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1
O conceito de proliferação, os blogs
de ciência e a colaboração no
jornalismo: uma abordagem teórica
Bruno de Pierro (RA 143746)
São Paulo, julho de 2013
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp)
2
Meu avô-macaco
Aquele que Darwin buscou
Me olha no galho:
Busca a força dos caninos
O vigor dos pulsos
O arfar do peito
O menear da cabeça
O Trabalho
Tudo se foi
Nada mais resta
Do fulgor primata
Da força de boi
Saber
Saber mata
[PAULO LEMINSKI]
Nosso mundo não precisa de almas mornas.
Precisa de almas ardentes, que saibam dar à moderação
Seu verdadeiro lugar
[ALBERT CAMUS, Combat, 26 de dezembro de 1944]
3
Na última década, o crescimento do número de blogs de ciência foi
acompanhado, em paralelo, por uma também crescente conquista de espaço
relevante na divulgação científica. Publicações impressas consagradas estão
cedendo mais espaço para abrigar blogs de ciência, como forma de atender a
uma demanda do público cada vez mais aberto a fontes de notícias mais
dinâmicas na internet. O britânico The Guardian, por exemplo, atualmente
conta com 13 blogs sobre ciência, cobrindo temas variados. Revistas
tradicionais na cobertura científica também dedicam sessões para blogs
especializados, muitos dos quais considerados referência na divulgação
científica, com prestígio entre cientistas. A revista Scientific American, outro
caso, contabiliza 63 blogs de ciência, enquanto a National Geographic possui
uma sessão especial, chamada Phenomena, na qual reúne quatro blogs de
ciência que se tornaram muito conhecidos. E mesmo as prestigiadas Nature e
Science também adotaram o formato do blog para introduzir conteúdos que vão
além da notícia, tais como comentários e discussões, de maneira mais ágil e
menos formal1
. Essa tomada de espaço dos blogs dentro dos sites de grandes
publicações impressas representa uma estratégia que tenta acompanhar o
ritmo acelerado do surgimento de blogs que cobrem ciência de forma
independente - ou seja, aqueles que não mantêm associação direta a um
tradicional veículo de comunicação e muitas vezes são escritos por cientistas
ou jornalistas que não ocupam lugar de prestígio ou não são tão famosos para
um grande público, ou, então, por amadores.
Em outras áreas de cobertura jornalística, como política e movimentos
sociais, não faltam exemplos de como o ativismo em blogs tem conseguido
romper com técnicas arraigadas de jornalismo dentro de um novo contexto de
democracia digital. A transformação permanente a que tem sido submetida a
comunicação, com novas ferramentas tecnológicas de produção,
armazenamento e compartilhamento de informação, possibilita um novo modo
de produção jornalística, que emerge fora das redações. Nassif (2012)2
ressalta que com o avanço significativo da internet, a proliferação de redes
sociais, bancos de dados, sites especializados e recursos de multimídia tem
mudado o espectro do jornalismo. A primeira grande mudança, de acordo com
ele, é que o jornalista tem perdido a prerrogativa da notícia: no modelo
tradicional, para que um determinado assunto ou dado se tornasse notícia,
necessitava da interferência do jornalista, representando um veículo de mídia.
No novo modelo, as barreiras para a produção de notícias perdem a força.
1
Ver A ascensão dos blogues de ciência, em Ciência Hoje (02/07/2013). Link:
http://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/2013/07/a-ascensao-dos-blogues-de-
ciencia/discussion_reply_form
2
NASSIF, Luis. Os novos horizontes do jornalismo. Blog do Luis Nassif, setembro de 2012. Disponível em
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-novos-horizontes-do-jornalismo
4
Associações, ONGs, movimentos sociais, pessoas físicas, todos
produzirão suas próprias notícias, às especialidades atuais do
jornalista, serão agregadas outras competências: a pessoa que, além
de reportar, sabe filmar, editar vídeo, montar aplicativos para
prospectar bancos de dados públicos (NASSIF, 2012).
Assim, a massa de blogs alternativos e a proliferação de comentários e
contribuições pelas redes sociais passam a competir com notícias mais
estáticas produzidas pelas mídias tradicionais. Com a vasta quantidade de
informações disponíveis, será exigida do jornalista uma visão de gestão do
conhecimento. O repórter deixa de ser o protagonista da reportagem para se
transformar no mediador, "a pessoa capaz de estimular uma discussão pela
internet e extrair dela as conclusões necessárias para escrever a matéria".
Nesse contexto, em que o caráter aberto da internet permite com que a
produção de conteúdos não esteja sob domínio de grandes corporações -
embora os equipamentos, as plataformas e as grandes redes sociais
continuem concentrados nas mãos de poucos -, é possível identificar uma
transformação do leitor, que deixa de ser um agente passivo, para também se
tornar um produtor de informação.
Esse processo começa a dar sinais de que está, de fato, abalando as
estruturas das mídias tradicionais. De acordo com o Índice de Confiança Social
(ICS), uma pesquisa feita anualmente pelo Ibope Inteligência desde 2009, a
credibilidade dos meios de comunicação está em queda. De 71%, em 2009,
para 65%, em 2011. São muitos os fatores que explicam essa perda de
credibilidade, tendo como base o que muitos autores apontam como uma crise
de representação das instituições tradicionais, compreendendo desde a arte
até a política. Com o surgimento de novos atores, a complexidade do cotidiano
é exposta de maneira nítida diante das sociedades, expondo consigo uma
multiplicidade da vida antes simplificada. As contradições e os grandes
paradoxos não podem mais ser reduzidos ou representados como o foram até
agora. Isso é acompanhado de uma crescente demanda social por mais
transparência da vida pública - e também privada - e também do surgimento de
novos mecanismos de ativismo social ancorado na internet.
No âmbito da divulgação científica, faz-se necessária uma reflexão mais
centrada no caso particular dos blogs de ciência, no sentido de observar se
eles carregam em si o potencial para romper com o modelo de cobertura da
ciência e de temas ligados a ela, como a política científica e tecnológica, e
possibilitar, de fato, uma verdadeira proliferação de debates, idéias e teorias
em torno dessa cobertura tradicional. Essa é a condição essencial para que
haja de fato uma democratização de conhecimentos e, mais do que isso, que
seja possível colocar à disposição do leitor-autor o acesso às mais diversas
linhas de pensamento, pontos de vistas e teorias que emergem em torno de um
tema, e não apenas que sejam acessadas as teorias “campeãs” ou explicações
que foram legitimadas pela ciência. No caso do debate em torno da
biodiversidade, por exemplo, a integração de conhecimentos científico,
indígena e tradicional na caracterização, conservação, restauração e uso
sustentável dos recursos genéticos é atualmente um desafio.
5
Entende-se aqui o modelo de cobertura tradicional da ciência justamente
aquele baseado num sistema no qual o jornalista ainda é o protagonista da
informação, ou seja, quem decide a pauta, realiza a pesquisa, busca as fontes
de informação e define a linha editorial que conduzirá a confecção da
reportagem. Nesse modelo, é ainda forte o papel dos cientistas, que de um
modo geral carregam um discurso de autoridade, muitas vezes reproduzido nas
matérias jornalísticas. Como aponta Hesse (1987, p. 90), o Racionalismo
Crítico na ciência fez com que sua justificação dependesse, em última análise,
do fato de os respectivos sábios estabelecidos na ciência concordarem
efetivamente entre si. Essa maneira de “democratização” ou “liberalização” da
verdade, diz o autor, constitui uma variante moderna da antiga verdade por
autoridade. Nesse sentido, há a crença de que o mais forte não apenas se
impõe “darwinianamente”, como também nas ciências o mais forte também é o
mais certo3
.
Essa noção de que é preciso colocar à disposição a diversidade cultural
das sociedades, em detrimento de uma visão unilateral que elege a ciência
como principal meio para obtenção do conhecimento verdadeiro, está na base
da obra do filósofo da ciência austríaco Paul Feyerabend (1924-1994), para
quem há pouca discussão sobre a grande variedade de disciplinas científicas,
escolas, métodos, respostas. “Tudo o que obtemos é um monstro monolítico, a
ciência, que, segundo dizem, segue um caminho e fala uma única voz”4
.
Embora Feyerabend tenha admitido, no prefácio que escreveu em 1992 para a
terceira edição de Contra o Método, que muita coisa mudou desde quando
publicou o livro pela primeira vez, em 1975, ele destaca que a nova situação,
de mais abertura para controvérsias, ainda requer uma nova filosofia e novos
termos. E também explica que a nova situação levanta a questão da ciência
versus a democracia, tratando-se, portanto, de uma questão humanitária, não
intelectual. Esse, inclusive, é o ponto central da obra de Feyerabend:
3
Sobre este assunto, HESSE ainda expõe que conceber a verdade como verdade por comunicação
corresponde à concepção de verdade adotada pela Teoria Crítica. “Segundo tal concepção, a idéia do
consenso não coarctado (sem limites) é condição para a comunicação em geral, continuando a sê-lo,
portanto, mesmo para as distorções comunicativas da mentira e da pressão. Correspondentemente,
também, só chega a ter um sentido falar em verdade quando com isto se quer dizer verdade por
consenso. Um dos méritos da Teoria Crítica, talvez até o mais importante deles, foi o de ter levado a
esta noção central. Mesmo assim, também aqui se hesitará em falar sem mais de verdade por
fundamentação, pois fundamentação se liga em geral à idéia de uma elaboração metódica da intenção
de validar orientações. Sabidamente, contudo, a Teoria Crítica nem pôs à disposição possibilidades
metódicas correspondentes nem faz um uso digno de nota das possibilidades entrementes já
disponíveis, em particular das possibilidades oriundas da crítica da linguagem”.
4
FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.
6
Se a ciência não é mais uma unidade, se partes diferentes dela
procedem de maneiras radicalmente diferentes e se as conexões
entre essas maneiras são ligadas a episódios particulares de
pesquisa, então os projetos científicos têm de ser considerados
individualmente
5
.
Isso, segundo ele, é essencial para as políticas científicas, que, no final
da década de 1960, passaram a abandonar a ideia de uma política científica
abrangente. Portanto, agências governamentais não mais financiam “a ciência”,
mas sim projetos particulares. E é aí que Feyerabend traz a seguinte
consideração: “então a palavra ‘científico’ não pode mais excluir projetos ‘não
científicos”.
Os não especialistas frequentemente sabem mais do que os especialistas e
deveriam, portanto, ser consultados, e que profetas da verdade (incluindo os
que empregam argumentos) em geral são impelidos por uma visão que coflita
com os próprios evento que, supõe-se, essa visão estaria explorando (...)
Profissionais lidando com os componentes ecológicos, sociais e médicos da
assistência para o desenvolvimento perceberam, entrementes, que a
imposição de procedimentos “racionais” ou “científicos”, embora
ocasionalmente benéfica (supressão de alguns parasitas e doenças
infecciosas), pode levar a sérios problemas materiais e espirituais. Eles não
abandonaram, no entanto, o que aprenderam na universidade, mas
combinaram esse conhecimento com crenças e costumes locais e
estabeleceram, assim, um elo bastante necessário com os problemas da vida
que nos cercam por toda parte, no Primeiro, no Segundo e no Terceiro
Mundos (FEYERABEND, 2010, p.17).
Esse artigo, portanto, baseia-se em alguns dos conceitos de
Feyerabend, Santos e Latour – autores que desenvolveram trabalhos no
campo da filosofia da ciência – para sustentar uma reflexão sobre o papel que
blogs de ciência, em conjunto com redes sociais na internet, podem exercer em
um novo modelo de jornalismo colaborativo que se configura nos últimos anos.
