SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 15
Baixar para ler offline
1



          COMENTÁRIOS CONTEXTUAIS ACERCA DO TEXTO “CULTURA Y
    CULTURAS: DESDE LA COLONIALIDAD DEL PODER Y DESDE LOS PUEBLOS
                                            INDÍGENAS”1
                                                             José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior2


1 IDENTIFICAR O AUTOR E SUA OBRA


          Com o intuito de estabelecer um diálogo com a, até então, desconhecida obra de
Rodrigo Montoya Rojas, escolhi como interlocutora do estudo a antropóloga Selma Baptista
que é atualmente professora da Universidade Federal do Paraná cujas pesquisas e orientações
tem tido como temática, dentre outros aspectos, as discussões sobe Antropologia na América
Latina.
          De acordo com Baptista (2002), Rodrigo Montoya Rojas é um antropólogo e novelista
peruano que retoma a concepção de socialismo mágico presente de forma incipiente no
pensamento do também antropólogo e novelista José Maria Arguedas. Tanto Arguedas,
quanto Rojas possuem como linha de pensamento as contribuições deixadas por José
Mariátegui que combina uma tradição de esquerda (marxista) com a questão étnica.

                          O antropólogo e novelista Rodrigo Montoya Rojas decidiu estudar Antropologia
                          depois de um encontro com José Maria Arguedas, que era amigo do seu pai. Serrano
                          de Puquio, chegou em Lima nos anos sessenta, para frequentar a Universidade de
                          San Marcos. Seguiu uma carreira acadêmica de muito êxito sendo atualmente
                          professor emérito da referida universidade. Em 1994, já afastado da militância
                          política desde 1978, trouxe aos círculos intelectuais um trabalho de síntese da
                          questão étnica e política de ressonâncias muito diretas com a obra de Arguedas e de
                          Mariátegui (BAPTISTA, 2002, p.64).

          Depreende-se que o objetivo de Rojas é sintetizar a questão étnica e política na medida
em que a politização étnica resolve a contradição existente entre a etnicidade, definida por
padrões linguísticos e culturais no território social, e a política enquanto luta pelo poder e
imposição de limites. Por isso:

                          Além da intenção explícita de fazer um balanço ideológico das tendências políticas
                          do país, contando a história de uma exclusão fundante da sociedade peruana,


1
  Texto produzido originalmente como requisito para obtenção de nota na disciplina Globalização e Cultura,
ministrada pela Profa. Dra. Zilda Márcia Grícoli Iokoi, no Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade de São Paulo. Agradeço ao geógrafo e doutorando em Geografia Humana (FFLCH/USP) Thiago
Araújo Santos por suas inúmeras colaborações.
2
  Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestrando em
Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São
Paulo (USP). Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e
do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo (NEPS). Integrante da Rede Justiça nos Trilhos.
2


                            apresenta sua proposta de um socialismo mágico: um projeto de transformação,
                            agora realmente ligado ao entendimento da diversidade étnica e cultural, postulando-
                            o como a única saída para uma sociedade democrática (Montoya,1994). Desta
                            maneira, a idéia de uma utopia andina, formulada originalmente por Manuel Burga
                            e Alberto Flores Galindo, reaparece vários anos depois como utopia da diversidade
                            (BAPTISTA, 2002, p.64).

        Assim, o socialismo mágico é a combinação de uma sociedade organizada
democraticamente no qual há um controle da produção (pelo proletariado?) junto com o
componente étnico-cultural que marca forte presença não só na realidade peruana, mas
também na América Latina de modo geral. Todavia, não se trata de uma simples operação
matemática de adicionar ao socialismo científico os elementos étnico-culturais das diversas
sociedades existentes, mas sim de uma construção do socialismo desde abajo3, ou seja, um
socialismo capaz de reconhecer e incorporar dialeticamente as diversas formações
socioculturais na luta contra o capitalismo enquanto modo de produção e sistema civilizatório.

                            Trabalhando com a questão étnica ele aponta a profunda relação entre
                            messianismo/milenarismo e a política, que no Peru não seria uma atividade profana
                            e sim profundamente condicionada pelo fator religioso. Na realidade, esta seria a
                            chave para a compreensão do que Montoya chama de horizonte utópico, ou seja,
                            uma combinação de utopia andina e socialismo, fruto de um processo de mitificação
                            da história incaica e sua apropriação pela política.

        A questão que se põe é: como articular política e religião sem (se isso for possível) ter
uma visão religiosa da política? A meu ver a resposta que Montoya oferece, a partir da leitura
de Baptista, é a politização da religião isto é, por a religião como um fator político enquanto
luta pelo poder. Dessa forma, a politização da religião é um mecanismo de defesa da
etnicidade e simultaneamente de uma busca de emancipação, de uma utopia.

                            Ao mesmo tempo, Montoya vê na utopia andina uma resposta totalizadora ao
                            localismo, enquanto resquício do Império Incaico, projetando a idéia de um homem
                            andino enquanto uma totalidade de traços comuns, expressando uma história
                            imaginada ou desejada e não a realidade de um mundo fragmentado. Seria, desta
                            maneira, o conjunto de projetos para enfrentar esta realidade, o ponto de encontro
                            entre a memória e o imaginário. O que parece importante salientar é que esta utopia
                            necessita da existência, real ou imaginária, desta pluralidade/diversidade, enquanto
                            ao mesmo tempo precisa postular uma andinidade que dê unidade às suas
                            proposições. Enfim, o localismo pode ser compreendido como fonte identitária e, ao
                            mesmo tempo, como aquilo que precisa ser superado (BAPTISTA, 2002, p.65).

        Todavia, o problema da totalidade/fragmentação que se põe complexifica o debate.
Para Montoya, a partir da leitura de Baptista, a utopia andina é uma resposta ao localismo
3
  Esta locução expressa substantivamente a produção de conhecimento a partir de matrizes de racionalidades
indígenas, afro-americanas (quilombolas, negras) e camponesas. É uma qualificação muito utilizada pelo
Geógrafo e Professor Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves para trabalhar o conflito social como categoria
geográfica. Em seus textos (Porto-Gonçalves, 2006a; 2006b), Carlos Walter tem chamado atenção para a
geograficidade do social na construção de uma cartografia de poder, indicando que o conflito é o lado prático da
abstração e imanente às relações sociais, assim como é o lugar do epistemológico.
3



fragmentador. No entanto, ao propor um homem andino, Montoya transformou a
fragmentação (andino) em totalidade (homem). A menos que tal andinidade seja um
momento necessário para a superação, como me parece entender o autor, o discurso da
diversidade atrelado ao direito da diferença pode desembocar numa fragmentação reacionária
e pós-moderna, reafirmando o localismo e não o combatendo.
        De qualquer forma, para fazer um contraponto à perspectiva do autor analisado é
importante recuperar o filósofo húngaro György Lukács (1885-1971) e seu esforço (bem
sucedido, diga-se de passagem) de por o debate no plano ontológico da especificidade do ser
social. Com efeito, o homem que existe é o homem em sua totalidade, um ser que se objetiva
historicamente, posto que a história é a produção e a reprodução das objetivações (NETTO,
2004). Ou seja, o debate antropológico é posto no sentido lato de uma Humanidade4, assim
mesmo, em maiúsculo. Parece que a nossa interlocutora e estudiosa do autor analisado tem
ciência desta possibilidade:

                          Na realidade, a ideia de uma diversidade/pluralidade étnica está naturalmente ligada
                          à uma concepção espacial específica: grupos diversos, ligados aos seus lugares de
                          origem ou, pelo menos, aos locais que lhes foram destinados para viver. Portanto,
                          localismo ligado à diversidade pressupõe fragmentação. Daí a necessidade de
                          superá-lo numa concepção unitária de identidade que seja capaz de manter a ideia de
                          diversidade/pluralidade, atrelada a uma concepção espacial que independa do
                          contexto real. A recriação de uma identidade étnica numa metrópole como Lima, por
                          exemplo, passa a supor que ela seja capaz de lidar simultaneamente com a diluição
                          de um localismo geográfico enquanto suporte de identidade, e a recriação de espaços
                          concretos e/ou imaginários onde ancorá-la. Neste caso, interpretar a história peruana
                          apresenta-se como a própria caracterização desta utopia da diversidade a qual, por
                          razões óbvias, encontra em Arguedas sua mais autêntica expressão (BAPTISTA,
                          2002, p.65).

        Indubitavelmente, na visão de Montoya está posto a totalidade e a fragmentação,
sendo esta um momento necessário para àquela. Assim a fragmentação liga-se ao espaço local
em contraposição a uma história universal. No entanto, tal perspectiva abre espaço,
literalmente, para a realização da vida no espaço (de origem, como diz a interlocutora) mais
do que tomar o espaço (o mundo) como realização da vida, da existência. Ora, se
concordarmos com Lukács para quem a história é o processo de produção e reprodução das
objetivações (NETTO, 2004), perde o sentido advogar uma defesa extremada de uma
diversidade e um localismo geográfico: tomar-se-ia, então, como aspecto central as
objetivações humanas em sentido lato, acumuladas em processo.



4
 Que na visão do geógrafo Milton Santos (2008) nunca houve, apenas estão começando os primeiros ensaios.
Quando analisamos tal observação vemos que Milton pôs a discussão sobre humanidade em seu sentido mais
amplo, no plano da totalidade do homem.
4



        Estamos diante de um impasse: pode o homem objetivar-se no espaço? O espaço pode
ser também uma produção e reprodução da objetivação do homem? Na visão de Marinho
(2010) existe uma relação de objetivação entre homem e lugar no plano da existência. Assim,
Rojas, ao falar do Peru, do seu tempo e do seu espaço, encontra também na atividade literária
um caminho para objetivar-se5:

                           Hoy, treinta años después, el ritual de tomar la mochila, la libreta de campo, la
                           grabadora y la câmara fotográfica para descubrir um nuevo lugar del Peru, es um
                           pequeno fragmento que instantânea y fragilmente se confunde com lo que suele
                           llamarse felicidad (ROJAS, 1994, apud BAPTISTA 2006).

        Dessa forma, a nossa interlocutora encerra seu artigo dizendo que:

                           Segundo Montoya, nas palavras do discurso “No soy un aculturado” está toda a
                           inspiração para se compreender a possibilidade da coexistência do socialismo e do
                           pensamento mágico, ou seja, da tradição com a modernidade. E é neste sentido que
                           caminha sua concepção de um socialismo mágico, no qual existe um encontro
                           impostergável entre a política e os inúmeros movimentos sociais, entre o respeito
                           pela diferença e a luta pela autodeterminação (BAPTISTA, 2002, p.65) .

        De fato, se pensarmos bem o simples fato de dizermos que “não somos aculturados” já
implica em reconhecer a interiorização de uma cultura exterior. Dessa forma, o autor e a nossa
interlocutora reproduzem os pares da dicotomia, caso de tradição e modernidade6. Ora, eu
apenas tenho ciência do que é tradicional se sei o que é moderno. Sendo assim modernidade e
tradição co-agem, ou seja, um constitui o outro dialeticamente. Como resolver a contradição?
O socialismo mágico parece ser uma resposta salutar na medida em que afirma uma
identidade, mas negando a sua essencialização, concebendo como um momento necessário
para a conquista da igualdade.


2 RELACIONAR O TEXTO COM AS LEITURAS REALIZADAS NO CURSO


        O texto do antropólogo Rodrigo Rojas de imediato chama atenção pelo seu título:
Cultura y culturas: desde la colonialidad del poder y desde lós pueblos indígenas. Quais
questões se põem quando a cultura é pluralizada? Qual a função da colonialidade do poder? E
quanto aos povos indígenas, que papel desempenham?

