Gestão de crise: Desvendando o Poder do Consumidor nas Redes Sociais
Responsabilidade social
1. 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
NPGA – NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO
TÂNIA SOLEDADE DA SILVA RIBEIRO
O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL SOB A
ÓTICA DOS DIRIGENTES DA AGÊNCIA DE FOMENTO DO
ESTADO DA BAHIA – DESENBAHIA
SALVADOR
2003
2. 2
TÂNIA SOLEDADE DA SILVA RIBEIRO
O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL SOB A
ÓTICA DOS DIRIGENTES DA AGÊNCIA DE FOMENTO DO
ESTADO DA BAHIA – DESENBAHIA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional
em Administração da Escola de Administração da
Universidade Federal da Bahia, para obtenção do grau de
Mestre em Administração
Orientador: Prof. Dr. Antônio Virgílio Bastos
SALVADOR
2003
3. 3
TERMO DE APROVAÇÃO
TÂNIA SOLEDADE DA SILVA RIBEIRO
O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL SOB A ÓTICA DOS
DIRIGENTES DA AGÊNCIA DE FOMENTO DO ESTADO DA BAHIA –
DESENBAHIA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração, no
Mestrado Profissional em Administração da Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca
examinadora:
Antônio Virgílio Bastos - Orientador________________________________________
Doutor em Psicologia, Universidade de Brasília; Mestre em Educação, Universidade Federal da Bahia.
Universidade Federal da Bahia
José Célio Silveira Andrade______________________________________________
Doutor em Administração, Universidade Federal da Bahia.
Universidade Federal da Bahia
Margarida Guimarães Andrade Brandão_________________________________________
Doutor (a) em Educação, Universidade Federal da Bahia; Mestre (a) em Administração, Universidade Federal
da Bahia.
Universidade Federal da Bahia.
Salvador, abril/2003
4. 4
Ter participado do Mestrado Profissional em Administração foi a
realização de um sonho antigo. Um sonho que realizei com muito bom
humor e festa, não sem cansaço, não sem estresse, mas com muita alegria.
Por isso, dedico este trabalho à Alegria de minha vida, minha filha Letícia,
que esteve comigo nesta jornada desde o meu ventre. Meu maior orgulho é
ser sua mãe.
5. 5
AGRADECIMENTOS
Muitas são as pessoas a quem eu sou agradecida pela realização deste trabalho. Estão todas
gravadas no meu coração. A algumas, no entanto, devo especiais e eternos agradecimentos.
São elas: minha madrinha, que me ensinou a ser independente; minha mãe, de quem herdei
a fé na vida; meu pai, de quem herdei o gosto pela voz e violão; meus 10 irmãos e parceiros
na caminhada de autoconhecimento, que me dão suporte e as sacudidas necessárias; meus
06 irmãos e 09 sobrinhos; minha filha, com quem aprendo cada vez mais; e meu
companheiro, cuja presença me fortalece a cada dia da minha caminhada. Para todos vocês
deixo a seguinte mensagem: “cada um de nós possui a sua história, cada ser em si carrega o
dom de ser feliz, de ser capaz...”
Agradeço à Desenbahia, cujo cenário viabilizou a realização deste trabalho, aos seus
diretores e aos meus colegas Gerentes que me forneceram os subsídios necessários para as
minhas análises. Muito obrigada.
Agradeço a Prof. Virgílio, meu orientador. Apesar de todos os contratempos e falta de
tempo das nossas agendas, sua competência fez com que tudo ficasse mais fácil. Um dia
também serei Cisne.
6. 6
RESUMO
Esta dissertação procura evidenciar a linha de pensamento compartilhada pelos integrantes
das administrações média e alta da Desenbahia – Agência de Fomento do Estado da Bahia,
no que diz respeito aos conceitos e práticas da Responsabilidade Social Empresarial,
apoiada nos Mapas Cognitivos como ferramenta de pesquisa e intervenção em processos
organizacionais. A fundamentação teórica da Responsabilidade Social baseia-se em
conceitos e práticas encontrados atualmente no Brasil . Sobre Mapas Cognitivos, apresenta
resumo de literatura que justifica a sua utilização como ferramenta. A título de conclusão,
apresentam-se as principais linhas de convergência e divergência entre os grupos
pesquisados, sugerindo-se mais um caminho a ser trilhado pela Desenbahia no sentido de
ampliar a sua atuação dentro dessa estratégia de administração.
