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Arbitragem no Direito Administrativo
por Alexandre Marques de Carvalho
Introdução
A arbitragem constitui uma técnica de resolução de litígios1 fora dos quadros dos
tribunais que integram a jurisdição pública2. Dito de outra forma, trata-se de um negócio
jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver
conflitos a tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc (arbitragem não
institucionalizada).
Cabe aludir à distinção entre arbitragem não institucional e institucional3. A
arbitragem não institucionalizada é uma arbitragem não permanente, ocorrendo a sua
extinção após a resolução do litígio. A Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) regulou,
em particular, este tipo de arbitragem. Quanto à arbitragem institucionalizada (artigo
187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA), a
resolução do litígio desenvolve-se numa instituição permanente.
Outra distinção a ter conta diz respeito à arbitragem voluntária e à arbitragem
necessária. A arbitragem voluntária é aquela que depende da vontade das partes, a este
respeito assinala-se a existência na arbitragem voluntária de um elemento formal (a
existência de uma convenção arbitral)4. Pelo contrário, a arbitragem necessária é
imposta por lei, ficando as partes legalmente impedidas de recorrer aos tribunais
judiciais. O recurso a tribunais arbitrais necessários não obstará o recurso de sentenças
para os tribunais administrativos de círculo, sob pena de colocar em causa a tutela
jurisdicional efectiva (artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo
2º do CPTA).

1

Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, Cadernos de
Justiça Administrativa nº 18, 1999, pág. 3.
2
Pereira, José Luís Esquível, Os contratos administrativos e a arbitragem, Coimbra, Almedina, 2004, pág.
76.
3
Marques, J. P. Remédio, Acção declarativa à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora,
2011, pág. 57; Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 117.
4
Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 116.

1
Admite-se a possibilidade de tribunais arbitrais necessários no direito
administrativo5, ficando a sua constituição dependente de previsão legal especial.
Levanta-se a questão de saber se estamos perante uma reserva relativa de competência
da Assembleia da República nos termos do artigo 165° n° 1 alínea p) da Constituição da
República Portuguesa ou se o Governo pode, através de um Decreto-Lei não autorizado,
proceder à constituição de um tribunal arbitral necessário. Uma posição formalista
parece ser de rejeitar. Como refere Blanco Morais6, será possível através de decreto-lei
não autorizado a constituição de arbitragem necessária para a solução de um litígio
relativamente a uma matéria que não integre a reserva de lei parlamentar.
Quanto à natureza jurídica da arbitragem, tem-se defendido7 uma natureza
jurisdicional. De facto a arbitragem representa um meio de tutela efectiva dos cidadãos,
trazendo a possibilidade de uma justiça mais célere8, adequada9 e mais económica10.

Arbitragem no direito administrativo

A LAV prevê a arbitragem no que toca ao Estado e outras pessoas colectivas
públicas. Sendo que o artigo 1º nº 4 restringe a arbitragem aos casos em que exista
autorização por lei especial ou quando estejam em causa relações de direito privado. Do
regime resultaria que se entes públicos actuassem como qualquer privado o litígio
poderia ser submetido a arbitragem como se de sujeitos privados se tratasse.
5

Moncada, Luís Cabral de, Modelos alternativos de justiça : a arbitragem no direito administrativo In: O
direito - A. 142, nº 3 (2010), Lisboa, 2010, pág. 492; Morais, Carlos Blanco de, Apontamentos sobre a
submissão de litígios a arbitragem necessária: algumas dúvidas de constitucionalidade In: Newsletter
Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013, pág. 12; Oliveira, Ana Perestrelo de, ob.
cit., pág. 13.
6
Carlos Blanco de, ob. cit., pág. 15.
7
Assim Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 482; Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das
matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal In: Estudos em homenagem a
Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012, págs. 7 e 8; Correia, Sérvulo, A arbitragem voluntária no
domínio dos contratos administrativos In: Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro
Mendes, Lisboa: Faculdade de Direito, 1995, pág. 231. Pereira. José Luís Esquível, ob. cit., pág. 79,
defende uma natureza mista, tendo simultaneamente natureza contratualista e “judicialista”, segundo este
autor a base da arbitragem assenta num contrato (natureza contratualista) e uma vez constituído o tribunal
arbitral, este funciona como um verdadeiro tribunal (natureza “judicialista”).
8
As partes podem fixar o prazo para a decisão (artigo 19º nº 1 da LAV). Na falta de acordo das partes, o
prazo para a decisão será de seis meses (artigo 19º nº 2 da LAV).
9
Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, pág. 7; Quadros,
Fausto de, A importância hoje da arbitragem em direito administrativo In: Newsletter Centro de
Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013, pág. 10.
10
Como refere Quadros, Fausto de, “A importância hoje da arbitragem …”, pág. 11, a celeridade dos
tribunais arbitrais pode implicar, por exemplo, menos danos para as partes. Veja-se a título de exemplo a
tabela de custas do centro de arbitragem administrativa, www.caad.org.pt.