5
  O mesmo vale para a obra literária do jornalista português Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-
1968). A partir da leitura do texto de Mourão (1978) pude perceber como Castro Soromenho objetivava a
problemática colonial em virtude de a colonização trazer consigo a sua determinação negativa: a descolonização,
a libertação, emancipação. A especificidade do ser social para Castro Soromenho põe-se, assim, no nível
cultural.
6
  Mourão (1993) condenou as análises socioantropológicas que partem da nefasta dicotomia entre tradicional e
moderno. A seu ver, tais análises ora privilegiam um, ora privilegiam outro, afastando-se de uma análise
realística global (p.66).
5



        Para responder tais questões Rojas promove uma extensa citação do seu compatriota, o
sociólogo peruano Aníbal Quijano7 para mostrar como a constituição da América traz em seu
bojo a colonialidade do poder, marca que identifica a modernidade, o par contraditório da
colonialidade.
        Neste sentido, para Quijano (2005), a colonialidade do poder remete a um processo
constitutivo da América Latina e do capitalismo como um novo padrão de poder mundial. O
recuo histórico de Quijano, endossado por Rodrigo Rojas, é intencional e estratégico: busca
identificar o nascimento do capitalismo com a colonização da América Latina.
        A historiadora Maria Yedda Linhares também reconhece a modernidade (que ela
chama de Tempos Modernos) atrelada ao nascimento do capitalismo e a colonização da
América:

                          Os chamados Tempos Modernos que, para os países do Mediterrâneo ocidental e da
                          orla atlântica do continente europeu, nasceram da crise do sistema feudal e da
                          gestação do capitalismo, conheceram o primeiro momento de expansão
                          transoceânica da história ocidental. Com o descobrimento dos caminhos marítimos,
                          para o controle do comércio oriental, e a colonização na América, formaram-se os
                          impérios mercantilistas dos séculos XVI, XVII e XVIII. A revolta dos colonos
                          ingleses (as Treze Colônias) da América do Norte foi o início dessa primeira
                          “descolonização”, que se concluiu com a liquidação dos impérios coloniais ibéricos
                          na América Central e Meridional (LINHARES, 1981, p.34-35).

        Reconhece-se, portanto, que há semelhanças e diferenças entre os dois autores. Ambos
concordam com a existência de um colonialismo. No entanto, para Quijano o colonialismo
que identifica a modernidade (daí colonialidade) tem como espaço-tempo a América Latina
(numa clara distinção para com a América do Norte); Já para Linhares, a concepção de
colonialismo engloba também a América do Norte (alusão às Treze Colônias, por exemplo) e,
além disso, a historiadora dá mais destaque aos processos descoloniais em Ásia e África
(LINHARES, 2000).
        Todavia, nada que cause algum tipo de constrangimento na leitura dos dois
intelectuais.
        Quijano, segundo Rojas, vai destacar dois processos associativos que fundamentaram
o padrão de poder colonial: 1) a ideia de raça; e 2) o controle do trabalho, dos recursos e dos
produtos em torno do capital e do mercado mundial.
        Para Quijano (2005), a ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história
conhecida antes da América. Talvez se tenha originado como referência às diferenças


7
 Este pensador foi o responsável por desenvolver o conceito de colonialidade do poder no campo dos estudos
pós-coloniais.
6



fenotípicas entre conquistadores e conquistados, mas o que importa é que desde muito cedo
foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos.
       Estamos diante, portanto de uma construção categorial, um artifício do colonizador,
que objetiva subjugar as diferenças sociais para assim identificar fenotipicamente os
conquistados como índios e/ou negros. Tal mecanismo colonizatório implicou o não-
conhecimento do outro como igual na diferença, ou seja, o establishment moderno-colonial
remeteu a subordinação da identidade a uma relação social na qual o outro (alter, daí vem
alteridade) é dependente.
       Isso está em total acordo com aquilo que Octávio Ianni (2004) chamou de racialização
das relações sociais. Para o sociólogo brasileiro, “a ideia de raça tornou-se uma categoria
fundamental utilizada pra classificar indivíduos e coletividades, por meio da qual procura-se
distinguir uns e outros, nativos e estrangeiros, conhecidos e estranhos, naturais e exóticos,
amigos e inimigos” (IANNI, 2004, p. 158).
       Racializar, por conseguinte, é tornar racial, o que, de fato, antes não era. Esse vir a ser
é justamente o modo pelo qual as estruturas que ensejam a dominação constroem as práticas
coloniais transformando um habitus (BOURDIEU, 2004a) social em um habitus racial.
       “O habitus é um sistema de disposições adquiridas na relação com um determinado
campo [...] é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema
de esquemas de percepção e apreciação das práticas” (BOURDIEU, 2004b, pp. 130 e 158).
De acordo com o sociólogo francês é importante compreender como as estruturas dos
discursos e a construção das práticas se forjam, conduzem representações de um determinado
grupo/classe social inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material,
epistêmico, cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa
verdadeira disputa pelo poder (político).
       Mas essa disputa pelo poder político que articula representações sociais de
determinados grupos ou classes joga um papel importante no campo da economia política do
capitalismo.
       Creio que essa é uma questão que não pode ser posta de lado e, ao que tudo indica,
Rojas em seu diálogo com Quijano possui clareza deste aspecto. Como disse anteriormente, a
ideia de raça foi uma construção categorial que o colono lançou mão para transmutar relações
sociais em relações de dominação. Dominar implica em controlar. Dominar índios, negros e
mestiços equivalia a subjugá-los e controlar a sua força de trabalho. Ocorre então que na
gestação do capitalismo as condições gerais de produção como força de trabalho (escrava
indígena e negra da América e da África) e matérias-primas eram produzidas por uma forma
7



não-capitalista de produção, ou seja, que não se centralizam na relação capital-trabalho
assalariado. Assim o sistema capitalista nascente articulou a violência, conquista,
escravização8, rapina, assassinato e a destruição para se impor socialmente. Como diz Karl
Marx (2011, p.864):

                            As descobertas de ouro e prata da América, o extermínio, a escravização das
                            populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da
                            conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto
                            campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da
                            produção capitalista.

        No plano da economia política capitalista o ouro e a prata da América se
transformaram em elementos do capital constante (MARX, 2011), ou seja, a parte do capital
que se converte em meios de produção, em matéria-prima, materiais acessórios e meios de
trabalho cuja magnitude do valor não muda no processo de produção (daí o nome constante).
Não obstante, a escravização indígena (mas também africana) transformou tal força de
trabalho em capital variável. Some-se a isso a expropriação dos camponeses, o saque dos bens
da Igreja Católica, a violência jurídica, o nascimento de uma bancocracia, a privatização de
terras comuns, a força do Estado9, a dissociação entre manufatura e agricultura, o sistema
colonial, o cristianismo, em suma, todos os fatores que Marx levantou no lendário capítulo da
acumulação originária10, e temos um conjunto de fatores confluindo simultaneamente a
diferentes ritmos para o nascimento e posterior desenvolvimento do capitalismo.
        Destarte, estariam os povos indígenas subsumidos à colonialidade do poder e à cultura
universal do sistema capitalista? Para Rodrigo Montoya Rojas esta pode até ser a visão de
executivos, gestores e funcionário do poder colonial, mas para o antropólogo peruano os

8
   Cabe destacar que como ressaltou Munanga (1993, p.109) ao lado exploração externa (os conquistadores)
caminhava ao lado uma “exploração interna, uma pilhagem sistemática do continente por seus próprios filhos.
Esta começou no século XVI com o tráfico negreiro e a escravidão dos africanos nas Américas”. É claro que isto
não justifica as práticas coloniais, mas também serve para que o debate político acerca de uma africanidade, não
seja romantizado.
9
  Se pensarmos bem, até o final da Guerra Fria (1945-1991), podemos distinguir um Welfare State no chamado
Primeiro Mundo, um Estado “Socialista” no Segundo Mundo e um Estado Desenvolvimentista no dito Terceiro
Mundo. Não objetivamos aqui fazer uma análise pormenorizada sobre tais classificações. O que cabe destacar é
que, como ressaltou o sociólogo espanhol Manuel Castells (2002), na África subsaariana do fim do milênio
formou-se um Estado predatório, ou seja, uma forma estatal que destrói o próprio povo, ou parcelas desse povo
(se eximirmos as elites). Indubitavelmente, como expõe Castells, esta forma-Estado está atrelada diretamente a
práticas nefastas como corrupção, aparelhamento privado, prebendalização, militarização e pilhagem.
10
    Benko (1996) ao conceituar acumulação chamou atenção para o ambiente macroinstitucional. Em outras
palavras, para o autor além de um regime de acumulação designar uma forma de alocação das riquezas sociais é
importante que hajam, ou estejam se formando, macroinstituições que possam organizar a sociedade, econômica
e politicamente, no intuito de normatizar o território para atender aos objetivos das próprias formas
institucionais. De fato, como pensar o capitalismo e sua mais recente fase, a globalização neoliberal, sem o
Estado, Bancos (BIRD, Banco Mundial), Organizações Multilaterais (ONU, FMI), a industrialização da
agricultura (complexos alimentícios) e, até mesmo, o avanço do protestantismo (enquanto instituições religiosas
marcadamente modernas)?
8



povos indígenas tem um potencial político capaz de subverter a ordem posta em direção ao
socialismo mágico. Para além da submissão das culturas indígenas ao sistema capitalista,
Rojas menciona a formação no Peru da Asociación Inter étnica para el Desarrollo de La
Selva Peruana (AIDESEP). Tal organização social da Amazônia peruana reivindica os
direitos dos povos indígenas a defender seus territórios, línguas, culturas, o direito à diferença,
e autodeterminação. Constata-se então uma elevada politização da cultura. Rojas destaca
ainda que os levantes indígenas do Equador em 1990, a Marcha pela Dignidade e Território
dos povos do oriente boliviano em 1993 e o Exército Zapatista de Libertação Nacional em
1994 foram feitos decisivos que situaram os movimentos políticos indígenas como sujeitos
coletivos no cenário político latinoamericano.
       Particularmente, penso que é importante a emergência desses atores como sujeitos
políticos. Todavia, tais movimentos sempre correm o risco de, sem terem a pretensão de ser
revolucionários, caracterizarem-se pelo romantismo, por uma “alteridade autêntica” como
bem qualificou o geógrafo marxista David Harvey (2004). Além dos exemplos supracitados
pode ser incluído nessa categoria o movimento “Chipko no Nepal, Chico Mendes e os
seringueiros na Amazônia ou ainda os americanos nativos nos Estados Unidos” (HARVEY,
2004, p. 106). Por um lado é legítimo que tais povos acionem politicamente sua cultura, sua
língua, sua diferença; Por outro, o apelo ao pluralismo, à diversidade, não pode anuviar que a
luta se põe numa variedade de escalas controladas (nunca totalmente, é bom dizer) pelo
sistema capitalista e seus acólitos defensores. Dessa forma, é necessário, como diz Harvey
(2004), desvelar o conteúdo de classe, sem cair na criação de uma “pessoa socialista
homogênea e unificada” (HARVEY, 2004, p.118) muito menos num “relativismo
incontrolado e num ecletismo pós-moderno” (idem, ibidem).
       Pelo que foi analisado até aqui, Rodrigo Montoya Rojas tem ciência da complexidade
resultante da globalização do capitalismo neoliberal em especial as questões que cercam o
debate sobre particularidade e universalidade, colonialidade e modernidade, igualdade e
diferença. Por isso ressalta o papel que lideres intelectuais indígenas possuem com sua
realidade cultural, linguística e sociopolítica. Rojas ressalta ainda que tais líderes apresentam
propostas políticas e que a ação primeira é a da tentativa de cooptação. Rojas menciona que
alguns líderes aceitam serem cooptados e outros não. As organizações que cooptam os lideres
são o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Governos
Nacionais e Organizações Não-Governamentais (ONG). Tais organizações são o exemplo
cabal da institucionalização da globalização. Se dantes era a globalização do capital que
9



