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SUMÁRIO
A. CORONELISMO, CORONELISMO ELETRÔNICO E CORONELISMO ELETRÔNICO DE
NOVO TIPO........................................................................................................... 02
A.1 – O Coronelismo
A.2 – O Coronelismo Eletrônico
A.3 – O Coronelismo eletrônico de novo tipo
Município como ente federativo
União compartilha e recupera poder (em parte)
Os coronéis eletrônicos de novo tipo
B. BREVE HISTÓRICO DO USO DAS CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO COMO MOEDA
DE BARGANHA POLÍTICA............................................................................................ 08
C. “BRECHAS” LEGAIS: A RADIODIFUSÃO EDUCATIVA............................................... 10
C.1 – “Brecha” UM: a transformação das retransmissoras mistas em geradoras
educativas
C.2 – “Brecha” DOIS: as outorgas de radiodifusão educativa estão dispensadas de
licitação
D. A LITERATURA SOBRE CORONELISMO ELETRÔNICO............................................... 15
E. AS RADCOM: PROMESSA FRUSTRADA..................................................................... 16
F. NOTA SOBRE A METODOLOGIA............................................................................... 18
G. OS “PROCEDIMENTOS BUROCRÁTICOS” E SUAS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS............ 26
G.1- no Ministério das Comunicações
a. arquivamentos e “Pleitos”
b. a política dos ministros
G.2- no Palácio do Planalto
H. QUEM CONTROLA AS RADCOM “AUTORIZADAS”?................................................... 39
H.1 – RadCom vs política
H.2 – RadCom vs religião
H.3 – duplicidade de outorgas
I. OBSERVAÇÕES FINAIS............................................................................................ 49
J. O QUE PODE E DEVE SER FEITO.............................................................................. 51
K. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 52
L. ANEXOS................................................................................................................. 54
L.1 – Lei 9.612/98
L.2 – Decreto 2.615/98
L.3 – Listagem dos vínculos políticos, religiosos e das duplicidades de outorgas
2
A. CORONELISMO, CORONELISMO ELETRÔNICO E CORONELISMO
ELETRÔNICO DE NOVO TIPO
O conceito de coronelismo tem sua origem no estudo clássico do jurista e professor
Victor Nunes Leal sobre as práticas políticas no antigo Brasil rural – Coronelismo,
Enxada e Voto – cuja primeira edição foi publicada pela Revista Forense em 1949.
O status teórico do conceito tem sido, no entanto, objeto de aguda controvérsia nas
ciências sociais e o seu derivado – coronelismo eletrônico – carece de reflexão
conceitual, além de padecer freqüentemente de uma série de equívocos e imprecisões
no campo da Comunicação (cf. Santos, 2006).
Apesar disso, optamos por sua utilização. Acreditamos que o fenômeno nomeado como
coronelismo eletrônico guarda características e mantém traços comuns com o sistema
de dominação e relações políticas originalmente estudado por Nunes Leal na República
Velha que justificam seu uso.
A explicitação dessas características e traços comuns foi que orientou o
desenvolvimento desta pesquisa, paralelamente ao pressuposto de que a mídia – e,
conseqüentemente, o seu controle – desempenha hoje um papel fundamental no
processo político da sociedade brasileira. Em especial, queremos contribuir para o
tardio reconhecimento da importância do rádio – comercial, educativo, comunitário ou
“não-legalizado” – que nem sempre merece a atenção que deveria ter nos estudos
sobre a mídia no Brasil.
A.1 – O Coronelismo
Desde o Império até a República, a estrutura agrária concentradora da propriedade da
terra possibilitou o exercício do controle político do município por lideranças locais por
intermédio de um complicado sistema de compromissos e troca de favores com as
províncias (estados) e a União. O coronel era o chefe político local e recebia essa
designação como oficial da Guarda Nacional, criada ainda no século 19.
A moeda de troca básica dos velhos coronéis era o controle do voto – o chamado “voto
de cabresto” –, inicialmente aberto e depois secreto. Como recompensa, eram eles que
decidiam sobre a alocação dos recursos orçamentários estaduais e federais no
município e faziam as indicações dos nomes que ocupariam os cargos de comando da
máquina pública – juiz, delegado de polícia, coletor de impostos, agente dos Correios,
professores do ensino público, dentre outros.
Como reafirmou Leal (1980) “o coronelismo era um aspecto local da dominação
política, um aspecto local das lutas e dos entendimentos políticos, embora refletindo-se
nos círculos mais amplos e contribuindo, por suas características, para dar uma
tonalidade própria a toda a vida política do país”.
Esse coronelismo da República Velha encontra suas condições ideais de funcionamento
num país de população majoritariamente rural, no contexto do poder central do Estado
fortalecido, de municípios isolados e tutelados, e da introdução de instituições
representativas na política1
.
1
Existe uma ampla bibliografia sobre o coronelismo na política brasileira. Além da obra pioneira de V. N.
Leal, uma referência introdutória é o verbete coronelismo de J. Murilo de Carvalho no DHBB (2001).
3
A.2 – O Coronelismo Eletrônico
O coronelismo eletrônico, por outro lado, é um fenômeno do Brasil urbano da segunda
metade do século 20, que sofre uma inflexão importante com a Constituição de 1988,
mas persiste e se reinventa depois ela. É também resultado da adoção do modelo de
curadoria (trusteeship model), isto é, da outorga pela União a empresas privadas da
exploração dos serviços públicos de rádio e televisão e, sobretudo, das profundas
alterações que ocorreram com a progressiva centralidade da mídia na política
brasileira, a partir do regime militar (1964-1985).
Emissoras de rádio e televisão, que são mantidas em boa parte pela publicidade oficial
e estão articuladas com as redes nacionais dominantes, dão origem a um tipo de poder
agora não mais coercitivo, mas criador de consensos políticos. São esses consensos
que facilitam (mas não garantem) a eleição (e a reeleição) de representantes – em
nível federal, deputados e senadores – que, por sua vez, permitem circularmente a
permanência do coronelismo como sistema.
Ao controlar as concessões, o novo “coronel” promove a si mesmo e aos seus aliados,
hostiliza e cerceia a expressão dos adversários políticos e é fator importante na
construção da opinião pública cujo apoio é disputado tanto no plano estadual como no
federal.
No coronelismo eletrônico, portanto, a moeda de troca continua sendo o voto, como no
velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da
informação – vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública.
A recompensa da União aos coronéis eletrônicos é de certa forma antecipada pela
outorga e, depois, pela renovação das concessões do serviço de radiodifusão que
confere a eles poder na barganha dos recursos para os serviços públicos municipais,
estaduais e federais.
Um feliz resumo das diferenças entre o coronelismo e o coronelismo eletrônico pode
ser encontrado em trabalho de Costa e Brener, publicado em 1997. Dizem eles:
Se as raízes dos velhos coronéis remontam ao Império, os coronéis de agora
emergiram principalmente a partir do regime militar. Os primeiros são
expressão de um Brasil predominantemente rural, enquanto os novos coronéis
são atores políticos de um país majoritariamente urbano. O coronel de hoje
mantém práticas típicas do antigo coronel, como usar a sua influência junto ao
governo para arranjar emprego para os apadrinhados ou levar obras e
melhoramentos para as suas bases eleitorais, mas mudou muito a forma de
fazer política. Se antes os métodos de cabala de votos se resumiam às
instruções dadas aos cabos eleitorais e aos comícios, é inegável que a televisão
[e o rádio – inclusão dos A.] se tornaram um novo e decisivo cenário da batalha
política estadual e municipal.
Não será coincidência, portanto, constatar que as oligarquias dominantes em vários
estados e regiões do país (sobretudo no Nordeste), a partir das últimas décadas do
século passado, têm em comum o vínculo com a mídia. Em especial, com as emissoras
de rádio e televisão comerciais e suas retransmissoras (RTVs), mas também com as
emissoras educativas. Seus membros são detentores de mandatos nos diferentes
níveis de representação no Executivo e no Legislativo, mas, sobretudo, são
governadores, deputados federais ou senadores. Os mais conhecidos exemplos são as
4
oligarquias regionais identificadas por nomes como Barbalho, Sarney, Jereissati,
Garibaldi, Collor de Mello, Franco, Alves, Magalhães, Martinez e Paulo Octávio, dentre
outros.
A.3 – O Coronelismo eletrônico de novo tipo
Em palestra que fez mais de 30 anos após a publicação do estudo original, publicada
sob o título “O Coronelismo e o Coronelismo de cada um”, Victor Nunes Leal reforçou
algumas das principais características do velho coronelismo. Situou-o historicamente
na República Velha, lembrou que, apesar de suas repercussões nacionais, tratava-se
de um sistema de compromisso desenvolvido no âmbito dos estados e resultante da
“fraqueza do Estado de um lado, e, de outro, [da] fraqueza social e política dos
coronéis, que necessitavam do prestígio de empréstimo do governo estadual para
reforçar o seu próprio prestígio local”.
O mais importante para o nosso argumento, todavia, é que, observando as eleições
municipais de 1976 – realizadas durante o regime militar e sob a presidência do
general Ernesto Geisel – Leal constata o surgimento de um “novo tipo de
compromisso”, agora “entre o Presidente da República e os municípios”. Trata-se de...
...um compromisso direto entre o governo federal e os chefes políticos locais
(portanto, com invasão da área que seria a do coronelismo típico, de vinculação
dos chefes locais ao governo do Estado) [...] Esse tipo de compromisso
eventual entre o governo federal e os municipais estava mencionado como
possibilidade no meu livro, porque àquele tempo já havia uma série de órgãos
econômicos, governados e alimentados pelo poder federal, que tinham atuação
nas comunas. Era previsível, portanto, que o governo federal, na medida em
que tivesse de passar por cima dos governos estaduais, abandonando a política
dos governadores, de Campos Sales, para fazer uma política presidencial,
procuraria estabelecer vínculos diretos entre a Presidência da República e as
prefeituras e câmaras municipais. Isto representou, suponho, um reforço ao
coronelismo, o que não era àquele tempo previsível com tanta clareza. Hoje, o
Presidente da República está tão ou mais interessado nos municípios, nos
chefes políticos do interior, como estão os governadores dos Estados. Este é
que talvez seja o aspecto novo a examinar no coronelismo.
A “política presidencial” identificada por Leal, irá ser reforçada, no contexto político
democrático, pela Constituição de 1988, que altera as condições anteriores em dois
pontos fundamentais e dá origem a um novo tipo de coronelismo eletrônico, que não
exclui o anterior, mas é complementar a ele.
Município como ente federativo
Primeiro, a Constituição conferiu ao município o status de ente federativo e introduziu
modificações importantes na distribuição de recursos e competências – sobretudo com
relação à saúde e a educação. Apesar de todas as dificuldades relativas, sobretudo, ao
repasse de verbas pela União, inicia-se o movimento de descentralização de políticas
públicas que confere aos municípios autonomia e introduz profundas mudanças no
federalismo e, portanto, na política local (cf. Andrade, 2004).
É no contexto do município não mais isolado, mas fortalecido, e da política local
revigorada que surge o que chamamos coronelismo eletrônico de novo tipo, vinculado
especificamente às permissões e autorizações dirigidas às comunidades locais. Essas
5
permissões e autorizações referem-se às RTVs2
, em especial aquelas destinadas às
prefeituras (desde 1978), às emissoras de rádio FM e às rádios comunitárias
legalizadas.
Cerca de 70% de todos os novos atos de outorgas de radiodifusão, depois de 1998,
são exatamente de rádios comunitárias. Paralelamente, estima-se que existam hoje no
país cerca de 18 mil rádios comunitárias “não-legalizadas” em funcionamento, cerca de
10 mil processos arquivados e mais de 4 mil pedidos pendentes no Ministério das
Comunicações (MiniCom) (Carvalho, 15/3/07).
O fato de existir um número tão elevado de rádios comunitárias “não-legalizadas” é
revelador da pressão exercida por aqueles que controlam a radiodifusão comercial
sobre o poder concessionário (Executivo e Legislativo) para impedir que a
regularização aconteça. As comunitárias seriam suas competidoras diretas nos
municípios. Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia
Federal exercem um controle rigoroso sobre as rádios “não-legalizadas” que são
diariamente fechadas e seus dirigentes, presos.
Importante ressaltar ainda que, apesar de a Constituição de 1988 dar aos municípios o
status de ente da Federação, ela reforça o poder exclusivo da União para outorgar e
renovar outorgas de radiodifusão, excluindo assim a possibilidade de municipalização
ou estadualização dessas atividades. A alínea “a” do inciso XII do seu Artigo 21, em
sua redação original e na alterada pela Emenda Constitucional no
8, de 1995, deixa
pouca margem de dúvida quanto a essa exclusividade, ao dizer que compete à União
“explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços
de radiodifusão sonora e de sons e imagens”3
.
Do ponto de vista técnico e prático, há pouco ou nenhum sentido nesta centralização
na esfera Federal da atividade de outorga. Existe, principalmente para as rádios de
menor potência que operam em FM, um interesse local muito mais evidente do que um
interesse nacional. A atividade de outorga dessas rádios poderia muito bem ser uma
atividade concorrente entre União, Estados e Municípios – à União caberia apenas ditar
as regras gerais, tais como a canalização do espectro de freqüência.
Executivo compartilha e recupera poder (em parte)
O segundo ponto alterado pela Constituição de 1988 diz respeito à exigência de
participação do Legislativo na aprovação tanto das concessões de rádio e televisão –
comerciais, educativas e comunitárias – como na sua renovação. Subtrai-se, portanto,
do Executivo o poder exclusivo de outorga deste serviço. Desta forma, o Executivo
passa a compartilhar as decisões sobre sua moeda de troca (as concessões e as
renovações) diretamente com as oligarquias políticas estaduais e regionais – vale
2
Levantamento realizado pelos jornalistas Sylvio Costa e Jayme Brener (1997) revelou a seguinte
distribuição para as 1848 RTVs que podiam inserir até 15% de programação própria por serem educativas
ou estarem instaladas na Amazônia Legal em 1997: 527 pertenciam a empresas de comunicação sem
vínculos políticos; 479 a prefeituras municipais; 472 a empresas e entidades ligadas a igrejas; 102 a
fundações educativas e 268 a entidades ou empresas controladas por 87 políticos.
3
O juiz federal aposentado Paulo Fernando da Silveira publicou, em 2001, pela Editora Del Rey o livro Rádios
Comunitárias no qual defende a competência municipal para legislar sobre a matéria. Essa posição tem
influenciado Câmaras Municipais de diversas cidades a aprovarem leis regulando as rádios comunitárias –
como Itabuna (BA), São Gonçalo (RJ), Campinas (SP), São Bernardo do Campo (SP) e, inclusive, o município
de São Paulo (SP).
6
dizer, com os coronéis eletrônicos (ou seus representantes, deputados e senadores),
muitos, eles próprios, já concessionários dos serviços. Há, no entanto, uma quase-
exceção em relação às rádios comunitárias. Reguladas por lei em 19984
, já existiam e
operavam em número significativo, pelo menos desde o final da década de 1980. Elas
não dependem de licitações públicas, mas de um processo de avaliação interna no
Ministério das Comunicações (MiniCom). Depois, os atos são enviados à apreciação do
Congresso Nacional.
A Medida Provisória 2.143-33, de maio de 2001, no entanto, modifica as normas de
tramitação dos processos no Congresso e restitui ao Executivo – para as autorizações
de rádios comunitárias – parte significativa do poder que a Constituição de 1988 lhe
subtraíra. A MP 2.143-33 determina que, se as autorizações de rádios comunitárias
enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional não forem apreciadas num prazo de 90
dias, elas se transformarão, automaticamente, em “licenças provisórias” de
funcionamento5
. Com isso, o Executivo acelera a efetivação de seus atos e tira
vantagem de sua agilidade potencial em relação à morosidade intrínseca do processo
legislativo. Dessa forma, as rádios comunitárias voltam a constituir, para o Executivo,
importante moeda de barganha política.
Neste contexto, é preciso observar que, desde o início do governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2002), além da avaliação técnica e política dos pedidos de
outorga de rádios comunitárias realizada no MiniCom, foi acrescida ainda outra
instância de avaliação política, agora na Casa Civil da Presidência da República. Essa
análise política já existia no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, é
verdade, mas no governo Lula houve uma alteração importante que conferiu à
Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República uma
participação na análise das outorgas de radiodifusão. Ou seja: foi inserida na
tramitação das outorgas de radiodifusão no Poder Executivo uma etapa específica a
cargo de um órgão que tem, entre outras funções, a de estabelecer elos entre o Poder
Executivo federal e os municípios.
Os coronéis eletrônicos de novo tipo
Os novos coronéis eletrônicos, como os anteriores, continuam tendo no controle do
voto a sua “moeda de troca” básica com o estado e a própria União. Só que agora com
a mediação de representantes em posição política hierarquicamente superior, tanto no
Legislativo quanto no Executivo – deputados estaduais e federais, senadores e
governadores – sejam eles os velhos coronéis eletrônicos ou não.
As rádios comunitárias, na sua maioria, são controladas, direta ou indiretamente, por
políticos locais – vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes
4
O texto completo da Lei 9.612/98 que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária está no Anexo L.1.
5
A edição da MP 2.143-33 levantou a suspeita de que se tratava de medida destinada a impedir a formação
da “CPI da Corrupção” no governo FHC, à época em debate no Congresso Nacional. O então ministro das
Comunicações Pimenta da Veiga negou a acusação e justificou a MP da seguinte forma:
“Ao longo de dois anos, nós autorizamos a criação de 659 rádios comunitárias em todo o país,
fazendo a comunicação ao Congresso para que os processos fossem analisados. Apenas 29 já foram
aprovadas pelos parlamentares e estão autorizadas a funcionar por três anos. Depois desse tempo,
devem ser novamente avaliadas. A pressão pela aprovação das demais é insuportável. Em todos os
locais onde eu vou as pessoas perguntam. O problema é que nós examinamos, mas o Congresso
não. A medida provisória foi uma forma de agilizar a entrada em funcionamento. A pressão é tão
grande que há enorme desordem no espectro. Devem estar em funcionamento cerca de seis mil
rádios ilegais, o que é um absurdo”. [Cf. Fabiana Melo, “Nenhuma rádio foi autorizada a funcionar”
em O Globo de 14/05/2001]
7
partidários – vindo num distante segundo lugar o vínculo religioso,
predominantemente da Igreja Católica.
Vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes partidários
representam, portanto, uma nova mediação dentro do sistema maior do coronelismo
eletrônico que sobrevive como prática política, nem sempre bem-sucedida, mas ainda
fundamental em muitos municípios brasileiros.
O Quadro 1 abaixo procura sintetizar algumas das principais características dos três
tipos de coronelismo.
Quadro 1 – Os três tipos de coronelismo
Características
Principais
Coronelismo (V.
Nunes Leal)
Coronelismo Eletrônico Coronelismo Eletrônico de
Novo Tipo
Base material Posse da terra Concessão de Rádio e/ou
TV+RTVs, comerciais e
educativas
RadCom
(legalizada ou não), FM e
RTVs
Moeda de troca Controle do voto Controle do voto; apoio
político estadual e/ou
regional
Controle do voto; apoio
político comunitário (local)
Recompensas:
(a) mandatários
federais (direta
indiretamente)
(b) coronéis
(locais,regionais,
comunitários)
Eleição ou
reeleição
Nomear/demitir
Alocar recursos
públicos
Eleição ou reeleição; Controle
da informação política
Concessões de Ra,TV, RTVs;
nomear/demitir; alocar
recursos públicos
Eleição ou reeleição; Controle
da informação política
Concessões de FMs e
RadCom; compartilhar com
deputados e senadores poder
nomear/demitir; alocar
recursos públicos
Função política Líder local Senador, deputado federal,
governador (PR, Ministro)
Vereador, prefeito (deputado
estadual), líder partidário
local
Geografia Interior rural Rural e urbano (transição) Urbano
Organização política Município isolado e
sem autonomia Estados e regiões
Município integrado, ente
federativo
Poder da União Centralizado Centralizado e
descentralizado
Descentralizado
Período histórico República Velha Anos 50 (TV) e Regime
Militar
Depois da Constituição de
1988
Exemplos Coronel Chico
Romão (PE)
José Sarney (ex-deputado
federal, ex-governador, ex-
presidente da República,
senador PMDB-AP) – Sistema
Mirante Comunicação (TV
aberta afiliada Globo, TV
cabo, 9 rádios, jornal O
Estado do Maranhão).
Antônio das Graças Filho
(prefeito, PSDB), Kelton
Pinheiro e Hermes Antônio
Lemes (vereadores, PSDB) –
Membros da diretoria RadCom
e Associação de Comunicação
e Cultura de Bonfinópolis, GO
(parcial).
O presente estudo se refere às 2.205 rádios com portaria de autorização do Ministério
das Comunicações expedidas até dezembro de 2004.
Na verdade, a outorga de uma rádio comunitária só é efetivada quando os processos,
iniciados no Ministério das Comunicações passam pela Casa Civil / SRI, pela Câmara
8
dos Deputados e pelo Senado Federal, e um decreto legislativo é assinado pelo
presidente do Congresso Nacional e publicado no Diário do Oficial da União. 6
O universo das rádios comunitárias constitui uma enorme “caixa preta” onde são
pouquíssimos os dados oficiais disponíveis e onde, portanto, qualquer levantamento de
dados constitui uma verdadeira corrida de obstáculos.
Esta é, portanto, a etapa mais importante de uma pesquisa ainda incompleta, que irá
incluir uma investigação também das FMs comerciais e educativas e das
retransmissoras de televisão (RTVs).
B. BREVE HISTÓRICO DO USO DAS CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO
COMO MOEDA DE BARGANHA POLÍTICA
O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) – que completa 45
anos em 2007 – determina que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar
não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio
ou televisão (Parágrafo único do Artigo 38). Esta norma foi confirmada pelo
Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63) que exige como um
dos documentos necessários à habilitação ao procedimento licitatório, declaração de
que os dirigentes da entidade “não estão no exercício de mandato eletivo” [número 2,
alínea “d” , § 5º do Artigo 15].
Apesar disso, pelo menos desde o início da década de 1980 se tem registro na mídia
impressa da utilização de concessões públicas de radiodifusão por políticos “no
exercício de mandato eletivo”, em seu benefício pessoal e interesse privado.
Tornou-se folclórica, mas nem por isso menos emblemática, a resposta do ex-senador
Atílio Fontana (1963-1971), eleito pelo PSD e, com a extinção dos partidos em 1965,
filiado à Arena de Santa Catarina, ao ser entrevistado por repórter da Rádio Rural de
Concórdia:
– Senador, o microfone é todo seu.
– Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda.
Matéria publicada no Jornal do Brasil de 7 de dezembro de 1980, sob o título “No ar, a
voz do dono”, já listava o nome e a filiação partidária de 103 políticos de 16 estados
que controlavam, direta ou indiretamente, emissoras de rádio e/ou televisão. À época,
o país se encontrava sob regime militar e estava em vigência a Lei Falcão, que
restringia o acesso ao rádio e à televisão dos candidatos a postos eletivos à
apresentação dos seus currículos e plataformas – acrescidos de seus retratos, na TV.
O vínculo entre radiodifusão e política é, portanto, fenômeno fortemente arraigado na
cultura e na prática política brasileira que perpassa os tempos de ditadura e os tempos
de democracia. Registre-se a agravante de que, até novembro de 2003, o cadastro dos
concessionários de radiodifusão do Ministério das Comunicações não estava disponível
para consultas – vale dizer, não se conhecia a relação nominal dos beneficiários das
concessões desse serviço público7
.
