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Olhar Sophia é um nome que rima com poesia “ Manuel Alegre”
Nasceu no Porto,  a 6 de Novembro de 1919,  e aí passou a primeira infância.
Aos três anos tem o primeiro contacto com a poesia, quando uma criada lhe recita a “Nau  Catrineta” que aprenderia de cor. Ainda antes de aprender a ler, o avô ensinou-a a recitar Camões e Antero .
As férias, na companhia dos irmãos, eram passadas numa casa branca, com enormes jardins, voltada para o mar. Essa casa aparece referenciada em muitas das suas obras, sobretudo nas de literatura infanto-juvenil.
Aos doze anos escreve os primeiros poemas e, entre os dezasseis e os vinte e três anos,  tem uma fase excepcionalmente fértil na sua produção poética.
Apenas com vinte e cinco anos, publica o seu  primeiro livro,  “ Poesia”,  uma edição de autor, de  trezentos exemplares, paga  pelo pai.
Em 1946 casou com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares a quem se diz ter ficado a dever a consciência política. Dedicou-lhe o seu livro “Contos Exemplares” escrevendo: “Para o  Francisco que me ensinou a coragem e a alegria do combate  desigu al.”
Nos anos em que foi vendo nascer os filhos Sophia escreveu relativamente pouco. “Não sentia necessidade” mas estreou-se na literatura para crianças porque “Uma criança é uma criança não é um pateta…” Desejava histórias  onde predominasse o maravilhoso, a fantasia e a alegoria do real para uma leitura de encantamento.
Sobre Sophia mãe, disse Maria Sousa Tavares em seu nome e em nome dos irmãos “ Transmitiu-nos, desde a infância, o apego intransigente  às coisas essenciais da alegria de viver: o bom pão, o bom vinho, o mar, o Verão, a luz” .
Querendo despertar em vós o desejo de ler Sophia, vejamos uma breve síntese das suas obras infanto-juvenis.
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Em “A Fada Oriana” (1958) há uma fada que perde o dom de voar .Envaidecida pelos elogios de um peixe Oriana esquece-se dos outros e apaga do seu íntimo a generosidade. Para voltar à harmonia a fada terá de recuperar a justiça no tratamento com todos os seres. O  bem e o mal segundo Sophia.
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Em “A noite de Natal” (1959) chegam-nos o sagrado e o divino. Joana segue a estrela com os Reis Magos e vai à procura do seu amigo, um garoto “todo vestido de remendos”. “No mundo todos nós somos pessoas que vão atrás da estrela e por isso a estrela não é uma fantasia, é o símbolo de uma realidade.”
Em “A árvore” e “O Espelho ou o Retrato Vivo” Sophia homenageia a transformação que os homens imprimem aos objectos e o conhecimento das sucessivas gerações
Em “O Rapaz de Bronze” (1966) uma estátua salta do seu pedestal e conversa com as flores.  É a descoberta dos mistérios da noite e do crescimento.  As coisas extraordinárias e as coisas fantásticas também são verdadeiras .
Também em “O cavaleiro da Dinamarca” (1964) a religião e o Natal estão presentes. Um cavaleiro nórdico que tinha ido à Terra Santa, no caminho é posto à prova e regressa a casa na noite em que Jesus nasceu.
Não foi com o 25 de Abril que o seu empenho político se manifestou. Vinha já de longa data participando no combate ao regime Salazarista e sobretudo como sócia-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Após o 25 de Abril foi deputada à Assembleia Constituinte, com participação activa sobretudo em debates culturais.
“ O velho abutre é sábio e alisa as suas penas. A podridão lhe agrada e seus discursos têm o dom de tornar as almas mais pequenas. ”
“ Esta é  a  madrugada   que e u esperava O dia inicial inteir o e limpo Onde  em ergimos da   noite  e do silêncio E livres  hab itamos a substâ nci a  do tempo” 25 de Abril
Porque  Porque os outros se mascaram e tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos  E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não.
A escrita de Sofia está carregada de sabores, de cheiros, de um ângulo de luz da janela, de um reflexo de sol ou de sombra que de repente atravessa o quarto, dos rumores da casa onde há sempre um deus fantástico … de memórias, vivências e até ausências.
Sophia Gostava de luz, pedras, brisas, ondas e búzios. Gostava do ritmo das paisagens, do perfume da tília e do respirar da noite. Não gostava das pessoas que não têm dentro. Só têm fora. Não gostava de burocracias e injustiças.
