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HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga
FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia
NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?


David Mourão-Ferreira
NATAL

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E
acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de
água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de
poesia.

Manuel Alegre
NATAL

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.

Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me trespassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presente o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Manuel Maria Barbosa du Bocage
PRELÚDIO DE NATAL
Tudo principiava
pela cúmplice neblina
que vinha perfumada
de lenha e tangerinas

Só depois se rasgava
a primeira cortina
E dispersa e dourada
no palco das vitrinas

a festa começava
entre odor a resina
e gosto a noz-moscada
e vozes femininas

A cidade ficava
sob a luz vespertina
pelas montras cercada
de paisagens alpinas

David Mourão-Ferreira
CHOVE. É DIA DE NATAL

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa
Natal

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é
profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa
Ó sino da minha aldeia
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soa-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa
NATAL                                                Os que em leilão a arrematamos
                                                     Como sagrada peça única,
Mais uma vez, cá vimos                               Somos os que jogamos,
Festejar o teu novo nascimento,                      Para comércio, a tua túnica.
Nós, que, parece, nos desiludimos                    Tais somos, os que, por costume,
Do teu advento!                                      Vimos, mais uma vez,
Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!            Aquecer-nos ao lume
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,      Que do teu frio e solidão nos dês.
Festejar-te, ─ do fundo                              Como é que ainda tens a infinita paciência
Da miséria que somos.                                De voltar, ─ e te esqueces
Os que à chegada                                     De que a nossa indigência
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,          Recusa Tudo que lhe ofereces?
Somos ─ não uma vez, mas cada ─                      Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Teus assassinos.                                     Se de vez se nos cala a tua voz,
À tua mesa nos sentamos:                             Se enfim por nós desistes de morrer,
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;   Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.                     José Régio
Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infame.
Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.

Vão se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

Mário de Sá-Carneiro
NATAL CHIQUE

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

Vitorino Nemésio
ROSAS DE INVERNO

Corolas, que floristes
Ao sol do Inverno, avaro,
Tão glácido e tão claro
Por estas manhãs tristes.

Gloriosa floração,
Surdida, por engano,
No agonizar do ano,
Tão fora da estação!

Sorrindo-vos amigas,
Nos ásperos caminhos,
Aos olhos dos velhinhos,
Às almas das mendigas!

Desse Natal de inválidos
Transmito-vos a bênção,
Com que vos recompensam
Os seus sorrisos pálidos.