Parte-se da ideia central de que é preciso cessar a separação entre ciência e
não-ciência, e que o principal, mas não único, caminho que desponta para
executar essa ação é representado pelos blogs e pelo jornalismo colaborativo
especializado na cobertura de ciência. Dessa forma, pode-se ter como
finalidade evitar a segregação entre o discurso especializado e inatingível do
cientista (do teórico, do filósofo e dos especialistas em geral) e os discursos de
amadores6
, que são capazes de trazer, pela participação colaborativa, novos
5
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. – 2ª Ed. – São Paulo: Editora
UNESP, 2011.
6
Deve-se fazer uma distinção clara entre amadores e não-profissionais. O sentido que se quer empregar
aqui ao se usar a expressão “amadores” está relacionado ao conceito de ciência cidadã, feita por um
conjunto de colaboradores que na sua totalidade ou em parte não são cientistas profissionais. Portanto,
é preciso levar em conta que a participação de pesquisadores que não são consagrados pela mídia em
7
questionamentos, novas conexões, sugestões de pauta ou informações que
ajudam o jornalista a destravar obstáculos impostos pela ciência ainda
racionalista em parte. No entanto, uma pesquisa mais apurada deverá ser
realizada para verificar se de fato os blogs conseguem, na prática, promover
um pluralismo de conceitos e vozes dentro dos debates da ciência. Não se
trata apenas da simples busca pelo contraditório, discurso este sempre
reavivado pelo jornalismo cada vez que se discute a questão da objetividade.
Também não se trata da simples disponibilização do campo “comentários” em
baixo de reportagens publicadas na internet, como espaço destinado
exclusivamente para que leitores manifestem suas opiniões sobre um artigo
jornalístico que já está pronto e acabado. Os canais de colaboração de que
essa pesquisa se aproxima, teoricamente, às ideias de Feyerabend, que
defendia com paixão uma ciência mais tolerante à diversidade e menos aberta
às certezas uniformizantes e homogeneizantes da tradicional racionalidade
científica, que, como veremos com Santos, embora esteja em transição para
uma ciência dita pós-moderna, ainda persiste no discurso da ciência. Ao
defender a tese de que a ciência comporta muitos métodos, e não apenas um,
Feyerabend chamou atenção para o fato de que é preciso levar em conta as
adaptações regionais, que propciam inovações de acordo com as
especificidades do local e as tradições culturais presentes.
Nesse contexto, é necessário entender como o jornalismo de ciência
pode contribuir para além da simples divulgação científica, ao incorporar
problemas da própria filosofia da ciência e desenvolver novos mecanismos que
iluminem as ciências e não a ciência, ou seja, modos de se fazer ciência
(regional) sem que esta precise o tempo todo se legitimar perante os modelos
impostos por outros. Será, então, que os blogs que cobrem ciência estão
conseguindo afrouxar essa pauta da divulgação científica, ao incorporar a
própria problemática aqui exposta? As novas vozes que surgem, e que falam
sobre ciência e tecnologia em blogs e outros instrumentos da internet, podem,
de fato, promover um ambiente de proliferação de ideias, teorias e visões que
conflitam dentro da própria ciência, mostrando que ela, a ciência, está mais
para uma tempestade do que para um mar em calmaria? E qual o papel do
jornalismo científico realizado em blogs para a promoção de debates sobre os
conflitos da ciência? Por que não divulgar um conhecimento tradicional que
geral, e especificamente pela imprensa especializada, passa a se tornar relevante em ambientes virtuais
que permitem a colaboração. Essa massa de “amadores” tem cada vez mais tomado espaço na internet.
Um exemplo é o blog Retraction Watch, dedicado especificamente à retratação de artigos científicos nos
quais são encontradas fraudes, falhas e outros elementos de má conduta científica, como plágio. Em
entrevista ao portal Observatório da Imprensa em setembro de 2012, a pesquisadora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Sonia Vasconcelos, especializada em integridade científica, afirmou que
pesquisadores científicos devem unir esforços com jornalistas para responder a demandas de um
público cada vez mais atento à qualidade da comunicação científica, numa época em que a velocidade
de informação e outros fatores ampliam, sintomaticamente, a prática da retratação. A entrevista está
disponível em
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_comunicacao_cientifica_para_um_pu
blico_mais_atento
8
ainda não foi completamente entendido pela ciência, e pelo qual ela ainda não
se interessou, mas que é compreendido por uma população indígena? Será
que, ao ser refém da ciência, a divulgação científica não tem servido como
porta-estandarte – ou porta-voz – de um método que tenta se impor sobre
outras formas de conhecimento, como a arte, a metafísica, a medicina
chinesa? E como os blogs de ciência podem representar justamente a força
que surge para contrapor essa divulgação jornalística estática e simplista,
muitas vezes apolítica?
* * *
As mudanças em nível macro apontadas por Feyerabend podem ser
verificadas no campo da ciência com mais clareza quando tentamos
compreender o momento de transição pelo qual ela, a ciência, passa. E
também quando entendemos que há a necessidade de se incluir, no contexto
da ciência, uma abordagem que leve em conta o coletivo, os cidadãos. Há,
antes de tudo, que se fazer uma explicação necessária: esse artigo sustenta a
ideia de que o (novo) jornalismo digital é capaz de contribuir, externamente,
para essa abertura da ciência, num processo de fora para dentro. Isso,
conseqüentemente, justifica o importante papel do chamado “jornalismo
científico” para a construção de uma nova ciência – ou então, para a
construção de uma nova representação da ciência. Esse papel certamente vai
além da simples divulgação do status quo da ciência e do modus operandi da
ciência. Esse jornalismo aberto às vozes dos mais diversos setores da
sociedade contribui exatamente quando amplia e amplifica canais de
contestação da ciência, capazes de re-ligar o conhecimento científico ao
cidadão. Contudo, esse re-ligar não consiste numa aceitação passiva dos
conceitos científicos prontos e acabados, mas sim num re-ligar crítico, profano,
consciente dos poderes da ciência e também de seus limites.
No contexto da chamada Constituição modernista, agora em declínio,
Latour (1999) explica que a vida política foi dividida em câmaras, formando
assembléias igualmente ilícitas: a Ciência, que definia o mundo fora de todo
processo público; e a Política, que devia contentar-se com "as relações de
forças", com a multiplicidade de pontos de vista, com a única habilidade
maquiavélica. Ambas, nos entanto, possuíam uma estratégia para colocar fim à
discussão: a razão indiscutível, a indiscutível força.
Cada uma das câmaras ameaçava a outra de exterminação. Apenas
o terceiro termo sofreu com esta longa guerra fria, o Terceiro Estado,
o coletivo, para sempre privado de uma competência política e
científica que nem os atalhos da força, nem os da razão, encurtariam
os canais (...) Servindo-se da objetividade para abreviar os processos
políticos, ousou-se confundir as ciências com esse atalho que a
violência autorizava - e tudo isso em nome da mais alta moral e da
mais melindrosa das virtudes! Com a natureza queria-se passar à
força, isto é, com razão. Sim, uma verdadeira impostura intelectual,
felizmente tornada sem efeito. (LATOUR, 1999, p. 108 - 110)
9
Certo de que agora a irrupção da natureza não paraliza mais a
composição progressiva do mundo comum, Latour defende que é necessário
"convocar o coletivo” Esse coletivo está encarregado de “coletar" a
multiplicidade de associações de humanos e não-humanos, sem recorrer à
brutal segregação entre as qualidades primárias e as secundárias que
pemitiram até aqui exercer em segredo funções privilegiadas. Essa
competência do “Terceiro Estado", da res publica (os cidadãos), contudo,
nunca deixou de existir; ela, na verdade, sobrevivia de forma oculta em um
duplo problema de representação, que, segundo o autor, a antiga Constituição
obrigava a tratar separadamente: "a epistemologia desejosa de saber que a
condição pode ter uma representação exata da realidade exterior; a filosofia
política buscando sob que condição um mandatário pode representar fielmente
seus semelhantes". Os traços comuns destas duas questões não podem ser
reconhecidos; trata-se de uma segregação radical entre as questões de
natureza e as questões políticas.
Na obra A Ciência: Deus ou o Diabo, publicada em 1999, a jornalista
francesa Guitta Pessis-Pasternak reúne 23 entrevistas com cientistas e
pensadores da ciência e da tecnologia, entre eles Paul Caro e Pierre Lévy, com
o objetivo de expor e discutir as controvérsias que circundam o mundo
científico. Mais do que investir em uma simples provocação, a jornalista busca
se distanciar dos grandes temas científicos que à época – final a década de
1990 - provocavam encanto, admiração e curiosidade (e ainda o provocam,
mas de acordo com novas orientações), tais como a neurociência e a
inteligência artificial, a biotecnologia e a questão da clonagem e também os
avanços das tecnologias da informação. O distanciamento é conduzido no
sentido de uma reflexão sobre os limites da ciência enquanto cultura que, ao
longo de séculos, conquistou espaço privilegiado perante outras culturas, no
que se refere à interpretação da vida (seus fenômenos) e definição de
explicações sobre o mundo.
Duas passagens do livro de Pessis-Pasternak chama a atenção. A
primeira está na entrevista com o biólogo e filósofo chileno Francisco Varela
(1946-2001). Questionado sobre o que a ciência sabia, naquele momento,
sobre a consciência, Varela aborda, em sua resposta, a ideia de que mesmo
com as novas tecnologias, capazes de permitir apreender os fenômenos
conscientes por meio de processos cerebrais, os cientistas precisam criar uma
nova ciência da consciência, em que a subjetividade não fosse reduzida nem
oculta, mas central (PESSIS-PASTERNAK, 2001). Logo em seguida, o biólogo
destaca a importância de uma antiga tradição de observação mental, a tradição
budista de treinamento do espírito, como forma de afirmar que a riqueza de
algumas tradições e culturas não-científicas podem contribuir para o
aprimoramento de métodos mais rigorosos da ciência. Isso, explica Varela,
para que ocorra “uma verdadeira revolução científica, a exemplo daquelas
provocadas pela mecânica quântica e pela teoria da relatividade no começo do
outro século”.
A segunda passagem é identificada na entrevista realizada com Feyerabend.
Pessis-Pasternak pergunta: Como autêntico democrata, o senhor adverte,
justamente, sobre os perigos da concentração excessiva do poder nas mãos
10
dos tecnocratas e, para remediá-lo, deseja que a discussão se efetive na
ágora. Mas nossas sociedades não são excessivamente complexas para esse
gênero de utopia? A resposta de Feyerabend é a seguinte:
Essa constatação já havia sido feita por Platão; ele afirmava que as
pessoas não compreendiam nada na cidade, e tinham necessidade
de experts para guiá-las. Na realidade, a vida em sociedade é muito
imbricada e, por isso, todas as belas teorias – entre elas as que
concernem ao mundo material, aparentemente mais simples –
sucumbem em razão de suas numerosas lacunas. Quanto a mim,
adoraria impedir que uma elite imponha sua superioridade sobre
uma “minoria silenciosa”. É justamente porque a complexidade e o
mistério da vida ultrapassam a compreensão dos cidadãos e dos
cientistas que ambos devem colaborar. Talvez, em conjunto, possam
vir a progredir. (Feyerabend, em PESSIS-PASTERNAK, 2001 – grifos
nossos).
Por entre esses dois momentos registrados no livro da autora francesa,
pode-se identificar um fio condutor, um denominador comum, que é
exatamente um posicionamento crítico da ciência. No primeiro caso, temos um
pesquisador da consciência que embora considere que certos “mistérios” da
mente humana tenham sido desvendados pelo progresso científico e
tecnológico - ou seja, admita que a pesquisa científica tenha modificado a
concepções clássicas, ao determinar que certas faculdades mentais
específicas não são mais mistério, pois funcionam sobre bases materiais –
reconheça também que “o fenômeno da subjetividade não é nem eliminável,
nem um simples epifenômeno”. Nesse sentido, Varela fala de uma minoria de
cientistas que concordam que a subjetividade, no estudo sobre a consciência,
representa um elemento verdadeiro de realidade, “outro nível ontológico”. E,
para isso, defende a criação de um novo método científico, que está,
segundo ele, ausente no Ocidente.