A sua poesia, como toda a  verdadeira  poesia, pode ser dita, cantada e até dançada. Sophia com Vinicius de Moraes
Para Sophia a poesia é “uma incessante perseguição do real , do concreto e a sua explicação com o universo”. “ No quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida”.
A melhor homenagem a Sophia é ler, olhar ou  ouvir os seus poemas, apreciando cada palavra e cada verso.
Cidade  Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas, Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,  Saber que existe o mar e as praias nuas, Montanhas sem nome e planícies mais vastas  Que o mais vasto desejo, E eu estou em ti fechada e apenas vejo Os muros e as paredes, e não vejo Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas. Saber que tomas em ti a minha vida E que arrastas pela sombra das paredes A minha alma que fora prometida Às ondas brancas e às florestas verdes.
AS VOZES DO MAR Este búzio não o encontrei eu própria numa praia Mas na mediterrânica noite azul e preta Em Cós o comprei na venda junto ao cais E comigo trouxe o ressoar dos temporais Porém nele não oiço Nem o marulho de Cós nem o de Egina Mas sim o cântico da longa vasta praia Atlântica e sagrada Onde para sempre minha alma foi criada.
Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade.   L I B E R D A D E
A sua poesia é um permanente hino à natureza. “ De todos os cantos do mundo Amo com amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua  Onde me uni ao mar, ao vento e à lua”. MAR
Mar, Metade da minha alma é feita de maresia … Atlântico
Mar sonoro Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, A tua beleza aumenta quando estamos sós E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho, Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim.
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Escuto Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou Deus Escuto sem saber se estou ouvindo O ressoar das planícies do vazio Ou a consciência atenta Que nos confins do universo Me decifra e fita Apenas sei que caminho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco
Tive amigos que morriam, amigos que partiam Outros quebravam o seu rosto contra o tempo. Biografia Odiei o que era fácil Procurei-me na luz, no mar, no vento.
Sophia morreu a 2 de Julho de 2004.Vivamo-la em cada história, em cada verso e acreditemos no seu poema, que diz: “ Quando eu morrer voltarei para buscar  os instantes que não vivi junto do mar”.

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Sophia Manuel Alegre e sua obra literária

  • 1. Olhar Sophia é um nome que rima com poesia “ Manuel Alegre”
  • 2. Nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919, e aí passou a primeira infância.
  • 3. Aos três anos tem o primeiro contacto com a poesia, quando uma criada lhe recita a “Nau Catrineta” que aprenderia de cor. Ainda antes de aprender a ler, o avô ensinou-a a recitar Camões e Antero .
  • 4. As férias, na companhia dos irmãos, eram passadas numa casa branca, com enormes jardins, voltada para o mar. Essa casa aparece referenciada em muitas das suas obras, sobretudo nas de literatura infanto-juvenil.
  • 5. Aos doze anos escreve os primeiros poemas e, entre os dezasseis e os vinte e três anos, tem uma fase excepcionalmente fértil na sua produção poética.
  • 6. Apenas com vinte e cinco anos, publica o seu primeiro livro, “ Poesia”, uma edição de autor, de trezentos exemplares, paga pelo pai.
  • 7. Em 1946 casou com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares a quem se diz ter ficado a dever a consciência política. Dedicou-lhe o seu livro “Contos Exemplares” escrevendo: “Para o Francisco que me ensinou a coragem e a alegria do combate desigu al.”
  • 8. Nos anos em que foi vendo nascer os filhos Sophia escreveu relativamente pouco. “Não sentia necessidade” mas estreou-se na literatura para crianças porque “Uma criança é uma criança não é um pateta…” Desejava histórias onde predominasse o maravilhoso, a fantasia e a alegoria do real para uma leitura de encantamento.
  • 9. Sobre Sophia mãe, disse Maria Sousa Tavares em seu nome e em nome dos irmãos “ Transmitiu-nos, desde a infância, o apego intransigente às coisas essenciais da alegria de viver: o bom pão, o bom vinho, o mar, o Verão, a luz” .
  • 10. Querendo despertar em vós o desejo de ler Sophia, vejamos uma breve síntese das suas obras infanto-juvenis.
  • 11.
  • 12. Em “A Fada Oriana” (1958) há uma fada que perde o dom de voar .Envaidecida pelos elogios de um peixe Oriana esquece-se dos outros e apaga do seu íntimo a generosidade. Para voltar à harmonia a fada terá de recuperar a justiça no tratamento com todos os seres. O bem e o mal segundo Sophia.
  • 13.
