A entrevista discute a carreira e visão de Costa Senna sobre a literatura de cordel. Senna iniciou sua carreira no teatro na década de 1980 e desenvolveu projetos para crianças e adolescentes como "Cordel nas Escolas". Ele acredita que a literatura de cordel deve estar presente nas escolas e que os professores que levam o cordel para a sala de aula conseguem engajar melhor os estudantes.
1. Entrevista COSTA SENNA
A nova face da poesia
TAYANE GARCIA
O poeta cearense diz que os professores que levam o cordel para a sala de aula
conseguem “driblar” melhor certos questionamentos e deixar a aula mais alegre
O “Ás vezes eu
ator, escritor e artista cea-
rense Costa Senna, 55 anos,
iniciou sua carreira artísti-
ca no teatro na década de
1980. Desenvolveu projetos voltados me sinto um ator
para crianças e adolescentes, como o
“Cordel nas Escolas” e a “Caravana do brincando, encenando
Cordel”, gravou quadro CD’s, publicou
livros, participou de filmes e ganhou um papel de
espaço e conceito com a literatura de
cordel. Preocupado com os avanços
tecnológicos e sociais, Costa Senna foi
compositor ”
um dos precursores da nova face do
cordel, que, além de se preocupar com
a estética, valoriza mais o poema em seu
contexto. Diz ele: “A literatura de cordel
existe para combater as grandes causas.
Precisamos tratar das questões sociais,
da educação, falar da problemática dos
sem terra, dos sem teto”.
O senhor passou por dificuldades
quando chegou em São Paulo? Qual foi
a diferença que o senhor sentiu de São
Paulo para Fortaleza, sua cidade de ori-
gem? A diferença que existe é que são
terras diferentes. Você vai chegando
a um lugar, que é bem maior que For-
taleza, e você não conhece ninguém,
não sabe a quem pedir uma ajuda,
você não sabe onde buscar uma infor-
mação, você não sabe como buscar
campo de trabalho. Então teve essa di-
ficuldade, mas eu dominei São Paulo
com muita facilidade. Eu acho que no
quarto, quinto mês que eu estava aqui,
eu já estava começando avançar um
pouco mais dentro da minha meta de
vida. Em São Paulo apareceram mui-
tos trabalhos para mim, mas eu não
queria, até porque eu vim pra cá para
trabalhar com arte, para trabalhar com
literatura, ser um trabalhar de arte e
de cultura e eu não iria jamais deixar
esse ideal de lado pra fazer uma coisa
que eu não gostaria de fazer, senão eu
teria ficado para fazer lá em Fortale-
za, que tinha família, tinha toda uma
veja/universidade cruzeiro do sul I 24 DE MAIO, 2011 I 01
2. Entrevista COSTA SENNA
estrutura montada já: primo, parentes,
“Aquele momento sete sílabas. Então esse tipo de poesia
amigas, minha mãe. eu não consigo que Zé Limeira, Patativa do Assaré,
Zé da Luz e outros faziam, é chamado
Sua intenção sempre foi trabalhar com
arte e literatura? É eu nunca trabalhei
esquecer. Um poeta de poesia matuta, ela não é tão exigi-
da como o cordel. Eu não quero dizer
na vida com outra coisa. Para não di-
zer que eu não trabalhei, o meu tempo
declamando, com que o Patativa não era capaz de fazer
cordel, era, e até demais, indiscutível,
de trabalho, fora do que eu gosto de
fazer, foram quatorze, quinze meses
aquela dicção só que ele não fazia. Ele viveu quase
cem anos e ele fez apenas doze, treze,
só. Depois eu vi que não era o que eu
queria e acabei deixando tudo de lado maravilhosa, aquela catorze, quinze, no máximo quinze
cordéis, então não é cordelista. Essa
e partindo para arte. E deu certo. Está
dando certo. Ainda tem muita coisa expressividade. A nova face que as pessoas citam, não
fui eu que citei, é que existe uma pre-
para ser feita.
primeira vez que eu ocupação com a literatura de cordel.
Existe um grupo de pessoas tentando
Como foi sua passagem no teatro? Eu rever a história da literatura de cordel
fiquei muito tempo trabalhando com vi, eu me encantei e do jeito que ela realmente merece ser
teatro. O teatro não me impedia de fa- vista. Os valores mudaram muito.
zer poesia, porque é o poeta que nasce foi ali que eu comecei Então, como teve essa mudança de
poeta, ele vai se aperfeiçoando depois,
vai estudando, vai lendo, vai ouvindo.