No segundo caso, Feyerabend, famoso por seus posicionamentos
considerados anárquicos pelo senso comum (uma epistemologia anárquica),
talha um pensamento combativo, direcionado contra uma ciência racionalista
que tentar impor principalmente suas leis e seus métodos – mas também seu
modo de ser, sentir e comunicar – em detrimento de outras formas de
conhecimento. Para o filósofo, que morreu antes que o ciberespaço como o
conhecemos começasse a ganhar formas mais nítidas, já era clara a
necessidade de mecanismos capazes de ampliar a colaboração e a interação
entre cidadãos (não-especialistas ou especialistas amadores) e cientistas. A
principal missão de Feyerabend era, como ele próprio havia enfatizado,
“impedir que as pessoas imponham suas opiniões aos outros, que devem não
apenas segui-las, mas sobretudo financiá-las” (PESSIS-PASTERNAK, 2001).
Segundo Boaventura de Sousa Santos, o atual momento é de transição:
de uma ciência moderna, guiada pelo modelo de racionalidade a partir do
século XVI, para uma ciência pós-moderna, com um novo paradigma
emergente. No modelo de racionalidade, identifica-se também um modelo
11
totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de
conhecimento que não se pautam pelos seus princípios epistemológicos e
pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 1987). Esse modelo possibilita
apenas uma só forma de conhecimento verdadeiro e é reduzido a duas
distinções fundamentais: a) entre conhecimento científico e conhecimento do
senso comum e b) entre natureza e pessoa humana. Conforme salienta Santos
(1987), nessa visão de mundo, que teve seu apogeu no século XIX, a natureza
é apenas extensão e movimento, apresentando caráter passivo, eterno e
reversível. Além disso, a natureza é tomada como mecanismo cujos elementos
podem ser desmontados e depois relacionados na forma de leis.
Com base nestes pressupostos o conhecimento científico avança
pela observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto
possível rigorosa dos fenômenos naturais. O Novum Organum opõe a
incerteza da razão entregue a si mesma à certeza da experiência
ordenada. Ao contrário do que pensa Bacon, a experiência não
dispensa a teoria prévia, o pensamento dedutivo ou mesmo a
especulação, mas força qualquer deles a não dispensarem, enquanto
instância de confirmação última, a observação dos factos (SANTOS,
1987, p. 13)
O método científico racionalista é baseado, portanto, na premissa
segundo a qual o que não é quantificável é cientificamente irrelevante,
reforçando assim a redução da complexidade. Santos cita Descartes, para
quem o método consiste em “dividir cada uma das dificuldades em tantas
parcelas quanto for possível e requerido para melhor as envolver” 7
. No final do
século XX, Santos identifica uma crise do paradigma dominante, marcada por
uma revolução científica que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica. A
base desta crise é, segundo o autor, o resultado interativo de uma pluralidade
de condições. Além de Einstein, com a teoria da relatividade, e a física
quântica, acompanhada pelo teorema da incompletude de Gödel, outra
condição teórica da crise do paradigma da racionalidade newtoniana é
representada pelos avanços da microfísica, da química e da biologia a partir
dos anos 1960.
Algumas teorias, como a das estruturas dissipativas e o princípio da
ordem através de flutuações, trazem novas concepções de matéria e natureza
incompatíveis com o que foi elaborado pela física clássica. Conforme explica o
sociólogo, desenvolve-se uma nova tomada de consciência, na qual predomina
a história, em vez da eternidade; a imprevisibilidade, em vez do determinismo;
7
Esta concepção sustenta o que Boaventura de Sousa Santos chama de divisão primordial, isto é, a
distinção entre condições iniciais e leis da natureza. De acordo com ele, “as condições iniciais são o reino
da complicação, do acidente e onde é necessário selecionar as que estabelecem as condições relevantes
dos fatos a observar; as leis da natureza são o reino da simplicidade e da regularidade, onde é possível
observar e medir com rigor”. Essa distinção, embora leve em conta as leis da natureza, não pode ser
considerada como uma visão natural, pois se configura em uma seleção arbitrária.
12
a interpenetração, em vez do mecanicismo; a irreversibilidade, em vez da
reversibilidade; a desordem, em vez da ordem; a criatividade e o acidente, em
vez da necessidade.
No entanto, Santos salienta que não restam dúvidas que o que a ciência
ganhou em rigor, com a crise do paradigma da racionalidade, ela perdeu em
capacidade de auto-regulação. Essa perda se consolida quando a ciência se
alia definitivamente ao capital.
As ideias da autonomia da ciência e do desinteresse do
conhecimento científico, que durante muito tempo constituíram a
ideologia espontânea dos cientistas, colapsaram perante o fenômeno
global da industrialização da ciência a partir sobretudo das décadas
de trinta e quarenta. Tanto nas sociedades capitalistas como nas
sociedades socialistas de Estado do leste europeu, a industrialização
da ciência acarretou o compromisso desta com os centros de poder
econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel
decisivo na definição das prioridades científicas (SANTOS, 1987).
Ora, se por um lado o pensamento – o método – científico vem, nas
últimas décadas, sofrendo a transição de um modelo racionalista para outro
mais aberto às incertezas e subjetividades, por outro lado a industrialização da
ciência tem se manifestado cada vez mais não apenas no nível das aplicações
da ciência, mas também no nível da organização da própria investigação
científica. Esse processo, segundo Santos, produziu dois efeitos. Em um
primeiro aspecto, a comunidade científica estratificou-se, fazendo com que as
relações de poder entre cientistas tornassem-se mais autoritárias e desiguais e
também com que a maioria dos cientistas fosse submetida a um processo de
“proletarização” no interior dos laboratórios e dos centros de investigação. Num
segundo aspecto, a investigação capital-intensiva tornou impossível o livre
acesso ao equipamento (instrumentos caros e raros), o que contribuiu para o
aprofundamento do fosso, em termos de desenvolvimento científico e
tecnológico, entre países centrais e periféricos (SANTOS, 1987, p. 35). Nesse
sentido, acrescentaria que nessa fase de transição a ciência é utilizada por
uma elite, dona de um discurso de autoridade, para fazer valer, e legitimar,
investimentos e ideologias. Portanto, a crise da racionalidade ocorre no interior
da ciência, mas no exterior dela o uso da racionalidade ainda rende frutos.
Diante disso, Santos vislumbra um paradigma emergente, provocado por
uma revolução que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela
ciência. “O paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma
científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um
paradigma social (o paradigma de uma vida decente)”. Este novo paradigma
está estruturado em quatro teses: 1) todo o conhecimento científico-natural é
científico-social; 2) todo conhecimento é local e total; 3) todo conhecimento é
autoconhecimento; 4) todo o conhecimento científico visa constituir-se em
senso comum. Destes, destaco o último, segundo o qual a ciência pós-
moderna deve se voltar para o senso comum. Santos afirma que na ciência
13
moderna (racionalista), o cientista era considerado um ignorante especializado
e o cidadão, um ignorante generalizado. Na ciência pós-moderna, porém, sabe-
se que nenhuma forma de conhecimento é racional; apenas a configuração de
todas elas é racional. Há, segundo o autor, um diálogo entre ciência e outras
formas de conhecimento, sendo a mais importante o senso comum, aquele
conhecimento vulgar e prático com o qual orientamos no cotidiano as ações,
dando sentido à vida.
Assim, Santos acredita que “a ciência moderna construiu-se contra o
senso comum que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós-
moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de
conhecimento algumas virtualidades para enriquecer nossa relação com o
mundo”. Portanto, é importante destacar o que Santos postula na sequência: é
certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento
mistificado e mistificador, mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem
uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo
com o conhecimento científico8
. O senso comum por si só é conservador, pode
legitimar prepotências. Mas interpenetrado pelo conhecimento científico, pode
estar na origem de uma nova racionalidade (SANTOS, 1987, p.57). Para que
isso ocorra, na avaliação de Santos, é preciso que se inverta a ruptura
epistemológica. Enquanto na ciência moderna a ruptura é representada pelo
salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento
científico; na ciência pós-moderna, o salto acontece do conhecimento científico
para o conhecimento do senso comum. Assim, para Santos: “só assim será
uma ciência transparente, que faz justiça ao desejo de Nietzsche ao dizer que
‘todo o comércio entre os homens visa que cada um possa ler na alma do
outro, e a língua comum é a expressão sonora dessa alma comum”.
Essa concepção de Santos, mais voltada a uma condição ideal, uma vez
que é desenvolvida durante o processo de transição de paradigmas, tem uma
mensagem forte que deve ser destacada. A necessidade que ele defende de
uma “sensocomunização” da ciência significa que a humanidade (as sociedade
de um modo geral) deve exercer mais a insegurança em relação à ciência, em
vez de sofrer suas consequências. Ou seja, trata-se de recuperar o próprio
espírito de Descartes, que exerceu a dúvida em vez de a sofrer. Mas dessa
8
Mais considerações de Boaventura de Sousa Santos sobre o senso comum: “o senso comum faz
coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da
criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se
colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se
afirma fiável e securizante. O senso comum é transparente e evidente, desconfia da opacidade dos
objetivos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso
ao discurso, à competência cognitiva e à competência linguística. O senso comum é superficial porque
desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas, por isso mesmo, é exímio em captar
a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso
comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o
produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que
existe tal como existe, privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real. Por último, o
senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade”.
14
vez, nessa transição de paradigmas, a dúvida é contra a própria autoridade
científica.
***
Aqui se faz necessário o retorno ao início do artigo. Diante dessa
exposição da problemática trazida por Boaventura de Sousa Santos,
retomemos a resposta de Feyerabend à jornalista: “ambos [cientistas e
cidadãos] devem colaborar. Talvez, em conjunto, possam a vir a progredir”. A
afirmação de Feyerabend estabelece relação com as ideias de Santos ao
também propor uma forma de aproximação entre o saber científico e o saber
dos cidadãos, incluindo nesse caso também as tradições e outras formas de
conhecimento. Feyerabend defende que a pesquisa científica não é um
privilégio de grupos especiais e o conhecimento científico não é a medida
universal da excelência humana9
. Tendo em vista tal afirmação, perguntamos
se a difusão de blogs que se dizem dedicados à ciência está, de fato,
conseguindo diversificar a cobertura jornalística da ciência, trazendo debates,
pontos de vista diversos e questionamentos por meio da confrontação de fatos
e teorias, ou se está somente amplificando, repercutindo e debatendo notícias
produzidas pelos veículos de comunicação tradicionais. Falaríamos, portanto,
não de um novo caráter do jornalismo de ciência, mas apenas de uma nova
máscara, que esconde velhos métodos de apuração.
Esse novo caráter, ou essa outra prática jornalística possibilitada pelos
blogs e pelas redes sociais na internet, tem por objetivo maior não a divulgação
pura dos fatos científicos, mas sim a tentativa constante de retirar da ciência o
privilégio de definir “racionalmente” o que é natureza ou da natureza. Como
afirma Rohden (2012), esse privilégio pode ter conseqüências graves. Um
delas é o fato da ciência moderna ser profícua em criar formas de
compreensão e intervenção associadas a complexas relações políticas e
enraizadas na disputa em torno de supostas diferenças entre o mundo natural
e o social. Essa habilidade acaba por favorecer a não crença do próprio
estatuto da ciência. Por essa razão, Rohden argumenta que os rótulos
“divulgação científica” ou “popularização da ciência” não dão conta de
descrever precisamente os processos da ciência, sustentando, assim, a tese
de que é preciso lançar mão de outros recursos que permitam pôr em xeque a
validade analítica dessas categorias nativas em prol de um entendimento mais
complexo ou desafiador.