ensejava tais instituições, hoje, as instituições mais do que nunca respondem pela manutenção
da ordem capitalista mundial, sua evolução e desenvolvimento escalar.
       Rojas, por fim, levantou uma questão importante e crucial: qual o papel do intelectual?
Quando lemos as obras de intelectuais como Kabegele Munanga, Fernando Augusto
Albuquerque Mourão, Georges Benko, Manuel Castells, Maria Yedda Leite Linhares, Octavio
Ianni e Pierre Bourdieu, nos interrogamos: têm desempenhado os intelectuais seu papel de
forma socialmente satisfatória?
       Particularmente, penso que todos estes intelectuais supracitados, assim como outros
mobilizados neste texto (Mariátegui, Arguedas, Rojas, Harvey, Marx) buscaram e ainda tem
buscado formar um amplo espaço de diálogo e de esperança, mas também de representação,
e, sobretudo, de mobilização política, nos quais os atores envolvidos, ao transcenderem as
escalas de suas regiões e nações, criam novas formas de luta pelo poder promovendo a defesa
de um meio ambiente sadio, denunciando violações de direitos humanos, exigindo
transparência nos desenvolvimento de projetos, fiscalizando os agentes envolvidos,
responsabilizando os governos, enfim, buscando a todo instante estratégias de enfrentamento
que possam satisfazer as necessidades pelo aquilo que se luta.
       Por fim, sem me eximir do debate, destaco também que o geógrafo e autor deste texto,
no que tange ao seu caráter de pesquisador social e humano, com sua missão, herdada desde a
Geografia Crítica dos anos 1970, objetiva promover estudos e lutar para que suas pesquisas
possam    contribuir   politicamente/concretamente    para       a   melhoria   das   sociedades
desfavorecidas, principalmente aquelas que não são contempladas com as benesses da
globalização capitalista neoliberal.


3 COMO ESSAS REFLEXÕES REORIENTAM SEU PROJETO DE PESQUISA?


       É impossível responder a pergunta-título sem antes dedicar algumas linhas para contar
um pouco da história do projeto de pesquisa.
       No início, a ideia original de pesquisa para o mestrado era identificar e analisar os
projetos financiados pelo BNDES no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) na Amazônia Maranhense e a conjuntura dos conflitos socioambientais, bem como os
impactos territoriais resultantes. Essa foi a proposta de pesquisa apresentada à, até então,
possível orientadora Profa. Dra. Marta Inez Medeiros Marques, do Departamento de
Geografia da Universidade de São Paulo.
10



        Após a aprovação no mestrado, e das consequentes reuniões do campo em
movimento11, foi reavaliado o projeto cujo escopo de análise ainda estava amplo para os
planos de um mestrado, em virtude da grandeza dos projetos financiados pelo BNDES12, da
complexidade de se analisar um plano nacional de desenvolvimento (PAC) e ainda os
conflitos ambientais. Nada como uma reunião com a orientadora para reavaliar nossas
especulações e nos mostrar limites e possibilidades.
        Cientes disso, trocamos ideias, Marta e eu, cruzando os debates nos quais estávamos
envolvidos e que nos preocupavam mais imediatamente. Ela me enviou seu projeto de
pesquisa junto ao CNPq13 para que eu refletisse sobre as suas inquietudes e os fundamentos
teóricos bem como na esperança de que de algum modo me auxiliasse na definição do projeto.
Além do mais, em caso positivo, ou seja, se eu aceitasse sua proposta, isso aproximar-nos-ia
mais ainda dos estudos e os diálogos seriam mais frequentes ainda. No entanto, Marta deu-me
a liberdade de aceitar ou não sua proposta.
        Após ler o projeto de pesquisa a inquietação de Marta tornou-se a minha inquietação.
Promover uma análise geográfica da Suzano no território maranhense era absolutamente
tentador e instigante. Eu poderia me envolver diretamente com o referencial teórico marxiano
(além do próprio Marx, caso dos geógrafos David Harvey e Neil Smith) além de me
aprofundar na literatura geográfica da Ariovaldo Umbelino de Oliveira em associação com os
estudos sociológicos de José de Souza Martins.
        Aceita a empreitada começaram os diálogos com Marta para afinarmos a sensibilidade
da pesquisa cujo entendimento imediato remetia a uma reflexão marxiana da realidade.
Encerrava (parcialmente) o ciclo de estudos de 3 anos acerca da Companhia Vale do Rio
Doce14 e me preparava para uma nova jornada. As ideias centrais de desenvolvimento e
conflito ambiental forma mantidas e foi recortado como universo empírico as comunidades
camponesas em Santa Quitéria no Maranhão. As mudanças, no entanto, em relação à
graduação eram visíveis: 1) a transição de um referencial foucaultiano/pós-colonial para um
marxiano, 2) em vez da análise do discurso, do campo e do habitus, põe-se a compreensão do


11
   Grupo de orientados da Profa. Dra. Marta Marques vinculado ao Laboratório de Geografia Agrária do
Departamento de Geografia (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP).
12
   A título de ilustração cabe citar: a Duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a Usina Hidrelétrica de Estreito, a
Usina Termelétrica Porto do Itaqui e a fábrica de celulose da Suzano.
13
   MARQUES, Marta Inez Medeiros. Análise geográfica da expansão recente da indústria de papel e
celulose no campo brasileiro, o caso do Grupo Suzano Papel e Celulose. Projeto de Pesquisa apresentado ao
CNPq - Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia, Agosto de 2011.
14
   Que culminou na monografia: O discurso de responsabilidade socioambiental empregado pela Vale no
período pós-privatização (1997-2010) em São Luís - MA. Monografia (graduação) - Universidade Federal do
Maranhão, Curso de Geografia, 2011.132p.
11



processo de territorialização, e 3) no lugar de perceber a responsabilidade socioambiental,
compreender os conflitos e impactos com os camponeses, enquanto classe social do
capitalismo.
        Assim, veio à tona o projeto de pesquisa intitulado “O papelão da Suzano:
Desenvolvimento, Conflitos Ambientais e Impactos sobre comunidades camponesas em Santa
Quitéria (MA)” visando compreender o processo de territorialização da empresa Suzano Papel
e Celulose no município maranhense de Santa Quitéria, bem como os impactos
socioambientais oriundos do desenvolvimento de suas atividades sobre territórios
camponeses. Sob a orientação da professora Marta, busco analisar a trajetória recente da
Suzano com o intuito de conhecer suas principais estratégias de acumulação e
territorialização. Tais estratégias passam pela integração de capitais (fusões e incorporações),
pela maior integração técnica da cadeia produtiva, pela busca de maior participação no
mercado mundial, pela expansão das áreas cultivadas e sua maior tecnificação e mecanização,
pelo amplo emprego de mão-de-obra terceirizada, pela implantação de novas plantas fabris e
infraestrutura de transporte, por novas formas de privatização e produção da
natureza15(MARQUES, 2011). Com efeito, o estudo a ser empreendido concebe a Suzano
como um poderoso agente econômico monopolista que transforma o território a partir de
relações sociais capitalistas de produção com o intuito de realizar os seus objetivos (aumento
do lucro, da receita, da valorização do mercado). Dessa forma, o processo de territorialização
da Suzano em Santa Quitéria (MA) será analisado de maneira multiescalar como produtor de
conflitos e resultado de geometrias assimétricas de poder no âmbito do desenvolvimento
geográfico desigual do capitalismo. Esta pesquisa tem caráter qualitativo e lança mão de
levantamento de material bibliográfico, documental, cartográfico, imagens, bem como
identificação e seleção de áreas para trabalho de campo. Além disso, dados estatísticos de
órgãos do Estado e de entidades representativas do setor serão trabalhados de maneira
complementar. Contextualizada a pesquisa podemos agora partir para a resposta da pergunta
que intitula o capítulo.
        De maneira geral, os debates e as leituras até agora travados no âmbito da disciplina
Globalização e Cultura, tendo como mediadora e facilitadora da discussão a Profa. Dra. Zilda
Iokoi, sinalizam para pensar, no âmbito da globalização neoliberal como as culturas, em sua

15
   Utiliza-se o conceito de produção da natureza tal como proposto por Smith (1988; 1996), que toma como
ponto de partida a ideia de que a distinção entre primeira e segunda natureza é hoje irrelevante. Para ele, a
produção da natureza é um processo tanto cultural como econômico e diz respeito a como as naturezas dadas são
transformadas. Smith nos alerta para o fato de o capitalismo construir e reconstruir paisagens como valores de
troca sob o imperativo do lucro e também para o fato de que ele determina constelações particulares de produtos
“naturais” em lugares particulares (MARQUES, 2011).
12



forma plural, se relacionam com os processos de acumulação capitalista. Por exemplo: como
as sociedades camponesas em Santa Quitéria têm resistido aos processos perversos de
territorialização da Suzano Papel e Celulose? Elas têm manejado o direito à diferença ou tem
se comportado socialmente como classe16 frente aos acólitos defensores do desenvolvimento
capitalista (Estados, Organizações Multilaterais, Empresas)?
        Compreender, destarte, o processo histórico que desembocou nesse estado
globalizador e reprodutor de relações sociais desiguais é de fundamental importância para se
analisar não só como a mundialização do capital monopolista e, mais precisamente hoje, o
capital financeiro, reordena o território não mais como palco da realização da vida e da
existência, mas como espaço de poder econômico-político. Isso implica, indubitavelmente,
numa busca de referencial marxiano17.
        O que isso sinaliza para o projeto? Um diálogo entre a perspectiva marxiana e a
abordagem pós-colonial. A disciplina tem caminhado nesse sentido (mais proximamente é
verdade da corrente pós-colonial), na medida em que os diálogos atestam tanto a permanência
de um referencial marxista, exemplificados pela a utilização de categorias marxianas como
luta de classes, mais-valia, comunismo; mas também a percepção de que as relações históricas
e os movimentos sociais que surgem com caráter marcadamente étnico-cultural apontam para
uma nova conjuntura do tecido social multiescalar. A dificuldade reside justamente nisso: em
saber o que afirmar, o que negar e o que sintetizar. Um modelo claro de tal dificuldade é a
própria noção de conflito que, dependendo do referencial analítico, pode ser tanto a forma da
luta de classes, como também o campo da disputa cognitiva.
         A reflexão até agora produzida sobre a mundialização do capital tem trazido
simultaneamente sua contradição, ou seja, a emergência de identidades fortemente vinculadas
ao território local que se põe como possibilidades de resistência frente à ordem hegemônica.
Seja pelo âmbito propriamente científico das humanidades18 ou pela crítica literária19 o
caminho que é traçado tem alertado para a superação da colonialidade.
        Uma pergunta surge: práticas (neo)coloniais são detectáveis na pesquisa até o
momento? Talvez a resposta mais prudente seja atestar que a Suzano tem lançado mão de
novos mecanismos pra acumulação.