6
A informação sobre o número de decretos legislativos já publicados com outorgas de rádios comunitárias
não está disponível no sítio web do Ministério das Comunicações.
7
Desde o início de 2007 o cadastro de concessionários de radiodifusão foi retirado do sítio do Ministério das
Comunicações sem que se conheçam publicamente as razões para tal procedimento.
9
Ao final do último governo autoritário (general João Baptista Figueiredo, 1979-1985),
uma das principais questões que alcançaram o debate público foi exatamente o
número inusitado de outorgas de concessões de canais de rádio e televisão num
período de tempo extremamente reduzido. Dados do Ministério das Comunicações
divulgados à época revelavam que, enquanto em todo o ano de 1982 foram
outorgadas 134 novas concessões, 80 em 1983 e 99 em 1984, somente nos últimos 74
dias de seu “mandato”, o general Figueiredo assinou 91 decretos de concessões de
canais de radiodifusão – ou mais de 1,22 decretos de outorga por dia. E a maioria
dos beneficiados eram políticos que se utilizavam dos mais variados artifícios e
obtinham o controle de emissoras de rádio e televisão através de parentes e/ou
“testas-de-ferro”, burlando normas, prazos e planos (Lima, 1987).
O auge das outorgas para políticos, no entanto, ocorreu ao tempo que o ministro das
Comunicações era Antonio Carlos Magalhães, durante o período do Congresso
Constituinte de 1987-1988, quando estavam em jogo tanto a permanência do
presidencialismo como forma de governo, quanto o mandato do então ocupante do
cargo de presidente da República, José Sarney.
Levantamento realizado por Motter (1994) revela que 1028 outorgas foram assinadas
durante o governo Sarney entre 1985 e 1988, 91 dessas diretamente a deputados e
senadores constituintes. Desse total, 92,3% (84) votaram a favor do presidencialismo
e 90,1% (82) votaram a favor do mandato de cinco anos para o então presidente da
República.
O estudo identificou ainda que a chamada “bancada da comunicação” – composta por
concessionários de radiodifusão – reunia 146 parlamentares, ou 26,1% dos 559
constituintes. Apesar disso, a Constituição de 1988 reafirmou a norma do CBT ao
proibir que deputados e senadores mantivessem contrato ou exercessem cargos,
função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público
(alíneas “a” e “b” do inciso I do Artigo 54).
Mas o Ministério das Comunicações interpreta esse preceito constitucional de outra
forma. É o que fica claro nas palavras de seu atual [maio de 2007] consultor jurídico,
Marcelo Bechara, que em audiência pública realizada na Comissão de Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, em 25 de
abril de 2007, afirmou que “as regras do artigo 54 da Constituição não valem para as
concessões de radiodifusão” porque nesse caso não existiria o “favor decorrente de
contrato de pessoa jurídica de direito público” previsto na Carta Magna. O CBT também
não seria desrespeitado se o ocupante de cargo eletivo for “apenas” dono ou cotista de
empresa de radiodifusão.
Para o ministério, deputados e senadores podem ser donos de emissoras de
radiodifusão (desde que não sejam “diretores ou gerentes” como prevê o texto literal
do CBT), e isso não feriria o que diz o artigo 54 da Constituição. Curiosamente o
Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não foi consultado sobre o assunto – e, embora
polêmica, a opinião do MiniCom é a que prevalece.
A deputada Luíza Erundina (PSB-SP), presidente de uma subcomissão da CCTCI, criada
em 2007 e destinada a rever os procedimentos de outorga e de renovação de outorga
no Executivo e no Legislativo, declarou que seu partido, o PSB, pretende ingressar com
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF questionando justamente a
constitucionalidade da concessão de outorgas de radiodifusão a deputados e
senadores. Em entrevista concedida ao site Comunique-se, a deputada ressaltou que a
10
opinião do Supremo é essencial para se dirimirem as muitas dúvidas ainda existentes
sobre a aplicabilidade ou não do que dispõe o artigo 54 às outorgas de radiodifusão.
Os casos a serem questionados pela eventual Adin são inúmeros. Pesquisa realizada
por Santos e Capparelli (2005) revelou que 39,6% ou 40 das emissoras geradoras
afiliadas à Rede Globo; 33,6% ou 128 de todas as emissoras de TV e 18,03% ou 1765
de todas as retransmissoras de televisão do país estavam controladas direta ou
indiretamente por políticos em 2005.
Da mesma forma, levantamento feito pela Agência Repórter Social, ao início da nova
legislatura, revelou que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados
federais eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam concessões de radiodifusão.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Decreto 1720, de
28/11/1995, estendeu à radiodifusão as exigências da Lei 8.666, de 21 de junho de
1993, alterando o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795 de
31/10/1963). A partir de então, outorgas de radiodifusão comercial pela União só
poderiam ser feitas através de licitação, como manda o artigo 175 da Constituição de
1988.
Estava, aparentemente, resolvida a velha questão do uso político das concessões de
radiodifusão. O tempo, no entanto, revelaria uma outra realidade.
C. “BRECHAS” LEGAIS: A RADIODIFUSÃO EDUCATIVA
Ao contrário do que se acreditava à época, pelo menos duas importantes “brechas”
legais permaneceram abertas e permitiram a continuidade da utilização das
concessões de rádio e televisão como moeda de barganha política.
C.1 “Brecha” UM: a transformação das retransmissoras mistas em geradoras
educativas
A Portaria nº 236 de 1991, elaborada pelo então Ministério da Infra-Estrutura (o
Ministério das Comunicações havia sido extinto e suas atribuições absorvidas pelo
Minfra), criou a Retransmissora de TV (RTV) em Caráter Misto. Esse serviço podia ser
explorado por entidades com fins “exclusivamente educativos” e permitia às RTVs a
possibilidade de inserir programação própria, de acordo com percentuais estabelecidos
pela mesma Portaria.
A RTV mista existiu até 1998, quando o Decreto 2.593 de 15/5/98 instituiu o
Regulamento dos Serviços de Retransmissão e Repetição de Televisão, que extinguiu o
serviço. Abriu-se, todavia, a possibilidade da transformação das retransmissoras
mistas já existentes em geradoras educativas, sem licitação e de acordo com avaliação
do próprio MiniCom, como se vê no § 2º do Artigo 39, transcrito abaixo:
Art 39. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com inserções
publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade, deverão
solicitar ao Ministério das Comunicações a referência dos canais que utilizam do
Plano Básico de Distribuição de Canais de Retransmissão de Televisão para o
correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão.
(...)
11
§ 2º Efetivada a transferência de canais de retransmissão de sinais
provenientes de estação geradora de televisão educativa, o Ministério das
Comunicações analisará as solicitações recebidas para outorga de concessão
para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens Educativa.
Quase um ano depois, uma Portaria conjunta do MEC e do MiniCom (Portaria
Interministerial nº 651 de 15/4/99) definiu o que se entendia por “exclusivamente
educativo”.
No seu Artigo 3º está escrito:
A radiodifusão educativa destina-se exclusivamente à divulgação de
programação de caráter educativo-cultural e não tem finalidades lucrativas.
E no Artigo 1º define-se:
Por programas educativo-culturais entendem-se aqueles que, além de atuarem
conjuntamente com os sistemas de ensino de qualquer nível ou modalidade,
visem à educação básica e superior, à educação permanente e formação para o
trabalho, além de abranger as atividades de divulgação educacional, cultural,
pedagógica e de orientação profissional, sempre de acordo com os objetivos
nacionais.
Na verdade, essa definição se revelou apenas uma formalidade porque as geradoras
educativas nunca seguiram sua orientação. Uma prova disso é que, até hoje, existem
inúmeras concessões educativas controladas por diferentes igrejas – lideradas inclusive
por políticos – que fazem proselitismo religioso permanente.
A possibilidade de transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas
foi também referendada – dois anos depois – pelo Decreto 3451 de 9/5/2000, no § 2º
do seu artigo 47, transcrito a seguir:
Art. 47. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com
inserções publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade,
deverão solicitar ao Ministério das Comunicações a transferência dos canais que
utilizam do PBRTV para o correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais
de Televisão.
(...)
§ 2º Efetivada a transferência de canais de retransmissão de sinais
provenientes de estação geradora de televisão educativa, o Ministério das
Comunicações analisará as solicitações recebidas para outorga de concessão
para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens Educativa, com
base na legislação aplicável aos serviços de radiodifusão educativa.
§ 3o Efetivada a transferência, as estações das entidades autorizadas a
executar o Serviço de RTV nos canais transferidos poderão permanecer em
funcionamento, nas mesmas condições em que foram autorizadas, até a
instalação da estação geradora do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens.
A assinatura do Decreto 3451/2000 chamou a atenção de alguns veículos de mídia
impressa que, então, deram-se conta da existência dessa “brecha” na legislação. A
Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou, em 10 de julho de 2000, matéria sob o título
“Governo deve criar 180 emissoras de TV”, na qual descrevia as possibilidades
oferecidas pelo decreto e citava o Secretário Nacional de Radiodifusão informando que
12
dos 300 pedidos de “transformação” existentes no MiniCom, 168 deveriam ser
autorizados, além dos 12 que já haviam sido assinados pelo presidente da República e
encaminhados ao Congresso Nacional.
A matéria da Folha concluía que havia indícios de influência política nos pedidos
oriundos de Minas Gerais, estado com maior número de RTVs mistas e terra do então
ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações.
Os pedidos existentes no ministério revelam indícios de influência política,
sobretudo em Minas Gerais, Estado do ministro Pimenta da Veiga
(Comunicações), que conta com o maior número das tais retransmissoras
mistas.
É o caso da Fundação Educacional e Cultural João Soares Leal Sobrinho, que
administra a Rádio e TV Imigrantes, em Teófilo Otoni (MG). A emissora é
controlada por Luís Leal, ex-prefeito e deputado federal pelo PMDB. Ele já teve
a concessão autorizada pelo presidente da República.
Em Formiga (MG), reduto eleitoral de Pimenta da Veiga, a concessão (também
já autorizada por FHC) foi para a Fundação Integração do Oeste de Minas. O
presidente é Mozart Arantes, vice-prefeito na última legislatura na chapa do
atual prefeito, Eduardo Bras Almeida (PSDB).
Em Ubá, a TV educativa local é administrada por uma fundação presidida por
Daniel Coelho, filho do deputado federal Saulo Coelho (PSDB-MG), que até a
semana passada ocupava o cargo de ouvidor da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações), órgão que fiscaliza as emissoras de TV.
A retransmissora educativa da cidade de Divinópolis, também em Minas Gerais,
está em nome da Fundação Jaime Martins, criada pelo pai do deputado federal
Jaime Martins Filho (PFL). Ele confirma que encaminhou a documentação com o
pedido de concessão ao ministério, mas declara não possuir vínculo com a
administração da entidade.(...)
Em pelo menos duas cidades mineiras, as retransmissoras são ligadas aos
prefeitos: a de Três Corações e a de Lambari.
Um ano e meio mais tarde, a possibilidade de “transformação” continuou garantida
pelos parágrafos 1º e 3º do Artigo 47 do Decreto 3.965 de 10/10/2001, transcritos
abaixo.
Art. 47. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com
inserções publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade,
deverão encaminhar ao Ministério das Comunicações solicitação de
transferência dos canais que utilizam, do PBRTV para o PBTV.
§ 1o O Ministério das Comunicações, entendendo procedente, encaminhará a
solicitação de transferência para a Agência Nacional de Telecomunicações.
(...)
§ 3o Efetivada a transferência dos canais para o PBTV na modalidade
educativa, o Ministério das Comunicações analisará as solicitações recebidas
para outorga de concessão para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e
Imagens Educativa, com base na legislação aplicável aos serviços de
radiodifusão educativa.
13
§ 4o Efetivada a transferência dos canais, as estações das entidades
autorizadas a executar o Serviço de RTV nos canais transferidos poderão
permanecer em funcionamento, nas mesmas condições em que foram
autorizadas, até a instalação da estação geradora do Serviço de Radiodifusão de
Sons e Imagens.
Essa “brecha” na legislação só vai desaparecer com a edição do Decreto 5.371,
assinado pelo presidente Lula em fevereiro de 2005, que deixa de mencionar a
possibilidade. Durante um período de quase sete anos – de maio de 1998 até fevereiro
de 2005 – o beneficiário de uma autorização para explorar uma RTV mista pôde,
portanto, ser transformado em concessionário de televisão educativa, sem licitação e
de acordo com critérios estabelecidos pelo MiniCom.
C 2. “Brecha” DOIS: as outorgas de radiodifusão educativa estão dispensadas de
licitação
A transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas não era,
todavia, a única brecha para a continuidade do uso das concessões de emissoras de
rádio e televisão educativas como moeda de barganha política.
O Decreto 1720/1995, quando de sua assinatura pelo presidente Fernando Henrique
Cardoso, recebeu aprovação calorosa de setores comprometidos com a democratização
das comunicações e de parte da mídia.
Meses depois, quando o MiniCom anunciou a abertura das primeiras licitações já
dentro dos novos critérios, a revista Veja, por exemplo, publicou nota sob o título “Fim
de um ciclo” na qual se lia:
“ao anunciar (...) que abrirá licitações para 610 novas emissoras de rádio e
televisão e definir as normas para a TV por assinatura, o Ministério das
Comunicações encerrou um ciclo histórico de manipulação política dessa área.
(...) Com isso, o MiniCom (...) abre mão de uma moeda de barganha que no
passado resultou na entrega para políticos de pelo menos 27% das emissoras
de televisão e 40% das rádios do país.” [Veja, ed.1462 de 18/9/96, p.39]
Na verdade, o Decreto 1720/95, embora importante, incidia somente sobre as
emissoras comerciais de radiodifusão que vinham de uma avalanche de concessões
nos governos Figueiredo e Sarney8
. Ficara discretamente “aberta a porta” para a
continuidade do uso das concessões de rádio e televisão como moeda de barganha
política, só que agora, exclusivamente para as rádios e televisões educativas.
Passou despercebida a redação do Parágrafo 2º do inciso XV do Artigo 13 do Decreto
1720/1995 que dizia:
8
Mesmo assim, dois anos e meio depois, quando o MiniCom concluiu o primeiro lote da primeira licitação
pública de rádio e televisão comerciais, a Folha de S.Paulo (3/1/1999) deu a seguinte manchete de primeira
página: “Políticos adquirem mais TVs” e o subtítulo “‘Coronelismo Eletrônico’ avança no interior, onde meios
de comunicação são armas eleitorais”. A matéria, assinada por Elvira Lobato e Fernando Godinho, na página
1-11, tinha como título “‘Coronelismo eletrônico’ sobrevive com concessões” e o subtítulo “Boa parte das
novas rádios e T¨Vs continuam sendo dadas a grupos políticos”. Ela mostrava como nos estados do Amapá,
Maranhão, Alagoas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Tocantins e Goiás, políticos
no exercício de mandatos eletivos compravam as emissoras diretamente ou por intermédio de parentes
próximos. A reportagem afirmava ainda que “políticos e igrejas ganharam em cidades menores, onde as
emissoras ainda são vistas mais como armas eleitorais e de conquista de fiéis do que como atividade
empresarial”.
14
Artigo 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações,
observados, no que e quando couber, dentre outros, os seguintes elementos e
requisitos necessários à formulação das propostas para a exploração do serviço:
(...)
XV – nos casos de concessão, minuta do respectivo contrato, contendo suas
cláusulas essenciais.
(...)
2º Não dependerá de edital a outorga para execução de serviço de radiodifusão
por pessoas jurídicas de direito público interno e por entidades da
administração indireta instituídas pelos Governos Estaduais e Municipais, nem a
outorga para a execução do serviço com fins exclusivamente educativos.
Cerca de um ano depois, o Decreto 2108 de 24/12/1996 promove nova alteração que
consagrada o procedimento. Está lá no Parágrafo 1º do inciso XV do Artigo 13:
Artigo 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações,
observados, dentre outros, os seguintes elementos e requisitos necessários à
formulação das propostas para a execução do serviço:
(...)
XV – nos casos de concessão, minuta do respectivo contrato, contendo suas
cláusulas essenciais.
(...)
1º É dispensável a licitação para a outorga para a execução de serviço de
radiodifusão com fins exclusivamente educativos.
Em agosto de 2002, uma seqüência de reportagens realizadas por Elvira Lobato e
publicadas pela Folha de S.Paulo mostrava detalhadamente como o governo de
Fernando Henrique Cardoso havia dado continuidade à pratica de distribuição de TVs
educativas a políticos aliados (cf. Lobato, 2005, pp. 228-261). Na matéria inicial, sob o
título “FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos”, publicada em 25/8/2002,
está escrito:
Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas
por licitação, FHC autorizou 357 concessões educativas sem licitação. (...) A
distribuição foi concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta
da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de José Serra, esteve à frente
do Ministério das Comunicações. Ele ocupou o cargo de janeiro de 99 a abril de
2002, quando, segundo seus próprios cálculos, autorizou perto de cem TVs
educativas. Pelo menos 23 foram para políticos. A maioria dos casos detectados
pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de Pimenta da Veiga, mas há em
São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas,
Maranhão, Roraima e Mato Grosso do Sul.
Da mesma forma, quatro anos depois, em junho de 2006, novamente Elvira Lobato
publicou matéria na Folha de 19/6/2006, sob o título “Governo Lula distribui TVs e
rádios educativas a políticos”, na qual se afirmava:
O governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo
menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a
políticos. (...) Entre políticos contemplados estão os senadores Magno Malta
(PL-ES) e Leonel Pavan (PSDB-SC). A lista inclui ainda os deputados federais
João Caldas (PL-AL), Wladimir Costa (PMDB-PA) e Silas Câmara (PTB-AM), além
15
de deputados estaduais, ex-deputados, prefeitos e ex-prefeitos. Em três anos e
meio de governo, Lula aprovou 110 emissoras educativas, sendo 29 televisões e
81 rádios. Levando em conta somente as concessões a políticos, significa que
ao menos uma em cada três rádios foi parar, diretamente ou indiretamente, nas
mãos deles.
As emissoras de rádio e televisão educativas dispensam as licitações e podem ser
autorizadas através de critérios estabelecidos diretamente pelo Ministério das
Comunicações, embora continuem tendo que ser submetidas ao Congresso Nacional.
Além das “brechas” relativas à radiodifusão educativa, o que essa pesquisa pretende
mostrar, como já mencionado, é a continuidade do uso das concessões como moeda
de barganha política pela União, agora através de um coronelismo eletrônico de novo
tipo, dirigido, sobretudo, para as comunidades locais.
D. A LITERATURA SOBRE CORONELISMO ELETRÔNICO
Desde o início da década de 1980, o coronelismo eletrônico mereceu reportagens
investigativas de alguns veículos da mídia impressa, de entidades que trabalham pela
democratização das comunicações, de estudos acadêmicos e, mais recentemente, de
sites especializados na internet.
O Jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo, o Correio Braziliense e as revistas Veja e
IstoÉ/Senhor trataram do assunto ao longo dos anos 1980. Da década de 1990 até
agora, além dos veículos já mencionados, as revistas Imprensa e a CartaCapital têm
publicado matérias sobre o tema.
O estudo acadêmico pioneiro foi o de Stadnik (1991), seguido por Motter (1994),
Capparelli e Santos (2002), Santos e Capparelli (2005), Lima (2001, 2004a, 2004b,
2006). Em 2001, Israel Bayma, à época vinculado à assessoria do Partido dos
Trabalhadores na Câmara dos Deputados, publicou importante levantamento sobre
políticos com participação societária em concessionárias de rádio e televisão. Mais
recentemente, livro da jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo (2005), traz quatro
preciosos capítulos sobre concessões de RTV.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) [www.fndc.org.br],
desde sua criação, em 1991, tem acompanhado com freqüência o assunto como parte
da luta pela democratização das comunicações. Por outro lado, os sites do
Observatório da Imprensa [www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br], do Repórter
Social [www.reportersocial.com.br] e do Congresso em Foco
[http://congressoemfoco.ig.com.br] também têm se dedicado ao tema.
Em outubro de 2005, estudo realizado por Lima, para o Instituto para o
Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), sobre deputados federais concessionários no
exercício do mandato eletivo, deu origem a uma representação junto à Procuradoria
Geral da República que ainda está em andamento (cf. Projor/Observatório da Imprensa
n. 352).
Recentemente, pelo menos três estudos (Mick e Vieira, 2003; Nunes, 2004 e Ferreira,
2006) tentam mostrar as relações entre as rádios comunitárias – legalizadas ou não –
e a atividade política em diferentes regiões do país.
16
Existe, portanto, uma razoável literatura de referência sobre o vínculo direto ou
indireto de políticos – sobretudo deputados e senadores – com as concessões de rádio
e televisão na política brasileira.
E. AS RADCOM: PROMESSA FRUSTRADA
A radiodifusão comunitária nasceu oficialmente no Brasil com a Lei 9.612, de 19 de
fevereiro de 1998. De acordo com essa legislação, seria um serviço de rádios locais de
baixa potência (limite de 25 watts) e com cobertura restrita (posteriormente
estabelecida pelo Decreto 2.615/989
em um raio máximo de 1 km). Poderiam se
habilitar à prestação do serviço exclusivamente associações ou fundações comunitárias
com atividade na área na qual seria instalada a emissora.
A aprovação de uma legislação específica para a radiodifusão comunitária foi, em
grande parte, uma reação do Estado a uma realidade factual: a existência de um
grande número de rádios não-outorgadas, boa parte delas em baixa potência, que já
operavam no país. As estatísticas variam desde 2 mil a até 20 mil rádios funcionando
sem licença em 1998, ano de promulgação da lei de radiodifusão comunitária (Silveira,
2001).
O marco inicial da regulamentação da radiodifusão comunitária aconteceu em 1995,
quando o então ministro das Comunicações Sérgio Motta reconheceu publicamente a
existência de milhares de emissoras de baixa potência não-outorgadas. Segundo
Motta, havia a necessidade urgente de serem criados regulamentos que pudessem
tornar tal fenômeno legalmente reconhecido.
Entre abril de 1995 e final de 1996, sete Projetos de Lei foram apresentados na
Câmara dos Deputados propondo a regulamentação das rádios comunitárias. Todos
esses projetos – incluindo o PL 1778, de 1996, de autoria do Poder Executivo –
tramitaram apensados à primeira proposição: o PL 1521, de 1996, do deputado
Arnaldo Faria de Sá. O texto final, aprovado no Senado Federal em forma de
substitutivo, incluía pontos específicos dessas várias propostas, mas o cerne foi dado
primordialmente pelas propostas do deputado Arnaldo Faria de Sá e do Poder
Executivo.
Portanto, o Estado criou, por meio da Lei 9.612, de 1998, uma inovação jurídica que,
em primeira análise, parecia ser gerada pela necessidade de dar conta de um
fenômeno comunicacional que não era previsto anteriormente na legislação brasileira.
Além disso, respondia às reivindicações de diversas entidades organizadas que
lutavam pela regulamentação do serviço de radiodifusão comunitária.
A Lei 9.612 de 1998, todavia, não era exatamente “a resposta ideal” em termos de
democratização das comunicações e ampliação do acesso à radiodifusão. Longe disso,
na verdade, tratava-se de uma legislação restritiva, que dificultava – ao contrário de
facilitar – o acesso às outorgas e o funcionamento das rádios comunitárias, algo que
atendia perfeitamente aos interesses dos empresários de radiodifusão.