Por conta disso, Rohden cita Ludwik Fleck, para tentar descrever a
relação entre a produção de conhecimento por grupos de especialistas e sua
circulação entre um público mais abrangente. Fleck, assim como Latour,
também vai falar de um “coletivo”, mas nesse caso, de um coletivo de
pensamento, para definir uma comunidade de pessoas que interagem e
promovem o intercâmbio de ideias e fornecem, assim, o suporte necessário
para o desenvolvimento histórico de um campo de pensamento. Se Latour fala
que é hora de reunir o coletivo, para “coletar" a multiplicidade de associações
de humanos e não-humanos, Fleck anteriormente já demonstrava que a
9
FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.
15
produção de conhecimento é um fenômeno social, e não individual. Tal
consideração de Fleck é importante para a discussão deste artigo, porque é
assim que podemos entender como surgem as formas particulares de perceber
e agir. Segundo Fleck, essas formas aparecem em um determinado coletivo,
que está associado a certo estilo de pensamento. É a partir disso que Rohden
explica os conceitos de círculo esotério e círculo exotérico de Fleck10
.
O primeiro compreende o terreno dos experts, sejam eles
especializados ou generalistas, que estariam diretamente envolvidos
com a produção do conhecimento. Sua forma de comunicação
privilegiada seriam os periódicos técnico-científicos e os livros de
referência ou manuais. O segundo diz respeito ao campo mais
abrangente dos “leigos mais ou menos instruídos”, sustentados por
periódicos de ciência popular ou de divulgação (ROHDEN, 2012, p.
238).
De acordo com esse ponto de vista, o saber exotérico é definido por uma
ciência simplificada e ilustrativa. Entretanto, esse saber exotérico é originado
do saber esotérico, ou seja, do saber especializado. Essa relação dependente
entre saber especializado e saber popular está no centro da reflexão de Fleck,
que deixa claro que essa relação é circular: se o saber exotérico é formado
pelo saber esotérico, o saber popular forma a opinião pública e a visão de
mundo, surtindo efeito retroativo também no especialista. Nesse ponto, Fleck
ainda acrescenta que sempre que uma comunicação é produzida, um saber se
torna mais exotérico e popular (ROHDEN, 2012, p. 239). Segundo Rohden
(2012, p. 239), as noções de Fleck sobre a interação mútua entre os dois
saberes adiantaram as discussões mais recentes sobre a noção de co-
produção. Assim, ao contrário de um movimento simples de transmissão e
recepção – baseado em conceitos antigos de comunicação -, tem-se a
promoção de ideias-chave que são ancoradas nos argumentos científicos em
voga. A partir dessa reflexão, podemos entender melhor como ocorre a
construção de conhecimento em ambientes mais complexos, como a internet.
No conceito de co-produção, o que se tem é o envolvimento simultâneo de
pesquisadores, médicos, jornalistas, consumidores, que produzem e
consomem discurso especializado na disseminação do conhecimento científico.
Isso, como sugere Rohden (2012, p. 240) vai muito além da tradução das
descobertas e explicações do conhecimento elaborado na academia. Trata-se
de um campo com fronteiras pouco delimitadas, no qual predominam cientistas
que passam a se dedicar a esse tipo de produção, voltada para a divulgação
da ciência, e jornalistas, editores e escritores que se tornam profissional
especializados em ciência.
10
Para Fleck, a ciência popular é a aquela praticada por não-especialistas e tem como característica “a
ausência de detalhes e principalmente de polêmicas, de modo que se consegue uma simplificação
artificial” (FLECK, 2010, p. 166).
16
Aqui, sustento a ideia de que essa relação entre o saber especializado e
o saber popular ainda está restrita a essa preocupação em facilitar, simplificar a
compreensão da informação científica bruta. Durante muitos séculos, o
conceito de divulgação científica elencou tais ambições como prioritárias, mas
não permitiu, de fato, uma interação entre saber popular e ciência. Talvez
porque a própria ciência tenha especializado demais seu discurso, codificando-
se de tal maneira que a simples decodificação é considerada o fim almejado
pela divulgação. No entanto, há por trás dessa aparentemente ingênua
ambição a consequente redução dos conceitos científicos a simples “receitas”,
como se a ciência naturalmente tivesse recebido um dom divino de ser uma
prática libertadora, esclarecedora. Não é difícil, portanto, encontrar na imprensa
especializada na cobertura científica, e também em livros de divulgadores, a
faceta da “autoajuda” científica, no formato de manuais de recomendações. A
função desses manuais, do tipo “saiba mais sobre tal assunto”, é indicar ao
público mais amplo quais os comportamentos a seguir em busca do seu bem
estar ou melhoria da condição de vida, principalmente em temas das ciências
da vida. No entanto, esse mesmo público que repercute as notícias na internet,
busca canais alternativos para comentar, avaliar o conteúdo e discordar,
trazendo, de outras fontes, outros pontos de vistas que não são abordados pela
reportagem.
É nesse sentido que se faz necessária a elaboração de um pensamento
que deixa de abordar o público de maneira pretensiosa, como se ele fosse
mero receptor, para entendê-lo como agente ativo, capaz de receber o
conhecimento que chega a ela de forma exotérica, para utilizar um termo de
Fleck, e promover uma reconfiguração, uma desconstrução: o conteúdo
exotérico é recebido pelo público, o qual também é formado por blogueiros,
cientistas amadores ou simplesmente interessados em ciência que, e passa
por uma nova reestruturação. Por exemplo, em determinado blog aquele
conteúdo pode ser confrontado com a opinião de alguém que discorda dos
pontos de vista apresentados no material de divulgação proveniente de uma
revista. Esse post do blog será repercutido nas redes sociais e em outros
blogs, alguns mais conhecidos e com maior acesso. No fim, o material original,
puramente exotérico, terá sido “destruído”, para que com seus destroços
tenham sido construídos novas abordagens. Essa co-produção, portanto, é
permanente, indefinida, descentralizada e, nas devidas proporções, desconstrói
a seguinte lógica:
Embasamento científico  Discurso do especialista  Autoridade no assunto 
consumo de expertise pelo público  senso comum proveniente do saber exotérico
A grande “batalha” do modelo colaborativo é exatamente combater o
processo pelo qual alguns pesquisadores tornam-se referências muito
frequentes em vários veículos, abrindo espaço para certa legitimação individual
por um lado, ao mesmo tempo em que ajuda a sustentar o “embasamento
científico” das publicações (ROHDEN, 2012, p. 242). Quando essa legitimação
individual ocorre, tem-se uma perspectiva extremamente danosa para a
17
democratização do conhecimento. Isso porque, como explicou Feyerabend
(2010, p.40), a exclusão de fontes, tradições culturais e teorias menos
conhecidas do público, em favorecimento de pensamentos únicos, isolados em
redomas, converte-se numa iniciativa autoritária, muitas vezes escondida por
trás de uma máscara da objetividade científica (e jornalística). Ainda que a
situação tenha melhorado desde que Feyerabend escreveu seu Adeus à
Razão, sendo o exemplo disso uma maior abertura da medicina ocidental para
tradições da medicina oriental, como a medicina chinesa e a acupuntura, é
possível identificar, nos dias atuais, uma prevalência por métodos que
receberam o aval da ciência. Segundo Feyerabend (2010, p. 41):
O cuidado dos idosos, o tratamento dos doentes mentais, a educação
das crianças pequenas (inclusive sua educação emocional), tudo isso
que pertence à área de bem-estar é deixado na mão de especialistas
nas sociedades industriais, mas estas são questões para a iniciativa
familiar ou comunitária em outros lugares; considere também que não
há nenhum critério de saúde que não seja ambíguo – o bem-estar é
avaliado de forma diferente em épocas diferentes e em culturas
diferentes – e ficará claro que a questão da excelência comparativa
de procedimentos científicos e não científicos nunca foi examinada de
uma maneira verdadeiramente científica (...) Isso não é uma
condenação da ciência. Só mostra uma vez mais que a escolha da
ciência e não de outras formas de vida não é uma escolha científica
(...) Melhorias na saúde foram muitas vezes resultado de comida
melhor e em maior quantidade, de saneamento, de melhores
condições de trabalho, de uma periodicidade das doenças principais
não relacionadas com tratamentos, e não de uma prática médica
melhor.
***
Diante desse quadro, pode-se concluir que a atividade jornalística
presente em blogs de ciência carrega em si um potencial para subverter
modelos arraigados da cobertura em ciência. Embora o presente artigo não
tenha se valido de uma verificação e uma avaliação técnica e quantitativa sobre
determinado número de blogs, a fim de se tirar aí dados preciso que
comprovem alguns conceitos aqui expostos, trata-se de um esforço inicial, no
plano teórico, de se compreender quais as circunstâncias epistemológicas que
envolvem a eclosão de novos canais de informação configurados como blogs.
O presente artigo procurou mostrar que a transição de uma ciência moderna
para outra, pós-moderna, ainda carrega muitos elementos que corroboram o
racionalismo científico, presente no discurso de autoridade da ciência – um
jogo de poder, discurso e legitimidade objetiva. Defende-se aqui que os novos
atores que emergem na internet, principalmente os blogs independentes,
representam a possibilidade real de interferir nessa lógica ainda forte e muitas
vezes sustentada pela imprensa tradicional. Trata-se, portanto, de um potencial
para formar redes conectadas capazes de re-formular o papel da ciência dentro
18
das culturas e das sociedades. Embora esse potencial possa desempenhar um
microcosmo quando comparado com o poder real das mídias tradicionais.
Em relação à forma e à estética, os blogs e portais independentes tem
podem desenvolver novas formas de linguagem na comunicação científica -
uma forma menos rígida, mais informal, capaz de mostrar, por exemplo, que os
resultados de uma pesquisa, na verdade, "sugerem algo", ao invés de "afirmam
que". Questiono, portanto, se esse potencial tem conseguido, na prática, criar
ou ampliar, no campo do discurso, uma divulgação mais humana, que mostre
fragilidades da ciência, que questione mais do que afirme.
Quanto à gestão da informação, diante do potencial de flexibilização do
discurso da divulgação na internet, é preciso ainda entender quais mecanismos
são capazes de expandi-lo. Nesse sentido, deve-se explorar o modelo
colaborativo no jornalismo de ciência. Isso consiste no aproveitamento da
contribuição não só de especialistas consagrados, mas de amadores, no
sentido de trazer a um tema específico informações que ajudem a
compreendê-lo. Nesse ponto, a contribuição de movimentos como o ciência
aberta e também a investida contra grandes editoras, como a Elsevier, à favor
da publicação aberta de papers e dados científicos, é fundamental para a
discussão sobre como o jornalismo de ciência por se beneficiar desse modelo
que busca disponibilizar dados na integra. Por exemplo: um blog que esteja
começando a cobrir um surto de uma virose em determinada região do país.
Nesse sentido, a divulgação científica pode cumprir um papel ativo, e não mais
passivo, ao se colocar como "protagonista", ao estabelecer uma rede que
receba contribuições de pessoas que se interessem pelo assunto e tenham
algo a acrescentar: a colaboração pode se dar por meio do envio de
comentários, papers, resultados preliminares de pesquisas de doutorado que
estão em andamento, mas que podem fornecer pistas para clarear um fato
ainda obscuro, ou mesmo conhecimentos tradicionais, que não passaram pelo
“crivo” científico.
Em meios tradicionais de divulgação, isso é inviável, uma vez que
existem procedimentos que filtram os atores em determinada área do
conhecimento, deixando passar apenas poucos especialistas. No modelo
colaborativo, o jornalismo possibilita a ampliação do debate em ambientes
científicos pouco abertos para o debate e a contestação - sendo que o
jornalista deixa de ser simples inter-mediador, para assumir uma posição de
"agente proliferador" de discursos, fomentador de debates, sem prejuízo de sua
faceta de editor, pois nesse modelo, mais do que nos outros, é importante
saber distinguir as contribuições relevantes daquelas que nada acrescentam ao
debate. E, diante da massa de informações que chegam de modo colaborativo,
o jornalista tem condições de consolidar uma material mais refinado.
19
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução Selvino José Assmann. – São
Paulo: Boitempo, 2007.
FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo:
Editora UNESP, 2010.
FEYERABEND, Paul. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. – 2ª
Ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2011.
HESSE, Reinhard. Por uma filosofia crítica da ciência. Goiânia: Editora da
Universidade Federal de Goiás, 1987.
LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia.
Tradução Carlos Aurélio Mota de Souza. – Bauru, SP: EDUSC, 2004.
PESSIS-PASTERNAK, Guitta. A ciência: deus ou diabo? Tradução Edgard
de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. – São Paulo: Editora UNESP, 2001.
ROHDEN, Fabíola. Prescrições de gênero via autoajuda científica: manual
para usar a natureza? In Ciências na Vida: Antropologia da ciência em
perspectiva. Org.: Claudia Fonseca, Fabiola Rohden, Paulam Sandrine
Machado. – São Paulo: Terceiro Nome, 2012.

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O conceito de proliferação, os blogs de ciência e a colaboração no jornalismo: uma abordagem teórica

  • 1. 1 O conceito de proliferação, os blogs de ciência e a colaboração no jornalismo: uma abordagem teórica Bruno de Pierro (RA 143746) São Paulo, julho de 2013 Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
  • 2. 2 Meu avô-macaco Aquele que Darwin buscou Me olha no galho: Busca a força dos caninos O vigor dos pulsos O arfar do peito O menear da cabeça O Trabalho Tudo se foi Nada mais resta Do fulgor primata Da força de boi Saber Saber mata [PAULO LEMINSKI] Nosso mundo não precisa de almas mornas. Precisa de almas ardentes, que saibam dar à moderação Seu verdadeiro lugar [ALBERT CAMUS, Combat, 26 de dezembro de 1944]
  • 3. 3 Na última década, o crescimento do número de blogs de ciência foi acompanhado, em paralelo, por uma também crescente conquista de espaço relevante na divulgação científica. Publicações impressas consagradas estão cedendo mais espaço para abrigar blogs de ciência, como forma de atender a uma demanda do público cada vez mais aberto a fontes de notícias mais dinâmicas na internet. O britânico The Guardian, por exemplo, atualmente conta com 13 blogs sobre ciência, cobrindo temas variados. Revistas tradicionais na cobertura científica também dedicam sessões para blogs especializados, muitos dos quais considerados referência na divulgação científica, com prestígio entre cientistas. A revista Scientific American, outro caso, contabiliza 63 blogs de ciência, enquanto a National Geographic possui uma sessão especial, chamada Phenomena, na qual reúne quatro blogs de ciência que se tornaram muito conhecidos. E mesmo as prestigiadas Nature e Science também adotaram o formato do blog para introduzir conteúdos que vão além da notícia, tais como comentários e discussões, de maneira mais ágil e menos formal1 . Essa tomada de espaço dos blogs dentro dos sites de grandes publicações impressas representa uma estratégia que tenta acompanhar o ritmo acelerado do surgimento de blogs que cobrem ciência de forma independente - ou seja, aqueles que não mantêm associação direta a um tradicional veículo de comunicação e muitas vezes são escritos por cientistas ou jornalistas que não ocupam lugar de prestígio ou não são tão famosos para um grande público, ou, então, por amadores. Em outras áreas de cobertura jornalística, como política e movimentos sociais, não faltam exemplos de como o ativismo em blogs tem conseguido romper com técnicas arraigadas de jornalismo dentro de um novo contexto de democracia digital. A transformação permanente a que tem sido submetida a comunicação, com novas ferramentas tecnológicas de produção, armazenamento e compartilhamento de informação, possibilita um novo modo de produção jornalística, que emerge fora das redações. Nassif (2012)2 ressalta que com o avanço significativo da internet, a proliferação de redes sociais, bancos de dados, sites especializados e recursos de multimídia tem mudado o espectro do jornalismo. A primeira grande mudança, de acordo com ele, é que o jornalista tem perdido a prerrogativa da notícia: no modelo tradicional, para que um determinado assunto ou dado se tornasse notícia, necessitava da interferência do jornalista, representando um veículo de mídia. No novo modelo, as barreiras para a produção de notícias perdem a força. 1 Ver A ascensão dos blogues de ciência, em Ciência Hoje (02/07/2013). Link: http://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/2013/07/a-ascensao-dos-blogues-de- ciencia/discussion_reply_form 2 NASSIF, Luis. Os novos horizontes do jornalismo. Blog do Luis Nassif, setembro de 2012. Disponível em http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-novos-horizontes-do-jornalismo
  • 4. 4 Associações, ONGs, movimentos sociais, pessoas físicas, todos produzirão suas próprias notícias, às especialidades atuais do jornalista, serão agregadas outras competências: a pessoa que, além de reportar, sabe filmar, editar vídeo, montar aplicativos para prospectar bancos de dados públicos (NASSIF, 2012). Assim, a massa de blogs alternativos e a proliferação de comentários e contribuições pelas redes sociais passam a competir com notícias mais estáticas produzidas pelas mídias tradicionais. Com a vasta quantidade de informações disponíveis, será exigida do jornalista uma visão de gestão do conhecimento. O repórter deixa de ser o protagonista da reportagem para se transformar no mediador, "a pessoa capaz de estimular uma discussão pela internet e extrair dela as conclusões necessárias para escrever a matéria". Nesse contexto, em que o caráter aberto da internet permite com que a produção de conteúdos não esteja sob domínio de grandes corporações - embora os equipamentos, as plataformas e as grandes redes sociais continuem concentrados nas mãos de poucos -, é possível identificar uma transformação do leitor, que deixa de ser um agente passivo, para também se tornar um produtor de informação. Esse processo começa a dar sinais de que está, de fato, abalando as estruturas das mídias tradicionais. De acordo com o Índice de Confiança Social (ICS), uma pesquisa feita anualmente pelo Ibope Inteligência desde 2009, a credibilidade dos meios de comunicação está em queda. De 71%, em 2009, para 65%, em 2011. São muitos os fatores que explicam essa perda de credibilidade, tendo como base o que muitos autores apontam como uma crise de representação das instituições tradicionais, compreendendo desde a arte até a política. Com o surgimento de novos atores, a complexidade do cotidiano é exposta de maneira nítida diante das sociedades, expondo consigo uma multiplicidade da vida antes simplificada. As contradições e os grandes paradoxos não podem mais ser reduzidos ou representados como o foram até agora. Isso é acompanhado de uma crescente demanda social por mais transparência da vida pública - e também privada - e também do surgimento de novos mecanismos de ativismo social ancorado na internet. No âmbito da divulgação científica, faz-se necessária uma reflexão mais centrada no caso particular dos blogs de ciência, no sentido de observar se eles carregam em si o potencial para romper com o modelo de cobertura da ciência e de temas ligados a ela, como a política científica e tecnológica, e possibilitar, de fato, uma verdadeira proliferação de debates, idéias e teorias em torno dessa cobertura tradicional. Essa é a condição essencial para que haja de fato uma democratização de conhecimentos e, mais do que isso, que seja possível colocar à disposição do leitor-autor o acesso às mais diversas linhas de pensamento, pontos de vistas e teorias que emergem em torno de um tema, e não apenas que sejam acessadas as teorias “campeãs” ou explicações que foram legitimadas pela ciência. No caso do debate em torno da biodiversidade, por exemplo, a integração de conhecimentos científico, indígena e tradicional na caracterização, conservação, restauração e uso sustentável dos recursos genéticos é atualmente um desafio.
  • 5. 5 Entende-se aqui o modelo de cobertura tradicional da ciência justamente aquele baseado num sistema no qual o jornalista ainda é o protagonista da informação, ou seja, quem decide a pauta, realiza a pesquisa, busca as fontes de informação e define a linha editorial que conduzirá a confecção da reportagem. Nesse modelo, é ainda forte o papel dos cientistas, que de um modo geral carregam um discurso de autoridade, muitas vezes reproduzido nas matérias jornalísticas. Como aponta Hesse (1987, p. 90), o Racionalismo Crítico na ciência fez com que sua justificação dependesse, em última análise, do fato de os respectivos sábios estabelecidos na ciência concordarem efetivamente entre si. Essa maneira de “democratização” ou “liberalização” da verdade, diz o autor, constitui uma variante moderna da antiga verdade por autoridade. Nesse sentido, há a crença de que o mais forte não apenas se impõe “darwinianamente”, como também nas ciências o mais forte também é o mais certo3 . Essa noção de que é preciso colocar à disposição a diversidade cultural das sociedades, em detrimento de uma visão unilateral que elege a ciência como principal meio para obtenção do conhecimento verdadeiro, está na base da obra do filósofo da ciência austríaco Paul Feyerabend (1924-1994), para quem há pouca discussão sobre a grande variedade de disciplinas científicas, escolas, métodos, respostas. “Tudo o que obtemos é um monstro monolítico, a ciência, que, segundo dizem, segue um caminho e fala uma única voz”4 . Embora Feyerabend tenha admitido, no prefácio que escreveu em 1992 para a terceira edição de Contra o Método, que muita coisa mudou desde quando publicou o livro pela primeira vez, em 1975, ele destaca que a nova situação, de mais abertura para controvérsias, ainda requer uma nova filosofia e novos termos. E também explica que a nova situação levanta a questão da ciência versus a democracia, tratando-se, portanto, de uma questão humanitária, não intelectual. Esse, inclusive, é o ponto central da obra de Feyerabend: 3 Sobre este assunto, HESSE ainda expõe que conceber a verdade como verdade por comunicação corresponde à concepção de verdade adotada pela Teoria Crítica. “Segundo tal concepção, a idéia do consenso não coarctado (sem limites) é condição para a comunicação em geral, continuando a sê-lo, portanto, mesmo para as distorções comunicativas da mentira e da pressão. Correspondentemente, também, só chega a ter um sentido falar em verdade quando com isto se quer dizer verdade por consenso. Um dos méritos da Teoria Crítica, talvez até o mais importante deles, foi o de ter levado a esta noção central. Mesmo assim, também aqui se hesitará em falar sem mais de verdade por fundamentação, pois fundamentação se liga em geral à idéia de uma elaboração metódica da intenção de validar orientações. Sabidamente, contudo, a Teoria Crítica nem pôs à disposição possibilidades metódicas correspondentes nem faz um uso digno de nota das possibilidades entrementes já disponíveis, em particular das possibilidades oriundas da crítica da linguagem”. 4 FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.