16
   O direito à diferença sugere de imediato um diálogo com pensadores pós-coloniais; por outro lado, o
comportamento social enquanto classe implica num referencial marxista de análise.
17
   Nomes como David Harvey, Neil Smith, François Chesnais, Michael Löwy, Theodor Shanin, José de Souza
Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira.
18
   Por exemplo, a Sociologia de Castells, Ianni e Quijano; A Geografia de Benko, Milton Santos e David Harvey.
19
   Notadamente o fenômeno estético (os romances de Castro Soromenho) e a problemática colonial (analisados
sociologicamente por Fernando Mourão).
13



        Harvey (2010) menciona que além dos mecanismos tradicionais da acumulação
primitiva, tais como mercadificação e privatização da terra, expulsão de populações
camponesas, privatização dos direitos de propriedade (transformação de terras comuns,
coletivas e devolutas em propriedade privada) mercadificação da força de trabalho, supressão
de alternativas à produção capitalista, processos (neo)coloniais/imperiais de apropriação de
recursos sociais (elementos da natureza), comércio de escravos, sistema de crédito, dentre
outros, foram criados uma série de novos mecanismos de acumulação por espoliação, dentre
os quais destacamos aqueles que têm repercussão direta sobre a reprodução da vida e da
produção no campo: o patenteamento e licenciamento de material genético ou pilhagem do
estoque mundial de recursos genéticos; e a mercadificação por atacado da natureza em todas
as suas formas, exemplificada pela privatização de bens coletivos ou públicos e, em geral,
administrados pelo Estado como a água, a terra, as florestas (MARQUES, 2011).
        Quais desses mecanismos de acumulação por espoliação podem ser detectados até
agora na pesquisa? Apropriação de terras antes dedicadas a produção camponesa
(leguminosas, arroz, milho, por exemplo), a degradação de mananciais em virtude da
irrigação dos plantios, aquisição da empresa de biotecnologia FuturaGene, associação ao
capital financeiro20, práticas empresariais ilegais de aquisição de terras da Suzano via o
mecanismo de grilagem que tem lesado os agricultores camponeses nos municípios
maranhenses de Anapurus e Santa Quitéria, por exemplo21.
        Como se percebe, a luta contra o (neo)colonialismo é uma luta contra o capitalismo
enquanto modo de produção e sistema civilizatório. Marx, Lênin, Kautsky, entre tantos
outros, foram questionadores do imperialismo no plano da economia política; Já os
pensadores pós-coloniais aqui citados põem a questão no campo epistemológico, a produção
de um conhecimento que descolonize o saber. O referencial classista, enquanto recorte
político-ideológico não perdeu seu sentido e validade, mas hoje se relaciona com o conceito
de raça, etnia ou grupo social, por exemplo.
        Contudo, um problema se põe ao pensamento pós-colonial. Exemplifiquemos com o
julgamento contundente do conceito de raça promovido por Aníbal Quijano. Como
apontamos anteriormente, tratou-se de uma construção categorial, um artifício do
20
   A Suzano recorreu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e solicitou um
empréstimo de R$ 2,7 bilhões a serem pagos em 138 meses para justamente viabilizar a instalação de sua
unidade fabril no Maranhão.
21
   Cabe destacar, no entanto, que a prática da grilagem de terras no Leste Maranhense não é nova. Shiraishi Neto
(1995, pp. 68-77) realizou levantamento nos Cartórios de Registro de Imóveis das Microrregiões de Chapadinha
e do Baixo Parnaíba Maranhense e demonstrou tal prática de irregularidade e fraudulência que viabiliza para as
empresas a aquisição de vastas extensões de terra. Como se vê, a terra-mercadoria é central na questão agrária e
o mecanismo de grilagem serve como mais uma artimanha do processo de espoliação capitalista.
14



colonizador para racializar as relações sociais. Isto é fato. Todavia, se ainda opera-se
analiticamente com a categoria raça, que é uma invenção colonial, isso não mostraria que o
pensamento pós-colonial é na verdade, uma forma de ser do próprio pensamento colonizado?
Surge uma hipótese que merece uma investigação aprofundada para além destas linhas.


                                      REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Selma (2002) “A construção cultural e política da etnicidade no Peru: José
Carlos Mariátegui, José Maria Arguedas e Rodrigo Montoya”. En: Daniel Mato (coord.):
Estudios y Otras Prácticas Intelectuales Latinoamericanas en Cultura y Poder. Caracas:
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) y CEAP, FACES, Universidad
Central de Venezuela. pp: 59-66.
BAPTISTA, Selma (2006). Rodrigo Montoya Rojas: um intelectual das fronteiras. Disponível
em http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=1919. Acesso em 28 de abril de 2012.
BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização. São Paulo: Hucitec, 1996.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5ªed. São Paulo: Perspectiva,
2004a.
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. Trad. C.R SILVEIRA e D. M. PEGORIM. São Paulo:
Brasiliense: 2004b.
CASTELLS, Manuel. Fim do Milênio. A Era da Informação: economia, sociedade e
cultura. Vol.3. 3ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
HARVEY, David. Espaços de Esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela
Gonçalves São Paulo: Edições Loyola, 2004. 382 p.
HARVEY, David. O novo imperialismo. Trad. Adail Ubirajara SOBRAL e Maria Stela
GONÇALVES. 4ªed. Loyola: São Paulo, 2010.
IANNI, Octávio. A era do globalismo. 8ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
LINHARES, Maria Yedda Leite. A luta contra a Metrópole (Ásia e África: 1945-1975).
São Paulo: Brasiliense, 1993.
LINHARES, Maria Yedda Leite. Descolonização e lutas de libertação nacional. In: REIS
FILHO, Daniel Aarão (org.). O Século XX: o tempo das dúvidas. Vol 3. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
MARINHO, Samarone Carvalho. Um homem, um lugar: Geografia da vida e Perspectiva
ontológica. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. Departamento de Geografia Humana São Paulo, 2010. 335 f.
15



MARQUES, Marta Inez Medeiros. Análise geográfica da expansão recente da indústria de
papel e celulose no campo brasileiro, o caso do Grupo Suzano Papel e Celulose. Projeto
de Pesquisa apresentado ao CNPq - Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia,
Agosto de 2011.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA.
25ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 2v. 966p.
MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. A sociedade angolana através da literatura.
São Paulo: Ática, 1978.
MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. África: fatores internos e externos da crise. In:
Dossiê Brasil/África. Revista USP, nº18, jun/jul/ago 1993, pp.62-69.
MUNANGA, Kabengele. África, trinta anos de processo de independência. In: Dossiê
Brasil/África. Revista USP, nº18, jun/jul/ago 1993, pp. 100-111.
NETTO, José Paulo. Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas.
São Paulo: Cortez, 2004.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da
globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006a.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A geograficidade do social: uma contribuição para o
debate metodológico para os estudos de conflitos e movimentos sociais na América Latina.
Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção Três Lagoas - MS, V1
- nº3 - ano 3, Maio de 2006b.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. En libro: A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires,
Argentina. setembro 2005. pp.227-278.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SHIRAISHI NETO, Joaquim. Grilagem de terras no Leste Maranhense. In: In: PAULA
ANDRADE, Maristela de. (org). Carajás: desenvolvimento ou destruição? Relatórios de
Pesquisa. São Luis: CPT, 1995.pp.67-80.
SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
SMITH, Neil. The production of nature. In: Robertson, M et alli (eds.), Future natural.
London, Routledge, 1996. pp. 35-54.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Edvaldo A. bergamo
Edvaldo A. bergamoEdvaldo A. bergamo
Edvaldo A. bergamoapenasca
 
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no Turismo
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no TurismoThomas Cook:Marco da historiografia Dominante no Turismo
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no TurismoPilale Isequiel
 
Aula antropologia da educação 2
Aula antropologia da educação 2Aula antropologia da educação 2
Aula antropologia da educação 2unieubra
 
Ressonancia jose reginaldo
Ressonancia jose reginaldoRessonancia jose reginaldo
Ressonancia jose reginaldoJunior Pacifico
 
Aula antropologia da educação
Aula antropologia da educaçãoAula antropologia da educação
Aula antropologia da educaçãounieubra
 
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadePolicarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadeUNEB
 
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILA
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILAAntropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILA
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILAMNTB / Instituto Antropos
 
Fronteira revisitado
Fronteira revisitadoFronteira revisitado
Fronteira revisitadoajr_tyler
 
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt Form 2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt   Form   2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt   Form   2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt Form 2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...ElenitaPimentel
 
Redação em jornalismo fausto coimbra
Redação em jornalismo   fausto coimbraRedação em jornalismo   fausto coimbra
Redação em jornalismo fausto coimbraFausto Coimbra
 
José d'assunção barros o campo da história - historiografia - fichamento
José d'assunção barros   o campo da história - historiografia - fichamentoJosé d'assunção barros   o campo da história - historiografia - fichamento
José d'assunção barros o campo da história - historiografia - fichamentoJorge Freitas
 
Mídia, educação e cultura
Mídia, educação e culturaMídia, educação e cultura
Mídia, educação e culturagutopina2
 
Etnografia do-estado questoes metodologicas
Etnografia do-estado questoes metodologicasEtnografia do-estado questoes metodologicas
Etnografia do-estado questoes metodologicasAna Estrela
 
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,Salomao Lucio Dos Santos
 
Reflexões sobre a resistência indígena
Reflexões sobre a resistência indígenaReflexões sobre a resistência indígena
Reflexões sobre a resistência indígenaDaniel Silva
 

Mais procurados (19)

Edvaldo A. bergamo
Edvaldo A. bergamoEdvaldo A. bergamo
Edvaldo A. bergamo
 
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no Turismo
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no TurismoThomas Cook:Marco da historiografia Dominante no Turismo
Thomas Cook:Marco da historiografia Dominante no Turismo
 
Aula antropologia da educação 2
Aula antropologia da educação 2Aula antropologia da educação 2
Aula antropologia da educação 2
 
Ressonancia jose reginaldo
Ressonancia jose reginaldoRessonancia jose reginaldo
Ressonancia jose reginaldo
 
Aula antropologia da educação
Aula antropologia da educaçãoAula antropologia da educação
Aula antropologia da educação
 
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidadePolicarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
Policarpo quaresma um embate entre a utopia e a realidade
 
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILA
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILAAntropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILA
Antropologia missionária ctmid 2018 - APOSTILA
 
Fronteira revisitado
Fronteira revisitadoFronteira revisitado
Fronteira revisitado
 
Faces da história
Faces da históriaFaces da história
Faces da história
 
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt Form 2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt   Form   2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt   Form   2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...
G:\Gru Ger Form Pes Ace\ Gt Form 2010\Projetos\Aprimoramento Profissional...
 
Redação em jornalismo fausto coimbra
Redação em jornalismo   fausto coimbraRedação em jornalismo   fausto coimbra
Redação em jornalismo fausto coimbra
 
José d'assunção barros o campo da história - historiografia - fichamento
José d'assunção barros   o campo da história - historiografia - fichamentoJosé d'assunção barros   o campo da história - historiografia - fichamento
José d'assunção barros o campo da história - historiografia - fichamento
 
Mídia, educação e cultura
Mídia, educação e culturaMídia, educação e cultura
Mídia, educação e cultura
 
Etnografia do-estado questoes metodologicas
Etnografia do-estado questoes metodologicasEtnografia do-estado questoes metodologicas
Etnografia do-estado questoes metodologicas
 
1ª Aula de cultura e sujeito
1ª Aula de cultura e sujeito1ª Aula de cultura e sujeito
1ª Aula de cultura e sujeito
 
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,
Antropologia da religião 4 mito, rito, magia,
 
8262 33982-1-pb[1]
8262 33982-1-pb[1]8262 33982-1-pb[1]
8262 33982-1-pb[1]
 
Ideologias1
Ideologias1Ideologias1
Ideologias1
 
Reflexões sobre a resistência indígena
Reflexões sobre a resistência indígenaReflexões sobre a resistência indígena
Reflexões sobre a resistência indígena
 

Semelhante a Comentários contextuais acerca do texto “cultura y culturas desde la colonialidad del poder y desde los pueblos indígenas” texto

Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptx
Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptxApresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptx
Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptxJOOLUIZDASILVALOPES
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...UNEB
 
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...Fabiano Estanislau
 
Teste para futuras edições
Teste para futuras ediçõesTeste para futuras edições
Teste para futuras ediçõesRafael Camargo
 
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...CDallapicula
 
Multiculturalismo (1)
Multiculturalismo (1)Multiculturalismo (1)
Multiculturalismo (1)Luiz Dias
 
24.02 atividade sociologia_3_b_douglas
24.02 atividade sociologia_3_b_douglas24.02 atividade sociologia_3_b_douglas
24.02 atividade sociologia_3_b_douglasDouglasElaine Moraes
 
Decolonial o outro e seu olhar
Decolonial  o outro e seu olharDecolonial  o outro e seu olhar
Decolonial o outro e seu olharNana Fonseca
 
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptSeminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptssuser9cb078
 
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. Carlos
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. CarlosMangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. Carlos
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. CarlosGiovana S. Carlos
 

Semelhante a Comentários contextuais acerca do texto “cultura y culturas desde la colonialidad del poder y desde los pueblos indígenas” texto (20)

Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptx
Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptxApresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptx
Apresentação sobre a origem e desenvolvimento da Sociologia na Bolívia.pptx
 
CULTURA, DOMINAÇÃO E IDEOLOGIA
CULTURA, DOMINAÇÃO E IDEOLOGIACULTURA, DOMINAÇÃO E IDEOLOGIA
CULTURA, DOMINAÇÃO E IDEOLOGIA
 
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
 
Artigo prenhas
Artigo   prenhasArtigo   prenhas
Artigo prenhas
 
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...
Artigo - Prenhas - uma mãe (im)pertinente: comunicação popular, identidade e ...
 