9
O texto completo do Decreto 2.615/98 que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária
está no Anexo L.2.
17
Idealmente, as rádios comunitárias devem, como prevê a legislação, prestar serviços
sem fins lucrativos, sem qualquer tipo de proselitismo religioso, político ou de qualquer
outra espécie, com uma programação voltada para a comunidade e aberta a todos os
interesses dos seus ouvintes. A entidade detentora da outorga não pode estar
submetida a qualquer tipo de vínculo que a subordine à orientação de outra pessoa
mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-
partidárias ou comerciais. Exige-se que ela seja, portanto, capaz de se dedicar
exclusivamente às necessidades comunicacionais da comunidade na qual atua.
Contudo, a aplicação da legislação de radiodifusão comunitária deixou explícito que
uma estratégia de exclusão estava sendo posta em prática e não uma política de
inclusão. O processo de outorga criado pela legislação é demasiadamente burocrático,
com uma infinidade de exigências que tornam sua tramitação lenta, complicada e, por
conseqüência, gera um alto índice de arquivamento.
Para cada processo autorizado, 2,23 são arquivados. Além disso, quase 50% dos
processos de radiodifusão comunitária estão represados no Ministério das
Comunicações e sequer iniciaram sua tramitação. São no total mais de 8 mil entidades
que ainda aguardam a publicação de aviso de habilitação que disponibilize um canal
para, então, poderem iniciar o tortuoso processo que pode levar à outorga [cf. Gráfico
1] (Lopes, 2005).
Gráfico 1
Processos de outorga de radiodifusão comunitária que estiveram em tramitação no
Ministério das Comunicações entre 06 de agosto de 1998 e 20 de maio de 2004,
classificados por status
No início do primeiro governo Lula, um Grupo de Trabalho (GT) foi criado pela Portaria
nº 83, de 24 de março de 2003, para, emergencialmente, analisar os milhares de
processos de radiodifusão comunitária que estavam parados. O então ministro das
Comunicações, Miro Teixeira, pretendia assim concluir os processos gerados pelos
avisos de habilitação publicados durante o governo FHC para, então, poder abrir o
15,63%
5,90%
34,83%
43,64%
Autorizados (2.189)
Em tramitação (827)
Arquivados (4.878)
Aguardando início da
tramitação (6.112)
18
primeiro aviso de habilitação do governo Lula. Além disso, pretendia-se também gerar
subsídios para uma possível alteração na legislação do setor, o que foi consolidado em
um relatório final publicado pelo GT em 2 de julho do mesmo ano.
Ainda que tenha contribuído para a melhora das estatísticas operacionais do ministério,
“desencalhando” alguns milhares de processos, a solução gerada pelo GT teve efeitos
limitados. Primeiro, porque não houve alterações substanciais na capacidade
operacional do MiniCom. Segundo, porque se manteve intacto o grande número de
exigências burocráticas relativas aos processos de outorgas de radiodifusão. O
resultado foi um rápido re-acúmulo de processos, e pouco se alterou na realidade das
milhares de entidades que ainda esperavam pela análise de seus pedidos de outorga
de autorizações de rádios comunitárias.
Um segundo grupo de trabalho foi criado por meio da Portaria nº 76, de 10 de
fevereiro de 2005. Dessa vez, tratava-se de um grupo interministerial (GTI), formado
por representantes do próprio Ministério das Comunicações; da Casa Civil; dos
ministérios da Educação, Justiça e Cultura; da Secretaria de Comunicação de Governo
e Gestão Estratégica, da Assessoria Especial e da Secretaria-Geral da Presidência da
República. O objetivo agora não era construir um novo mutirão de análise de
processos, mas sim gerar diagnósticos para a simplificação e agilização das análises
dos processos de outorga de radiodifusão.
Depois de pouco mais de seis meses de trabalho, o GTI gerou um extenso relatório, no
qual eram propostas diversas alterações na política de radiodifusão comunitária. As
conclusões não eram exatamente uma novidade. O relatório ressaltava que a atual
política de radiodifusão comunitária era excludente, na medida em que negava a
diversas entidades a outorga de autorizações devido a uma infinidade de exigências
burocráticas muitas vezes descabidas.
Mas, curiosamente, esse relatório final jamais foi divulgado e nem sequer entregue ao
presidente da República, como previa sua Portaria de criação. Isso porque, durante seu
funcionamento, uma importante alteração ocorreu na titularidade do Ministério das
Comunicações. Saiu Eunício de Oliveira e, em seu lugar, assumiu Hélio Costa, cujos
compromissos políticos com a radiodifusão comercial revelaram-se muito mais fortes
do que com a radiodifusão comunitária.
F. NOTA SOBRE A METODOLOGIA
O acesso a informações concernentes à radiodifusão comunitária é bastante
complicado. Há ainda poucos estudos sobre o tema, o que faz com que o pesquisador
tenha de construir por si só boa parte das informações necessárias. Mas, além disso, o
acesso aos subsídios necessários para a construção dessas informações é
consideravelmente dificultado pela quase ausência de dados oficiais.
Para a realização desta pesquisa, por exemplo, tínhamos a necessidade de ter acesso a
três dados fundamentais relativos às entidades de radiodifusão comunitária que
tiveram Portaria de autorização assinada pelo Ministro das Comunicações até
dezembro de 2004: o tempo de tramitação no Ministério das Comunicações; o tempo
de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI; e a composição da
diretoria das entidades detentoras de autorizações.
19
Para conseguir a primeira informação – o tempo de tramitação no Ministério das
Comunicações – nos dirigimos ao órgão. Foram feitos diversos contatos com a
Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, mas todos eles infrutíferos. Para
todos os processos estudados, tínhamos a data de saída do ministério bem
determinada. Para tanto, era necessário consultar a data da Portaria de autorização
emitida para cada uma das rádios que receberam autorização de funcionamento até
dezembro de 2004. Mas a data de entrada desses processos nos era desconhecida e,
frente à ausência de resposta do ministério, fomos forçados a excluir essa primeira
análise do trabalho.
Para conhecer o tempo de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI,
fizemos o mais óbvio e contatamos ambos os órgãos em busca dessa informação. Mais
uma vez, o caminho mais curto não funcionou, e não recebemos qualquer resposta às
nossas requisições. Porém, ao contrário do que ocorreu com a primeira informação,
existia um caminho alternativo, bem mais longo, mas que poderia fornecer os dados
que procurávamos.
Para calcular o tempo de tramitação dos processos de radiodifusão na Presidência da
República – Casa Civil/SRI eram necessárias duas informações. A primeira era a data
da Portaria de autorização emitida pelo Ministério das Comunicações. Essa data marca
o momento de saída do processo do ministério e de entrada na Presidência da
República – Casa Civil/SRI. A segunda era a data da Mensagem que encaminha esses
processos ao Congresso Nacional, que marca a sua saída da Presidência da República /
Casa Civil e sua entrada na Câmara dos Deputados. Portanto, era necessário calcular o
intervalo entre as datas da Portaria e da Mensagem e teríamos o tempo de tramitação
de cada um desses processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI.
As Portarias de autorização e sua data de expedição estão disponibilizadas no sítio web
do Ministério das Comunicações – portanto, foi possível acessá-las. Já as Mensagens
de encaminhamento ao Congresso Nacional e suas datas não estão disponíveis em
qualquer base de dados pública do Executivo. Porém, ao consultarmos os TVRs (como
são chamados os processos que apreciam os atos de outorgas de radiodifusão na
Câmara dos Deputados) das outorgas de rádios comunitárias, verificamos ser possível
conhecer também uma cópia das mensagens de encaminhamento ao Congresso
Nacional de todos os processos que já haviam sido encaminhados ao Legislativo.
Havíamos, assim, viabilizado parte das informações necessárias ao estudo.
Faltava ainda ter acesso ao nome dos membros das diretorias das emissoras de
radiodifusão comunitária que tiveram Portarias de autorização até dezembro de 2004.
O Ministério das Comunicações disponibiliza em seu sítio na internet apenas a lista dos
representantes legais das rádios comunitárias legalizadas, mas não traz qualquer
informação sobre as suas diretorias. No entanto, ter em mãos todos os nomes que
compõem a diretoria das rádios comunitárias outorgadas era indispensável. Apenas de
posse dessa informação é possível fazer um levantamento capaz de detectar os
vínculos políticos e religiosos, bem como as duplicidades de outorgas.
Em 7 de novembro de 2006, o Projor enviou um Ofício ao Ministério das Comunicações
pedindo oficialmente essas informações. O ofício foi assinado por Alberto Dines,
diretor-responsável do Observatório da Imprensa, e encaminhado ao diretor do
20
Departamento de Outorga de Serviços, Carlos Alberto Freire Resende. 10
Jamais
recebemos qualquer resposta do Ministério das Comunicações.
Era necessário buscar um caminho alternativo, e esse caminho foi, mais uma vez, o
Legislativo – só que agora o Senado Federal. Ao chegarem lá, vindos da Câmara dos
Deputados, os processos de outorga de radiodifusão têm algumas de suas partes
reproduzidas. Alguns dos documentos trazem informações sobre a composição da
diretoria das entidades detentoras de outorgas de radiodifusão comunitária. Assim,
buscamos a tramitação, um por um, de todos os processos de radiodifusão comunitária
que já haviam passado pela análise do Senado Federal. E por meio de cópias de atas
de reuniões (cf. Figura 1); declarações de diretores (cf. Figura 2) ou de membros da
diretoria (cf. Figura 3); cópias de estatutos (cf. Figura 4) e relatórios do Ministério das
Comunicações (cf. Figura 5), em um trabalho exaustivo de leitura de centenas de
documentos, muitos deles manuscritos, identificamos a composição completa da
diretoria de exatas 2.017 rádios comunitárias.
Figura 1
Cópia de ata de reunião manuscrita
10
Ofício protocolado no Ministério das Comunicações sob o número 53000 086406/2006-31. Segundo o
sistema CPROD do ministério, o ofício foi distribuído à sua Coordenação de Radiodifusão Comunitária em 17
de novembro de 2006.
21
Figura 2
Cópia de declaração de diretor
22
Figura 3
Declaração de membro da diretoria
23
Figura 4
Estatuto manuscrito
24
Figura 5
Relatório da Consultoria Jurídica do Ministério das Comunicações
A adoção dessa metodologia, todavia, ainda que tenha sido a única que tornou possível
o acesso a dados fundamentais, ocasionou a exclusão de nossa pesquisa daqueles
processos que tiveram Portarias de autorização concedida pelo Ministério das
Comunicações a partir de 200511
. Devido ao longo tempo de retenção de vários dos
processos de radiodifusão comunitária no Executivo, a maior parte desses processos
sequer foi encaminhada ao Congresso Nacional. Consequentemente, eles ainda não
haviam chegado ao Senado Federal em abril de 2007, tornando impossível calcular
seus tempos de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI ou conhecer
os nomes dos membros de suas diretorias.
Completada a base de dados referente ao período de 1999 a 2004, chegamos a um
universo total de 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das
Comunicações, a maioria delas já funcionando legalmente. A partir daí, passamos à
fase de análise de dados, cruzamentos e levantamentos estatísticos.
Apesar do termos um número de 2.017 diretorias identificadas, optamos por calcular
os percentuais de vínculos políticos, religiosos e de duplicidade de outorgas sobre o
total das 2.205 rádios comunitárias que receberam portaria de autorização do
Ministério das Comunicações entre 1999 e 2004. Essa opção se deu porque, dentre as
188 rádios cujas diretorias não puderam ser identificadas, várias delas tiveram algum
11
No sítio do Ministério das Comunicações, constava, em abril de 2007, a informação atualizada para 10 de
janeiro de 2007 de que 2.741 processos de rádios comunitárias já haviam sido autorizados.
25
tipo de vínculo detectado a partir do cruzamento do nome do seu representante legal
com as bases de dados pesquisadas. Vale ressaltar que a pesquisa foi capaz de
identificar os representantes legais de todas as 2.205 rádios comunitárias integrantes
da amostra.
Os seguintes levantamentos foram realizados:
** estatísticas referentes ao número de processos autorizados pelo Ministério das
Comunicações, divididos por ano e mês de publicação da portaria de autorização;
** estatísticas referentes ao número de processos encaminhados pela Presidência da
República – Casa Civil/SRI ao Congresso Nacional, divididos por ano e mês de
publicação da mensagem de encaminhamento;
** elaboração de quadro estatístico, com número de outorgas concedidas pelos
ministros Pimenta da Veiga, Juarez Quadros, Miro Teixeira e Eunício de Oliveira (que
ocuparam o Ministério das Comunicações durante o período estudado) divididas por
Estado (cálculos por número absoluto e número relativo);
** cálculo do tempo médio de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária
na Presidência da República – Casa Civil/SRI, com indicativo do grau de dispersão da
amostra (desvio padrão);
** cruzamento dos dados referentes aos tempos de tramitação na Presidência da
República – Casa Civil/SRI com os dados do banco de dados “Pleitos” (apenas para os
anos de 2003 e 2004). (Ver Lopes, 2005b);
** cruzamento dos nomes dos representantes legais e membros das diretorias das
entidades analisadas com as seguintes listas:
• candidatos eleitos e derrotados nas eleições municipais de 2000 e 2004;
• candidatos eleitos e derrotados nas eleições estaduais e federais de 1998, 2002
e 2006;
• doadores de campanha nas eleições de 2000, 2002, 2004 e 2006;
• membros de partidos políticos (quando havia listas disponíveis);
• arquivos de publicações editadas nos municípios na qual operam as rádios
comunitárias (quando disponíveis);
• lista de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de entidades de
radiodifusão comercial, educativa e comunitária.
As listagens utilizadas são oficiais ou geradas a partir de dados oficiais atualizados e
com altíssimo grau de confiabilidade. Para todos os casos, os levantamentos foram
feitos a partir de informações obtidas de fontes públicas de informações, com duas
exceções: do banco de dados “Pleitos”, repassado por uma fonte no Ministério das
Comunicações (ver Lopes 2005b) e da listagem de cotistas, sócios, diretores e
membros de diretorias de entidades de radiodifusão comercial e educativa.
No caso das comunitárias, o banco de dados foi construído por nós mesmos, a partir
das informações constantes nos processos de autorização de outorga, o que torna
essas informações também de alto grau de confiabilidade. Contudo, para as educativas
e comerciais, a fonte primordial de informações são duas listagens que estiveram
disponíveis na página do Ministério das Comunicações há pouco mais de dois anos,
mas que, segundo o próprio ministério, eram desatualizadas desde as suas criações.
26
Tendo em vista tal disfunção, utilizamos um procedimento diferenciado para a
obtenção de informações a partir do cruzamento da lista de proprietários e diretores de
emissoras educativas e comerciais, de modo a conferir também a esse cruzamento o
maior grau de confiabilidade possível. Para tanto, utilizamos inicialmente não uma,
mas duas listas diferentes: a relação de sócios das emissoras de rádio e televisão
classificada por sigla da UF, cidade e entidade, produzida pelo Ministério das
Comunicações em 05 de janeiro de 2004; e a relação de sócios e diretores das
entidades de serviços de radiodifusão produzida pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) em janeiro de 2005.
Quando encontrados resultados positivos no cruzamento com uma dessas duas listas,
utilizávamos uma terceira forma de validação dos dados. Consultamos no Sistema de
Acompanhamento de Controle de Cotas (SIACCO) da Anatel as composições das
diretorias das entidades para as quais haviam sido detectadas duplicidades de
outorgas – membros de diretorias de emissoras comunitárias que também integravam
diretorias de emissoras comerciais ou educativas. Como o SIACCO é um sistema online
com atualização em tempo real, essa fase de validação suprimiu o problema da
desatualização das listas utilizadas nas primeiras duas fases, conferindo assim um grau
de confiabilidade similar ao obtido com os outros cruzamentos. Assim, apenas os
casos de duplicidade confirmados pelo SIACCO foram incluídos no resultado final.
G. OS “PROCEDIMENTOS BUROCRÁTICOS” E SUAS IMPLICAÇÕES
POLÍTICAS
G.1 – No Ministério das Comunicações
a. Arquivamentos e “Pleitos”
Conseguir uma outorga de radiodifusão comunitária é uma tarefa bastante complicada.
Na verdade, a maior parte dos pedidos de outorga de radiodifusão comunitária resulta
em arquivamento. Em média, para cada processo aprovado, cinco são arquivados
(Lopes, 2005).
Na maior parte dos casos, a causa desse arquivamento é burocrática, e não técnica.
De 4.878 processos de outorga de radiodifusão comunitária arquivados entre agosto
de 1998 e maio de 2004, detectamos que mais de 80% tiveram como causa do
arquivamento o não-cumprimento de alguma exigência burocrática. Na maior parte
das vezes, a causa foi a não apresentação de um dos muitos documentos exigidos no
aviso de habilitação que abriu a concorrência na qual a entidade concorreu.
Mas esse índice de arquivamento é bastante diferente quando comparamos entidades
que tiveram “padrinhos políticos” com as que não os tiveram durante a tramitação de
seus processos de outorga. Isso pode ser concluído ao analisarmos os dados
constantes do banco de dados “Pleitos”, um programa para o cadastro e apreciação de
todos os pedidos de “acompanhamento de processo” encaminhados por políticos ao
Ministério das Comunicações. Graças a uma fonte no Ministério, pudemos ter acesso a
todos os processos constantes no “Pleitos” para os anos de 2003 e 2004.
Dos 1.822 processos que não tinham um “padrinho político”, apenas 146 foram
aprovados – uma taxa de sucesso de 8,01%. Já dos 1.010 processos apadrinhados,
357 foram aprovados – uma taxa de sucesso de 35,34%. Ou seja: entre 2003 e 2004,
27
os processos de outorga de radiodifusão comunitária apadrinhados por políticos
tiveram 4,41 vezes mais chances de serem aprovados do que os que não tinham
qualquer tipo de apadrinhamento.
Uma das razões para essa diferença é o intrincado processo de outorga criado pela
legislação de radiodifusão comunitária. Desse modo, contar com apoio político e
também com uma espécie de “consultoria” capaz de auxiliar as entidades no
cumprimento das exigências estabelecidas na legislação é de suma importância para
se conseguir uma autorização de radiodifusão comunitária. É justamente assim que
agem os padrinhos políticos.
b. A política dos ministros
Um outro levantamento realizado foi a classificação das 2.205 portarias de outorga de
radiodifusão comunitária por ministro – foram quatro no período analisado. Esse
estudo revelou inicialmente a seguinte divisão:
• emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Pimenta da
Veiga: 1.291
• emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Juarez
Quadros: 413
• emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Miro
Teixeira: 408
• emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Eunício de
Oliveira: 9312
Como as portarias de autorização de radiodifusão são assinadas, no Ministério das
Comunicações, pelo ministro, para se fazer a classificação é necessário conferir quem
assinava a portaria de cada um dos 2.205 processos analisados. O gráfico 2 mostra
essa divisão em termos percentuais:
12
Até dezembro de 2004
28
Gráfico 2
Emissoras de radiodifusão comunitária que receberam portaria de autorização (até
dezembro de 2004)
Pimenta da
Veiga
58%
Juarez Quadros
19%
Miro Teixeira
19%
Eunício de
Oliveira
4%
Fica evidente o peso das outorgas concedidas na gestão do ex-ministro Pimenta da
Veiga nos resultados – peso esse ainda maior quando analisamos o governo FHC
isoladamente. Na verdade, mesmo quando consideramos o total de rádios
comunitárias outorgadas até abril de 2007 – que passam de 2.700 – verifica-se que o
período em que Pimenta da Veiga esteve à frente do Ministério das Comunicações é
responsável por algo próximo a 50% do total de outorgas.
Posteriormente, dividimos as outorgas concedidas durante a gestão de cada um dos
ministros por unidade da Federação. O objetivo era investigar se houve concentração
de outorgas em algum estado ou região do país. Essa análise gerou os seguintes
resultados:
29
Tabela 1
Outorgas de radiodifusão comunitária (1999-2004), divididas por ministro e unidade da
Federação (considerada a data da portaria de autorização do Ministério das
Comunicações).
Estado Pimenta da
Veiga
Janeiro de
1999 a abril de
2002
Juarez Quadros
Abril de 2002 a
dezembro de
2002
Miro Teixeira
Janeiro de 2003
a janeiro de 2004
Eunício Oliveira
Janeiro de 2004
a dezembro de
200413
AC 3 0,23% 0 0.00% 0 0,00% 0 0,00%
AL 22 1,70% 5 1,21% 4 0,98% 1 1,08%
AM 19 1,47% 7 1,69% 3 0,74% 1 1,08%
AP 2 0,15% 4 0,97% 0 0,00% 0 0,00%
BA 91 7,05% 25 6,05% 35 8,58% 10 10,75%
CE 57 4,42% 32 7,75% 36 8,82% 8 8,60%
DF 5 0,39% 3 0,73% 2 0,49% 1 1,08%
ES 24 1,86% 2 0,48% 8 1,96% 1 1,08%
GO 76 5,89% 22 5,33% 12 2,94% 3 3,23%
MA 53 4,11% 25 6,05% 17 4,17% 4 4,30%
MG 256 19,83% 92 22,28% 68 16,67% 9 9,68%
MS 36 2,79% 10 2,42% 9 2,21% 1 1,08%
MT 24 1,86% 9 2,18% 9 2,21% 2 2,15%
PA 18 1,39% 10 2,42% 10 2,45% 2 2,15%
PB 53 4,11% 24 5,81% 14 3,43% 5 5,38%
PE 65 5,03% 25 6,05% 18 4,41% 5 5,38%
PI 30 2,32% 3 0,73% 4 0,98% 2 2,15%
PR 74 5,73% 16 3,87% 41 10,05% 11 11,83%
RJ 28 2,17% 13 3,15% 11 2,70% 1 1,08%
RN 51 3,95% 7 1,69% 8 1,96% 2 2,15%
RO 12 0,93% 6 1,45% 3 0,74% 0 0,00%
RR 1 0,08% 1 0,24% 0 0,00% 0 0,00%
RS 59 4,57% 16 3,87% 27 6,62% 2 2,15%
SC 38 2,94% 13 3,15% 10 2,45% 4 4,30%
SE 2 0,15% 2 0,48% 7 1,72% 0 0,00%
SP 184 14,25% 39 9,44% 49 12,01% 17 18,28%
TO 8 0,62% 2 0,48% 3 0,74% 1 1,08%
Total 1291 100% 413 100% 408 100% 93 100%
13
Eunício Oliveira permaneceu ministro até julho de 2005.
30
Gráfico 3
Outorgas de radiodifusão comunitária (1999-2004), divididas por ministro e unidades
da Federação selecionadas.
A Tabela 1 e o Gráfico 3 revelam que, nas gestões dos ministros Pimenta da Veiga e
Juarez Quadros, houve uma grande concentração na destinação de outorgas de
radiodifusão comunitária para o estado de Minas Gerais. De fato, entre os jornalistas
que cobrem a área de políticas de comunicações e até mesmo entre funcionários do
MiniCom, havia a jocosa designação de “Minastério das Comunicações”. Essa galhofa
surgiu em grande parte devido ao grande número de outorgas de radiodifusão
educativa destinado ao estado de Minas Gerais durante as gestões de Pimenta da
Veiga e Juarez Quadros. E como demonstram os números, o mesmo pode se aplicar à
radiodifusão comunitária.
