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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os
limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento
da Questão Social no Brasil
Aluna Elisabete Baptista Damasio
Orientadora Profª Drª Cleusa Santos
Rio de Janeiro
JUNHO/2009
1
ELISABETE BAPTISTA DAMASIO
Aluna do Curso de Serviço Social
matrícula 104133246
Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os
limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento
da Questão Social no Brasil
Trabalho de Conclusão de Curso de
Graduação do Curso de Serviço Social
Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Orientadora Profª Drª Cleusa Santos
Rio de Janeiro
2009
2
Por isso, o Direito igual continua a ser, aqui, –
por princípio –, o Direito Burguês, ainda que
princípio e prática já não se agridam mais,
agarrando-se pelos cabelos ... Apesar desse
progresso, esse Direito igual continua a estar
aprisionado em uma limitaçao burguesa. ... Trata-
se, portanto, segundo seu conteúdo, de um
Direito da desigualdade, tal como todo Direito."
Marx e Engels.
3
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
A minha mãe, que sempre foi um espelho pela sua força, coragem e incentivo
mesmo quando todos e tudo estavam na contra mão da minha vida.
Ao meu pai, mesmo não estando presente, continua a incentivar meu percurso na
Terra.
Agradeço à minha orientadora Cleusa Santos, que dispôs do seu tempo e até do
espaço da sua casa, para atender minhas dúvidas e principalmente por aguçar cada
vez mais o meu interesse em procurar melhorar o meu desempenho.
Agradeço às minhas amigas que estiveram próximas durante essa trajetória da
graduação e compartilharam comigo de discussões, debates que contribuiriam com
sugestões, e críticas que serviram de apoio para as minhas angústias e dúvidas.
4
SUMÁRIO
Resumo ..................................................................................................................6
Introdução .............................................................................................................7
PRIMEIRO CAPÍTULO
1 o Contexto Sócio-Histórico da Assistência Social no Brasil: um resgate necessário
1.1 A assistência na história.................................................................................12
1.2 A trajetória da assistência no Brasil................................................................25
1.3 A assistência no governo Militar.....................................................................30.
SEGUNDO CAPÍTULO
2 Cidadania e o Projeto Neoliberal : o retrocesso dos direitos
sociais. .
2.1 O processo de redemocratização no país.....................................................42
2.2 Da Constituição Federal de 1988 ao projeto neoliberal no Brasil...................54
TERCEIRO CAPÍTULO
3 O Avanço da Assistência Social em um processo de contradição
3.1Uma breve síntese da Política de Assistência Social e o Sistema Único de
Assistência Social..................................................................................................75
3.2 A expressão de uma contradição no campo da assistência social..................83
3.3 A responsabilização da sociedade civil no enfrentamento da “questão
social”.....................................................................................................................87
Considerações finais..............................................................................................109
Referências bibliográficas......................................................................................119
5
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de curso pretende contribuir para o
debate em torno da Assistência Social no âmbito dos avanços e retrocessos, na
política nacional de assistência social e a importância dessas reflexões para o
Serviço Social, que objetiva desvelar a presença e o enfrentamento da questão
social por parte do Estado, visando reconhecer as particularidades das múltiplas
expressões da mesma na história da sociedade brasileira.
No primeiro capítulo, buscamos um breve e sucinto resgate histórico da
assistência com o objetivo de mais adiante fazermos uma comparação sobre a
filantropia do passado com a filantropia dentro da política nacional de assistência
social. No segundo capitulo, buscamos mostrar a luta e a conquista dos direitos
sociais e o seu reconhecimento como política pública de fato garantida pelo Estado,
como um avanço, e em seguida a entrada do projeto neoliberal no Brasil, que
redefine o papel do Estado e que direciona essas políticas sociais para um
retrocesso. No terceiro e último capítulo relacionamos as expressões da questão
social da contemporaneidade e a questão da refilantropização dentro da política
nacional de assistência social, através das novas bases para a relação entre o
Estado e a sociedade civil, destacando-se o terceiro setor, o voluntariado e a
responsabilidade social como forma de intervir na “questão social”, o que nos reporta
a um verdadeiro retrocesso.
6
Introdução
O presente Trabalho de Conclusão de Curso resulta em um estudo com base
em fontes bibliográficas, reportagens de jornais e informações do Ministério de
Desenvolvimento Social sobre a Assistência Social no Brasil, com o objetivo de
realizar uma reflexão sobre os direitos conquistados historicamente e a dificuldade
de tornar essa conquista como política pública de fato, mesmo após a sua inclusão
na Constituição Federal de 1988, onde a Assistência Social adquiriu o status de
direito.
Realizamos uma reflexão das novas formas de intervenções dadas às
expressões da “questão social” e é dentro da Política Nacional de Assistência Social,
através do Sistema Único de Assistência Social, em um dos seus eixos
estruturantes, que se configura, nas novas bases para a relação entre o Estado e a
Sociedade Civil.
O discurso de responsabilização da sociedade está relacionado com a
compreensão de que a sociedade civil é a única capaz de resolver problemas da
questão social e o Estado é classificado como incapaz. A partir dessa perspectiva
gera-se uma dicotomia entre Estado e sociedade civil, estimulada pelo projeto
neoliberal. Esse novo direcionamento se dá na medida em que o Estado se retira do
papel de formulador e implementador de políticas públicas de caráter universal. É a
partir desse processo que se pretende problematizar os avanços e retrocessos da
assistência social.
No primeiro capítulo realiza-se um breve resgate da trajetória da assistência
7
construída historicamente em alguns países e suas diversas formas de ações e
práticas de ajuda aos pobres, sendo que alguns modelos de intervenção no
atendimento assistencial se desenvolveram no Brasil, principalmente a partir de
1930, que a “questão social” passa a ser reconhecida, porém os direitos são
vinculados à relação capital e trabalho e a assistência se destina aos segmentos
mais pobres da população.
Desta forma, com a entrada do capitalismo monopolista no Brasil, o Estado se
redefine para atender o desenvolvimento do processo de acumulação que veio
consolidar esse segmento de expansão.
Dentro do regime ditatorial, as políticas sociais faziam parte de um processo
para a acumulação de riqueza, na verdade funcionavam como uma política de
controle social. É importante destacar que a política social no Brasil promoveu
avanços em períodos de governo autoritário, entretanto não favoreceu a instituição
da cidadania de fato.
Ora, devemos lembrar que as políticas sociais eram elaboradas como
“políticas compensatórias”, que acabavam agravando as desigualdades. Como
sempre, essas políticas não abarcavam toda a população. A distribuição desses
serviços atendia os que contribuíam, produzindo uma estratificação da cidadania.
Por conseguinte, a crise mundial ocorrida no final da década de 1970
começava a se expandir de forma avassaladora, com o esgotamento do modelo
fordista-keynesiano, em face das transformações societárias decorrentes da
mundialização do capital. As novas exigências impostas pelo sistema capitalista
impuseram grandes desafios, que acarretaram os efeitos socialmente negativos à
capacidade de intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário
8
neoliberal.
Ao término da ditadura militar, a oposição ao regime teve grande repercussão,
destacando-se como um fator importante para início do processo de abertura
política. A sociedade civil organizada pressionava de forma intensa, exigia os direito
civis e políticos.
O segundo capítulo traz a fase de redemocratização do país, com
reconhecimento dos partidos organizados e vinculados aos trabalhadores, dos
sindicatos e dos movimentos sociais, como interlocutores da cena política que se
consolidava nesta época. Vale lembrar que a sociedade brasileira vivenciou o
momento de uma revolução democrática, segundo alguns autores que serão
destacados ao longo desse trabalho. Esse fato histórico veio a estabelecer a
Constituição Federal de 1988 colocando a assistência no patamar de política pública
junto com a saúde e a previdência social no quadro da seguridade social tendo o
Estado como garantidor desse direito.
Entretanto, verificamos que logo após a promulgação da Constituição Federal
de 1988, o Estado tem um novo direcionamento acarretando transformações em
relação às políticas sociais sob orientações advindas do Consenso de Washington.
O terceiro capitulo objetiva demarcar os avanços e retrocessos dentro da
Política Nacional de Assistência Social, que estabelece as novas bases para a
relação entre Estado e sociedade civil como eixo estruturante do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS. A reflexão sobre esse assunto centra nas novas bases
que formam essas relações na sociedade, destacando-se o terceiro setor, o
voluntariado e a responsabilidade social e o que significa essa nova forma de
intervenção dada a “questão social”, em face a tal realidade.
9
CAPÍTULO ICAPÍTULO I
O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NOO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO
BRASIL: UM RESGATE NECESSÁRIOBRASIL: UM RESGATE NECESSÁRIO
1.1 A ASSISTÊNCIA NA HISTÓRIA
Para entendermos a forma com que a assistência se apresenta hoje em
nosso país é necessário, antes de tudo, conhecermos o significado desse conceito.
Para compreensão dessa análise, buscar-se realizar uma sucinta constituição
histórica da assistência desde a sua gênese, sobretudo devido às particularidades
históricas que sempre reforçam perspectivas assistencialistas com relação à política
social, conforme veremos adiante.
Sendo assim, uma observação mais atenta sobre esse processo mostra que a
assistência ao outro é uma prática antiga na humanidade. E ao longo da história, os
grupos religiosos foram designados às práticas de ajuda e apoio aos pobres.
Conforme mostra Yazbeck (2007) a assistência “não se limita nem à civilização
judaico-cristã nem às sociedades capitalistas. A solidariedade social diante dos
pobres, dos doentes e dos incapazes se coloca sob diversas formas nas normas
morais de diferentes sociedades”. Assim, muitos exemplos históricos de
10
solidariedade e compromisso desses valores foram inseridos nas sociedades do
mundo.
Esse processo de ajuda os pobres e desvalidos tornou-se algo natural e são
práticas eternizadas até hoje, apesar do grande desenvolvimento nas esferas da
vida social, particularmente na produtiva. Desta forma, o modo que era dado a esse
tratamento, ou seja,
“essa ajuda sempre seguiu o pensamento construído historicamente de que
em toda sociedade haverá sempre os mais pobres, os doentes, os frágeis,
os incapazes, os que nunca conseguirão reverter essa condição de
miserabilidade, precisando sempre de ajuda e da misericórdia dos outros”.
(Yazbeck, 2007:40)
Nesta perspectiva, o homem é visto como um ser naturalmente dependente,
pela suas necessidades e carências cabendo a ele superar seus desafios impostos
por uma sociedade liberal. Contudo, observa-se que a benemerência, como um ato
de solidariedade, foi se constituindo em prática de dominação. Um exemplo disto foi
a construção dos asilamentos na França. É importante atentar que a assistência não
era compreendida com um direito e sua prática sempre esteve ligada à caridade, à
benesse e à benevolência, conforme se assiste nos dias de hoje, apesar dos
avanços legais conquistados através de processo de lutas emergidas ao longo da
história.
No século XIV, no Antigo Regime, existiam ações para atender aos
“desafortunados” que eram constitutivas de esmolas. Havia, também, controle da
mendicância e repreensão da vagabundagem. Portanto, “a assistência dirigiu-se
apenas aos pobres que comprovadamente, demonstrassem sua incapacidade para
o trabalho” (Boschetti, 2003:52). E com esse pensamento as ações interventivas
11
eram utilizadas pelas classes dominantes sempre utilizando novas estratégias de
domínio e principalmente a permanência da ordem social.
Os podres, mendigos, e os considerados inválidos sempre puderam contar
com medidas assistenciais, sobretudo quando preenchiam o critério da proximidade
de domicílio. A esta população somente eram destinadas ações assistenciais.
Naquela época, a assistência ficava reduzida a um conjunto de ajudas sociais sob a
responsabilidade, principalmente, da Igreja. Cada paróquia era obrigada a se
responsabilizar pelos pobres de seu território e quem era atendido em um
determinado local ficava impedido de se deslocar, devido às poor laws que proibiam
a mendicância. Tais medidas,
“(...) adotadas inicialmente em âmbito local, foram retomadas pelas
legislações nacionais em quase todos os países que hoje constituem a
Europa, sendo as mais conhecidas as poor laws inglesas que irão resultar
na lei Elizabetana de 1601. As poor laws eram voltadas para proteção
social, destinada àqueles incapazes de produzir devido à sua pouca idade
ou doença, e àqueles que se reconheciam como fracassados, incapazes de
obter o suficiente para seu sustento e de sua família. Os indigentes eram
obrigados a abrir mão dos seus direitos políticos, obtendo em troca uma
ajuda social. Assim, essa lei não reconhecia os direitos de cidadania”.
(BOSCHETTI, 2003:50)
Outro exemplo, que se pode destacar como tratamento utilizado para
solucionar o problema da população, que se encontrava vulnerável socialmente, foi
o das Workhouses, implantadas em escala na Europa no século XVII, vistas como
medidas mais elaboradas para a contenção da população e manutenção do
pertencimento local e da ordem social. Nesse sentido, o trato era diferenciado de
acordo com aptidão ou inaptidão para o trabalho.
Sobre isto, do ponto de vista institucional, o regulamento das workhouses
combinava enclausuramento com trabalho forçado e orações para “corrigir” os
12
mendigos. Assinala que “o critério da inaptidão para o trabalho é um forte eixo de
composição da assistência social, e talvez, o que mais definiu sua esfera de
compreensão” (Boschetti, 2003:52). Neste contexto, não basta ser pobre ou
indigente para cumprir o requisito de ser atendido pela domiciliação, assistência
destinava-se apenas aos pobres que, comprovadamente, demonstravam sua
incapacidade para o trabalho, e este critério se prolongou por séculos.
Nestes termos, sabe-se que no século XVI, na Europa, houve uma série de
leis que eram destinadas a reprimir a pobreza condenando a pessoa que mendigava
a trabalhos forçados. Destinavam-se à proteção assistencial os inaptos para o
trabalho, porém, não se questionava a falta de trabalho para todos.
Historicamente, assistia-se a uma forte influência da relação de
incompatibilidade entre o trabalho e assistência, e somente, a partir do século XX, é
que os pobres sem trabalho, mais capazes de trabalhar, passam a ter direito à
assistência social, em forma de programas de transferência de renda, em alguns
países da Europa.
No Brasil, a assistência incorporou toda sua constituição no critério de
inaptidão ao trabalho. E sobre esse assunto, nos remete todo o nosso
desenvolvimento social e econômico, como será demonstrado adiante, no decorrer
desse trabalho. Porém, na análise de Boschetti define-se que “Não se constituindo
exatamente uma novidade em afirmar que a assistência social, historicamente, se
configurou como campo de intervenção política e social “nebuloso” (2003:41). Assim
sendo, esse difícil entendimento não foi uma característica somente no Brasil, de
tratar a assistência de forma subalternizada. Esse procedimento foi implementado
por toda Europa, a presença dessas relações nebulosas entre o poder público e as
13
instituições privadas assistenciais como filantropia assistencialista. As tentativas de
entendimento deste fenômeno apontam para várias direções e uma das mais
correntes é a afirmação de que
“a assistência social é uma ação pública e privada que, tradicionalmente, não
se constitui como componente das políticas de desenvolvimento econômico e
social, não avançando, em conseqüência, para além das clássicas medidas
reparadoras e/ou amenizadoras das situações de pobreza (Alayon,1989 apud
Boschetti. 2003: 41)
O Estado ao longo da história se apropriou não só da prática assistencial
como expressão de benemerência, como também incentiva e direciona os esforços
de solidariedade social na sociedade. Essas relações antigas até hoje se fazem
presentes na forma de intervenção, onde o direito é substituído pelas práticas de
caridade e filantropia, a miséria será sempre vista como fato natural1
e não
compreendida como resultado do acesso desigual à riqueza socialmente produzida.
Os critérios de inaptidão para o trabalho continuam a prevalecer na assistência
social, mesmo após a sua inclusão como direito social. Nesta perspectiva, a
assistência social deve se tornar no seu campo de ação reconhecida como política
de assistência social legalmente e se tornar um dever do Estado.
1
Netto, referindo-se a esse processo no âmbito das “reformas sociais possíveis [que] estão hipotecadas a uma
reforma moral do homem e da sociedade” assinala que, “de fato, no âmbito do pensamento conservador, a
“questão social”, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação
moralizadora. E, em ambos os casos, o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um
programa de reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção. Mais
precisamente: O cuidado com as manifestações da “questão social” é expressamente desvinculado de
qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida: trata-se de combater as
manifestações da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. (NETTO, 2005:155)
14
1.2 A trajetória da Assistência Social no Brasil
Desde o século XVII, a filantropia e assistência social associavam-se
intimamente à prática de caridade no Brasil. Dependiam de iniciativas voluntárias e
isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos. Estas iniciativas partiram das
instituições religiosas que, sob o ponto de vista da moral cristã, direcionavam seus
cuidados, oferecendo abrigos, roupas e alimentos, em especial às crianças
abandonadas, e aos velhos e doentes em geral. Os modelos de atendimento
assistencial decorrentes da idéia de pobreza como disfunção pessoal,
encaminhavam-se, em geral, para o asilamento ou internação dos indivíduos
portadores dessa condição. Um exemplo deste fato são os hospitais das Santas
Casas de Misericórdia2
, no acolhimento do pobre e do miserável.
No caso do Brasil é possível afirmar que com
“(...) exceções, que até 1930 em nosso país não se compreendia a pobreza
enquanto expressão da questão social. Quando esta se colocava como
questão para o Estado, era de imediato enquadrada como caso de polícia e
tratada no interior de seus aparelhos repressivos” (Yazbeck, 2007:41).
Os problemas sociais eram mascarados sob a forma de fatos isolados, a
pobreza era tratada como disfunção pessoal dos indivíduos. Essa forma de
intervenção que se dava a esse fenômeno, a “questão social3
”, era remetida aos
cuidados de uma rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em
2
Fundada em 24 de março de 1582, pelo sacerdote espanhol José de Anchieta, a Santa Casa de Misericórdia tem como
missão acolher e cuidar dos mais carentes.
3
“Por questão social, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas sociais e econômicos
que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a questão social está
fundamentalmente vinculada ao conflito capital e trabalho. “ (Cerqueira Filho, 1982:21 apud Netto,2005:17)
15
especial àqueles organismos atrelados às igrejas de diferentes credos. O Estado se
inseria nesta rede enquanto agente de apoio, um tanto obscuro ou para fiscalizar,
não assumindo, portanto, sua posição de fato. Este procedimento
“(...) para encaminhamento era bastante coerente com idéia existente de
que os pobres eram considerados grupos especiais, párias da sociedade,
frágeis ou doentes. A assistência se misturava com as necessidades que a
população tinha referentes aos cuidados com a saúde, o que levava a
constituir organismos prestadores de serviço assistenciais, que mostravam
as duas faces; a assistência à saúde e assistência social. O resgate da
história dos órgãos estatais de promoção, bem estar, assistência social,
traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada”. Assim, percebemos que
essas redes de solidariedade social na sociedade assumiram e mantinham
a compreensão da assistência como um gesto de benevolência e caridade
para com o próximo” (Yazbeck, 2007:42).
Neste mesmo período, na maior parte da Europa Ocidental, apesar dos
direitos sociais terem sido conquistados apenas no século XX, de acordo com a
ordem cronológica dos direitos de cidadania estabelecida por Marshal4
, algumas leis
que se voltavam para a proteção social surgiram de longa data. Coutinho (1997)
mostra que "os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação
mínima da riqueza material e espiritual criada pela coletividade” e que eles são
definidos historicamente como resultado de lutas sociais e assimilados como direito
positivo no século XX”.
No mundo moderno os direitos sociais foram negados, sob alegação de que
estimulariam a preguiça, violariam as leis do mercado e impediriam os homens de se
libertarem do poder estatal autoritário e paternalista. Ao longo da história, os
trabalhadores adquiriram uma tomada de consciência de classe, os operários da
indústria viviam em condições de extrema miserabilidade, que os levaram a
4
É bastante conhecida a visão de Marshal sobre a ordem cronológica dos direitos. São eles: direitos civis no século XVIII,
dos direitos políticos no século XIX e direitos sociais no século XX (In: COUTINHO 1997:145-165).
16
reivindicar um sistema de proteção social como as políticas de pleno emprego,
serviços sociais universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de um
padrão social mínimo de sobrevivência. Esse sistema de proteção social passou a
constituir, entre as décadas de 1940 e 1970, a base do Estado de bem-estar social.
No Brasil, todo direito concedido pelo Estado sempre foi vinculado na relação
capital e trabalho. Ela se faz, portanto, nas seqüelas da exploração da força de
trabalho, e se expressa nas precárias condições de vida da população
subalternizada. Ou seja, há um desenvolvimento desigual na sociedade que
evidenciou as expressões da “questão social”. Sobre isso, é importante destacar que
aqui, a “questão social” muitas vezes é compreendida como um desvio social sendo
tratada como um fato isolado, demandando iniciativas pontuais do Estado. Desse
modo, podemos afirmar que a questão social no Brasil, desde de sua origem é
marcada pelo vínculo do indivíduo ao mercado de trabalho, logo, não se constituindo
como traço essencial à cidadania na esfera da universalidade.
É importante lembrar que, no Brasil, a desigualdade social ocorreu com a
passagem das relações de escravidão para relações sociais burguesas capitalistas.
Observa-se que na virada do século XIX, a condição de vida da população operária
nos centros urbanos era de pauperização5
, processo que era impulsionado pela
industrialização. As mudanças ocorridas no país durante as décadas de 1920 e
1930, com o surgimento da indústria, se refletiram na urbanização e na divisão
social do trabalho.
