Este artigo discute a gestão do patrimônio cultural e natural no município de Vila do Bispo em Portugal. O autor argumenta que o patrimônio deve ser gerenciado de forma sustentável em vez de ser visto apenas como recurso econômico. Ele também descreve estratégias bem-sucedidas usadas em Vila do Bispo para promover o conhecimento e fruição responsável do patrimônio cultural e natural.
Colmeias e outras produções de cerâmica comum do martinhal (bernardes, mor...
Recursos Patrimoniais versus Sustentabilidade: o caso de Vila do Bispo (Ricardo Soares, Cultura Sul,79, 2015)
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Mensalmente
com o POSTAL
em conjunto
com o PÚBLICO
ABRIL
2015
n.º 79
d.r.
Recursos patrimoniais
versus sustentabilidade:
o caso de Vila do Bispo p. 10
FNAC: cada vez mais
um pólo cultural p. 5
Panorâmica:
d.r.
Americanah,
uma obra de
Chimamanda
Ngozi Adichie
p. 4
d.r.
Grande ecrã:
59 anos de cinema
em Faro
p. 3
Espaço Alfa:
A paixão
pelos retratos
a preto e branco
d.r.
p. 7
d.r.
Letras e Leituras:
HerbertoHelder,
in memoriam
p. 11
d.r.
Da minha biblioteca:
2. 10.04.2015 10 Cultura.Sul
Recursos patrimoniais versus sustentabilidade:
o caso de Vila do Bispo
Espaço ao Património
No âmbito da minha ati-
vidade enquanto arqueólo-
go da Câmara Municipal de
Vila do Bispo, partilho aqui
algumas genéricas reflexões
sobre o vastíssimo e particu-
larmente atual tema da “ges-
tão patrimonial”.
Em boa verdade, trata-se
de um depoimento estrita-
mente pessoal, num modo de
pensamentos “em voz alta”,
com o qual apenas pretendo
partilhar um certo “estado
de alma” e algumas positivas
experiências profissionais e
sociais a barlavento, no ter-
ritório da ‘sagrada finisterra
vicentina’.
Tempos de euforia turística
e de feiras do património!
Se por um lado atravessa-
mos tempos particularmente
difíceis – a crónica desculpa
para uma ‘cultural’ carência de
investimento na Cultura –, por
outro, definem-se no horizon-
te alguns sinais de positivas re-
ações, nem sempre genuínas,
mas ainda assim assinaláveis.
Apregoa-se a racionalização
dos recursos disponíveis e o
investimento low budget, a va-
lorização dos recursos endó-
genos, o envolvimento social
e a integração comunitária,
a implementação de mode-
los de gestão partilhada e de
cooperação intermunicipal, a
abertura à iniciativa privada...
enfim! Todavia, reincide-se na
perigosa tendência de se olhar
o Património numa perspeti-
va meramente económica, en-
quanto recurso financeiro.
Com isto, o Património lá
vai dando “um ar da sua gra-
ça”, surgindo amiúde ‘empa-
cotado’, como oferta turística,
sendo parcamente alimentado
a migalhas, na expectativa da
criação de uma salvadora, mas
raramente profícua, “galinha
dos ovos de ouro”... “só para
inglês ver”!
Material ou imaterial, o Pa-
trimónio, enquanto legado
de autenticidade natural e
de identidade cultural, apre-
senta-se, na prática, como
um conceito demasiadamen-
te abstrato, tendencialmente
confundido com o património
de ordem económica, quanti-
ficável em valor, traduzível em
retorno financeiro.
Os tradicionais paradigmas
civilizacionais e as clássicas po-
laridades dos fluxos de viagens
intercontinentais alteram-se
globalmente. O velho conti-
nente europeu apresenta-se
hoje como um atraente novo
mundo de (re)descobertas,
massivamente procurado pelo
seu longo passado, por um
certo ‘exotismo’ cultural e pela
aventura intercivilizacional.
Ao sabor da mesma corren-
te, Portugal vive uma verda-
deira euforia turística, fruto
do reconhecimento e procu-
ra internacional de atraentes
valores culturais de históricas
cidades como Lisboa, Porto,
Coimbra, Évora… A imateria-
lidade cultural do fado, do
cante e da dieta mediterrâni-
ca encontra-se reconhecida no
‘panteão’ do Património Uni-
versal. Surgem desconcertan-
tes expressões como “feiras do
património”. Santuários natu-
rais, como os Açores, expõem-
-se aos enxames dos low cost.
O turismo cultural e o turismo
de natureza estão na moda!
Aos agentes culturais exige-se
um certo “toque de Midas”, ou
seja, a alquímica capacidade
de transformar o Património
em receita financeira.