Camilo Pessanha
FIM
 Autor: José A. Crespo de Carvalho


Email: josecrespocarvalho@gmail.com

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  • 1. HISTÓRIA ANTIGA Era uma vez, lá na Judeia, um rei. Feio bicho, de resto: Uma cara de burro sem cabresto E duas grandes tranças. A gente olhava, reparava, e via Que naquela figura não havia Olhos de quem gosta de crianças. E, na verdade, assim acontecia. Porque um dia, O malvado, Só por ter o poder de quem é rei Por não ter coração, Sem mais nem menos, Mandou matar quantos eram pequenos Nas cidades e aldeias da Nação. Mas, Por acaso ou milagre, aconteceu Que, num burrinho pela areia fora, Fugiu Daquelas mãos de sangue um pequenito Que o vivo sol da vida acarinhou; E bastou Esse palmo de sonho Para encher este mundo de alegria; Para crescer, ser Deus; E meter no inferno o tal das tranças, Só porque ele não gostava de crianças. Miguel Torga
  • 2. FALAVAM-ME DE AMOR Quando um ramo de doze badaladas se espalhava nos móveis e tu vinhas solstício de mel pelas escadas de um sentimento com nozes e com pinhas, menino eras de lenha e crepitavas porque do fogo o nome antigo tinhas e em sua eternidade colocavas o que a infância pedia às andorinhas. Depois nas folhas secas te envolvias de trezentos e muitos lerdos dias e eras um sol na sombra flagelado. O fel que por nós bebes te liberta e no manso natal que te conserta só tu ficaste a ti acostumado. Natália Correia
  • 3. NATAL À BEIRA-RIO É o braço do abeto a bater na vidraça? E o ponteiro pequeno a caminho da meta! Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, A trazer-me da água a infância ressurrecta. Da casa onde nasci via-se perto o rio. Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! E o Menino nascia a bordo de um navio Que ficava, no cais, à noite iluminado... Ó noite de Natal, que travo a maresia! Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. E quanto mais na terra a terra me envolvia E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me À beira desse cais onde Jesus nascia... Serei dos que afinal, errando em terra firme, Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia? David Mourão-Ferreira
  • 4. NATAL Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia. Era gente a correr pela música acima. Uma onda uma festa. Palavras a saltar. Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima. Guitarras guitarras. Ou talvez mar. E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia. Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia. No teu ritmo nos teus ritos. No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia). Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos. E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia. No teu sol acontecia. Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia). Todo o tempo num só tempo: andamento de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia. Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva na cidade agitada pelo vento. Natal Natal (diziam). E acontecia. Como se fosse na palavra a rosa brava acontecia. E era Dezembro que floria. Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava. E era na lava a rosa e a palavra. Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia. Manuel Alegre
  • 5. NATAL Se considero o triste abatimento Em que me faz jazer minha desgraça, A desesperação me despedaça, No mesmo instante, o frágil sofrimento. Mas súbito me diz o pensamento, Para aplacar-me a dor que me trespassa, Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça, Teve num vil presente o nascimento. Vejo na palha o Redentor chorando, Ao lado a Mãe, prostrados os pastores, A milagrosa estrela os reis guiando. Vejo-O morrer depois, ó pecadores, Por nós, e fecho os olhos, adorando Os castigos do Céu como favores. Manuel Maria Barbosa du Bocage
  • 6. PRELÚDIO DE NATAL Tudo principiava pela cúmplice neblina que vinha perfumada de lenha e tangerinas Só depois se rasgava a primeira cortina E dispersa e dourada no palco das vitrinas a festa começava entre odor a resina e gosto a noz-moscada e vozes femininas A cidade ficava sob a luz vespertina pelas montras cercada de paisagens alpinas David Mourão-Ferreira
  • 7. CHOVE. É DIA DE NATAL Chove. É dia de Natal. Lá para o Norte é melhor: Há a neve que faz mal, E o frio que ainda é pior. E toda a gente é contente Porque é dia de o ficar. Chove no Natal presente. Antes isso que nevar. Pois apesar de ser esse O Natal da convenção, Quando o corpo me arrefece Tenho o frio e Natal não. Deixo sentir a quem quadra E o Natal a quem o fez, Pois se escrevo ainda outra quadra Fico gelado dos pés. Fernando Pessoa
  • 8. Natal Natal... Na província neva. Nos lares aconchegados, Um sentimento conserva Os sentimentos passados. Coração oposto ao mundo, Como a família é verdade! Meu pensamento é profundo, Estou só e sonho saudade. E como é branca de graça A paisagem que não sei, Vista de trás da vidraça Do lar que nunca terei! Fernando Pessoa
  • 9. Ó sino da minha aldeia Ó sino da minha aldeia, Dolente na tarde calma, Cada tua badalada Soa dentro da minha alma. E é tão lento o teu soar, Tão triste da vida, Que já a primeira pancada Tem o som de repetida. Por mais que me tanjas perto Quando passo, sempre errante, És para mim como um sonho, Soa-me na alma distante. A cada pancada tua, Vibrante no céu aberto, Sinto mais longe o passado, Sinto a saudade mais perto. Fernando Pessoa
  • 10. NATAL Os que em leilão a arrematamos Como sagrada peça única, Mais uma vez, cá vimos Somos os que jogamos, Festejar o teu novo nascimento, Para comércio, a tua túnica. Nós, que, parece, nos desiludimos Tais somos, os que, por costume, Do teu advento! Vimos, mais uma vez, Cada vez o teu Reino é menos deste mundo! Aquecer-nos ao lume Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos, Que do teu frio e solidão nos dês. Festejar-te, ─ do fundo Como é que ainda tens a infinita paciência Da miséria que somos. De voltar, ─ e te esqueces Os que à chegada De que a nossa indigência Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos, Recusa Tudo que lhe ofereces? Somos ─ não uma vez, mas cada ─ Mas, se um ano tu deixas de nascer, Teus assassinos. Se de vez se nos cala a tua voz, À tua mesa nos sentamos: Se enfim por nós desistes de morrer, Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome; Jesus recém-nascido!, o que será de nós?! Mas por trinta moedas te entregamos; E por temor, negamos o teu nome. José Régio Sob escárnios e ultrajes, Ao vulgo te exibimos, que te aclame; Te rojamos nas lajes; Te cravejamos numa cruz infame. Depois, a mesma cruz, a erguemos, Como um farol de salvação, Sobre as cidades em que ferve extremos A nossa corrupção.
  • 11. A NOITE DE NATAL Em a noite de Natal Alegram-se os pequenitos; Pois sabem que o bom Jesus Costuma dar-lhes bonitos. Vão se deitar os lindinhos Mas nem dormem de contentes E somente às dez horas Adormecem inocentes. Perguntam logo à criada Quando acorde de manhã Se Jesus lhes não deu nada. – Deu-lhes sim, muitos bonitos. – Queremo-nos já levantar Respondem os pequenitos. Mário de Sá-Carneiro
  • 12. NATAL CHIQUE Percorro o dia, que esmorece Nas ruas cheias de rumor; Minha alma vã desaparece Na muita pressa e pouco amor. Hoje é Natal. Comprei um anjo, Dos que anunciam no jornal; Mas houve um etéreo desarranjo E o efeito em casa saiu mal. Valeu-me um príncipe esfarrapado A quem dão coroas no meio disto, Um moço doente, desanimado… Só esse pobre me pareceu Cristo. Vitorino Nemésio
  • 13. ROSAS DE INVERNO Corolas, que floristes Ao sol do Inverno, avaro, Tão glácido e tão claro Por estas manhãs tristes. Gloriosa floração, Surdida, por engano, No agonizar do ano, Tão fora da estação! Sorrindo-vos amigas, Nos ásperos caminhos, Aos olhos dos velhinhos, Às almas das mendigas! Desse Natal de inválidos Transmito-vos a bênção, Com que vos recompensam Os seus sorrisos pálidos. Camilo Pessanha
  • 14. FIM Autor: José A. Crespo de Carvalho Email: josecrespocarvalho@gmail.com