5
Deste modo, a lei geral absoluta da acumulação pode ser descrita nas seguintes palavras, para melhor
compreensão : “Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento , o volume e a energia de seu
crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto
maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a
força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as
potências da riqueza (... E) quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e exército
industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial” (Marx, 1984, I,2:209 apud Netto e Braz,2007138)
17
Conforme análise de Santos,
“A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-
se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como
reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja
ocupação a lei desconhece. (1987:68)
Na virada do século XIX, a condição de vida da população operária nos
centros urbanos era de pauperização, processo que era impulsionado pela
industrialização. Para o sistema capitalista, torna-se necessária a formação de
mão-de-obra assalariada, ou seja, o trabalhador para sobreviver deve vender a sua
única mercadoria, que é a força de trabalho.
Não menos importante é o fato de que, com a entrada da industrialização no
Brasil, a burguesia intervém junto ao Estado criando leis que atendem aos
interesses dos trabalhadores e que organizem as relações de trabalho capitalistas
Exemplos disso, são as caixas de aposentarias e pensões. Conforme Mostra
Yasbeck,
“E em 1923, a Lei Elói Chaves (Lei nº 4682, de 24-01-1923) criava a Caixa
de Aposentadoria e Pensões para os funcionários. Antes de 1930 duas
outras categorias já recebiam os benefícios do seguro social, os portuários e
os marítimos, pela (Lei nº 5.109 de 20-12-1926), os telegráficos e
radiográficos, pela Lei nº 5.485 de 30-06-1928.” ( 2007:42)
A recorrência à autora tem como objetivo demonstrar que foi através do
reconhecimento das lutas empreendidas pela classe trabalhadora no Brasil que
alguns direitos foram reconhecidos. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio -
criado em 1930, pelo então Presidente Getúlio Vargas passou a fiscalizar e também
a ordenar e controlar as ações junto à força de trabalho. Assim, gradualmente, o
Estado Brasileiro passa a reconhecer a “questão social” como uma questão política
ser revolvida sob sua direção. Os direitos eram garantidos àqueles que tinham
18
vinculação legal, ou seja, a carteira de trabalho assinada. Entretanto, esses direitos
eram vistos como uma doação do Estado protetor. Para os indivíduos que não se
inseriam no mercado formal de trabalho não havia proteção social, a eles eram
tratados com desprezo à sua condição de necessitados. E a partir de então, na
análise de Cohn
“se cristaliza no país a concepção de que a “questão social”, da ótica da
responsabilidade pública por um patamar mínimo de bem-estar dos cidadãos,
é algo que passa a ser estreitamente associado ao trabalho. Cidadão,
portanto, distingue-se agora dos pobres: questão social dos trabalhadores, ou
das classes assalariadas urbanas, passa a se constituir, a partir de 1930,
como uma questão de cidadania; enquanto a questão da pobreza, dos
desvalidos e miseráveis – exatamente por não estarem inseridos no mercado
de trabalho – continua sendo uma questão social de responsabilidade da
esfera privada, da filantropia. (Cohn, 2000:288)
Desta forma, vale aludir as condições de trabalho e habitação da época que
eram de bastante precariedade e começaram a proliferar os grandes centros
urbanos e as empresas industriais, o que veio a intensificar a relação entre capital e
trabalho, a exploração abusiva a que eram submetidos os trabalhadores, condições
mínimas de trabalho de segurança e higiene. Ou seja, os trabalhadores são também
moradores espoliados. A população operária era tratada de forma marginalizada
socialmente, nos bairros insalubres, dentro das cidades, que já expressavam o seu
desenvolvimento. Portanto, é dentro do Estado que se consolida a legislação
trabalhista, com a centralização política e completa com a submissão dos sindicatos.
Conforme nos mostra Silva,
“Até a década de 1930, as condições de reprodução da força de trabalho –
inclusive a moradia dos trabalhadores – dependiam predominantemente da
relação capital-trabalho, apesar de já se identificar uma certa intervenção do
poder público. A partir de 1930 essas relações passaram a depender do
Estado, por meio de uma estrutura político-institucional em grande parte
centralizada no Ministério do Trabalho. Nesse aspecto, a concepção
19
trabalhista e estatal do regime respondeu também a uma demanda dos
setores econômicos empresarias, na medida em que a “indústria em
expansão exigia mercados nacionais fortificados e ainda (exigia) que o Estado
assumisse de forma mais efetiva as condições gerais de produção e
reprodução, liberando o capital dessas responsabilidades. (2005:35)
No que concerne aos trabalhadores que não estavam inseridos no mercado
formal de trabalho, a intervenção estatal se faz presente através da assistência
prestada pela Legião Brasileira de Assistência – LBA6
que assume a função de
mediar a relação entre o publico e o privado. Porém, o tratamento moral - expresso
em seu objetivos básicos7
- mostram que a lógica conservadora da assistência
expressava-se através de seus programas como um conjunto de práticas que
funcionavam como um mecanismo político através do qual o Estado pretendia dar
conta daqueles considerados excluídos.
Assim, as primeiras formas de intervenção estatal no trato da assistência
social são focadas no âmbito estritamente da moral. A assistência ainda não é
reconhecida como uma política social pública, por isso, observa-se nas intervenções
estatais articuladas às instituições privadas que utilizavam a LBA como
intermediadora destas articulações, que os programas sociais eram feitos de forma
assistencialista e tinham cunho extremamente seletivo.
Por outro lado, cabe salientar que, com a expansão do desenvolvimento da
industrialização, o atendimento de parte das manifestações da “questão social”
6
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi criada em 1942 pelo Governo Vargas e foi extinta em 1995 pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso.
7
Objetivos básicos da LBA (art. 2 de seus Estatutos)
1. Executar seu programa, pela fórmula de trabalho em colaboração com o poder públicos e a iniciativa
privada;
2. Congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no empenho de se promover, por todas
as formas, serviços de assistência social;
3. Prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso ao governo;
4. Trabalhar em favor do progresso do serviço social no Brasil. (Iamamoto, 2003: 250)
20
passou a ser considerado necessário ao progresso do país, tornando-a reconhecida
pelo Estado.
Vale destacar outro elemento importante da realidade brasileira, sinalizado
anteriormente. Trata-se da institucionalização da carteira de trabalho, em 1932, que
garantiu alguns direitos trabalhistas. O individuo passou a ser reconhecido como
trabalhador quando foi registrado em carteira. Isto permitiu-lhe o acesso a alguns
direitos sociais.
Segundo Behing e Boschetti,
(“Esse período de introdução da política social brasileira teve seu desfecho
com a Constituição de 1937 – a qual ratificava a necessidade de
reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado – e finalmente
com a consolidação das leis trabalhistas, a CLT promulgada em 1943 que sela
o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos direitos do
Brasil, o que Santos (1987) caracterizou como cidadania regulada” (...)
(Behring e Boschetti 2007:108)
Portanto, a assistência era destinada àqueles que não conseguiam se inserir
no mercado de trabalho. Estes trabalhadores ficavam destinados aos cuidados de
ações filantrópicas como é o caso, por exemplo, da Fundação Leão XIII, criada em
1947 pela Arquidiocese do Rio de Janeiro em conjunto com a prefeitura da cidade
através de um convênio com a Fundação Cristo Redentor. Sobre isto, é importante
atentar que a sede do governo ficava na cidade, onde ocorreram as primeiras
formas de intervenção com objetivo de dar assistência material e moral a população
moradora dos morros e favelas. Nesta época, a prefeitura da cidade estava
intervindo nessas moradias devido ao incômodo que esses lugares causavam à
urbanização da cidade. Na colocação de Silva“ Do final do século XIX até as
21
primeiras décadas do século XX, o Estado foi movido pela prioridade à questão
higienista e pela ideologia do progresso, que pressupunha a “modernização” da
cidade. (2005:38)
As ações destes dois órgãos tinham como objetivo exercer influência nas
associações de moradores desses locais, que na época começavam a ser organizar,
o que despertava certo medo dos setores conservadores, que temiam sofrer
represálias por estarem interferindo nos seus espaços, e que viam estes lugares
como ambiente de criminalidade.
Nota-se que, apesar de todo contexto de expansão do desenvolvimento
econômico, o mesmo não ocorre no âmbito social. Isto significa que se mantinha
eternizada a forma de tratamento da população pobre sobre a qual permanecem os
mecanismos de pauperização.
Nesta época o aprofundamento das relações capitalistas do Brasil vem
acompanhado do processo social de urbanização que traz como conseqüência o
aumento da espoliação dos trabalhadores e, conseqüentemente, acarretou pressões
sobre o Estado e as indústrias8
.
Após as primeiras formas de intervenção estatal para o tratamento das
expressões da “questão social” no âmbito dos direitos legais e da assistência,
iniciadas com o governo Vargas, o próximo governo9
inicia um processo de transição
para implementar uma política de abertura para o capital estrangeiro, a estabilização
monetária e controle repressivo dos sindicatos. Com isso, o planejamento no âmbito
estatal continuou a ser desenvolvido enquanto o trato na esfera social era feito
8
Na análise de Sader sobre “esse processo mostra que a pressão era orientada por meio dos sindicatos, que
conforme o processo de expansão da indústria intensificava sua organização”. (1990:65)
9
O vice João Café Filho assume o governo de transição, após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954.
22
quando as necessidades sociais eram consideradas essenciais para atender às
exigências do crescimento industrial e da acumulação capitalista.
Nesta época, no âmbito econômico foram criadas grandes instituições
públicas10
vindo a proporcionar um amplo desenvolvimento econômico para o país.
O investimento do Estado brasileiro foi de forma extensiva em diversos
setores, como: transporte, energia, comunicação e serviços de infra-estrutura
urbana, juntamente com o crescimento da urbanização, da industrialização e as
exportações de manufaturados, além das exportações de matérias-primas e outros
gêneros. Sobre esse assunto, Ianni argumenta que, “as dimensões da economia
brasileira cresceram catorze vezes, entre 1940 e 1980. Tanto é assim que a
“economia brasileira hoje é industrializada, moderna, diversificada” E a renda per
capita passa de 160 para 2.100 dólares.” (1992:90).
Contudo, o autor chama a atenção para o fato de que, apesar dessa
expansão econômica, o país permaneceu com índices altos de desigualdade,
caracterizando a sociedade brasileira pela dualidade social: de um lado moderna e
industrializada, de outro lado vivendo em condições miseráveis, particularizando as
vítimas pela fome, falta de habitação, saúde entre outros que se constituem a
própria “questão social”.
Ainda assim, segundo o autor, o desenvolvimento econômico do país
prossegue firmemente, o governo de Juscelino Kubitschek continuou a política de
expansão do grande capital, o processo de industrialização, para o controle de
emissões monetárias e diálogo com a população para conter a organização dos
trabalhadores. O presidente implementou um novo padrão de investimento do capital
10
A Petrobras em 1953, a Eletrobrás em 1961, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em 1952.
23
externo do pais, com objetivo que visa a reconstrução das economias devastadas
pela guerra e a procura por novos mercados de âmbito internacional. De acordo
com Filho,
“(...) a moldura da ideologia desenvolvimentista enquadrou de forma
categórica a problemática da “questão social”; o desenvolvimento foi “usado
como recurso para garantia da estabilidade do sistema, como forte catalisador
de mobilização e legitimação (principalmente quanto à classe operária)
tornando-se um modo efetivo de controlar as tensões sociais e políticas.”
(1982:169)
Os problemas ocorridos por esse novo modelo de desenvolvimento da
economia do país tornaram-se insuportáveis no começo dos anos 1960 levando à
redução dos investimentos, a diminuição da entrada de capital externo e
conseqüentemente a um aumento da inflação.
Neste ensejo, a década de 1960, Jânio Quadros é eleito para presidente e
João Goulart para vice. O país viveu momentos de tensão na política e estagnação
econômica. Contudo, é importante destacar que João Goulart, após a renúncia de
Jânio, não teve condições necessárias para colocar em prática sua reforma11
, devido
às pressões dos setores conservadores da sociedade, que temiam a perda de seus
poderes. Seu governo foi interrompido pelo golpe de Estado que promulgou um ciclo
ditatorial na história do país.
1.3 – Assistência Social no governo militar
11
Para maior aprofundamento sobre essas reformas, consulte o livro: A transição no Brasil: Da ditadura à
democracia de Emir Sader,1990 (pag. 11-18).
24
O golpe militar de 1964 pôs em pratica uma política de modernização
conservadora, nas análises de alguns autores12
citados ao longo desse trabalho.
Segundo eles, o golpe “estava alicerçado na necessidade de vencer as barreiras
sociais e políticas que obstaculizavam o pleno desenvolvimento de um projeto
internacionalizador, em gestão desde meados da década de 50” (Antunes, 1988:115
apud Mota, 2008:137).
As análises de Mota apontam para fato de que o país coloca em prática uma
política de modernização conservadora que permanece com o intuito de preservar e
fortalecer os laços de dependência econômica dos grandes centros hegemônicos,
“ao mesmo tempo em que necessitava quebrar a resistência organizada da
sociedade e construir as bases de um consenso passivo, legitimador daquela
ordem” Mota (2008:137).
Conseqüentemente essa dinâmica alcançou o Estado brasileiro, que
implementou essas exigências impostas pelo processo de acumulação para atender
ao grande capital, promovendo algumas mudanças na esfera da política social com
o objetivo de adaptar o país ao seu projeto político.
Desta forma, para realização desse projeto, o Estado pôs em prática uma
política de “modernização conservadora”, o Estado deixou de ser populista e se
tornou tecnocrático e centralizado, a ditadura não permitia espaços de lutas por
direitos sociais gerando um processo de esgotamento das mobilizações políticas das
associações de moradores e criando medidas arbitrárias tais como: cassação de
mandatos e dos direitos civis e políticos. Esse período destaca-se pelo planejamento
12
Sader, 1990; Fernandes, 1986; Mota, 2008; Netto,2005; Ianni,2000.
25
direto feito sob a forma de 'racionalização burocrática' de caráter econômico
concentrador e excludente e com ampla valorização do capital estrangeiro.
A ditadura militar tinha como meta o desenvolvimento brasileiro no campo
econômico, que buscava proporcionar condições de crescimento da economia de
mercado. O país experimentou o chamado “milagre econômico”, adquiriu
empréstimos que o 'beneficiou' à abertura de investimentos estrangeiros
conseguindo expandir sua economia. Conseqüentemente, ampliou-se o número de
empregos para a massa urbana. O governo ditatorial se preocupou em manter alta a
taxa de acumulação econômica e tinha como lema o tão conhecido discurso:
“primeiro fazer o bolo crescer, para então dividi-lo”. Com essa perspectiva, foram
desenvolvidas políticas preventivas. As análises de Mota (2008) recuperam o fato de
que, no Estado Militar tecnocrático promove-se
“(...) algumas mudanças no âmbito das políticas sociais procurando
funcionalizar essas demandas de acordo com o seu projeto político, por
meio da expansão seletiva de alguns serviços sociais” Essa ampliação da
cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de
seguridade social, respondeu preponderantemente pela estratégia de
modernização autoritária adotada pelos governos militares” (Mota,2008:137)
Tais medidas levam às ampliações de cobertura dos programas sociais13
.
Esses procedimentos de cobertura dos programas sociais instituídos na ditadura
militar funcionavam como estratégias de legitimação da modernização autoritária
adotada pelo governo.
Neste panorama, as ações de âmbito social se articulavam ao
desenvolvimento da industrialização, sendo que nesse período foi criado o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o Programa de Integração Social (PIS) e o
13
-Programas sociais: Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), ministrado pelo Banco Nacional de Habilitação, com
fundos do FGTS, o Programa Nacional de Alimentação (PRONAM), para alimentação completa de gestantes e crianças.
26
Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) destinado para alfabetização dos
adultos.
Para atender às exigências do grande capital, a educação tinha como objetivo
primordial o ensino técnico para fomentar mão-de-obra barata e qualificada. Assim,
todo esse conjunto de ações tinha como meta preparar trabalhadores para a
industrialização de modo que o país criasse possibilidades para o seu
desenvolvimento.
Em tal contexto é realizado um redimensionamento do seu aparato estatal e o
mantém sob seu domínio de forma centralizadora. O governo criou programas
direcionados para trabalhadores e não-trabalhadores, ampliando de forma gradual a
seguridade social. Assim, os programas de privatização relacionados à previdência e
a saúde, enquanto direitos sociais, ainda eram tratados como ajuda específica para
os mais pobres.
As políticas sociais14
promovidas pela ditadura militar faziam parte de um
processo para a acumulação de riqueza, ou seja, as políticas sociais durante o
sistema político do governo eram na verdade políticas de controle social, como
forma de compensação pelo agravamento da “questão social”, decorrente de uma
política de estagnação salarial que conseqüentemente promovia a miséria de forma
geral da população que era reprimida. É interessante observar que a política social
no Brasil promoveu avanços em períodos de governo autoritário e de perspectiva
conservadora não favorecendo a institucionalização da cidadania.
14
Houve a unificação dos Institutos de aposentadoria e pensão no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) fruto do
governo do General Castelo Branco. Em 1968 no governo do General Costa e Silva foi criado o Fundo rural com
convênio com as Santas Casas de Misericórdia ampliando a previdência para os trabalhadores rurais. Em 1971,
fundamentado-se o Programa Fundo Rural, o governo do General Médici cria o PRORURAL, que é um programa de
proteção aos trabalhadores da ditadura militar.
27
As políticas do regime militar de certa forma mantinham um 'equilíbrio' pelo
acirramento da questão social, que era decorrente dessa estagnação dos salários,
da miséria vivida pela população e da contenção que o governo realizava de forma
autoritária, demonstrando dessa forma a base de 'racionalidade15'
do governo em
questão.
Percebe-se, que a ditadura militar exercia o controle da classe trabalhadora
por meio de força, devido ao processo das perdas salariais. A queda extrema do
poder de compra dos trabalhadores demandava também os problemas sociais da
população.
Isto era notório na forma com que as políticas sociais eram elaboradas, ou
seja, como “políticas compensatórias”. Esse modelo compensatório, baseava-se em
uma norma de contrato de participação e financiamento, que acabava agravando as
desigualdades. Como sempre, essas políticas não abarcavam toda a população,
acesso era limitado. A distribuição desses serviços abrangia apenas os que
contribuíam produzindo uma estratificação da cidadania. Desta forma, as políticas
governamentais
“nas áreas que aqui se denominam de preventivas não foram de molde a
alterar significativamente o perfil das desigualdades sociais básicas, geradas
pelo processo acumulativo. O controle salarial, reprimindo a capacidade
aquisitiva de ponderável parcela da população, associado à ação insuficiente
nas áreas da educação, saúde e saneamento, permitiriam prever o
agravamento das condições gerais da população com evidente repercussão
nas demandas por “compensações”, caso a organização social estivesse
liberada antes que contida. As políticas compensatórias consistem,
precisamente, no conjunto de medidas que objetivam amenizar os
desequilíbrios sociais, em suas conseqüências, sem qualquer possibilidade
de interferir em sua geração. (Santos, 1987:79-80)
15
“A tutela militar foi a alternativa mais eficiente para o controle do poder emergente em abril, dadas a natureza do pacto
contra revolucionário e as tarefas a ditadura. Martins(1997:215) . Não podendo compor-se legitimamente com a nação,
formando uma coalizão hegemônica entre os seus sub-setores, a classe burguesa teve que impor-se coercitivamente à
nação “(...) Netto,2002:37)
28
Diante desse quadro, dos problemas sociais que se acumularam no campo16
e tiveram uma forte relevância, fez-se necessário o reconhecimento dessa questão,
e a partir de 1971 o FUNRURAL é criado. Trata-se de um programa distributivo, que
transfere a renda urbana para o meio rural. Vale destacar que esse programa rompe
com a cidadania regulada 17.
Segundo Santos:
“(...) é no FUNRURAL que o conceito de proteção social, por motivos de
cidadania, sendo esta definida em decorrência da contribuição de cada
cidadão, à sociedade como um todo, via trabalho, é mais integrado e
complexo” (1987:85).
É um programa financiado através dos impostos sobre a comercialização dos
de produtos rurais, e, em parte, por tributação incidente sobre empresas urbanas e
absorveu os trabalhadores rurais no sistema previdenciário.
Na verdade, os serviços e recursos de políticas sociais nesta época
centralizavam-se no âmbito do Governo Federal, e isto acarretava um certo vazio
das ações dos governos regionais e locais na execução das políticas públicas.
Sendo assim, a “questão social” era incorporada ao regime militar como ação
estratégica para manter a estabilidade de políticas sociais no país.
No final da década de 1970, os modelos de desenvolvimento realizado pelo
16
(..) Problemas de saúde, de segurança de garantia de fluxo de renda após o esforço acumulativo –
condicionaram os movimentos camponeses da segunda metade da década de 50. (..) (Santos, 1987:84)
17
O conceito de cidadania regulada, formulado por Wanderley Guilherme dos Santos (1987:68) e amplamente incorporado
na literatura, refere-se a um sistema de estratificação ocupacional a partir do qual “são cidadãos todos aqueles membros
da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei: Dessa
forma, “a cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no
processo produtivo, tal como reconhecido por lei”. Assim, são pré ou não-cidadãos os trabalhadores que desempenham
atividades no mercado informal, incluídos aí subempregados, desempregados, empregados intermitentes e precários e
mesmo aqueles que, embora trabalhadores regulares, assumem ocupações não-regulamentadas. Segundo ao autor, os três
parâmetros definidores de cidadania regulada são: a regulamentação das profissões, a carteira de profissional e o
sindicato público, sendo a carteira profissional “mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento
cívico” (Santos, 1987:69)
29
pela ditadura militar mostravam sinais de esgotamento. Assistia-se ao fim do
“milagre econômico”, agravavam-se as condições gerais da vida da população, o
que levou ao surgimento de movimentos sociais de reivindicação.
