas (48%); outros tantos afirmaram ter parentes em outras localidades.
E, como em Altamira, também na Volta Grande a relação com as aldeias, a “rua” e
outras localidades da região é bastante intensa, transitando a população nas
“voadeiras” pelo rio Xingu e igarapés.
Reforçando a demanda por terra indígena urbana na área da antiga missão
Tawaquara, protocolada pelos índios na Funai, 76,8% dos entrevistados respondeu
que é favorável a esta reivindicação, 3,5% que não e 19,7% não souberam
responder.
12
2.3. Guia de sobrevivência na anti-cidade – Condições de vida e aspectos da
saúde e educação.
As condições de vida em Altamira são precárias para quase toda a população, no
que se refere a infraestrutura, serviços públicos, emprego e renda. Mas, para a
população indígena são muito piores. Embora a legislação não faça nenhuma
distinção entre índios “citadinos” e “aldeados”, principalmente com relação à saúde
(Lei nº 9.836/99), as famílias indígenas de Altamira não são atendidas pela Funasa.
Além de não se beneficiarem do atendimento da Funai e Funasa, as famílias
citadinas, em sua maioria, não são beneficiadas pelos programas destinados à
população de baixa renda, como o Bolsa Família (27,94%). E, das pessoas com
mais de 60 anos, apenas 10% recebe aposentadoria.
As moradias indígenas são feitas de madeira e sobre pontais, estilo palafita, e não
têm sanitários ou fossas. Cada domicílio tem em média três cômodos, havendo
uma grande concentração de pessoas no mesmo espaço. A ausência de
saneamento básico, especialmente de sistemas de abastecimento de água tratada
e de esgotamento sanitário, é geral e faz com que os moradores, especialmente as
crianças, sejam acometidos por diarréia e gripe. Devido à inexistência de rede de
esgotamento sanitário, há um montante significativo de esgotos lançados
diretamente nos igarapés e no rio Xingu.
A precariedade da infra-estrutura urbana favorece a ocorrência anual de
inundações em vários pontos da cidade no período chuvoso. Estas inundações,
associadas à falta de saneamento básico, potencializam a ocorrência de doenças
veiculadas pela água, por exemplo, a esquistossomose e a dengue. O grau de
degradação ambiental dos espaços urbanos é particularmente sensível para a
população indígena devido a sua condição de extrema vulnerabilidade social.
Gráfico 2.3.1 – Condições de moradia da população indígena em Altamira (%)
13
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte 2009.
A situação de vulnerabilidade se repete na Volta Grande, embora a vizinhança do
rio Xingu, com seu grande volume de água, e o menor adensamento populacional
atenuem um pouco a falta de infraestrutura. Por outro lado, a situação se agrava
devido à distância das cidades. A estrutura de saúde nestas localidades é precária,
e a maioria da população recorre a Altamira, num deslocamento que leva horas,
sendo que muitas vezes paga pelo transporte.
A vulnerabilidade social é agravada tanto pela alta taxa de analfabetismo entre os
chefes de família – Altamira: 25% e Volta Grande: 23,8% - quanto pelas condições
da educação escolar, uma vez que o direito à educação diferenciada não é
respeitado e que o alto grau de preconceito discrimina os alunos indígenas,
aumentando a evasão escolar devido à introjeção do sentimento de inferioridade
(BOGÉA, 1997). Acresce que cerca de um terço dos chefes de família (53,53% em
Altamira e quase 60% na Volta Grande) tem só até a 4ª série do curso fundamental.
Gráfico 2.3.2 - Escolaridade dos chefes de famílias indígenas residentes em
Altamira (%)
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009; *EJA: Educação de Jovens e Adultos
Já a nova geração, em Altamira, está alcançando um grau de escolaridade maior,
porém não de forma homogênea: há estudantes universitários, enquanto outros têm
até a quarta série, mas são analfabetos funcionais.
14
Na Volta Grande as escolas situam-se nas localidades de maior concentração
populacional, como Ilha da Fazenda, Garimpo do Galo e Ressaca, e atendem toda
a população destas comunidades, sem que haja educação diferenciada para os
indígenas. Os jovens, apesar da insistência dos pais e devido às grandes
distancias, tentam completar o primeiro grau, porém a grande maioria acaba
abandonando a escola, o que mantém a pobreza das famílias, e não permite
perspectivas de mudança.
2.4. Bases materiais para a reprodução sociocultural – renda e trabalho.
Com relação ao mercado de trabalho, a situação da população indígena não é
muito diferente do que ocorre com o conjunto da população de Altamira. Os poucos
anos de estudo e a falta de qualificação profissional adequada ao mercado de
trabalho da cidade, visto que os índios da região, tradicionalmente, estão ligados às
atividades de pesca e extrativismo, limita suas oportunidades de emprego e mesmo
de trabalho. São muitos os desempregados e aqueles que trabalham fazem, em
sua maioria, serviços que exigem pouca qualificação e proporcionam parcos
rendimentos.
A aposentadoria é importante fonte de recursos das famílias, sendo a “ocupação”
principal do maior número (22,35% das famílias), tendo-se tornado uma importante
estratégia de sobrevivência das famílias extensas. Em seguida, vem a construção
civil, com cerca de 20% das pessoas em funções sem qualificação e de baixa
remuneração. A pesca profissional ocupa cerca de 10% dos chefes de família; esta
atividade é também praticada pelos aposentados, desempregados e pelas
mulheres, como forma de complementação da dieta familiar. O trabalho em casa de
família é o que mais ocupa as mulheres. Há cerca de 5% desempregados e 5% são
agricultores. Apenas três chefes de família têm profissões qualificadas. Não foi
registrada a ocorrência de trabalho infantil.
Depreende-se que a inserção da população indígena no mercado de trabalho de
Altamira é precária, representando um contingente mal remunerado, e apenas
disponível para qualquer atividade que não exija qualificação.
15
Gráfico 2.4.1 – Renda das famílias indígenas de Altamira (%)11
Fonte: EIA / Rima do AHE Belo Monte, 2009.
Mais de 10% dos entrevistados declarou não ter nenhuma fonte de renda. À
pergunta: mas, de que vivem? As respostas eram: “É, minha mãe ajuda”, ou, “ele
vai pescar”. Ou seja, explicitavam o papel dos mais velhos na família, assim como a
importância da pesca em sua dieta alimentar. Mesmo somando-se o rendimento de
todos os membros da família que estão trabalhando, 83% delas dispõem de, no
máximo, R$ 930,00 por mês. Considerando-se que as famílias têm, em média 5
pessoas cada uma, verifica-se que esta é uma renda muito baixa.
Na Volta Grande, 27% dos chefes de família são garimpeiros, 21% pequenos
produtores rurais e as aposentadorias sustentam um pouco mais de 16% das
famílias. A maioria das famílias, à semelhança das que vivem em Altamira, tem até
um salário mínimo de renda mensal e apenas 30% recebe o “Bolsa Família”.
Gráfico 2.4.2 - Renda dos chefes de família na Volta Grande (%)
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.
3. Inverno e verão permanentes – construção de um mito pan-xinguano?
“Dos três céus que formavam com a terra um cosmos dotado de quatro andares, já
caíram dois e periga cair o último, derrubados por Selã‟ã em represália ao
extermínio dos povos indígenas do rio Xingu. Segundo um mito, “Selã‟ã ficou
furioso e derrubou o céu, queria exterminar os Brancos. O rio havia desaparecido.
Foi no tempo em que os Yudjá foram extintos, estavam à beira da extinção, e
quando Selã‟ã tentou avistar o rio, não havia mais rio, e ele ficou furioso e derrubou
o céu (…). O sol apagou, tudo ficou escuro. Os Juruna ficaram apreensivos, os
11
A renda foi calculada somando-se o rendimento de todos os membros de cada família.
16
poucos Juruna sobreviventes. (…) Os que se abrigaram ao pé de um grande
rochedo, somente eles se salvaram; os que se encontravam alhures morreram,
todos os Brancos, os Brancos todos morreram, os Índios morreram, os Juruna
morreram. Os que estavam abrigados sob um rochedo escavaram o céu espesso
com um pedaço de pau(…). Os sobreviventes reproduziram-se. “Selã‟ã disse (a um
Juruna, no passado recente): „É assim que hei de fazer: quando os Índios
desaparecerem, quando os Índios desaparecerem das ilhas, eu desmoronarei o
céu, o último céu”. (Lima, 2001)
Este mito Juruna parece prever o que vai acontecer caso a usina de Belo Monte
seja de fato construída. Na Volta Grande – que é parte do território tradicional
Juruna - as águas do Xingu ficarão distantes das margens em que vivem as
famílias, ou muito reduzidas com o desvio do rio. De fato, esse trecho do médio
Xingu terá sua vazão reduzida no inverno, devido ao desvio do curso normal para
os canais artificiais previstos no projeto de engenharia.
Das 16 localidades da Volta Grande onde vivem famílias indígenas, quatro (24
famílias) encontram-se na margem esquerda ou na Ilha da Fazenda, e sofrerão
ensecamento. Outras nove localidades (19 famílias) situam-se na margem direita, à
beira do canal de vazão reduzida. E quatro localidades (4 famílias) situam-se a
montante do eixo da barragem, onde o nível do rio ficará permanentemente alto,
caso a barragem seja construída. O mesmo ocorrerá nas imediações e no
perímetro da cidade de Altamira, onde as águas permanecerão sempre altas, como
no verão, na época das enchentes.
Em Altamira verificou-se que, das 340 famílias indígenas cadastradas, 76 residem
abaixo da cota 97 msnm que é a cota de formação do reservatório previsto para a
UHE Belo Monte, ou seja, que deverão ser obrigatoriamente remanejadas, caso a
usina seja construida. A cota 100 msnm é a chamada cota de segurança do
reservatório. Em principio as famílias que moram até esta cota também deverão ser
remanejadas, embora a água não venha a atingir suas moradias. No total, cerca de
200 famílias serão transferidas. Entretanto, devido à topografia urbana e à situação
precária dos sistemas de escoamento das águas pluviais e de esgotamento
sanitário e como já ocorrem hoje, afloramentos pontuais em áreas onde não se
verificam inundações, é de prever que o número de famílias indígenas remanejadas
será mais elevado.