  • 14. Em “A noite de Natal” (1959) chegam-nos o sagrado e o divino. Joana segue a estrela com os Reis Magos e vai à procura do seu amigo, um garoto “todo vestido de remendos”. “No mundo todos nós somos pessoas que vão atrás da estrela e por isso a estrela não é uma fantasia, é o símbolo de uma realidade.”
  • 15. Em “A árvore” e “O Espelho ou o Retrato Vivo” Sophia homenageia a transformação que os homens imprimem aos objectos e o conhecimento das sucessivas gerações
  • 16. Em “O Rapaz de Bronze” (1966) uma estátua salta do seu pedestal e conversa com as flores. É a descoberta dos mistérios da noite e do crescimento. As coisas extraordinárias e as coisas fantásticas também são verdadeiras .
  • 17. Também em “O cavaleiro da Dinamarca” (1964) a religião e o Natal estão presentes. Um cavaleiro nórdico que tinha ido à Terra Santa, no caminho é posto à prova e regressa a casa na noite em que Jesus nasceu.
  • 18. Não foi com o 25 de Abril que o seu empenho político se manifestou. Vinha já de longa data participando no combate ao regime Salazarista e sobretudo como sócia-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Após o 25 de Abril foi deputada à Assembleia Constituinte, com participação activa sobretudo em debates culturais.
  • 19. “ O velho abutre é sábio e alisa as suas penas. A podridão lhe agrada e seus discursos têm o dom de tornar as almas mais pequenas. ”
  • 20. “ Esta é a madrugada que e u esperava O dia inicial inteir o e limpo Onde em ergimos da noite e do silêncio E livres hab itamos a substâ nci a do tempo” 25 de Abril
  • 21. Porque Porque os outros se mascaram e tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não.
  • 22. A escrita de Sofia está carregada de sabores, de cheiros, de um ângulo de luz da janela, de um reflexo de sol ou de sombra que de repente atravessa o quarto, dos rumores da casa onde há sempre um deus fantástico … de memórias, vivências e até ausências.
  • 23. Sophia Gostava de luz, pedras, brisas, ondas e búzios. Gostava do ritmo das paisagens, do perfume da tília e do respirar da noite. Não gostava das pessoas que não têm dentro. Só têm fora. Não gostava de burocracias e injustiças.
  • 24. A sua poesia, como toda a verdadeira poesia, pode ser dita, cantada e até dançada. Sophia com Vinicius de Moraes
  • 25. Para Sophia a poesia é “uma incessante perseguição do real , do concreto e a sua explicação com o universo”. “ No quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida”.
  • 26. A melhor homenagem a Sophia é ler, olhar ou ouvir os seus poemas, apreciando cada palavra e cada verso.
  • 27. Cidade Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas, Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta, Saber que existe o mar e as praias nuas, Montanhas sem nome e planícies mais vastas Que o mais vasto desejo, E eu estou em ti fechada e apenas vejo Os muros e as paredes, e não vejo Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas. Saber que tomas em ti a minha vida E que arrastas pela sombra das paredes A minha alma que fora prometida Às ondas brancas e às florestas verdes.
  • 28. AS VOZES DO MAR Este búzio não o encontrei eu própria numa praia Mas na mediterrânica noite azul e preta Em Cós o comprei na venda junto ao cais E comigo trouxe o ressoar dos temporais Porém nele não oiço Nem o marulho de Cós nem o de Egina Mas sim o cântico da longa vasta praia Atlântica e sagrada Onde para sempre minha alma foi criada.
  • 29. Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade. L I B E R D A D E
  • 30. A sua poesia é um permanente hino à natureza. “ De todos os cantos do mundo Amo com amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua Onde me uni ao mar, ao vento e à lua”. MAR
  • 31. Mar, Metade da minha alma é feita de maresia … Atlântico
  • 32. Mar sonoro Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, A tua beleza aumenta quando estamos sós E tão fundo intimamente a tua voz Segue o mais secreto bailar do meu sonho, Que momentos há em que eu suponho Seres um milagre criado só para mim.
  • 33.
  • 34. Escuto Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou Deus Escuto sem saber se estou ouvindo O ressoar das planícies do vazio Ou a consciência atenta Que nos confins do universo Me decifra e fita Apenas sei que caminho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco
  • 35. Tive amigos que morriam, amigos que partiam Outros quebravam o seu rosto contra o tempo. Biografia Odiei o que era fácil Procurei-me na luz, no mar, no vento.
  • 36. Sophia morreu a 2 de Julho de 2004.Vivamo-la em cada história, em cada verso e acreditemos no seu poema, que diz: “ Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”.