É válido destacar que tais movimentos sociais surgiram no final da década de
1980 como forma de enfrentamento das contradições sociais que tinham no seu
cerne a “questão social” juntamente com o sentimento de insatisfação geral da
população e com a luta pela redemocratização do país.
Sendo assim, os movimentos sociais passaram a ter desempenho no
processo de organização popular com forte relevância e esse processo aconteceu à
medida que a população superava as saídas individuais e recorria a alternativas
coletivas. Ou seja, a mobilização de diversos setores18
da sociedade civil ganhavam
expressões19
, configurando-se um contexto de intensos debates.
Nesta mesma década, uma crise mundial começava a se expandir de forma
intensa, com o esgotamento do modelo fordista-keynesiano, em face das
transformações societárias decorrentes da mundialização do capital. As novas
exigências nos processos sócio-políticos impuseram grandes desafios, o que é
fundamental àqueles que se referem à formulação e implementação de políticas
sociais eficazes e competentes que tenham como objetivo atender às demandas da
classe trabalhadora e restringir os efeitos socialmente negativos à capacidade de
intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário neoliberal.
18
Com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), a Sociedade
Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), alguns setores da Igreja Católica, entre outros.
19
Segundo Bobbio (1997, p.789) “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua
organização e a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe dos acordos políticos”.
30
Ao fim do regime autoritário20
a pressão de oposição ao regime foi um fator
importante para início do processo de abertura política. A sociedade civil
pressionava de forma intensa e decisiva, o que veio a culminar na anistia no final da
década de 1970 e na restituição dos direitos civis e políticos.
Em tal contexto de redemocratização21
, que é marcado pelo aumento do
déficit público, o forte nível de desemprego, que de forma conseqüente leva ao
aumento da pobreza, a redução dos gastos sociais e pressão da sociedade civil pela
democracia e extensão da cidadania, é que o país mergulha em uma onda de
mobilização dos movimentos democráticos progressistas organizados, que buscam
a inserção dos direitos sociais, como uma política pública consolidada para a
sociedade brasileira.
As reflexões desenvolvidas até aqui permitiram recuperar de forma breve e
sucinta algumas formas de intervenções do Estado na realidade social através da
assistência. Com isto, observa-se o tratamento dispensado aos pobres, que apesar
da expansão do sistema capitalista, não ampliou as condições dignas de
sobrevivência para esta população levando-nos a concordar com Mota (2008:24)
quando afirma que “a necessária tendência do modo de produção capitalista de criar
uma superpopulação de trabalhadores e, ao mesmo tempo, impedi-los de ter acesso
ao trabalho e à riqueza socialmente produzida”. Tal compreensão mostra que isto
não se refere apenas à situação de pobreza, mas à condição de classe trabalhadora
que travou embates e desafios para conquistar direitos.
Entretanto, mesmo diante desse reconhecimento, os direitos eram vistos
20
O General Ernesto Geisel iniciou o processo de abertura política
21
Sob o governo do General João Batista de Figueiredo, período de 1980-1985.
31
como vantagens, de um segmento de trabalhadores enquanto a assistência, neste
momento, selecionava as pessoas que dela necessitavam, ou seja, ela era
destinada à criança, ao idoso, ao deficiente, e os demais que não se enquadravam
nestas características e estavam fora do mercado de trabalho, sendo, portanto,
vistos como vagabundos pela sociedade.
Em vista disso, a questão social no Brasil sempre se apresentou em
diferentes aspectos econômicos, políticos e culturais nas suas diversas formas de
reivindicação envolvendo operários, negros, índios, aposentados, desempregados,
subempregados entre outros.
A complexidade desses problemas sociais é de tal ordem que sugere
enfoques diferentes e contraditórios, a despeito das múltiplas interpretações e
denominações da manifestação da questão social para tentar explicá-la. Sendo
assim, é importante lembrar que a economia e a sociedade, a produção e as
condições de produção, o capital e o trabalho, a mercadoria e o lucro, o pauperismo
e a propriedade privada capitalista reproduzem-se reciprocamente. O pauperismo
não se produz do nada, mas da pauperização. “O desemprego e o subemprego são
manifestações dos fluxos e refluxos dos ciclos dos negócios. A miséria a pobreza e
a ignorância , em geral, são ingredientes desses processos”. (Ianni, 2000:99)
As análises clássicas sobre o desenvolvimento brasileiro apontam para as
características de um desenvolvimento desigual22
, para as relações de favor,
clientelistas, e assistencialistas de uma sociedade que tem como base o trabalho
como pré-condição para acesso aos direitos. O padrão histórico de exploração da
22
Sobre essa concepção de desenvolvimento desigual e combinado, Ianni referindo-se ao Brasil moderno
mostrou que “uma formação social na qual sobressaem ritmos irregulares e espasmódicos ,desencontrados e
contraditórios” (...) um presente que se acha impregnado de vários passados” (Ianni, 1992:63 apud Behring
2003: 87).
32
forma de trabalho adotado pelas elites industriais e agro-exportadoras brasileira
levou a um crescente processo de espoliação e exclusão dos segmentos populares
e trabalhadores.
Contudo, na década de 1980, os debates tomaram conta da sociedade
brasileira no contexto de transição democrática onde a mobilização de diversos
setores da sociedade levou à conquista do reconhecimento da assistência social
como direito do cidadão, um dever do Estado na Constituição Federal de 1988, que
apontou as possibilidades de construção de uma esfera pública e democrática para
a assistência social.
Assim sendo, a assistência social percorreu um longo caminho para chegar à
categoria de política pública garantida pelo Estado, ocorrendo somente em 1993,
expressa na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Posteriormente, o Estado
sofrerá modificações, que conseqüentemente comprometerão suas funções
principalmente no âmbito da seguridade social, em especial a assistência social,
propósito do nosso trabalho.
Entender este processo com suas contradições e impasses é o desafio do
próximo capitulo. Nele, pretendemos estudar o percurso das políticas sociais,
através das inúmeras conquistas dos trabalhadores; destacar que esse processo
conduziu tanto à consolidação de uma nova política de assistência - evidenciando
mudanças importantes no âmbito dos direitos sociais - quanto à emergência dos
ideais neoliberais que significaram um retrocesso para efetivação desses direitos.
33
Capítulo II
Cidadania e o projeto neoliberal: o retrocesso dos direitos sociais
34
No capítulo anterior, houve a preocupação em realizar um breve resgate da
assistência ao longo da história. Identificou-se a existência de algumas formas de
ações e práticas de ajuda aos pobres que envolviam diversas limitações para o
acesso a ela como, por exemplo, a inaptidão para o trabalho e pertencimento local
organizado pela igreja para atender a população, mesmo diante da expansão do
sistema capitalista. Foi constatado que a desigualdade social, a miséria e a fome,
frutos do desenvolvimento urbano e industrial do sistema capitalista, são resultados
da divisão de classes da sociedade civil burguesa. Foi possível observar também
que, no Brasil as diversas formas de ações e práticas de ajuda aos pobres seguiam
essa mesma lógica de modelos de atendimento assistenciais decorrentes da idéia
de pobreza como disfunção pessoal e que toda ação assistencial do Estado sempre
esteve articulada à relação entre capital e trabalho.
Observou-se também que, no Brasil, o Estado se redefine para atender o
desenvolvimento do processo de acumulação e que foram criadas as primeiras
medidas na esfera do trabalho. Portanto, é neste contexto, que o Estado brasileiro
passou a reconhecer de forma gradual a “questão social” como uma questão
política. Porém, destaca-se também que tal reconhecimento se instituiu no âmbito da
moral, levando ao entendimento de que as causas da existência de expressões da
questão social devessem ser remetidas ao âmbito privado e não serem atendidas
pelo Estado através das políticas sociais, como um direito. Tal constatação tem
impactos no processo de universalização do acesso aos serviços sociais.
Buscou-se o resgate de algumas análises que mostram os paradoxos entre o
atendimento das demandas advindas do trabalho – os direitos sociais e trabalhistas -
e a modernização administrativa da ditadura militar que, por sua vez, reforçou a
35
criação de mecanismos de centralização e burocratização das decisões, tais como o
Ministério da Previdência Social e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social, entre outros.
Neste capítulo, a análise visa a compreensão das contradições presentes no
processo de redemocratização do país no que concerne à implementação dos
direitos sociais.
Desta maneira, objetiva-se dar ênfase ao direito à assistência social, no âmbito
da seguridade social brasileira - marco legal proporcionado pela promulgação da
Constituição Federal de 1988, uma vez que ela estabeleceu um sistema bastante
avançado de proteção social.
2.1 – O processo de redemocratização do país
A história da política brasileira tem sido um longo processo de articulação de
pactos da elite com o capital internacional e, no período ditatorial, esse pacto se
estendeu às forças militares, que no final dos anos 70 e início dos 80 entraram em
crise e começaram o período da transição para o regime que o substituiria. Em vista
disso, vale destacar que as históricas estruturas de poder político e econômico no
Brasil que foram estabelecidas através de padrões injustos de usufruto da riqueza
coletivamente construída, foram mantidas nesse novo direcionamento que se
consolidava no final da década de 1980, cujas vítimas foram a maioria da população,
excluída dos direitos básicos de cidadania.
Baseada em um regime escravocrata que permanece fortemente enraizado
36
em nossa cultura, a formação da sociedade brasileira constitui um elemento
fundamental para análise dos problemas que atingem a população cotidianamente,
uma vez que reforça o caráter conservador das políticas implementadas e não
democratiza as estruturas de poder estabelecidas nas esferas governamentais.
Segundo Adorno,
“regime autoritário (1964-1985) não se logrou a efetiva instauração do Estado
democrático de Direito. Persistiram graves violações de direitos humanos,
produto de uma violência endêmica, radicada nas estruturas sociais,
enraizada nos costumes, manifesta quer no comportamento de grupos de
sociedade civil, quer no de agentes incumbidos de preservar a ordem pública.
Mais do que isso, tudo indica que no processo de transição democrática,
recrudesceram as oportunidades de solução violenta dos conflitos sociais e
de tensões nas relações intersubjetivas. (1995:299)
Sendo assim, romper com essas estruturas de poder significaria a construção
de uma identidade da própria nação que se consolida a partir desses processos de
ruptura conquistados através das correlações de forças entre essas estruturas de
poder representadas pela elite, os governantes e a população. Entretanto, na
história do Brasil, as elites se antecipam à construção de uma vontade popular
surgida de baixo, ou seja, da população, e por sentirem-se ameaçadas, trabalham
na articulação desses pactos para que tudo permaneça sempre igual dentro da
ordem conservadora. Em conseqüência a esse processo
“nós continuamos presos às formas mais arcaicas, graduais e
escamoteadoras de enfrentamento dos nossos problemas. Saímos da Colônia
não para a República, mas para uma Monarquia umbilicalmente ligada à velha
potência colonial. Convivem nela o liberalismo e a exploração do trabalho
escravo – a negação mais evidente de qualquer forma de pensamento liberal,
ao se evidenciar a desigualdade formal entre os homens.” (Sader, 1990:3)
E assim, os militares pretendiam realizar uma transição controlada do alto
para os de baixo, porém esse processo passou a ser questionado por uma
37
mobilização que se consolidava principalmente pela perda da legitimidade do regime
ditatorial e tornava-se visível a fragilidade desse governo e a crise social se expandia
em grandes proporções.
A década de 1980 foi um período de efervescência no país. Com o fim da
ditadura houve um amplo movimento da sociedade civil – rearticulação do
movimento operário no ABC paulista - além da participação de novos sujeitos
políticos, onde os assistentes sociais23
engajam-se nesta luta em busca da
democratização da sociedade. Vários segmentos da sociedade uniram-se em torno
de um interesse comum: um sistema de governo que permitisse a participação da
população nas suas decisões.
O processo de redemocratização se tornou uma arena de disputa de
mudanças, onde os movimentos sociais dos trabalhadores esperavam por uma
transição realizada através de Assembléia Nacional livre e soberana, porém esta
tarefa ficou a cargo de um Congresso Constituinte como desejava a classe
burguesa. Essa disputa teve como resultado uma flexibilização a favor das propostas
conservadoras. Todavia, o movimento operário e popular era um novo elemento
político que de forma decidida entrava na história recente do país. Tratava-se de um
movimento que,
“ ultrapassou o controle das elites,(...). Sua presença e ação interferiram na
agenda política ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na
Constituinte, a exemplo de: reafirmação e afirmação dos direitos sociais;
reafirmação de vontade nacional e da soberania, com rejeição das ingerências
23
A luta pela democracia fez ecoar na categoria profissional o quadro necessário para quebrar o monopólio do
conservadorismo da profissão: no “III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (1979, conhecido como o
Congresso da virada), os segmentos mais ativos da categoria profissional vinculam-se ao movimento social
dos trabalhadores e, rompendo com a dominância do conservadorismo, conseguiram instaurar o pluralismo
político na profissão, que acabou por redimensionar amplamente não só a organização da categoria (...)
como, ainda propiciar-lhe uma inserção inédita no marco do movimento dos trabalhadores brasileiros “(...)
(Netto,1999:100)
38
do FMI; direitos trabalhistas; reforma agrária. (Behring 2003:142)
Analisando esse movimento Coutinho (2000) afirma que ele pôs fim à
ditadura, possuindo uma dinâmica contraditória:
“Os regimes ditatoriais modernizadores e não fascistas – de que são
exemplos clássicos, entre outros, o Brasil pós-64 e Espanha franquista em
seu segundo período – apresentam uma contradição fundamental:
desencadeiam forças que, a médio prazo, não podem mais controlar, ou,
em palavras mais precisas, desenvolvem pressupostos de uma sociedade
civil, que progressivamente escapa à sua tutela. Quando a pura repressão
se revela inviável, têm lugar os chamados projetos e abertura,
encaminhados pelo alto e baseados essencialmente em duas iniciativas
correlatas: a) na tentativa de adotar uma ação repressiva mais seletiva,
voltada apenas contra setores mais radicais da sociedade civil, b) no
esforço de cooptar os segmentos mais moderados da oposição, incluindo-os
subalternamente no bloco do poder.” (pág.90)
Apesar da participação incisiva da população no período de democratização
do país, o mesmo autor assinala que ocorreu uma transição “fraca” de regimes e as
aspirações da sociedade civil foram incorporadas “através de combinação de
processos pelo alto e de movimentos provenientes de baixo; e decerto o predomínio
de uns sobre os outros” (pág. 92), porém de modo que as estruturas de poder não
fossem modificadas.
Coutinho assinala que “uma transição desse tipo (...) implicava certamente
uma ruptura com a ditadura implantada em 1964, mas com os traços autoritários e
excludentes que caracterizam aquele modo tradicional de política no Brasil”. (pág.
93)
Ora, não se pode negar que o momento de transição foi marcado por disputas
acerca do projeto e perspectivas societárias, ou seja, não foi um período de transição
lenta e gradual como queriam os militares, e sim um momento de contestação e
39
organização da sociedade e dos movimentos sociais que buscavam transformações
substantivas no país. Por outro lado, o movimento operário iniciou sua
reorganização, impulsionado pelo próprio crescimento industrial, que havia
multiplicado o contingente de operários. Uma orientação nova, classista e de base
norteava seus novos líderes, centrados em parte no ABC paulista, onde a indústria
automobilística servia de alavanca para uma variedade de outros ramos econômicos.
Sobre isto Behring (2003) nos mostra que,
“num vigoroso movimento político de massas contra a ditadura, pelas
liberdades democráticas e contra a carestia, que vinha se fortalecendo desde
as greves do ABC paulista 1978-79, apontando para uma mudança social e
de pauta política progressista (...) o movimento das Diretas Já revelou uma
radiografia da sociedade brasileira assustadora para as tradições culturais das
elites, mostrando uma inquietação social mais forte que em 1964, a qual
anunciava um período histórico de ritmos fortes e ricos. (Behring:2003 p.139)
Outro exemplo marcado de forma evidente foi o movimento estudantil que
também demonstrou sua capacidade de recuperação, após ser desarticulado pela
repressão, e realizou grandes mobilizações nas ruas e reconstruiu a União Nacional
dos Estudantes – UNE e demonstrou uma nova capacidade de participação junto
com os demais setores da sociedade. Sendo assim, os protestos contra a repressão
e a tortura conseguiram, pela primeira vez, obrigar o governo a não deixar impunes
crimes cometidos e denunciados à opinião pública.
Sendo assim, o processo de redemocratização no Brasil significou o
reconhecimento dos partidos organizados - vinculados aos trabalhadores; dos
sindicatos e dos movimentos sociais como interlocutores da cena política que se
consolidava nessa época, obrigando a burguesia a incorporar algumas
reivindicações dos trabalhadores.
40
É importante enfatizar que a classe trabalhadora sempre foi uma das mais
afetadas no processo do desenvolvimento nacional, sendo sempre lesada na sua
única forma de manutenção, o trabalho. O aumento do desemprego provocou o
crescimento da desigualdade social, sendo que no período ditatorial, além da
desigualdade econômica, também lhe foi imposta a suspensão dos direitos políticos
e civis.
A concentração de renda cresceu de forma acentuada no período ditatorial
favorecendo as elites e uma parte da classe média, mas a grande maioria da
população sofria com os baixos salários e não participava do “bolo”, que, segundo a
orientação do ministro Delfim Netto na análise de Sader (1990), era necessário
“primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir fatias dele”. Diante disso,
contata-se a expansão da desigualdade social, através dos dados representados da
seguinte forma:
“ Os 5% mais ricos passaram a ter participação no total da renda nacional, em
1960, de 28,3% para 39,8% em 1972, enquanto os 1% mais ricos passavam
de 11,9% para 19,1% em 1972. No outro extremo da pirâmide, os 50% mais
pobres, de 17,4% do rendimento total em 1960, baixaram para 11,3%, no
mesmo período”.(Sader,1990:27-28)
Desta forma, para conter os ânimos dos trabalhadores, os governos do
período ditatorial buscaram desenvolver algumas ações de proteção social. Estas
favoreciam principalmente ao capitalismo, pois era necessário trabalhadores sadios
e dispostos a trabalhar pelo desenvolvimento do país.
Entre os anos de 1964 a 1985 os governos brasileiros apoiavam o
desenvolvimento do país em uma política econômica concentrada, excludente, de
valorização do capital estrangeiro, de arrocho salarial e políticas sociais que
41
dependiam do desenvolvimento econômico. Sobre isto Cignoli (1985) afirma que,
“em direção a um Estado altamente centralizado e quase inteiramente
consagrado a satisfazer as necessidades da acumulação de capital. A ação
orientou-se prioritariamente para os investimentos em infra-estrutura, em
detrimento do apoio à pequena e média indústria e ao desenvolvimento do
mercado interno. Basta assinalar que os gastos federais em capital social
passaram de 54%, no subperíodo 1950-1954, para 83%, no sub-período
1974-1975.
O total de recursos destinados ao bem-estar social e a significação
alcançada pela despesa com o aparelho de segurança (ao redor de 12% do
total) permitem concluir que o Estado se despreocupou das políticas de
'legitimação” e as substituiu pela repressão.” (Cingnoli: 1985:42)
A área de proteção social, neste contexto, teve alguns avanços como a
criação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), o Programa Nacional de
Alimentação (PRONAM) e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) - para compensar o fim da estabilidade depois de 10 anos de trabalho.
Desde modo, sabe-se que os projetos e programas eram centralizados no
governo Federal, tornando mais difícil o acesso da população aos benefícios e a
ampliação destes. A Assistência Social ainda era tratada como ajuda aos pobres,
portanto, não se concretizava como responsabilidade totalmente do Estado, que
deixava a cargo da sociedade civil a maior parte de suas funções.
Conforme nos apresenta Mota (2008) as mudanças ocorridas nas políticas
sociais tinham como pressuposto o controle social da classe subalterna devido ao
agravamento da “questão social” e da repressão. As políticas não eram
compreendidas como um direito social do cidadão e sim como um privilégio de quem
estava inserido formalmente no mercado de trabalho.
“A singularidade desse processo residiu no modo como o regime militar
procurou atender às necessidades provenientes dos impactos da expansão
do assalariamento na previdência social e na assistência médica, às
demandas sociais das classes subalternas reprimidas pelo regime e à sua
própria necessidade de legitimação política.” (Mota, 2008:137)
42
As ações do governo na área social, em vez de diminuir as desigualdades
sociais, funcionavam de forma contrária, ou seja, aprofundavam e mantinham a
desigualdade, pois uma grande parte dos cidadãos que necessitavam ser assistidos
não estava inserida nos programas, visto que a participação social estava
condicionada ao mercado de trabalho.
Foi durante a ditadura militar que a situação da economia brasileira se
agravou. E mesmo tendo intensificado o arrocho salarial sobre a classe trabalhadora
e desenvolvido políticas sociais focalizadas e seletivas, não era mais possível
manter o regime da mesma forma. O regime militar mostrava o seu declínio, pelos
baixos índices econômicos e principalmente pelas manifestações organizadas de
resistência social. A sociedade civil encontrava-se insatisfeita com as condições do
país e pressionava o governo. Em 1979 o governo teve que conceder a anistia e
restituir os direitos civis e políticos, a redemocratização trazia a esperança de
liberdade e igualdade nacional.