O teatro foi uma grande oficina para
a ser poeta ” valores, em vários setores da socie-
dade, a literatura de cordel também
avançou.
mim, porque eu convivi com pesso-
as de uma cultura elevada o caso da Como o senhor avalia o exercício
Guaracy Rodrigues, Murilo Blaciano, Quando o senhor começou a se interes- do cordel e da literatura nas escolas
Erotilde Onoro, Ari Sherlock... Eu sar por cordel? Eu acho que eu traba- públicas? A literatura tem que estar
acredito que o meu diferencial hoje, lhei em umas cinco, seis peças, e eu na sala de aula, e se a literatura está
quando eu estou declamando um achei maravilhoso, mas ainda não era na sala de aula, a literatura de cordel
cordel, é exatamente porque eu passei o que eu queria, porque dependia de também tem que estar. Eu acredito até
pelos palcos do teatro. muita gente. O teatro sempre depende que tinha que ter uma disciplina sobre
de muita gente, e para sobreviver em literatura de cordel. Seria bom que
As primeiras peças apresentadas pelo uma cidade tipo São Paulo, sem você começasse logo lá no primeiro ano e
senhor, como: A noite Seca, Deus lhe ter a quem procurar, você tem que ter quando chegasse à faculdade tivesse
Pague e O Caldeirão, foram produzidas um pequeno lucro de imediato pra uma cadeira (matéria) a ser estudada,
na época em que ocorria o regime mili- você poder comer, dormir tal. E foi aí uma coisa mais séria. Eu acho que um
tar. Houve algum tipo de proibição para que eu comecei a esquecer um pouco professor, uma professora em uma
que essas peças não fossem apresenta- o teatro e partir para um trabalho solo sala de aula, levar o conhecimento da
das? A primeira peça que eu trabalhei através da literatura de cordel dentro literatura de cordel, ela ou ele sempre
foi a “Noite Seca” de Geraldo Ma- das salas de aula como eu fazia em vão conseguir driblar melhor certos
rkan. Ela tratava sobre a reforma agrá- Fortaleza, dosado com um pouco de questionamentos dentro da sala de
ria. Então, foi muito duro, a gente foi humor. Naquela época eu fazia bas- aula, deixar uma aula mais alegre,
perseguido, a polícia federal ficava no tante coisa de humor. Hoje em dia eu deixar o aluno mais feliz e transfor-
pé da gente o tempo todo, nosso cená- não faço mais. mar muitos alunos, no futuro, em
rio foi destruído uma vez pela polícia poetas.
federal...E essa peça a gente teve que Como o senhor classifica essa “Nova
apresentar no Taibe porque era único face da Literatura de Cordel” com os O senhor acredita que seja possível
lugar que a gente podia apresentar. Eu cordéis desenvolvidos por Patativa do aumentar o interesse das pessoas na
trabalhei na “Noite Seca”, trabalhei Assaré? Vamos começar falando sobre literatura brasileira a partir de movimen-
em “Barrela” do Plínio Montado de o Patativa. Nós cordelistas, a gente tos culturais? Por quê? Eu acredito
Fortaleza, trabalhei no “Caldeirão” não consegue ver o Patativa como sim. Quando você passa a se inte-
do Oswald Barroso, sob a direção de cordelista, me refiro a maioria. O ressar por uma coisa que você viu, a
Eroltilde Onoro, onde tratava de uma cordel é muito exato, se você começa busca vai ser mais constante, você vai
matança que houve em Juazeiro do o cordel com a estrofe de sete versos, ter mais esperança de alcançar o seu
Norte. Bom, só sei que achavam que todas as estrofes vão ter que ter sete sonho. Então, se tem algum veículo
era um antro comunista e o governo versos. Se o teu verso tem sete síla- levando cultura pra sala de aula, para
da época mandou destruir tudo. bas, todos os seus verbos terão que ter as bibliotecas, para as praças públicas,
02 I 24 DE MAIO, 2011 I veja/universidade cruzeiro do sul
3. para todos os espaços, isso vai abrir
“Se todos os consigo esquecer. Um poeta decla-
um leque muito grande na mente das
pessoas e elas vão começar a fazer
espaços que nós mando, com aquela dicção maravilho-
sa, aquela expressividade. A primeira
aquilo que viram, a tocar um instru-
mento, a tentar compor uma música,
temos passam a ser vez que eu vi, eu me encantei e foi ali
que eu comecei a ser poeta.
a cantar, contar uma história, fazer
uma coreografia, capoeira, uma dança
preenchidos com Como foi receber o título “Cidadão
qualquer... Com certeza, se todos os
espaços que nós temos passam a ser
as nossas culturas Paulistano” em 2008? O senhor já es-
perava? Eu já esperava pelo trabalho
preenchidos com as nossas culturas
populares isso vai despertar o inte- populares, isso vai que eu faço na cidade. Porque nesse
tempo todo, nessa caminhada nas
ressa de muita gente a aderir, a tentar
fazer e a divulgar aquilo que estão despertar o interessa escolas, teve muita coisa de graça. Eu,
parando para pensar, acho que eu fiz
vendo.