Palavras-chave: Responsabilidade social; Mapas cognitivos; Desenbahia.
7. 7
ABSTRACT
This dissertation presents the shared line of thinking of the middle and high administrators
of Desenbahia – Development Agency of Bahia, regarding the concepts and practices of the
Business Social Responsability, backed and supported by cognitive maps such as research
tools and intervention in organizational processes. The fundamental theory of Social
Responsability is based on concepts and practices presently in use here in Brazil. Referring
to Cognitive Maps, it presents a resume of the literature that justifies its use as a tool. To
conclude, the principal converging and diverging lines between the groups present the
mean convergence and divergence lines between both groups researched, would suggest
another way to be sought by Desenbahia in order to improve its performance within the
administration strategy.
Keywords: social responsibility; cognitive maps; Desenbahia.
8. 8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Domínios de atuação socialmente responsável...................................................21
Figura 2 – Forças influenciando o desenvolvimento moral organizacional.........................27
Quadro 1 – Desenvolvimento moral das organizações e orientação para os stakeholders..28
Figura 3 – Tendências históricas de ética e responsabilidade social corporativa................36
Figura 4 – Fluxo socialmente responsável: prioridades e conseqüências............................37
Quadro 2 – Novos rumos.................................................................................................... 52
Quadro 3 – Participação do Grupo Visão Social em eventos..............................................83
Quadro 4 – Doações intermediadas pelo Grupo Visão Social.............................................85
Quadro 5 – Campanhas realizadas sob a coordenação do Grupo Visão Social.................. 85
Quadro 6 – Categorias cujas idéias compartilhadas são convergentes entre as
administrações alta e média .............................................................................98
Figura 5 – Mapa Q1a............................................................................................................94
Figura 6 – Mapa Q1m..........................................................................................................95
Figura 7 – Mapa Q2a............................................................................................................96
Figura 8 – Mapa Q2m...........................................................................................................97
Figura 9 – Mapa MC1a.......................................................................................................101
Figura 10 – Mapa MC1m....................................................................................................103
Figura 11 – Mapa MC2a.....................................................................................................106
Figura 12 – Mapa MC2m....................................................................................................109
Figura 13 – Mapa Q3..........................................................................................................110
Figura 14 – Mapa Q4a........................................................................................................111
Figura 15 – Mapa MC4a.....................................................................................................112
Figura 16 – Mapa Q4m.......................................................................................................115
Figura 17 – Mapa MC4m....................................................................................................116
9. 9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................11
CAPÍTULO 1 RESPONSABILIDADE SOCIAL E ÉTICA NOS NEGÓCIOS........15
1.1 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL COMO VALOR PARA A
SOCIEDADE............................................................................................................24
1.2 AS TENDÊNCIAS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL.....................................32
1.3 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL......................................................38
CAPÍTULO 2 MAPAS COGNITIVOS E GESTÃO..................................................50
CAPÍTULO 3 A AGÊNCIA DE FOMENTO DO ESTADO DA BAHIA -
DESENBAHIA.......................................................................................74
3.1 O AMBIENTE CORPORATIVO............................................................................74
3.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO DA DESENBAHIA............79
CAPÍTULO 4 METODOLOGIA..................................................................................89
4.1 INSTRUMENTO....................................................................................................89
4.2 PARTICIPANTES..................................................................................................90
4.3 COLETA..................................................................................................................91
4.4 ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES..............................................................91
CAPÍTULO 5 RESULTADOS......................................................................................93
5.1 O CONCEITO DE EMPRESA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL.....................99
5.2 A DESENBAHIA COMO EMPRESA SOCIALMENTE RESPONSÁVEL.......105
5.2.1 A Pontuação da Desenbahia como Empresa Socialmente Responsável.........109
10. 10
5.2.2 Como a Desenbahia Pode Ampliar sua Atuação como Empresa Socialmente
Responsável.....................................................................................................110
CONCLUSÕES..............................................................................................................118
REFERÊNCIAS.............................................................................................................123
ANEXO A - Organograma da Desenbahia........................................................................127
11. 11
INTRODUÇÃO
No cenário mundial contemporâneo observam-se inúmeras transformações de
ordem econômica, política, social e cultural que, por sua vez, ambientam o aparecimento de
novos modelos de relações entre instituições e mercados, organizações e sociedade. No
âmbito das atuais tendências de relacionamento, verifica-se a aproximação dos interesses
das organizações e os da sociedade resultando em esforços múltiplos para o atendimento de
objetivos compartilhados.