Esta radical transformação ambiental, aliada ao impacto provocado pelo grande
afluxo de pessoas de fora, afetará a dinâmica sociocultural e econômica de toda a
região; no caso dos povos indígenas uma possível resposta a essas
transformações será a criação de um novo mito apocalíptico, desta vez, com um
17
caráter pan-xinguano.
Como solução alternativa, caso a usina venha a ser construida, além das políticas
públicas relativas ao atendimento à saúde e à educação, qualificação profissional,
melhoria de renda monetária e ao reconhecimento de sua identidade étnica a que
têm direito todos, tanto os moradores de Altamira como os da Volta Grande, os
índios “citadinos”, por intermédio de suas lideranças, pleitearam um bairro indígena,
com atendimento à saúde e à educação diferenciadas, além de melhores condições
de acesso ao rio Xingu para atividades domésticas, econômicas e de lazer.
Em seu projeto de bairro, os índios incluiram instalações para receber os parentes
moradores nas terras indígenas, seja para tratamento de saúde, seja para continuar
os estudos, seja por outras necessidades.
Vale dizer que a decisão das famílias pela implementação de um bairro indígena
em Altamira não elimina e nem se confunde com a demanda pela área indígena
Tawaquara, conforme deixaram claro suas lideranças. Segundo elas, trata-se de
uma reivindicação histórica que continuará a fazer parte da agenda política dos
índios Xipaya e Kuruaya, independentemente de Belo Monte.
Segundo o desejo expresso pelos índios, o bairro deverá abrigar as famílias
afetadas diretamente pelo enchimento do reservatório do Xingu (cerca de 200) ou
mesmo todas aquelas que vivem na cidade (estimadas em 340, mais as cerca de
25 ainda não cadastradas). Para eles, o bairro deverá situar-se a não menos de 3,5
km e não mais de 5,0 km da cidade e dispor de acesso ao rio Xingu.
Grosso modo, deve-se prever uma área de cerca de 40 hectares, com lotes de
1.000 m² que permitirão às famílias, além de morar, plantar e criar pequenos
animais. É desejo das famílias que o bairro indígena seja organizado por quadras
de acordo com as diversas etnias e que haja documento único de forma a evitar
que os lotes sejam vendidos, garantindo assim a moradia das futuras gerações.
No projeto expresso pelos índios nos encontros realizados, o bairro indígena deverá
contar com: escola diferenciada, segurança indígena, hospital, moradias
adequadas, asfalto, saneamento, transporte público, telefone, praças, energia com
taxa social, espaço cultural (oficina para artesanato, biblioteca viva, manifestações
culturais), correio, caixa eletrônico, igrejas católica e evangélica, hospedagem para
os índios em trânsito e para os estudantes das aldeias e da Volta Grande.
A efetivação dessas reivindicações permitirá a re-significação da categoria “índio
citadino” para cidadão indígena.
18
4. Conclusão
Paradoxalmente, os estudos etnoambientais necessários ao licenciamento do AHE
Belo Monte tornaram possível a produção, sistematização e análise de um
conhecimento até então inexistente sobre os índios citadinos e residentes na Volta
Grande do Xingu, o que tende a fortalecer o movimento indígena de recuperação
da identidade étnica hoje marcada pela invisibilidade.
Para que este conhecimento seja complementado, torna-se necessário estudar as
terras indígenas Xipaya e Kuruaya e, também, as famílias indígenas que vivem
isoladas às margens do rio Xingu, a montante de Altamira. E, até onde se sabe,
estes dois estudos são parte das condições para a continuação do processo de
licenciamento ambiental da usina.
Como demonstraram os resultados da pesquisa, a população indígena que vive em
Altamira caracteriza-se como um contingente de baixa renda, com escasso acesso
a serviços públicos básicos. Portanto, independentemente da construção de Belo
Monte, deveria ser objeto de uma atenção especial por parte do poder público em
suas diversas esferas, municipal, estadual e federal.
A impressão que fica da análise de todos os dados recolhidos em campo é que os
entrevistados que moram na cidade de Altamira gostariam de unir a aldeia e a
cidade – a solidariedade que encontram na primeira, assim como o acesso à terra,
à caça e à pesca, ao extrativismo mineral e vegetal -, ao atendimento à saúde e à
educação e ao acesso aos bens de consumo e aos serviços que a cidade,
teoricamente, proporciona.
Considera-se que o projeto de um bairro indígena, tal como foi proposto pelos
índios “citadinos”, é a forma mais adequada de compensar o remanejamento, mas
principalmente de resgatar o passivo histórico que foi a perda da área da antiga
missão e dessa forma também proporcionar-lhes, além de condições de vida mais
salubres e dignas, condições de continuar e aprofundar seu movimento de resgate
de identidade étnica e cultural.
As comunidades ribeirinhas da Volta Grande são também altamente vulneráveis do
ponto de vista físico-espacial, dada a precariedade e/ou insuficiência de infra-
estrutura. Também, quanto ao aspecto sócio-econômico, uma vez que sua
produção não ultrapassa o nível da subsistência.
É notável e uterina a relação de dependência dessas famílias indígenas para com o
rio Xingu e seu emaranhado de igarapés. O rio, além de ser desde tempos
imemoriais uma referência simbólica sempre presente, na mitologia Juruna e
Xipaya, é por excelência o principal ecossistema de exploração e uso e é também o
principal meio de deslocamento para as terras indígenas e as cidades.
19
No caso da Volta Grande, o resgate do passivo histórico compreende, além da
implementação das políticas públicas a que os indígenas têm direito – educação e
saúde diferenciadas e etnodesenvolvimento – a identificação das áreas ocupadas
pelas famílias e, consequentemente, sua regularização fundiária.
5. Agradecimentos
Os autores agradecem especialmente à socióloga Mayra Pascuet, pela ajuda na
finalização do artigo e à equipe multidisciplinar que, com eles, elaborou o estudo
etnoecológico do componente indígena sobre os índios citadinos e ribeirinhos da
Volta Grande do Xingu para os estudos ambientais do AHE Belo Monte: Sonia
Lorenz, Mirella Poccia, Luis Roberto de Paula, Fabio Ribeiro, Humberto Kzure-
Cerquera, João Pavese, André Michiles, Mayra Pascuet e Samuel Medeiros Luna.
E muito, e principalmente, aos colaboradores indígenas que integraram a equipe de
trabalho: Elza Maria Xipaia de Carvalho, Raimundo Veriano Ferreira, Marilene
Carvalho Ferreira, Darilene Xipaya Santana, Antonio Xipaya e Marly Nascimento da
Silva
Referências
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os povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos & Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo:
Comissão Pró-Índio de São Paulo. pp. 147-151.
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São Paulo: Editora da UNESP/ ISA/ NuTI, 2006
CIMI - “O direito dos povos citadinos em debate” - Porantim – em defesa da causa indígena
- Ano XXVI. N° 280 Brasília-DF. Novembro de 2005.
COUDREAU, Henri. Viagem ao Xingu. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo : Edusp, 1977.
EMPERAIRE, L & ELOY, L - A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio Negro
(Amazonas, Brasil)? Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p.
195-211, maio-ago. 2008.
FAUSTO, Carlos. 1997. A dialética da predação e familiarização entre os Parakanã da
Amazônia Oriental: Por uma teoria da guerra ameríndia. Tese de doutorado. Rio de Janeiro:
UFRJ-Museu Nacional-PPGAS. [2ª diagramação].
GALVÃO, Eduardo – “Áreas Culturais Indígenas do Brasil: 1900-1959”, Boletim do Museu
Paraense Emílio Goeldi, N.S. Antropologia, nº8. Belém, PA., 1960.
LEME Engenharia - EIA/RIMA AHE Belo Monte. São Paulo, 2008, vol 35.
LIMA, T.S. “Yudjá”, Verbete para a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil. São Paulo:
Instituto Socioambiental. www.socioambiental.org
MAGALHÃES, Antonio Carlos. Identidade e reconhecimento étnico – índios citadinos em
Altamira. Fundação Humanitas, 2008.
MELATTI, J. C. - População Indígena - Série Antropologia 345 – UNB, Brasília, 2004.
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MÜLLER, Regina Polo. 1988. "Os Asuriní do Xingu". Em As hidrelétricas do Xingu e os
povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos & Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo:
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NIMUENDAJU, Curt. Tribes of the lower and middle Xingu river. In: STEWARD, Julian H.
(Ed.). Handbook of South American Indians. v.3. Washington: Smithsonian Institute, 1948.
20
- Fragmentos de religião e tradição dos índios Sipáia: contribuições ao conhecimento das
tribos de índios da região do Xingu, Brasil Central. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro:
Tempo e Presença Ed.; São Paulo: Cortez, n. 7, p.3-47, jul. 1981.
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Comissão Pró Índio, São Paulo, 1988.
SARAIVA, Márcia Pires. Identidade multifacetada: a reconstrução do "ser indígena" entre os
Juruna do Médio Xingu. Dissertação de Mestrado - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2005
SNETHLAGE, Emília. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Manaus : Governo do Estado
do Amazonas ; SEC, 2002. 72 p. (Documentos da Amazônia, 98)
STAVENHAGEN, Rodolfo. Los Derechos Indígenas. In: ZAMBRANO, Carlos Vladimir (Ed.).
Etnopolíticas y Racismo: Conflictividad y Desafios Interculturales em América Latina. 2ª ed.
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STEINEN, Karl von den. O Brasil Central: expedição em 1884 para a exploração do rio
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VIDAL, LUX – Morte e Vida de Uma Sociedade Indígena Brasileira. São Paulo,
Hucitec/EDUSP, 1977
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo & Lúcia M. M. de ANDRADE. "Os povos indígenas do
médio Xingu". Em As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos &
Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1988.