2
Tendo em conta que o artigo 2º nº 2 do ETAF (Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais) admitia a arbitragem nas relações jurídicas de direito
administrativo, Sérvulo Correia11 defendeu que o artigo 2º nº 2 do ETAF não era
afastado pelo artigo 1º nº 4 da LAV, por se tratar de uma lei especial face a esta.
Seguindo este raciocínio, tendo em conta a existência do artigo 180º do CPTA, dir-se-ia
que somente havendo lei especial poderá haver arbitragem fora das relações de direito
privado12. Em suma, o artigo 180º do CPTA, por deter neste âmbito um carácter
especial face ao artigo 1º nº 4 da LAV, aumenta o âmbito das matérias que podem ser
sujeitas a arbitragem13 14.

Contratos administrativos

O artigo 180º nº 1 alínea a) do CPTA permite a constituição de um tribunal
arbitral para dirimir litígios emergentes de um contrato administrativo.
Hoje em dia, o Código dos Contratos Públicos (CCP) prevê especialmente a
arbitragem nos contratos administrativos15: vejam-se os artigos 311º e ss. (quanto às
modificações objectivas do contrato), artigos 330º alínea c) e 332º nº 3 (relativo à
resolução do contrato) e 373º nº 5 (no tocante à determinação do preço e prazo de
execução dos trabalhos a mais).
O CCP, no seu artigo 313 nº 3, exclui a arbitragem no caso de modificação objectiva
dos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o
exercício de poderes públicos quando:
1. O fundamento da modificação seja uma alteração anormal e imprevisível em
que as partes fundaram a decisão de contratar;
e
2. A modificação por decisão arbitral interfira com o resultado do exercício da
margem de livre decisão administrativa.

11

Correia, Sérvulo, ob. cit., págs. 238 e ss.
Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 487.
13
Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pág. 1144.
14
Oliveira, Ana Perestrelo de, Arbitragem de litígios com entes públicos, Lisboa, Almedina, 2007,
reconduz o conteúdo do artigo 180º do CPTA ao critério da disponibilidade das partes presente no artigo
1º nº 1 da LAV.
15
Segundo Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 487, era desnecessário que o CCP tutelasse estes
casos, devido à previsão feita no CPTA.
12

3
Assim, a arbitragem não prejudica o exercício da discricionariedade pela
Administração na modificação do contrato16.

Actos administrativos
Não existe impedimento à arbitragem quanto aos actos administrativos17

18

.

Desta forma, o CPTA, que é uma lei especial, prevê no seu artigo 180º nº 1 que pode ser
constituído tribunal arbitral para a apreciação de actos administrativos relativos à
execução de contratos e para o julgamento de questões relativas a actos administrativos
que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade.
Quando aos actos administrativos relativos à execução de contratos, a doutrina19
afirma que a arbitragem é admitida também nos actos destacáveis do procedimento précontratual, apesar de a lei utilizar termos mais restritivos, sendo a demonstração da
alteração de paradigma face ao tradicional contencioso por atribuição20, segundo o qual
os tribunais arbitrais não podiam pronunciar-se, a título principal, sobre questões de
validade de actos administrativos21. Esta solução explica-se pela vantagem de permitir
que, num mesmo processo, seja apreciada a globalidade da relação jurídica
controvertida22. Destarte, o CPTA optou por permitir a respectiva apreciação (a título
principal e não meramente incidental) pelo juiz arbitral23.
No que toca aos actos administrativos que possam ser revogados sem
fundamento na sua invalidade, podemos afirmar que o acto administrativo tem de ser
válido e tem de conter elementos legais de discricionariedade24. Tal posição fará todo o
sentido para quem defenda que a administração tem um dever legal de revogar o acto
16

Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 488; Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F.,
Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pág.
1145.
17
Sobre a discussão sobre a qualificação como actos administrativos, Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit.,
págs. 60 e ss.
18
Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 489.
19
Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 489; Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias
passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal págs. 11 e 12.
20
À luz da realidade anterior, Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os
particulares, págs. 5 e 6 afirmava que «O território jurídico da arbitragem parece delimitado pelas
fronteiras exteriores do acto unilateral e autoritário da administração»; Pereira, José Luís Esquível, ob.
cit., pág. 238.
21
Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., págs. 242 e ss; Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob.
cit., pág. 1147 - defendem que os actos destacáveis não se incluem no artigo 180º do CPTA.
22
Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito
administrativo em Portugal, pág. 11.
23
Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 58.
24
Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 490.