  • 6. 6 Se a ciência não é mais uma unidade, se partes diferentes dela procedem de maneiras radicalmente diferentes e se as conexões entre essas maneiras são ligadas a episódios particulares de pesquisa, então os projetos científicos têm de ser considerados individualmente 5 . Isso, segundo ele, é essencial para as políticas científicas, que, no final da década de 1960, passaram a abandonar a ideia de uma política científica abrangente. Portanto, agências governamentais não mais financiam “a ciência”, mas sim projetos particulares. E é aí que Feyerabend traz a seguinte consideração: “então a palavra ‘científico’ não pode mais excluir projetos ‘não científicos”. Os não especialistas frequentemente sabem mais do que os especialistas e deveriam, portanto, ser consultados, e que profetas da verdade (incluindo os que empregam argumentos) em geral são impelidos por uma visão que coflita com os próprios evento que, supõe-se, essa visão estaria explorando (...) Profissionais lidando com os componentes ecológicos, sociais e médicos da assistência para o desenvolvimento perceberam, entrementes, que a imposição de procedimentos “racionais” ou “científicos”, embora ocasionalmente benéfica (supressão de alguns parasitas e doenças infecciosas), pode levar a sérios problemas materiais e espirituais. Eles não abandonaram, no entanto, o que aprenderam na universidade, mas combinaram esse conhecimento com crenças e costumes locais e estabeleceram, assim, um elo bastante necessário com os problemas da vida que nos cercam por toda parte, no Primeiro, no Segundo e no Terceiro Mundos (FEYERABEND, 2010, p.17). Esse artigo, portanto, baseia-se em alguns dos conceitos de Feyerabend, Santos e Latour – autores que desenvolveram trabalhos no campo da filosofia da ciência – para sustentar uma reflexão sobre o papel que blogs de ciência, em conjunto com redes sociais na internet, podem exercer em um novo modelo de jornalismo colaborativo que se configura nos últimos anos. Parte-se da ideia central de que é preciso cessar a separação entre ciência e não-ciência, e que o principal, mas não único, caminho que desponta para executar essa ação é representado pelos blogs e pelo jornalismo colaborativo especializado na cobertura de ciência. Dessa forma, pode-se ter como finalidade evitar a segregação entre o discurso especializado e inatingível do cientista (do teórico, do filósofo e dos especialistas em geral) e os discursos de amadores6 , que são capazes de trazer, pela participação colaborativa, novos 5 FEYERABEND, Paul. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. – 2ª Ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2011. 6 Deve-se fazer uma distinção clara entre amadores e não-profissionais. O sentido que se quer empregar aqui ao se usar a expressão “amadores” está relacionado ao conceito de ciência cidadã, feita por um conjunto de colaboradores que na sua totalidade ou em parte não são cientistas profissionais. Portanto, é preciso levar em conta que a participação de pesquisadores que não são consagrados pela mídia em
  • 7. 7 questionamentos, novas conexões, sugestões de pauta ou informações que ajudam o jornalista a destravar obstáculos impostos pela ciência ainda racionalista em parte. No entanto, uma pesquisa mais apurada deverá ser realizada para verificar se de fato os blogs conseguem, na prática, promover um pluralismo de conceitos e vozes dentro dos debates da ciência. Não se trata apenas da simples busca pelo contraditório, discurso este sempre reavivado pelo jornalismo cada vez que se discute a questão da objetividade. Também não se trata da simples disponibilização do campo “comentários” em baixo de reportagens publicadas na internet, como espaço destinado exclusivamente para que leitores manifestem suas opiniões sobre um artigo jornalístico que já está pronto e acabado. Os canais de colaboração de que essa pesquisa se aproxima, teoricamente, às ideias de Feyerabend, que defendia com paixão uma ciência mais tolerante à diversidade e menos aberta às certezas uniformizantes e homogeneizantes da tradicional racionalidade científica, que, como veremos com Santos, embora esteja em transição para uma ciência dita pós-moderna, ainda persiste no discurso da ciência. Ao defender a tese de que a ciência comporta muitos métodos, e não apenas um, Feyerabend chamou atenção para o fato de que é preciso levar em conta as adaptações regionais, que propciam inovações de acordo com as especificidades do local e as tradições culturais presentes. Nesse contexto, é necessário entender como o jornalismo de ciência pode contribuir para além da simples divulgação científica, ao incorporar problemas da própria filosofia da ciência e desenvolver novos mecanismos que iluminem as ciências e não a ciência, ou seja, modos de se fazer ciência (regional) sem que esta precise o tempo todo se legitimar perante os modelos impostos por outros. Será, então, que os blogs que cobrem ciência estão conseguindo afrouxar essa pauta da divulgação científica, ao incorporar a própria problemática aqui exposta? As novas vozes que surgem, e que falam sobre ciência e tecnologia em blogs e outros instrumentos da internet, podem, de fato, promover um ambiente de proliferação de ideias, teorias e visões que conflitam dentro da própria ciência, mostrando que ela, a ciência, está mais para uma tempestade do que para um mar em calmaria? E qual o papel do jornalismo científico realizado em blogs para a promoção de debates sobre os conflitos da ciência? Por que não divulgar um conhecimento tradicional que geral, e especificamente pela imprensa especializada, passa a se tornar relevante em ambientes virtuais que permitem a colaboração. Essa massa de “amadores” tem cada vez mais tomado espaço na internet. Um exemplo é o blog Retraction Watch, dedicado especificamente à retratação de artigos científicos nos quais são encontradas fraudes, falhas e outros elementos de má conduta científica, como plágio. Em entrevista ao portal Observatório da Imprensa em setembro de 2012, a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sonia Vasconcelos, especializada em integridade científica, afirmou que pesquisadores científicos devem unir esforços com jornalistas para responder a demandas de um público cada vez mais atento à qualidade da comunicação científica, numa época em que a velocidade de informação e outros fatores ampliam, sintomaticamente, a prática da retratação. A entrevista está disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_comunicacao_cientifica_para_um_pu blico_mais_atento
  • 8. 8 ainda não foi completamente entendido pela ciência, e pelo qual ela ainda não se interessou, mas que é compreendido por uma população indígena? Será que, ao ser refém da ciência, a divulgação científica não tem servido como porta-estandarte – ou porta-voz – de um método que tenta se impor sobre outras formas de conhecimento, como a arte, a metafísica, a medicina chinesa? E como os blogs de ciência podem representar justamente a força que surge para contrapor essa divulgação jornalística estática e simplista, muitas vezes apolítica? * * * As mudanças em nível macro apontadas por Feyerabend podem ser verificadas no campo da ciência com mais clareza quando tentamos compreender o momento de transição pelo qual ela, a ciência, passa. E também quando entendemos que há a necessidade de se incluir, no contexto da ciência, uma abordagem que leve em conta o coletivo, os cidadãos. Há, antes de tudo, que se fazer uma explicação necessária: esse artigo sustenta a ideia de que o (novo) jornalismo digital é capaz de contribuir, externamente, para essa abertura da ciência, num processo de fora para dentro. Isso, conseqüentemente, justifica o importante papel do chamado “jornalismo científico” para a construção de uma nova ciência – ou então, para a construção de uma nova representação da ciência. Esse papel certamente vai além da simples divulgação do status quo da ciência e do modus operandi da ciência. Esse jornalismo aberto às vozes dos mais diversos setores da sociedade contribui exatamente quando amplia e amplifica canais de contestação da ciência, capazes de re-ligar o conhecimento científico ao cidadão. Contudo, esse re-ligar não consiste numa aceitação passiva dos conceitos científicos prontos e acabados, mas sim num re-ligar crítico, profano, consciente dos poderes da ciência e também de seus limites. No contexto da chamada Constituição modernista, agora em declínio, Latour (1999) explica que a vida política foi dividida em câmaras, formando assembléias igualmente ilícitas: a Ciência, que definia o mundo fora de todo processo público; e a Política, que devia contentar-se com "as relações de forças", com a multiplicidade de pontos de vista, com a única habilidade maquiavélica. Ambas, nos entanto, possuíam uma estratégia para colocar fim à discussão: a razão indiscutível, a indiscutível força. Cada uma das câmaras ameaçava a outra de exterminação. Apenas o terceiro termo sofreu com esta longa guerra fria, o Terceiro Estado, o coletivo, para sempre privado de uma competência política e científica que nem os atalhos da força, nem os da razão, encurtariam os canais (...) Servindo-se da objetividade para abreviar os processos políticos, ousou-se confundir as ciências com esse atalho que a violência autorizava - e tudo isso em nome da mais alta moral e da mais melindrosa das virtudes! Com a natureza queria-se passar à força, isto é, com razão. Sim, uma verdadeira impostura intelectual, felizmente tornada sem efeito. (LATOUR, 1999, p. 108 - 110)
  • 9. 9 Certo de que agora a irrupção da natureza não paraliza mais a composição progressiva do mundo comum, Latour defende que é necessário "convocar o coletivo” Esse coletivo está encarregado de “coletar" a multiplicidade de associações de humanos e não-humanos, sem recorrer à brutal segregação entre as qualidades primárias e as secundárias que pemitiram até aqui exercer em segredo funções privilegiadas. Essa competência do “Terceiro Estado", da res publica (os cidadãos), contudo, nunca deixou de existir; ela, na verdade, sobrevivia de forma oculta em um duplo problema de representação, que, segundo o autor, a antiga Constituição obrigava a tratar separadamente: "a epistemologia desejosa de saber que a condição pode ter uma representação exata da realidade exterior; a filosofia política buscando sob que condição um mandatário pode representar fielmente seus semelhantes". Os traços comuns destas duas questões não podem ser reconhecidos; trata-se de uma segregação radical entre as questões de natureza e as questões políticas. Na obra A Ciência: Deus ou o Diabo, publicada em 1999, a jornalista francesa Guitta Pessis-Pasternak reúne 23 entrevistas com cientistas e pensadores da ciência e da tecnologia, entre eles Paul Caro e Pierre Lévy, com o objetivo de expor e discutir as controvérsias que circundam o mundo científico. Mais do que investir em uma simples provocação, a jornalista busca se distanciar dos grandes temas científicos que à época – final a década de 1990 - provocavam encanto, admiração e curiosidade (e ainda o provocam, mas de acordo com novas orientações), tais como a neurociência e a inteligência artificial, a biotecnologia e a questão da clonagem e também os avanços das tecnologias da informação. O distanciamento é conduzido no sentido de uma reflexão sobre os limites da ciência enquanto cultura que, ao longo de séculos, conquistou espaço privilegiado perante outras culturas, no que se refere à interpretação da vida (seus fenômenos) e definição de explicações sobre o mundo. Duas passagens do livro de Pessis-Pasternak chama a atenção. A primeira está na entrevista com o biólogo e filósofo chileno Francisco Varela (1946-2001). Questionado sobre o que a ciência sabia, naquele momento, sobre a consciência, Varela aborda, em sua resposta, a ideia de que mesmo com as novas tecnologias, capazes de permitir apreender os fenômenos conscientes por meio de processos cerebrais, os cientistas precisam criar uma nova ciência da consciência, em que a subjetividade não fosse reduzida nem oculta, mas central (PESSIS-PASTERNAK, 2001). Logo em seguida, o biólogo destaca a importância de uma antiga tradição de observação mental, a tradição budista de treinamento do espírito, como forma de afirmar que a riqueza de algumas tradições e culturas não-científicas podem contribuir para o aprimoramento de métodos mais rigorosos da ciência. Isso, explica Varela, para que ocorra “uma verdadeira revolução científica, a exemplo daquelas provocadas pela mecânica quântica e pela teoria da relatividade no começo do outro século”. A segunda passagem é identificada na entrevista realizada com Feyerabend. Pessis-Pasternak pergunta: Como autêntico democrata, o senhor adverte, justamente, sobre os perigos da concentração excessiva do poder nas mãos