WILHERLAN, Adalbert Heinrich (Príncipe Adlaberto da Prússia). Brasil : Amazonas-Xingu
1811-1873. Belo Horizonte : Itatiaia, 1977.
Anexos
Quadro 2.2.1 – Famílias indígenas entrevistadas em Altamira, segundo etnia e
bairro
Bairro Xipaya Kuruaya Juruna
Xipaya-
Kuruaya Outras Etnias
Tota
l
Independente I 23 13 1 0 1 Munduruku 38
Açaizal 15 7 13 1 Kayapó 36
Invasão dos
Padres 6 7 2 0
1 Guajajara, 1 Tipiniquim , 2
Munduruku 19
Brasília 5 4 3
1 Kayapó, 1 Munduruku, 1
Carajá, 1 Arara 16
Independente II 20 14 2 3 1 Munduruku 40
Sudam I 8 2 1 1 Kayapó 12
São Sebastião 4 0 4 1 2 Arara, 2 Kayapó 13
Olarias 0 3 1 2 Kayapó 6
Mutirão 8 4 3 0 2 Munduruku, 5 Arara 22
Primavera 1 Kayapó 1
Colina 3 2 0 5
Centro 10 4 0 0 4 Munduruku, 2 Kayapó, 1 Arara 21
21
Bela Vista 6 3 1 1 Munduruku 11
Jd. Oriente 1 1 0 2
Liberdade 2 1 2 0 5
Boa Esperança 4 7 1
2 Munduruku, 2 Kayapó, 5 Baré,
1 Mocorongo, 1 Anambé 23
São Domingos 0 1 2 0
2 Munduruku, 2 Kayapó, 1
Wapixana 8
Premem 1 0 1
Aparecida 15 12 9
2 Guarani, 7 Kayapó, 2
Tupiniquim, 5 Arara, 4 Canela, 1
Mumduruku, 1 Carajá 58
Esplanada do
Xingu 1 1 0 2
Ivalândia 1 0 1
Total 130 87 47 4 72 340
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009
Quadro 2.2.2– Casamentos interétnicos
Etnias/Bairros
IndependenteI
Açaizal
Invasãodos
Padres
Brasília
IndependenteII
SudamI
SãoSebastião
Olarias
Mutirão
Primavera
Colina
Centro
BelaVista
Jd.Oriente
Liberdade
BoaEsperança
SãoDomingos
Premem
Aparecida
Esplanadado
Xingu
Ivalândia
total
índio/não índio 21 26 13 14 29 8 9 4 12 1 3 8 8 1 4 13 6 1 38 2 1 222
Xipaya/Xipaya 3 1 1 1 6
Kuruaya/Kuruaya 1 1
Xipaya/Juruna 1 1 2
Xipaya/Kuruaya 1 1 1 3
Canela/Kuruaya 1 1
Guajajara/Guajajar
a 1 1
Munduruku/Xipaya 1 1 1 3
Mund./Munduruku 1 1
Kayapó/Arara 1 1
Kayapó/Xicrim 1 1
Xipaya/Canela 1 1
Arara/Xipaya 1 1
Kayapó/Kayapó 1 1
Kayapó/Juruna 1 1
Arara/Arara 1 1
Kuruaya/Kayapó 1 1
Total de casados 26 28 14 14 30 9 12 4 14 1 4 12 8 1 4 15 7 1 41 2 1 248
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.
22
Quadro 2.2.3 - Distribuição por etnia e sexo dos casamentos entre índios e
não índios
Bairro
Índios casados com não índios, por sexo
Casados
entrevistados
Xipaya Kuruaya Juruna
Xipaya/
Kuruaya outros
índios
e ñ
índios
Total
dos
casadosM H M H M H M H M H
Independente I 7 4 7 2 0 1 0 0 0 0 21 26
Açaizal 8 4 4 2 4 3 0 0 1 0 26 28
Invasão dos
Padres 4 2 2 1 2 0 0 0 2 0 13 14
Brasília 3 1 3 1 1 1 0 0 2 2 14 14
Independente II 11 5 6 4 1 0 2 0 0 0 29 30
Sudam I 5 0 1 1 1 0 0 0 0 0 8 9
São Sebastião 0 3 0 0 3 1 1 0 0 1 9 12
Olarias 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 4 4
Mutirão 1 4 2 0 1 1 0 0 2 1 12 14
Primavera 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1
Colina 0 1 2 0 0 0 0 0 0 0 3 4
Centro 2 2 1 1 0 0 0 0 2 0 8 12
Bela Vista 3 1 2 0 1 0 0 0 1 0 8 8
Jd. Oriente 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1
Liberdade 2 0 1 0 1 0 0 0 0 0 4 4
Boa Esperança 0 2 3 1 0 0 0 0 2 5 13 15
São Domingos 0 0 1 0 1 1 0 0 3 0 6 7
Premem 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1
Aparecida 5 7 2 6 2 0 0 0 7 9 38 41
Esplanada do
Xingu 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 2 2
Ivalândia 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 1
Total 51 37 39 22 20 8 3 0 23 19 222 248
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.
Quadro 2.2.4 – Casamentos interétnicos na Volta Grande do Xingu
Etnias/Bairro
s
ArrozCru
Cotovelo
FazendaBacabeira
GarimpodoGalo
IlhadaFazenda
Itatá
GarimpoJapão
LocalidadeJuliana
(Bacajá)
MineraçãoVerena
MoradaNova
PAAssurini
Paratizão
Paratizinho
Ressaca
Ressacão
SitioMangueira
SitioSãoFrancisco
semresposta
total
Índio/não
índio 3 0 2 4 11 2 1 1 1 1 1 0 0 4 0 0 1 1 33
Xipaya/Xipay
a 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3
Arara/Xipaya 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1
Juruna/Arara 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Total de
casados 3 0 4 4 13 2 1 1 1 1 1 0 0 4 0 1 1 1 38
Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.

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ESTUDOS DE VIABILIDADE ÍNDIOS CITADINOS UHE BELO MONTE-Mirella Poccia 2009

  • 1. 1 ST3 - Índios Citadinos de Altamira e Famílias Indígenas Ribeirinhas da Volta Grande do Xingu: Aspectos Demográficos, Socioeconômicos e Culturais Ana Corbisier, socióloga e Paulo Serpa, antropólogo A última parte dos estudos etnoecológicos do EIA do AHE Belo Monte foi dedicada aos indígenas “desaldeados”, ou seja, aqueles grupos indígenas moradores da cidade de Altamira e dos “beiradões” da Volta Grande do Xingu. De fevereiro a agosto de 2009, uma equipe de 11 técnicos dedicou-se a levantar as condições de vida dessa população indígena. Não havia informação sobre esta população, visto que alguns setores regionais da Fundação Nacional do Índio – Funai, e da Fundação Nacional de Saúde – Funasa, não os reconhece como índios pelo fato de não viverem em Terras Indígenas. Mesmo o cartório do registro civil recusa a inclusão da etnia no nome dos recém nascidos. Enfim, observa-se uma situação de total invisibilidade dos indígenas citadinos e das famílias indígenas moradoras na Volta Grande do Xingu. Optou-se por reunir algumas lideranças e representações dessa população indígena, integrá-las à equipe e por meio delas, iniciar a identificação das famílias. À medida que eram localizadas, aplicavam-se questionários de caráter sócio- econômico, ao mesmo tempo em que eram entrevistados os mais velhos iniciando- se a construção da genealogia das famílias. Averiguou-se que além do movimento endógeno de recuperação cultural que motiva atualmente a população em estudo, alguns órgãos públicos, como a Defensoria Pública do Estado do Pará, apoiam os índios na busca de recuperação de sua identidade. Verificou-se que esta invisibilidade pode ser entendida também, como uma estratégia de sobrevivência e que, em lugar de constituir uma diáspora, fortaleceu a resistência cultural iniciada ainda na época da missão jesuítica Tawaquara, no século XVII. O estudo detectou 400 famílias indígenas, sendo 360 em Altamira e 40 moradoras às margens do rio Xingu, a jusante da cidade. As famílias entrevistadas pertencem a 17 etnias, sendo as mais numerosas os Xipaya, os Kuruaya e os Juruna. Todas essas etnias possuem Terras Indígenas com as quais se relacionam periodicamente. Portanto, apesar das grandes distâncias e da falta de meios de transporte mais rápidos, são estreitos os laços que mantêm entre si as várias comunidades. Essas relações inter e intra comunidades são permeadas pelos vínculos sagrados que essas etnias mantêm com o rio Xingu, com suas paisagens, cachoeiras e pedrais, onde residem e resistem as entidades mitológicas.