4
administrativo ilegal. Mesmo tratando-se de um acto administrativo cuja apreciação não
seja da competência dos tribunais arbitrais, tal não impede o conhecimento, a título
incidental, de tal ilegalidade25.
Cabe fazer referência à posição de Mário Aroso de Almeida26 relativamente ao
alcance do artigo 180º nº 1 alínea c) do CPTA. Como referimos, defendemos a tese da
arbitragem de mérito, que de resto corresponde à posição maioritária da doutrina27. O
referido Professor não segue esta tese, defendendo que podem ser sujeitas a arbitragem
questões de estrita legalidade, visando a fiscalização da legalidade da actuação
administrativa, através da aplicação de regras e princípios jurídicos28.

Convenção de arbitragem

O tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem
voluntária (artigo 181º nº 1 do CPTA). Partindo das normas previstas nesta lei, iremos
proceder ao estudo do regime jurídico da arbitragem no direito administrativo.
As partes, respeitando a subsidiariedade prevista no artigo 1º nº 1 da LAV29,
podem submeter, mediante convenção de arbitragem, a resolução de um determinado
litígio nos tribunais arbitrais. Esta convenção pode ter por objecto um litígio actual,
chamado compromisso arbitral, ou a resolução de um litígio eventual emergente de uma
determinada relação jurídica contratual ou extracontratual, neste caso chamada cláusula
compromissória, como de resto vem previsto no artigo 1º nº 2 da referida lei.
A convenção de arbitragem, como resulta do nº 3 do artigo 1º da LAV, tem por
objecto litígios, sendo este conceito utilizado em sentido amplo, não abarcando somente
questões de natureza contenciosa em sentido estrito.
Como foi exposto, a celebração de uma convenção de arbitragem entre o Estado
e outras pessoas colectivas de direito público depende de prévia autorização por lei
especial. No entanto, esta não é a única especificidade, como resulta do artigo 184º do
CPTA: a outorga de compromisso arbitral por parte do Estado tem de ser objecto de
25

Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 490.
Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito
administrativo em Portugal, págs. 11 e ss.
27
Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, págs. 6 e 7.
28
Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito
administrativo em Portugal, pág. 20.
29
O legislador atendeu ao critério da disponibilidade do direito, pelo que somente poderá ser sujeito a
arbitragem se disser respeito a direitos que as partes podem constituir e extinguir por acto de vontade e
aos quais podem livremente renunciar, Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 32 e ss.
26

5
despacho do ministro da tutela. Tratando-se de outras pessoas colectivas de direito
público, esta competência pertence ao presidente do respectivo órgão dirigente; no caso
das Regiões Autónomas e das autarquias locais, a competência pertence ao governo
regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas.
Conforme dispõe o artigo 182º do CPTA, o interessado em celebrar um
compromisso arbitral pode exigir a sua celebração à Administração. Face a este direito à
outorga de compromissos arbitrais, coloca-se a questão de saber se nos encontramos
perante arbitragem voluntária ou se, pelo contrário, se trata de uma espécie de
arbitragem forçada30. De facto estamos perante arbitragem voluntária. A justificação
passa pela demonstração de que não estamos perante um direito potestativo31. Como
afirma Fausto Quadros32 não existe uma obrigação da Administração de aceitar o
compromisso arbitral proposto pelo particular; esta somente tem o dever de dar
resposta. Não aceitando, inicia-se uma fase de negociações entre as partes visando o
acordo. Conforme resulta do disposto no artigo 184º do CPTA, a outorga de
compromissos arbitrais depende de um despacho. Desta forma, será um requisito prévio
à outorga do compromisso arbitral33 que pode ou não corresponder a uma aceitação do
compromisso arbitral. Para Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha34 a lei
que vier a regulamentar as condições de exercício do referido direito (“nos termos da
lei”) poderá fazer operar um verdadeiro direito potestativo.
As partes podem autorizar os árbitros a julgar segundo a equidade (artigo 22º da
LAV). Na senda de Menezes Cordeiro35, distinguimos equidade fraca de equidade forte.
Na primeira, os árbitros partem da lei para uma decisão à luz do Direito, de forma a
corrigir injustiças ocasionadas pelo carácter abstracto das normas. Quanto à segunda,
prescinde da lei positiva para a procura de uma solução justa para o caso concreto. O
artigo 22º da LAV e o artigo 186º nº 2 do CPTA parecem permitir a utilização da
equidade forte e fraca36, surgindo como limite a legalidade administrativa37.