Sobre esse assunto é importante destacar que o processo de
redemocratização sintetizou a revolução democrática brasileira que concretizou a
Constituição de 1988. Porém, entre outras coisas ela evidenciou tanto os
antagonismos entre capital e trabalho quanto a união entre os intelectuais, a massa
popular insatisfeita e a classe trabalhadora organizada. Era, segundo Florestan
Fernandes, a constituição da nova republica que surgiu para os oprimidos como uma
oportunidade histórica e o ponto de partida para uma transformação revolucionária
da ordem social existente. Trata-se na verdade de compreender que,
43
“as duas faces da revolução não são construções analíticas ou ideológicas.
Elas são realidades históricas. Um povo que comprimiu a sua história
durante tanto tempo, em virtude de sua origem colonial, do modo de
organizar a produção e a sociedade, das sobrevivências negativas e
interferentes dessa “tradição a privilegiar os privilegiados” ao se libertar das
últimas tutelas libera os oprimidos e sua força revolucionária, se irradia por
toda a Nação oprimida e reconhece dentro de si uma história nascente e
cadente, que não vem de fora, mas de dentro e das profundezas daqueles
que ficaram por tanto anos reduzidos à impotência e à nulidade social,
barrados da condição humana. ”(Fernandes, 1986:92)
Assim sendo, a sociedade brasileira, na década de 1980, passou por um
período decisivo e de grandes transformações. Do ponto de vista econômico, foi
considerada a “década perdida”, determinada pelo aumento da dívida externa.
Referente à questão democrática, o momento foi de grande importância, da
reconquista do direito ao voto universal e direto para presidente. Na esfera política,
consagrado como um marco da democracia, o retorno dos exilados ao país e a
universalização do direito ao voto, possibilitando uma participação dos cidadãos na
vida política do país.
É neste contexto que se resgata a assistência como política governamental,
essa forma histórica com que a sociedade se mobilizou pela redemocratização
culminou em um processo de uma nova constituinte que irá se concretizar em 1988
através de uma Constituição considerada avançada para os moldes do Brasil até os
dias de hoje.
2.2 - Da Constituição Federal de 1988 ao projeto neoliberal no
Brasil.
A sociedade brasileira em 1988 conquistou uma grande vitória com a nova
44
constituinte, pois foi através desta que os direitos civis e políticos foram ampliados e
os direitos sociais passaram a fazer parte de um novo modelo de cidadania
brasileira.
A Constituição Federal de 1988 apresenta como avanços os direitos sociais
que envolvem a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Esses direitos estão precisos no artigo 6º e 11º da Constituição, dando proteção aos
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, o direito à livre associação profissional
ou sindical e o direito de greve.
O Título VIII da Constituição trata do Sistema de Seguridade Social,
definindo-se como “um conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes
públicos e da sociedade destinadas a segurar os direitos relativos à saúde,
previdência e assistência social” (Constituição Federal de 1988, artigo 194). Sendo
estabelecida a regulamentação de um salário-mínimo para aposentadorias e
pensões e o pagamento de um salário-mínimo mensal para portadores de
deficiência e idosos que não pudessem ser mantidos pela própria família,
independente de terem contribuído ou não para a previdência social.
E, no artigo 203 da Constituição Federal, ao referir-se especialmente a este
novo direito social, está subscrito que,
“a assistência social será prestada a quem dela necessitar independente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice;
II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora
45
e deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover
própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família conforme dispuser a
lei”. (Constituição Federal de 1988)
Vale destacar aqui a primeira restrição deste direito, que não é de todos, é
destinados aos desamparados ou aos que dela tiverem necessidade. Ao explicar
seus propósitos, o texto institui uma distinção de como se aplica o direito entre os
que são capazes de trabalhar e os que não são capazes. Observa-se que,
“a proteção, o amparo, a habilitação e a garantia de uma renda mínima
destinam-se especificamente àqueles cuja situação não lhes permite
trabalhar: Maternidade, infância, adolescência, velhice, deficiência. Àqueles
que não se inserem nestas situações, o objetivo é outro: não assistir, mas
promover a integração ao mercado de trabalho (Boschetti, 2003:46)
Ainda assim, o que podemos observar é que a nova Constituição Federal de
1988, considerada o nosso maior avanço, indicava a construção de um sistema de
proteção social nunca visto antes no país, através das garantias constitucionais, ao
mesmo tempo em que o mundo contestava o Estado de Bem-Estar Social,
substituindo-o pela justificação imposta pelo projeto neoliberal, o que leva à seguinte
conclusão de Netto:
(...) a Constituição de 1988 apontava para a construção – pela primeira vez
assim posta na história brasileira – de uma espécie de Estado de bem-estar
social: Não é por acaso que, no texto constitucional, de forma inédita em
nossa lei máxima, consagram-se explicitamente, como tais e para além de
direitos civis e políticos, os direitos sociais (coroamento, como se sabe, da
cidadania moderna). Com isto, colocava-se o arcabouço jurídico-político
para implantar, na sociedade brasileira, uma política social compatível com
as exigências de justiça social, eqüidade e universalidade”. (Netto, 1999:77)
Nestes termos, a Constituição Federal não abrange apenas os direitos civis e
políticos, mas pela primeira vez na história do país, torna-se extensiva também aos
direitos sociais. É importante destacar que este momento é grande relevância para
a sociedade brasileira resultou da crescente luta da sociedade em prol da
46
democracia. Entretanto, neste mesmo período, o outro lado do mundo iniciava uma
crise de grandes proporções; onde o Estado de Bem-Estar dos países centrais, que
explicitaremos mais adiante, entrava em declínio. Não obstante, os direitos foram
ampliados na Constituição Federal de 1988. Sobre isto, Potyara argumenta que:
“(...) graças à mobilização da sociedade, as políticas sociais tornaram-se
centrais, nessa década, na agenda de reformas institucionais que culminou
com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta Constituição, a
reformulação formal do sistema de proteção social incorporou valores e
critérios que, não obstante antigos no estrangeiro, soaram, no Brasil como
inovação semântica, conceitual e política. Os conceitos de “direitos sociais”,
“seguridade social”, “universalização”, “equidade”, “descentralização político-
administrativa”, “controle democrático”, “mínimos sociais”, dentre outros,
passaram, de fato, a constituir categorias-chaves norteadoras da constituição
de um novo padrão de política social a ser adotado no país.” (Potyara,
2008:152)
Sem dúvida, é possível considerar a importância da Constituição Federal de
1988, porque esta foi formulada para a viabilização da cidadania como um marco
fundamental na história do país, tendo como propósito o bem-estar do homem
através da realização de todas as necessidades básicas para uma vida digna,
definindo-se como um estatuto básico de uma ordem social. Contudo, estas
possibilidades sofrem uma interrupção em decorrência dos avanços do projeto
neoliberal no pais que, através de um amplo processo de reestruturação produtiva e
flexibilização das relações trabalhistas, colocou em xeque muitas das conquistas
garantidas no texto Constitucional.
Neste contexto de mudança, período em que o Brasil recebia uma
Constituição mais cidadã, os países desenvolvidos estavam sofrendo um reajuste
estrutural como apresentou Mota (2008), para superar a crise e conter a queda de
investimentos produtivos, o desemprego crescente e a ampliação das dívidas dos
47
países periféricos, uma vez que
“(...) a crise dos anos 80 é qualificada como a crise do capital, cuja principal
determinação é econômica, expressa num movimento convergente em que
a crise de superprodução é administrada mediante expansão do crédito
para financiar tantos os déficits dos países hegemônicos como a integração
funcional dos países ao processo de internacionalização do capital. (Mota,
2008:55).
Sendo assim, é possível observar que as primeiras eleições para presidente
no Brasil depois da ditadura militar foram perpassadas por novas orientações no
âmbito social brasileiro e internacional, pois enquanto aqui inaugurava-se uma nova
concepção de proteção social universal, os países desenvolvidos incentivavam a
privatização e a focalização dos programas sociais.
Os candidatos que disputavam o primeiro governo democrático depois de
anos eram Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, que venceu as
eleições. Assim que assumiu a liderança do país, Collor iniciou os ajustes
neoliberais, com o discurso de recuperar a economia brasileira. Mas o que o
governo realizou foi seguir paulatinamente as orientações dos organismos
internacionais.
Tem-se, como exemplo de medidas tomadas pelo governo o confisco dos
rendimentos econômicos, corte nos gastos públicos, redução de impostos para
importação/exportação estrangeira e o incentivo à privatização. Essas medidas não
tiveram o impacto esperado na economia, pois houve aumento de desemprego e a
inflação não diminuiu mergulhando o país em uma nova crise econômica.
Segundo Sader,
“ O Brasil que sai da transição política herda pesadas cargas do regime
ditatorial que hipotecou o futuro do país ao colocar em práticas uma política
econômica de favorecimento do grande capital monopolista e financeiro
48
internacionalizado, em detrimento da grande maioria da população, que não
tem atendidas suas necessidades básicas de sobrevivência. O mercado
externo e o interno de consumo supérfluo ocuparam o lugar da produção de
bens essenciais á enorme massa de pobres e miseráveis que constituem
80% dos brasileiros”(1990:89)
Neste período o Brasil passou toda a década de 1990 endividado com “os
empréstimos de Fundo Monetário Internacional (FMI) e sujeito às regras do
Consenso de Washington24
que privilegiaram os interesses financeiros internacionais
e são avessas a quaisquer políticas sociais”. Dessa forma, os direitos constitucionais
adquiridos passam a ser, desde meados dos anos 1990, um dos fatores de conflitos
a serem enfrentados na reforma do Estado a ser implementada. É nesse contexto
que a crise do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes que ele pudesse
ser de fato, implantado em sua plenitude.
No entanto, ao assumir o cargo mais importante da nação, o então presidente
Fernando Collor de Mello desorganizou o Estado, privatizou empresas estatais e
iniciou a abertura da economia brasileira ao mercado externo, dando os primeiros
passos para o projeto neoliberal. O Brasil mergulhava em uma política econômica
recessiva, e houve um expressivo corte nos postos de trabalho, elevando a taxa de
desemprego. A queda no nível das atividades industriais levou muitas empresas à
reorganização interna para reduzir os seus custos de produção, racionalizando os
processos produtivos e administrativos. A implementação de uma reforma sem
planejamento no setor público, sob a argumento de diminuí-lo, no âmbito da
privatização foi desenhado sem objetivos conseqüentes e assim,
“a política econômica nos dois anos de governo Collor pautou-se por uma
adequação destrutiva ao reordenamento mundial. Não houve qualquer ação
mais ousada em relação ao problema do endividamento, sem o que é
impensável uma perspectiva de investimento e de crescimento, somando
24
Segundo Mota na análise de Num, “o Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento
de cunho neoclássico, elaborado pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo think
tanks de Washington e que, agora, passa como sendo a única interpretação racional possível dos
problemas de estabilização e do crescimento” ( Num,1992:48 apud Mota, 2008:79).
49
elementos aos processos de desarticulação progressiva do padrão de
desenvolvimento da economia brasileira, em especial da capacidade do
setor público. (Behring, 2003:152)
Sendo assim, os sinais de corrupção começaram a aparecer no governo
Collor, e uma série de denúncias tornava-se cada vez mais evidente e o congresso
se vê pressionado, então abre um processo de impeachment, Collor é afastado do
poder e quem assume é o seu vice, Itamar Franco, que permanece no poder por
dois anos.
Neste período, após um longo processo de luta, a Lei Orgânica da Assistência
Social – a LOAS25
, foi promulgada nesse governo, em 1993, que introduz um novo
conceito de assistência social e atribui ao Estado o dever de garanti-la. Vale
destacar os diferentes conjuntos de agentes e entidades sociais atuantes na área da
assistência social26
que atuaram nesse processo em defesa das conquistas
históricas. Entretanto, como todo direito social adquirido neste país, teve uma forte
resistência da classe dominante e não foi diferente com a LOAS, que nasceu sob a
perversa diretriz da política neoliberal, seu processo de construção foi de tensão e
embates, o que acarretou em diversas mudanças do projeto de origem. Isto foi
percebido na sua definição do cortes das propostas, na sua elaboração e também
no quesito da idade como critérios para sua concessão no benefício da prestação
continuada Os adversários no processo de elaboração da LOAS,
“(...) tentaram inviabilizar por todos os lados, inclusive o Juthay (ministro no
25
Lei nº8.742, de 7 dezembro de 1993.
26
“ No que se refere aos trabalhadores da assistência social, observamos que os assistentes sociais organizados
em suas entidades corporativas e acadêmicas tiveram atuação política destacada durante todo o processo de
debate e negociação dos diferente projetos. Assumiram, em muitos momentos, papel de direção política e
cultural, politizaram os debates, estabeleceram alianças políticas nos campos governamental, parlamentar,
acadêmico e partidário, o que foi fundamental para o nível de consenso possível que conduziu à aprovação
de proposta final da LOAS (Raichelis,2000:124-125)
50
Bem Estar Social) chegou a chamar seus assessores que estavam
encaminhando junto à sociedade civil a proposta da lei, para dizer a eles que
parassem com tudo, porque Fernando Henrique Cardoso e o Serra não
queriam a Lei Orgânica da Assistência Social (...) Depois de muito confronto,
ele tentou essa limitação do per capita, a questão da idade, como acabou
ficando, tudo isso forçado pelo Ministério da Fazenda...”(Raichelis, 2000:151)
Neste contexto de descompasso com as demandas da sociedade e o mal-
estar instalado em todos os setores do governo, foi necessário buscar nova
articulação política com o propósito de formar uma sustentação para a
governabilidade do país. E essa nova articulação envolve novas alianças políticas27
,
que ocasionará propostas conservadoras que vão contradizer a LOAS. Na verdade,
esse governo de transição foi palco de
“avanços limitados no que se refere à legislação complementar à Constituição
de 1988, a exemplo da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Mas será
também o momento de articulação e coalização conservadora de poder
constituída em torno de Fernando Henrique Cardoso, então à frente do
Ministério da Fazenda, onde foi formulado o plano de estabilização
protagonizado pela nova moeda: o real (Behring,2003:154)
O governo de Fernando Henrique Cardoso assume a partir de 1994 e segue
essas reformas estruturais, que primeiramente se deram com Collor de Mello, já
sintetizado anteriormente. Essas reformas são: a privatização do patrimônio público,
a abertura comercial, flexibilização nas relações de trabalho e promove uma
mudança fundamental na transformação do Estado que conseqüentemente acarreta
um ataque à seguridade social e a assistência social tem um novo direcionamento.
Dentro desse reordenamento, imposto pelo projeto neoliberal, o Estado é o
principal elemento de ataque. Diante disso, se faz necessário observar de forma
sucinta como o Estado de Bem-Estar Social se constitui, cujas experiências28
não
27
“uma composição ministerial que incluía o PSDB”. (Behring, 2003:152)
28
Os países que vivenciaram essas experiências. Modelo conservador: Alemanha, França, Itália, Áustria; Modelo Social
51
foram inseridas no Brasil, e mesmo assim o Estado brasileiro passa por esse mesmo
direcionamento.
Compreende-se que, o Estado de Bem-Estar Social se desenvolveu
principalmente na Europa. Seus princípios constituíam parte da social-democracia e
envolvia a ampliação do conceito de cidadania. Garantia aos cidadãos acesso a
direitos sociais através de um conjunto de bens e serviços que deveriam ser
fornecidos e garantidos pelo Estado, promove-se assim a defesa da eqüidade social.
Através do modelo de Estado de Bem-Estar Social, o Estado intervinha na
economia, que era regulada e planejada pelo mercado. Esta intervenção fazia-se
através de legislações trabalhistas e sindicais com o controle salarial e ganhos de
benefícios que formavam um conjunto de ações que envolvia a previdência, a
assistência social, a educação, a saúde e a moradia, serviços que funcionavam
como salários indiretos, mantidos por meio de políticas de seguridade social.
Outra forma, que contribuiu para a formação do sistema de proteção social,
nestes países que viveram o Estado de Bem Estar Social, foi a organização e a
participação política da classe trabalhadora nos movimentos sindicais, que
alcançaram um caráter representativo no decurso das negociações com a classe
burguesa, o que teve forte relevância na institucionalização deste sistema.
Consolidando-se como uma política anticíclica,
“o keynesianismo institui as políticas estatais de regulação econômica e
social, de que são exemplos a planificação econômica e a intervenção na
relação capital/trabalho, por meio da política salarial, da política fiscal, da
política de crédito e das políticas sociais públicas” (Mota: 2008:127)
Democrata: Países escandinavos; Modelo Democrático Social: Escandinávia; Modelos Escandinavos:Suécia, Dinamarca,
Finlândia, Noruega; Modelo Liberal: EUA, Austrália, Canadá e Suíça, Nova Zelândia. (Silva, 2007:67)
52
No final da década de 1960 as economias centrais iniciaram um processo de
declínio fruto da saturação do padrão de acumulação do modelo fordista
keynesiano. Conseqüentemente, nas décadas de 1970 e 1980, as economias
enfrentaram ciclos recessivos, o que originou a inflação, e a expansão do mercado
financeiro em detrimento do setor produtivo.
Seguindo essa racionalidade sabe-se que a década de 1980 foi marcada pelo
crescimento das desigualdades sociais, que estão relacionadas com o fim do pleno
emprego devido à expansão do processo de reestruturação produtiva. Neste
período, no mundo presenciava-se acontecimentos importantes como o desmonte
do Estado de Bem Estar Social, o fim do socialismo real29
e a formação do Consenso
de Washington (1989), o que conseqüentemente teve implicações substantivas para
as políticas econômica e sociais dos países periféricos.
Com o desenvolvimento dessa crise nos anos de 1980, presenciamos “a
fusão do capital bancário com o industrial”, que é típica desse processo que entra
“Na fase dos monopólios, a intervenção estatal incide na organização e na
dinâmica econômicas desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais
exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado
imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas. (Netto,
2005:25)
Observa-se que, nos anos de 1980, a América Latina e o Brasil se movem em
torno da expectativa de grandes reformas sintetizadas pelo Consenso de
Washington, sem levar em consideração as condições adversas em que se
enquadram esses países, em especial o Brasil em sua situação social, política e
econômica, constituindo-se a maior parte das políticas adotadas aqui
29
“ a conseqüência mais visível da crise do socialismo real, para a ordem burguesa, é que o capitalismo e os
ricos pararam, por enquanto, de ter medo’, precisamente porque, ‘ por enquanto, não há nenhuma parte do
mundo que apresente com credibilidade um sistema alternativo ao capitalismo (Netto, 199:42)
53
semelhantemente às antigas políticas assistencialistas destinadas a remediar a
pobreza, com precários investimentos neste âmbito apesar da existência de direitos
regulamentados. No caso brasileiro,
“assistimos ao que Francisco de Oliveira denomina de “regulação truncada” do
Estado e em que se funda a base de formação do Estado de mal-estar social.
“ Aqui os fundos públicos se privatizam apenas numa direção, na direção da
substituição dos fundos de acumulação privada pelas estatais, mas não há
uma contrapartida no sentido de corrigir o mercado em termos de salário,
distribuição de renda, etc.”(...). Afirma ainda, que “esta metamorfose(...) é sutil
diferença que separa a utilização dos fundos estatais, em casos como o do
Brasil, do processo de regulação pública, característicos do Welfare
State”(Oliveira, 1990:68 apud Mota,2008:141)
Embora o Estado brasileiro iniciasse seus primeiros passos no âmbito da
universalização no que se referia aos direitos sociais, a partir da Constituição de
1988 os defensores30
da reforma do Estado definiam que a crise no Brasil foi
determinada pelo seu modo de intervenção, na sua forma burocrática, lenta, à
corrupção permitida e a sua política clientelística e patrimonialista, principalmente a
partir da Constituição de 1988. E, portanto, se fazia necessário que o país revisse
sua autonomia no aspecto financeiro, para alcançar uma sociedade moderna, ou
seja, entrar na era da globalização. A respeito desse assunto, Behring sintetiza
sobre o novo papel que agora é destinado ao Estado. Para ela,
“parte-se do pressuposto de que se ele continua sendo um realocador de
recursos, que garante a ordem interna e a segurança externa, tem os
objetivos sociais de maior justiça e eqüidade e os objetivos econômicos de
estabilização e desenvolvimento. Contudo, para assumir os dois últimos
papeis, cresceu de forma distorcida. Hoje, então, a “reforma” passaria por
transferir para o setor privado atividades que podem ser controladas pelo
mercado, a exemplo das empresas estatais. Outra forma é a
descentralização, para o “setor público não estatal”, de serviços que não
envolvem o exército do poder de Estado, mas devem ser subsidiados por
ele, como: Educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Este processo é
30
Os integrantes do Plano Diretor da Reforma do Estado do Ministério da Administração e da Reforma do
Estado (PDRE-Mare)
54
caracterizado como publicização e é uma novidade da reforma que atinge
diretamente as políticas sociais. Trata-se da produção de serviços
competitivos ou não exclusivos do Estado, estabelecendo-se parcerias com
a sociedade para o financiamento e controle social de execução. O Estado
reduz a prestação direta de serviços, mantendo-se como regulador e
provedor. Reforça-se a governance por meio da transição de um tipo rígido
e ineficiente de administração pública para a administração gerencial,
flexível e eficiente. Para os autores do plano, o governo brasileiro não
carece de governabilidade, mas de governance.(2003:178)
Nestes termos constata-se, a partir da análise da autora, o desprezo dado à
Constituição de 1988, que abriu possibilidades concretas de avanços sobre espaços
que outrora eram pertencentes apenas a uma classe, principalmente pela primeira
vez na história do país abarcou interesses da classe trabalhadora, onde o Estado
tem forte relevância de consolidar esta dívida social com a população no campo dos
direitos sociais e de forma indispensável o dever de garanti-los.