  • 2. 2 A segunda etapa do trabalho consistiu em inventariar os impactos que, caso seja construída, a usina irá provocar sobre aquela população. O objetivo desta comunicação é, portanto, trazer a público as informações sobre essa população indígena, principalmente sobre a que vive na cidade de Altamira, mas também, nos “beiradões” da Volta Grande do Xingu, suas condições de vida, formas de inserção no mundo urbano, estratégias de sobrevivência e reprodução social, demandas de políticas públicas diferenciadas a que têm direito, reconhecimento étnico e, principalmente, o grau de interferência que a UHE Belo Monte virá provocar caso a usina seja construída. Assim, esta comunicação vem trazer elementos socioeconômicos e culturais, fundamentais para o debate sobre a eficiência e eficácia dos programas de mitigação e de compensação previstos para essa população indígena, historicamente abandonada a sua sorte e que, sem dúvida, será o componente humano que sofrerá a maior incidência de impactos negativos e irreversíveis caso o empreendimento seja implantado. Pretende-se também contribuir para o debate sobre o fenômeno indígena no espaço urbano, indicando as considerações que devem ser atendidas na elaboração de políticas públicas específicas para esse segmento social. Metodologia O estudo sobre os índios citadinos de Altamira e da Volta Grande do Xingu incluiu a busca de informações secundárias sobre o tema, além dos estudos ambientais já realizados sobre o AHE Belo Monte. A coleta de dados primários realizou-se em duas etapas – abril e maio de 2009 -, sendo a primeira interrompida pela enchente que atingiu a população indígena que vive à beira dos igarapés Panelas, Altamira e Ambé, ou próxima a eles. Durante essa campanha foi realizada reunião com os movimentos da sociedade civil organizada e entidades indígenas e com instituições competentes da estância municipal, estadual e federal para integrar o trabalho ao universo local. Foram agregados à equipe seis colaboradores indígenas locais, com experiência nesse tipo de levantamento, o que foi essencial para o pleno desenvolvimento do trabalho, tanto pelo conhecimento que possuem da complicada organização espacial da cidade de Altamira, como também, e mais importante, pelo conhecimento e amizade que mantêm com as famílias indígenas objeto da pesquisa. Realizou-se um censo, restando 25 famílias, identificadas, mas não localizadas, porque na época se encontravam nas aldeias ou na zona rural. As informações foram obtidas por meio de entrevistas semi-estruturadas, de caráter qualitativo, e da
  • 3. 3 aplicação de um questionário e de um cadastro. Priorizou-se sempre o cônjuge indígena, mas, na falta deste, foram entrevistados os cônjuges não índios. 1. - De Tawaquara a Altamira - Apontamentos da etnohistória do Médio Xingu O vale do Médio Xingu, área de influência regional do AHE Belo Monte, está localizado entre os rios Tapajós e Tocantins. Essa região da Amazônia foi ocupada muito lentamente, devido aos cursos d‟água serem interrompidos por corredeiras, o que torna o rio Xingu e seus tributários um dos rios brasileiros mais dificultosos para a navegação. 1.1. Área Cultural do Médio Xingu Segundo Nimuendaju (1948), os povos indígenas originários1 dessa região podem ser caracterizados em três grupos: povos canoeiros restritos aos rios Xingu, Iriri e Curuá: Juruna, Xipaya e Arupaí (extinto); povos do centro da floresta: Kuruaya, Arara2 , Asurini e Tacunyape (extinto); povos das savanas, que eventualmente invadem a zona de floresta: Kayapó do Norte3 . A agricultura da mandioca foi a base da subsistência de todos esses povos, com exceção dos Arara, que eram menos propícios ao cultivo. A unidade sociopolítica era a aldeia, e, aparentemente a descendência era patrilinear, principalmente para as chefias. A poligamia era rara e os laços familiares eram muito fortes. As relações interétnicas geralmente envolviam guerras com canibalismo. Os Juruna4 , grandes bebedores de cauim, hoje autodenominados Yudjá, são conhecidos como exímios canoeiros e são antigos habitantes das ilhas e penínsulas do baixo e médio Xingu. A história oral Yudjá delimita como território original toda a região da Volta Grande até a desembocadura do rio Fresco e atribui a extinção dos povos Takunyapé, Arupaia e Peapaia a sua própria ação guerreira e a seus inimigos memoráveis, os Txukahamãe (Kayapó). Os escritos de Nimuendaju (1981), com base em suas visitas de 1918 e 1919, informam na região, além dos Xipaya, grupos indígenas como os Kuruaya. 1 Vale observar que o autor não faz referência aos Araweté e aos Parakanã. Os Araweté não eram conhecidos na época do estudo de Nimuendaju; talvez fossem confundidos com os Asurini, porque também faziam uso abundante do urucum, costume que veio a denominar os Asurini (os vermelhos). Quanto aos Parakanã a ausência de referência se deve ao fato de que, naquela época, ainda estavam unidos; a cisão que levou uma parte do povo para o Xingu só ocorreu depois dos anos cinquenta. 2 Segundo Melatti esses Arara são os mesmos que podem ser encontrados agora no baixo Iriri, afluente do rio Xingu. 3 Incluem-se aqui todos os grupos Kayapó originários das cisões históricas ocorridas nos últimos séculos e que, grosso modo, compreendem os grupos Kararaô, Xikrin, Megranoti, Txukahamãe, entre outros. 4 O etnônimo Juruna parece significar “boca preta” em Língua Geral (Nhengatu) devido à tatuagem que usavam quando o baixo Xingu foi explorado pelo colonizador português.
  • 4. 4 Nessa área onde predominam povos falantes do tronco Tupi, os Arara se destacam por falar uma língua Karib5 . Viviam no divisor que separa as águas que correm para o Iriri, onde passa a Transamazônica. Hoje, após a atração, ocupam as Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca6 . O mosaico etnográfico do Médio Xingu compreende também os Kararaô e os Xikrin, povos Jê. Tal como os outros grupos Kayapó autodenominam-se Mebengokré, que significa “gente do buraco d‟água” ou “gente da água grande”, em referência aos rios Tocantins e Araguaia, cuja travessia marcou a separação do grupo ancestral (VIDAL, 1977). 1.2. Apontamentos sobre a Etnohistória do Médio Xingu A reconstrução da etnohistória regional vem fornecer informações e subsídios para compreender a situação atual dos povos indígenas do Médio Xingu, principalmente daqueles grupos que lograram sobreviver em áreas urbanas para onde foram empurrados pela violência dos ciclos histórico-econômicos. Portanto, o foco da descrição são as etnias Xipaya, Kuruaya e Juruna, por compreenderem a grande maioria dos indígenas citadinos e das famílias indígenas moradoras na Volta Grande. Os arranjos matrimoniais observados nas genealogias, os padrões de localização de residências nas “palafitas”, os fluxos migratórios históricos dentro da bacia hidrográfica do Xingu, a inserção dos grupos na cidade de Altamira, o ressurgimento das etnias consideradas extintas, a re-construção da identidade e do território no mundo urbano, a busca de visibilidade étnica constituem o “modus vivendi” desenvolvido por cada etnia, principalmente no cenário urbano. A colonização aliada à catequização católica realizou ao longo do século XVII várias tentativas de escravizar e “aldear” os Juruna. Em 1655 os „convertidos‟ foram estabelecidos na Missão Tawaquara, acima das cachoeiras da Volta Grande (Oliveira, 1970) onde, em 1842, Adalberto da Prússia registrou a presença dos Juruna na Missão restabelecida. Os Juruna foram também observados por Von den Steinen (1884), Coudreau (1896), Nimuendaju (1918); e, este último afirma que sempre mantiveram relações de guerra e de paz com os Xipaya, Kuruaya e Arara do Iriri. Nessa época realizaram uma aliança por meio de casamentos interétnicos, confirmada por 5 Nimuendaju menciona a dispersão do grupo Arara quando a aldeia no rio Iriri foi atacada pelos Kayapó-Gorotire em 1918. No mesmo relato conta que em 1934 este território foi tomado pelos Kayapó-Gorotire, obrigando os Kuruaya a se espalharem: “alguns seguiram para o Tapajós, outros se dispersaram ao longo do rio Iriri e outros tantos se juntaram aos poucos Xipaia que viviam perto do Gorgulho do Barbado” (Nimuendaju 1940). 6 Não devem ser confundidos com os Arara da Volta Grande que também são chamados de Arara do Maia. Esse é provavelmente um subgrupo Arara de família lingüística Karib, que viveu na foz do rio Bacajá no século XIX e que pode ter se misturado com os Juruna e outros não índios ao longo do processo de contato interétnico.
  • 5. 5 Coudreau (1896) quando, em visita à aldeia da Cachoeira de Jurucuá, registra vários casamentos entre Juruna e Xipaya (Oliveira, 1970). Os Xipaya permaneceram sem contato direto com o “mundo civilizado”, na região dos rios Iriri e Curuá, apesar de terem feito contato, em 1750, com o jesuíta Hundertpfund que visita Tawaquara e a seguir entra em contato com os Kuruaya (Nimuendaju, 1948). Os ataques dos Kayapó, em 1885, levaram os Xipaya a abandonar as aldeias localizadas nas cachoeiras do Iriri, estabelecendo-se no Gorgulho do Barbado, onde realizaram casamentos com os Kuruaya. Entre 1909 e 1913, os Xipaya são visitados por Emília Snethlage que reencontra os Kuruaya em 1918 e registra uma situação de extrema subordinação dos Xipaya e Kuruaya aos patrões seringalistas. A partir de 1918 intensificam-se os ataques dos Kayapó que ficam mais intensos durante a década de 1950, com o avanço do grupo sobre territórios dos Xipaya, Kuruaya e Juruna. Em síntese, a região do Médio Xingu experimentou ao longo dos últimos séculos as fases da catequese jesuítica (1655 -1760), a administração pombalina e sua continuidade no período imperial (1760– 1860), o boom da borracha (1880-1945), o desenvolvimentismo e ampliação da fronteira de colonização (1950-1980) cujo exemplo mais emblemático é a abertura da Transamazônica na década de 1970 e, atualmente, a fase dos „mega projetos‟ de hidrelétricas, exploração de recursos minerais e vegetais e empreendimentos de colonização privada. A presença de famílias Juruna, Xipaya e Kuruaya no espaço urbano é consolidada no século XX e está estreitamente relacionada ao auge e declínio do ciclo da borracha e da formação da vila de Altamira que já era nessa época o principal entreposto comercial do médio Xingu. Na primeira metade do século XX as fontes etnohistóricas descrevem, para os Xipaya e Kuruaya, uma migração pendular, entre os rios Iriri e Curuá e as margens do Xingu, imediações do igarapé Panelas, local da antiga aldeia-missão Tawaquara. As histórias de vida dos mais velhos Xipaya, Kuruaya e Juruna evidenciam esse movimento e a posterior fixação das famílias na cidade, pois alguns desses indivíduos nasceram nos seringais (“Malocas”) no Iriri-Curuá; outros nasceram no “Moquiço”7 ou “Aldeinha”, assentamento indígena que posteriormente foi incorporado pelo bairro São Sebastião, em Altamira. 7 Segundo Maria Helena (Juruna idosa da Ilha da Fazenda), o termo moquiço quer dizer “monte de mato”. O Dicionário Houaiss define o termo como “habitação rústica, desprovida de conforto; casebre”.