30

Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., págs. 1154 e ss; Oliveira, Ana Perestrelo de,
ob. cit., págs. 80 e ss; Quadros, Fausto de, Arbitragem "necessária", "obrigatória", "forçada" : breve
nótula sobre a interpretação do artigo 182º do código de processo nos Tribunais Administrativos In:
Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012.
31
Quadros, Fausto de, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada …”, pág. 260.
32
Quadros, Fausto de, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada …”, pág. 260.
33
Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., pág. 1155.
34
Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., pág. 1155.
35
Cordeiro, António Menezes, A decisão segundo a equidade In: O direito - A. 122, nº 2, Lisboa, 1990,
pág. 267 e ss.
36
Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 278.
37
Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 283.

6
Uma breve referência à intervenção dos contra-interessados. O artigo 180º nº 2
do CPTA estatui que a arbitragem só é admissível mediante a aceitação do
compromisso arbitral pelos eventuais contra-interessados. Esta regra visa evitar que as
partes utilizem a arbitragem para se subtraírem à intervenção processual necessária dos
contra-interessados38. No momento da constituição do tribunal arbitral cabe identificar
os contra-interessados com legitimidade para intervir no processo. No decurso do
processo arbitral impõe-se assegurar o efectivo contraditório pela parte contrainteressada39.

Sentença

As decisões proferidas por um tribunal podem ser anuladas (artigo 186º nº 1 do
CPTA) ou objecto de recurso (artigo 186º nº 2 do CPTA) para o Tribunal Central
Administrativo.
No primeiro caso, a sentença só pode ser anulada nos casos previstos no artigo
27º da LAV, ou seja: não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral; ter sido
proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído; ter havido violação
de princípios fundamentais a observar no processo, com influência decisiva na
resolução do litígio; ter faltado assinatura de árbitros ou fundamentação da decisão; e,
por fim, ter o tribunal conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter
deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
A possibilidade de recurso diz respeito aos casos em que o tribunal arbitral não
decidiu segundo a equidade40. Não sendo adoptado este critério de decisão, há recurso
para o Tribunal Central Administrativo nos mesmos moldes em que caberia da sentença
proferida pelo tribunal de comarca (artigo 29º da LAV).
Quanto à arbitragem internacional41, tem-se entendido que do silêncio da LAV e
do CPTA não podemos extrair que esteja vedada a possibilidade de a Administração
Pública se sujeitar no estrangeiro à arbitragem para dirimir um litígio de direito

38

Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 76.
Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 76 e 77.
40
Claro, João Martins, A arbitragem no projecto do código de processo nos tribunais administrativos In:
Reforma do contencioso administrativo, vol. 2, Coimbra, 2003, pág. 84.
41
Sobre a arbitragem transnacional, Pinheiro, Luís de Lima, Arbitragem transnacional: a determinação do
estatuto da arbitragem, Coimbra, Almedina, 2005.
39

7
administrativo42. Ocorrendo a decisão dos tribunais arbitrais estrangeiros, a
Administração portuguesa não pode invocar a violação do seu direito interno
desobrigando-se do acatamento da sentença, pois estaria a violar princípios gerais de
direito internacional, como o princípio da tutela da boa fé43.
Relativamente à execução das sentenças, existe uma reserva de competência dos
tribunais estatais. Assim, a execução da decisão arbitral é da competência dos tribunais
administrativos (artigo 30º da LAV). Como refere Remédio Marques44, os tribunais
arbitrais só possuem competência declarativa, podendo, no entanto, emitir providências
cautelares susceptíveis de antecipar provisoriamente decisão definitiva, desde que a
convenção de arbitragem o preveja.

BIBLIOGRAFIA
Almeida, Mário Aroso de,
Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo
em Portugal In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2,
Coimbra, 2012

Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F.,
Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2010

Andrade, José Carlos Vieira de,
A justiça administrativa: lições, 10ª ed., Coimbra, Almedina, 2009

Caupers, João,
A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares,
Cadernos de Justiça Administrativa nº 18, 1999

Claro, João Martins,
42

Veja-se os argumentos invocados em Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 493.
Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 493; Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 12.
44
Marques, J. P. Remédio, ob. cit., pág 56.
43

8
A arbitragem no projecto do código de processo nos tribunais administrativos In:
Reforma do contencioso administrativo, vol. 2, Coimbra, 2003

Cordeiro, António Menezes,
A decisão segundo a equidade In: O direito - A. 122, nº 2, Lisboa, 1990.