  • 10. 10 dos tecnocratas e, para remediá-lo, deseja que a discussão se efetive na ágora. Mas nossas sociedades não são excessivamente complexas para esse gênero de utopia? A resposta de Feyerabend é a seguinte: Essa constatação já havia sido feita por Platão; ele afirmava que as pessoas não compreendiam nada na cidade, e tinham necessidade de experts para guiá-las. Na realidade, a vida em sociedade é muito imbricada e, por isso, todas as belas teorias – entre elas as que concernem ao mundo material, aparentemente mais simples – sucumbem em razão de suas numerosas lacunas. Quanto a mim, adoraria impedir que uma elite imponha sua superioridade sobre uma “minoria silenciosa”. É justamente porque a complexidade e o mistério da vida ultrapassam a compreensão dos cidadãos e dos cientistas que ambos devem colaborar. Talvez, em conjunto, possam vir a progredir. (Feyerabend, em PESSIS-PASTERNAK, 2001 – grifos nossos). Por entre esses dois momentos registrados no livro da autora francesa, pode-se identificar um fio condutor, um denominador comum, que é exatamente um posicionamento crítico da ciência. No primeiro caso, temos um pesquisador da consciência que embora considere que certos “mistérios” da mente humana tenham sido desvendados pelo progresso científico e tecnológico - ou seja, admita que a pesquisa científica tenha modificado a concepções clássicas, ao determinar que certas faculdades mentais específicas não são mais mistério, pois funcionam sobre bases materiais – reconheça também que “o fenômeno da subjetividade não é nem eliminável, nem um simples epifenômeno”. Nesse sentido, Varela fala de uma minoria de cientistas que concordam que a subjetividade, no estudo sobre a consciência, representa um elemento verdadeiro de realidade, “outro nível ontológico”. E, para isso, defende a criação de um novo método científico, que está, segundo ele, ausente no Ocidente. No segundo caso, Feyerabend, famoso por seus posicionamentos considerados anárquicos pelo senso comum (uma epistemologia anárquica), talha um pensamento combativo, direcionado contra uma ciência racionalista que tentar impor principalmente suas leis e seus métodos – mas também seu modo de ser, sentir e comunicar – em detrimento de outras formas de conhecimento. Para o filósofo, que morreu antes que o ciberespaço como o conhecemos começasse a ganhar formas mais nítidas, já era clara a necessidade de mecanismos capazes de ampliar a colaboração e a interação entre cidadãos (não-especialistas ou especialistas amadores) e cientistas. A principal missão de Feyerabend era, como ele próprio havia enfatizado, “impedir que as pessoas imponham suas opiniões aos outros, que devem não apenas segui-las, mas sobretudo financiá-las” (PESSIS-PASTERNAK, 2001). Segundo Boaventura de Sousa Santos, o atual momento é de transição: de uma ciência moderna, guiada pelo modelo de racionalidade a partir do século XVI, para uma ciência pós-moderna, com um novo paradigma emergente. No modelo de racionalidade, identifica-se também um modelo
  • 11. 11 totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautam pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 1987). Esse modelo possibilita apenas uma só forma de conhecimento verdadeiro e é reduzido a duas distinções fundamentais: a) entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum e b) entre natureza e pessoa humana. Conforme salienta Santos (1987), nessa visão de mundo, que teve seu apogeu no século XIX, a natureza é apenas extensão e movimento, apresentando caráter passivo, eterno e reversível. Além disso, a natureza é tomada como mecanismo cujos elementos podem ser desmontados e depois relacionados na forma de leis. Com base nestes pressupostos o conhecimento científico avança pela observação descomprometida e livre, sistemática e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais. O Novum Organum opõe a incerteza da razão entregue a si mesma à certeza da experiência ordenada. Ao contrário do que pensa Bacon, a experiência não dispensa a teoria prévia, o pensamento dedutivo ou mesmo a especulação, mas força qualquer deles a não dispensarem, enquanto instância de confirmação última, a observação dos factos (SANTOS, 1987, p. 13) O método científico racionalista é baseado, portanto, na premissa segundo a qual o que não é quantificável é cientificamente irrelevante, reforçando assim a redução da complexidade. Santos cita Descartes, para quem o método consiste em “dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto for possível e requerido para melhor as envolver” 7 . No final do século XX, Santos identifica uma crise do paradigma dominante, marcada por uma revolução científica que se iniciou com Einstein e a mecânica quântica. A base desta crise é, segundo o autor, o resultado interativo de uma pluralidade de condições. Além de Einstein, com a teoria da relatividade, e a física quântica, acompanhada pelo teorema da incompletude de Gödel, outra condição teórica da crise do paradigma da racionalidade newtoniana é representada pelos avanços da microfísica, da química e da biologia a partir dos anos 1960. Algumas teorias, como a das estruturas dissipativas e o princípio da ordem através de flutuações, trazem novas concepções de matéria e natureza incompatíveis com o que foi elaborado pela física clássica. Conforme explica o sociólogo, desenvolve-se uma nova tomada de consciência, na qual predomina a história, em vez da eternidade; a imprevisibilidade, em vez do determinismo; 7 Esta concepção sustenta o que Boaventura de Sousa Santos chama de divisão primordial, isto é, a distinção entre condições iniciais e leis da natureza. De acordo com ele, “as condições iniciais são o reino da complicação, do acidente e onde é necessário selecionar as que estabelecem as condições relevantes dos fatos a observar; as leis da natureza são o reino da simplicidade e da regularidade, onde é possível observar e medir com rigor”. Essa distinção, embora leve em conta as leis da natureza, não pode ser considerada como uma visão natural, pois se configura em uma seleção arbitrária.
  • 12. 12 a interpenetração, em vez do mecanicismo; a irreversibilidade, em vez da reversibilidade; a desordem, em vez da ordem; a criatividade e o acidente, em vez da necessidade. No entanto, Santos salienta que não restam dúvidas que o que a ciência ganhou em rigor, com a crise do paradigma da racionalidade, ela perdeu em capacidade de auto-regulação. Essa perda se consolida quando a ciência se alia definitivamente ao capital. As ideias da autonomia da ciência e do desinteresse do conhecimento científico, que durante muito tempo constituíram a ideologia espontânea dos cientistas, colapsaram perante o fenômeno global da industrialização da ciência a partir sobretudo das décadas de trinta e quarenta. Tanto nas sociedades capitalistas como nas sociedades socialistas de Estado do leste europeu, a industrialização da ciência acarretou o compromisso desta com os centros de poder econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das prioridades científicas (SANTOS, 1987). Ora, se por um lado o pensamento – o método – científico vem, nas últimas décadas, sofrendo a transição de um modelo racionalista para outro mais aberto às incertezas e subjetividades, por outro lado a industrialização da ciência tem se manifestado cada vez mais não apenas no nível das aplicações da ciência, mas também no nível da organização da própria investigação científica. Esse processo, segundo Santos, produziu dois efeitos. Em um primeiro aspecto, a comunidade científica estratificou-se, fazendo com que as relações de poder entre cientistas tornassem-se mais autoritárias e desiguais e também com que a maioria dos cientistas fosse submetida a um processo de “proletarização” no interior dos laboratórios e dos centros de investigação. Num segundo aspecto, a investigação capital-intensiva tornou impossível o livre acesso ao equipamento (instrumentos caros e raros), o que contribuiu para o aprofundamento do fosso, em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, entre países centrais e periféricos (SANTOS, 1987, p. 35). Nesse sentido, acrescentaria que nessa fase de transição a ciência é utilizada por uma elite, dona de um discurso de autoridade, para fazer valer, e legitimar, investimentos e ideologias. Portanto, a crise da racionalidade ocorre no interior da ciência, mas no exterior dela o uso da racionalidade ainda rende frutos. Diante disso, Santos vislumbra um paradigma emergente, provocado por uma revolução que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência. “O paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente)”. Este novo paradigma está estruturado em quatro teses: 1) todo o conhecimento científico-natural é científico-social; 2) todo conhecimento é local e total; 3) todo conhecimento é autoconhecimento; 4) todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum. Destes, destaco o último, segundo o qual a ciência pós- moderna deve se voltar para o senso comum. Santos afirma que na ciência
  • 13. 13 moderna (racionalista), o cientista era considerado um ignorante especializado e o cidadão, um ignorante generalizado. Na ciência pós-moderna, porém, sabe- se que nenhuma forma de conhecimento é racional; apenas a configuração de todas elas é racional. Há, segundo o autor, um diálogo entre ciência e outras formas de conhecimento, sendo a mais importante o senso comum, aquele conhecimento vulgar e prático com o qual orientamos no cotidiano as ações, dando sentido à vida. Assim, Santos acredita que “a ciência moderna construiu-se contra o senso comum que considerou superficial, ilusório e falso. A ciência pós- moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de conhecimento algumas virtualidades para enriquecer nossa relação com o mundo”. Portanto, é importante destacar o que Santos postula na sequência: é certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador, mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico8 . O senso comum por si só é conservador, pode legitimar prepotências. Mas interpenetrado pelo conhecimento científico, pode estar na origem de uma nova racionalidade (SANTOS, 1987, p.57). Para que isso ocorra, na avaliação de Santos, é preciso que se inverta a ruptura epistemológica. Enquanto na ciência moderna a ruptura é representada pelo salto qualitativo do conhecimento do senso comum para o conhecimento científico; na ciência pós-moderna, o salto acontece do conhecimento científico para o conhecimento do senso comum. Assim, para Santos: “só assim será uma ciência transparente, que faz justiça ao desejo de Nietzsche ao dizer que ‘todo o comércio entre os homens visa que cada um possa ler na alma do outro, e a língua comum é a expressão sonora dessa alma comum”. Essa concepção de Santos, mais voltada a uma condição ideal, uma vez que é desenvolvida durante o processo de transição de paradigmas, tem uma mensagem forte que deve ser destacada. A necessidade que ele defende de uma “sensocomunização” da ciência significa que a humanidade (as sociedade de um modo geral) deve exercer mais a insegurança em relação à ciência, em vez de sofrer suas consequências. Ou seja, trata-se de recuperar o próprio espírito de Descartes, que exerceu a dúvida em vez de a sofrer. Mas dessa 8 Mais considerações de Boaventura de Sousa Santos sobre o senso comum: “o senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante. O senso comum é transparente e evidente, desconfia da opacidade dos objetivos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência linguística. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas, por isso mesmo, é exímio em captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe, privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real. Por último, o senso comum é retórico e metafórico; não ensina, persuade”.
  • 14. 14 vez, nessa transição de paradigmas, a dúvida é contra a própria autoridade científica. *** Aqui se faz necessário o retorno ao início do artigo. Diante dessa exposição da problemática trazida por Boaventura de Sousa Santos, retomemos a resposta de Feyerabend à jornalista: “ambos [cientistas e cidadãos] devem colaborar. Talvez, em conjunto, possam a vir a progredir”. A afirmação de Feyerabend estabelece relação com as ideias de Santos ao também propor uma forma de aproximação entre o saber científico e o saber dos cidadãos, incluindo nesse caso também as tradições e outras formas de conhecimento. Feyerabend defende que a pesquisa científica não é um privilégio de grupos especiais e o conhecimento científico não é a medida universal da excelência humana9 . Tendo em vista tal afirmação, perguntamos se a difusão de blogs que se dizem dedicados à ciência está, de fato, conseguindo diversificar a cobertura jornalística da ciência, trazendo debates, pontos de vista diversos e questionamentos por meio da confrontação de fatos e teorias, ou se está somente amplificando, repercutindo e debatendo notícias produzidas pelos veículos de comunicação tradicionais. Falaríamos, portanto, não de um novo caráter do jornalismo de ciência, mas apenas de uma nova máscara, que esconde velhos métodos de apuração. Esse novo caráter, ou essa outra prática jornalística possibilitada pelos blogs e pelas redes sociais na internet, tem por objetivo maior não a divulgação pura dos fatos científicos, mas sim a tentativa constante de retirar da ciência o privilégio de definir “racionalmente” o que é natureza ou da natureza. Como afirma Rohden (2012), esse privilégio pode ter conseqüências graves. Um delas é o fato da ciência moderna ser profícua em criar formas de compreensão e intervenção associadas a complexas relações políticas e enraizadas na disputa em torno de supostas diferenças entre o mundo natural e o social. Essa habilidade acaba por favorecer a não crença do próprio estatuto da ciência. Por essa razão, Rohden argumenta que os rótulos “divulgação científica” ou “popularização da ciência” não dão conta de descrever precisamente os processos da ciência, sustentando, assim, a tese de que é preciso lançar mão de outros recursos que permitam pôr em xeque a validade analítica dessas categorias nativas em prol de um entendimento mais complexo ou desafiador. Por conta disso, Rohden cita Ludwik Fleck, para tentar descrever a relação entre a produção de conhecimento por grupos de especialistas e sua circulação entre um público mais abrangente. Fleck, assim como Latour, também vai falar de um “coletivo”, mas nesse caso, de um coletivo de pensamento, para definir uma comunidade de pessoas que interagem e promovem o intercâmbio de ideias e fornecem, assim, o suporte necessário para o desenvolvimento histórico de um campo de pensamento. Se Latour fala que é hora de reunir o coletivo, para “coletar" a multiplicidade de associações de humanos e não-humanos, Fleck anteriormente já demonstrava que a 9 FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.