  • 6. 6 1.3. Índios Citadinos: “desaldeados” ou “ressurgidos”? Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX houve, portanto, uma profunda compressão das etnias no Xingu, Iriri e Curuá, devido à expansão dos Kayapó e os relatos dos indígenas mais idosos moradores de Altamira apontam para as mudanças ocorridas desde então, as migrações dos grupos para outras áreas do Médio Xingu e, principalmente, o deslocamento de aldeias inteiras para a cidade de Altamira e imediações. Por volta das décadas de 1940-50 as doenças, as epidemias, as mortes, os casamentos entre Xipaya, Kuruaya, Juruna e com os nordestinos, vindos para a região como "soldados da borracha", imprimiram um novo perfil à região; as sucessivas mudanças forçadas e a dispersão do grupo passaram a idéia de que os Xipaya haviam desaparecido como grupo étnico. Nas décadas de 1970-80 os Kuruaya estavam espalhados ao longo do rio Curuá, em pequenos núcleos familiares. A reorganização social só foi possível quando o ouro aluvial atraiu indígenas e garimpeiros para as terras ocupadas; mas quando as empresas mineradoras passaram a atuar, os Kuruaya começaram a sofrer violência física8 e isso os levou a empenharam-se em sua reorganização social e territorial. Em 2002 uma portaria do Ministério da Justiça declarou a TI Kuruaya de posse indígena permanente. Os Xipaya iniciaram na década de 1970 um movimento que resultou na reunificação do grupo para a reconquista de seu antigo território. Atualmente a situação jurídica da T.I. Xipaya é de “declarada em demarcação” segundo Portaria 2.362 (Funai) publicada em 18/12/2006. Esse longo processo de “pacificação” e territorialização promovido pelo Estado brasileiro gerou diversas transformações: fixação desses grupos em áreas restritas enquanto seus modos de vida baseavam-se na exploração de grandes áreas. Esse processo levou uma parcela significativa da população indígena a se fixar no ambiente urbano, apesar de continuar mantendo relações com as terras indígenas. Existe, atualmente, um movimento para identificação de uma área indígena no bairro de São Sebastião, que além de comportar o território da antiga missão jesuítica é uma área em que é evidente a ocupação indígena tradicional. No século XX a antiga aldeia transformou-se em um bairro conhecido por Moquiço ou “Aldeinha” (Patrício, 2003), que depois passou a ser conhecido como “bairro da 8 Nos anos 1980, os arquivos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mencionam as dificuldades enfrentadas pelos Kuruaya, como a situação de pressão, agressão, invasão armada e risco de vida que estavam passando no rio Curuá, em razão da presença das empresas mineradoras: Espeng Minérios e Minerais LTDA, Brasinor Mineração e Comércio LTDA (garimpo Madalena). Nos anos seguintes passaram a atuar outras empresas, como Andrade Gutierrez S/A, Mineradora Palanqueta, Minerador Souther Anaconda e Madalena Gold Corporation.
  • 7. 7 onça" por haver um barracão de comércio de peles do felídeo e, até recentemente, chamava-se São Sebastião. Os relatos indígenas informam que a área da Missão ia além dos limites do bairro São Sebastião, que hoje equivale aos bairros Independente I, II e Recreio; aí habita uma parte substancial da população indígena da cidade. As condições de ocupação desta área foram agravadas, na segunda metade do século XX, pela grilagem das terras. Por último, o crescimento urbano iniciado a partir da década de 1960 e o processo de colonização, levado a efeito na região pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) provocaram outros impactos negativos de tal intensidade que muitas famílias migraram para outros lugares na região (Patrício 2003). Nos primeiros anos do século XXI o movimento pela retomada de parte do território urbano, que consideram seu de direito, tem sido mais presente no seio da comunidade citadina e veementemente expresso em suas reuniões e nas ações que desenvolveram com diferentes atores políticos locais (Cimi, ISA, Funai, Prefeitura, entre outros). Vale destacar o movimento de recuperação de aspectos da cultura material e imaterial, como por exemplo, o interesse em conhecer a literatura sobre a etnia, detalhes dos grafismos usados na cerâmica e na pintura corporal, os cantos tradicionais, a língua original, além do incentivo para recuperar as celebrações do Kariá, ritual vinculado ao culto dos mortos. A perspectiva da implantação da usina de Belo Monte vem impor uma nova situação crítica para a população indígena, como o remanejamento de centenas de famílias indígenas residentes nas palafitas, além da possibilidade de outros impactos ambientais que fatalmente irão interferir no cotidiano das famílias citadinas e da Volta Grande do Xingu. 2. A Terceira Margem do Xingu 2.1. Ser ou não ser índio? Um fenômeno observável em toda a Amazônia é o estreitamento das relações entre comunidades indígenas e centros urbanos. Nessa articulação, que ocorre desde o período colonial, a cidade, a vila, a missão, o entreposto ou o posto militar sustentaram e sustentam as atividades ligadas ao comércio dos produtos florestais ou dos produtos agrícolas. Na área em estudo, os deslocamentos forçados por contingências históricas acabaram, mas observa-se que há uma intensa mobilidade, contínua e permanente, entre as terras indígenas situadas na região e a cidade de Altamira. Esse fluxo observado quando dos levantamentos de campo indica que, há vários
  • 8. 8 anos, famílias indígenas Xipaya e Kuruaya deslocam-se da região do “Alto”9 , para reencontrar os parentes instalados a jusante, na “rua”10 . A recíproca é verdadeira: os Xipaya e Kuruaya citadinos, assim como os Juruna, também mantêm fluxo contínuo para as terras indígenas. À margem desses deslocamentos observa-se, desde os anos 1980, outro movimento de confluência para as cidades. O fator escolar se sobrepõe a outros, levando ao deslocamento do centro de gravidade da família da floresta para a cidade. O acesso aos serviços públicos (aposentadoria, saúde) e ao comércio, a remota possibilidade de um emprego na cidade e a perspectiva de outro modo de vida fazem com que se diluam os limites entre o urbano e o rural, ou florestal, o “indígena” e o “globalizado” (Andrello, 2006). O surgimento da categoria “índio citadino” é cada vez mais visível na cidade a partir de 1988, com as conquistas da democracia, que fomentaram esse fenômeno em todo o país. A população indígena em questão é composta por uma grande quantidade de casamentos interétnicos com não índios e, simultaneamente, boa parte dela é residente há décadas na cidade de Altamira, tendo seus filhos nascido e sido criados no ambiente urbano. Estas duas características - “índios misturados” e “índios citadinos”- que, no caso em foco se sobrepõem, têm em comum o contraste com a imagem do “índio” que persiste na consciência nacional: vivendo na “selva” e com hábitos de vida “primitivos” e promíscuos; andando nus ou com vestimentas rudes; fenotipicamente marcados como exóticos; praticando economia de subsistência ou mesmo “preguiçosos”; religiões mágicas e ausência de ordem política. A antropologia acabou por reafirmar este perfil exótico ao afirmar que uma vez que os povos indígenas entrassem em contato com a sociedade nacional, a tendência seria a perda estrutural da sua condição de “índio”. No entanto, a própria representação popular sobre a condição do índio reafirma, de maneira contraditória que, apesar de não poderem ser classificados como “índios de verdade” (Patrício, 2000), apresentam persistências sociológicas que lhes dão uma condição diferenciada no cenário regional. Os critérios de indianidade definidos pela antropologia, como a continuidade histórica entre a população originária e a que atualmente se identifica como indígena, já não se sustentam em termos genéticos e culturais, pois sofreu muitas 9 Expressão que se refere às terras indígenas localizadas a montante de Altamira, entre os rios Iriri e Curuá. 10 A expressão “rua” se refere à cidade propriamente dita em contraposição à “aldeia”.