Isto pode ser compreendido como um sistema que busca o progresso e o
desenvolvimento humano na medida em que as instituições são co-responsáveis pelo futuro
da sociedade. Pode-se depreender que esse progresso e desenvolvimento compreendem
quase todas as dimensões da vida humana: desemprego, marginalização e violência urbana
são exemplos de algumas dessas dimensões. Além disso, as crescentes disparidades e
desigualdades de nossa sociedade obrigam a repensar o desenvolvimento econômico, social
e ambiental.
Dessa forma, muitas empresas passaram a investir fortemente em ações que
privilegiam o relacionamento de seus produtos/serviços com os seus consumidores. Neste
relacionamento prevalece a prática da ética e tudo o que ela envolve. As empresas assumem
outras responsabilidades que não aquelas tradicionais, como o pagamento dos impostos,
12. 12
contribuições e salários - são novas responsabilidades que vão além do seu ambiente
interno, que privilegiam não só os consumidores, não só a geração dos lucros financeiros.
Esta nova forma de relacionamento das empresas com seus consumidores é
conhecida como responsabilidade social e aquelas que a praticam são denominadas
empresas cidadãs.
Afinal, por quê algumas empresas investem tanto em responsabilidade social
enquanto outras nem sequer se deram conta desta necessidade? Se alguém responder que
tudo depende da cabeça dos executivos ou presidentes de corporações, a resposta será
apenas parcialmente correta. Se outra pessoa colocar a culpa no consumidor, também não
estará errada. Juntos, investidor e consumidor final dos produtos, têm poder tamanho que
podem mudar a mentalidade e as ações das corporações, inserindo essas empresas num
contexto mais ético.
A postura desses dois agentes de grande decisão seria, em regra, incompatível com
o investimento social: os investidores não abrem mão da lucratividade, atrelada ao produto;
os consumidores exigem, por seu turno, qualidade e baixo preço. Como então, garantir
vendas de produtos socialmente responsáveis se os mesmos podem ser mais caros que os
dos concorrentes? Embora seja teoricamente inviável a concretização desse tipo de venda,
estatísticas mundiais apontam para uma mudança na regra.
A responsabilidade social também não é intrínseca a um ou outro tipo de empresa, a
nenhum setor específico. Cada vez mais, diversos tipos de empresas, independentemente do
setor ou porte, alinham-se às novas realidades de mercado. Neste contexto, também se
13. 13
inserem as instituições financeiras que, fortemente reguladas pelo Banco Central, possuem
como principais ações o fomento às práticas socialmente responsáveis dos seus clientes.
O que significa a Responsabilidade Social no nosso dia-a-dia? O que muda com a
aplicação dessa ferramenta de gestão de empresas? Nesta nova realidade empresarial, com
a qual ainda não sabemos lidar, como podemos diferenciar um produto do outro? O que
pode fazer um consumidor preferir um produto ou serviço ao outro? O que pode fazer com
que uma empresa seja mais valorizada do que outra? O conceito de responsabilidade social
é claramente compreendido por todos? As práticas socialmente responsáveis são
compartilhadas por todos os membros da organização? São implementadas a partir de um
alinhamento entre administração, consumidores, acionistas, empregados e fornecedores? E
como fica a responsabilidade social em empresas do setor público?