Correia, Sérvulo,
A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos In: Estudos
em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa: Faculdade de
Direito, 1995

Marques, J. P. Remédio,
Acção declarativa à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora,
2011

Moncada, Luís Cabral de,
Modelos alternativos de justiça: a arbitragem no direito administrativo In: O
direito - A. 142, nº 3 (2010), Lisboa, 2010

Morais, Carlos Blanco de,
Apontamentos sobre a submissão de litígios a arbitragem necessária: algumas
dúvidas de constitucionalidade

In:

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Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013

Oliveira, Ana Perestrelo de,
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Pereira, José Luís Esquível,
Os contratos administrativos e a arbitragem, Coimbra, Almedina, 2004

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Arbitragem no Direito Administrativo: Resolução de Litígios

  • 1. Arbitragem no Direito Administrativo por Alexandre Marques de Carvalho Introdução A arbitragem constitui uma técnica de resolução de litígios1 fora dos quadros dos tribunais que integram a jurisdição pública2. Dito de outra forma, trata-se de um negócio jurídico processual através do qual as partes atribuem legitimidade para resolver conflitos a tribunais sem natureza permanente, constituídos ad hoc (arbitragem não institucionalizada). Cabe aludir à distinção entre arbitragem não institucional e institucional3. A arbitragem não institucionalizada é uma arbitragem não permanente, ocorrendo a sua extinção após a resolução do litígio. A Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) regulou, em particular, este tipo de arbitragem. Quanto à arbitragem institucionalizada (artigo 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA), a resolução do litígio desenvolve-se numa instituição permanente. Outra distinção a ter conta diz respeito à arbitragem voluntária e à arbitragem necessária. A arbitragem voluntária é aquela que depende da vontade das partes, a este respeito assinala-se a existência na arbitragem voluntária de um elemento formal (a existência de uma convenção arbitral)4. Pelo contrário, a arbitragem necessária é imposta por lei, ficando as partes legalmente impedidas de recorrer aos tribunais judiciais. O recurso a tribunais arbitrais necessários não obstará o recurso de sentenças para os tribunais administrativos de círculo, sob pena de colocar em causa a tutela jurisdicional efectiva (artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 2º do CPTA). 1 Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, Cadernos de Justiça Administrativa nº 18, 1999, pág. 3. 2 Pereira, José Luís Esquível, Os contratos administrativos e a arbitragem, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 76. 3 Marques, J. P. Remédio, Acção declarativa à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pág. 57; Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 117. 4 Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 116. 1
  • 2. Admite-se a possibilidade de tribunais arbitrais necessários no direito administrativo5, ficando a sua constituição dependente de previsão legal especial. Levanta-se a questão de saber se estamos perante uma reserva relativa de competência da Assembleia da República nos termos do artigo 165° n° 1 alínea p) da Constituição da República Portuguesa ou se o Governo pode, através de um Decreto-Lei não autorizado, proceder à constituição de um tribunal arbitral necessário. Uma posição formalista parece ser de rejeitar. Como refere Blanco Morais6, será possível através de decreto-lei não autorizado a constituição de arbitragem necessária para a solução de um litígio relativamente a uma matéria que não integre a reserva de lei parlamentar. Quanto à natureza jurídica da arbitragem, tem-se defendido7 uma natureza jurisdicional. De facto a arbitragem representa um meio de tutela efectiva dos cidadãos, trazendo a possibilidade de uma justiça mais célere8, adequada9 e mais económica10. Arbitragem no direito administrativo A LAV prevê a arbitragem no que toca ao Estado e outras pessoas colectivas públicas. Sendo que o artigo 1º nº 4 restringe a arbitragem aos casos em que exista autorização por lei especial ou quando estejam em causa relações de direito privado. Do regime resultaria que se entes públicos actuassem como qualquer privado o litígio poderia ser submetido a arbitragem como se de sujeitos privados se tratasse. 5 Moncada, Luís Cabral de, Modelos alternativos de justiça : a arbitragem no direito administrativo In: O direito - A. 142, nº 3 (2010), Lisboa, 2010, pág. 492; Morais, Carlos Blanco de, Apontamentos sobre a submissão de litígios a arbitragem necessária: algumas dúvidas de constitucionalidade In: Newsletter Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013, pág. 12; Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 13. 6 Carlos Blanco de, ob. cit., pág. 15. 7 Assim Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 482; Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012, págs. 7 e 8; Correia, Sérvulo, A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos In: Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa: Faculdade de Direito, 1995, pág. 231. Pereira. José Luís Esquível, ob. cit., pág. 79, defende uma natureza mista, tendo simultaneamente natureza contratualista e “judicialista”, segundo este autor a base da arbitragem assenta num contrato (natureza contratualista) e uma vez constituído o tribunal arbitral, este funciona como um verdadeiro tribunal (natureza “judicialista”). 8 As partes podem fixar o prazo para a decisão (artigo 19º nº 1 da LAV). Na falta de acordo das partes, o prazo para a decisão será de seis meses (artigo 19º nº 2 da LAV). 9 Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, pág. 7; Quadros, Fausto de, A importância hoje da arbitragem em direito administrativo In: Newsletter Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013, pág. 10. 10 Como refere Quadros, Fausto de, “A importância hoje da arbitragem …”, pág. 11, a celeridade dos tribunais arbitrais pode implicar, por exemplo, menos danos para as partes. Veja-se a título de exemplo a tabela de custas do centro de arbitragem administrativa, www.caad.org.pt. 2