  • 9. 9 mudanças com as mesclas ocorridas ao longo dos anos, e não é tão simples de ser documentada. No Brasil, a antropologia só vai superar os conceitos de “assimilação” e “aculturação” nos anos 1970, quando incorpora as idéias de F. Barth de que grupo étnico é “tipo organizacional” e não “unidade portadora de cultura”, e que o código essencial da identidade que orienta as relações interétnicas se exprime por contraste. Nas décadas seguintes, essas idéias de etnicidade continuaram fortes. Definitivamente, uma cultura indígena não é estática, mas se transforma, perde e ganha, esconde e mostra, conforme as relações interétnicas. Assim, índio é aquele indivíduo que se auto-identifica enquanto tal e é identificado da mesma maneira pela comunidade a que pertence (OIT – convenção 169). Pioneiro nesse campo de estudo, foi o clássico “Urbanismo ou Tribalismo” de Roberto Cardoso de Oliveira sobre os Terena nas cidades do Mato Grosso do Sul. Reflexões inovadoras sobre este tema foram elaboradas recentemente por pesquisadores como Patrício (2000), Saraiva (2005), Andrello (2006) entre outros. Diante do contexto político favorável à mobilização por direitos indígenas, a partir da promulgação da Constituição de 1988, e indo ao encontro desta nova abordagem dinâmica de definição do que é ser índio, um fenômeno sociológico se alastrou por várias partes do país, particularmente na região nordeste e, mais recentemente, em estados que compõem a Amazônia Legal: é o surgimento dos “índios emergentes”, ou, na linguagem acadêmica, de processos de etnogênese. Os “índios emergentes” conformam um conjunto de pessoas, fruto de processos de miscigenação históricos, que ligadas por laços de parentesco a populações pré- colombianas e também de mesma origem territorial, buscam revitalizar suas tradições culturais e linguísticas colocadas em situação de invisibilidade histórica e política, e reivindicam suas identidades coletivas de maneira oficial diante do Estado nacional. O caso dos Xipaya, Kuruaya e Juruna citadinos e moradores da Volta Grande do Xingu se encaixa perfeitamente nestas características, como demonstraram as pesquisadoras Marlinda Patrício (2000) e Márcia Saraiva (2004). Além dessa condição de “índios misturados”, os três grupos em foco têm sobre si o preconceito generalizado e arraigado na consciência nacional e regional (inclusive, em segmentos da própria Funai) de serem, em sua maior parte, moradores da cidade, carregando o estigma de “índios desaldeados”, portanto, não sujeitos aos direitos coletivos garantidos para aqueles que vivem em situação de aldeia. O conceito “índio citadino” é também aplicado aos indígenas “beiradeiros”, ou seja, às famílias indígenas moradoras na região da Volta Grande do Xingu, que mesmo
  • 10. 10 morando fora das terras indígenas reservadas têm reivindicado, junto à Funai e Funasa regionais, sua condição étnica e, portanto, os mesmos direitos especiais de assistência. Os quadros genealógicos dão conta da relação de parentesco entre os “índios citadinos” e grupos que residem em terras indígenas. Essas informações genealógicas fornecerão subsídios para que as famílias Xipaya, Kuruaya, Juruna, entre outras – “citadinas” e “misturadas” – possam acessar seus direitos constitucionais, a começar pelo reconhecimento formal de sua condição indígena. 2.2. Aldeias e Indígenas invisíveis emergem dos igarapés – padrões de ocupação urbana e espaços de resistência indígena. Empurrada para as zonas mais insalubres da cidade de Altamira, a maioria das famílias indígenas vive hoje à beira dos igarapés Altamira, Ambé e Panelas e em suas proximidades, em condições extremamente precárias e sujeita, todos os anos, às enchentes que as levam para abrigos provisórios em estádios, escolas etc. Entre as etnias residentes na cidade predominam os Xipaya, com 38,24%, seguidos pelos Kuruaya, com 25,58% e pelos Juruna, com 13,83%. O total das outras etnias soma 22,35%. (ver em anexo o quadro 2.2.1) Gráfico 2.2.1 – Percentual de etnias das famílias indígenas entrevistadas em Altamira Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009 Essas etnias estão espalhadas por vários bairros da cidade, mas Açaizal e Independente II são aqueles em que há mais famílias Xipaya e Kuruaya, seguidos por Boa Esperança, Aparecida, Independente I, próximos aos igarapés Altamira e Panelas. Essas aglomerações parecem reproduzir a espacialidade das aldeias no espaço urbano. Quanto à pirâmide etária, como se vê no gráfico, predominam as pessoas em idade produtiva, o que é muito favorável à reprodução física e cultural daquelas famílias:
  • 11. 11 Gráfico 2.2.2- Faixa etária e sexo dos entrevistados (%) Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009; (homens / mulheres) Entre os “índios citadinos”, são muito frequentes os casamentos, tanto entre etnias como entre índios e não índios. Os quadros 2.2.2 e 2.2.3 em anexo mostram estes casamentos interetnicos – 222 em 248 casais. Não parece haver qualquer restrição à exogamia. Pelo contrário, os casamentos com não índios já ocorriam no ciclo da borracha, quando os seringueiros recebiam ou tomavam índias em troca do apoio a determinado povo indígena acossado por outros povos. Tais casamentos, que continuam acontecendo, parecem representar, hoje ainda, uma estratégia de sobrevivência, não mais como sobrevivência física, mas como busca de reconhecimento social. Na Volta Grande, esta situação se repete: os casamentos mistos, principalmente entre índios e não índios também são frequentes. De 38 casais, 34 estão neste caso, como mostra o quadro 2.2.4 em anexo. Confirma-se a estreita relação entre a “rua”, as aldeias e a Volta Grande: aproximadamente 2/3 da população indígena de Altamira (72%) tem parentes nas aldeias, assim como em outros locais, como a beira do Xingu, ou, mais especificamente, na Volta Grande. Na Volta Grande, quase a metade das famílias afirmou ter parentes morando nas terras indígenas (48%); outros tantos afirmaram ter parentes em outras localidades. E, como em Altamira, também na Volta Grande a relação com as aldeias, a “rua” e outras localidades da região é bastante intensa, transitando a população nas “voadeiras” pelo rio Xingu e igarapés. Reforçando a demanda por terra indígena urbana na área da antiga missão Tawaquara, protocolada pelos índios na Funai, 76,8% dos entrevistados respondeu que é favorável a esta reivindicação, 3,5% que não e 19,7% não souberam responder.
  • 12. 12 2.3. Guia de sobrevivência na anti-cidade – Condições de vida e aspectos da saúde e educação. As condições de vida em Altamira são precárias para quase toda a população, no que se refere a infraestrutura, serviços públicos, emprego e renda. Mas, para a população indígena são muito piores. Embora a legislação não faça nenhuma distinção entre índios “citadinos” e “aldeados”, principalmente com relação à saúde (Lei nº 9.836/99), as famílias indígenas de Altamira não são atendidas pela Funasa. Além de não se beneficiarem do atendimento da Funai e Funasa, as famílias citadinas, em sua maioria, não são beneficiadas pelos programas destinados à população de baixa renda, como o Bolsa Família (27,94%). E, das pessoas com mais de 60 anos, apenas 10% recebe aposentadoria. As moradias indígenas são feitas de madeira e sobre pontais, estilo palafita, e não têm sanitários ou fossas. Cada domicílio tem em média três cômodos, havendo uma grande concentração de pessoas no mesmo espaço. A ausência de saneamento básico, especialmente de sistemas de abastecimento de água tratada e de esgotamento sanitário, é geral e faz com que os moradores, especialmente as crianças, sejam acometidos por diarréia e gripe. Devido à inexistência de rede de esgotamento sanitário, há um montante significativo de esgotos lançados diretamente nos igarapés e no rio Xingu. A precariedade da infra-estrutura urbana favorece a ocorrência anual de inundações em vários pontos da cidade no período chuvoso. Estas inundações, associadas à falta de saneamento básico, potencializam a ocorrência de doenças veiculadas pela água, por exemplo, a esquistossomose e a dengue. O grau de degradação ambiental dos espaços urbanos é particularmente sensível para a população indígena devido a sua condição de extrema vulnerabilidade social. Gráfico 2.3.1 – Condições de moradia da população indígena em Altamira (%)
  • 13. 13 Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte 2009. A situação de vulnerabilidade se repete na Volta Grande, embora a vizinhança do rio Xingu, com seu grande volume de água, e o menor adensamento populacional atenuem um pouco a falta de infraestrutura. Por outro lado, a situação se agrava devido à distância das cidades. A estrutura de saúde nestas localidades é precária, e a maioria da população recorre a Altamira, num deslocamento que leva horas, sendo que muitas vezes paga pelo transporte. A vulnerabilidade social é agravada tanto pela alta taxa de analfabetismo entre os chefes de família – Altamira: 25% e Volta Grande: 23,8% - quanto pelas condições da educação escolar, uma vez que o direito à educação diferenciada não é respeitado e que o alto grau de preconceito discrimina os alunos indígenas, aumentando a evasão escolar devido à introjeção do sentimento de inferioridade (BOGÉA, 1997). Acresce que cerca de um terço dos chefes de família (53,53% em Altamira e quase 60% na Volta Grande) tem só até a 4ª série do curso fundamental. Gráfico 2.3.2 - Escolaridade dos chefes de famílias indígenas residentes em Altamira (%) Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009; *EJA: Educação de Jovens e Adultos Já a nova geração, em Altamira, está alcançando um grau de escolaridade maior, porém não de forma homogênea: há estudantes universitários, enquanto outros têm até a quarta série, mas são analfabetos funcionais.
  • 14. 14 Na Volta Grande as escolas situam-se nas localidades de maior concentração populacional, como Ilha da Fazenda, Garimpo do Galo e Ressaca, e atendem toda a população destas comunidades, sem que haja educação diferenciada para os indígenas. Os jovens, apesar da insistência dos pais e devido às grandes distancias, tentam completar o primeiro grau, porém a grande maioria acaba abandonando a escola, o que mantém a pobreza das famílias, e não permite perspectivas de mudança. 2.4. Bases materiais para a reprodução sociocultural – renda e trabalho. Com relação ao mercado de trabalho, a situação da população indígena não é muito diferente do que ocorre com o conjunto da população de Altamira. Os poucos anos de estudo e a falta de qualificação profissional adequada ao mercado de trabalho da cidade, visto que os índios da região, tradicionalmente, estão ligados às atividades de pesca e extrativismo, limita suas oportunidades de emprego e mesmo de trabalho. São muitos os desempregados e aqueles que trabalham fazem, em sua maioria, serviços que exigem pouca qualificação e proporcionam parcos rendimentos. A aposentadoria é importante fonte de recursos das famílias, sendo a “ocupação” principal do maior número (22,35% das famílias), tendo-se tornado uma importante estratégia de sobrevivência das famílias extensas. Em seguida, vem a construção civil, com cerca de 20% das pessoas em funções sem qualificação e de baixa remuneração. A pesca profissional ocupa cerca de 10% dos chefes de família; esta atividade é também praticada pelos aposentados, desempregados e pelas mulheres, como forma de complementação da dieta familiar. O trabalho em casa de família é o que mais ocupa as mulheres. Há cerca de 5% desempregados e 5% são agricultores. Apenas três chefes de família têm profissões qualificadas. Não foi registrada a ocorrência de trabalho infantil. Depreende-se que a inserção da população indígena no mercado de trabalho de Altamira é precária, representando um contingente mal remunerado, e apenas disponível para qualquer atividade que não exija qualificação.