Cabe ressaltar que, durante a gestão de Juarez Quadros, foram publicados apenas três
avisos de habilitação, contra 15 durante a gestão de seu antecessor. Portanto, os
processos que levaram a maior parte das outorgas concedidas durante o período em
que Juarez Quadros estava à frente do ministério haviam se iniciado ainda na gestão
de Pimenta da Veiga. Já nas gestões Miro Teixeira e Eunício Oliveira não há
concentração detectável em seus redutos eleitorais, os estados do Rio de Janeiro e
Ceará, respectivamente.
Portanto, podemos afirmar, com base nas estatísticas, que a estrutura do Ministério
das Comunicações foi, nos primeiros anos de instalação da política de radiodifusão
22,28%
16,67%
9,68%9,44%
12,01%
18,28%
6,05%
10,75%
7,75%
8,60%
6,05%
4,41%
5,38%
3,87%
10,05%
11,83%
19,83%
14,25%
7,05% 8,58%
4,42%
8,82%
5,03%
5,73%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
Pimenta da Veiga Juarez Quadros Miro Teixeira Eunício Oliveira
MG SP BA CE PE PR
31
comunitária, voltada para atender mais à demanda reprimida por rádios comunitárias
em Minas Gerais do que para outros estados. Prova disso é que a proporção de
outorgas concedidas para o estado caiu de 22,28% durante a gestão de Juarez
Quadros para apenas 9,68%, na gestão de Eunício Oliveira. Do mesmo modo, outros
estados que haviam sido alijados passaram a receber mais atenção, já que a demanda
reprimida por outorgas de rádio comunitária continuava intensa. O exemplo mais
marcante é o de São Paulo: enquanto sua participação no total de outorgas na gestão
Juarez Quadros foi de 9,44%, na gestão Eunício de Oliveira subiu para 18,28%.
Essa comparação em números relativos entre os períodos de cada ministro é
reveladora. É fato que Minas Gerais, estado com maior número de municípios do país,
deveria ter também o maior número de outorgas de radiodifusão comunitária. Mas os
desequilíbrios encontrados entre os diversos ministros deixam claro que houve
preferência para alguns estados, em detrimento de outros.
G.2 – No Palácio do Planalto
A tarefa de encaminhar os processos de radiodifusão comunitária iniciados no
Ministério das Comunicações ao Congresso Nacional é da Presidência da República, por
meio de uma mensagem presidencial. A partir das datas dessas mensagens,
elaboramos uma estatística para acompanhar o fluxo de encaminhamento desses
processos ao Congresso. Desse modo, pudemos estabelecer com precisão quantas
mensagens foram encaminhadas por mês, desde o primeiro processo dar entrada no
Legislativo, em agosto de 1999, até o último dos processos da nossa mostra, em
dezembro de 200514
. Os gráficos abaixo mostram esse fluxo nos Governos FHC e Lula.
Gráficos 4, 5, 6 e 7
Processos de radiodifusão comunitária – datas das mensagens de envio ao Congresso
Nacional (Governo FHC)
14
Estão incluídos na amostra específica de envio ao Congresso Nacional os processos encaminhados até o
final de 2005 (2.120) e outros 16 procesos enviados ao longo de 2006 e 2007, em um total de 2.136. Todos
os processos utilizados na estatística de “enviados em 2005” receberam portaria de autorização do Ministério
das Comunicações de 2004 para trás e, portanto, estão incluídos também nas outras amostras dessa
pesquisa.
32
GRÁFICO 4
GRÁFICO 5
1999
43
2
5
0
3
0
10
20
30
40
50
ago/99 set/99 out/99 nov/99 dez/99
2000
29
8 10
19
39 43
26 22
56
74
64
19
0
10
20
30
40
50
60
70
80
jan/00
fev/00m
ar/00
abr/00
m
ai/00
jun/00
jul/00
ago/00
set/00
out/00
nov/00dez/00
33
GRÁFICO 6
GRAFICO 7
2001
2 0 1
33
0
86
47
3
84
20
47
92
0
20
40
60
80
100
jan/01
fev/01m
ar/01
abr/01
m
ai/01
jun/01
jul/01
ago/01
set/01
out/01
nov/01dez/01
2002
28
57
42
163
68 76
54 43
79 76
40 45
0
50
100
150
200
jan/02
fev/02m
ar/02
abr/02
m
ai/02
jun/02
jul/02
ago/02
set/02
out/02
nov/02dez/02
34
Gráficos 8, 9 e 10
De radiodifusão comunitária – datas das mensagens de envio ao Congresso Nacional
(Governo Lula)
GRAFICO 8
GRAFICO 9
2003
1 3 1
4
41
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
jan/03
fev/03m
ar/03
abr/03
m
ai/03
jun/03
jul/03ago/03
set/03
out/03nov/03dez/03
2004
33
14
0 0 0 0
89
28
0
12
66
8
0
20
40
60
80
100
jan/04
fev/04m
ar/04
abr/04
m
ai/04
jun/04
jul/04ago/04
set/04
out/04nov/04dez/04
35
GRAFICO 10
Em ambos os governos existem picos bastante claros, indicando que, enquanto em
alguns meses houve pouco ou nenhum envio de processos de radiodifusão comunitária
para o Congresso Nacional, em outros esses envios aconteceram em número
considerável.
Embora exista pouca homogeneidade para ambos os governos, no período Lula esses
picos de envio são mais evidentes. Além disso, pode-se notar que, enquanto no
governo FHC apenas em três meses a Presidência da República não enviou qualquer
processo de radiodifusão comunitária ao Congresso Nacional, no governo Lula isso
aconteceu em 13 meses. Também fica claro que, no início do governo Lula, houve uma
espécie de “moratória” que suspendeu o envio de processos ao Congresso Nacional.
Entre janeiro e novembro de 2003, apenas nove outorgas de radiodifusão comunitária
foram encaminhadas ao Congresso. O ritmo anterior foi retomado apenas em
dezembro daquele mesmo ano, quando 41 processos saíram da Presidência da
República.
A existência de um fluxo tão diferenciado no envio das Mensagens presidenciais ao
Congresso Nacional confirma que a partir das regras trazidas pela Medida Provisória
2.143-33, de maio de 2001, a velocidade de tramitação dos processos de radiodifusão
comunitária na Presidência da República – Casa Civil/SRI passou a ser elemento-chave
nas outorgas de rádios comunitárias.
A Medida Provisória – posteriormente reeditada com o número 2.216-37, de agosto de
2001 – prevê, como já vimos, que as autorizações de rádios comunitárias enviadas
pelo Executivo ao Congresso Nacional que não tiverem sua apreciação pelo Legislativo
2005
1
46
27
58
0
7
0
5
11 14
3 0
0
10
20
30
40
50
60
70
jan/05
fev/05m
ar/05
abr/05
m
ai/05
jun/05
jul/05ago/05
set/05
out/05
nov/05dez/05
36
finalizada em 90 dias15
terão direito a uma licença provisória de funcionamento. Vale
ressaltar que esse dispositivo, criado por força do Artigo 19 de ambas as medidas
provisórias, veio inserido em uma improvável MP que tratava de assunto muito mais
amplo: a organização da Presidência da República e dos ministérios.
Na prática, uma de nossas hipóteses é a de que o Executivo passou a determinar, com
a retenção ou liberação de processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI, a
própria velocidade da outorga de emissoras de radiodifusão comunitária. O envio ao
Congresso Nacional passou a ser praticamente a liberação tácita de funcionamento da
emissora de radiodifusão comunitária, já que o Legislativo raramente cumpre o prazo
de 90 dias estipulado pela MP. A retenção de um processo, por outro lado, significa
uma negação de outorga, já que a contagem do prazo de 90 dias se inicia apenas após
o envio do processo ao Congresso Nacional.
Partindo dessa premissa, buscamos, por meio do cálculo do tempo de tramitação
desses processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI, identificar indícios da
utilização ou não dessa ferramenta como forma de barganha política, de modo a
acelerar ou retardar o andamento de processos de acordo com a vontade política do
Executivo.
Foram considerados 2.136 processos, ou 96,87% dos 2.205 que tiveram portaria de
autorização do Ministério das Comunicações até dezembro de 2004. Posteriormente,
dividimos esses processos em três grupos:
A. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom e mensagem de
encaminhamento ao Congresso publicadas durante o Governo FHC;
B. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom e mensagem de
encaminhamento ao Congresso publicadas durante o Governo Lula;
C. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom publicada no
Governo FHC e mensagem de encaminhamento ao Congresso publicada no
Governo Lula.
No Grupo A (portaria e mensagem no governo FHC), encontramos 1.651 processos. O
tempo de tramitação deles na Presidência da República / Casa Civil foi, em média, de
67 dias, com um mínimo de quatro e um máximo de 758 dias (desvio padrão de
66,18). No Grupo B (portaria e mensagem no governo Lula), foram inseridos 442
processos, com tempo de tramitação médio na Presidência da República – Casa
Civil/SRI de 334 dias, tempo mínimo de 20 e máximo de 834 dias (desvio padrão de
162,51). Finalmente, o Grupo C (portaria no governo FHC e mensagem no governo
Lula) contou com 43 processos, que tiveram tempo médio de tramitação na
Presidência da República de 734 dias, variando entre um tempo mínimo de 146 e um
tempo máximo de 1.475 dias (desvio padrão de 340,08).
O gráfico 11 ilustra a dispersão no número de dias de tramitação dos processos
classificados em cada um dos grupos acima descritos.
15
Prazo da urgência constitucional estabelecido pelo § 1º
do art. 223 e pelo art. 64, § § 2º
e 4º
da
Constituição Federal.
37
Gráfico 11
Dispersão – tempo de tramitação na Presidência da República / Casa Civil.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1100
1200
1300
1400
1500
1600
Dias
Governo FHC (a)
Governo Lula (b)
FHC / Lula (c)
Os dados, e principalmente as médias de dias de tramitação, deixam claro que a
retenção de processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI foi
consideravelmente maior durante o Governo Lula do que no Governo FHC (334 dias
para o primeiro, contra 67 para o segundo). Também há evidências bastante concretas
de que os processos aprovados durante o Governo FHC que estavam em estoque na
Presidência da República / Casa Civil durante a transição entre os governos foram
preteridos, o que resultou em uma média de tempo de tramitação de 734 dias ou mais
de dois anos.
Porém os dados mais reveladores são aqueles relativos à dispersão dos tempos de
tramitação, indicados nos gráficos e confirmadas pelos desvios-padrão. Esses dados
mostram que houve claro privilégio para algumas entidades de radiodifusão
comunitária, bem como uma evidente retenção para outras.
Comparativamente, esse privilégio concedido a alguns processos ocorreu em ambos os
governos – sendo mais evidente, contudo, durante o Governo Lula. Os dados
demonstram que não há uma fila organizada, sendo concedidos privilégios para alguns
e criadas dificuldades para outros.
Note-se que não há qualquer explicação técnica para essa intensa variação de tempos
de tramitação. O trabalho da Presidência da República – Casa Civil/SRI deveria se
resumir à preparação dos atos de envio dos processos ao Legislativo, não existindo
qualquer atividade burocrática que explique a dispersão encontrada. A existência de
desvios-padrão bastante altos nos tempos de tramitação nessa fase dos processos de
38
outorga de radiodifusão é um indicativo, portanto, de que um fator não-burocrático foi
o causador da dispersão.
Portanto, confirma-se a nossa hipótese vinculada à existência de um “coronelismo
eletrônico de novo tipo” – de que o advento da outorga de licença provisória, através
da MP 2.143-33/2001, concedeu ao Poder Executivo uma possibilidade inédita de
barganha política na radiodifusão comunitária. Essa barganha utiliza como mecanismo
a aceleração ou atraso do tempo de tramitação na Presidência da República – Casa
Civil/SRI, o que significa em última instância a aceleração ou atraso da própria outorga
de licença de funcionamento dessas rádios comunitárias.
Há um dado adicional para a confirmação dessa hipótese: a mudança que ocorreu no
ritmo de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária no Governo FHC. Antes
da edição da MP, foram enviados ao Congresso Nacional 499 processos, que tiveram
um tempo médio de tramitação de 50 dias na Presidência da República / Casa Civil, e
desvio-padrão na mostra de 24,91. Já depois da edição da MP e até o fim do governo
FHC, 1.152 processos foram encaminhados ao Legislativo. Houve uma alteração
significativa nesse grupo: a média do tempo de tramitação subiu para 74 dias e o
desvio-padrão da mostra atingiu a marca de 76,35. O gráfico 12 facilita a visualização
dessa alteração.
Gráfico 12
Dispersão nos tempos de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária na
Presidência da República / Casa Civil, antes e depois da edição da MP 2413-33.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Antes da MP 2143-33
Depois da MP 2143-33
Já entre os processos aprovados no Governo Lula, os dados mais significativos vêm do
cruzamento entre as informações obtidas e o banco de dados “Pleitos”. Como já
descrevemos anteriormente, o “Pleitos” é um sistema do Ministério das Comunicações
que relaciona os “padrinhos políticos” dos processos de radiodifusão comunitária, ao
qual tivemos acesso por meio de uma fonte do ministério.
Com base nesse sistema, inicialmente selecionamos todos os processos apadrinhados.
A seguir, excluímos da amostra de apadrinhados todos aqueles que ainda não tinham
39
sido encaminhados ao Legislativo. Aplicados esses filtros chegamos a um total de 314
processos.
Posteriormente, dividimos esses 314 processos em três grupos: apadrinhados por ao
menos um político ligado ao Partido dos Trabalhadores (86 rádios); apadrinhados por
ao menos um político ligado a um partido da base aliada do governo (184 rádios); e
finalmente apadrinhados por um político ligado a um partido de oposição (44 rádios).
Por fim, calculamos o tempo médio de tramitação de processos de radiodifusão
comunitária para cada um desses grupos, e detectamos que há claros privilégios para
alguns, em detrimento de outros. Para os 86 processos apadrinhados por políticos do
Partido dos Trabalhadores, a média de tempo de tramitação na Presidência da
República – Casa Civil/SRI foi de 280 dias. Já para os 184 processos apadrinhados pela
base aliada, esse tempo foi de 326 dias. E para os 44 processos de interesse da
oposição, o tempo médio de tramitação subiu para 374 dias.
Todo esse conjunto de informações sobre o tempo de tramitação de processos de
radiodifusão comunitária na Presidência da República – Casa Civil/SRI permite
questionar se os princípios do interesse público e da igualdade entre os cidadãos
teriam sido desrespeitados e a administração pública utilizada em prol de interesses
particulares e na defesa de grupos políticos.
H. QUEM CONTROLA AS RADCOM “AUTORIZADAS”?
Inicialmente é importante não deixar dúvidas em relação ao vínculo direto existente
entre a associação ou fundação comunitária e a rádio comunitária a ela outorgada.
Apesar de parecerem duas entidades distintas, na verdade a “rádio comunitária” não é
uma pessoa jurídica constituída. Apenas a associação comunitária para a qual foi
outorgada a autorização o é. A rádio, portanto, é apenas uma das atividades postas
em prática pela associação – tanto é verdade que, para ter direito a uma outorga, a
associação comunitária deve ter em seu estatuto, entre seus objetivos, claramente o
de “prestar os serviços de radiodifusão comunitária”.
Ao fazermos o cruzamento utilizando os nomes dos diretores das associações
comunitárias detentoras de outorgas estamos, portanto, automaticamente
investigando os próprios diretores da emissora autorizada a prestar os serviços de
radiodifusão comunitária16
.
H.1 – RadCom vs. política
Os resultados obtidos na pesquisa demonstram uma alta prevalência de vínculos
políticos nas rádios comunitárias regularmente outorgadas no país. Como descrito no
item sobre Metodologia, os vínculos políticos foram detectados quando havia resultado
positivo entre o cruzamento dos nomes dos integrantes das diretorias das emissoras
de rádio comunitária e pessoas integrantes de uma das categorias a seguir:
• Detentores de mandatos eletivos em nível municipal, estadual ou federal
entre janeiro de 1998 e abril de 2007 (fonte: resultados das eleições de
1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 fornecidos pelo TSE);
16
Registre-se que o resultado dos cruzamentos estará sempre subestimado, tendo em vista que em 188
casos trabalhamos apenas com o nome do representante legal, pois não foi possível identificar os demais
membros das diretorias.
40
• Candidatos derrotados em eleições municipais, estaduais, ou federais nos
anos de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 (fonte: resultados das eleições de
1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 fornecidos pelo TSE);
• Doadores de campanha nas eleições municipais, estaduais ou federais nos
anos de 2000, 2002, 2004 e 2006 (fonte: listas de doadores de campanha
divulgadas pelo TSE);
• Ocupantes de cargos de direção em diretórios e comissões provisórias
municipais ou estaduais de partidos políticos registrados no TSE, ou
integrantes de suas diretorias em nível nacional (os dados estaduais e
municipais são divulgados pelos TREs e não estão disponíveis em alguns
deles);
• Ocupantes de cargos de 1o
e 2o
escalões nos poderes Executivo e Legislativo
na esfera municipal, estadual ou federal (fontes: diários oficiais, arquivos de
órgãos de mídia, páginas oficiais das administrações etc.);
• Familiares de detentores de mandatos eletivos entre janeiro de 1998 e abril
de 2007;
• Familiares de candidatos derrotados em eleições municipais, estaduais ou
federais nos anos de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006.
Entre as 2.205 rádios comunitárias integrantes da amostra, foi possível detectar
vínculos políticos em 1.106 (50,2%). A Tabela 2 demonstra as variações do grau de
vínculo político encontradas nos diversos estados da federação. Os estados nos quais
há mais vínculos políticos ou religiosos do que a média estão destacados em vermelho
em todas as tabelas.
Tabela 2
Vínculos políticos detectados nas 2.205 rádios comunitárias outorgadas entre 1999 e
2004
Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político
AC 3 217
(66%)
AL 32 21 (65,6%)
AM 30 20 (66,7%)
AP 6 3 (50%)
BA 161 9018
(55,9%)
CE 133 5719
(42,8%)
DF 11 520
(45,5%)
ES 35 2221
(62,9%)
GO 113 6422
(56,6%)
MA 99 4623
(46,5%)
MG 425 22124
(52%)
MS 56 2625
(46,4%)
MT 44 2126
(47,7%)
17
1 rádio com vínculo político e religioso
18
2 rádios com vínculo político e religioso
19
2 rádio com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga
20
1 rádio com vínculo político e religioso
21
2 rádios com vínculo político e religioso
22
3 rádios com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga
23
1 rádio com vínculo político e religioso
24
10 rádios com vínculo político e religioso e 5 rádios com vínculo político e duplicidade de outorga
25
2 rádio com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga
26
1 rádio com vínculo político e religioso
41
PA 40 21 (52,5%)
PB 96 4727
(49%)
PE 113 51 (45,1%)
PI 39 19 (48,7%)
PR 142 7228
(50,7%)
RJ 53 12 (22,6%)
RN 68 3429
(50%)
RO 21 11 (52,4%)
RR 2 1 (50%)
RS 104 4230
(40,4%)
SC 65 4131
(63,1%)
SE 11 0
SP 289 14532
(50,2%)
TO 14 12 (85,7%)
Total 2205 1.106 (50,2%)
Conclui-se, portanto, que é inegável a existência de alto grau de vínculo político nas
rádios comunitárias regularmente outorgadas no país. Também se pode notar que há
uma variação considerável entre estados, mas o mesmo não acontece quando
comparamos regiões. Cite-se, por exemplo, que os cinco estados nos quais
encontramos maior índice de vínculo político – Tocantins, Amazonas, Santa Catarina,
Espírito Santo e Alagoas – representam o Norte, o Sul, o Sudeste e o Nordeste, quatro
das cinco regiões brasileiras.
Outro levantamento realizado e que está nas Tabelas 3 e 4 abaixo, foi a comparação
entre o grau de vínculo político encontrado nas rádios autorizadas no Governo FHC e
no Governo Lula. Eis os resultados:
27
1 rádio com vínculo político e religioso
28
2 rádios com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga
29
1 rádio com vínculo político e religioso
30
1 rádio com vínculo político e religioso
31
7 rádios com vínculo político e religioso
32
14 rádios com vínculo político e religioso, 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga, 1 rádio
com vínculo político e religioso e duplicidade de outorga
42
Tabela 3
Vínculos políticos detectados nas 1.704 rádios comunitárias autorizadas no governo
FHC (entre 1999 e 2002)
Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político
AC 3 2 (66,66%)
AL 27 18 (66,6%)
AM 26 18 (69,2%)
AP 6 3 (50%)
BA 116 66 (56,9%)
CE 89 40 (44,9%)
DF 8 3 (37,5%)
ES 26 16 (61,5%)
GO 98 56 (57,1%)
MA 78 36 (46,2%)
MG 348 188 (54%)
MS 46 21 (45,7%)
MT 33 15 (39,4%)
PA 28 14 (50%)
PB 77 37 (48,1%)
PE 90 41 (45,6%)
PI 33 15 (45,5%)
PR 90 46 (51,1%)
RJ 41 10 (24,4%)
RN 58 28 (48,3%)
RO 18 9 (50%)
RR 2 1 (50%)
RS 75 32 (42,7%)
SC 51 33 (64,7%)
SE 4 0
SP 223 121 (54,3%)
TO 10 9 (90%)
Total 1.704 878 (51,5%)
43
Tabela 4
Vínculos políticos detectados nas 501 rádios comunitárias autorizadas nos dois
primeiros anos do governo Lula (2003 e 2004)
Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político
AC 0 0
AL 5 3 (60%)
AM 4 2 (50%)
AP 0 0
BA 45 24 (53,3%)
CE 44 17 (38,63%)
DF 3 2 (66,7%)
ES 9 6 (66,7%)
GO 15 8 (53,3%)
MA 21 10 (47,6%)
MG 77 33 (42,9%)
MS 10 5 (50%)
MT 11 6 (54,5%)
PA 12 7 (58,3%)
PB 19 10 (52,6%)
PE 23 10 (43,5%)
PI 6 4 (66,7%)
PR 52 26 (50%)
RJ 12 2 (16,7%)
RN 10 6 (60%)
RO 3 2 (66,7%)
RR 0 0
RS 29 10 (34,5%)
SC 14 8 (57,1%)
SE 7 0
SP 66 24 (36,4%)
TO 4 3 (75%)
Total 501 228 (45,5%)
Houve alta incidência de autorizações de rádios comunitárias com vínculos políticos
tanto no Governo FHC quanto no Governo Lula. A diferença no total de vínculos
detectados em números relativos – 51,5% para as rádios autorizadas no Governo FHC
e 45,5% para o Governo Lula – é pouco significativa, e não pode ser creditada a
qualquer mudança no processo de análise das outorgas de rádios comunitárias. Na
verdade, a explicação para essa pequena diferença é metodológica.
Enquanto nas rádios autorizadas no Governo FHC não foi possível ter acesso a 45
(2,64%) composições de diretorias das rádios comunitárias autorizadas no período,
para o Governo Lula esse número foi de 143 (28,54%). A razão, como já explicitado, é
que a retenção de alguns dos processos de radiodifusão comunitária no Palácio do
Planalto fez com que muitos dos processos aprovados no Ministério das Comunicações
no Governo Lula não tenham ainda chegado ao Senado. Assim, ficou impossibilitado o
acesso à composição da diretoria dessas entidades e, consequentemente, houve uma
diminuição proporcionalmente compatível nos vínculos políticos detectados quando
comparados àqueles encontrados nos processos do Governo FHC.
44
H.2 – RadCom vs. religião
Foi encontrado, também, um número considerável de vínculos religiosos, como mostra
a Tabela 5, abaixo. No total, em 120 (5,4%) rádios comunitárias pesquisadas foi
encontrado algum tipo de vínculo religioso.