Com esse breve retrospecto do Estado de Bem Social vivenciado nos países
acima citados, pode-se comparar as estruturas econômica, política, cultural e social
desses países com a estruturas dos países da América Latina e no caso específico
o Brasil, onde não houve essa experiência. Mesmo assim, a reforma do Estado foi
implementada, e a partir de 1994, o país entrou no Plano Real, sendo este o
principal produto do governo Fernando Henrique Cardoso. Nesse sentido, observa-
se que
“O Plano Real não foi concebido para eleger FHC; FHC é que foi concebido
para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar sustentação e
permanência ao programa de estabilização do FMI, e viabilidade política ao
que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial” (Fiori,
1997:14 apud Behring, 2003:156)
Esse contexto é marcado por uma política de ajustar o país a três pontos de
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento da Questão Social no Brasil Aluna Elisabete Baptista Damasio Orientadora Profª Drª Cleusa Santos Rio de Janeiro JUNHO/2009 1
  • 2. ELISABETE BAPTISTA DAMASIO Aluna do Curso de Serviço Social matrícula 104133246 Assistência Social - Avanços e retrocessos: reflexões sobre os limites da Política Nacional de Assistência Social no enfrentamento da Questão Social no Brasil Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação do Curso de Serviço Social Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Orientadora Profª Drª Cleusa Santos Rio de Janeiro 2009 2
  • 3. Por isso, o Direito igual continua a ser, aqui, – por princípio –, o Direito Burguês, ainda que princípio e prática já não se agridam mais, agarrando-se pelos cabelos ... Apesar desse progresso, esse Direito igual continua a estar aprisionado em uma limitaçao burguesa. ... Trata- se, portanto, segundo seu conteúdo, de um Direito da desigualdade, tal como todo Direito." Marx e Engels. 3
  • 4. AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS A minha mãe, que sempre foi um espelho pela sua força, coragem e incentivo mesmo quando todos e tudo estavam na contra mão da minha vida. Ao meu pai, mesmo não estando presente, continua a incentivar meu percurso na Terra. Agradeço à minha orientadora Cleusa Santos, que dispôs do seu tempo e até do espaço da sua casa, para atender minhas dúvidas e principalmente por aguçar cada vez mais o meu interesse em procurar melhorar o meu desempenho. Agradeço às minhas amigas que estiveram próximas durante essa trajetória da graduação e compartilharam comigo de discussões, debates que contribuiriam com sugestões, e críticas que serviram de apoio para as minhas angústias e dúvidas. 4
  • 5. SUMÁRIO Resumo ..................................................................................................................6 Introdução .............................................................................................................7 PRIMEIRO CAPÍTULO 1 o Contexto Sócio-Histórico da Assistência Social no Brasil: um resgate necessário 1.1 A assistência na história.................................................................................12 1.2 A trajetória da assistência no Brasil................................................................25 1.3 A assistência no governo Militar.....................................................................30. SEGUNDO CAPÍTULO 2 Cidadania e o Projeto Neoliberal : o retrocesso dos direitos sociais. . 2.1 O processo de redemocratização no país.....................................................42 2.2 Da Constituição Federal de 1988 ao projeto neoliberal no Brasil...................54 TERCEIRO CAPÍTULO 3 O Avanço da Assistência Social em um processo de contradição 3.1Uma breve síntese da Política de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social..................................................................................................75 3.2 A expressão de uma contradição no campo da assistência social..................83 3.3 A responsabilização da sociedade civil no enfrentamento da “questão social”.....................................................................................................................87 Considerações finais..............................................................................................109 Referências bibliográficas......................................................................................119 5
  • 6. RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de curso pretende contribuir para o debate em torno da Assistência Social no âmbito dos avanços e retrocessos, na política nacional de assistência social e a importância dessas reflexões para o Serviço Social, que objetiva desvelar a presença e o enfrentamento da questão social por parte do Estado, visando reconhecer as particularidades das múltiplas expressões da mesma na história da sociedade brasileira. No primeiro capítulo, buscamos um breve e sucinto resgate histórico da assistência com o objetivo de mais adiante fazermos uma comparação sobre a filantropia do passado com a filantropia dentro da política nacional de assistência social. No segundo capitulo, buscamos mostrar a luta e a conquista dos direitos sociais e o seu reconhecimento como política pública de fato garantida pelo Estado, como um avanço, e em seguida a entrada do projeto neoliberal no Brasil, que redefine o papel do Estado e que direciona essas políticas sociais para um retrocesso. No terceiro e último capítulo relacionamos as expressões da questão social da contemporaneidade e a questão da refilantropização dentro da política nacional de assistência social, através das novas bases para a relação entre o Estado e a sociedade civil, destacando-se o terceiro setor, o voluntariado e a responsabilidade social como forma de intervir na “questão social”, o que nos reporta a um verdadeiro retrocesso. 6
  • 7. Introdução O presente Trabalho de Conclusão de Curso resulta em um estudo com base em fontes bibliográficas, reportagens de jornais e informações do Ministério de Desenvolvimento Social sobre a Assistência Social no Brasil, com o objetivo de realizar uma reflexão sobre os direitos conquistados historicamente e a dificuldade de tornar essa conquista como política pública de fato, mesmo após a sua inclusão na Constituição Federal de 1988, onde a Assistência Social adquiriu o status de direito. Realizamos uma reflexão das novas formas de intervenções dadas às expressões da “questão social” e é dentro da Política Nacional de Assistência Social, através do Sistema Único de Assistência Social, em um dos seus eixos estruturantes, que se configura, nas novas bases para a relação entre o Estado e a Sociedade Civil. O discurso de responsabilização da sociedade está relacionado com a compreensão de que a sociedade civil é a única capaz de resolver problemas da questão social e o Estado é classificado como incapaz. A partir dessa perspectiva gera-se uma dicotomia entre Estado e sociedade civil, estimulada pelo projeto neoliberal. Esse novo direcionamento se dá na medida em que o Estado se retira do papel de formulador e implementador de políticas públicas de caráter universal. É a partir desse processo que se pretende problematizar os avanços e retrocessos da assistência social. No primeiro capítulo realiza-se um breve resgate da trajetória da assistência 7
  • 8. construída historicamente em alguns países e suas diversas formas de ações e práticas de ajuda aos pobres, sendo que alguns modelos de intervenção no atendimento assistencial se desenvolveram no Brasil, principalmente a partir de 1930, que a “questão social” passa a ser reconhecida, porém os direitos são vinculados à relação capital e trabalho e a assistência se destina aos segmentos mais pobres da população. Desta forma, com a entrada do capitalismo monopolista no Brasil, o Estado se redefine para atender o desenvolvimento do processo de acumulação que veio consolidar esse segmento de expansão. Dentro do regime ditatorial, as políticas sociais faziam parte de um processo para a acumulação de riqueza, na verdade funcionavam como uma política de controle social. É importante destacar que a política social no Brasil promoveu avanços em períodos de governo autoritário, entretanto não favoreceu a instituição da cidadania de fato. Ora, devemos lembrar que as políticas sociais eram elaboradas como “políticas compensatórias”, que acabavam agravando as desigualdades. Como sempre, essas políticas não abarcavam toda a população. A distribuição desses serviços atendia os que contribuíam, produzindo uma estratificação da cidadania. Por conseguinte, a crise mundial ocorrida no final da década de 1970 começava a se expandir de forma avassaladora, com o esgotamento do modelo fordista-keynesiano, em face das transformações societárias decorrentes da mundialização do capital. As novas exigências impostas pelo sistema capitalista impuseram grandes desafios, que acarretaram os efeitos socialmente negativos à capacidade de intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário 8
  • 9. neoliberal. Ao término da ditadura militar, a oposição ao regime teve grande repercussão, destacando-se como um fator importante para início do processo de abertura política. A sociedade civil organizada pressionava de forma intensa, exigia os direito civis e políticos. O segundo capítulo traz a fase de redemocratização do país, com reconhecimento dos partidos organizados e vinculados aos trabalhadores, dos sindicatos e dos movimentos sociais, como interlocutores da cena política que se consolidava nesta época. Vale lembrar que a sociedade brasileira vivenciou o momento de uma revolução democrática, segundo alguns autores que serão destacados ao longo desse trabalho. Esse fato histórico veio a estabelecer a Constituição Federal de 1988 colocando a assistência no patamar de política pública junto com a saúde e a previdência social no quadro da seguridade social tendo o Estado como garantidor desse direito. Entretanto, verificamos que logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado tem um novo direcionamento acarretando transformações em relação às políticas sociais sob orientações advindas do Consenso de Washington. O terceiro capitulo objetiva demarcar os avanços e retrocessos dentro da Política Nacional de Assistência Social, que estabelece as novas bases para a relação entre Estado e sociedade civil como eixo estruturante do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. A reflexão sobre esse assunto centra nas novas bases que formam essas relações na sociedade, destacando-se o terceiro setor, o voluntariado e a responsabilidade social e o que significa essa nova forma de intervenção dada a “questão social”, em face a tal realidade. 9
  • 10. CAPÍTULO ICAPÍTULO I O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NOO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: UM RESGATE NECESSÁRIOBRASIL: UM RESGATE NECESSÁRIO 1.1 A ASSISTÊNCIA NA HISTÓRIA Para entendermos a forma com que a assistência se apresenta hoje em nosso país é necessário, antes de tudo, conhecermos o significado desse conceito. Para compreensão dessa análise, buscar-se realizar uma sucinta constituição histórica da assistência desde a sua gênese, sobretudo devido às particularidades históricas que sempre reforçam perspectivas assistencialistas com relação à política social, conforme veremos adiante. Sendo assim, uma observação mais atenta sobre esse processo mostra que a assistência ao outro é uma prática antiga na humanidade. E ao longo da história, os grupos religiosos foram designados às práticas de ajuda e apoio aos pobres. Conforme mostra Yazbeck (2007) a assistência “não se limita nem à civilização judaico-cristã nem às sociedades capitalistas. A solidariedade social diante dos pobres, dos doentes e dos incapazes se coloca sob diversas formas nas normas morais de diferentes sociedades”. Assim, muitos exemplos históricos de 10
  • 11. solidariedade e compromisso desses valores foram inseridos nas sociedades do mundo. Esse processo de ajuda os pobres e desvalidos tornou-se algo natural e são práticas eternizadas até hoje, apesar do grande desenvolvimento nas esferas da vida social, particularmente na produtiva. Desta forma, o modo que era dado a esse tratamento, ou seja, “essa ajuda sempre seguiu o pensamento construído historicamente de que em toda sociedade haverá sempre os mais pobres, os doentes, os frágeis, os incapazes, os que nunca conseguirão reverter essa condição de miserabilidade, precisando sempre de ajuda e da misericórdia dos outros”. (Yazbeck, 2007:40) Nesta perspectiva, o homem é visto como um ser naturalmente dependente, pela suas necessidades e carências cabendo a ele superar seus desafios impostos por uma sociedade liberal. Contudo, observa-se que a benemerência, como um ato de solidariedade, foi se constituindo em prática de dominação. Um exemplo disto foi a construção dos asilamentos na França. É importante atentar que a assistência não era compreendida com um direito e sua prática sempre esteve ligada à caridade, à benesse e à benevolência, conforme se assiste nos dias de hoje, apesar dos avanços legais conquistados através de processo de lutas emergidas ao longo da história. No século XIV, no Antigo Regime, existiam ações para atender aos “desafortunados” que eram constitutivas de esmolas. Havia, também, controle da mendicância e repreensão da vagabundagem. Portanto, “a assistência dirigiu-se apenas aos pobres que comprovadamente, demonstrassem sua incapacidade para o trabalho” (Boschetti, 2003:52). E com esse pensamento as ações interventivas 11
  • 12. eram utilizadas pelas classes dominantes sempre utilizando novas estratégias de domínio e principalmente a permanência da ordem social. Os podres, mendigos, e os considerados inválidos sempre puderam contar com medidas assistenciais, sobretudo quando preenchiam o critério da proximidade de domicílio. A esta população somente eram destinadas ações assistenciais. Naquela época, a assistência ficava reduzida a um conjunto de ajudas sociais sob a responsabilidade, principalmente, da Igreja. Cada paróquia era obrigada a se responsabilizar pelos pobres de seu território e quem era atendido em um determinado local ficava impedido de se deslocar, devido às poor laws que proibiam a mendicância. Tais medidas, “(...) adotadas inicialmente em âmbito local, foram retomadas pelas legislações nacionais em quase todos os países que hoje constituem a Europa, sendo as mais conhecidas as poor laws inglesas que irão resultar na lei Elizabetana de 1601. As poor laws eram voltadas para proteção social, destinada àqueles incapazes de produzir devido à sua pouca idade ou doença, e àqueles que se reconheciam como fracassados, incapazes de obter o suficiente para seu sustento e de sua família. Os indigentes eram obrigados a abrir mão dos seus direitos políticos, obtendo em troca uma ajuda social. Assim, essa lei não reconhecia os direitos de cidadania”. (BOSCHETTI, 2003:50) Outro exemplo, que se pode destacar como tratamento utilizado para solucionar o problema da população, que se encontrava vulnerável socialmente, foi o das Workhouses, implantadas em escala na Europa no século XVII, vistas como medidas mais elaboradas para a contenção da população e manutenção do pertencimento local e da ordem social. Nesse sentido, o trato era diferenciado de acordo com aptidão ou inaptidão para o trabalho. Sobre isto, do ponto de vista institucional, o regulamento das workhouses combinava enclausuramento com trabalho forçado e orações para “corrigir” os 12
  • 13. mendigos. Assinala que “o critério da inaptidão para o trabalho é um forte eixo de composição da assistência social, e talvez, o que mais definiu sua esfera de compreensão” (Boschetti, 2003:52). Neste contexto, não basta ser pobre ou indigente para cumprir o requisito de ser atendido pela domiciliação, assistência destinava-se apenas aos pobres que, comprovadamente, demonstravam sua incapacidade para o trabalho, e este critério se prolongou por séculos. Nestes termos, sabe-se que no século XVI, na Europa, houve uma série de leis que eram destinadas a reprimir a pobreza condenando a pessoa que mendigava a trabalhos forçados. Destinavam-se à proteção assistencial os inaptos para o trabalho, porém, não se questionava a falta de trabalho para todos. Historicamente, assistia-se a uma forte influência da relação de incompatibilidade entre o trabalho e assistência, e somente, a partir do século XX, é que os pobres sem trabalho, mais capazes de trabalhar, passam a ter direito à assistência social, em forma de programas de transferência de renda, em alguns países da Europa. No Brasil, a assistência incorporou toda sua constituição no critério de inaptidão ao trabalho. E sobre esse assunto, nos remete todo o nosso desenvolvimento social e econômico, como será demonstrado adiante, no decorrer desse trabalho. Porém, na análise de Boschetti define-se que “Não se constituindo exatamente uma novidade em afirmar que a assistência social, historicamente, se configurou como campo de intervenção política e social “nebuloso” (2003:41). Assim sendo, esse difícil entendimento não foi uma característica somente no Brasil, de tratar a assistência de forma subalternizada. Esse procedimento foi implementado por toda Europa, a presença dessas relações nebulosas entre o poder público e as 13
  • 14. instituições privadas assistenciais como filantropia assistencialista. As tentativas de entendimento deste fenômeno apontam para várias direções e uma das mais correntes é a afirmação de que “a assistência social é uma ação pública e privada que, tradicionalmente, não se constitui como componente das políticas de desenvolvimento econômico e social, não avançando, em conseqüência, para além das clássicas medidas reparadoras e/ou amenizadoras das situações de pobreza (Alayon,1989 apud Boschetti. 2003: 41) O Estado ao longo da história se apropriou não só da prática assistencial como expressão de benemerência, como também incentiva e direciona os esforços de solidariedade social na sociedade. Essas relações antigas até hoje se fazem presentes na forma de intervenção, onde o direito é substituído pelas práticas de caridade e filantropia, a miséria será sempre vista como fato natural1 e não compreendida como resultado do acesso desigual à riqueza socialmente produzida. Os critérios de inaptidão para o trabalho continuam a prevalecer na assistência social, mesmo após a sua inclusão como direito social. Nesta perspectiva, a assistência social deve se tornar no seu campo de ação reconhecida como política de assistência social legalmente e se tornar um dever do Estado. 1 Netto, referindo-se a esse processo no âmbito das “reformas sociais possíveis [que] estão hipotecadas a uma reforma moral do homem e da sociedade” assinala que, “de fato, no âmbito do pensamento conservador, a “questão social”, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação moralizadora. E, em ambos os casos, o enfrentamento das suas manifestações deve ser função de um programa de reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção. Mais precisamente: O cuidado com as manifestações da “questão social” é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida: trata-se de combater as manifestações da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. (NETTO, 2005:155) 14
  • 15. 1.2 A trajetória da Assistência Social no Brasil Desde o século XVII, a filantropia e assistência social associavam-se intimamente à prática de caridade no Brasil. Dependiam de iniciativas voluntárias e isoladas de auxílio aos pobres e desvalidos. Estas iniciativas partiram das instituições religiosas que, sob o ponto de vista da moral cristã, direcionavam seus cuidados, oferecendo abrigos, roupas e alimentos, em especial às crianças abandonadas, e aos velhos e doentes em geral. Os modelos de atendimento assistencial decorrentes da idéia de pobreza como disfunção pessoal, encaminhavam-se, em geral, para o asilamento ou internação dos indivíduos portadores dessa condição. Um exemplo deste fato são os hospitais das Santas Casas de Misericórdia2 , no acolhimento do pobre e do miserável. No caso do Brasil é possível afirmar que com “(...) exceções, que até 1930 em nosso país não se compreendia a pobreza enquanto expressão da questão social. Quando esta se colocava como questão para o Estado, era de imediato enquadrada como caso de polícia e tratada no interior de seus aparelhos repressivos” (Yazbeck, 2007:41). Os problemas sociais eram mascarados sob a forma de fatos isolados, a pobreza era tratada como disfunção pessoal dos indivíduos. Essa forma de intervenção que se dava a esse fenômeno, a “questão social3 ”, era remetida aos cuidados de uma rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em 2 Fundada em 24 de março de 1582, pelo sacerdote espanhol José de Anchieta, a Santa Casa de Misericórdia tem como missão acolher e cuidar dos mais carentes. 3 “Por questão social, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a questão social está fundamentalmente vinculada ao conflito capital e trabalho. “ (Cerqueira Filho, 1982:21 apud Netto,2005:17) 15
  • 16. especial àqueles organismos atrelados às igrejas de diferentes credos. O Estado se inseria nesta rede enquanto agente de apoio, um tanto obscuro ou para fiscalizar, não assumindo, portanto, sua posição de fato. Este procedimento “(...) para encaminhamento era bastante coerente com idéia existente de que os pobres eram considerados grupos especiais, párias da sociedade, frágeis ou doentes. A assistência se misturava com as necessidades que a população tinha referentes aos cuidados com a saúde, o que levava a constituir organismos prestadores de serviço assistenciais, que mostravam as duas faces; a assistência à saúde e assistência social. O resgate da história dos órgãos estatais de promoção, bem estar, assistência social, traz, via de regra, esta trajetória inicial unificada”. Assim, percebemos que essas redes de solidariedade social na sociedade assumiram e mantinham a compreensão da assistência como um gesto de benevolência e caridade para com o próximo” (Yazbeck, 2007:42). Neste mesmo período, na maior parte da Europa Ocidental, apesar dos direitos sociais terem sido conquistados apenas no século XX, de acordo com a ordem cronológica dos direitos de cidadania estabelecida por Marshal4 , algumas leis que se voltavam para a proteção social surgiram de longa data. Coutinho (1997) mostra que "os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação mínima da riqueza material e espiritual criada pela coletividade” e que eles são definidos historicamente como resultado de lutas sociais e assimilados como direito positivo no século XX”. No mundo moderno os direitos sociais foram negados, sob alegação de que estimulariam a preguiça, violariam as leis do mercado e impediriam os homens de se libertarem do poder estatal autoritário e paternalista. Ao longo da história, os trabalhadores adquiriram uma tomada de consciência de classe, os operários da indústria viviam em condições de extrema miserabilidade, que os levaram a 4 É bastante conhecida a visão de Marshal sobre a ordem cronológica dos direitos. São eles: direitos civis no século XVIII, dos direitos políticos no século XIX e direitos sociais no século XX (In: COUTINHO 1997:145-165). 16