  • 15. 15 Gráfico 2.4.1 – Renda das famílias indígenas de Altamira (%)11 Fonte: EIA / Rima do AHE Belo Monte, 2009. Mais de 10% dos entrevistados declarou não ter nenhuma fonte de renda. À pergunta: mas, de que vivem? As respostas eram: “É, minha mãe ajuda”, ou, “ele vai pescar”. Ou seja, explicitavam o papel dos mais velhos na família, assim como a importância da pesca em sua dieta alimentar. Mesmo somando-se o rendimento de todos os membros da família que estão trabalhando, 83% delas dispõem de, no máximo, R$ 930,00 por mês. Considerando-se que as famílias têm, em média 5 pessoas cada uma, verifica-se que esta é uma renda muito baixa. Na Volta Grande, 27% dos chefes de família são garimpeiros, 21% pequenos produtores rurais e as aposentadorias sustentam um pouco mais de 16% das famílias. A maioria das famílias, à semelhança das que vivem em Altamira, tem até um salário mínimo de renda mensal e apenas 30% recebe o “Bolsa Família”. Gráfico 2.4.2 - Renda dos chefes de família na Volta Grande (%) Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009. 3. Inverno e verão permanentes – construção de um mito pan-xinguano? “Dos três céus que formavam com a terra um cosmos dotado de quatro andares, já caíram dois e periga cair o último, derrubados por Selã‟ã em represália ao extermínio dos povos indígenas do rio Xingu. Segundo um mito, “Selã‟ã ficou furioso e derrubou o céu, queria exterminar os Brancos. O rio havia desaparecido. Foi no tempo em que os Yudjá foram extintos, estavam à beira da extinção, e quando Selã‟ã tentou avistar o rio, não havia mais rio, e ele ficou furioso e derrubou o céu (…). O sol apagou, tudo ficou escuro. Os Juruna ficaram apreensivos, os 11 A renda foi calculada somando-se o rendimento de todos os membros de cada família.
  • 16. 16 poucos Juruna sobreviventes. (…) Os que se abrigaram ao pé de um grande rochedo, somente eles se salvaram; os que se encontravam alhures morreram, todos os Brancos, os Brancos todos morreram, os Índios morreram, os Juruna morreram. Os que estavam abrigados sob um rochedo escavaram o céu espesso com um pedaço de pau(…). Os sobreviventes reproduziram-se. “Selã‟ã disse (a um Juruna, no passado recente): „É assim que hei de fazer: quando os Índios desaparecerem, quando os Índios desaparecerem das ilhas, eu desmoronarei o céu, o último céu”. (Lima, 2001) Este mito Juruna parece prever o que vai acontecer caso a usina de Belo Monte seja de fato construída. Na Volta Grande – que é parte do território tradicional Juruna - as águas do Xingu ficarão distantes das margens em que vivem as famílias, ou muito reduzidas com o desvio do rio. De fato, esse trecho do médio Xingu terá sua vazão reduzida no inverno, devido ao desvio do curso normal para os canais artificiais previstos no projeto de engenharia. Das 16 localidades da Volta Grande onde vivem famílias indígenas, quatro (24 famílias) encontram-se na margem esquerda ou na Ilha da Fazenda, e sofrerão ensecamento. Outras nove localidades (19 famílias) situam-se na margem direita, à beira do canal de vazão reduzida. E quatro localidades (4 famílias) situam-se a montante do eixo da barragem, onde o nível do rio ficará permanentemente alto, caso a barragem seja construída. O mesmo ocorrerá nas imediações e no perímetro da cidade de Altamira, onde as águas permanecerão sempre altas, como no verão, na época das enchentes. Em Altamira verificou-se que, das 340 famílias indígenas cadastradas, 76 residem abaixo da cota 97 msnm que é a cota de formação do reservatório previsto para a UHE Belo Monte, ou seja, que deverão ser obrigatoriamente remanejadas, caso a usina seja construida. A cota 100 msnm é a chamada cota de segurança do reservatório. Em principio as famílias que moram até esta cota também deverão ser remanejadas, embora a água não venha a atingir suas moradias. No total, cerca de 200 famílias serão transferidas. Entretanto, devido à topografia urbana e à situação precária dos sistemas de escoamento das águas pluviais e de esgotamento sanitário e como já ocorrem hoje, afloramentos pontuais em áreas onde não se verificam inundações, é de prever que o número de famílias indígenas remanejadas será mais elevado. Esta radical transformação ambiental, aliada ao impacto provocado pelo grande afluxo de pessoas de fora, afetará a dinâmica sociocultural e econômica de toda a região; no caso dos povos indígenas uma possível resposta a essas transformações será a criação de um novo mito apocalíptico, desta vez, com um
  • 17. 17 caráter pan-xinguano. Como solução alternativa, caso a usina venha a ser construida, além das políticas públicas relativas ao atendimento à saúde e à educação, qualificação profissional, melhoria de renda monetária e ao reconhecimento de sua identidade étnica a que têm direito todos, tanto os moradores de Altamira como os da Volta Grande, os índios “citadinos”, por intermédio de suas lideranças, pleitearam um bairro indígena, com atendimento à saúde e à educação diferenciadas, além de melhores condições de acesso ao rio Xingu para atividades domésticas, econômicas e de lazer. Em seu projeto de bairro, os índios incluiram instalações para receber os parentes moradores nas terras indígenas, seja para tratamento de saúde, seja para continuar os estudos, seja por outras necessidades. Vale dizer que a decisão das famílias pela implementação de um bairro indígena em Altamira não elimina e nem se confunde com a demanda pela área indígena Tawaquara, conforme deixaram claro suas lideranças. Segundo elas, trata-se de uma reivindicação histórica que continuará a fazer parte da agenda política dos índios Xipaya e Kuruaya, independentemente de Belo Monte. Segundo o desejo expresso pelos índios, o bairro deverá abrigar as famílias afetadas diretamente pelo enchimento do reservatório do Xingu (cerca de 200) ou mesmo todas aquelas que vivem na cidade (estimadas em 340, mais as cerca de 25 ainda não cadastradas). Para eles, o bairro deverá situar-se a não menos de 3,5 km e não mais de 5,0 km da cidade e dispor de acesso ao rio Xingu. Grosso modo, deve-se prever uma área de cerca de 40 hectares, com lotes de 1.000 m² que permitirão às famílias, além de morar, plantar e criar pequenos animais. É desejo das famílias que o bairro indígena seja organizado por quadras de acordo com as diversas etnias e que haja documento único de forma a evitar que os lotes sejam vendidos, garantindo assim a moradia das futuras gerações. No projeto expresso pelos índios nos encontros realizados, o bairro indígena deverá contar com: escola diferenciada, segurança indígena, hospital, moradias adequadas, asfalto, saneamento, transporte público, telefone, praças, energia com taxa social, espaço cultural (oficina para artesanato, biblioteca viva, manifestações culturais), correio, caixa eletrônico, igrejas católica e evangélica, hospedagem para os índios em trânsito e para os estudantes das aldeias e da Volta Grande. A efetivação dessas reivindicações permitirá a re-significação da categoria “índio citadino” para cidadão indígena.
  • 18. 18 4. Conclusão Paradoxalmente, os estudos etnoambientais necessários ao licenciamento do AHE Belo Monte tornaram possível a produção, sistematização e análise de um conhecimento até então inexistente sobre os índios citadinos e residentes na Volta Grande do Xingu, o que tende a fortalecer o movimento indígena de recuperação da identidade étnica hoje marcada pela invisibilidade. Para que este conhecimento seja complementado, torna-se necessário estudar as terras indígenas Xipaya e Kuruaya e, também, as famílias indígenas que vivem isoladas às margens do rio Xingu, a montante de Altamira. E, até onde se sabe, estes dois estudos são parte das condições para a continuação do processo de licenciamento ambiental da usina. Como demonstraram os resultados da pesquisa, a população indígena que vive em Altamira caracteriza-se como um contingente de baixa renda, com escasso acesso a serviços públicos básicos. Portanto, independentemente da construção de Belo Monte, deveria ser objeto de uma atenção especial por parte do poder público em suas diversas esferas, municipal, estadual e federal. A impressão que fica da análise de todos os dados recolhidos em campo é que os entrevistados que moram na cidade de Altamira gostariam de unir a aldeia e a cidade – a solidariedade que encontram na primeira, assim como o acesso à terra, à caça e à pesca, ao extrativismo mineral e vegetal -, ao atendimento à saúde e à educação e ao acesso aos bens de consumo e aos serviços que a cidade, teoricamente, proporciona. Considera-se que o projeto de um bairro indígena, tal como foi proposto pelos índios “citadinos”, é a forma mais adequada de compensar o remanejamento, mas principalmente de resgatar o passivo histórico que foi a perda da área da antiga missão e dessa forma também proporcionar-lhes, além de condições de vida mais salubres e dignas, condições de continuar e aprofundar seu movimento de resgate de identidade étnica e cultural. As comunidades ribeirinhas da Volta Grande são também altamente vulneráveis do ponto de vista físico-espacial, dada a precariedade e/ou insuficiência de infra- estrutura. Também, quanto ao aspecto sócio-econômico, uma vez que sua produção não ultrapassa o nível da subsistência. É notável e uterina a relação de dependência dessas famílias indígenas para com o rio Xingu e seu emaranhado de igarapés. O rio, além de ser desde tempos imemoriais uma referência simbólica sempre presente, na mitologia Juruna e Xipaya, é por excelência o principal ecossistema de exploração e uso e é também o principal meio de deslocamento para as terras indígenas e as cidades.