1376282672487
13762826724871376282672487
1376282672487
 
Teste para futuras edições
Teste para futuras ediçõesTeste para futuras edições
Teste para futuras edições
 
Antropologia da religião 2
Antropologia da religião 2Antropologia da religião 2
Antropologia da religião 2
 
Diversidade e diferenca
Diversidade e diferencaDiversidade e diferenca
Diversidade e diferenca
 
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...
Apresentação de seminário do livro cartografias do estudos culturais de ana c...
 
Multiculturalismo (1)
Multiculturalismo (1)Multiculturalismo (1)
Multiculturalismo (1)
 
Apresentação para unioest
Apresentação para unioestApresentação para unioest
Apresentação para unioest
 
8444 29800-1-sm (1)
8444 29800-1-sm (1)8444 29800-1-sm (1)
8444 29800-1-sm (1)
 
24.02 atividade sociologia_3_b_douglas
24.02 atividade sociologia_3_b_douglas24.02 atividade sociologia_3_b_douglas
24.02 atividade sociologia_3_b_douglas
 
Conceitocultura
ConceitoculturaConceitocultura
Conceitocultura
 
Terry eagleton cultura
Terry eagleton   culturaTerry eagleton   cultura
Terry eagleton cultura
 
Decolonial o outro e seu olhar
Decolonial  o outro e seu olharDecolonial  o outro e seu olhar
Decolonial o outro e seu olhar
 
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptSeminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
 
Cultura com muitas aspas
Cultura com muitas aspasCultura com muitas aspas
Cultura com muitas aspas
 
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. Carlos
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. CarlosMangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. Carlos
Mangá O FenôMeno Comunicacional No Brasil Giovana S. Carlos
 

Mais de ajr_tyler

O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhão
O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhãoO desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhão
O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhãoajr_tyler
 
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismoDavid harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismoajr_tyler
 
Resenha o enigma do capital, de David Harvey
Resenha o enigma do capital, de David HarveyResenha o enigma do capital, de David Harvey
Resenha o enigma do capital, de David Harveyajr_tyler
 
Resenha ecos dos conflitos ambientais
Resenha ecos dos conflitos ambientaisResenha ecos dos conflitos ambientais
Resenha ecos dos conflitos ambientaisajr_tyler
 
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...ajr_tyler
 
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismo
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismoNeil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismo
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismoajr_tyler
 
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacial
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacialIdealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacial
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacialajr_tyler
 
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliação
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliaçãoAcumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliação
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliaçãoajr_tyler
 
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisa
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisaA política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisa
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisaajr_tyler
 
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...ajr_tyler
 
A economia política da vale uma leitura para 2012
A economia política da vale uma leitura para 2012A economia política da vale uma leitura para 2012
A economia política da vale uma leitura para 2012ajr_tyler
 
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawls
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawlsCosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawls
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawlsajr_tyler
 
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rorty
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rortyIrracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rorty
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rortyajr_tyler
 
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...ajr_tyler
 
Sobre minha compreensão metodológica
Sobre minha compreensão metodológicaSobre minha compreensão metodológica
Sobre minha compreensão metodológicaajr_tyler
 
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacial
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacialIdealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacial
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacialajr_tyler
 
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...ajr_tyler
 
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...ajr_tyler
 
Por uma economia não fascista
Por uma economia não fascistaPor uma economia não fascista
Por uma economia não fascistaajr_tyler
 
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...ajr_tyler
 

Mais de ajr_tyler (20)

O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhão
O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhãoO desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhão
O desenvolvimento geográfico desigual da suzano papel e celulose no maranhão
 
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismoDavid harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
David harvey e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo
 
Resenha o enigma do capital, de David Harvey
Resenha o enigma do capital, de David HarveyResenha o enigma do capital, de David Harvey
Resenha o enigma do capital, de David Harvey
 
Resenha ecos dos conflitos ambientais
Resenha ecos dos conflitos ambientaisResenha ecos dos conflitos ambientais
Resenha ecos dos conflitos ambientais
 
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...
O estado brasileiro, a economia da vale na amazônia maranhense e a rede justi...
 
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismo
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismoNeil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismo
Neil smith e o desenvolvimento desigual do capitalismo
 
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacial
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacialIdealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacial
Idealismo e materialismo, geografia crítica e a concepção da abstração espacial
 
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliação
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliaçãoAcumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliação
Acumulação primitiva, capital fictício e acumulação por espoliação
 
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisa
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisaA política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisa
A política de desenvolvimento sustentável da vale geografia ensino e pesquisa
 
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...
A geografia política dos conflitos ambientais no maranhão território, desenvo...
 
A economia política da vale uma leitura para 2012
A economia política da vale uma leitura para 2012A economia política da vale uma leitura para 2012
A economia política da vale uma leitura para 2012
 
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawls
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawlsCosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawls
Cosmovisão marxista e uma breve crítica da teoria da justiça de john rawls
 
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rorty
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rortyIrracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rorty
Irracionalismo e antiontologia esboço de uma crítica a richard rorty
 
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...
O rei enquanto homem de deus breves reflexões sobre “do governo dos príncipes...
 
Sobre minha compreensão metodológica
Sobre minha compreensão metodológicaSobre minha compreensão metodológica
Sobre minha compreensão metodológica
 
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacial
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacialIdealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacial
Idealismo e materialismo geografia marxista e os desafios da abstração espacial
 
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...
Comentários contextuais acerca do livro o colapso da modernização, de robert ...
 
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...
Comentários contextuais porto gonçalves, carlos walter. a globalização da nat...
 
Por uma economia não fascista
Por uma economia não fascistaPor uma economia não fascista
Por uma economia não fascista
 
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
 

Comentários contextuais acerca do texto “cultura y culturas desde la colonialidad del poder y desde los pueblos indígenas” texto