  • 3. Tendo em conta que o artigo 2º nº 2 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) admitia a arbitragem nas relações jurídicas de direito administrativo, Sérvulo Correia11 defendeu que o artigo 2º nº 2 do ETAF não era afastado pelo artigo 1º nº 4 da LAV, por se tratar de uma lei especial face a esta. Seguindo este raciocínio, tendo em conta a existência do artigo 180º do CPTA, dir-se-ia que somente havendo lei especial poderá haver arbitragem fora das relações de direito privado12. Em suma, o artigo 180º do CPTA, por deter neste âmbito um carácter especial face ao artigo 1º nº 4 da LAV, aumenta o âmbito das matérias que podem ser sujeitas a arbitragem13 14. Contratos administrativos O artigo 180º nº 1 alínea a) do CPTA permite a constituição de um tribunal arbitral para dirimir litígios emergentes de um contrato administrativo. Hoje em dia, o Código dos Contratos Públicos (CCP) prevê especialmente a arbitragem nos contratos administrativos15: vejam-se os artigos 311º e ss. (quanto às modificações objectivas do contrato), artigos 330º alínea c) e 332º nº 3 (relativo à resolução do contrato) e 373º nº 5 (no tocante à determinação do preço e prazo de execução dos trabalhos a mais). O CCP, no seu artigo 313 nº 3, exclui a arbitragem no caso de modificação objectiva dos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos quando: 1. O fundamento da modificação seja uma alteração anormal e imprevisível em que as partes fundaram a decisão de contratar; e 2. A modificação por decisão arbitral interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa. 11 Correia, Sérvulo, ob. cit., págs. 238 e ss. Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 487. 13 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pág. 1144. 14 Oliveira, Ana Perestrelo de, Arbitragem de litígios com entes públicos, Lisboa, Almedina, 2007, reconduz o conteúdo do artigo 180º do CPTA ao critério da disponibilidade das partes presente no artigo 1º nº 1 da LAV. 15 Segundo Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 487, era desnecessário que o CCP tutelasse estes casos, devido à previsão feita no CPTA. 12 3
  • 4. Assim, a arbitragem não prejudica o exercício da discricionariedade pela Administração na modificação do contrato16. Actos administrativos Não existe impedimento à arbitragem quanto aos actos administrativos17 18 . Desta forma, o CPTA, que é uma lei especial, prevê no seu artigo 180º nº 1 que pode ser constituído tribunal arbitral para a apreciação de actos administrativos relativos à execução de contratos e para o julgamento de questões relativas a actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade. Quando aos actos administrativos relativos à execução de contratos, a doutrina19 afirma que a arbitragem é admitida também nos actos destacáveis do procedimento précontratual, apesar de a lei utilizar termos mais restritivos, sendo a demonstração da alteração de paradigma face ao tradicional contencioso por atribuição20, segundo o qual os tribunais arbitrais não podiam pronunciar-se, a título principal, sobre questões de validade de actos administrativos21. Esta solução explica-se pela vantagem de permitir que, num mesmo processo, seja apreciada a globalidade da relação jurídica controvertida22. Destarte, o CPTA optou por permitir a respectiva apreciação (a título principal e não meramente incidental) pelo juiz arbitral23. No que toca aos actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, podemos afirmar que o acto administrativo tem de ser válido e tem de conter elementos legais de discricionariedade24. Tal posição fará todo o sentido para quem defenda que a administração tem um dever legal de revogar o acto 16 Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 488; Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pág. 1145. 17 Sobre a discussão sobre a qualificação como actos administrativos, Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 60 e ss. 18 Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 489. 19 Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 489; Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal págs. 11 e 12. 20 À luz da realidade anterior, Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, págs. 5 e 6 afirmava que «O território jurídico da arbitragem parece delimitado pelas fronteiras exteriores do acto unilateral e autoritário da administração»; Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 238. 21 Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., págs. 242 e ss; Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., pág. 1147 - defendem que os actos destacáveis não se incluem no artigo 180º do CPTA. 22 Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal, pág. 11. 23 Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 58. 24 Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 490. 4