  • 17. reivindicar um sistema de proteção social como as políticas de pleno emprego, serviços sociais universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de um padrão social mínimo de sobrevivência. Esse sistema de proteção social passou a constituir, entre as décadas de 1940 e 1970, a base do Estado de bem-estar social. No Brasil, todo direito concedido pelo Estado sempre foi vinculado na relação capital e trabalho. Ela se faz, portanto, nas seqüelas da exploração da força de trabalho, e se expressa nas precárias condições de vida da população subalternizada. Ou seja, há um desenvolvimento desigual na sociedade que evidenciou as expressões da “questão social”. Sobre isso, é importante destacar que aqui, a “questão social” muitas vezes é compreendida como um desvio social sendo tratada como um fato isolado, demandando iniciativas pontuais do Estado. Desse modo, podemos afirmar que a questão social no Brasil, desde de sua origem é marcada pelo vínculo do indivíduo ao mercado de trabalho, logo, não se constituindo como traço essencial à cidadania na esfera da universalidade. É importante lembrar que, no Brasil, a desigualdade social ocorreu com a passagem das relações de escravidão para relações sociais burguesas capitalistas. Observa-se que na virada do século XIX, a condição de vida da população operária nos centros urbanos era de pauperização5 , processo que era impulsionado pela industrialização. As mudanças ocorridas no país durante as décadas de 1920 e 1930, com o surgimento da indústria, se refletiram na urbanização e na divisão social do trabalho. 5 Deste modo, a lei geral absoluta da acumulação pode ser descrita nas seguintes palavras, para melhor compreensão : “Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento , o volume e a energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza (... E) quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial” (Marx, 1984, I,2:209 apud Netto e Braz,2007138) 17
  • 18. Conforme análise de Santos, “A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem- se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece. (1987:68) Na virada do século XIX, a condição de vida da população operária nos centros urbanos era de pauperização, processo que era impulsionado pela industrialização. Para o sistema capitalista, torna-se necessária a formação de mão-de-obra assalariada, ou seja, o trabalhador para sobreviver deve vender a sua única mercadoria, que é a força de trabalho. Não menos importante é o fato de que, com a entrada da industrialização no Brasil, a burguesia intervém junto ao Estado criando leis que atendem aos interesses dos trabalhadores e que organizem as relações de trabalho capitalistas Exemplos disso, são as caixas de aposentarias e pensões. Conforme Mostra Yasbeck, “E em 1923, a Lei Elói Chaves (Lei nº 4682, de 24-01-1923) criava a Caixa de Aposentadoria e Pensões para os funcionários. Antes de 1930 duas outras categorias já recebiam os benefícios do seguro social, os portuários e os marítimos, pela (Lei nº 5.109 de 20-12-1926), os telegráficos e radiográficos, pela Lei nº 5.485 de 30-06-1928.” ( 2007:42) A recorrência à autora tem como objetivo demonstrar que foi através do reconhecimento das lutas empreendidas pela classe trabalhadora no Brasil que alguns direitos foram reconhecidos. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - criado em 1930, pelo então Presidente Getúlio Vargas passou a fiscalizar e também a ordenar e controlar as ações junto à força de trabalho. Assim, gradualmente, o Estado Brasileiro passa a reconhecer a “questão social” como uma questão política ser revolvida sob sua direção. Os direitos eram garantidos àqueles que tinham 18
  • 19. vinculação legal, ou seja, a carteira de trabalho assinada. Entretanto, esses direitos eram vistos como uma doação do Estado protetor. Para os indivíduos que não se inseriam no mercado formal de trabalho não havia proteção social, a eles eram tratados com desprezo à sua condição de necessitados. E a partir de então, na análise de Cohn “se cristaliza no país a concepção de que a “questão social”, da ótica da responsabilidade pública por um patamar mínimo de bem-estar dos cidadãos, é algo que passa a ser estreitamente associado ao trabalho. Cidadão, portanto, distingue-se agora dos pobres: questão social dos trabalhadores, ou das classes assalariadas urbanas, passa a se constituir, a partir de 1930, como uma questão de cidadania; enquanto a questão da pobreza, dos desvalidos e miseráveis – exatamente por não estarem inseridos no mercado de trabalho – continua sendo uma questão social de responsabilidade da esfera privada, da filantropia. (Cohn, 2000:288) Desta forma, vale aludir as condições de trabalho e habitação da época que eram de bastante precariedade e começaram a proliferar os grandes centros urbanos e as empresas industriais, o que veio a intensificar a relação entre capital e trabalho, a exploração abusiva a que eram submetidos os trabalhadores, condições mínimas de trabalho de segurança e higiene. Ou seja, os trabalhadores são também moradores espoliados. A população operária era tratada de forma marginalizada socialmente, nos bairros insalubres, dentro das cidades, que já expressavam o seu desenvolvimento. Portanto, é dentro do Estado que se consolida a legislação trabalhista, com a centralização política e completa com a submissão dos sindicatos. Conforme nos mostra Silva, “Até a década de 1930, as condições de reprodução da força de trabalho – inclusive a moradia dos trabalhadores – dependiam predominantemente da relação capital-trabalho, apesar de já se identificar uma certa intervenção do poder público. A partir de 1930 essas relações passaram a depender do Estado, por meio de uma estrutura político-institucional em grande parte centralizada no Ministério do Trabalho. Nesse aspecto, a concepção 19
  • 20. trabalhista e estatal do regime respondeu também a uma demanda dos setores econômicos empresarias, na medida em que a “indústria em expansão exigia mercados nacionais fortificados e ainda (exigia) que o Estado assumisse de forma mais efetiva as condições gerais de produção e reprodução, liberando o capital dessas responsabilidades. (2005:35) No que concerne aos trabalhadores que não estavam inseridos no mercado formal de trabalho, a intervenção estatal se faz presente através da assistência prestada pela Legião Brasileira de Assistência – LBA6 que assume a função de mediar a relação entre o publico e o privado. Porém, o tratamento moral - expresso em seu objetivos básicos7 - mostram que a lógica conservadora da assistência expressava-se através de seus programas como um conjunto de práticas que funcionavam como um mecanismo político através do qual o Estado pretendia dar conta daqueles considerados excluídos. Assim, as primeiras formas de intervenção estatal no trato da assistência social são focadas no âmbito estritamente da moral. A assistência ainda não é reconhecida como uma política social pública, por isso, observa-se nas intervenções estatais articuladas às instituições privadas que utilizavam a LBA como intermediadora destas articulações, que os programas sociais eram feitos de forma assistencialista e tinham cunho extremamente seletivo. Por outro lado, cabe salientar que, com a expansão do desenvolvimento da industrialização, o atendimento de parte das manifestações da “questão social” 6 A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi criada em 1942 pelo Governo Vargas e foi extinta em 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. 7 Objetivos básicos da LBA (art. 2 de seus Estatutos) 1. Executar seu programa, pela fórmula de trabalho em colaboração com o poder públicos e a iniciativa privada; 2. Congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no empenho de se promover, por todas as formas, serviços de assistência social; 3. Prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso ao governo; 4. Trabalhar em favor do progresso do serviço social no Brasil. (Iamamoto, 2003: 250) 20
  • 21. passou a ser considerado necessário ao progresso do país, tornando-a reconhecida pelo Estado. Vale destacar outro elemento importante da realidade brasileira, sinalizado anteriormente. Trata-se da institucionalização da carteira de trabalho, em 1932, que garantiu alguns direitos trabalhistas. O individuo passou a ser reconhecido como trabalhador quando foi registrado em carteira. Isto permitiu-lhe o acesso a alguns direitos sociais. Segundo Behing e Boschetti, (“Esse período de introdução da política social brasileira teve seu desfecho com a Constituição de 1937 – a qual ratificava a necessidade de reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado – e finalmente com a consolidação das leis trabalhistas, a CLT promulgada em 1943 que sela o modelo corporativista e fragmentado do reconhecimento dos direitos do Brasil, o que Santos (1987) caracterizou como cidadania regulada” (...) (Behring e Boschetti 2007:108) Portanto, a assistência era destinada àqueles que não conseguiam se inserir no mercado de trabalho. Estes trabalhadores ficavam destinados aos cuidados de ações filantrópicas como é o caso, por exemplo, da Fundação Leão XIII, criada em 1947 pela Arquidiocese do Rio de Janeiro em conjunto com a prefeitura da cidade através de um convênio com a Fundação Cristo Redentor. Sobre isto, é importante atentar que a sede do governo ficava na cidade, onde ocorreram as primeiras formas de intervenção com objetivo de dar assistência material e moral a população moradora dos morros e favelas. Nesta época, a prefeitura da cidade estava intervindo nessas moradias devido ao incômodo que esses lugares causavam à urbanização da cidade. Na colocação de Silva“ Do final do século XIX até as 21
  • 22. primeiras décadas do século XX, o Estado foi movido pela prioridade à questão higienista e pela ideologia do progresso, que pressupunha a “modernização” da cidade. (2005:38) As ações destes dois órgãos tinham como objetivo exercer influência nas associações de moradores desses locais, que na época começavam a ser organizar, o que despertava certo medo dos setores conservadores, que temiam sofrer represálias por estarem interferindo nos seus espaços, e que viam estes lugares como ambiente de criminalidade. Nota-se que, apesar de todo contexto de expansão do desenvolvimento econômico, o mesmo não ocorre no âmbito social. Isto significa que se mantinha eternizada a forma de tratamento da população pobre sobre a qual permanecem os mecanismos de pauperização. Nesta época o aprofundamento das relações capitalistas do Brasil vem acompanhado do processo social de urbanização que traz como conseqüência o aumento da espoliação dos trabalhadores e, conseqüentemente, acarretou pressões sobre o Estado e as indústrias8 . Após as primeiras formas de intervenção estatal para o tratamento das expressões da “questão social” no âmbito dos direitos legais e da assistência, iniciadas com o governo Vargas, o próximo governo9 inicia um processo de transição para implementar uma política de abertura para o capital estrangeiro, a estabilização monetária e controle repressivo dos sindicatos. Com isso, o planejamento no âmbito estatal continuou a ser desenvolvido enquanto o trato na esfera social era feito 8 Na análise de Sader sobre “esse processo mostra que a pressão era orientada por meio dos sindicatos, que conforme o processo de expansão da indústria intensificava sua organização”. (1990:65) 9 O vice João Café Filho assume o governo de transição, após o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. 22
  • 23. quando as necessidades sociais eram consideradas essenciais para atender às exigências do crescimento industrial e da acumulação capitalista. Nesta época, no âmbito econômico foram criadas grandes instituições públicas10 vindo a proporcionar um amplo desenvolvimento econômico para o país. O investimento do Estado brasileiro foi de forma extensiva em diversos setores, como: transporte, energia, comunicação e serviços de infra-estrutura urbana, juntamente com o crescimento da urbanização, da industrialização e as exportações de manufaturados, além das exportações de matérias-primas e outros gêneros. Sobre esse assunto, Ianni argumenta que, “as dimensões da economia brasileira cresceram catorze vezes, entre 1940 e 1980. Tanto é assim que a “economia brasileira hoje é industrializada, moderna, diversificada” E a renda per capita passa de 160 para 2.100 dólares.” (1992:90). Contudo, o autor chama a atenção para o fato de que, apesar dessa expansão econômica, o país permaneceu com índices altos de desigualdade, caracterizando a sociedade brasileira pela dualidade social: de um lado moderna e industrializada, de outro lado vivendo em condições miseráveis, particularizando as vítimas pela fome, falta de habitação, saúde entre outros que se constituem a própria “questão social”. Ainda assim, segundo o autor, o desenvolvimento econômico do país prossegue firmemente, o governo de Juscelino Kubitschek continuou a política de expansão do grande capital, o processo de industrialização, para o controle de emissões monetárias e diálogo com a população para conter a organização dos trabalhadores. O presidente implementou um novo padrão de investimento do capital 10 A Petrobras em 1953, a Eletrobrás em 1961, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) em 1952. 23
  • 24. externo do pais, com objetivo que visa a reconstrução das economias devastadas pela guerra e a procura por novos mercados de âmbito internacional. De acordo com Filho, “(...) a moldura da ideologia desenvolvimentista enquadrou de forma categórica a problemática da “questão social”; o desenvolvimento foi “usado como recurso para garantia da estabilidade do sistema, como forte catalisador de mobilização e legitimação (principalmente quanto à classe operária) tornando-se um modo efetivo de controlar as tensões sociais e políticas.” (1982:169) Os problemas ocorridos por esse novo modelo de desenvolvimento da economia do país tornaram-se insuportáveis no começo dos anos 1960 levando à redução dos investimentos, a diminuição da entrada de capital externo e conseqüentemente a um aumento da inflação. Neste ensejo, a década de 1960, Jânio Quadros é eleito para presidente e João Goulart para vice. O país viveu momentos de tensão na política e estagnação econômica. Contudo, é importante destacar que João Goulart, após a renúncia de Jânio, não teve condições necessárias para colocar em prática sua reforma11 , devido às pressões dos setores conservadores da sociedade, que temiam a perda de seus poderes. Seu governo foi interrompido pelo golpe de Estado que promulgou um ciclo ditatorial na história do país. 1.3 – Assistência Social no governo militar 11 Para maior aprofundamento sobre essas reformas, consulte o livro: A transição no Brasil: Da ditadura à democracia de Emir Sader,1990 (pag. 11-18). 24
  • 25. O golpe militar de 1964 pôs em pratica uma política de modernização conservadora, nas análises de alguns autores12 citados ao longo desse trabalho. Segundo eles, o golpe “estava alicerçado na necessidade de vencer as barreiras sociais e políticas que obstaculizavam o pleno desenvolvimento de um projeto internacionalizador, em gestão desde meados da década de 50” (Antunes, 1988:115 apud Mota, 2008:137). As análises de Mota apontam para fato de que o país coloca em prática uma política de modernização conservadora que permanece com o intuito de preservar e fortalecer os laços de dependência econômica dos grandes centros hegemônicos, “ao mesmo tempo em que necessitava quebrar a resistência organizada da sociedade e construir as bases de um consenso passivo, legitimador daquela ordem” Mota (2008:137). Conseqüentemente essa dinâmica alcançou o Estado brasileiro, que implementou essas exigências impostas pelo processo de acumulação para atender ao grande capital, promovendo algumas mudanças na esfera da política social com o objetivo de adaptar o país ao seu projeto político. Desta forma, para realização desse projeto, o Estado pôs em prática uma política de “modernização conservadora”, o Estado deixou de ser populista e se tornou tecnocrático e centralizado, a ditadura não permitia espaços de lutas por direitos sociais gerando um processo de esgotamento das mobilizações políticas das associações de moradores e criando medidas arbitrárias tais como: cassação de mandatos e dos direitos civis e políticos. Esse período destaca-se pelo planejamento 12 Sader, 1990; Fernandes, 1986; Mota, 2008; Netto,2005; Ianni,2000. 25
  • 26. direto feito sob a forma de 'racionalização burocrática' de caráter econômico concentrador e excludente e com ampla valorização do capital estrangeiro. A ditadura militar tinha como meta o desenvolvimento brasileiro no campo econômico, que buscava proporcionar condições de crescimento da economia de mercado. O país experimentou o chamado “milagre econômico”, adquiriu empréstimos que o 'beneficiou' à abertura de investimentos estrangeiros conseguindo expandir sua economia. Conseqüentemente, ampliou-se o número de empregos para a massa urbana. O governo ditatorial se preocupou em manter alta a taxa de acumulação econômica e tinha como lema o tão conhecido discurso: “primeiro fazer o bolo crescer, para então dividi-lo”. Com essa perspectiva, foram desenvolvidas políticas preventivas. As análises de Mota (2008) recuperam o fato de que, no Estado Militar tecnocrático promove-se “(...) algumas mudanças no âmbito das políticas sociais procurando funcionalizar essas demandas de acordo com o seu projeto político, por meio da expansão seletiva de alguns serviços sociais” Essa ampliação da cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de seguridade social, respondeu preponderantemente pela estratégia de modernização autoritária adotada pelos governos militares” (Mota,2008:137) Tais medidas levam às ampliações de cobertura dos programas sociais13 . Esses procedimentos de cobertura dos programas sociais instituídos na ditadura militar funcionavam como estratégias de legitimação da modernização autoritária adotada pelo governo. Neste panorama, as ações de âmbito social se articulavam ao desenvolvimento da industrialização, sendo que nesse período foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o Programa de Integração Social (PIS) e o 13 -Programas sociais: Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), ministrado pelo Banco Nacional de Habilitação, com fundos do FGTS, o Programa Nacional de Alimentação (PRONAM), para alimentação completa de gestantes e crianças. 26
  • 27. Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) destinado para alfabetização dos adultos. Para atender às exigências do grande capital, a educação tinha como objetivo primordial o ensino técnico para fomentar mão-de-obra barata e qualificada. Assim, todo esse conjunto de ações tinha como meta preparar trabalhadores para a industrialização de modo que o país criasse possibilidades para o seu desenvolvimento. Em tal contexto é realizado um redimensionamento do seu aparato estatal e o mantém sob seu domínio de forma centralizadora. O governo criou programas direcionados para trabalhadores e não-trabalhadores, ampliando de forma gradual a seguridade social. Assim, os programas de privatização relacionados à previdência e a saúde, enquanto direitos sociais, ainda eram tratados como ajuda específica para os mais pobres. As políticas sociais14 promovidas pela ditadura militar faziam parte de um processo para a acumulação de riqueza, ou seja, as políticas sociais durante o sistema político do governo eram na verdade políticas de controle social, como forma de compensação pelo agravamento da “questão social”, decorrente de uma política de estagnação salarial que conseqüentemente promovia a miséria de forma geral da população que era reprimida. É interessante observar que a política social no Brasil promoveu avanços em períodos de governo autoritário e de perspectiva conservadora não favorecendo a institucionalização da cidadania. 14 Houve a unificação dos Institutos de aposentadoria e pensão no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) fruto do governo do General Castelo Branco. Em 1968 no governo do General Costa e Silva foi criado o Fundo rural com convênio com as Santas Casas de Misericórdia ampliando a previdência para os trabalhadores rurais. Em 1971, fundamentado-se o Programa Fundo Rural, o governo do General Médici cria o PRORURAL, que é um programa de proteção aos trabalhadores da ditadura militar. 27
  • 28. As políticas do regime militar de certa forma mantinham um 'equilíbrio' pelo acirramento da questão social, que era decorrente dessa estagnação dos salários, da miséria vivida pela população e da contenção que o governo realizava de forma autoritária, demonstrando dessa forma a base de 'racionalidade15' do governo em questão. Percebe-se, que a ditadura militar exercia o controle da classe trabalhadora por meio de força, devido ao processo das perdas salariais. A queda extrema do poder de compra dos trabalhadores demandava também os problemas sociais da população. Isto era notório na forma com que as políticas sociais eram elaboradas, ou seja, como “políticas compensatórias”. Esse modelo compensatório, baseava-se em uma norma de contrato de participação e financiamento, que acabava agravando as desigualdades. Como sempre, essas políticas não abarcavam toda a população, acesso era limitado. A distribuição desses serviços abrangia apenas os que contribuíam produzindo uma estratificação da cidadania. Desta forma, as políticas governamentais “nas áreas que aqui se denominam de preventivas não foram de molde a alterar significativamente o perfil das desigualdades sociais básicas, geradas pelo processo acumulativo. O controle salarial, reprimindo a capacidade aquisitiva de ponderável parcela da população, associado à ação insuficiente nas áreas da educação, saúde e saneamento, permitiriam prever o agravamento das condições gerais da população com evidente repercussão nas demandas por “compensações”, caso a organização social estivesse liberada antes que contida. As políticas compensatórias consistem, precisamente, no conjunto de medidas que objetivam amenizar os desequilíbrios sociais, em suas conseqüências, sem qualquer possibilidade de interferir em sua geração. (Santos, 1987:79-80) 15 “A tutela militar foi a alternativa mais eficiente para o controle do poder emergente em abril, dadas a natureza do pacto contra revolucionário e as tarefas a ditadura. Martins(1997:215) . Não podendo compor-se legitimamente com a nação, formando uma coalizão hegemônica entre os seus sub-setores, a classe burguesa teve que impor-se coercitivamente à nação “(...) Netto,2002:37) 28
  • 29. Diante desse quadro, dos problemas sociais que se acumularam no campo16 e tiveram uma forte relevância, fez-se necessário o reconhecimento dessa questão, e a partir de 1971 o FUNRURAL é criado. Trata-se de um programa distributivo, que transfere a renda urbana para o meio rural. Vale destacar que esse programa rompe com a cidadania regulada 17. Segundo Santos: “(...) é no FUNRURAL que o conceito de proteção social, por motivos de cidadania, sendo esta definida em decorrência da contribuição de cada cidadão, à sociedade como um todo, via trabalho, é mais integrado e complexo” (1987:85). É um programa financiado através dos impostos sobre a comercialização dos de produtos rurais, e, em parte, por tributação incidente sobre empresas urbanas e absorveu os trabalhadores rurais no sistema previdenciário. Na verdade, os serviços e recursos de políticas sociais nesta época centralizavam-se no âmbito do Governo Federal, e isto acarretava um certo vazio das ações dos governos regionais e locais na execução das políticas públicas. Sendo assim, a “questão social” era incorporada ao regime militar como ação estratégica para manter a estabilidade de políticas sociais no país. No final da década de 1970, os modelos de desenvolvimento realizado pelo 16 (..) Problemas de saúde, de segurança de garantia de fluxo de renda após o esforço acumulativo – condicionaram os movimentos camponeses da segunda metade da década de 50. (..) (Santos, 1987:84) 17 O conceito de cidadania regulada, formulado por Wanderley Guilherme dos Santos (1987:68) e amplamente incorporado na literatura, refere-se a um sistema de estratificação ocupacional a partir do qual “são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei: Dessa forma, “a cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei”. Assim, são pré ou não-cidadãos os trabalhadores que desempenham atividades no mercado informal, incluídos aí subempregados, desempregados, empregados intermitentes e precários e mesmo aqueles que, embora trabalhadores regulares, assumem ocupações não-regulamentadas. Segundo ao autor, os três parâmetros definidores de cidadania regulada são: a regulamentação das profissões, a carteira de profissional e o sindicato público, sendo a carteira profissional “mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento cívico” (Santos, 1987:69) 29