  • 15. 15 produção de conhecimento é um fenômeno social, e não individual. Tal consideração de Fleck é importante para a discussão deste artigo, porque é assim que podemos entender como surgem as formas particulares de perceber e agir. Segundo Fleck, essas formas aparecem em um determinado coletivo, que está associado a certo estilo de pensamento. É a partir disso que Rohden explica os conceitos de círculo esotério e círculo exotérico de Fleck10 . O primeiro compreende o terreno dos experts, sejam eles especializados ou generalistas, que estariam diretamente envolvidos com a produção do conhecimento. Sua forma de comunicação privilegiada seriam os periódicos técnico-científicos e os livros de referência ou manuais. O segundo diz respeito ao campo mais abrangente dos “leigos mais ou menos instruídos”, sustentados por periódicos de ciência popular ou de divulgação (ROHDEN, 2012, p. 238). De acordo com esse ponto de vista, o saber exotérico é definido por uma ciência simplificada e ilustrativa. Entretanto, esse saber exotérico é originado do saber esotérico, ou seja, do saber especializado. Essa relação dependente entre saber especializado e saber popular está no centro da reflexão de Fleck, que deixa claro que essa relação é circular: se o saber exotérico é formado pelo saber esotérico, o saber popular forma a opinião pública e a visão de mundo, surtindo efeito retroativo também no especialista. Nesse ponto, Fleck ainda acrescenta que sempre que uma comunicação é produzida, um saber se torna mais exotérico e popular (ROHDEN, 2012, p. 239). Segundo Rohden (2012, p. 239), as noções de Fleck sobre a interação mútua entre os dois saberes adiantaram as discussões mais recentes sobre a noção de co- produção. Assim, ao contrário de um movimento simples de transmissão e recepção – baseado em conceitos antigos de comunicação -, tem-se a promoção de ideias-chave que são ancoradas nos argumentos científicos em voga. A partir dessa reflexão, podemos entender melhor como ocorre a construção de conhecimento em ambientes mais complexos, como a internet. No conceito de co-produção, o que se tem é o envolvimento simultâneo de pesquisadores, médicos, jornalistas, consumidores, que produzem e consomem discurso especializado na disseminação do conhecimento científico. Isso, como sugere Rohden (2012, p. 240) vai muito além da tradução das descobertas e explicações do conhecimento elaborado na academia. Trata-se de um campo com fronteiras pouco delimitadas, no qual predominam cientistas que passam a se dedicar a esse tipo de produção, voltada para a divulgação da ciência, e jornalistas, editores e escritores que se tornam profissional especializados em ciência. 10 Para Fleck, a ciência popular é a aquela praticada por não-especialistas e tem como característica “a ausência de detalhes e principalmente de polêmicas, de modo que se consegue uma simplificação artificial” (FLECK, 2010, p. 166).
  • 16. 16 Aqui, sustento a ideia de que essa relação entre o saber especializado e o saber popular ainda está restrita a essa preocupação em facilitar, simplificar a compreensão da informação científica bruta. Durante muitos séculos, o conceito de divulgação científica elencou tais ambições como prioritárias, mas não permitiu, de fato, uma interação entre saber popular e ciência. Talvez porque a própria ciência tenha especializado demais seu discurso, codificando- se de tal maneira que a simples decodificação é considerada o fim almejado pela divulgação. No entanto, há por trás dessa aparentemente ingênua ambição a consequente redução dos conceitos científicos a simples “receitas”, como se a ciência naturalmente tivesse recebido um dom divino de ser uma prática libertadora, esclarecedora. Não é difícil, portanto, encontrar na imprensa especializada na cobertura científica, e também em livros de divulgadores, a faceta da “autoajuda” científica, no formato de manuais de recomendações. A função desses manuais, do tipo “saiba mais sobre tal assunto”, é indicar ao público mais amplo quais os comportamentos a seguir em busca do seu bem estar ou melhoria da condição de vida, principalmente em temas das ciências da vida. No entanto, esse mesmo público que repercute as notícias na internet, busca canais alternativos para comentar, avaliar o conteúdo e discordar, trazendo, de outras fontes, outros pontos de vistas que não são abordados pela reportagem. É nesse sentido que se faz necessária a elaboração de um pensamento que deixa de abordar o público de maneira pretensiosa, como se ele fosse mero receptor, para entendê-lo como agente ativo, capaz de receber o conhecimento que chega a ela de forma exotérica, para utilizar um termo de Fleck, e promover uma reconfiguração, uma desconstrução: o conteúdo exotérico é recebido pelo público, o qual também é formado por blogueiros, cientistas amadores ou simplesmente interessados em ciência que, e passa por uma nova reestruturação. Por exemplo, em determinado blog aquele conteúdo pode ser confrontado com a opinião de alguém que discorda dos pontos de vista apresentados no material de divulgação proveniente de uma revista. Esse post do blog será repercutido nas redes sociais e em outros blogs, alguns mais conhecidos e com maior acesso. No fim, o material original, puramente exotérico, terá sido “destruído”, para que com seus destroços tenham sido construídos novas abordagens. Essa co-produção, portanto, é permanente, indefinida, descentralizada e, nas devidas proporções, desconstrói a seguinte lógica: Embasamento científico  Discurso do especialista  Autoridade no assunto  consumo de expertise pelo público  senso comum proveniente do saber exotérico A grande “batalha” do modelo colaborativo é exatamente combater o processo pelo qual alguns pesquisadores tornam-se referências muito frequentes em vários veículos, abrindo espaço para certa legitimação individual por um lado, ao mesmo tempo em que ajuda a sustentar o “embasamento científico” das publicações (ROHDEN, 2012, p. 242). Quando essa legitimação individual ocorre, tem-se uma perspectiva extremamente danosa para a
  • 17. 17 democratização do conhecimento. Isso porque, como explicou Feyerabend (2010, p.40), a exclusão de fontes, tradições culturais e teorias menos conhecidas do público, em favorecimento de pensamentos únicos, isolados em redomas, converte-se numa iniciativa autoritária, muitas vezes escondida por trás de uma máscara da objetividade científica (e jornalística). Ainda que a situação tenha melhorado desde que Feyerabend escreveu seu Adeus à Razão, sendo o exemplo disso uma maior abertura da medicina ocidental para tradições da medicina oriental, como a medicina chinesa e a acupuntura, é possível identificar, nos dias atuais, uma prevalência por métodos que receberam o aval da ciência. Segundo Feyerabend (2010, p. 41): O cuidado dos idosos, o tratamento dos doentes mentais, a educação das crianças pequenas (inclusive sua educação emocional), tudo isso que pertence à área de bem-estar é deixado na mão de especialistas nas sociedades industriais, mas estas são questões para a iniciativa familiar ou comunitária em outros lugares; considere também que não há nenhum critério de saúde que não seja ambíguo – o bem-estar é avaliado de forma diferente em épocas diferentes e em culturas diferentes – e ficará claro que a questão da excelência comparativa de procedimentos científicos e não científicos nunca foi examinada de uma maneira verdadeiramente científica (...) Isso não é uma condenação da ciência. Só mostra uma vez mais que a escolha da ciência e não de outras formas de vida não é uma escolha científica (...) Melhorias na saúde foram muitas vezes resultado de comida melhor e em maior quantidade, de saneamento, de melhores condições de trabalho, de uma periodicidade das doenças principais não relacionadas com tratamentos, e não de uma prática médica melhor. *** Diante desse quadro, pode-se concluir que a atividade jornalística presente em blogs de ciência carrega em si um potencial para subverter modelos arraigados da cobertura em ciência. Embora o presente artigo não tenha se valido de uma verificação e uma avaliação técnica e quantitativa sobre determinado número de blogs, a fim de se tirar aí dados preciso que comprovem alguns conceitos aqui expostos, trata-se de um esforço inicial, no plano teórico, de se compreender quais as circunstâncias epistemológicas que envolvem a eclosão de novos canais de informação configurados como blogs. O presente artigo procurou mostrar que a transição de uma ciência moderna para outra, pós-moderna, ainda carrega muitos elementos que corroboram o racionalismo científico, presente no discurso de autoridade da ciência – um jogo de poder, discurso e legitimidade objetiva. Defende-se aqui que os novos atores que emergem na internet, principalmente os blogs independentes, representam a possibilidade real de interferir nessa lógica ainda forte e muitas vezes sustentada pela imprensa tradicional. Trata-se, portanto, de um potencial para formar redes conectadas capazes de re-formular o papel da ciência dentro
  • 18. 18 das culturas e das sociedades. Embora esse potencial possa desempenhar um microcosmo quando comparado com o poder real das mídias tradicionais. Em relação à forma e à estética, os blogs e portais independentes tem podem desenvolver novas formas de linguagem na comunicação científica - uma forma menos rígida, mais informal, capaz de mostrar, por exemplo, que os resultados de uma pesquisa, na verdade, "sugerem algo", ao invés de "afirmam que". Questiono, portanto, se esse potencial tem conseguido, na prática, criar ou ampliar, no campo do discurso, uma divulgação mais humana, que mostre fragilidades da ciência, que questione mais do que afirme. Quanto à gestão da informação, diante do potencial de flexibilização do discurso da divulgação na internet, é preciso ainda entender quais mecanismos são capazes de expandi-lo. Nesse sentido, deve-se explorar o modelo colaborativo no jornalismo de ciência. Isso consiste no aproveitamento da contribuição não só de especialistas consagrados, mas de amadores, no sentido de trazer a um tema específico informações que ajudem a compreendê-lo. Nesse ponto, a contribuição de movimentos como o ciência aberta e também a investida contra grandes editoras, como a Elsevier, à favor da publicação aberta de papers e dados científicos, é fundamental para a discussão sobre como o jornalismo de ciência por se beneficiar desse modelo que busca disponibilizar dados na integra. Por exemplo: um blog que esteja começando a cobrir um surto de uma virose em determinada região do país. Nesse sentido, a divulgação científica pode cumprir um papel ativo, e não mais passivo, ao se colocar como "protagonista", ao estabelecer uma rede que receba contribuições de pessoas que se interessem pelo assunto e tenham algo a acrescentar: a colaboração pode se dar por meio do envio de comentários, papers, resultados preliminares de pesquisas de doutorado que estão em andamento, mas que podem fornecer pistas para clarear um fato ainda obscuro, ou mesmo conhecimentos tradicionais, que não passaram pelo “crivo” científico. Em meios tradicionais de divulgação, isso é inviável, uma vez que existem procedimentos que filtram os atores em determinada área do conhecimento, deixando passar apenas poucos especialistas. No modelo colaborativo, o jornalismo possibilita a ampliação do debate em ambientes científicos pouco abertos para o debate e a contestação - sendo que o jornalista deixa de ser simples inter-mediador, para assumir uma posição de "agente proliferador" de discursos, fomentador de debates, sem prejuízo de sua faceta de editor, pois nesse modelo, mais do que nos outros, é importante saber distinguir as contribuições relevantes daquelas que nada acrescentam ao debate. E, diante da massa de informações que chegam de modo colaborativo, o jornalista tem condições de consolidar uma material mais refinado.
  • 19. 19 REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução Selvino José Assmann. – São Paulo: Boitempo, 2007. FEYERABEND, Paul. Adeus à razão. Tradução Vera Joscelyne. – São Paulo: Editora UNESP, 2010. FEYERABEND, Paul. Contra o método. Tradução Cezar Augusto Mortari. – 2ª Ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2011. HESSE, Reinhard. Por uma filosofia crítica da ciência. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1987. LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como fazer ciência na democracia. Tradução Carlos Aurélio Mota de Souza. – Bauru, SP: EDUSC, 2004. PESSIS-PASTERNAK, Guitta. A ciência: deus ou diabo? Tradução Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. ROHDEN, Fabíola. Prescrições de gênero via autoajuda científica: manual para usar a natureza? In Ciências na Vida: Antropologia da ciência em perspectiva. Org.: Claudia Fonseca, Fabiola Rohden, Paulam Sandrine Machado. – São Paulo: Terceiro Nome, 2012.