  • 19. 19 No caso da Volta Grande, o resgate do passivo histórico compreende, além da implementação das políticas públicas a que os indígenas têm direito – educação e saúde diferenciadas e etnodesenvolvimento – a identificação das áreas ocupadas pelas famílias e, consequentemente, sua regularização fundiária. 5. Agradecimentos Os autores agradecem especialmente à socióloga Mayra Pascuet, pela ajuda na finalização do artigo e à equipe multidisciplinar que, com eles, elaborou o estudo etnoecológico do componente indígena sobre os índios citadinos e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu para os estudos ambientais do AHE Belo Monte: Sonia Lorenz, Mirella Poccia, Luis Roberto de Paula, Fabio Ribeiro, Humberto Kzure- Cerquera, João Pavese, André Michiles, Mayra Pascuet e Samuel Medeiros Luna. E muito, e principalmente, aos colaboradores indígenas que integraram a equipe de trabalho: Elza Maria Xipaia de Carvalho, Raimundo Veriano Ferreira, Marilene Carvalho Ferreira, Darilene Xipaya Santana, Antonio Xipaya e Marly Nascimento da Silva Referências ANDRADE, Lúcia M. M. 1988. "Os Juruna no médio Xingu". Em As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos & Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo. pp. 147-151. ANDRELLO, Geraldo Luciano. Cidade do Índio. Transformações e cotidiano em Iauaretê. São Paulo: Editora da UNESP/ ISA/ NuTI, 2006 CIMI - “O direito dos povos citadinos em debate” - Porantim – em defesa da causa indígena - Ano XXVI. N° 280 Brasília-DF. Novembro de 2005. COUDREAU, Henri. Viagem ao Xingu. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo : Edusp, 1977. EMPERAIRE, L & ELOY, L - A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio Negro (Amazonas, Brasil)? Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 2, p. 195-211, maio-ago. 2008. FAUSTO, Carlos. 1997. A dialética da predação e familiarização entre os Parakanã da Amazônia Oriental: Por uma teoria da guerra ameríndia. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ-Museu Nacional-PPGAS. [2ª diagramação]. GALVÃO, Eduardo – “Áreas Culturais Indígenas do Brasil: 1900-1959”, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, N.S. Antropologia, nº8. Belém, PA., 1960. LEME Engenharia - EIA/RIMA AHE Belo Monte. São Paulo, 2008, vol 35. LIMA, T.S. “Yudjá”, Verbete para a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental. www.socioambiental.org MAGALHÃES, Antonio Carlos. Identidade e reconhecimento étnico – índios citadinos em Altamira. Fundação Humanitas, 2008. MELATTI, J. C. - População Indígena - Série Antropologia 345 – UNB, Brasília, 2004. MELATTI, J.C. – Amazônia Centro-Meridional – In: www.geocities.com/juliomelatti, acesso em 05/03/2009. MÜLLER, Regina Polo. 1988. "Os Asuriní do Xingu". Em As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos & Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo. pp. 173-177. NIMUENDAJU, Curt. Tribes of the lower and middle Xingu river. In: STEWARD, Julian H. (Ed.). Handbook of South American Indians. v.3. Washington: Smithsonian Institute, 1948.
  • 20. 20 - Fragmentos de religião e tradição dos índios Sipáia: contribuições ao conhecimento das tribos de índios da região do Xingu, Brasil Central. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro: Tempo e Presença Ed.; São Paulo: Cortez, n. 7, p.3-47, jul. 1981. OLIVEIRA, A.E. – “Os Juruna do Alto Xingu” in Dédalo. Ano VI, nº11-12, São Paulo, 1970. OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. A Problemática dos “Índios Misturados” e os Limites dos Estudos Americanistas: um Encontro entre Antropologia e História. In: Ensaios em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1999. PATRÍCIO, Marlinda Melo. Índios de Verdade – O caso dos Xipaia e Curuaia em Altamira – Pará. Dissertação em Antropologia Social na Universidade Federal do Pará. Belém/PA – 2000. - “Kuruaya”, Verbete para a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental. www.socioambiental.org. 2003 - “Xipaya”, Verbete para a Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental. www.socioambiental.org. 2003 RIBEIRO, Fabio Nogueira. Etnodesenvolvimento e o mercado verde na Amazônia indígena: os Asuriní no Médio Xingu. Dissertação de mestrado. São Paulo: Procam/USP, 2009. SANTOS, Leinad e ANDRADE, Lucia, org. As hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas. Comissão Pró Índio, São Paulo, 1988. SARAIVA, Márcia Pires. Identidade multifacetada: a reconstrução do "ser indígena" entre os Juruna do Médio Xingu. Dissertação de Mestrado - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2005 SNETHLAGE, Emília. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Manaus : Governo do Estado do Amazonas ; SEC, 2002. 72 p. (Documentos da Amazônia, 98) STAVENHAGEN, Rodolfo. Los Derechos Indígenas. In: ZAMBRANO, Carlos Vladimir (Ed.). Etnopolíticas y Racismo: Conflictividad y Desafios Interculturales em América Latina. 2ª ed. Bogotá: Universidad Nacional de Colômbia, 2003. STEINEN, Karl von den. O Brasil Central: expedição em 1884 para a exploração do rio Xingu. Rio de Janeiro : Companhia Editora Nacional, 1942. VIDAL, LUX – Morte e Vida de Uma Sociedade Indígena Brasileira. São Paulo, Hucitec/EDUSP, 1977 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo & Lúcia M. M. de ANDRADE. "Os povos indígenas do médio Xingu". Em As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas (Leinad Ayer O. Santos & Lúcia M. M. de Andrade, orgs.). São Paulo: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1988. WILHERLAN, Adalbert Heinrich (Príncipe Adlaberto da Prússia). Brasil : Amazonas-Xingu 1811-1873. Belo Horizonte : Itatiaia, 1977. Anexos Quadro 2.2.1 – Famílias indígenas entrevistadas em Altamira, segundo etnia e bairro Bairro Xipaya Kuruaya Juruna Xipaya- Kuruaya Outras Etnias Tota l Independente I 23 13 1 0 1 Munduruku 38 Açaizal 15 7 13 1 Kayapó 36 Invasão dos Padres 6 7 2 0 1 Guajajara, 1 Tipiniquim , 2 Munduruku 19 Brasília 5 4 3 1 Kayapó, 1 Munduruku, 1 Carajá, 1 Arara 16 Independente II 20 14 2 3 1 Munduruku 40 Sudam I 8 2 1 1 Kayapó 12 São Sebastião 4 0 4 1 2 Arara, 2 Kayapó 13 Olarias 0 3 1 2 Kayapó 6 Mutirão 8 4 3 0 2 Munduruku, 5 Arara 22 Primavera 1 Kayapó 1 Colina 3 2 0 5 Centro 10 4 0 0 4 Munduruku, 2 Kayapó, 1 Arara 21
  • 21. 21 Bela Vista 6 3 1 1 Munduruku 11 Jd. Oriente 1 1 0 2 Liberdade 2 1 2 0 5 Boa Esperança 4 7 1 2 Munduruku, 2 Kayapó, 5 Baré, 1 Mocorongo, 1 Anambé 23 São Domingos 0 1 2 0 2 Munduruku, 2 Kayapó, 1 Wapixana 8 Premem 1 0 1 Aparecida 15 12 9 2 Guarani, 7 Kayapó, 2 Tupiniquim, 5 Arara, 4 Canela, 1 Mumduruku, 1 Carajá 58 Esplanada do Xingu 1 1 0 2 Ivalândia 1 0 1 Total 130 87 47 4 72 340 Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009 Quadro 2.2.2– Casamentos interétnicos Etnias/Bairros IndependenteI Açaizal Invasãodos Padres Brasília IndependenteII SudamI SãoSebastião Olarias Mutirão Primavera Colina Centro BelaVista Jd.Oriente Liberdade BoaEsperança SãoDomingos Premem Aparecida Esplanadado Xingu Ivalândia total índio/não índio 21 26 13 14 29 8 9 4 12 1 3 8 8 1 4 13 6 1 38 2 1 222 Xipaya/Xipaya 3 1 1 1 6 Kuruaya/Kuruaya 1 1 Xipaya/Juruna 1 1 2 Xipaya/Kuruaya 1 1 1 3 Canela/Kuruaya 1 1 Guajajara/Guajajar a 1 1 Munduruku/Xipaya 1 1 1 3 Mund./Munduruku 1 1 Kayapó/Arara 1 1 Kayapó/Xicrim 1 1 Xipaya/Canela 1 1 Arara/Xipaya 1 1 Kayapó/Kayapó 1 1 Kayapó/Juruna 1 1 Arara/Arara 1 1 Kuruaya/Kayapó 1 1 Total de casados 26 28 14 14 30 9 12 4 14 1 4 12 8 1 4 15 7 1 41 2 1 248 Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.
  • 22. 22 Quadro 2.2.3 - Distribuição por etnia e sexo dos casamentos entre índios e não índios Bairro Índios casados com não índios, por sexo Casados entrevistados Xipaya Kuruaya Juruna Xipaya/ Kuruaya outros índios e ñ índios Total dos casadosM H M H M H M H M H Independente I 7 4 7 2 0 1 0 0 0 0 21 26 Açaizal 8 4 4 2 4 3 0 0 1 0 26 28 Invasão dos Padres 4 2 2 1 2 0 0 0 2 0 13 14 Brasília 3 1 3 1 1 1 0 0 2 2 14 14 Independente II 11 5 6 4 1 0 2 0 0 0 29 30 Sudam I 5 0 1 1 1 0 0 0 0 0 8 9 São Sebastião 0 3 0 0 3 1 1 0 0 1 9 12 Olarias 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 4 4 Mutirão 1 4 2 0 1 1 0 0 2 1 12 14 Primavera 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 Colina 0 1 2 0 0 0 0 0 0 0 3 4 Centro 2 2 1 1 0 0 0 0 2 0 8 12 Bela Vista 3 1 2 0 1 0 0 0 1 0 8 8 Jd. Oriente 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 Liberdade 2 0 1 0 1 0 0 0 0 0 4 4 Boa Esperança 0 2 3 1 0 0 0 0 2 5 13 15 São Domingos 0 0 1 0 1 1 0 0 3 0 6 7 Premem 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 Aparecida 5 7 2 6 2 0 0 0 7 9 38 41 Esplanada do Xingu 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 2 2 Ivalândia 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 1 Total 51 37 39 22 20 8 3 0 23 19 222 248 Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009. Quadro 2.2.4 – Casamentos interétnicos na Volta Grande do Xingu Etnias/Bairro s ArrozCru Cotovelo FazendaBacabeira GarimpodoGalo IlhadaFazenda Itatá GarimpoJapão LocalidadeJuliana (Bacajá) MineraçãoVerena MoradaNova PAAssurini Paratizão Paratizinho Ressaca Ressacão SitioMangueira SitioSãoFrancisco semresposta total Índio/não índio 3 0 2 4 11 2 1 1 1 1 1 0 0 4 0 0 1 1 33 Xipaya/Xipay a 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 Arara/Xipaya 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 Juruna/Arara 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 Total de casados 3 0 4 4 13 2 1 1 1 1 1 0 0 4 0 1 1 1 38 Fonte: EIA/Rima do AHE Belo Monte, 2009.