  • 1. 1 COMENTÁRIOS CONTEXTUAIS ACERCA DO TEXTO “CULTURA Y CULTURAS: DESDE LA COLONIALIDAD DEL PODER Y DESDE LOS PUEBLOS INDÍGENAS”1 José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior2 1 IDENTIFICAR O AUTOR E SUA OBRA Com o intuito de estabelecer um diálogo com a, até então, desconhecida obra de Rodrigo Montoya Rojas, escolhi como interlocutora do estudo a antropóloga Selma Baptista que é atualmente professora da Universidade Federal do Paraná cujas pesquisas e orientações tem tido como temática, dentre outros aspectos, as discussões sobe Antropologia na América Latina. De acordo com Baptista (2002), Rodrigo Montoya Rojas é um antropólogo e novelista peruano que retoma a concepção de socialismo mágico presente de forma incipiente no pensamento do também antropólogo e novelista José Maria Arguedas. Tanto Arguedas, quanto Rojas possuem como linha de pensamento as contribuições deixadas por José Mariátegui que combina uma tradição de esquerda (marxista) com a questão étnica. O antropólogo e novelista Rodrigo Montoya Rojas decidiu estudar Antropologia depois de um encontro com José Maria Arguedas, que era amigo do seu pai. Serrano de Puquio, chegou em Lima nos anos sessenta, para frequentar a Universidade de San Marcos. Seguiu uma carreira acadêmica de muito êxito sendo atualmente professor emérito da referida universidade. Em 1994, já afastado da militância política desde 1978, trouxe aos círculos intelectuais um trabalho de síntese da questão étnica e política de ressonâncias muito diretas com a obra de Arguedas e de Mariátegui (BAPTISTA, 2002, p.64). Depreende-se que o objetivo de Rojas é sintetizar a questão étnica e política na medida em que a politização étnica resolve a contradição existente entre a etnicidade, definida por padrões linguísticos e culturais no território social, e a política enquanto luta pelo poder e imposição de limites. Por isso: Além da intenção explícita de fazer um balanço ideológico das tendências políticas do país, contando a história de uma exclusão fundante da sociedade peruana, 1 Texto produzido originalmente como requisito para obtenção de nota na disciplina Globalização e Cultura, ministrada pela Profa. Dra. Zilda Márcia Grícoli Iokoi, no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo. Agradeço ao geógrafo e doutorando em Geografia Humana (FFLCH/USP) Thiago Araújo Santos por suas inúmeras colaborações. 2 Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestrando em Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Sindicalismo (NEPS). Integrante da Rede Justiça nos Trilhos.
  • 2. 2 apresenta sua proposta de um socialismo mágico: um projeto de transformação, agora realmente ligado ao entendimento da diversidade étnica e cultural, postulando- o como a única saída para uma sociedade democrática (Montoya,1994). Desta maneira, a idéia de uma utopia andina, formulada originalmente por Manuel Burga e Alberto Flores Galindo, reaparece vários anos depois como utopia da diversidade (BAPTISTA, 2002, p.64). Assim, o socialismo mágico é a combinação de uma sociedade organizada democraticamente no qual há um controle da produção (pelo proletariado?) junto com o componente étnico-cultural que marca forte presença não só na realidade peruana, mas também na América Latina de modo geral. Todavia, não se trata de uma simples operação matemática de adicionar ao socialismo científico os elementos étnico-culturais das diversas sociedades existentes, mas sim de uma construção do socialismo desde abajo3, ou seja, um socialismo capaz de reconhecer e incorporar dialeticamente as diversas formações socioculturais na luta contra o capitalismo enquanto modo de produção e sistema civilizatório. Trabalhando com a questão étnica ele aponta a profunda relação entre messianismo/milenarismo e a política, que no Peru não seria uma atividade profana e sim profundamente condicionada pelo fator religioso. Na realidade, esta seria a chave para a compreensão do que Montoya chama de horizonte utópico, ou seja, uma combinação de utopia andina e socialismo, fruto de um processo de mitificação da história incaica e sua apropriação pela política. A questão que se põe é: como articular política e religião sem (se isso for possível) ter uma visão religiosa da política? A meu ver a resposta que Montoya oferece, a partir da leitura de Baptista, é a politização da religião isto é, por a religião como um fator político enquanto luta pelo poder. Dessa forma, a politização da religião é um mecanismo de defesa da etnicidade e simultaneamente de uma busca de emancipação, de uma utopia. Ao mesmo tempo, Montoya vê na utopia andina uma resposta totalizadora ao localismo, enquanto resquício do Império Incaico, projetando a idéia de um homem andino enquanto uma totalidade de traços comuns, expressando uma história imaginada ou desejada e não a realidade de um mundo fragmentado. Seria, desta maneira, o conjunto de projetos para enfrentar esta realidade, o ponto de encontro entre a memória e o imaginário. O que parece importante salientar é que esta utopia necessita da existência, real ou imaginária, desta pluralidade/diversidade, enquanto ao mesmo tempo precisa postular uma andinidade que dê unidade às suas proposições. Enfim, o localismo pode ser compreendido como fonte identitária e, ao mesmo tempo, como aquilo que precisa ser superado (BAPTISTA, 2002, p.65). Todavia, o problema da totalidade/fragmentação que se põe complexifica o debate. Para Montoya, a partir da leitura de Baptista, a utopia andina é uma resposta ao localismo 3 Esta locução expressa substantivamente a produção de conhecimento a partir de matrizes de racionalidades indígenas, afro-americanas (quilombolas, negras) e camponesas. É uma qualificação muito utilizada pelo Geógrafo e Professor Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves para trabalhar o conflito social como categoria geográfica. Em seus textos (Porto-Gonçalves, 2006a; 2006b), Carlos Walter tem chamado atenção para a geograficidade do social na construção de uma cartografia de poder, indicando que o conflito é o lado prático da abstração e imanente às relações sociais, assim como é o lugar do epistemológico.
  • 3. 3 fragmentador. No entanto, ao propor um homem andino, Montoya transformou a fragmentação (andino) em totalidade (homem). A menos que tal andinidade seja um momento necessário para a superação, como me parece entender o autor, o discurso da diversidade atrelado ao direito da diferença pode desembocar numa fragmentação reacionária e pós-moderna, reafirmando o localismo e não o combatendo. De qualquer forma, para fazer um contraponto à perspectiva do autor analisado é importante recuperar o filósofo húngaro György Lukács (1885-1971) e seu esforço (bem sucedido, diga-se de passagem) de por o debate no plano ontológico da especificidade do ser social. Com efeito, o homem que existe é o homem em sua totalidade, um ser que se objetiva historicamente, posto que a história é a produção e a reprodução das objetivações (NETTO, 2004). Ou seja, o debate antropológico é posto no sentido lato de uma Humanidade4, assim mesmo, em maiúsculo. Parece que a nossa interlocutora e estudiosa do autor analisado tem ciência desta possibilidade: Na realidade, a ideia de uma diversidade/pluralidade étnica está naturalmente ligada à uma concepção espacial específica: grupos diversos, ligados aos seus lugares de origem ou, pelo menos, aos locais que lhes foram destinados para viver. Portanto, localismo ligado à diversidade pressupõe fragmentação. Daí a necessidade de superá-lo numa concepção unitária de identidade que seja capaz de manter a ideia de diversidade/pluralidade, atrelada a uma concepção espacial que independa do contexto real. A recriação de uma identidade étnica numa metrópole como Lima, por exemplo, passa a supor que ela seja capaz de lidar simultaneamente com a diluição de um localismo geográfico enquanto suporte de identidade, e a recriação de espaços concretos e/ou imaginários onde ancorá-la. Neste caso, interpretar a história peruana apresenta-se como a própria caracterização desta utopia da diversidade a qual, por razões óbvias, encontra em Arguedas sua mais autêntica expressão (BAPTISTA, 2002, p.65). Indubitavelmente, na visão de Montoya está posto a totalidade e a fragmentação, sendo esta um momento necessário para àquela. Assim a fragmentação liga-se ao espaço local em contraposição a uma história universal. No entanto, tal perspectiva abre espaço, literalmente, para a realização da vida no espaço (de origem, como diz a interlocutora) mais do que tomar o espaço (o mundo) como realização da vida, da existência. Ora, se concordarmos com Lukács para quem a história é o processo de produção e reprodução das objetivações (NETTO, 2004), perde o sentido advogar uma defesa extremada de uma diversidade e um localismo geográfico: tomar-se-ia, então, como aspecto central as objetivações humanas em sentido lato, acumuladas em processo. 4 Que na visão do geógrafo Milton Santos (2008) nunca houve, apenas estão começando os primeiros ensaios. Quando analisamos tal observação vemos que Milton pôs a discussão sobre humanidade em seu sentido mais amplo, no plano da totalidade do homem.
  • 4. 4 Estamos diante de um impasse: pode o homem objetivar-se no espaço? O espaço pode ser também uma produção e reprodução da objetivação do homem? Na visão de Marinho (2010) existe uma relação de objetivação entre homem e lugar no plano da existência. Assim, Rojas, ao falar do Peru, do seu tempo e do seu espaço, encontra também na atividade literária um caminho para objetivar-se5: Hoy, treinta años después, el ritual de tomar la mochila, la libreta de campo, la grabadora y la câmara fotográfica para descubrir um nuevo lugar del Peru, es um pequeno fragmento que instantânea y fragilmente se confunde com lo que suele llamarse felicidad (ROJAS, 1994, apud BAPTISTA 2006). Dessa forma, a nossa interlocutora encerra seu artigo dizendo que: Segundo Montoya, nas palavras do discurso “No soy un aculturado” está toda a inspiração para se compreender a possibilidade da coexistência do socialismo e do pensamento mágico, ou seja, da tradição com a modernidade. E é neste sentido que caminha sua concepção de um socialismo mágico, no qual existe um encontro impostergável entre a política e os inúmeros movimentos sociais, entre o respeito pela diferença e a luta pela autodeterminação (BAPTISTA, 2002, p.65) . De fato, se pensarmos bem o simples fato de dizermos que “não somos aculturados” já implica em reconhecer a interiorização de uma cultura exterior. Dessa forma, o autor e a nossa interlocutora reproduzem os pares da dicotomia, caso de tradição e modernidade6. Ora, eu apenas tenho ciência do que é tradicional se sei o que é moderno. Sendo assim modernidade e tradição co-agem, ou seja, um constitui o outro dialeticamente. Como resolver a contradição? O socialismo mágico parece ser uma resposta salutar na medida em que afirma uma identidade, mas negando a sua essencialização, concebendo como um momento necessário para a conquista da igualdade. 2 RELACIONAR O TEXTO COM AS LEITURAS REALIZADAS NO CURSO O texto do antropólogo Rodrigo Rojas de imediato chama atenção pelo seu título: Cultura y culturas: desde la colonialidad del poder y desde lós pueblos indígenas. Quais questões se põem quando a cultura é pluralizada? Qual a função da colonialidade do poder? E quanto aos povos indígenas, que papel desempenham? 5 O mesmo vale para a obra literária do jornalista português Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910- 1968). A partir da leitura do texto de Mourão (1978) pude perceber como Castro Soromenho objetivava a problemática colonial em virtude de a colonização trazer consigo a sua determinação negativa: a descolonização, a libertação, emancipação. A especificidade do ser social para Castro Soromenho põe-se, assim, no nível cultural. 6 Mourão (1993) condenou as análises socioantropológicas que partem da nefasta dicotomia entre tradicional e moderno. A seu ver, tais análises ora privilegiam um, ora privilegiam outro, afastando-se de uma análise realística global (p.66).
  • 5. 5 Para responder tais questões Rojas promove uma extensa citação do seu compatriota, o sociólogo peruano Aníbal Quijano7 para mostrar como a constituição da América traz em seu bojo a colonialidade do poder, marca que identifica a modernidade, o par contraditório da colonialidade. Neste sentido, para Quijano (2005), a colonialidade do poder remete a um processo constitutivo da América Latina e do capitalismo como um novo padrão de poder mundial. O recuo histórico de Quijano, endossado por Rodrigo Rojas, é intencional e estratégico: busca identificar o nascimento do capitalismo com a colonização da América Latina. A historiadora Maria Yedda Linhares também reconhece a modernidade (que ela chama de Tempos Modernos) atrelada ao nascimento do capitalismo e a colonização da América: Os chamados Tempos Modernos que, para os países do Mediterrâneo ocidental e da orla atlântica do continente europeu, nasceram da crise do sistema feudal e da gestação do capitalismo, conheceram o primeiro momento de expansão transoceânica da história ocidental. Com o descobrimento dos caminhos marítimos, para o controle do comércio oriental, e a colonização na América, formaram-se os impérios mercantilistas dos séculos XVI, XVII e XVIII. A revolta dos colonos ingleses (as Treze Colônias) da América do Norte foi o início dessa primeira “descolonização”, que se concluiu com a liquidação dos impérios coloniais ibéricos na América Central e Meridional (LINHARES, 1981, p.34-35). Reconhece-se, portanto, que há semelhanças e diferenças entre os dois autores. Ambos concordam com a existência de um colonialismo. No entanto, para Quijano o colonialismo que identifica a modernidade (daí colonialidade) tem como espaço-tempo a América Latina (numa clara distinção para com a América do Norte); Já para Linhares, a concepção de colonialismo engloba também a América do Norte (alusão às Treze Colônias, por exemplo) e, além disso, a historiadora dá mais destaque aos processos descoloniais em Ásia e África (LINHARES, 2000). Todavia, nada que cause algum tipo de constrangimento na leitura dos dois intelectuais. Quijano, segundo Rojas, vai destacar dois processos associativos que fundamentaram o padrão de poder colonial: 1) a ideia de raça; e 2) o controle do trabalho, dos recursos e dos produtos em torno do capital e do mercado mundial. Para Quijano (2005), a ideia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida antes da América. Talvez se tenha originado como referência às diferenças 7 Este pensador foi o responsável por desenvolver o conceito de colonialidade do poder no campo dos estudos pós-coloniais.