O domínio de vínculos pela religião católica é notável33
. Dessas 120 rádios, 83 (69,2%)
eram ligadas à igreja católica, 33 (27,5%) a igrejas protestantes, 2 (1,66%) a ambas,
1 à doutrina espírita (0,8%) e 1 (0,8%) ao umbandismo.
Tabela 5
Vínculos religiosos detectados nas 2.205 rádios comunitárias outorgadas entre 1999 e
2004
Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo religioso
AC 3 1 (33%)
AL 32 1 (3,1%)
AM 30 2 (6,7%)
AP 6 0
BA 161 6 (9,8%)
CE 133 4 (3%)
DF 11 4 (36,4%)
ES 35 2 (5,7%)
GO 113 5 (4,4%)
MA 99 5 (5,1%)
MG 425 25 (5,9%)
MS 56 0
MT 44 3 (6,8%)
PA 40 2 (5%)
PB 96 4 (4,2%)
PE 113 2 (1,8%)
PI 39 0
PR 142 6 (4,2%)
RJ 53 1 (1,9%)
RN 68 2 (2,9%)
RO 21 1 (4,8%)
RR 2 0
RS 104 5 (4,8%)
SC 65 10 (15,4%)
SE 11 0
SP 289 29 (10%)
TO 14 0
Total 2205 120 (5,4%)
33
Existe, inclusive, uma Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias, a ANARC.
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O coronelismo eletrônico de novo tipo e o controle das concessões de radiodifusão

  • 1.
  • 2. 1 SUMÁRIO A. CORONELISMO, CORONELISMO ELETRÔNICO E CORONELISMO ELETRÔNICO DE NOVO TIPO........................................................................................................... 02 A.1 – O Coronelismo A.2 – O Coronelismo Eletrônico A.3 – O Coronelismo eletrônico de novo tipo Município como ente federativo União compartilha e recupera poder (em parte) Os coronéis eletrônicos de novo tipo B. BREVE HISTÓRICO DO USO DAS CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO COMO MOEDA DE BARGANHA POLÍTICA............................................................................................ 08 C. “BRECHAS” LEGAIS: A RADIODIFUSÃO EDUCATIVA............................................... 10 C.1 – “Brecha” UM: a transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas C.2 – “Brecha” DOIS: as outorgas de radiodifusão educativa estão dispensadas de licitação D. A LITERATURA SOBRE CORONELISMO ELETRÔNICO............................................... 15 E. AS RADCOM: PROMESSA FRUSTRADA..................................................................... 16 F. NOTA SOBRE A METODOLOGIA............................................................................... 18 G. OS “PROCEDIMENTOS BUROCRÁTICOS” E SUAS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS............ 26 G.1- no Ministério das Comunicações a. arquivamentos e “Pleitos” b. a política dos ministros G.2- no Palácio do Planalto H. QUEM CONTROLA AS RADCOM “AUTORIZADAS”?................................................... 39 H.1 – RadCom vs política H.2 – RadCom vs religião H.3 – duplicidade de outorgas I. OBSERVAÇÕES FINAIS............................................................................................ 49 J. O QUE PODE E DEVE SER FEITO.............................................................................. 51 K. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 52 L. ANEXOS................................................................................................................. 54 L.1 – Lei 9.612/98 L.2 – Decreto 2.615/98 L.3 – Listagem dos vínculos políticos, religiosos e das duplicidades de outorgas
  • 3. 2 A. CORONELISMO, CORONELISMO ELETRÔNICO E CORONELISMO ELETRÔNICO DE NOVO TIPO O conceito de coronelismo tem sua origem no estudo clássico do jurista e professor Victor Nunes Leal sobre as práticas políticas no antigo Brasil rural – Coronelismo, Enxada e Voto – cuja primeira edição foi publicada pela Revista Forense em 1949. O status teórico do conceito tem sido, no entanto, objeto de aguda controvérsia nas ciências sociais e o seu derivado – coronelismo eletrônico – carece de reflexão conceitual, além de padecer freqüentemente de uma série de equívocos e imprecisões no campo da Comunicação (cf. Santos, 2006). Apesar disso, optamos por sua utilização. Acreditamos que o fenômeno nomeado como coronelismo eletrônico guarda características e mantém traços comuns com o sistema de dominação e relações políticas originalmente estudado por Nunes Leal na República Velha que justificam seu uso. A explicitação dessas características e traços comuns foi que orientou o desenvolvimento desta pesquisa, paralelamente ao pressuposto de que a mídia – e, conseqüentemente, o seu controle – desempenha hoje um papel fundamental no processo político da sociedade brasileira. Em especial, queremos contribuir para o tardio reconhecimento da importância do rádio – comercial, educativo, comunitário ou “não-legalizado” – que nem sempre merece a atenção que deveria ter nos estudos sobre a mídia no Brasil. A.1 – O Coronelismo Desde o Império até a República, a estrutura agrária concentradora da propriedade da terra possibilitou o exercício do controle político do município por lideranças locais por intermédio de um complicado sistema de compromissos e troca de favores com as províncias (estados) e a União. O coronel era o chefe político local e recebia essa designação como oficial da Guarda Nacional, criada ainda no século 19. A moeda de troca básica dos velhos coronéis era o controle do voto – o chamado “voto de cabresto” –, inicialmente aberto e depois secreto. Como recompensa, eram eles que decidiam sobre a alocação dos recursos orçamentários estaduais e federais no município e faziam as indicações dos nomes que ocupariam os cargos de comando da máquina pública – juiz, delegado de polícia, coletor de impostos, agente dos Correios, professores do ensino público, dentre outros. Como reafirmou Leal (1980) “o coronelismo era um aspecto local da dominação política, um aspecto local das lutas e dos entendimentos políticos, embora refletindo-se nos círculos mais amplos e contribuindo, por suas características, para dar uma tonalidade própria a toda a vida política do país”. Esse coronelismo da República Velha encontra suas condições ideais de funcionamento num país de população majoritariamente rural, no contexto do poder central do Estado fortalecido, de municípios isolados e tutelados, e da introdução de instituições representativas na política1 . 1 Existe uma ampla bibliografia sobre o coronelismo na política brasileira. Além da obra pioneira de V. N. Leal, uma referência introdutória é o verbete coronelismo de J. Murilo de Carvalho no DHBB (2001).
  • 4. 3 A.2 – O Coronelismo Eletrônico O coronelismo eletrônico, por outro lado, é um fenômeno do Brasil urbano da segunda metade do século 20, que sofre uma inflexão importante com a Constituição de 1988, mas persiste e se reinventa depois ela. É também resultado da adoção do modelo de curadoria (trusteeship model), isto é, da outorga pela União a empresas privadas da exploração dos serviços públicos de rádio e televisão e, sobretudo, das profundas alterações que ocorreram com a progressiva centralidade da mídia na política brasileira, a partir do regime militar (1964-1985). Emissoras de rádio e televisão, que são mantidas em boa parte pela publicidade oficial e estão articuladas com as redes nacionais dominantes, dão origem a um tipo de poder agora não mais coercitivo, mas criador de consensos políticos. São esses consensos que facilitam (mas não garantem) a eleição (e a reeleição) de representantes – em nível federal, deputados e senadores – que, por sua vez, permitem circularmente a permanência do coronelismo como sistema. Ao controlar as concessões, o novo “coronel” promove a si mesmo e aos seus aliados, hostiliza e cerceia a expressão dos adversários políticos e é fator importante na construção da opinião pública cujo apoio é disputado tanto no plano estadual como no federal. No coronelismo eletrônico, portanto, a moeda de troca continua sendo o voto, como no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação – vale dizer, na capacidade de influir na formação da opinião pública. A recompensa da União aos coronéis eletrônicos é de certa forma antecipada pela outorga e, depois, pela renovação das concessões do serviço de radiodifusão que confere a eles poder na barganha dos recursos para os serviços públicos municipais, estaduais e federais. Um feliz resumo das diferenças entre o coronelismo e o coronelismo eletrônico pode ser encontrado em trabalho de Costa e Brener, publicado em 1997. Dizem eles: Se as raízes dos velhos coronéis remontam ao Império, os coronéis de agora emergiram principalmente a partir do regime militar. Os primeiros são expressão de um Brasil predominantemente rural, enquanto os novos coronéis são atores políticos de um país majoritariamente urbano. O coronel de hoje mantém práticas típicas do antigo coronel, como usar a sua influência junto ao governo para arranjar emprego para os apadrinhados ou levar obras e melhoramentos para as suas bases eleitorais, mas mudou muito a forma de fazer política. Se antes os métodos de cabala de votos se resumiam às instruções dadas aos cabos eleitorais e aos comícios, é inegável que a televisão [e o rádio – inclusão dos A.] se tornaram um novo e decisivo cenário da batalha política estadual e municipal. Não será coincidência, portanto, constatar que as oligarquias dominantes em vários estados e regiões do país (sobretudo no Nordeste), a partir das últimas décadas do século passado, têm em comum o vínculo com a mídia. Em especial, com as emissoras de rádio e televisão comerciais e suas retransmissoras (RTVs), mas também com as emissoras educativas. Seus membros são detentores de mandatos nos diferentes níveis de representação no Executivo e no Legislativo, mas, sobretudo, são governadores, deputados federais ou senadores. Os mais conhecidos exemplos são as
  • 5. 4 oligarquias regionais identificadas por nomes como Barbalho, Sarney, Jereissati, Garibaldi, Collor de Mello, Franco, Alves, Magalhães, Martinez e Paulo Octávio, dentre outros. A.3 – O Coronelismo eletrônico de novo tipo Em palestra que fez mais de 30 anos após a publicação do estudo original, publicada sob o título “O Coronelismo e o Coronelismo de cada um”, Victor Nunes Leal reforçou algumas das principais características do velho coronelismo. Situou-o historicamente na República Velha, lembrou que, apesar de suas repercussões nacionais, tratava-se de um sistema de compromisso desenvolvido no âmbito dos estados e resultante da “fraqueza do Estado de um lado, e, de outro, [da] fraqueza social e política dos coronéis, que necessitavam do prestígio de empréstimo do governo estadual para reforçar o seu próprio prestígio local”. O mais importante para o nosso argumento, todavia, é que, observando as eleições municipais de 1976 – realizadas durante o regime militar e sob a presidência do general Ernesto Geisel – Leal constata o surgimento de um “novo tipo de compromisso”, agora “entre o Presidente da República e os municípios”. Trata-se de... ...um compromisso direto entre o governo federal e os chefes políticos locais (portanto, com invasão da área que seria a do coronelismo típico, de vinculação dos chefes locais ao governo do Estado) [...] Esse tipo de compromisso eventual entre o governo federal e os municipais estava mencionado como possibilidade no meu livro, porque àquele tempo já havia uma série de órgãos econômicos, governados e alimentados pelo poder federal, que tinham atuação nas comunas. Era previsível, portanto, que o governo federal, na medida em que tivesse de passar por cima dos governos estaduais, abandonando a política dos governadores, de Campos Sales, para fazer uma política presidencial, procuraria estabelecer vínculos diretos entre a Presidência da República e as prefeituras e câmaras municipais. Isto representou, suponho, um reforço ao coronelismo, o que não era àquele tempo previsível com tanta clareza. Hoje, o Presidente da República está tão ou mais interessado nos municípios, nos chefes políticos do interior, como estão os governadores dos Estados. Este é que talvez seja o aspecto novo a examinar no coronelismo. A “política presidencial” identificada por Leal, irá ser reforçada, no contexto político democrático, pela Constituição de 1988, que altera as condições anteriores em dois pontos fundamentais e dá origem a um novo tipo de coronelismo eletrônico, que não exclui o anterior, mas é complementar a ele. Município como ente federativo Primeiro, a Constituição conferiu ao município o status de ente federativo e introduziu modificações importantes na distribuição de recursos e competências – sobretudo com relação à saúde e a educação. Apesar de todas as dificuldades relativas, sobretudo, ao repasse de verbas pela União, inicia-se o movimento de descentralização de políticas públicas que confere aos municípios autonomia e introduz profundas mudanças no federalismo e, portanto, na política local (cf. Andrade, 2004). É no contexto do município não mais isolado, mas fortalecido, e da política local revigorada que surge o que chamamos coronelismo eletrônico de novo tipo, vinculado especificamente às permissões e autorizações dirigidas às comunidades locais. Essas
  • 6. 5 permissões e autorizações referem-se às RTVs2 , em especial aquelas destinadas às prefeituras (desde 1978), às emissoras de rádio FM e às rádios comunitárias legalizadas. Cerca de 70% de todos os novos atos de outorgas de radiodifusão, depois de 1998, são exatamente de rádios comunitárias. Paralelamente, estima-se que existam hoje no país cerca de 18 mil rádios comunitárias “não-legalizadas” em funcionamento, cerca de 10 mil processos arquivados e mais de 4 mil pedidos pendentes no Ministério das Comunicações (MiniCom) (Carvalho, 15/3/07). O fato de existir um número tão elevado de rádios comunitárias “não-legalizadas” é revelador da pressão exercida por aqueles que controlam a radiodifusão comercial sobre o poder concessionário (Executivo e Legislativo) para impedir que a regularização aconteça. As comunitárias seriam suas competidoras diretas nos municípios. Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal exercem um controle rigoroso sobre as rádios “não-legalizadas” que são diariamente fechadas e seus dirigentes, presos. Importante ressaltar ainda que, apesar de a Constituição de 1988 dar aos municípios o status de ente da Federação, ela reforça o poder exclusivo da União para outorgar e renovar outorgas de radiodifusão, excluindo assim a possibilidade de municipalização ou estadualização dessas atividades. A alínea “a” do inciso XII do seu Artigo 21, em sua redação original e na alterada pela Emenda Constitucional no 8, de 1995, deixa pouca margem de dúvida quanto a essa exclusividade, ao dizer que compete à União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”3 . Do ponto de vista técnico e prático, há pouco ou nenhum sentido nesta centralização na esfera Federal da atividade de outorga. Existe, principalmente para as rádios de menor potência que operam em FM, um interesse local muito mais evidente do que um interesse nacional. A atividade de outorga dessas rádios poderia muito bem ser uma atividade concorrente entre União, Estados e Municípios – à União caberia apenas ditar as regras gerais, tais como a canalização do espectro de freqüência. Executivo compartilha e recupera poder (em parte) O segundo ponto alterado pela Constituição de 1988 diz respeito à exigência de participação do Legislativo na aprovação tanto das concessões de rádio e televisão – comerciais, educativas e comunitárias – como na sua renovação. Subtrai-se, portanto, do Executivo o poder exclusivo de outorga deste serviço. Desta forma, o Executivo passa a compartilhar as decisões sobre sua moeda de troca (as concessões e as renovações) diretamente com as oligarquias políticas estaduais e regionais – vale 2 Levantamento realizado pelos jornalistas Sylvio Costa e Jayme Brener (1997) revelou a seguinte distribuição para as 1848 RTVs que podiam inserir até 15% de programação própria por serem educativas ou estarem instaladas na Amazônia Legal em 1997: 527 pertenciam a empresas de comunicação sem vínculos políticos; 479 a prefeituras municipais; 472 a empresas e entidades ligadas a igrejas; 102 a fundações educativas e 268 a entidades ou empresas controladas por 87 políticos. 3 O juiz federal aposentado Paulo Fernando da Silveira publicou, em 2001, pela Editora Del Rey o livro Rádios Comunitárias no qual defende a competência municipal para legislar sobre a matéria. Essa posição tem influenciado Câmaras Municipais de diversas cidades a aprovarem leis regulando as rádios comunitárias – como Itabuna (BA), São Gonçalo (RJ), Campinas (SP), São Bernardo do Campo (SP) e, inclusive, o município de São Paulo (SP).
  • 7. 6 dizer, com os coronéis eletrônicos (ou seus representantes, deputados e senadores), muitos, eles próprios, já concessionários dos serviços. Há, no entanto, uma quase- exceção em relação às rádios comunitárias. Reguladas por lei em 19984 , já existiam e operavam em número significativo, pelo menos desde o final da década de 1980. Elas não dependem de licitações públicas, mas de um processo de avaliação interna no Ministério das Comunicações (MiniCom). Depois, os atos são enviados à apreciação do Congresso Nacional. A Medida Provisória 2.143-33, de maio de 2001, no entanto, modifica as normas de tramitação dos processos no Congresso e restitui ao Executivo – para as autorizações de rádios comunitárias – parte significativa do poder que a Constituição de 1988 lhe subtraíra. A MP 2.143-33 determina que, se as autorizações de rádios comunitárias enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional não forem apreciadas num prazo de 90 dias, elas se transformarão, automaticamente, em “licenças provisórias” de funcionamento5 . Com isso, o Executivo acelera a efetivação de seus atos e tira vantagem de sua agilidade potencial em relação à morosidade intrínseca do processo legislativo. Dessa forma, as rádios comunitárias voltam a constituir, para o Executivo, importante moeda de barganha política. Neste contexto, é preciso observar que, desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002), além da avaliação técnica e política dos pedidos de outorga de rádios comunitárias realizada no MiniCom, foi acrescida ainda outra instância de avaliação política, agora na Casa Civil da Presidência da República. Essa análise política já existia no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, é verdade, mas no governo Lula houve uma alteração importante que conferiu à Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República uma participação na análise das outorgas de radiodifusão. Ou seja: foi inserida na tramitação das outorgas de radiodifusão no Poder Executivo uma etapa específica a cargo de um órgão que tem, entre outras funções, a de estabelecer elos entre o Poder Executivo federal e os municípios. Os coronéis eletrônicos de novo tipo Os novos coronéis eletrônicos, como os anteriores, continuam tendo no controle do voto a sua “moeda de troca” básica com o estado e a própria União. Só que agora com a mediação de representantes em posição política hierarquicamente superior, tanto no Legislativo quanto no Executivo – deputados estaduais e federais, senadores e governadores – sejam eles os velhos coronéis eletrônicos ou não. As rádios comunitárias, na sua maioria, são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais – vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes 4 O texto completo da Lei 9.612/98 que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária está no Anexo L.1. 5 A edição da MP 2.143-33 levantou a suspeita de que se tratava de medida destinada a impedir a formação da “CPI da Corrupção” no governo FHC, à época em debate no Congresso Nacional. O então ministro das Comunicações Pimenta da Veiga negou a acusação e justificou a MP da seguinte forma: “Ao longo de dois anos, nós autorizamos a criação de 659 rádios comunitárias em todo o país, fazendo a comunicação ao Congresso para que os processos fossem analisados. Apenas 29 já foram aprovadas pelos parlamentares e estão autorizadas a funcionar por três anos. Depois desse tempo, devem ser novamente avaliadas. A pressão pela aprovação das demais é insuportável. Em todos os locais onde eu vou as pessoas perguntam. O problema é que nós examinamos, mas o Congresso não. A medida provisória foi uma forma de agilizar a entrada em funcionamento. A pressão é tão grande que há enorme desordem no espectro. Devem estar em funcionamento cerca de seis mil rádios ilegais, o que é um absurdo”. [Cf. Fabiana Melo, “Nenhuma rádio foi autorizada a funcionar” em O Globo de 14/05/2001]
  • 8. 7 partidários – vindo num distante segundo lugar o vínculo religioso, predominantemente da Igreja Católica. Vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos, líderes partidários representam, portanto, uma nova mediação dentro do sistema maior do coronelismo eletrônico que sobrevive como prática política, nem sempre bem-sucedida, mas ainda fundamental em muitos municípios brasileiros. O Quadro 1 abaixo procura sintetizar algumas das principais características dos três tipos de coronelismo. Quadro 1 – Os três tipos de coronelismo Características Principais Coronelismo (V. Nunes Leal) Coronelismo Eletrônico Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo Base material Posse da terra Concessão de Rádio e/ou TV+RTVs, comerciais e educativas RadCom (legalizada ou não), FM e RTVs Moeda de troca Controle do voto Controle do voto; apoio político estadual e/ou regional Controle do voto; apoio político comunitário (local) Recompensas: (a) mandatários federais (direta indiretamente) (b) coronéis (locais,regionais, comunitários) Eleição ou reeleição Nomear/demitir Alocar recursos públicos Eleição ou reeleição; Controle da informação política Concessões de Ra,TV, RTVs; nomear/demitir; alocar recursos públicos Eleição ou reeleição; Controle da informação política Concessões de FMs e RadCom; compartilhar com deputados e senadores poder nomear/demitir; alocar recursos públicos Função política Líder local Senador, deputado federal, governador (PR, Ministro) Vereador, prefeito (deputado estadual), líder partidário local Geografia Interior rural Rural e urbano (transição) Urbano Organização política Município isolado e sem autonomia Estados e regiões Município integrado, ente federativo Poder da União Centralizado Centralizado e descentralizado Descentralizado Período histórico República Velha Anos 50 (TV) e Regime Militar Depois da Constituição de 1988 Exemplos Coronel Chico Romão (PE) José Sarney (ex-deputado federal, ex-governador, ex- presidente da República, senador PMDB-AP) – Sistema Mirante Comunicação (TV aberta afiliada Globo, TV cabo, 9 rádios, jornal O Estado do Maranhão). Antônio das Graças Filho (prefeito, PSDB), Kelton Pinheiro e Hermes Antônio Lemes (vereadores, PSDB) – Membros da diretoria RadCom e Associação de Comunicação e Cultura de Bonfinópolis, GO (parcial). O presente estudo se refere às 2.205 rádios com portaria de autorização do Ministério das Comunicações expedidas até dezembro de 2004. Na verdade, a outorga de uma rádio comunitária só é efetivada quando os processos, iniciados no Ministério das Comunicações passam pela Casa Civil / SRI, pela Câmara
  • 9. 8 dos Deputados e pelo Senado Federal, e um decreto legislativo é assinado pelo presidente do Congresso Nacional e publicado no Diário do Oficial da União. 6 O universo das rádios comunitárias constitui uma enorme “caixa preta” onde são pouquíssimos os dados oficiais disponíveis e onde, portanto, qualquer levantamento de dados constitui uma verdadeira corrida de obstáculos. Esta é, portanto, a etapa mais importante de uma pesquisa ainda incompleta, que irá incluir uma investigação também das FMs comerciais e educativas e das retransmissoras de televisão (RTVs). B. BREVE HISTÓRICO DO USO DAS CONCESSÕES DE RADIODIFUSÃO COMO MOEDA DE BARGANHA POLÍTICA O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) – que completa 45 anos em 2007 – determina que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão (Parágrafo único do Artigo 38). Esta norma foi confirmada pelo Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63) que exige como um dos documentos necessários à habilitação ao procedimento licitatório, declaração de que os dirigentes da entidade “não estão no exercício de mandato eletivo” [número 2, alínea “d” , § 5º do Artigo 15]. Apesar disso, pelo menos desde o início da década de 1980 se tem registro na mídia impressa da utilização de concessões públicas de radiodifusão por políticos “no exercício de mandato eletivo”, em seu benefício pessoal e interesse privado. Tornou-se folclórica, mas nem por isso menos emblemática, a resposta do ex-senador Atílio Fontana (1963-1971), eleito pelo PSD e, com a extinção dos partidos em 1965, filiado à Arena de Santa Catarina, ao ser entrevistado por repórter da Rádio Rural de Concórdia: – Senador, o microfone é todo seu. – Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda. Matéria publicada no Jornal do Brasil de 7 de dezembro de 1980, sob o título “No ar, a voz do dono”, já listava o nome e a filiação partidária de 103 políticos de 16 estados que controlavam, direta ou indiretamente, emissoras de rádio e/ou televisão. À época, o país se encontrava sob regime militar e estava em vigência a Lei Falcão, que restringia o acesso ao rádio e à televisão dos candidatos a postos eletivos à apresentação dos seus currículos e plataformas – acrescidos de seus retratos, na TV. O vínculo entre radiodifusão e política é, portanto, fenômeno fortemente arraigado na cultura e na prática política brasileira que perpassa os tempos de ditadura e os tempos de democracia. Registre-se a agravante de que, até novembro de 2003, o cadastro dos concessionários de radiodifusão do Ministério das Comunicações não estava disponível para consultas – vale dizer, não se conhecia a relação nominal dos beneficiários das concessões desse serviço público7 . 6 A informação sobre o número de decretos legislativos já publicados com outorgas de rádios comunitárias não está disponível no sítio web do Ministério das Comunicações. 7 Desde o início de 2007 o cadastro de concessionários de radiodifusão foi retirado do sítio do Ministério das Comunicações sem que se conheçam publicamente as razões para tal procedimento.