  • 5. administrativo ilegal. Mesmo tratando-se de um acto administrativo cuja apreciação não seja da competência dos tribunais arbitrais, tal não impede o conhecimento, a título incidental, de tal ilegalidade25. Cabe fazer referência à posição de Mário Aroso de Almeida26 relativamente ao alcance do artigo 180º nº 1 alínea c) do CPTA. Como referimos, defendemos a tese da arbitragem de mérito, que de resto corresponde à posição maioritária da doutrina27. O referido Professor não segue esta tese, defendendo que podem ser sujeitas a arbitragem questões de estrita legalidade, visando a fiscalização da legalidade da actuação administrativa, através da aplicação de regras e princípios jurídicos28. Convenção de arbitragem O tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária (artigo 181º nº 1 do CPTA). Partindo das normas previstas nesta lei, iremos proceder ao estudo do regime jurídico da arbitragem no direito administrativo. As partes, respeitando a subsidiariedade prevista no artigo 1º nº 1 da LAV29, podem submeter, mediante convenção de arbitragem, a resolução de um determinado litígio nos tribunais arbitrais. Esta convenção pode ter por objecto um litígio actual, chamado compromisso arbitral, ou a resolução de um litígio eventual emergente de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual, neste caso chamada cláusula compromissória, como de resto vem previsto no artigo 1º nº 2 da referida lei. A convenção de arbitragem, como resulta do nº 3 do artigo 1º da LAV, tem por objecto litígios, sendo este conceito utilizado em sentido amplo, não abarcando somente questões de natureza contenciosa em sentido estrito. Como foi exposto, a celebração de uma convenção de arbitragem entre o Estado e outras pessoas colectivas de direito público depende de prévia autorização por lei especial. No entanto, esta não é a única especificidade, como resulta do artigo 184º do CPTA: a outorga de compromisso arbitral por parte do Estado tem de ser objecto de 25 Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 490. Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal, págs. 11 e ss. 27 Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, págs. 6 e 7. 28 Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal, pág. 20. 29 O legislador atendeu ao critério da disponibilidade do direito, pelo que somente poderá ser sujeito a arbitragem se disser respeito a direitos que as partes podem constituir e extinguir por acto de vontade e aos quais podem livremente renunciar, Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 32 e ss. 26 5
  • 6. despacho do ministro da tutela. Tratando-se de outras pessoas colectivas de direito público, esta competência pertence ao presidente do respectivo órgão dirigente; no caso das Regiões Autónomas e das autarquias locais, a competência pertence ao governo regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas. Conforme dispõe o artigo 182º do CPTA, o interessado em celebrar um compromisso arbitral pode exigir a sua celebração à Administração. Face a este direito à outorga de compromissos arbitrais, coloca-se a questão de saber se nos encontramos perante arbitragem voluntária ou se, pelo contrário, se trata de uma espécie de arbitragem forçada30. De facto estamos perante arbitragem voluntária. A justificação passa pela demonstração de que não estamos perante um direito potestativo31. Como afirma Fausto Quadros32 não existe uma obrigação da Administração de aceitar o compromisso arbitral proposto pelo particular; esta somente tem o dever de dar resposta. Não aceitando, inicia-se uma fase de negociações entre as partes visando o acordo. Conforme resulta do disposto no artigo 184º do CPTA, a outorga de compromissos arbitrais depende de um despacho. Desta forma, será um requisito prévio à outorga do compromisso arbitral33 que pode ou não corresponder a uma aceitação do compromisso arbitral. Para Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha34 a lei que vier a regulamentar as condições de exercício do referido direito (“nos termos da lei”) poderá fazer operar um verdadeiro direito potestativo. As partes podem autorizar os árbitros a julgar segundo a equidade (artigo 22º da LAV). Na senda de Menezes Cordeiro35, distinguimos equidade fraca de equidade forte. Na primeira, os árbitros partem da lei para uma decisão à luz do Direito, de forma a corrigir injustiças ocasionadas pelo carácter abstracto das normas. Quanto à segunda, prescinde da lei positiva para a procura de uma solução justa para o caso concreto. O artigo 22º da LAV e o artigo 186º nº 2 do CPTA parecem permitir a utilização da equidade forte e fraca36, surgindo como limite a legalidade administrativa37. 30 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., págs. 1154 e ss; Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 80 e ss; Quadros, Fausto de, Arbitragem "necessária", "obrigatória", "forçada" : breve nótula sobre a interpretação do artigo 182º do código de processo nos Tribunais Administrativos In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012. 31 Quadros, Fausto de, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada …”, pág. 260. 32 Quadros, Fausto de, “Arbitragem necessária, obrigatória, forçada …”, pág. 260. 33 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., pág. 1155. 34 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., ob. cit., pág. 1155. 35 Cordeiro, António Menezes, A decisão segundo a equidade In: O direito - A. 122, nº 2, Lisboa, 1990, pág. 267 e ss. 36 Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 278. 37 Pereira, José Luís Esquível, ob. cit., pág. 283. 6