Se por um lado o turismo
implica, inevitavelmente, um
destrutivo impacto no Patri-
mónio (sobretudo natural),
por outro, o turismo poderá
ser trabalhado como garante
do próprio Património. Não se
tratando de uma natural rela-
ção simbiótica, o Património e
o turismo podem conviver em
harmónica valorização mútua.
A fórmula do equilíbrio deve-
rá residir na sustentabilidade!
Entretanto, a montante, há
que promover o conhecimen-
to profundo e a investigação
sistemática, a única via para a
estabilidade da partilha – dig-
nificar no presente um passa-
do com futuro.
Boas práticas
de gestão patrimonial
em Vila do Bispo
No Algarve, a região de Vila
do Bispo ainda preserva deter-
minadas áreas intocadas pela
ação humana, que, por tão
genuínas e raras, são por isso
bastante procuradas por visi-
tantes de todo mundo, nelas
reconhecendo a pureza da ori-
ginal autenticidade da Nature-
za. Porém, quando se trata de
turismodenatureza,enquanto
recurso dificilmente renovável,
impõe-se uma decisiva formu-
laçãoestratégica,maisumavez
assente na sustentabilidade!
Do ponto de vista cultural,
as paisagens de Vila do Bispo
também revelam interessan-
tes e diversificados discursos
antropogénicos, designada-
mente arqueológicos, histó-
ricos e etnográficos, muitos
dos quais revestidos de apre-
ciável monumentalidade.
As paisagens constituem-se
como palcos de realidades tão
distintas como complemen-
tares. A sua integrada leitura
permitir-nos-á partilhá-las, de
modo sustentável e sem pre-
juízo para os diversos apon-
tamentos nelas implantados:
a biodiversidade, a geologia,
as marcas paleontológicas,
os vestígios arqueológicos, os
monumentos históricos, os re-
cursos do mar, as terras culti-
vadas... a Cultura!
O potencial do património
vilabispense encontra-se am-
plamente reconhecido e a sua
procura já é uma indomada
realidade. No sentido de uma
prudente partilha de todo este
complexo paisagístico, urge a
sua aquilatada leitura e o seu
efetivoconhecimento.Importa
ordenar e educar a sua fruição,
sob o risco da sua irreversível
perda e vulgarização enquan-
to extensão de uma região há
muito descaracterizada.
Num território substan-
cialmente dependente do
turismo, o estratégico desen-
volvimento de diferenciados
produtos de natureza e de
cultura, pela sua diversidade,
qualidade e latente potencia-
lidade, permitirá uma alterna-
tiva oferta aos habituais fluxos
da sazonalidade.
A mais desafiante missão
do projeto autárquico que te-
nho vindo a integrar, consiste
na promoção de estratégias
com impacto socioeconómi-
co, orientadas pelo reconhe-
cimento de diferenciadores
fatores de identidade local,
potenciáveis como vantagens
competitivas.
Na região algarvia, o turis-
mo constitui o principal gera-
dor económico, o “fim último”
da esmagadora maioria das
atividades público-privadas
desenvolvidas entre São Vicen-
te e o Guadiana. Numa região
estigmatizada pela massifica-
ção turística, e no âmbito de
um mercado extremamente
competitivo, a fórmula do ‘su-
cesso’ reside, necessariamente,
na qualidade e na diferencia-
ção da oferta.
Posto isto, e em suma, tor-
na-se essencial o profundo
conhecimento dos territórios
e das diversas realidades ne-
les existentes. A montante, a
investigação permitirá deli-
near os trilhos mais equili-
brados, minimizando o ine-
vitável impacto da fruição
turística e da partilha de um
inestimável bem comum,
promovendo-o tal como é,
sem perda da sua natural es-
sência diferenciadora.
O Concelho de Vila do Bis-
po, território extremo, peri-
férico e de baixa densidade,
tem vindo a cultivar a apro-
ximação, o diálogo e a cola-
boração entre as tutelas do
ambiente, da cultura e do
turismo, as universidades,
a comunidade científica, as
empresas de turismo de na-
tureza, hoteleiras e de restau-
ração, os técnicos municipais,
a comunidade local, as ativi-
dades tradicionais, os novos e
os mais velhos, o público em
geral, a sociedade…
Só assim faz sentido, só
assim será possível a sus-
tentável ‘exploração’ socio-
económica dos recursos pa-
trimoniais presentes neste
precioso recanto do mundo,
tido como naturalmente ex-
cecional, e por isso mesmo
cada vez mais procurado!
Ricardo Soares
Arqueólogo na Câmara
de Vila do Bispo
http://vila-do-bispo-arqueologi-
ca.blogspot.pt/
O Passado no Presente – estratégias de comunicação arqueológica
fotos: ricardo soares
O trilho certo dos Homens do Futuro – educação e sensibilização patrimonial