de muita gente tentar mais pela cidade do que a cidade fez
por mim e só tinha um jeito da cidade
Como surgiu a ideia de criar eventos retribuir tudo o que eu tinha feito
voltados para crianças e adolescen- fazer e a divulgar por ela, que era me dando esse título.
tes como o “Cordel nas Escolas”? Então o título veio, eu agradeci muito
Eu sentia que a literatura de cordel aquilo que estão e não paro de curtir porque é uma
dentro da escola ia fazer um efeito
muito grande. Eu fui pegando todas
as manhas, eu sentia que você que
vendo ” coisa muito forte , eu acho que eu sou,
talvez, o primeiro poeta cearense a
receber o título de cidadão paulistano.
está se apresentando, tem que ter uma Não é uma coisa que você recebe todo
dinâmica muito boa, você tem que ter achavam que eu estava cantando e dia, uma vez na vida; e dos milhões
ritmo no que faz, não errar, porque o começaram a me chamar de cantor. e milhões de pessoas que existem,
jovem vai estar sempre torcendo para Uns queriam que eu cantasse e outros raríssimas pessoas conseguem o título
que você erre que é para ele avacalhar não. Eu comecei a compor e a cantar de cidadão paulistano em uma cidade
e a coisa não sair mais. Numa sala de no final dos meus 40 anos. Eu come- chamada São Paulo.
aula, em uma escola, se você ficar ma- cei a transformar minha obra literária
nhã e tarde, você terá no mínimo 500 em música. No seu ponto de vista, qual será o
pessoas pra te assistir. É uma plateia. futuro da cultural e literatura brasileira
Tem escolas que eu me apresentei Em entrevista a “Rádio Z”, que ocor- depois do advento da internet? Sofrerá
que eram 500 pessoas de manhã, 500 reu devido à divulgação da “1° Mostra alterações? Vai sofrer alterações, mas
pessoas de tarde, 500 pessoas de noi- Nordeste”, você disse que sua grande não vai acabar, até porque o livro é
te. O que a pessoa que trabalha com inspiração foi uma pessoa que você uma peça muito charmosa. Além do
arte quer? Evidência. Quer gente para não sabe exatamente o nome, mas conteúdo, o livro ele é muito práti-
aplaudir, reconhecer o seu trabalho. que era um ótimo declamador. Como co. Ele vai cair um pouco? Vai. São
Não existe lugar melhor do que uma foi o despertar desse interesse? Essa novos tempos, mas ele não vai sair
escola, uma faculdade. pessoa, da família dos Maroca, é um das prateleiras das livrarias não. Eu
declamador maravilhoso que encantou vejo que ele vai quebrar por um lado
Como a música surgiu em sua vida? uma criança de 6 anos. Parece que eu e vai fortalecer pelo outro. Quando
Eu sempre cantei. Em Fortaleza eu vejo o cara. Sabe o que é um montão ele desaparecer, o homem e a mulher
tinha a mania de ir para as baladas e de gente em um terreno, sem micro- conseguiram um jeito mais fácil de
ficar nas mesas de praia tocando um fone sem nada e um cidadão chegar e buscar a leitura. Por enquanto, eu não
sambinha batido a mão e até recebia soltar aquela voz. Aquela voz que não vejo isso acontecer.
alguns trocados por aquilo. Eu tocava parecia ser nem grave nem médio,
Paulinho da Viola e aí vai. Eu sem- era uma voz que “soava” bem nos Como é trabalhar com essa versatilida-
pre fazia da música uma brincadeira. ouvidos. E o que me fez ser poeta foi de de papéis: ator, cantor, compositor,
Em São Paulo, foi que a música ver e ouvir esse cidadão declamando. escritor, cordelista e poeta? Eu nem
despertou, porque eu declamo com Eu era muito jovem, no sertão do sinto isso. Eu vejo uma pessoa só.
muita agilidade e se você não tiver Ceará, e aquilo ficou na minha cabeça Poderia se dividir em três momentos:
um conhecimento bom do que você e, a partir dali, eu tentava fazer tudo o ator, o escritor e o artista. Esse ator,
está ouvindo, você vai pensar que eu aquilo que eu via e ouvia. Acho que quando ele se determina a fazer ele
estou cantando, mas na realidade eu me aproximo bem desse cara lá quan- faz. Ás vezes eu me sinto um ator
não estou cantando, eu estou falando. do eu declamo, porque eu guardei a brincando, encenando um papel de
Eu falo com muita facilidade e eles imagem dele, aquele momento eu não compositor.
veja/universidade cruzeiro do sul I 24 DE MAIO, 2011 I 03