  • 7. Uma breve referência à intervenção dos contra-interessados. O artigo 180º nº 2 do CPTA estatui que a arbitragem só é admissível mediante a aceitação do compromisso arbitral pelos eventuais contra-interessados. Esta regra visa evitar que as partes utilizem a arbitragem para se subtraírem à intervenção processual necessária dos contra-interessados38. No momento da constituição do tribunal arbitral cabe identificar os contra-interessados com legitimidade para intervir no processo. No decurso do processo arbitral impõe-se assegurar o efectivo contraditório pela parte contrainteressada39. Sentença As decisões proferidas por um tribunal podem ser anuladas (artigo 186º nº 1 do CPTA) ou objecto de recurso (artigo 186º nº 2 do CPTA) para o Tribunal Central Administrativo. No primeiro caso, a sentença só pode ser anulada nos casos previstos no artigo 27º da LAV, ou seja: não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral; ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído; ter havido violação de princípios fundamentais a observar no processo, com influência decisiva na resolução do litígio; ter faltado assinatura de árbitros ou fundamentação da decisão; e, por fim, ter o tribunal conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar. A possibilidade de recurso diz respeito aos casos em que o tribunal arbitral não decidiu segundo a equidade40. Não sendo adoptado este critério de decisão, há recurso para o Tribunal Central Administrativo nos mesmos moldes em que caberia da sentença proferida pelo tribunal de comarca (artigo 29º da LAV). Quanto à arbitragem internacional41, tem-se entendido que do silêncio da LAV e do CPTA não podemos extrair que esteja vedada a possibilidade de a Administração Pública se sujeitar no estrangeiro à arbitragem para dirimir um litígio de direito 38 Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 76. Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., págs. 76 e 77. 40 Claro, João Martins, A arbitragem no projecto do código de processo nos tribunais administrativos In: Reforma do contencioso administrativo, vol. 2, Coimbra, 2003, pág. 84. 41 Sobre a arbitragem transnacional, Pinheiro, Luís de Lima, Arbitragem transnacional: a determinação do estatuto da arbitragem, Coimbra, Almedina, 2005. 39 7
  • 8. administrativo42. Ocorrendo a decisão dos tribunais arbitrais estrangeiros, a Administração portuguesa não pode invocar a violação do seu direito interno desobrigando-se do acatamento da sentença, pois estaria a violar princípios gerais de direito internacional, como o princípio da tutela da boa fé43. Relativamente à execução das sentenças, existe uma reserva de competência dos tribunais estatais. Assim, a execução da decisão arbitral é da competência dos tribunais administrativos (artigo 30º da LAV). Como refere Remédio Marques44, os tribunais arbitrais só possuem competência declarativa, podendo, no entanto, emitir providências cautelares susceptíveis de antecipar provisoriamente decisão definitiva, desde que a convenção de arbitragem o preveja. BIBLIOGRAFIA Almeida, Mário Aroso de, Sobre o âmbito das matérias passíveis de arbitragem de direito administrativo em Portugal In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012 Almeida, Mário Aroso de/Cadilha, Carlos A. F., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010 Andrade, José Carlos Vieira de, A justiça administrativa: lições, 10ª ed., Coimbra, Almedina, 2009 Caupers, João, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, Cadernos de Justiça Administrativa nº 18, 1999 Claro, João Martins, 42 Veja-se os argumentos invocados em Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 493. Moncada, Luís Cabral de, ob. cit., pág. 493; Oliveira, Ana Perestrelo de, ob. cit., pág. 12. 44 Marques, J. P. Remédio, ob. cit., pág 56. 43 8
  • 9. A arbitragem no projecto do código de processo nos tribunais administrativos In: Reforma do contencioso administrativo, vol. 2, Coimbra, 2003 Cordeiro, António Menezes, A decisão segundo a equidade In: O direito - A. 122, nº 2, Lisboa, 1990. Correia, Sérvulo, A arbitragem voluntária no domínio dos contratos administrativos In: Estudos em memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa: Faculdade de Direito, 1995 Marques, J. P. Remédio, Acção declarativa à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011 Moncada, Luís Cabral de, Modelos alternativos de justiça: a arbitragem no direito administrativo In: O direito - A. 142, nº 3 (2010), Lisboa, 2010 Morais, Carlos Blanco de, Apontamentos sobre a submissão de litígios a arbitragem necessária: algumas dúvidas de constitucionalidade In: Newsletter Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013 Oliveira, Ana Perestrelo de, Arbitragem de litígios com entes públicos, Lisboa, Almedina, 2007 Pereira, José Luís Esquível, Os contratos administrativos e a arbitragem, Coimbra, Almedina, 2004 Quadros, Fausto de, Arbitragem "necessária", "obrigatória", "forçada" : breve nótula sobre a interpretação do artigo 182º do código de processo nos Tribunais 9
  • 10. Administrativos In: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. 2, Coimbra, 2012 Quadros, Fausto de, A importância hoje da arbitragem em direito administrativo In: Newsletter Centro de Arbitragem Administrativa e Fiscal nº 1, Lisboa, 2013 10