Assim sendo, este trabalho foi elaborado com a finalidade de trazer à tona o corpo
de conhecimento compartilhado pelos administradores da Agência de Fomento do Estado
da Bahia em relação à responsabilidade social, tendo como objetivos específicos: explorar
entre os gestores a concepção de empresa socialmente responsável, avaliando em que
medida há um compartilhamento dos significados associados a tal concepção; avaliar o
nível em que, na concepção dos gestores, a Desenbahia pode ser considerada uma empresa
socialmente responsável; levantar, entre os gestores, indicações de medidas/ações que
possam ampliar o seu nível de compromisso com a Responsabilidade Social Empresarial; e
comparar, nas diversas dimensões investigadas, o posicionamento dos seus
administradores.
14. 14
O Capítulo 1 contextualiza a responsabilidade social no Brasil, aponta possíveis
tendências e, por fim, como andam as discussões sobre as práticas socialmente responsáveis
nas instituições financeiras, tomando como referência o Banco Central do Brasil, órgão
regulador do sistema financeiro nacional.
O Capítulo 2 apresenta o mapa cognitivo como a ferramenta escolhida para
interpretar o pensamento declarado dos administradores da Desenbahia em relação à
responsabilidade social.
O Capítulo 3 contém um breve histórico da Desenbahia e da atuação do Grupo
Visão Social.
No Capítulo 4 descreve-se a metodologia utilizada, no que diz respeito à seleção da
amostra, instrumento de coleta de informações e análise das informações utilizadas para a
elaboração deste trabalho.
No Capítulo 5 apresentam-se os resultados da análise dos mapas cognitivos.
Na Conclusão dá-se o fechamento da linha de raciocínio desenvolvida ao longo do
trabalho, mediante comparações/analogias dos fatos trazidos à tona por meio dos mapas e
daquilo que foi exposto no Capítulo 1, não sendo objetivo desta dissertação apontar
caminhos ou soluções.
15. 15
CAPÍTULO 1
RESPONSABILIDADE SOCIAL E ÉTICA NOS NEGÓCIOS
A sociedade industrial criou, direta e indiretamente, vários de seus problemas, os
quais tanto podem impulsionar o crescimento das economias, como promover sua
estagnação e mesmo seu declínio. Neste momento, formada por organizações capitalistas
predominantemente geradoras e não distribuidoras de riqueza, a sociedade industrial
confronta-se com suas próprias limitações, como afirmam Paula, Pinto e Paiva (2001).
Para que a sociedade possa equacionar as limitações a que se impôs no processo de
industrialização, é necessário um conjunto de esforços na busca de novas formas de atuação
para a solução dos velhos problemas, envolvendo a sociedade de um modo geral, o governo
e as organizações que a compõem, juntamente com os movimentos sociais. As mudanças
atuais, que geram impactos nas tecnologias gerenciais, na política e também na economia,
vêm desafiando pensadores sociais, filósofos, economistas e administradores no sentido de
repensarem o sistema econômico vigente.
Como instituições politicamente privilegiadas e que vêm participando ativamente na
formação desse contexto, as organizações capitalistas necessitam de “novas” políticas e
“novas” respostas às pressões de toda ordem e de toda a sociedade. Demandas cada vez
16. 16
mais diferenciadas exigem ações de natureza variada que definirão a essência da
organização. Os resultados, de caráter social e não somente econômico, são cada vez mais
necessários para a perpetuação das organizações contemporâneas, tanto no cenário local
quanto no cenário global. Ashley (2002, p.32) assim resume a questão: “Para responder a
esse crescente desafio, governos, empresas e sociedade organizam-se para trazer novas
respostas visando um desenvolvimento sustentável que englobe tanto os aspectos
econômicos como os sociais e ambientais.”
Firma-se a crença de que os resultados advindos da assunção das responsabilidades
sociais por parte das empresas são mais duradouros. Ainda segundo a mesma autora, “[...]
essas profundas transformações mostram-nos que o crescimento econômico só será possível
se estiver alicerçado em bases sólidas” (ASHLEY, 2002, p.3). Pela convergência entre
metas econômicas e sociais, emergem os modelos de organizações preocupadas com a
elevação do padrão de qualidade de vida de suas comunidades.