  • 10. 9 Ao final do último governo autoritário (general João Baptista Figueiredo, 1979-1985), uma das principais questões que alcançaram o debate público foi exatamente o número inusitado de outorgas de concessões de canais de rádio e televisão num período de tempo extremamente reduzido. Dados do Ministério das Comunicações divulgados à época revelavam que, enquanto em todo o ano de 1982 foram outorgadas 134 novas concessões, 80 em 1983 e 99 em 1984, somente nos últimos 74 dias de seu “mandato”, o general Figueiredo assinou 91 decretos de concessões de canais de radiodifusão – ou mais de 1,22 decretos de outorga por dia. E a maioria dos beneficiados eram políticos que se utilizavam dos mais variados artifícios e obtinham o controle de emissoras de rádio e televisão através de parentes e/ou “testas-de-ferro”, burlando normas, prazos e planos (Lima, 1987). O auge das outorgas para políticos, no entanto, ocorreu ao tempo que o ministro das Comunicações era Antonio Carlos Magalhães, durante o período do Congresso Constituinte de 1987-1988, quando estavam em jogo tanto a permanência do presidencialismo como forma de governo, quanto o mandato do então ocupante do cargo de presidente da República, José Sarney. Levantamento realizado por Motter (1994) revela que 1028 outorgas foram assinadas durante o governo Sarney entre 1985 e 1988, 91 dessas diretamente a deputados e senadores constituintes. Desse total, 92,3% (84) votaram a favor do presidencialismo e 90,1% (82) votaram a favor do mandato de cinco anos para o então presidente da República. O estudo identificou ainda que a chamada “bancada da comunicação” – composta por concessionários de radiodifusão – reunia 146 parlamentares, ou 26,1% dos 559 constituintes. Apesar disso, a Constituição de 1988 reafirmou a norma do CBT ao proibir que deputados e senadores mantivessem contrato ou exercessem cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público (alíneas “a” e “b” do inciso I do Artigo 54). Mas o Ministério das Comunicações interpreta esse preceito constitucional de outra forma. É o que fica claro nas palavras de seu atual [maio de 2007] consultor jurídico, Marcelo Bechara, que em audiência pública realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, em 25 de abril de 2007, afirmou que “as regras do artigo 54 da Constituição não valem para as concessões de radiodifusão” porque nesse caso não existiria o “favor decorrente de contrato de pessoa jurídica de direito público” previsto na Carta Magna. O CBT também não seria desrespeitado se o ocupante de cargo eletivo for “apenas” dono ou cotista de empresa de radiodifusão. Para o ministério, deputados e senadores podem ser donos de emissoras de radiodifusão (desde que não sejam “diretores ou gerentes” como prevê o texto literal do CBT), e isso não feriria o que diz o artigo 54 da Constituição. Curiosamente o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não foi consultado sobre o assunto – e, embora polêmica, a opinião do MiniCom é a que prevalece. A deputada Luíza Erundina (PSB-SP), presidente de uma subcomissão da CCTCI, criada em 2007 e destinada a rever os procedimentos de outorga e de renovação de outorga no Executivo e no Legislativo, declarou que seu partido, o PSB, pretende ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF questionando justamente a constitucionalidade da concessão de outorgas de radiodifusão a deputados e senadores. Em entrevista concedida ao site Comunique-se, a deputada ressaltou que a
  • 11. 10 opinião do Supremo é essencial para se dirimirem as muitas dúvidas ainda existentes sobre a aplicabilidade ou não do que dispõe o artigo 54 às outorgas de radiodifusão. Os casos a serem questionados pela eventual Adin são inúmeros. Pesquisa realizada por Santos e Capparelli (2005) revelou que 39,6% ou 40 das emissoras geradoras afiliadas à Rede Globo; 33,6% ou 128 de todas as emissoras de TV e 18,03% ou 1765 de todas as retransmissoras de televisão do país estavam controladas direta ou indiretamente por políticos em 2005. Da mesma forma, levantamento feito pela Agência Repórter Social, ao início da nova legislatura, revelou que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados federais eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam concessões de radiodifusão. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Decreto 1720, de 28/11/1995, estendeu à radiodifusão as exigências da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, alterando o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795 de 31/10/1963). A partir de então, outorgas de radiodifusão comercial pela União só poderiam ser feitas através de licitação, como manda o artigo 175 da Constituição de 1988. Estava, aparentemente, resolvida a velha questão do uso político das concessões de radiodifusão. O tempo, no entanto, revelaria uma outra realidade. C. “BRECHAS” LEGAIS: A RADIODIFUSÃO EDUCATIVA Ao contrário do que se acreditava à época, pelo menos duas importantes “brechas” legais permaneceram abertas e permitiram a continuidade da utilização das concessões de rádio e televisão como moeda de barganha política. C.1 “Brecha” UM: a transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas A Portaria nº 236 de 1991, elaborada pelo então Ministério da Infra-Estrutura (o Ministério das Comunicações havia sido extinto e suas atribuições absorvidas pelo Minfra), criou a Retransmissora de TV (RTV) em Caráter Misto. Esse serviço podia ser explorado por entidades com fins “exclusivamente educativos” e permitia às RTVs a possibilidade de inserir programação própria, de acordo com percentuais estabelecidos pela mesma Portaria. A RTV mista existiu até 1998, quando o Decreto 2.593 de 15/5/98 instituiu o Regulamento dos Serviços de Retransmissão e Repetição de Televisão, que extinguiu o serviço. Abriu-se, todavia, a possibilidade da transformação das retransmissoras mistas já existentes em geradoras educativas, sem licitação e de acordo com avaliação do próprio MiniCom, como se vê no § 2º do Artigo 39, transcrito abaixo: Art 39. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com inserções publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade, deverão solicitar ao Ministério das Comunicações a referência dos canais que utilizam do Plano Básico de Distribuição de Canais de Retransmissão de Televisão para o correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão. (...)
  • 12. 11 § 2º Efetivada a transferência de canais de retransmissão de sinais provenientes de estação geradora de televisão educativa, o Ministério das Comunicações analisará as solicitações recebidas para outorga de concessão para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens Educativa. Quase um ano depois, uma Portaria conjunta do MEC e do MiniCom (Portaria Interministerial nº 651 de 15/4/99) definiu o que se entendia por “exclusivamente educativo”. No seu Artigo 3º está escrito: A radiodifusão educativa destina-se exclusivamente à divulgação de programação de caráter educativo-cultural e não tem finalidades lucrativas. E no Artigo 1º define-se: Por programas educativo-culturais entendem-se aqueles que, além de atuarem conjuntamente com os sistemas de ensino de qualquer nível ou modalidade, visem à educação básica e superior, à educação permanente e formação para o trabalho, além de abranger as atividades de divulgação educacional, cultural, pedagógica e de orientação profissional, sempre de acordo com os objetivos nacionais. Na verdade, essa definição se revelou apenas uma formalidade porque as geradoras educativas nunca seguiram sua orientação. Uma prova disso é que, até hoje, existem inúmeras concessões educativas controladas por diferentes igrejas – lideradas inclusive por políticos – que fazem proselitismo religioso permanente. A possibilidade de transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas foi também referendada – dois anos depois – pelo Decreto 3451 de 9/5/2000, no § 2º do seu artigo 47, transcrito a seguir: Art. 47. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com inserções publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade, deverão solicitar ao Ministério das Comunicações a transferência dos canais que utilizam do PBRTV para o correspondente Plano Básico de Distribuição de Canais de Televisão. (...) § 2º Efetivada a transferência de canais de retransmissão de sinais provenientes de estação geradora de televisão educativa, o Ministério das Comunicações analisará as solicitações recebidas para outorga de concessão para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens Educativa, com base na legislação aplicável aos serviços de radiodifusão educativa. § 3o Efetivada a transferência, as estações das entidades autorizadas a executar o Serviço de RTV nos canais transferidos poderão permanecer em funcionamento, nas mesmas condições em que foram autorizadas, até a instalação da estação geradora do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens. A assinatura do Decreto 3451/2000 chamou a atenção de alguns veículos de mídia impressa que, então, deram-se conta da existência dessa “brecha” na legislação. A Folha de S.Paulo, por exemplo, publicou, em 10 de julho de 2000, matéria sob o título “Governo deve criar 180 emissoras de TV”, na qual descrevia as possibilidades oferecidas pelo decreto e citava o Secretário Nacional de Radiodifusão informando que
  • 13. 12 dos 300 pedidos de “transformação” existentes no MiniCom, 168 deveriam ser autorizados, além dos 12 que já haviam sido assinados pelo presidente da República e encaminhados ao Congresso Nacional. A matéria da Folha concluía que havia indícios de influência política nos pedidos oriundos de Minas Gerais, estado com maior número de RTVs mistas e terra do então ministro Pimenta da Veiga, das Comunicações. Os pedidos existentes no ministério revelam indícios de influência política, sobretudo em Minas Gerais, Estado do ministro Pimenta da Veiga (Comunicações), que conta com o maior número das tais retransmissoras mistas. É o caso da Fundação Educacional e Cultural João Soares Leal Sobrinho, que administra a Rádio e TV Imigrantes, em Teófilo Otoni (MG). A emissora é controlada por Luís Leal, ex-prefeito e deputado federal pelo PMDB. Ele já teve a concessão autorizada pelo presidente da República. Em Formiga (MG), reduto eleitoral de Pimenta da Veiga, a concessão (também já autorizada por FHC) foi para a Fundação Integração do Oeste de Minas. O presidente é Mozart Arantes, vice-prefeito na última legislatura na chapa do atual prefeito, Eduardo Bras Almeida (PSDB). Em Ubá, a TV educativa local é administrada por uma fundação presidida por Daniel Coelho, filho do deputado federal Saulo Coelho (PSDB-MG), que até a semana passada ocupava o cargo de ouvidor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), órgão que fiscaliza as emissoras de TV. A retransmissora educativa da cidade de Divinópolis, também em Minas Gerais, está em nome da Fundação Jaime Martins, criada pelo pai do deputado federal Jaime Martins Filho (PFL). Ele confirma que encaminhou a documentação com o pedido de concessão ao ministério, mas declara não possuir vínculo com a administração da entidade.(...) Em pelo menos duas cidades mineiras, as retransmissoras são ligadas aos prefeitos: a de Três Corações e a de Lambari. Um ano e meio mais tarde, a possibilidade de “transformação” continuou garantida pelos parágrafos 1º e 3º do Artigo 47 do Decreto 3.965 de 10/10/2001, transcritos abaixo. Art. 47. As entidades que atualmente executam o Serviço de RTV com inserções publicitárias ou de programação, interessadas em sua continuidade, deverão encaminhar ao Ministério das Comunicações solicitação de transferência dos canais que utilizam, do PBRTV para o PBTV. § 1o O Ministério das Comunicações, entendendo procedente, encaminhará a solicitação de transferência para a Agência Nacional de Telecomunicações. (...) § 3o Efetivada a transferência dos canais para o PBTV na modalidade educativa, o Ministério das Comunicações analisará as solicitações recebidas para outorga de concessão para execução do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens Educativa, com base na legislação aplicável aos serviços de radiodifusão educativa.
  • 14. 13 § 4o Efetivada a transferência dos canais, as estações das entidades autorizadas a executar o Serviço de RTV nos canais transferidos poderão permanecer em funcionamento, nas mesmas condições em que foram autorizadas, até a instalação da estação geradora do Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens. Essa “brecha” na legislação só vai desaparecer com a edição do Decreto 5.371, assinado pelo presidente Lula em fevereiro de 2005, que deixa de mencionar a possibilidade. Durante um período de quase sete anos – de maio de 1998 até fevereiro de 2005 – o beneficiário de uma autorização para explorar uma RTV mista pôde, portanto, ser transformado em concessionário de televisão educativa, sem licitação e de acordo com critérios estabelecidos pelo MiniCom. C 2. “Brecha” DOIS: as outorgas de radiodifusão educativa estão dispensadas de licitação A transformação das retransmissoras mistas em geradoras educativas não era, todavia, a única brecha para a continuidade do uso das concessões de emissoras de rádio e televisão educativas como moeda de barganha política. O Decreto 1720/1995, quando de sua assinatura pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, recebeu aprovação calorosa de setores comprometidos com a democratização das comunicações e de parte da mídia. Meses depois, quando o MiniCom anunciou a abertura das primeiras licitações já dentro dos novos critérios, a revista Veja, por exemplo, publicou nota sob o título “Fim de um ciclo” na qual se lia: “ao anunciar (...) que abrirá licitações para 610 novas emissoras de rádio e televisão e definir as normas para a TV por assinatura, o Ministério das Comunicações encerrou um ciclo histórico de manipulação política dessa área. (...) Com isso, o MiniCom (...) abre mão de uma moeda de barganha que no passado resultou na entrega para políticos de pelo menos 27% das emissoras de televisão e 40% das rádios do país.” [Veja, ed.1462 de 18/9/96, p.39] Na verdade, o Decreto 1720/95, embora importante, incidia somente sobre as emissoras comerciais de radiodifusão que vinham de uma avalanche de concessões nos governos Figueiredo e Sarney8 . Ficara discretamente “aberta a porta” para a continuidade do uso das concessões de rádio e televisão como moeda de barganha política, só que agora, exclusivamente para as rádios e televisões educativas. Passou despercebida a redação do Parágrafo 2º do inciso XV do Artigo 13 do Decreto 1720/1995 que dizia: 8 Mesmo assim, dois anos e meio depois, quando o MiniCom concluiu o primeiro lote da primeira licitação pública de rádio e televisão comerciais, a Folha de S.Paulo (3/1/1999) deu a seguinte manchete de primeira página: “Políticos adquirem mais TVs” e o subtítulo “‘Coronelismo Eletrônico’ avança no interior, onde meios de comunicação são armas eleitorais”. A matéria, assinada por Elvira Lobato e Fernando Godinho, na página 1-11, tinha como título “‘Coronelismo eletrônico’ sobrevive com concessões” e o subtítulo “Boa parte das novas rádios e T¨Vs continuam sendo dadas a grupos políticos”. Ela mostrava como nos estados do Amapá, Maranhão, Alagoas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Tocantins e Goiás, políticos no exercício de mandatos eletivos compravam as emissoras diretamente ou por intermédio de parentes próximos. A reportagem afirmava ainda que “políticos e igrejas ganharam em cidades menores, onde as emissoras ainda são vistas mais como armas eleitorais e de conquista de fiéis do que como atividade empresarial”.
  • 15. 14 Artigo 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações, observados, no que e quando couber, dentre outros, os seguintes elementos e requisitos necessários à formulação das propostas para a exploração do serviço: (...) XV – nos casos de concessão, minuta do respectivo contrato, contendo suas cláusulas essenciais. (...) 2º Não dependerá de edital a outorga para execução de serviço de radiodifusão por pessoas jurídicas de direito público interno e por entidades da administração indireta instituídas pelos Governos Estaduais e Municipais, nem a outorga para a execução do serviço com fins exclusivamente educativos. Cerca de um ano depois, o Decreto 2108 de 24/12/1996 promove nova alteração que consagrada o procedimento. Está lá no Parágrafo 1º do inciso XV do Artigo 13: Artigo 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações, observados, dentre outros, os seguintes elementos e requisitos necessários à formulação das propostas para a execução do serviço: (...) XV – nos casos de concessão, minuta do respectivo contrato, contendo suas cláusulas essenciais. (...) 1º É dispensável a licitação para a outorga para a execução de serviço de radiodifusão com fins exclusivamente educativos. Em agosto de 2002, uma seqüência de reportagens realizadas por Elvira Lobato e publicadas pela Folha de S.Paulo mostrava detalhadamente como o governo de Fernando Henrique Cardoso havia dado continuidade à pratica de distribuição de TVs educativas a políticos aliados (cf. Lobato, 2005, pp. 228-261). Na matéria inicial, sob o título “FHC distribuiu rádios e TVs educativas para políticos”, publicada em 25/8/2002, está escrito: Em sete anos e meio de governo, além das 539 emissoras comerciais vendidas por licitação, FHC autorizou 357 concessões educativas sem licitação. (...) A distribuição foi concentrada nos três anos em que o deputado federal Pimenta da Veiga (PSDB-MG), coordenador da campanha de José Serra, esteve à frente do Ministério das Comunicações. Ele ocupou o cargo de janeiro de 99 a abril de 2002, quando, segundo seus próprios cálculos, autorizou perto de cem TVs educativas. Pelo menos 23 foram para políticos. A maioria dos casos detectados pela Folha é em Minas Gerais, base eleitoral de Pimenta da Veiga, mas há em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Roraima e Mato Grosso do Sul. Da mesma forma, quatro anos depois, em junho de 2006, novamente Elvira Lobato publicou matéria na Folha de 19/6/2006, sob o título “Governo Lula distribui TVs e rádios educativas a políticos”, na qual se afirmava: O governo Lula reproduziu uma prática dos que o antecederam e distribuiu pelo menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos. (...) Entre políticos contemplados estão os senadores Magno Malta (PL-ES) e Leonel Pavan (PSDB-SC). A lista inclui ainda os deputados federais João Caldas (PL-AL), Wladimir Costa (PMDB-PA) e Silas Câmara (PTB-AM), além
  • 16. 15 de deputados estaduais, ex-deputados, prefeitos e ex-prefeitos. Em três anos e meio de governo, Lula aprovou 110 emissoras educativas, sendo 29 televisões e 81 rádios. Levando em conta somente as concessões a políticos, significa que ao menos uma em cada três rádios foi parar, diretamente ou indiretamente, nas mãos deles. As emissoras de rádio e televisão educativas dispensam as licitações e podem ser autorizadas através de critérios estabelecidos diretamente pelo Ministério das Comunicações, embora continuem tendo que ser submetidas ao Congresso Nacional. Além das “brechas” relativas à radiodifusão educativa, o que essa pesquisa pretende mostrar, como já mencionado, é a continuidade do uso das concessões como moeda de barganha política pela União, agora através de um coronelismo eletrônico de novo tipo, dirigido, sobretudo, para as comunidades locais. D. A LITERATURA SOBRE CORONELISMO ELETRÔNICO Desde o início da década de 1980, o coronelismo eletrônico mereceu reportagens investigativas de alguns veículos da mídia impressa, de entidades que trabalham pela democratização das comunicações, de estudos acadêmicos e, mais recentemente, de sites especializados na internet. O Jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo, o Correio Braziliense e as revistas Veja e IstoÉ/Senhor trataram do assunto ao longo dos anos 1980. Da década de 1990 até agora, além dos veículos já mencionados, as revistas Imprensa e a CartaCapital têm publicado matérias sobre o tema. O estudo acadêmico pioneiro foi o de Stadnik (1991), seguido por Motter (1994), Capparelli e Santos (2002), Santos e Capparelli (2005), Lima (2001, 2004a, 2004b, 2006). Em 2001, Israel Bayma, à época vinculado à assessoria do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, publicou importante levantamento sobre políticos com participação societária em concessionárias de rádio e televisão. Mais recentemente, livro da jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo (2005), traz quatro preciosos capítulos sobre concessões de RTV. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) [www.fndc.org.br], desde sua criação, em 1991, tem acompanhado com freqüência o assunto como parte da luta pela democratização das comunicações. Por outro lado, os sites do Observatório da Imprensa [www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br], do Repórter Social [www.reportersocial.com.br] e do Congresso em Foco [http://congressoemfoco.ig.com.br] também têm se dedicado ao tema. Em outubro de 2005, estudo realizado por Lima, para o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), sobre deputados federais concessionários no exercício do mandato eletivo, deu origem a uma representação junto à Procuradoria Geral da República que ainda está em andamento (cf. Projor/Observatório da Imprensa n. 352). Recentemente, pelo menos três estudos (Mick e Vieira, 2003; Nunes, 2004 e Ferreira, 2006) tentam mostrar as relações entre as rádios comunitárias – legalizadas ou não – e a atividade política em diferentes regiões do país.
  • 17. 16 Existe, portanto, uma razoável literatura de referência sobre o vínculo direto ou indireto de políticos – sobretudo deputados e senadores – com as concessões de rádio e televisão na política brasileira. E. AS RADCOM: PROMESSA FRUSTRADA A radiodifusão comunitária nasceu oficialmente no Brasil com a Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. De acordo com essa legislação, seria um serviço de rádios locais de baixa potência (limite de 25 watts) e com cobertura restrita (posteriormente estabelecida pelo Decreto 2.615/989 em um raio máximo de 1 km). Poderiam se habilitar à prestação do serviço exclusivamente associações ou fundações comunitárias com atividade na área na qual seria instalada a emissora. A aprovação de uma legislação específica para a radiodifusão comunitária foi, em grande parte, uma reação do Estado a uma realidade factual: a existência de um grande número de rádios não-outorgadas, boa parte delas em baixa potência, que já operavam no país. As estatísticas variam desde 2 mil a até 20 mil rádios funcionando sem licença em 1998, ano de promulgação da lei de radiodifusão comunitária (Silveira, 2001). O marco inicial da regulamentação da radiodifusão comunitária aconteceu em 1995, quando o então ministro das Comunicações Sérgio Motta reconheceu publicamente a existência de milhares de emissoras de baixa potência não-outorgadas. Segundo Motta, havia a necessidade urgente de serem criados regulamentos que pudessem tornar tal fenômeno legalmente reconhecido. Entre abril de 1995 e final de 1996, sete Projetos de Lei foram apresentados na Câmara dos Deputados propondo a regulamentação das rádios comunitárias. Todos esses projetos – incluindo o PL 1778, de 1996, de autoria do Poder Executivo – tramitaram apensados à primeira proposição: o PL 1521, de 1996, do deputado Arnaldo Faria de Sá. O texto final, aprovado no Senado Federal em forma de substitutivo, incluía pontos específicos dessas várias propostas, mas o cerne foi dado primordialmente pelas propostas do deputado Arnaldo Faria de Sá e do Poder Executivo. Portanto, o Estado criou, por meio da Lei 9.612, de 1998, uma inovação jurídica que, em primeira análise, parecia ser gerada pela necessidade de dar conta de um fenômeno comunicacional que não era previsto anteriormente na legislação brasileira. Além disso, respondia às reivindicações de diversas entidades organizadas que lutavam pela regulamentação do serviço de radiodifusão comunitária. A Lei 9.612 de 1998, todavia, não era exatamente “a resposta ideal” em termos de democratização das comunicações e ampliação do acesso à radiodifusão. Longe disso, na verdade, tratava-se de uma legislação restritiva, que dificultava – ao contrário de facilitar – o acesso às outorgas e o funcionamento das rádios comunitárias, algo que atendia perfeitamente aos interesses dos empresários de radiodifusão. 9 O texto completo do Decreto 2.615/98 que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária está no Anexo L.2.