  • 6. 6 fenotípicas entre conquistadores e conquistados, mas o que importa é que desde muito cedo foi construída como referência a supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos. Estamos diante, portanto de uma construção categorial, um artifício do colonizador, que objetiva subjugar as diferenças sociais para assim identificar fenotipicamente os conquistados como índios e/ou negros. Tal mecanismo colonizatório implicou o não- conhecimento do outro como igual na diferença, ou seja, o establishment moderno-colonial remeteu a subordinação da identidade a uma relação social na qual o outro (alter, daí vem alteridade) é dependente. Isso está em total acordo com aquilo que Octávio Ianni (2004) chamou de racialização das relações sociais. Para o sociólogo brasileiro, “a ideia de raça tornou-se uma categoria fundamental utilizada pra classificar indivíduos e coletividades, por meio da qual procura-se distinguir uns e outros, nativos e estrangeiros, conhecidos e estranhos, naturais e exóticos, amigos e inimigos” (IANNI, 2004, p. 158). Racializar, por conseguinte, é tornar racial, o que, de fato, antes não era. Esse vir a ser é justamente o modo pelo qual as estruturas que ensejam a dominação constroem as práticas coloniais transformando um habitus (BOURDIEU, 2004a) social em um habitus racial. “O habitus é um sistema de disposições adquiridas na relação com um determinado campo [...] é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas” (BOURDIEU, 2004b, pp. 130 e 158). De acordo com o sociólogo francês é importante compreender como as estruturas dos discursos e a construção das práticas se forjam, conduzem representações de um determinado grupo/classe social inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico, cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira disputa pelo poder (político). Mas essa disputa pelo poder político que articula representações sociais de determinados grupos ou classes joga um papel importante no campo da economia política do capitalismo. Creio que essa é uma questão que não pode ser posta de lado e, ao que tudo indica, Rojas em seu diálogo com Quijano possui clareza deste aspecto. Como disse anteriormente, a ideia de raça foi uma construção categorial que o colono lançou mão para transmutar relações sociais em relações de dominação. Dominar implica em controlar. Dominar índios, negros e mestiços equivalia a subjugá-los e controlar a sua força de trabalho. Ocorre então que na gestação do capitalismo as condições gerais de produção como força de trabalho (escrava indígena e negra da América e da África) e matérias-primas eram produzidas por uma forma
  • 7. 7 não-capitalista de produção, ou seja, que não se centralizam na relação capital-trabalho assalariado. Assim o sistema capitalista nascente articulou a violência, conquista, escravização8, rapina, assassinato e a destruição para se impor socialmente. Como diz Karl Marx (2011, p.864): As descobertas de ouro e prata da América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. No plano da economia política capitalista o ouro e a prata da América se transformaram em elementos do capital constante (MARX, 2011), ou seja, a parte do capital que se converte em meios de produção, em matéria-prima, materiais acessórios e meios de trabalho cuja magnitude do valor não muda no processo de produção (daí o nome constante). Não obstante, a escravização indígena (mas também africana) transformou tal força de trabalho em capital variável. Some-se a isso a expropriação dos camponeses, o saque dos bens da Igreja Católica, a violência jurídica, o nascimento de uma bancocracia, a privatização de terras comuns, a força do Estado9, a dissociação entre manufatura e agricultura, o sistema colonial, o cristianismo, em suma, todos os fatores que Marx levantou no lendário capítulo da acumulação originária10, e temos um conjunto de fatores confluindo simultaneamente a diferentes ritmos para o nascimento e posterior desenvolvimento do capitalismo. Destarte, estariam os povos indígenas subsumidos à colonialidade do poder e à cultura universal do sistema capitalista? Para Rodrigo Montoya Rojas esta pode até ser a visão de executivos, gestores e funcionário do poder colonial, mas para o antropólogo peruano os 8 Cabe destacar que como ressaltou Munanga (1993, p.109) ao lado exploração externa (os conquistadores) caminhava ao lado uma “exploração interna, uma pilhagem sistemática do continente por seus próprios filhos. Esta começou no século XVI com o tráfico negreiro e a escravidão dos africanos nas Américas”. É claro que isto não justifica as práticas coloniais, mas também serve para que o debate político acerca de uma africanidade, não seja romantizado. 9 Se pensarmos bem, até o final da Guerra Fria (1945-1991), podemos distinguir um Welfare State no chamado Primeiro Mundo, um Estado “Socialista” no Segundo Mundo e um Estado Desenvolvimentista no dito Terceiro Mundo. Não objetivamos aqui fazer uma análise pormenorizada sobre tais classificações. O que cabe destacar é que, como ressaltou o sociólogo espanhol Manuel Castells (2002), na África subsaariana do fim do milênio formou-se um Estado predatório, ou seja, uma forma estatal que destrói o próprio povo, ou parcelas desse povo (se eximirmos as elites). Indubitavelmente, como expõe Castells, esta forma-Estado está atrelada diretamente a práticas nefastas como corrupção, aparelhamento privado, prebendalização, militarização e pilhagem. 10 Benko (1996) ao conceituar acumulação chamou atenção para o ambiente macroinstitucional. Em outras palavras, para o autor além de um regime de acumulação designar uma forma de alocação das riquezas sociais é importante que hajam, ou estejam se formando, macroinstituições que possam organizar a sociedade, econômica e politicamente, no intuito de normatizar o território para atender aos objetivos das próprias formas institucionais. De fato, como pensar o capitalismo e sua mais recente fase, a globalização neoliberal, sem o Estado, Bancos (BIRD, Banco Mundial), Organizações Multilaterais (ONU, FMI), a industrialização da agricultura (complexos alimentícios) e, até mesmo, o avanço do protestantismo (enquanto instituições religiosas marcadamente modernas)?
  • 8. 8 povos indígenas tem um potencial político capaz de subverter a ordem posta em direção ao socialismo mágico. Para além da submissão das culturas indígenas ao sistema capitalista, Rojas menciona a formação no Peru da Asociación Inter étnica para el Desarrollo de La Selva Peruana (AIDESEP). Tal organização social da Amazônia peruana reivindica os direitos dos povos indígenas a defender seus territórios, línguas, culturas, o direito à diferença, e autodeterminação. Constata-se então uma elevada politização da cultura. Rojas destaca ainda que os levantes indígenas do Equador em 1990, a Marcha pela Dignidade e Território dos povos do oriente boliviano em 1993 e o Exército Zapatista de Libertação Nacional em 1994 foram feitos decisivos que situaram os movimentos políticos indígenas como sujeitos coletivos no cenário político latinoamericano. Particularmente, penso que é importante a emergência desses atores como sujeitos políticos. Todavia, tais movimentos sempre correm o risco de, sem terem a pretensão de ser revolucionários, caracterizarem-se pelo romantismo, por uma “alteridade autêntica” como bem qualificou o geógrafo marxista David Harvey (2004). Além dos exemplos supracitados pode ser incluído nessa categoria o movimento “Chipko no Nepal, Chico Mendes e os seringueiros na Amazônia ou ainda os americanos nativos nos Estados Unidos” (HARVEY, 2004, p. 106). Por um lado é legítimo que tais povos acionem politicamente sua cultura, sua língua, sua diferença; Por outro, o apelo ao pluralismo, à diversidade, não pode anuviar que a luta se põe numa variedade de escalas controladas (nunca totalmente, é bom dizer) pelo sistema capitalista e seus acólitos defensores. Dessa forma, é necessário, como diz Harvey (2004), desvelar o conteúdo de classe, sem cair na criação de uma “pessoa socialista homogênea e unificada” (HARVEY, 2004, p.118) muito menos num “relativismo incontrolado e num ecletismo pós-moderno” (idem, ibidem). Pelo que foi analisado até aqui, Rodrigo Montoya Rojas tem ciência da complexidade resultante da globalização do capitalismo neoliberal em especial as questões que cercam o debate sobre particularidade e universalidade, colonialidade e modernidade, igualdade e diferença. Por isso ressalta o papel que lideres intelectuais indígenas possuem com sua realidade cultural, linguística e sociopolítica. Rojas ressalta ainda que tais líderes apresentam propostas políticas e que a ação primeira é a da tentativa de cooptação. Rojas menciona que alguns líderes aceitam serem cooptados e outros não. As organizações que cooptam os lideres são o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Governos Nacionais e Organizações Não-Governamentais (ONG). Tais organizações são o exemplo cabal da institucionalização da globalização. Se dantes era a globalização do capital que
  • 9. 9 ensejava tais instituições, hoje, as instituições mais do que nunca respondem pela manutenção da ordem capitalista mundial, sua evolução e desenvolvimento escalar. Rojas, por fim, levantou uma questão importante e crucial: qual o papel do intelectual? Quando lemos as obras de intelectuais como Kabegele Munanga, Fernando Augusto Albuquerque Mourão, Georges Benko, Manuel Castells, Maria Yedda Leite Linhares, Octavio Ianni e Pierre Bourdieu, nos interrogamos: têm desempenhado os intelectuais seu papel de forma socialmente satisfatória? Particularmente, penso que todos estes intelectuais supracitados, assim como outros mobilizados neste texto (Mariátegui, Arguedas, Rojas, Harvey, Marx) buscaram e ainda tem buscado formar um amplo espaço de diálogo e de esperança, mas também de representação, e, sobretudo, de mobilização política, nos quais os atores envolvidos, ao transcenderem as escalas de suas regiões e nações, criam novas formas de luta pelo poder promovendo a defesa de um meio ambiente sadio, denunciando violações de direitos humanos, exigindo transparência nos desenvolvimento de projetos, fiscalizando os agentes envolvidos, responsabilizando os governos, enfim, buscando a todo instante estratégias de enfrentamento que possam satisfazer as necessidades pelo aquilo que se luta. Por fim, sem me eximir do debate, destaco também que o geógrafo e autor deste texto, no que tange ao seu caráter de pesquisador social e humano, com sua missão, herdada desde a Geografia Crítica dos anos 1970, objetiva promover estudos e lutar para que suas pesquisas possam contribuir politicamente/concretamente para a melhoria das sociedades desfavorecidas, principalmente aquelas que não são contempladas com as benesses da globalização capitalista neoliberal. 3 COMO ESSAS REFLEXÕES REORIENTAM SEU PROJETO DE PESQUISA? É impossível responder a pergunta-título sem antes dedicar algumas linhas para contar um pouco da história do projeto de pesquisa. No início, a ideia original de pesquisa para o mestrado era identificar e analisar os projetos financiados pelo BNDES no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Amazônia Maranhense e a conjuntura dos conflitos socioambientais, bem como os impactos territoriais resultantes. Essa foi a proposta de pesquisa apresentada à, até então, possível orientadora Profa. Dra. Marta Inez Medeiros Marques, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.
  • 10. 10 Após a aprovação no mestrado, e das consequentes reuniões do campo em movimento11, foi reavaliado o projeto cujo escopo de análise ainda estava amplo para os planos de um mestrado, em virtude da grandeza dos projetos financiados pelo BNDES12, da complexidade de se analisar um plano nacional de desenvolvimento (PAC) e ainda os conflitos ambientais. Nada como uma reunião com a orientadora para reavaliar nossas especulações e nos mostrar limites e possibilidades. Cientes disso, trocamos ideias, Marta e eu, cruzando os debates nos quais estávamos envolvidos e que nos preocupavam mais imediatamente. Ela me enviou seu projeto de pesquisa junto ao CNPq13 para que eu refletisse sobre as suas inquietudes e os fundamentos teóricos bem como na esperança de que de algum modo me auxiliasse na definição do projeto. Além do mais, em caso positivo, ou seja, se eu aceitasse sua proposta, isso aproximar-nos-ia mais ainda dos estudos e os diálogos seriam mais frequentes ainda. No entanto, Marta deu-me a liberdade de aceitar ou não sua proposta. Após ler o projeto de pesquisa a inquietação de Marta tornou-se a minha inquietação. Promover uma análise geográfica da Suzano no território maranhense era absolutamente tentador e instigante. Eu poderia me envolver diretamente com o referencial teórico marxiano (além do próprio Marx, caso dos geógrafos David Harvey e Neil Smith) além de me aprofundar na literatura geográfica da Ariovaldo Umbelino de Oliveira em associação com os estudos sociológicos de José de Souza Martins. Aceita a empreitada começaram os diálogos com Marta para afinarmos a sensibilidade da pesquisa cujo entendimento imediato remetia a uma reflexão marxiana da realidade. Encerrava (parcialmente) o ciclo de estudos de 3 anos acerca da Companhia Vale do Rio Doce14 e me preparava para uma nova jornada. As ideias centrais de desenvolvimento e conflito ambiental forma mantidas e foi recortado como universo empírico as comunidades camponesas em Santa Quitéria no Maranhão. As mudanças, no entanto, em relação à graduação eram visíveis: 1) a transição de um referencial foucaultiano/pós-colonial para um marxiano, 2) em vez da análise do discurso, do campo e do habitus, põe-se a compreensão do 11 Grupo de orientados da Profa. Dra. Marta Marques vinculado ao Laboratório de Geografia Agrária do Departamento de Geografia (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP). 12 A título de ilustração cabe citar: a Duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a Usina Hidrelétrica de Estreito, a Usina Termelétrica Porto do Itaqui e a fábrica de celulose da Suzano. 13 MARQUES, Marta Inez Medeiros. Análise geográfica da expansão recente da indústria de papel e celulose no campo brasileiro, o caso do Grupo Suzano Papel e Celulose. Projeto de Pesquisa apresentado ao CNPq - Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia, Agosto de 2011. 14 Que culminou na monografia: O discurso de responsabilidade socioambiental empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010) em São Luís - MA. Monografia (graduação) - Universidade Federal do Maranhão, Curso de Geografia, 2011.132p.