  • 30. pela ditadura militar mostravam sinais de esgotamento. Assistia-se ao fim do “milagre econômico”, agravavam-se as condições gerais da vida da população, o que levou ao surgimento de movimentos sociais de reivindicação. É válido destacar que tais movimentos sociais surgiram no final da década de 1980 como forma de enfrentamento das contradições sociais que tinham no seu cerne a “questão social” juntamente com o sentimento de insatisfação geral da população e com a luta pela redemocratização do país. Sendo assim, os movimentos sociais passaram a ter desempenho no processo de organização popular com forte relevância e esse processo aconteceu à medida que a população superava as saídas individuais e recorria a alternativas coletivas. Ou seja, a mobilização de diversos setores18 da sociedade civil ganhavam expressões19 , configurando-se um contexto de intensos debates. Nesta mesma década, uma crise mundial começava a se expandir de forma intensa, com o esgotamento do modelo fordista-keynesiano, em face das transformações societárias decorrentes da mundialização do capital. As novas exigências nos processos sócio-políticos impuseram grandes desafios, o que é fundamental àqueles que se referem à formulação e implementação de políticas sociais eficazes e competentes que tenham como objetivo atender às demandas da classe trabalhadora e restringir os efeitos socialmente negativos à capacidade de intervenção do Estado na vida social, mediante a ofensiva ao ideário neoliberal. 18 Com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), a Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC), alguns setores da Igreja Católica, entre outros. 19 Segundo Bobbio (1997, p.789) “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização e a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe dos acordos políticos”. 30
  • 31. Ao fim do regime autoritário20 a pressão de oposição ao regime foi um fator importante para início do processo de abertura política. A sociedade civil pressionava de forma intensa e decisiva, o que veio a culminar na anistia no final da década de 1970 e na restituição dos direitos civis e políticos. Em tal contexto de redemocratização21 , que é marcado pelo aumento do déficit público, o forte nível de desemprego, que de forma conseqüente leva ao aumento da pobreza, a redução dos gastos sociais e pressão da sociedade civil pela democracia e extensão da cidadania, é que o país mergulha em uma onda de mobilização dos movimentos democráticos progressistas organizados, que buscam a inserção dos direitos sociais, como uma política pública consolidada para a sociedade brasileira. As reflexões desenvolvidas até aqui permitiram recuperar de forma breve e sucinta algumas formas de intervenções do Estado na realidade social através da assistência. Com isto, observa-se o tratamento dispensado aos pobres, que apesar da expansão do sistema capitalista, não ampliou as condições dignas de sobrevivência para esta população levando-nos a concordar com Mota (2008:24) quando afirma que “a necessária tendência do modo de produção capitalista de criar uma superpopulação de trabalhadores e, ao mesmo tempo, impedi-los de ter acesso ao trabalho e à riqueza socialmente produzida”. Tal compreensão mostra que isto não se refere apenas à situação de pobreza, mas à condição de classe trabalhadora que travou embates e desafios para conquistar direitos. Entretanto, mesmo diante desse reconhecimento, os direitos eram vistos 20 O General Ernesto Geisel iniciou o processo de abertura política 21 Sob o governo do General João Batista de Figueiredo, período de 1980-1985. 31
  • 32. como vantagens, de um segmento de trabalhadores enquanto a assistência, neste momento, selecionava as pessoas que dela necessitavam, ou seja, ela era destinada à criança, ao idoso, ao deficiente, e os demais que não se enquadravam nestas características e estavam fora do mercado de trabalho, sendo, portanto, vistos como vagabundos pela sociedade. Em vista disso, a questão social no Brasil sempre se apresentou em diferentes aspectos econômicos, políticos e culturais nas suas diversas formas de reivindicação envolvendo operários, negros, índios, aposentados, desempregados, subempregados entre outros. A complexidade desses problemas sociais é de tal ordem que sugere enfoques diferentes e contraditórios, a despeito das múltiplas interpretações e denominações da manifestação da questão social para tentar explicá-la. Sendo assim, é importante lembrar que a economia e a sociedade, a produção e as condições de produção, o capital e o trabalho, a mercadoria e o lucro, o pauperismo e a propriedade privada capitalista reproduzem-se reciprocamente. O pauperismo não se produz do nada, mas da pauperização. “O desemprego e o subemprego são manifestações dos fluxos e refluxos dos ciclos dos negócios. A miséria a pobreza e a ignorância , em geral, são ingredientes desses processos”. (Ianni, 2000:99) As análises clássicas sobre o desenvolvimento brasileiro apontam para as características de um desenvolvimento desigual22 , para as relações de favor, clientelistas, e assistencialistas de uma sociedade que tem como base o trabalho como pré-condição para acesso aos direitos. O padrão histórico de exploração da 22 Sobre essa concepção de desenvolvimento desigual e combinado, Ianni referindo-se ao Brasil moderno mostrou que “uma formação social na qual sobressaem ritmos irregulares e espasmódicos ,desencontrados e contraditórios” (...) um presente que se acha impregnado de vários passados” (Ianni, 1992:63 apud Behring 2003: 87). 32
  • 33. forma de trabalho adotado pelas elites industriais e agro-exportadoras brasileira levou a um crescente processo de espoliação e exclusão dos segmentos populares e trabalhadores. Contudo, na década de 1980, os debates tomaram conta da sociedade brasileira no contexto de transição democrática onde a mobilização de diversos setores da sociedade levou à conquista do reconhecimento da assistência social como direito do cidadão, um dever do Estado na Constituição Federal de 1988, que apontou as possibilidades de construção de uma esfera pública e democrática para a assistência social. Assim sendo, a assistência social percorreu um longo caminho para chegar à categoria de política pública garantida pelo Estado, ocorrendo somente em 1993, expressa na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Posteriormente, o Estado sofrerá modificações, que conseqüentemente comprometerão suas funções principalmente no âmbito da seguridade social, em especial a assistência social, propósito do nosso trabalho. Entender este processo com suas contradições e impasses é o desafio do próximo capitulo. Nele, pretendemos estudar o percurso das políticas sociais, através das inúmeras conquistas dos trabalhadores; destacar que esse processo conduziu tanto à consolidação de uma nova política de assistência - evidenciando mudanças importantes no âmbito dos direitos sociais - quanto à emergência dos ideais neoliberais que significaram um retrocesso para efetivação desses direitos. 33
  • 34. Capítulo II Cidadania e o projeto neoliberal: o retrocesso dos direitos sociais 34
  • 35. No capítulo anterior, houve a preocupação em realizar um breve resgate da assistência ao longo da história. Identificou-se a existência de algumas formas de ações e práticas de ajuda aos pobres que envolviam diversas limitações para o acesso a ela como, por exemplo, a inaptidão para o trabalho e pertencimento local organizado pela igreja para atender a população, mesmo diante da expansão do sistema capitalista. Foi constatado que a desigualdade social, a miséria e a fome, frutos do desenvolvimento urbano e industrial do sistema capitalista, são resultados da divisão de classes da sociedade civil burguesa. Foi possível observar também que, no Brasil as diversas formas de ações e práticas de ajuda aos pobres seguiam essa mesma lógica de modelos de atendimento assistenciais decorrentes da idéia de pobreza como disfunção pessoal e que toda ação assistencial do Estado sempre esteve articulada à relação entre capital e trabalho. Observou-se também que, no Brasil, o Estado se redefine para atender o desenvolvimento do processo de acumulação e que foram criadas as primeiras medidas na esfera do trabalho. Portanto, é neste contexto, que o Estado brasileiro passou a reconhecer de forma gradual a “questão social” como uma questão política. Porém, destaca-se também que tal reconhecimento se instituiu no âmbito da moral, levando ao entendimento de que as causas da existência de expressões da questão social devessem ser remetidas ao âmbito privado e não serem atendidas pelo Estado através das políticas sociais, como um direito. Tal constatação tem impactos no processo de universalização do acesso aos serviços sociais. Buscou-se o resgate de algumas análises que mostram os paradoxos entre o atendimento das demandas advindas do trabalho – os direitos sociais e trabalhistas - e a modernização administrativa da ditadura militar que, por sua vez, reforçou a 35
  • 36. criação de mecanismos de centralização e burocratização das decisões, tais como o Ministério da Previdência Social e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, entre outros. Neste capítulo, a análise visa a compreensão das contradições presentes no processo de redemocratização do país no que concerne à implementação dos direitos sociais. Desta maneira, objetiva-se dar ênfase ao direito à assistência social, no âmbito da seguridade social brasileira - marco legal proporcionado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que ela estabeleceu um sistema bastante avançado de proteção social. 2.1 – O processo de redemocratização do país A história da política brasileira tem sido um longo processo de articulação de pactos da elite com o capital internacional e, no período ditatorial, esse pacto se estendeu às forças militares, que no final dos anos 70 e início dos 80 entraram em crise e começaram o período da transição para o regime que o substituiria. Em vista disso, vale destacar que as históricas estruturas de poder político e econômico no Brasil que foram estabelecidas através de padrões injustos de usufruto da riqueza coletivamente construída, foram mantidas nesse novo direcionamento que se consolidava no final da década de 1980, cujas vítimas foram a maioria da população, excluída dos direitos básicos de cidadania. Baseada em um regime escravocrata que permanece fortemente enraizado 36
  • 37. em nossa cultura, a formação da sociedade brasileira constitui um elemento fundamental para análise dos problemas que atingem a população cotidianamente, uma vez que reforça o caráter conservador das políticas implementadas e não democratiza as estruturas de poder estabelecidas nas esferas governamentais. Segundo Adorno, “regime autoritário (1964-1985) não se logrou a efetiva instauração do Estado democrático de Direito. Persistiram graves violações de direitos humanos, produto de uma violência endêmica, radicada nas estruturas sociais, enraizada nos costumes, manifesta quer no comportamento de grupos de sociedade civil, quer no de agentes incumbidos de preservar a ordem pública. Mais do que isso, tudo indica que no processo de transição democrática, recrudesceram as oportunidades de solução violenta dos conflitos sociais e de tensões nas relações intersubjetivas. (1995:299) Sendo assim, romper com essas estruturas de poder significaria a construção de uma identidade da própria nação que se consolida a partir desses processos de ruptura conquistados através das correlações de forças entre essas estruturas de poder representadas pela elite, os governantes e a população. Entretanto, na história do Brasil, as elites se antecipam à construção de uma vontade popular surgida de baixo, ou seja, da população, e por sentirem-se ameaçadas, trabalham na articulação desses pactos para que tudo permaneça sempre igual dentro da ordem conservadora. Em conseqüência a esse processo “nós continuamos presos às formas mais arcaicas, graduais e escamoteadoras de enfrentamento dos nossos problemas. Saímos da Colônia não para a República, mas para uma Monarquia umbilicalmente ligada à velha potência colonial. Convivem nela o liberalismo e a exploração do trabalho escravo – a negação mais evidente de qualquer forma de pensamento liberal, ao se evidenciar a desigualdade formal entre os homens.” (Sader, 1990:3) E assim, os militares pretendiam realizar uma transição controlada do alto para os de baixo, porém esse processo passou a ser questionado por uma 37
  • 38. mobilização que se consolidava principalmente pela perda da legitimidade do regime ditatorial e tornava-se visível a fragilidade desse governo e a crise social se expandia em grandes proporções. A década de 1980 foi um período de efervescência no país. Com o fim da ditadura houve um amplo movimento da sociedade civil – rearticulação do movimento operário no ABC paulista - além da participação de novos sujeitos políticos, onde os assistentes sociais23 engajam-se nesta luta em busca da democratização da sociedade. Vários segmentos da sociedade uniram-se em torno de um interesse comum: um sistema de governo que permitisse a participação da população nas suas decisões. O processo de redemocratização se tornou uma arena de disputa de mudanças, onde os movimentos sociais dos trabalhadores esperavam por uma transição realizada através de Assembléia Nacional livre e soberana, porém esta tarefa ficou a cargo de um Congresso Constituinte como desejava a classe burguesa. Essa disputa teve como resultado uma flexibilização a favor das propostas conservadoras. Todavia, o movimento operário e popular era um novo elemento político que de forma decidida entrava na história recente do país. Tratava-se de um movimento que, “ ultrapassou o controle das elites,(...). Sua presença e ação interferiram na agenda política ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na Constituinte, a exemplo de: reafirmação e afirmação dos direitos sociais; reafirmação de vontade nacional e da soberania, com rejeição das ingerências 23 A luta pela democracia fez ecoar na categoria profissional o quadro necessário para quebrar o monopólio do conservadorismo da profissão: no “III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (1979, conhecido como o Congresso da virada), os segmentos mais ativos da categoria profissional vinculam-se ao movimento social dos trabalhadores e, rompendo com a dominância do conservadorismo, conseguiram instaurar o pluralismo político na profissão, que acabou por redimensionar amplamente não só a organização da categoria (...) como, ainda propiciar-lhe uma inserção inédita no marco do movimento dos trabalhadores brasileiros “(...) (Netto,1999:100) 38
  • 39. do FMI; direitos trabalhistas; reforma agrária. (Behring 2003:142) Analisando esse movimento Coutinho (2000) afirma que ele pôs fim à ditadura, possuindo uma dinâmica contraditória: “Os regimes ditatoriais modernizadores e não fascistas – de que são exemplos clássicos, entre outros, o Brasil pós-64 e Espanha franquista em seu segundo período – apresentam uma contradição fundamental: desencadeiam forças que, a médio prazo, não podem mais controlar, ou, em palavras mais precisas, desenvolvem pressupostos de uma sociedade civil, que progressivamente escapa à sua tutela. Quando a pura repressão se revela inviável, têm lugar os chamados projetos e abertura, encaminhados pelo alto e baseados essencialmente em duas iniciativas correlatas: a) na tentativa de adotar uma ação repressiva mais seletiva, voltada apenas contra setores mais radicais da sociedade civil, b) no esforço de cooptar os segmentos mais moderados da oposição, incluindo-os subalternamente no bloco do poder.” (pág.90) Apesar da participação incisiva da população no período de democratização do país, o mesmo autor assinala que ocorreu uma transição “fraca” de regimes e as aspirações da sociedade civil foram incorporadas “através de combinação de processos pelo alto e de movimentos provenientes de baixo; e decerto o predomínio de uns sobre os outros” (pág. 92), porém de modo que as estruturas de poder não fossem modificadas. Coutinho assinala que “uma transição desse tipo (...) implicava certamente uma ruptura com a ditadura implantada em 1964, mas com os traços autoritários e excludentes que caracterizam aquele modo tradicional de política no Brasil”. (pág. 93) Ora, não se pode negar que o momento de transição foi marcado por disputas acerca do projeto e perspectivas societárias, ou seja, não foi um período de transição lenta e gradual como queriam os militares, e sim um momento de contestação e 39
  • 40. organização da sociedade e dos movimentos sociais que buscavam transformações substantivas no país. Por outro lado, o movimento operário iniciou sua reorganização, impulsionado pelo próprio crescimento industrial, que havia multiplicado o contingente de operários. Uma orientação nova, classista e de base norteava seus novos líderes, centrados em parte no ABC paulista, onde a indústria automobilística servia de alavanca para uma variedade de outros ramos econômicos. Sobre isto Behring (2003) nos mostra que, “num vigoroso movimento político de massas contra a ditadura, pelas liberdades democráticas e contra a carestia, que vinha se fortalecendo desde as greves do ABC paulista 1978-79, apontando para uma mudança social e de pauta política progressista (...) o movimento das Diretas Já revelou uma radiografia da sociedade brasileira assustadora para as tradições culturais das elites, mostrando uma inquietação social mais forte que em 1964, a qual anunciava um período histórico de ritmos fortes e ricos. (Behring:2003 p.139) Outro exemplo marcado de forma evidente foi o movimento estudantil que também demonstrou sua capacidade de recuperação, após ser desarticulado pela repressão, e realizou grandes mobilizações nas ruas e reconstruiu a União Nacional dos Estudantes – UNE e demonstrou uma nova capacidade de participação junto com os demais setores da sociedade. Sendo assim, os protestos contra a repressão e a tortura conseguiram, pela primeira vez, obrigar o governo a não deixar impunes crimes cometidos e denunciados à opinião pública. Sendo assim, o processo de redemocratização no Brasil significou o reconhecimento dos partidos organizados - vinculados aos trabalhadores; dos sindicatos e dos movimentos sociais como interlocutores da cena política que se consolidava nessa época, obrigando a burguesia a incorporar algumas reivindicações dos trabalhadores. 40
  • 41. É importante enfatizar que a classe trabalhadora sempre foi uma das mais afetadas no processo do desenvolvimento nacional, sendo sempre lesada na sua única forma de manutenção, o trabalho. O aumento do desemprego provocou o crescimento da desigualdade social, sendo que no período ditatorial, além da desigualdade econômica, também lhe foi imposta a suspensão dos direitos políticos e civis. A concentração de renda cresceu de forma acentuada no período ditatorial favorecendo as elites e uma parte da classe média, mas a grande maioria da população sofria com os baixos salários e não participava do “bolo”, que, segundo a orientação do ministro Delfim Netto na análise de Sader (1990), era necessário “primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir fatias dele”. Diante disso, contata-se a expansão da desigualdade social, através dos dados representados da seguinte forma: “ Os 5% mais ricos passaram a ter participação no total da renda nacional, em 1960, de 28,3% para 39,8% em 1972, enquanto os 1% mais ricos passavam de 11,9% para 19,1% em 1972. No outro extremo da pirâmide, os 50% mais pobres, de 17,4% do rendimento total em 1960, baixaram para 11,3%, no mesmo período”.(Sader,1990:27-28) Desta forma, para conter os ânimos dos trabalhadores, os governos do período ditatorial buscaram desenvolver algumas ações de proteção social. Estas favoreciam principalmente ao capitalismo, pois era necessário trabalhadores sadios e dispostos a trabalhar pelo desenvolvimento do país. Entre os anos de 1964 a 1985 os governos brasileiros apoiavam o desenvolvimento do país em uma política econômica concentrada, excludente, de valorização do capital estrangeiro, de arrocho salarial e políticas sociais que 41
  • 42. dependiam do desenvolvimento econômico. Sobre isto Cignoli (1985) afirma que, “em direção a um Estado altamente centralizado e quase inteiramente consagrado a satisfazer as necessidades da acumulação de capital. A ação orientou-se prioritariamente para os investimentos em infra-estrutura, em detrimento do apoio à pequena e média indústria e ao desenvolvimento do mercado interno. Basta assinalar que os gastos federais em capital social passaram de 54%, no subperíodo 1950-1954, para 83%, no sub-período 1974-1975. O total de recursos destinados ao bem-estar social e a significação alcançada pela despesa com o aparelho de segurança (ao redor de 12% do total) permitem concluir que o Estado se despreocupou das políticas de 'legitimação” e as substituiu pela repressão.” (Cingnoli: 1985:42) A área de proteção social, neste contexto, teve alguns avanços como a criação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), o Programa Nacional de Alimentação (PRONAM) e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) - para compensar o fim da estabilidade depois de 10 anos de trabalho. Desde modo, sabe-se que os projetos e programas eram centralizados no governo Federal, tornando mais difícil o acesso da população aos benefícios e a ampliação destes. A Assistência Social ainda era tratada como ajuda aos pobres, portanto, não se concretizava como responsabilidade totalmente do Estado, que deixava a cargo da sociedade civil a maior parte de suas funções. Conforme nos apresenta Mota (2008) as mudanças ocorridas nas políticas sociais tinham como pressuposto o controle social da classe subalterna devido ao agravamento da “questão social” e da repressão. As políticas não eram compreendidas como um direito social do cidadão e sim como um privilégio de quem estava inserido formalmente no mercado de trabalho. “A singularidade desse processo residiu no modo como o regime militar procurou atender às necessidades provenientes dos impactos da expansão do assalariamento na previdência social e na assistência médica, às demandas sociais das classes subalternas reprimidas pelo regime e à sua própria necessidade de legitimação política.” (Mota, 2008:137) 42
  • 43. As ações do governo na área social, em vez de diminuir as desigualdades sociais, funcionavam de forma contrária, ou seja, aprofundavam e mantinham a desigualdade, pois uma grande parte dos cidadãos que necessitavam ser assistidos não estava inserida nos programas, visto que a participação social estava condicionada ao mercado de trabalho. Foi durante a ditadura militar que a situação da economia brasileira se agravou. E mesmo tendo intensificado o arrocho salarial sobre a classe trabalhadora e desenvolvido políticas sociais focalizadas e seletivas, não era mais possível manter o regime da mesma forma. O regime militar mostrava o seu declínio, pelos baixos índices econômicos e principalmente pelas manifestações organizadas de resistência social. A sociedade civil encontrava-se insatisfeita com as condições do país e pressionava o governo. Em 1979 o governo teve que conceder a anistia e restituir os direitos civis e políticos, a redemocratização trazia a esperança de liberdade e igualdade nacional. Sobre esse assunto é importante destacar que o processo de redemocratização sintetizou a revolução democrática brasileira que concretizou a Constituição de 1988. Porém, entre outras coisas ela evidenciou tanto os antagonismos entre capital e trabalho quanto a união entre os intelectuais, a massa popular insatisfeita e a classe trabalhadora organizada. Era, segundo Florestan Fernandes, a constituição da nova republica que surgiu para os oprimidos como uma oportunidade histórica e o ponto de partida para uma transformação revolucionária da ordem social existente. Trata-se na verdade de compreender que, 43