  • 18. 17 Idealmente, as rádios comunitárias devem, como prevê a legislação, prestar serviços sem fins lucrativos, sem qualquer tipo de proselitismo religioso, político ou de qualquer outra espécie, com uma programação voltada para a comunidade e aberta a todos os interesses dos seus ouvintes. A entidade detentora da outorga não pode estar submetida a qualquer tipo de vínculo que a subordine à orientação de outra pessoa mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político- partidárias ou comerciais. Exige-se que ela seja, portanto, capaz de se dedicar exclusivamente às necessidades comunicacionais da comunidade na qual atua. Contudo, a aplicação da legislação de radiodifusão comunitária deixou explícito que uma estratégia de exclusão estava sendo posta em prática e não uma política de inclusão. O processo de outorga criado pela legislação é demasiadamente burocrático, com uma infinidade de exigências que tornam sua tramitação lenta, complicada e, por conseqüência, gera um alto índice de arquivamento. Para cada processo autorizado, 2,23 são arquivados. Além disso, quase 50% dos processos de radiodifusão comunitária estão represados no Ministério das Comunicações e sequer iniciaram sua tramitação. São no total mais de 8 mil entidades que ainda aguardam a publicação de aviso de habilitação que disponibilize um canal para, então, poderem iniciar o tortuoso processo que pode levar à outorga [cf. Gráfico 1] (Lopes, 2005). Gráfico 1 Processos de outorga de radiodifusão comunitária que estiveram em tramitação no Ministério das Comunicações entre 06 de agosto de 1998 e 20 de maio de 2004, classificados por status No início do primeiro governo Lula, um Grupo de Trabalho (GT) foi criado pela Portaria nº 83, de 24 de março de 2003, para, emergencialmente, analisar os milhares de processos de radiodifusão comunitária que estavam parados. O então ministro das Comunicações, Miro Teixeira, pretendia assim concluir os processos gerados pelos avisos de habilitação publicados durante o governo FHC para, então, poder abrir o 15,63% 5,90% 34,83% 43,64% Autorizados (2.189) Em tramitação (827) Arquivados (4.878) Aguardando início da tramitação (6.112)
  • 19. 18 primeiro aviso de habilitação do governo Lula. Além disso, pretendia-se também gerar subsídios para uma possível alteração na legislação do setor, o que foi consolidado em um relatório final publicado pelo GT em 2 de julho do mesmo ano. Ainda que tenha contribuído para a melhora das estatísticas operacionais do ministério, “desencalhando” alguns milhares de processos, a solução gerada pelo GT teve efeitos limitados. Primeiro, porque não houve alterações substanciais na capacidade operacional do MiniCom. Segundo, porque se manteve intacto o grande número de exigências burocráticas relativas aos processos de outorgas de radiodifusão. O resultado foi um rápido re-acúmulo de processos, e pouco se alterou na realidade das milhares de entidades que ainda esperavam pela análise de seus pedidos de outorga de autorizações de rádios comunitárias. Um segundo grupo de trabalho foi criado por meio da Portaria nº 76, de 10 de fevereiro de 2005. Dessa vez, tratava-se de um grupo interministerial (GTI), formado por representantes do próprio Ministério das Comunicações; da Casa Civil; dos ministérios da Educação, Justiça e Cultura; da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, da Assessoria Especial e da Secretaria-Geral da Presidência da República. O objetivo agora não era construir um novo mutirão de análise de processos, mas sim gerar diagnósticos para a simplificação e agilização das análises dos processos de outorga de radiodifusão. Depois de pouco mais de seis meses de trabalho, o GTI gerou um extenso relatório, no qual eram propostas diversas alterações na política de radiodifusão comunitária. As conclusões não eram exatamente uma novidade. O relatório ressaltava que a atual política de radiodifusão comunitária era excludente, na medida em que negava a diversas entidades a outorga de autorizações devido a uma infinidade de exigências burocráticas muitas vezes descabidas. Mas, curiosamente, esse relatório final jamais foi divulgado e nem sequer entregue ao presidente da República, como previa sua Portaria de criação. Isso porque, durante seu funcionamento, uma importante alteração ocorreu na titularidade do Ministério das Comunicações. Saiu Eunício de Oliveira e, em seu lugar, assumiu Hélio Costa, cujos compromissos políticos com a radiodifusão comercial revelaram-se muito mais fortes do que com a radiodifusão comunitária. F. NOTA SOBRE A METODOLOGIA O acesso a informações concernentes à radiodifusão comunitária é bastante complicado. Há ainda poucos estudos sobre o tema, o que faz com que o pesquisador tenha de construir por si só boa parte das informações necessárias. Mas, além disso, o acesso aos subsídios necessários para a construção dessas informações é consideravelmente dificultado pela quase ausência de dados oficiais. Para a realização desta pesquisa, por exemplo, tínhamos a necessidade de ter acesso a três dados fundamentais relativos às entidades de radiodifusão comunitária que tiveram Portaria de autorização assinada pelo Ministro das Comunicações até dezembro de 2004: o tempo de tramitação no Ministério das Comunicações; o tempo de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI; e a composição da diretoria das entidades detentoras de autorizações.
  • 20. 19 Para conseguir a primeira informação – o tempo de tramitação no Ministério das Comunicações – nos dirigimos ao órgão. Foram feitos diversos contatos com a Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, mas todos eles infrutíferos. Para todos os processos estudados, tínhamos a data de saída do ministério bem determinada. Para tanto, era necessário consultar a data da Portaria de autorização emitida para cada uma das rádios que receberam autorização de funcionamento até dezembro de 2004. Mas a data de entrada desses processos nos era desconhecida e, frente à ausência de resposta do ministério, fomos forçados a excluir essa primeira análise do trabalho. Para conhecer o tempo de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI, fizemos o mais óbvio e contatamos ambos os órgãos em busca dessa informação. Mais uma vez, o caminho mais curto não funcionou, e não recebemos qualquer resposta às nossas requisições. Porém, ao contrário do que ocorreu com a primeira informação, existia um caminho alternativo, bem mais longo, mas que poderia fornecer os dados que procurávamos. Para calcular o tempo de tramitação dos processos de radiodifusão na Presidência da República – Casa Civil/SRI eram necessárias duas informações. A primeira era a data da Portaria de autorização emitida pelo Ministério das Comunicações. Essa data marca o momento de saída do processo do ministério e de entrada na Presidência da República – Casa Civil/SRI. A segunda era a data da Mensagem que encaminha esses processos ao Congresso Nacional, que marca a sua saída da Presidência da República / Casa Civil e sua entrada na Câmara dos Deputados. Portanto, era necessário calcular o intervalo entre as datas da Portaria e da Mensagem e teríamos o tempo de tramitação de cada um desses processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI. As Portarias de autorização e sua data de expedição estão disponibilizadas no sítio web do Ministério das Comunicações – portanto, foi possível acessá-las. Já as Mensagens de encaminhamento ao Congresso Nacional e suas datas não estão disponíveis em qualquer base de dados pública do Executivo. Porém, ao consultarmos os TVRs (como são chamados os processos que apreciam os atos de outorgas de radiodifusão na Câmara dos Deputados) das outorgas de rádios comunitárias, verificamos ser possível conhecer também uma cópia das mensagens de encaminhamento ao Congresso Nacional de todos os processos que já haviam sido encaminhados ao Legislativo. Havíamos, assim, viabilizado parte das informações necessárias ao estudo. Faltava ainda ter acesso ao nome dos membros das diretorias das emissoras de radiodifusão comunitária que tiveram Portarias de autorização até dezembro de 2004. O Ministério das Comunicações disponibiliza em seu sítio na internet apenas a lista dos representantes legais das rádios comunitárias legalizadas, mas não traz qualquer informação sobre as suas diretorias. No entanto, ter em mãos todos os nomes que compõem a diretoria das rádios comunitárias outorgadas era indispensável. Apenas de posse dessa informação é possível fazer um levantamento capaz de detectar os vínculos políticos e religiosos, bem como as duplicidades de outorgas. Em 7 de novembro de 2006, o Projor enviou um Ofício ao Ministério das Comunicações pedindo oficialmente essas informações. O ofício foi assinado por Alberto Dines, diretor-responsável do Observatório da Imprensa, e encaminhado ao diretor do
  • 21. 20 Departamento de Outorga de Serviços, Carlos Alberto Freire Resende. 10 Jamais recebemos qualquer resposta do Ministério das Comunicações. Era necessário buscar um caminho alternativo, e esse caminho foi, mais uma vez, o Legislativo – só que agora o Senado Federal. Ao chegarem lá, vindos da Câmara dos Deputados, os processos de outorga de radiodifusão têm algumas de suas partes reproduzidas. Alguns dos documentos trazem informações sobre a composição da diretoria das entidades detentoras de outorgas de radiodifusão comunitária. Assim, buscamos a tramitação, um por um, de todos os processos de radiodifusão comunitária que já haviam passado pela análise do Senado Federal. E por meio de cópias de atas de reuniões (cf. Figura 1); declarações de diretores (cf. Figura 2) ou de membros da diretoria (cf. Figura 3); cópias de estatutos (cf. Figura 4) e relatórios do Ministério das Comunicações (cf. Figura 5), em um trabalho exaustivo de leitura de centenas de documentos, muitos deles manuscritos, identificamos a composição completa da diretoria de exatas 2.017 rádios comunitárias. Figura 1 Cópia de ata de reunião manuscrita 10 Ofício protocolado no Ministério das Comunicações sob o número 53000 086406/2006-31. Segundo o sistema CPROD do ministério, o ofício foi distribuído à sua Coordenação de Radiodifusão Comunitária em 17 de novembro de 2006.
  • 22. 21 Figura 2 Cópia de declaração de diretor
  • 23. 22 Figura 3 Declaração de membro da diretoria
  • 25. 24 Figura 5 Relatório da Consultoria Jurídica do Ministério das Comunicações A adoção dessa metodologia, todavia, ainda que tenha sido a única que tornou possível o acesso a dados fundamentais, ocasionou a exclusão de nossa pesquisa daqueles processos que tiveram Portarias de autorização concedida pelo Ministério das Comunicações a partir de 200511 . Devido ao longo tempo de retenção de vários dos processos de radiodifusão comunitária no Executivo, a maior parte desses processos sequer foi encaminhada ao Congresso Nacional. Consequentemente, eles ainda não haviam chegado ao Senado Federal em abril de 2007, tornando impossível calcular seus tempos de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI ou conhecer os nomes dos membros de suas diretorias. Completada a base de dados referente ao período de 1999 a 2004, chegamos a um universo total de 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações, a maioria delas já funcionando legalmente. A partir daí, passamos à fase de análise de dados, cruzamentos e levantamentos estatísticos. Apesar do termos um número de 2.017 diretorias identificadas, optamos por calcular os percentuais de vínculos políticos, religiosos e de duplicidade de outorgas sobre o total das 2.205 rádios comunitárias que receberam portaria de autorização do Ministério das Comunicações entre 1999 e 2004. Essa opção se deu porque, dentre as 188 rádios cujas diretorias não puderam ser identificadas, várias delas tiveram algum 11 No sítio do Ministério das Comunicações, constava, em abril de 2007, a informação atualizada para 10 de janeiro de 2007 de que 2.741 processos de rádios comunitárias já haviam sido autorizados.
  • 26. 25 tipo de vínculo detectado a partir do cruzamento do nome do seu representante legal com as bases de dados pesquisadas. Vale ressaltar que a pesquisa foi capaz de identificar os representantes legais de todas as 2.205 rádios comunitárias integrantes da amostra. Os seguintes levantamentos foram realizados: ** estatísticas referentes ao número de processos autorizados pelo Ministério das Comunicações, divididos por ano e mês de publicação da portaria de autorização; ** estatísticas referentes ao número de processos encaminhados pela Presidência da República – Casa Civil/SRI ao Congresso Nacional, divididos por ano e mês de publicação da mensagem de encaminhamento; ** elaboração de quadro estatístico, com número de outorgas concedidas pelos ministros Pimenta da Veiga, Juarez Quadros, Miro Teixeira e Eunício de Oliveira (que ocuparam o Ministério das Comunicações durante o período estudado) divididas por Estado (cálculos por número absoluto e número relativo); ** cálculo do tempo médio de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária na Presidência da República – Casa Civil/SRI, com indicativo do grau de dispersão da amostra (desvio padrão); ** cruzamento dos dados referentes aos tempos de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI com os dados do banco de dados “Pleitos” (apenas para os anos de 2003 e 2004). (Ver Lopes, 2005b); ** cruzamento dos nomes dos representantes legais e membros das diretorias das entidades analisadas com as seguintes listas: • candidatos eleitos e derrotados nas eleições municipais de 2000 e 2004; • candidatos eleitos e derrotados nas eleições estaduais e federais de 1998, 2002 e 2006; • doadores de campanha nas eleições de 2000, 2002, 2004 e 2006; • membros de partidos políticos (quando havia listas disponíveis); • arquivos de publicações editadas nos municípios na qual operam as rádios comunitárias (quando disponíveis); • lista de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de entidades de radiodifusão comercial, educativa e comunitária. As listagens utilizadas são oficiais ou geradas a partir de dados oficiais atualizados e com altíssimo grau de confiabilidade. Para todos os casos, os levantamentos foram feitos a partir de informações obtidas de fontes públicas de informações, com duas exceções: do banco de dados “Pleitos”, repassado por uma fonte no Ministério das Comunicações (ver Lopes 2005b) e da listagem de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de entidades de radiodifusão comercial e educativa. No caso das comunitárias, o banco de dados foi construído por nós mesmos, a partir das informações constantes nos processos de autorização de outorga, o que torna essas informações também de alto grau de confiabilidade. Contudo, para as educativas e comerciais, a fonte primordial de informações são duas listagens que estiveram disponíveis na página do Ministério das Comunicações há pouco mais de dois anos, mas que, segundo o próprio ministério, eram desatualizadas desde as suas criações.
  • 27. 26 Tendo em vista tal disfunção, utilizamos um procedimento diferenciado para a obtenção de informações a partir do cruzamento da lista de proprietários e diretores de emissoras educativas e comerciais, de modo a conferir também a esse cruzamento o maior grau de confiabilidade possível. Para tanto, utilizamos inicialmente não uma, mas duas listas diferentes: a relação de sócios das emissoras de rádio e televisão classificada por sigla da UF, cidade e entidade, produzida pelo Ministério das Comunicações em 05 de janeiro de 2004; e a relação de sócios e diretores das entidades de serviços de radiodifusão produzida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em janeiro de 2005. Quando encontrados resultados positivos no cruzamento com uma dessas duas listas, utilizávamos uma terceira forma de validação dos dados. Consultamos no Sistema de Acompanhamento de Controle de Cotas (SIACCO) da Anatel as composições das diretorias das entidades para as quais haviam sido detectadas duplicidades de outorgas – membros de diretorias de emissoras comunitárias que também integravam diretorias de emissoras comerciais ou educativas. Como o SIACCO é um sistema online com atualização em tempo real, essa fase de validação suprimiu o problema da desatualização das listas utilizadas nas primeiras duas fases, conferindo assim um grau de confiabilidade similar ao obtido com os outros cruzamentos. Assim, apenas os casos de duplicidade confirmados pelo SIACCO foram incluídos no resultado final. G. OS “PROCEDIMENTOS BUROCRÁTICOS” E SUAS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS G.1 – No Ministério das Comunicações a. Arquivamentos e “Pleitos” Conseguir uma outorga de radiodifusão comunitária é uma tarefa bastante complicada. Na verdade, a maior parte dos pedidos de outorga de radiodifusão comunitária resulta em arquivamento. Em média, para cada processo aprovado, cinco são arquivados (Lopes, 2005). Na maior parte dos casos, a causa desse arquivamento é burocrática, e não técnica. De 4.878 processos de outorga de radiodifusão comunitária arquivados entre agosto de 1998 e maio de 2004, detectamos que mais de 80% tiveram como causa do arquivamento o não-cumprimento de alguma exigência burocrática. Na maior parte das vezes, a causa foi a não apresentação de um dos muitos documentos exigidos no aviso de habilitação que abriu a concorrência na qual a entidade concorreu. Mas esse índice de arquivamento é bastante diferente quando comparamos entidades que tiveram “padrinhos políticos” com as que não os tiveram durante a tramitação de seus processos de outorga. Isso pode ser concluído ao analisarmos os dados constantes do banco de dados “Pleitos”, um programa para o cadastro e apreciação de todos os pedidos de “acompanhamento de processo” encaminhados por políticos ao Ministério das Comunicações. Graças a uma fonte no Ministério, pudemos ter acesso a todos os processos constantes no “Pleitos” para os anos de 2003 e 2004. Dos 1.822 processos que não tinham um “padrinho político”, apenas 146 foram aprovados – uma taxa de sucesso de 8,01%. Já dos 1.010 processos apadrinhados, 357 foram aprovados – uma taxa de sucesso de 35,34%. Ou seja: entre 2003 e 2004,
  • 28. 27 os processos de outorga de radiodifusão comunitária apadrinhados por políticos tiveram 4,41 vezes mais chances de serem aprovados do que os que não tinham qualquer tipo de apadrinhamento. Uma das razões para essa diferença é o intrincado processo de outorga criado pela legislação de radiodifusão comunitária. Desse modo, contar com apoio político e também com uma espécie de “consultoria” capaz de auxiliar as entidades no cumprimento das exigências estabelecidas na legislação é de suma importância para se conseguir uma autorização de radiodifusão comunitária. É justamente assim que agem os padrinhos políticos. b. A política dos ministros Um outro levantamento realizado foi a classificação das 2.205 portarias de outorga de radiodifusão comunitária por ministro – foram quatro no período analisado. Esse estudo revelou inicialmente a seguinte divisão: • emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Pimenta da Veiga: 1.291 • emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Juarez Quadros: 413 • emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Miro Teixeira: 408 • emissoras que receberam portaria de autorização durante a gestão Eunício de Oliveira: 9312 Como as portarias de autorização de radiodifusão são assinadas, no Ministério das Comunicações, pelo ministro, para se fazer a classificação é necessário conferir quem assinava a portaria de cada um dos 2.205 processos analisados. O gráfico 2 mostra essa divisão em termos percentuais: 12 Até dezembro de 2004
  • 29. 28 Gráfico 2 Emissoras de radiodifusão comunitária que receberam portaria de autorização (até dezembro de 2004) Pimenta da Veiga 58% Juarez Quadros 19% Miro Teixeira 19% Eunício de Oliveira 4% Fica evidente o peso das outorgas concedidas na gestão do ex-ministro Pimenta da Veiga nos resultados – peso esse ainda maior quando analisamos o governo FHC isoladamente. Na verdade, mesmo quando consideramos o total de rádios comunitárias outorgadas até abril de 2007 – que passam de 2.700 – verifica-se que o período em que Pimenta da Veiga esteve à frente do Ministério das Comunicações é responsável por algo próximo a 50% do total de outorgas. Posteriormente, dividimos as outorgas concedidas durante a gestão de cada um dos ministros por unidade da Federação. O objetivo era investigar se houve concentração de outorgas em algum estado ou região do país. Essa análise gerou os seguintes resultados:
  • 30. 29 Tabela 1 Outorgas de radiodifusão comunitária (1999-2004), divididas por ministro e unidade da Federação (considerada a data da portaria de autorização do Ministério das Comunicações). Estado Pimenta da Veiga Janeiro de 1999 a abril de 2002 Juarez Quadros Abril de 2002 a dezembro de 2002 Miro Teixeira Janeiro de 2003 a janeiro de 2004 Eunício Oliveira Janeiro de 2004 a dezembro de 200413 AC 3 0,23% 0 0.00% 0 0,00% 0 0,00% AL 22 1,70% 5 1,21% 4 0,98% 1 1,08% AM 19 1,47% 7 1,69% 3 0,74% 1 1,08% AP 2 0,15% 4 0,97% 0 0,00% 0 0,00% BA 91 7,05% 25 6,05% 35 8,58% 10 10,75% CE 57 4,42% 32 7,75% 36 8,82% 8 8,60% DF 5 0,39% 3 0,73% 2 0,49% 1 1,08% ES 24 1,86% 2 0,48% 8 1,96% 1 1,08% GO 76 5,89% 22 5,33% 12 2,94% 3 3,23% MA 53 4,11% 25 6,05% 17 4,17% 4 4,30% MG 256 19,83% 92 22,28% 68 16,67% 9 9,68% MS 36 2,79% 10 2,42% 9 2,21% 1 1,08% MT 24 1,86% 9 2,18% 9 2,21% 2 2,15% PA 18 1,39% 10 2,42% 10 2,45% 2 2,15% PB 53 4,11% 24 5,81% 14 3,43% 5 5,38% PE 65 5,03% 25 6,05% 18 4,41% 5 5,38% PI 30 2,32% 3 0,73% 4 0,98% 2 2,15% PR 74 5,73% 16 3,87% 41 10,05% 11 11,83% RJ 28 2,17% 13 3,15% 11 2,70% 1 1,08% RN 51 3,95% 7 1,69% 8 1,96% 2 2,15% RO 12 0,93% 6 1,45% 3 0,74% 0 0,00% RR 1 0,08% 1 0,24% 0 0,00% 0 0,00% RS 59 4,57% 16 3,87% 27 6,62% 2 2,15% SC 38 2,94% 13 3,15% 10 2,45% 4 4,30% SE 2 0,15% 2 0,48% 7 1,72% 0 0,00% SP 184 14,25% 39 9,44% 49 12,01% 17 18,28% TO 8 0,62% 2 0,48% 3 0,74% 1 1,08% Total 1291 100% 413 100% 408 100% 93 100% 13 Eunício Oliveira permaneceu ministro até julho de 2005.