  • 11. 11 processo de territorialização, e 3) no lugar de perceber a responsabilidade socioambiental, compreender os conflitos e impactos com os camponeses, enquanto classe social do capitalismo. Assim, veio à tona o projeto de pesquisa intitulado “O papelão da Suzano: Desenvolvimento, Conflitos Ambientais e Impactos sobre comunidades camponesas em Santa Quitéria (MA)” visando compreender o processo de territorialização da empresa Suzano Papel e Celulose no município maranhense de Santa Quitéria, bem como os impactos socioambientais oriundos do desenvolvimento de suas atividades sobre territórios camponeses. Sob a orientação da professora Marta, busco analisar a trajetória recente da Suzano com o intuito de conhecer suas principais estratégias de acumulação e territorialização. Tais estratégias passam pela integração de capitais (fusões e incorporações), pela maior integração técnica da cadeia produtiva, pela busca de maior participação no mercado mundial, pela expansão das áreas cultivadas e sua maior tecnificação e mecanização, pelo amplo emprego de mão-de-obra terceirizada, pela implantação de novas plantas fabris e infraestrutura de transporte, por novas formas de privatização e produção da natureza15(MARQUES, 2011). Com efeito, o estudo a ser empreendido concebe a Suzano como um poderoso agente econômico monopolista que transforma o território a partir de relações sociais capitalistas de produção com o intuito de realizar os seus objetivos (aumento do lucro, da receita, da valorização do mercado). Dessa forma, o processo de territorialização da Suzano em Santa Quitéria (MA) será analisado de maneira multiescalar como produtor de conflitos e resultado de geometrias assimétricas de poder no âmbito do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo. Esta pesquisa tem caráter qualitativo e lança mão de levantamento de material bibliográfico, documental, cartográfico, imagens, bem como identificação e seleção de áreas para trabalho de campo. Além disso, dados estatísticos de órgãos do Estado e de entidades representativas do setor serão trabalhados de maneira complementar. Contextualizada a pesquisa podemos agora partir para a resposta da pergunta que intitula o capítulo. De maneira geral, os debates e as leituras até agora travados no âmbito da disciplina Globalização e Cultura, tendo como mediadora e facilitadora da discussão a Profa. Dra. Zilda Iokoi, sinalizam para pensar, no âmbito da globalização neoliberal como as culturas, em sua 15 Utiliza-se o conceito de produção da natureza tal como proposto por Smith (1988; 1996), que toma como ponto de partida a ideia de que a distinção entre primeira e segunda natureza é hoje irrelevante. Para ele, a produção da natureza é um processo tanto cultural como econômico e diz respeito a como as naturezas dadas são transformadas. Smith nos alerta para o fato de o capitalismo construir e reconstruir paisagens como valores de troca sob o imperativo do lucro e também para o fato de que ele determina constelações particulares de produtos “naturais” em lugares particulares (MARQUES, 2011).
  • 12. 12 forma plural, se relacionam com os processos de acumulação capitalista. Por exemplo: como as sociedades camponesas em Santa Quitéria têm resistido aos processos perversos de territorialização da Suzano Papel e Celulose? Elas têm manejado o direito à diferença ou tem se comportado socialmente como classe16 frente aos acólitos defensores do desenvolvimento capitalista (Estados, Organizações Multilaterais, Empresas)? Compreender, destarte, o processo histórico que desembocou nesse estado globalizador e reprodutor de relações sociais desiguais é de fundamental importância para se analisar não só como a mundialização do capital monopolista e, mais precisamente hoje, o capital financeiro, reordena o território não mais como palco da realização da vida e da existência, mas como espaço de poder econômico-político. Isso implica, indubitavelmente, numa busca de referencial marxiano17. O que isso sinaliza para o projeto? Um diálogo entre a perspectiva marxiana e a abordagem pós-colonial. A disciplina tem caminhado nesse sentido (mais proximamente é verdade da corrente pós-colonial), na medida em que os diálogos atestam tanto a permanência de um referencial marxista, exemplificados pela a utilização de categorias marxianas como luta de classes, mais-valia, comunismo; mas também a percepção de que as relações históricas e os movimentos sociais que surgem com caráter marcadamente étnico-cultural apontam para uma nova conjuntura do tecido social multiescalar. A dificuldade reside justamente nisso: em saber o que afirmar, o que negar e o que sintetizar. Um modelo claro de tal dificuldade é a própria noção de conflito que, dependendo do referencial analítico, pode ser tanto a forma da luta de classes, como também o campo da disputa cognitiva. A reflexão até agora produzida sobre a mundialização do capital tem trazido simultaneamente sua contradição, ou seja, a emergência de identidades fortemente vinculadas ao território local que se põe como possibilidades de resistência frente à ordem hegemônica. Seja pelo âmbito propriamente científico das humanidades18 ou pela crítica literária19 o caminho que é traçado tem alertado para a superação da colonialidade. Uma pergunta surge: práticas (neo)coloniais são detectáveis na pesquisa até o momento? Talvez a resposta mais prudente seja atestar que a Suzano tem lançado mão de novos mecanismos pra acumulação. 16 O direito à diferença sugere de imediato um diálogo com pensadores pós-coloniais; por outro lado, o comportamento social enquanto classe implica num referencial marxista de análise. 17 Nomes como David Harvey, Neil Smith, François Chesnais, Michael Löwy, Theodor Shanin, José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira. 18 Por exemplo, a Sociologia de Castells, Ianni e Quijano; A Geografia de Benko, Milton Santos e David Harvey. 19 Notadamente o fenômeno estético (os romances de Castro Soromenho) e a problemática colonial (analisados sociologicamente por Fernando Mourão).
  • 13. 13 Harvey (2010) menciona que além dos mecanismos tradicionais da acumulação primitiva, tais como mercadificação e privatização da terra, expulsão de populações camponesas, privatização dos direitos de propriedade (transformação de terras comuns, coletivas e devolutas em propriedade privada) mercadificação da força de trabalho, supressão de alternativas à produção capitalista, processos (neo)coloniais/imperiais de apropriação de recursos sociais (elementos da natureza), comércio de escravos, sistema de crédito, dentre outros, foram criados uma série de novos mecanismos de acumulação por espoliação, dentre os quais destacamos aqueles que têm repercussão direta sobre a reprodução da vida e da produção no campo: o patenteamento e licenciamento de material genético ou pilhagem do estoque mundial de recursos genéticos; e a mercadificação por atacado da natureza em todas as suas formas, exemplificada pela privatização de bens coletivos ou públicos e, em geral, administrados pelo Estado como a água, a terra, as florestas (MARQUES, 2011). Quais desses mecanismos de acumulação por espoliação podem ser detectados até agora na pesquisa? Apropriação de terras antes dedicadas a produção camponesa (leguminosas, arroz, milho, por exemplo), a degradação de mananciais em virtude da irrigação dos plantios, aquisição da empresa de biotecnologia FuturaGene, associação ao capital financeiro20, práticas empresariais ilegais de aquisição de terras da Suzano via o mecanismo de grilagem que tem lesado os agricultores camponeses nos municípios maranhenses de Anapurus e Santa Quitéria, por exemplo21. Como se percebe, a luta contra o (neo)colonialismo é uma luta contra o capitalismo enquanto modo de produção e sistema civilizatório. Marx, Lênin, Kautsky, entre tantos outros, foram questionadores do imperialismo no plano da economia política; Já os pensadores pós-coloniais aqui citados põem a questão no campo epistemológico, a produção de um conhecimento que descolonize o saber. O referencial classista, enquanto recorte político-ideológico não perdeu seu sentido e validade, mas hoje se relaciona com o conceito de raça, etnia ou grupo social, por exemplo. Contudo, um problema se põe ao pensamento pós-colonial. Exemplifiquemos com o julgamento contundente do conceito de raça promovido por Aníbal Quijano. Como apontamos anteriormente, tratou-se de uma construção categorial, um artifício do 20 A Suzano recorreu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e solicitou um empréstimo de R$ 2,7 bilhões a serem pagos em 138 meses para justamente viabilizar a instalação de sua unidade fabril no Maranhão. 21 Cabe destacar, no entanto, que a prática da grilagem de terras no Leste Maranhense não é nova. Shiraishi Neto (1995, pp. 68-77) realizou levantamento nos Cartórios de Registro de Imóveis das Microrregiões de Chapadinha e do Baixo Parnaíba Maranhense e demonstrou tal prática de irregularidade e fraudulência que viabiliza para as empresas a aquisição de vastas extensões de terra. Como se vê, a terra-mercadoria é central na questão agrária e o mecanismo de grilagem serve como mais uma artimanha do processo de espoliação capitalista.
  • 14. 14 colonizador para racializar as relações sociais. Isto é fato. Todavia, se ainda opera-se analiticamente com a categoria raça, que é uma invenção colonial, isso não mostraria que o pensamento pós-colonial é na verdade, uma forma de ser do próprio pensamento colonizado? Surge uma hipótese que merece uma investigação aprofundada para além destas linhas. REFERÊNCIAS BAPTISTA, Selma (2002) “A construção cultural e política da etnicidade no Peru: José Carlos Mariátegui, José Maria Arguedas e Rodrigo Montoya”. En: Daniel Mato (coord.): Estudios y Otras Prácticas Intelectuales Latinoamericanas en Cultura y Poder. Caracas: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) y CEAP, FACES, Universidad Central de Venezuela. pp: 59-66. BAPTISTA, Selma (2006). Rodrigo Montoya Rojas: um intelectual das fronteiras. Disponível em http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=1919. Acesso em 28 de abril de 2012. BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização. São Paulo: Hucitec, 1996. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5ªed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. Trad. C.R SILVEIRA e D. M. PEGORIM. São Paulo: Brasiliense: 2004b. CASTELLS, Manuel. Fim do Milênio. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Vol.3. 3ªed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. HARVEY, David. Espaços de Esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves São Paulo: Edições Loyola, 2004. 382 p. HARVEY, David. O novo imperialismo. Trad. Adail Ubirajara SOBRAL e Maria Stela GONÇALVES. 4ªed. Loyola: São Paulo, 2010. IANNI, Octávio. A era do globalismo. 8ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. LINHARES, Maria Yedda Leite. A luta contra a Metrópole (Ásia e África: 1945-1975). São Paulo: Brasiliense, 1993. LINHARES, Maria Yedda Leite. Descolonização e lutas de libertação nacional. In: REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). O Século XX: o tempo das dúvidas. Vol 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. MARINHO, Samarone Carvalho. Um homem, um lugar: Geografia da vida e Perspectiva ontológica. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de Geografia Humana São Paulo, 2010. 335 f.
  • 15. 15 MARQUES, Marta Inez Medeiros. Análise geográfica da expansão recente da indústria de papel e celulose no campo brasileiro, o caso do Grupo Suzano Papel e Celulose. Projeto de Pesquisa apresentado ao CNPq - Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia, Agosto de 2011. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 25ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 2v. 966p. MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. A sociedade angolana através da literatura. São Paulo: Ática, 1978. MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. África: fatores internos e externos da crise. In: Dossiê Brasil/África. Revista USP, nº18, jun/jul/ago 1993, pp.62-69. MUNANGA, Kabengele. África, trinta anos de processo de independência. In: Dossiê Brasil/África. Revista USP, nº18, jun/jul/ago 1993, pp. 100-111. NETTO, José Paulo. Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas. São Paulo: Cortez, 2004. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006a. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A geograficidade do social: uma contribuição para o debate metodológico para os estudos de conflitos e movimentos sociais na América Latina. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção Três Lagoas - MS, V1 - nº3 - ano 3, Maio de 2006b. QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. En libro: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. pp.227-278. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. SHIRAISHI NETO, Joaquim. Grilagem de terras no Leste Maranhense. In: In: PAULA ANDRADE, Maristela de. (org). Carajás: desenvolvimento ou destruição? Relatórios de Pesquisa. São Luis: CPT, 1995.pp.67-80. SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. SMITH, Neil. The production of nature. In: Robertson, M et alli (eds.), Future natural. London, Routledge, 1996. pp. 35-54.