  • 44. “as duas faces da revolução não são construções analíticas ou ideológicas. Elas são realidades históricas. Um povo que comprimiu a sua história durante tanto tempo, em virtude de sua origem colonial, do modo de organizar a produção e a sociedade, das sobrevivências negativas e interferentes dessa “tradição a privilegiar os privilegiados” ao se libertar das últimas tutelas libera os oprimidos e sua força revolucionária, se irradia por toda a Nação oprimida e reconhece dentro de si uma história nascente e cadente, que não vem de fora, mas de dentro e das profundezas daqueles que ficaram por tanto anos reduzidos à impotência e à nulidade social, barrados da condição humana. ”(Fernandes, 1986:92) Assim sendo, a sociedade brasileira, na década de 1980, passou por um período decisivo e de grandes transformações. Do ponto de vista econômico, foi considerada a “década perdida”, determinada pelo aumento da dívida externa. Referente à questão democrática, o momento foi de grande importância, da reconquista do direito ao voto universal e direto para presidente. Na esfera política, consagrado como um marco da democracia, o retorno dos exilados ao país e a universalização do direito ao voto, possibilitando uma participação dos cidadãos na vida política do país. É neste contexto que se resgata a assistência como política governamental, essa forma histórica com que a sociedade se mobilizou pela redemocratização culminou em um processo de uma nova constituinte que irá se concretizar em 1988 através de uma Constituição considerada avançada para os moldes do Brasil até os dias de hoje. 2.2 - Da Constituição Federal de 1988 ao projeto neoliberal no Brasil. A sociedade brasileira em 1988 conquistou uma grande vitória com a nova 44
  • 45. constituinte, pois foi através desta que os direitos civis e políticos foram ampliados e os direitos sociais passaram a fazer parte de um novo modelo de cidadania brasileira. A Constituição Federal de 1988 apresenta como avanços os direitos sociais que envolvem a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Esses direitos estão precisos no artigo 6º e 11º da Constituição, dando proteção aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, o direito à livre associação profissional ou sindical e o direito de greve. O Título VIII da Constituição trata do Sistema de Seguridade Social, definindo-se como “um conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade destinadas a segurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social” (Constituição Federal de 1988, artigo 194). Sendo estabelecida a regulamentação de um salário-mínimo para aposentadorias e pensões e o pagamento de um salário-mínimo mensal para portadores de deficiência e idosos que não pudessem ser mantidos pela própria família, independente de terem contribuído ou não para a previdência social. E, no artigo 203 da Constituição Federal, ao referir-se especialmente a este novo direito social, está subscrito que, “a assistência social será prestada a quem dela necessitar independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- promoção da integração ao mercado de trabalho; IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora 45
  • 46. e deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família conforme dispuser a lei”. (Constituição Federal de 1988) Vale destacar aqui a primeira restrição deste direito, que não é de todos, é destinados aos desamparados ou aos que dela tiverem necessidade. Ao explicar seus propósitos, o texto institui uma distinção de como se aplica o direito entre os que são capazes de trabalhar e os que não são capazes. Observa-se que, “a proteção, o amparo, a habilitação e a garantia de uma renda mínima destinam-se especificamente àqueles cuja situação não lhes permite trabalhar: Maternidade, infância, adolescência, velhice, deficiência. Àqueles que não se inserem nestas situações, o objetivo é outro: não assistir, mas promover a integração ao mercado de trabalho (Boschetti, 2003:46) Ainda assim, o que podemos observar é que a nova Constituição Federal de 1988, considerada o nosso maior avanço, indicava a construção de um sistema de proteção social nunca visto antes no país, através das garantias constitucionais, ao mesmo tempo em que o mundo contestava o Estado de Bem-Estar Social, substituindo-o pela justificação imposta pelo projeto neoliberal, o que leva à seguinte conclusão de Netto: (...) a Constituição de 1988 apontava para a construção – pela primeira vez assim posta na história brasileira – de uma espécie de Estado de bem-estar social: Não é por acaso que, no texto constitucional, de forma inédita em nossa lei máxima, consagram-se explicitamente, como tais e para além de direitos civis e políticos, os direitos sociais (coroamento, como se sabe, da cidadania moderna). Com isto, colocava-se o arcabouço jurídico-político para implantar, na sociedade brasileira, uma política social compatível com as exigências de justiça social, eqüidade e universalidade”. (Netto, 1999:77) Nestes termos, a Constituição Federal não abrange apenas os direitos civis e políticos, mas pela primeira vez na história do país, torna-se extensiva também aos direitos sociais. É importante destacar que este momento é grande relevância para a sociedade brasileira resultou da crescente luta da sociedade em prol da 46
  • 47. democracia. Entretanto, neste mesmo período, o outro lado do mundo iniciava uma crise de grandes proporções; onde o Estado de Bem-Estar dos países centrais, que explicitaremos mais adiante, entrava em declínio. Não obstante, os direitos foram ampliados na Constituição Federal de 1988. Sobre isto, Potyara argumenta que: “(...) graças à mobilização da sociedade, as políticas sociais tornaram-se centrais, nessa década, na agenda de reformas institucionais que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta Constituição, a reformulação formal do sistema de proteção social incorporou valores e critérios que, não obstante antigos no estrangeiro, soaram, no Brasil como inovação semântica, conceitual e política. Os conceitos de “direitos sociais”, “seguridade social”, “universalização”, “equidade”, “descentralização político- administrativa”, “controle democrático”, “mínimos sociais”, dentre outros, passaram, de fato, a constituir categorias-chaves norteadoras da constituição de um novo padrão de política social a ser adotado no país.” (Potyara, 2008:152) Sem dúvida, é possível considerar a importância da Constituição Federal de 1988, porque esta foi formulada para a viabilização da cidadania como um marco fundamental na história do país, tendo como propósito o bem-estar do homem através da realização de todas as necessidades básicas para uma vida digna, definindo-se como um estatuto básico de uma ordem social. Contudo, estas possibilidades sofrem uma interrupção em decorrência dos avanços do projeto neoliberal no pais que, através de um amplo processo de reestruturação produtiva e flexibilização das relações trabalhistas, colocou em xeque muitas das conquistas garantidas no texto Constitucional. Neste contexto de mudança, período em que o Brasil recebia uma Constituição mais cidadã, os países desenvolvidos estavam sofrendo um reajuste estrutural como apresentou Mota (2008), para superar a crise e conter a queda de investimentos produtivos, o desemprego crescente e a ampliação das dívidas dos 47
  • 48. países periféricos, uma vez que “(...) a crise dos anos 80 é qualificada como a crise do capital, cuja principal determinação é econômica, expressa num movimento convergente em que a crise de superprodução é administrada mediante expansão do crédito para financiar tantos os déficits dos países hegemônicos como a integração funcional dos países ao processo de internacionalização do capital. (Mota, 2008:55). Sendo assim, é possível observar que as primeiras eleições para presidente no Brasil depois da ditadura militar foram perpassadas por novas orientações no âmbito social brasileiro e internacional, pois enquanto aqui inaugurava-se uma nova concepção de proteção social universal, os países desenvolvidos incentivavam a privatização e a focalização dos programas sociais. Os candidatos que disputavam o primeiro governo democrático depois de anos eram Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, que venceu as eleições. Assim que assumiu a liderança do país, Collor iniciou os ajustes neoliberais, com o discurso de recuperar a economia brasileira. Mas o que o governo realizou foi seguir paulatinamente as orientações dos organismos internacionais. Tem-se, como exemplo de medidas tomadas pelo governo o confisco dos rendimentos econômicos, corte nos gastos públicos, redução de impostos para importação/exportação estrangeira e o incentivo à privatização. Essas medidas não tiveram o impacto esperado na economia, pois houve aumento de desemprego e a inflação não diminuiu mergulhando o país em uma nova crise econômica. Segundo Sader, “ O Brasil que sai da transição política herda pesadas cargas do regime ditatorial que hipotecou o futuro do país ao colocar em práticas uma política econômica de favorecimento do grande capital monopolista e financeiro 48
  • 49. internacionalizado, em detrimento da grande maioria da população, que não tem atendidas suas necessidades básicas de sobrevivência. O mercado externo e o interno de consumo supérfluo ocuparam o lugar da produção de bens essenciais á enorme massa de pobres e miseráveis que constituem 80% dos brasileiros”(1990:89) Neste período o Brasil passou toda a década de 1990 endividado com “os empréstimos de Fundo Monetário Internacional (FMI) e sujeito às regras do Consenso de Washington24 que privilegiaram os interesses financeiros internacionais e são avessas a quaisquer políticas sociais”. Dessa forma, os direitos constitucionais adquiridos passam a ser, desde meados dos anos 1990, um dos fatores de conflitos a serem enfrentados na reforma do Estado a ser implementada. É nesse contexto que a crise do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes que ele pudesse ser de fato, implantado em sua plenitude. No entanto, ao assumir o cargo mais importante da nação, o então presidente Fernando Collor de Mello desorganizou o Estado, privatizou empresas estatais e iniciou a abertura da economia brasileira ao mercado externo, dando os primeiros passos para o projeto neoliberal. O Brasil mergulhava em uma política econômica recessiva, e houve um expressivo corte nos postos de trabalho, elevando a taxa de desemprego. A queda no nível das atividades industriais levou muitas empresas à reorganização interna para reduzir os seus custos de produção, racionalizando os processos produtivos e administrativos. A implementação de uma reforma sem planejamento no setor público, sob a argumento de diminuí-lo, no âmbito da privatização foi desenhado sem objetivos conseqüentes e assim, “a política econômica nos dois anos de governo Collor pautou-se por uma adequação destrutiva ao reordenamento mundial. Não houve qualquer ação mais ousada em relação ao problema do endividamento, sem o que é impensável uma perspectiva de investimento e de crescimento, somando 24 Segundo Mota na análise de Num, “o Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho neoclássico, elaborado pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo think tanks de Washington e que, agora, passa como sendo a única interpretação racional possível dos problemas de estabilização e do crescimento” ( Num,1992:48 apud Mota, 2008:79). 49
  • 50. elementos aos processos de desarticulação progressiva do padrão de desenvolvimento da economia brasileira, em especial da capacidade do setor público. (Behring, 2003:152) Sendo assim, os sinais de corrupção começaram a aparecer no governo Collor, e uma série de denúncias tornava-se cada vez mais evidente e o congresso se vê pressionado, então abre um processo de impeachment, Collor é afastado do poder e quem assume é o seu vice, Itamar Franco, que permanece no poder por dois anos. Neste período, após um longo processo de luta, a Lei Orgânica da Assistência Social – a LOAS25 , foi promulgada nesse governo, em 1993, que introduz um novo conceito de assistência social e atribui ao Estado o dever de garanti-la. Vale destacar os diferentes conjuntos de agentes e entidades sociais atuantes na área da assistência social26 que atuaram nesse processo em defesa das conquistas históricas. Entretanto, como todo direito social adquirido neste país, teve uma forte resistência da classe dominante e não foi diferente com a LOAS, que nasceu sob a perversa diretriz da política neoliberal, seu processo de construção foi de tensão e embates, o que acarretou em diversas mudanças do projeto de origem. Isto foi percebido na sua definição do cortes das propostas, na sua elaboração e também no quesito da idade como critérios para sua concessão no benefício da prestação continuada Os adversários no processo de elaboração da LOAS, “(...) tentaram inviabilizar por todos os lados, inclusive o Juthay (ministro no 25 Lei nº8.742, de 7 dezembro de 1993. 26 “ No que se refere aos trabalhadores da assistência social, observamos que os assistentes sociais organizados em suas entidades corporativas e acadêmicas tiveram atuação política destacada durante todo o processo de debate e negociação dos diferente projetos. Assumiram, em muitos momentos, papel de direção política e cultural, politizaram os debates, estabeleceram alianças políticas nos campos governamental, parlamentar, acadêmico e partidário, o que foi fundamental para o nível de consenso possível que conduziu à aprovação de proposta final da LOAS (Raichelis,2000:124-125) 50
  • 51. Bem Estar Social) chegou a chamar seus assessores que estavam encaminhando junto à sociedade civil a proposta da lei, para dizer a eles que parassem com tudo, porque Fernando Henrique Cardoso e o Serra não queriam a Lei Orgânica da Assistência Social (...) Depois de muito confronto, ele tentou essa limitação do per capita, a questão da idade, como acabou ficando, tudo isso forçado pelo Ministério da Fazenda...”(Raichelis, 2000:151) Neste contexto de descompasso com as demandas da sociedade e o mal- estar instalado em todos os setores do governo, foi necessário buscar nova articulação política com o propósito de formar uma sustentação para a governabilidade do país. E essa nova articulação envolve novas alianças políticas27 , que ocasionará propostas conservadoras que vão contradizer a LOAS. Na verdade, esse governo de transição foi palco de “avanços limitados no que se refere à legislação complementar à Constituição de 1988, a exemplo da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Mas será também o momento de articulação e coalização conservadora de poder constituída em torno de Fernando Henrique Cardoso, então à frente do Ministério da Fazenda, onde foi formulado o plano de estabilização protagonizado pela nova moeda: o real (Behring,2003:154) O governo de Fernando Henrique Cardoso assume a partir de 1994 e segue essas reformas estruturais, que primeiramente se deram com Collor de Mello, já sintetizado anteriormente. Essas reformas são: a privatização do patrimônio público, a abertura comercial, flexibilização nas relações de trabalho e promove uma mudança fundamental na transformação do Estado que conseqüentemente acarreta um ataque à seguridade social e a assistência social tem um novo direcionamento. Dentro desse reordenamento, imposto pelo projeto neoliberal, o Estado é o principal elemento de ataque. Diante disso, se faz necessário observar de forma sucinta como o Estado de Bem-Estar Social se constitui, cujas experiências28 não 27 “uma composição ministerial que incluía o PSDB”. (Behring, 2003:152) 28 Os países que vivenciaram essas experiências. Modelo conservador: Alemanha, França, Itália, Áustria; Modelo Social 51
  • 52. foram inseridas no Brasil, e mesmo assim o Estado brasileiro passa por esse mesmo direcionamento. Compreende-se que, o Estado de Bem-Estar Social se desenvolveu principalmente na Europa. Seus princípios constituíam parte da social-democracia e envolvia a ampliação do conceito de cidadania. Garantia aos cidadãos acesso a direitos sociais através de um conjunto de bens e serviços que deveriam ser fornecidos e garantidos pelo Estado, promove-se assim a defesa da eqüidade social. Através do modelo de Estado de Bem-Estar Social, o Estado intervinha na economia, que era regulada e planejada pelo mercado. Esta intervenção fazia-se através de legislações trabalhistas e sindicais com o controle salarial e ganhos de benefícios que formavam um conjunto de ações que envolvia a previdência, a assistência social, a educação, a saúde e a moradia, serviços que funcionavam como salários indiretos, mantidos por meio de políticas de seguridade social. Outra forma, que contribuiu para a formação do sistema de proteção social, nestes países que viveram o Estado de Bem Estar Social, foi a organização e a participação política da classe trabalhadora nos movimentos sindicais, que alcançaram um caráter representativo no decurso das negociações com a classe burguesa, o que teve forte relevância na institucionalização deste sistema. Consolidando-se como uma política anticíclica, “o keynesianismo institui as políticas estatais de regulação econômica e social, de que são exemplos a planificação econômica e a intervenção na relação capital/trabalho, por meio da política salarial, da política fiscal, da política de crédito e das políticas sociais públicas” (Mota: 2008:127) Democrata: Países escandinavos; Modelo Democrático Social: Escandinávia; Modelos Escandinavos:Suécia, Dinamarca, Finlândia, Noruega; Modelo Liberal: EUA, Austrália, Canadá e Suíça, Nova Zelândia. (Silva, 2007:67) 52
  • 53. No final da década de 1960 as economias centrais iniciaram um processo de declínio fruto da saturação do padrão de acumulação do modelo fordista keynesiano. Conseqüentemente, nas décadas de 1970 e 1980, as economias enfrentaram ciclos recessivos, o que originou a inflação, e a expansão do mercado financeiro em detrimento do setor produtivo. Seguindo essa racionalidade sabe-se que a década de 1980 foi marcada pelo crescimento das desigualdades sociais, que estão relacionadas com o fim do pleno emprego devido à expansão do processo de reestruturação produtiva. Neste período, no mundo presenciava-se acontecimentos importantes como o desmonte do Estado de Bem Estar Social, o fim do socialismo real29 e a formação do Consenso de Washington (1989), o que conseqüentemente teve implicações substantivas para as políticas econômica e sociais dos países periféricos. Com o desenvolvimento dessa crise nos anos de 1980, presenciamos “a fusão do capital bancário com o industrial”, que é típica desse processo que entra “Na fase dos monopólios, a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômicas desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas. (Netto, 2005:25) Observa-se que, nos anos de 1980, a América Latina e o Brasil se movem em torno da expectativa de grandes reformas sintetizadas pelo Consenso de Washington, sem levar em consideração as condições adversas em que se enquadram esses países, em especial o Brasil em sua situação social, política e econômica, constituindo-se a maior parte das políticas adotadas aqui 29 “ a conseqüência mais visível da crise do socialismo real, para a ordem burguesa, é que o capitalismo e os ricos pararam, por enquanto, de ter medo’, precisamente porque, ‘ por enquanto, não há nenhuma parte do mundo que apresente com credibilidade um sistema alternativo ao capitalismo (Netto, 199:42) 53
  • 54. semelhantemente às antigas políticas assistencialistas destinadas a remediar a pobreza, com precários investimentos neste âmbito apesar da existência de direitos regulamentados. No caso brasileiro, “assistimos ao que Francisco de Oliveira denomina de “regulação truncada” do Estado e em que se funda a base de formação do Estado de mal-estar social. “ Aqui os fundos públicos se privatizam apenas numa direção, na direção da substituição dos fundos de acumulação privada pelas estatais, mas não há uma contrapartida no sentido de corrigir o mercado em termos de salário, distribuição de renda, etc.”(...). Afirma ainda, que “esta metamorfose(...) é sutil diferença que separa a utilização dos fundos estatais, em casos como o do Brasil, do processo de regulação pública, característicos do Welfare State”(Oliveira, 1990:68 apud Mota,2008:141) Embora o Estado brasileiro iniciasse seus primeiros passos no âmbito da universalização no que se referia aos direitos sociais, a partir da Constituição de 1988 os defensores30 da reforma do Estado definiam que a crise no Brasil foi determinada pelo seu modo de intervenção, na sua forma burocrática, lenta, à corrupção permitida e a sua política clientelística e patrimonialista, principalmente a partir da Constituição de 1988. E, portanto, se fazia necessário que o país revisse sua autonomia no aspecto financeiro, para alcançar uma sociedade moderna, ou seja, entrar na era da globalização. A respeito desse assunto, Behring sintetiza sobre o novo papel que agora é destinado ao Estado. Para ela, “parte-se do pressuposto de que se ele continua sendo um realocador de recursos, que garante a ordem interna e a segurança externa, tem os objetivos sociais de maior justiça e eqüidade e os objetivos econômicos de estabilização e desenvolvimento. Contudo, para assumir os dois últimos papeis, cresceu de forma distorcida. Hoje, então, a “reforma” passaria por transferir para o setor privado atividades que podem ser controladas pelo mercado, a exemplo das empresas estatais. Outra forma é a descentralização, para o “setor público não estatal”, de serviços que não envolvem o exército do poder de Estado, mas devem ser subsidiados por ele, como: Educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Este processo é 30 Os integrantes do Plano Diretor da Reforma do Estado do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (PDRE-Mare) 54
  • 55. caracterizado como publicização e é uma novidade da reforma que atinge diretamente as políticas sociais. Trata-se da produção de serviços competitivos ou não exclusivos do Estado, estabelecendo-se parcerias com a sociedade para o financiamento e controle social de execução. O Estado reduz a prestação direta de serviços, mantendo-se como regulador e provedor. Reforça-se a governance por meio da transição de um tipo rígido e ineficiente de administração pública para a administração gerencial, flexível e eficiente. Para os autores do plano, o governo brasileiro não carece de governabilidade, mas de governance.(2003:178) Nestes termos constata-se, a partir da análise da autora, o desprezo dado à Constituição de 1988, que abriu possibilidades concretas de avanços sobre espaços que outrora eram pertencentes apenas a uma classe, principalmente pela primeira vez na história do país abarcou interesses da classe trabalhadora, onde o Estado tem forte relevância de consolidar esta dívida social com a população no campo dos direitos sociais e de forma indispensável o dever de garanti-los. Com esse breve retrospecto do Estado de Bem Social vivenciado nos países acima citados, pode-se comparar as estruturas econômica, política, cultural e social desses países com a estruturas dos países da América Latina e no caso específico o Brasil, onde não houve essa experiência. Mesmo assim, a reforma do Estado foi implementada, e a partir de 1994, o país entrou no Plano Real, sendo este o principal produto do governo Fernando Henrique Cardoso. Nesse sentido, observa- se que “O Plano Real não foi concebido para eleger FHC; FHC é que foi concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI, e viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial” (Fiori, 1997:14 apud Behring, 2003:156) Esse contexto é marcado por uma política de ajustar o país a três pontos de 55