  • 31. 30 Gráfico 3 Outorgas de radiodifusão comunitária (1999-2004), divididas por ministro e unidades da Federação selecionadas. A Tabela 1 e o Gráfico 3 revelam que, nas gestões dos ministros Pimenta da Veiga e Juarez Quadros, houve uma grande concentração na destinação de outorgas de radiodifusão comunitária para o estado de Minas Gerais. De fato, entre os jornalistas que cobrem a área de políticas de comunicações e até mesmo entre funcionários do MiniCom, havia a jocosa designação de “Minastério das Comunicações”. Essa galhofa surgiu em grande parte devido ao grande número de outorgas de radiodifusão educativa destinado ao estado de Minas Gerais durante as gestões de Pimenta da Veiga e Juarez Quadros. E como demonstram os números, o mesmo pode se aplicar à radiodifusão comunitária. Cabe ressaltar que, durante a gestão de Juarez Quadros, foram publicados apenas três avisos de habilitação, contra 15 durante a gestão de seu antecessor. Portanto, os processos que levaram a maior parte das outorgas concedidas durante o período em que Juarez Quadros estava à frente do ministério haviam se iniciado ainda na gestão de Pimenta da Veiga. Já nas gestões Miro Teixeira e Eunício Oliveira não há concentração detectável em seus redutos eleitorais, os estados do Rio de Janeiro e Ceará, respectivamente. Portanto, podemos afirmar, com base nas estatísticas, que a estrutura do Ministério das Comunicações foi, nos primeiros anos de instalação da política de radiodifusão 22,28% 16,67% 9,68%9,44% 12,01% 18,28% 6,05% 10,75% 7,75% 8,60% 6,05% 4,41% 5,38% 3,87% 10,05% 11,83% 19,83% 14,25% 7,05% 8,58% 4,42% 8,82% 5,03% 5,73% 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% Pimenta da Veiga Juarez Quadros Miro Teixeira Eunício Oliveira MG SP BA CE PE PR
  • 32. 31 comunitária, voltada para atender mais à demanda reprimida por rádios comunitárias em Minas Gerais do que para outros estados. Prova disso é que a proporção de outorgas concedidas para o estado caiu de 22,28% durante a gestão de Juarez Quadros para apenas 9,68%, na gestão de Eunício Oliveira. Do mesmo modo, outros estados que haviam sido alijados passaram a receber mais atenção, já que a demanda reprimida por outorgas de rádio comunitária continuava intensa. O exemplo mais marcante é o de São Paulo: enquanto sua participação no total de outorgas na gestão Juarez Quadros foi de 9,44%, na gestão Eunício de Oliveira subiu para 18,28%. Essa comparação em números relativos entre os períodos de cada ministro é reveladora. É fato que Minas Gerais, estado com maior número de municípios do país, deveria ter também o maior número de outorgas de radiodifusão comunitária. Mas os desequilíbrios encontrados entre os diversos ministros deixam claro que houve preferência para alguns estados, em detrimento de outros. G.2 – No Palácio do Planalto A tarefa de encaminhar os processos de radiodifusão comunitária iniciados no Ministério das Comunicações ao Congresso Nacional é da Presidência da República, por meio de uma mensagem presidencial. A partir das datas dessas mensagens, elaboramos uma estatística para acompanhar o fluxo de encaminhamento desses processos ao Congresso. Desse modo, pudemos estabelecer com precisão quantas mensagens foram encaminhadas por mês, desde o primeiro processo dar entrada no Legislativo, em agosto de 1999, até o último dos processos da nossa mostra, em dezembro de 200514 . Os gráficos abaixo mostram esse fluxo nos Governos FHC e Lula. Gráficos 4, 5, 6 e 7 Processos de radiodifusão comunitária – datas das mensagens de envio ao Congresso Nacional (Governo FHC) 14 Estão incluídos na amostra específica de envio ao Congresso Nacional os processos encaminhados até o final de 2005 (2.120) e outros 16 procesos enviados ao longo de 2006 e 2007, em um total de 2.136. Todos os processos utilizados na estatística de “enviados em 2005” receberam portaria de autorização do Ministério das Comunicações de 2004 para trás e, portanto, estão incluídos também nas outras amostras dessa pesquisa.
  • 33. 32 GRÁFICO 4 GRÁFICO 5 1999 43 2 5 0 3 0 10 20 30 40 50 ago/99 set/99 out/99 nov/99 dez/99 2000 29 8 10 19 39 43 26 22 56 74 64 19 0 10 20 30 40 50 60 70 80 jan/00 fev/00m ar/00 abr/00 m ai/00 jun/00 jul/00 ago/00 set/00 out/00 nov/00dez/00
  • 34. 33 GRÁFICO 6 GRAFICO 7 2001 2 0 1 33 0 86 47 3 84 20 47 92 0 20 40 60 80 100 jan/01 fev/01m ar/01 abr/01 m ai/01 jun/01 jul/01 ago/01 set/01 out/01 nov/01dez/01 2002 28 57 42 163 68 76 54 43 79 76 40 45 0 50 100 150 200 jan/02 fev/02m ar/02 abr/02 m ai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02 out/02 nov/02dez/02
  • 35. 34 Gráficos 8, 9 e 10 De radiodifusão comunitária – datas das mensagens de envio ao Congresso Nacional (Governo Lula) GRAFICO 8 GRAFICO 9 2003 1 3 1 4 41 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 jan/03 fev/03m ar/03 abr/03 m ai/03 jun/03 jul/03ago/03 set/03 out/03nov/03dez/03 2004 33 14 0 0 0 0 89 28 0 12 66 8 0 20 40 60 80 100 jan/04 fev/04m ar/04 abr/04 m ai/04 jun/04 jul/04ago/04 set/04 out/04nov/04dez/04
  • 36. 35 GRAFICO 10 Em ambos os governos existem picos bastante claros, indicando que, enquanto em alguns meses houve pouco ou nenhum envio de processos de radiodifusão comunitária para o Congresso Nacional, em outros esses envios aconteceram em número considerável. Embora exista pouca homogeneidade para ambos os governos, no período Lula esses picos de envio são mais evidentes. Além disso, pode-se notar que, enquanto no governo FHC apenas em três meses a Presidência da República não enviou qualquer processo de radiodifusão comunitária ao Congresso Nacional, no governo Lula isso aconteceu em 13 meses. Também fica claro que, no início do governo Lula, houve uma espécie de “moratória” que suspendeu o envio de processos ao Congresso Nacional. Entre janeiro e novembro de 2003, apenas nove outorgas de radiodifusão comunitária foram encaminhadas ao Congresso. O ritmo anterior foi retomado apenas em dezembro daquele mesmo ano, quando 41 processos saíram da Presidência da República. A existência de um fluxo tão diferenciado no envio das Mensagens presidenciais ao Congresso Nacional confirma que a partir das regras trazidas pela Medida Provisória 2.143-33, de maio de 2001, a velocidade de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária na Presidência da República – Casa Civil/SRI passou a ser elemento-chave nas outorgas de rádios comunitárias. A Medida Provisória – posteriormente reeditada com o número 2.216-37, de agosto de 2001 – prevê, como já vimos, que as autorizações de rádios comunitárias enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional que não tiverem sua apreciação pelo Legislativo 2005 1 46 27 58 0 7 0 5 11 14 3 0 0 10 20 30 40 50 60 70 jan/05 fev/05m ar/05 abr/05 m ai/05 jun/05 jul/05ago/05 set/05 out/05 nov/05dez/05
  • 37. 36 finalizada em 90 dias15 terão direito a uma licença provisória de funcionamento. Vale ressaltar que esse dispositivo, criado por força do Artigo 19 de ambas as medidas provisórias, veio inserido em uma improvável MP que tratava de assunto muito mais amplo: a organização da Presidência da República e dos ministérios. Na prática, uma de nossas hipóteses é a de que o Executivo passou a determinar, com a retenção ou liberação de processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI, a própria velocidade da outorga de emissoras de radiodifusão comunitária. O envio ao Congresso Nacional passou a ser praticamente a liberação tácita de funcionamento da emissora de radiodifusão comunitária, já que o Legislativo raramente cumpre o prazo de 90 dias estipulado pela MP. A retenção de um processo, por outro lado, significa uma negação de outorga, já que a contagem do prazo de 90 dias se inicia apenas após o envio do processo ao Congresso Nacional. Partindo dessa premissa, buscamos, por meio do cálculo do tempo de tramitação desses processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI, identificar indícios da utilização ou não dessa ferramenta como forma de barganha política, de modo a acelerar ou retardar o andamento de processos de acordo com a vontade política do Executivo. Foram considerados 2.136 processos, ou 96,87% dos 2.205 que tiveram portaria de autorização do Ministério das Comunicações até dezembro de 2004. Posteriormente, dividimos esses processos em três grupos: A. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom e mensagem de encaminhamento ao Congresso publicadas durante o Governo FHC; B. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom e mensagem de encaminhamento ao Congresso publicadas durante o Governo Lula; C. Processos que tiveram portaria de autorização do MiniCom publicada no Governo FHC e mensagem de encaminhamento ao Congresso publicada no Governo Lula. No Grupo A (portaria e mensagem no governo FHC), encontramos 1.651 processos. O tempo de tramitação deles na Presidência da República / Casa Civil foi, em média, de 67 dias, com um mínimo de quatro e um máximo de 758 dias (desvio padrão de 66,18). No Grupo B (portaria e mensagem no governo Lula), foram inseridos 442 processos, com tempo de tramitação médio na Presidência da República – Casa Civil/SRI de 334 dias, tempo mínimo de 20 e máximo de 834 dias (desvio padrão de 162,51). Finalmente, o Grupo C (portaria no governo FHC e mensagem no governo Lula) contou com 43 processos, que tiveram tempo médio de tramitação na Presidência da República de 734 dias, variando entre um tempo mínimo de 146 e um tempo máximo de 1.475 dias (desvio padrão de 340,08). O gráfico 11 ilustra a dispersão no número de dias de tramitação dos processos classificados em cada um dos grupos acima descritos. 15 Prazo da urgência constitucional estabelecido pelo § 1º do art. 223 e pelo art. 64, § § 2º e 4º da Constituição Federal.
  • 38. 37 Gráfico 11 Dispersão – tempo de tramitação na Presidência da República / Casa Civil. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 1500 1600 Dias Governo FHC (a) Governo Lula (b) FHC / Lula (c) Os dados, e principalmente as médias de dias de tramitação, deixam claro que a retenção de processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI foi consideravelmente maior durante o Governo Lula do que no Governo FHC (334 dias para o primeiro, contra 67 para o segundo). Também há evidências bastante concretas de que os processos aprovados durante o Governo FHC que estavam em estoque na Presidência da República / Casa Civil durante a transição entre os governos foram preteridos, o que resultou em uma média de tempo de tramitação de 734 dias ou mais de dois anos. Porém os dados mais reveladores são aqueles relativos à dispersão dos tempos de tramitação, indicados nos gráficos e confirmadas pelos desvios-padrão. Esses dados mostram que houve claro privilégio para algumas entidades de radiodifusão comunitária, bem como uma evidente retenção para outras. Comparativamente, esse privilégio concedido a alguns processos ocorreu em ambos os governos – sendo mais evidente, contudo, durante o Governo Lula. Os dados demonstram que não há uma fila organizada, sendo concedidos privilégios para alguns e criadas dificuldades para outros. Note-se que não há qualquer explicação técnica para essa intensa variação de tempos de tramitação. O trabalho da Presidência da República – Casa Civil/SRI deveria se resumir à preparação dos atos de envio dos processos ao Legislativo, não existindo qualquer atividade burocrática que explique a dispersão encontrada. A existência de desvios-padrão bastante altos nos tempos de tramitação nessa fase dos processos de
  • 39. 38 outorga de radiodifusão é um indicativo, portanto, de que um fator não-burocrático foi o causador da dispersão. Portanto, confirma-se a nossa hipótese vinculada à existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo” – de que o advento da outorga de licença provisória, através da MP 2.143-33/2001, concedeu ao Poder Executivo uma possibilidade inédita de barganha política na radiodifusão comunitária. Essa barganha utiliza como mecanismo a aceleração ou atraso do tempo de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI, o que significa em última instância a aceleração ou atraso da própria outorga de licença de funcionamento dessas rádios comunitárias. Há um dado adicional para a confirmação dessa hipótese: a mudança que ocorreu no ritmo de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária no Governo FHC. Antes da edição da MP, foram enviados ao Congresso Nacional 499 processos, que tiveram um tempo médio de tramitação de 50 dias na Presidência da República / Casa Civil, e desvio-padrão na mostra de 24,91. Já depois da edição da MP e até o fim do governo FHC, 1.152 processos foram encaminhados ao Legislativo. Houve uma alteração significativa nesse grupo: a média do tempo de tramitação subiu para 74 dias e o desvio-padrão da mostra atingiu a marca de 76,35. O gráfico 12 facilita a visualização dessa alteração. Gráfico 12 Dispersão nos tempos de tramitação dos processos de radiodifusão comunitária na Presidência da República / Casa Civil, antes e depois da edição da MP 2413-33. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 Antes da MP 2143-33 Depois da MP 2143-33 Já entre os processos aprovados no Governo Lula, os dados mais significativos vêm do cruzamento entre as informações obtidas e o banco de dados “Pleitos”. Como já descrevemos anteriormente, o “Pleitos” é um sistema do Ministério das Comunicações que relaciona os “padrinhos políticos” dos processos de radiodifusão comunitária, ao qual tivemos acesso por meio de uma fonte do ministério. Com base nesse sistema, inicialmente selecionamos todos os processos apadrinhados. A seguir, excluímos da amostra de apadrinhados todos aqueles que ainda não tinham
  • 40. 39 sido encaminhados ao Legislativo. Aplicados esses filtros chegamos a um total de 314 processos. Posteriormente, dividimos esses 314 processos em três grupos: apadrinhados por ao menos um político ligado ao Partido dos Trabalhadores (86 rádios); apadrinhados por ao menos um político ligado a um partido da base aliada do governo (184 rádios); e finalmente apadrinhados por um político ligado a um partido de oposição (44 rádios). Por fim, calculamos o tempo médio de tramitação de processos de radiodifusão comunitária para cada um desses grupos, e detectamos que há claros privilégios para alguns, em detrimento de outros. Para os 86 processos apadrinhados por políticos do Partido dos Trabalhadores, a média de tempo de tramitação na Presidência da República – Casa Civil/SRI foi de 280 dias. Já para os 184 processos apadrinhados pela base aliada, esse tempo foi de 326 dias. E para os 44 processos de interesse da oposição, o tempo médio de tramitação subiu para 374 dias. Todo esse conjunto de informações sobre o tempo de tramitação de processos de radiodifusão comunitária na Presidência da República – Casa Civil/SRI permite questionar se os princípios do interesse público e da igualdade entre os cidadãos teriam sido desrespeitados e a administração pública utilizada em prol de interesses particulares e na defesa de grupos políticos. H. QUEM CONTROLA AS RADCOM “AUTORIZADAS”? Inicialmente é importante não deixar dúvidas em relação ao vínculo direto existente entre a associação ou fundação comunitária e a rádio comunitária a ela outorgada. Apesar de parecerem duas entidades distintas, na verdade a “rádio comunitária” não é uma pessoa jurídica constituída. Apenas a associação comunitária para a qual foi outorgada a autorização o é. A rádio, portanto, é apenas uma das atividades postas em prática pela associação – tanto é verdade que, para ter direito a uma outorga, a associação comunitária deve ter em seu estatuto, entre seus objetivos, claramente o de “prestar os serviços de radiodifusão comunitária”. Ao fazermos o cruzamento utilizando os nomes dos diretores das associações comunitárias detentoras de outorgas estamos, portanto, automaticamente investigando os próprios diretores da emissora autorizada a prestar os serviços de radiodifusão comunitária16 . H.1 – RadCom vs. política Os resultados obtidos na pesquisa demonstram uma alta prevalência de vínculos políticos nas rádios comunitárias regularmente outorgadas no país. Como descrito no item sobre Metodologia, os vínculos políticos foram detectados quando havia resultado positivo entre o cruzamento dos nomes dos integrantes das diretorias das emissoras de rádio comunitária e pessoas integrantes de uma das categorias a seguir: • Detentores de mandatos eletivos em nível municipal, estadual ou federal entre janeiro de 1998 e abril de 2007 (fonte: resultados das eleições de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 fornecidos pelo TSE); 16 Registre-se que o resultado dos cruzamentos estará sempre subestimado, tendo em vista que em 188 casos trabalhamos apenas com o nome do representante legal, pois não foi possível identificar os demais membros das diretorias.
  • 41. 40 • Candidatos derrotados em eleições municipais, estaduais, ou federais nos anos de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 (fonte: resultados das eleições de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006 fornecidos pelo TSE); • Doadores de campanha nas eleições municipais, estaduais ou federais nos anos de 2000, 2002, 2004 e 2006 (fonte: listas de doadores de campanha divulgadas pelo TSE); • Ocupantes de cargos de direção em diretórios e comissões provisórias municipais ou estaduais de partidos políticos registrados no TSE, ou integrantes de suas diretorias em nível nacional (os dados estaduais e municipais são divulgados pelos TREs e não estão disponíveis em alguns deles); • Ocupantes de cargos de 1o e 2o escalões nos poderes Executivo e Legislativo na esfera municipal, estadual ou federal (fontes: diários oficiais, arquivos de órgãos de mídia, páginas oficiais das administrações etc.); • Familiares de detentores de mandatos eletivos entre janeiro de 1998 e abril de 2007; • Familiares de candidatos derrotados em eleições municipais, estaduais ou federais nos anos de 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006. Entre as 2.205 rádios comunitárias integrantes da amostra, foi possível detectar vínculos políticos em 1.106 (50,2%). A Tabela 2 demonstra as variações do grau de vínculo político encontradas nos diversos estados da federação. Os estados nos quais há mais vínculos políticos ou religiosos do que a média estão destacados em vermelho em todas as tabelas. Tabela 2 Vínculos políticos detectados nas 2.205 rádios comunitárias outorgadas entre 1999 e 2004 Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político AC 3 217 (66%) AL 32 21 (65,6%) AM 30 20 (66,7%) AP 6 3 (50%) BA 161 9018 (55,9%) CE 133 5719 (42,8%) DF 11 520 (45,5%) ES 35 2221 (62,9%) GO 113 6422 (56,6%) MA 99 4623 (46,5%) MG 425 22124 (52%) MS 56 2625 (46,4%) MT 44 2126 (47,7%) 17 1 rádio com vínculo político e religioso 18 2 rádios com vínculo político e religioso 19 2 rádio com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga 20 1 rádio com vínculo político e religioso 21 2 rádios com vínculo político e religioso 22 3 rádios com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga 23 1 rádio com vínculo político e religioso 24 10 rádios com vínculo político e religioso e 5 rádios com vínculo político e duplicidade de outorga 25 2 rádio com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga 26 1 rádio com vínculo político e religioso
  • 42. 41 PA 40 21 (52,5%) PB 96 4727 (49%) PE 113 51 (45,1%) PI 39 19 (48,7%) PR 142 7228 (50,7%) RJ 53 12 (22,6%) RN 68 3429 (50%) RO 21 11 (52,4%) RR 2 1 (50%) RS 104 4230 (40,4%) SC 65 4131 (63,1%) SE 11 0 SP 289 14532 (50,2%) TO 14 12 (85,7%) Total 2205 1.106 (50,2%) Conclui-se, portanto, que é inegável a existência de alto grau de vínculo político nas rádios comunitárias regularmente outorgadas no país. Também se pode notar que há uma variação considerável entre estados, mas o mesmo não acontece quando comparamos regiões. Cite-se, por exemplo, que os cinco estados nos quais encontramos maior índice de vínculo político – Tocantins, Amazonas, Santa Catarina, Espírito Santo e Alagoas – representam o Norte, o Sul, o Sudeste e o Nordeste, quatro das cinco regiões brasileiras. Outro levantamento realizado e que está nas Tabelas 3 e 4 abaixo, foi a comparação entre o grau de vínculo político encontrado nas rádios autorizadas no Governo FHC e no Governo Lula. Eis os resultados: 27 1 rádio com vínculo político e religioso 28 2 rádios com vínculo político e religioso e 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga 29 1 rádio com vínculo político e religioso 30 1 rádio com vínculo político e religioso 31 7 rádios com vínculo político e religioso 32 14 rádios com vínculo político e religioso, 1 rádio com vínculo político e duplicidade de outorga, 1 rádio com vínculo político e religioso e duplicidade de outorga
  • 43. 42 Tabela 3 Vínculos políticos detectados nas 1.704 rádios comunitárias autorizadas no governo FHC (entre 1999 e 2002) Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político AC 3 2 (66,66%) AL 27 18 (66,6%) AM 26 18 (69,2%) AP 6 3 (50%) BA 116 66 (56,9%) CE 89 40 (44,9%) DF 8 3 (37,5%) ES 26 16 (61,5%) GO 98 56 (57,1%) MA 78 36 (46,2%) MG 348 188 (54%) MS 46 21 (45,7%) MT 33 15 (39,4%) PA 28 14 (50%) PB 77 37 (48,1%) PE 90 41 (45,6%) PI 33 15 (45,5%) PR 90 46 (51,1%) RJ 41 10 (24,4%) RN 58 28 (48,3%) RO 18 9 (50%) RR 2 1 (50%) RS 75 32 (42,7%) SC 51 33 (64,7%) SE 4 0 SP 223 121 (54,3%) TO 10 9 (90%) Total 1.704 878 (51,5%)
  • 44. 43 Tabela 4 Vínculos políticos detectados nas 501 rádios comunitárias autorizadas nos dois primeiros anos do governo Lula (2003 e 2004) Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo político AC 0 0 AL 5 3 (60%) AM 4 2 (50%) AP 0 0 BA 45 24 (53,3%) CE 44 17 (38,63%) DF 3 2 (66,7%) ES 9 6 (66,7%) GO 15 8 (53,3%) MA 21 10 (47,6%) MG 77 33 (42,9%) MS 10 5 (50%) MT 11 6 (54,5%) PA 12 7 (58,3%) PB 19 10 (52,6%) PE 23 10 (43,5%) PI 6 4 (66,7%) PR 52 26 (50%) RJ 12 2 (16,7%) RN 10 6 (60%) RO 3 2 (66,7%) RR 0 0 RS 29 10 (34,5%) SC 14 8 (57,1%) SE 7 0 SP 66 24 (36,4%) TO 4 3 (75%) Total 501 228 (45,5%) Houve alta incidência de autorizações de rádios comunitárias com vínculos políticos tanto no Governo FHC quanto no Governo Lula. A diferença no total de vínculos detectados em números relativos – 51,5% para as rádios autorizadas no Governo FHC e 45,5% para o Governo Lula – é pouco significativa, e não pode ser creditada a qualquer mudança no processo de análise das outorgas de rádios comunitárias. Na verdade, a explicação para essa pequena diferença é metodológica. Enquanto nas rádios autorizadas no Governo FHC não foi possível ter acesso a 45 (2,64%) composições de diretorias das rádios comunitárias autorizadas no período, para o Governo Lula esse número foi de 143 (28,54%). A razão, como já explicitado, é que a retenção de alguns dos processos de radiodifusão comunitária no Palácio do Planalto fez com que muitos dos processos aprovados no Ministério das Comunicações no Governo Lula não tenham ainda chegado ao Senado. Assim, ficou impossibilitado o acesso à composição da diretoria dessas entidades e, consequentemente, houve uma diminuição proporcionalmente compatível nos vínculos políticos detectados quando comparados àqueles encontrados nos processos do Governo FHC.
  • 45. 44 H.2 – RadCom vs. religião Foi encontrado, também, um número considerável de vínculos religiosos, como mostra a Tabela 5, abaixo. No total, em 120 (5,4%) rádios comunitárias pesquisadas foi encontrado algum tipo de vínculo religioso. O domínio de vínculos pela religião católica é notável33 . Dessas 120 rádios, 83 (69,2%) eram ligadas à igreja católica, 33 (27,5%) a igrejas protestantes, 2 (1,66%) a ambas, 1 à doutrina espírita (0,8%) e 1 (0,8%) ao umbandismo. Tabela 5 Vínculos religiosos detectados nas 2.205 rádios comunitárias outorgadas entre 1999 e 2004 Estado Rádios outorgadas no período Rádios com vínculo religioso AC 3 1 (33%) AL 32 1 (3,1%) AM 30 2 (6,7%) AP 6 0 BA 161 6 (9,8%) CE 133 4 (3%) DF 11 4 (36,4%) ES 35 2 (5,7%) GO 113 5 (4,4%) MA 99 5 (5,1%) MG 425 25 (5,9%) MS 56 0 MT 44 3 (6,8%) PA 40 2 (5%) PB 96 4 (4,2%) PE 113 2 (1,8%) PI 39 0 PR 142 6 (4,2%) RJ 53 1 (1,9%) RN 68 2 (2,9%) RO 21 1 (4,8%) RR 2 0 RS 104 5 (4,8%) SC 65 10 (15,4%) SE 11 0 SP 289 29 (10%) TO 14 0 Total 2205 120 (5,4%) 33 Existe, inclusive, uma Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias, a ANARC.