Seguindo na linha de pensamento de Ashley, as empresas estão diante de uma nova
fronteira na qual o avanço das novas tecnologias, a abertura do mercado em meados da
década de 1990 e o movimento de desnacionalização das corporações levam as
organizações a uma mudança qualitativa. Com tudo isto, os avanços nas áreas de
informática, telecomunicações, televisão a cabo e bancos de dados, conferem maior
significado ao conhecimento que circula em uma empresa do que ao número de fábricas e
empregados que ela possui. Por sua vez, a abertura do mercado intensificou o lançamento
de novos produtos e serviços, formas e práticas de gestão e relacionamento da empresa com
todos os envolvidos no negócio. A desnacionalização das empresas obriga as companhias
17. 17
a experimentarem novas práticas de gestão, processos de produção mais eficientes e
diferentes tecnologias disponíveis no mercado.
Esta nova realidade de mercado fez com que as empresas investissem mais em
outros atributos essenciais, além de preço e qualidade: confiabilidade, serviço de pós-
venda, produtos ambientalmente corretos, relacionamento ético da empresa com seus
consumidores, fornecedores, acionistas, além da valorização de práticas ligadas ao
ambiente interno, sobretudo em relação aos funcionários e ao meio ambiente.
As inovações impostas pela nova dinâmica do mercado, ao lado das inovações
tecnológicas, dos processos de trabalho, das práticas de gestão, do relacionamento da
empresa com os funcionários, a comunidade e o ambiente - natural e social -, trazem à tona
um tema que, apesar de não ser novo, a cada dia apresenta importância crescente: a
responsabilidade social. As organizações que desenvolvem o processo da responsabilidade
social são denominadas empresas cidadãs, responsáveis por ajudar a manter e a melhorar o
bem-estar geral da sociedade.
Responsabilidade social é um conceito polissistêmico, como bem se depreende da
seguinte afirmação de Ashley (2002, p.5):
A expressão “responsabilidade social” suscita uma série de interpretações. Para
alguns, representa a idéia de responsabilidade ou obrigação legal; para outros, é
um dever fiduciário, que impõe às empresas padrões mais altos de comportamento
que os do cidadão médio. Há os que a traduzem, de acordo com o avanço das
discussões, como prática social, papel social e função social. Outros a vêem
associada ao comportamento eticamente responsável ou a uma contribuição
caridosa. Há ainda os que acham que seu significado transmitido é ser responsável
por ou socialmente consciente e os que a associam a um simples sinônimo de
legitimidade ou a um antônimo de socialmente irresponsável ou não responsável.
18. 18
Abbagnano (1998, p.855) define responsabilidade como a possibilidade de prever os
efeitos do próprio comportamento e de corrigir o mesmo comportamento com base em tal
previsão.
O primeiro significado conhecido do conceito responsabilidade foi o político, em
expressões como governo responsável ou responsabilidade do governo, que exprimiam o
caráter pelo qual o governo constitucional age sob o controle dos cidadãos e em função
deste controle.
Birou (1976, p.361) define responsabilidade social como a responsabilidade
daquele que é chamado a responder pelos seus atos face à sociedade ou à opinião pública,
na medida em que tais atos assumam dimensões ou conseqüências sociais.
De acordo com essas definições, pode-se entender responsabilidade social como o
compromisso que uma organização deve ter com a sociedade na qual está inserida,
compromisso esse que pode ser expresso por meio de atos de grande amplitude ou que
visem apenas a alguma comunidade específica, por ações coerentes com seu papel
específico na sociedade, e pela prestação de contas a ela. Aceitando tal condição, as
empresas assumem obrigações de caráter moral, não necessariamente aquelas estabelecidas
em lei, mesmo que não diretamente vinculadas às suas atividades, mas visando, sobretudo,
contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Expandindo-se essa visão,
pode-se afirmar que responsabilidade social é toda ação que contribui para a melhoria da
qualidade de vida da sociedade.
Neste sentido, para Jaramillo e Angel (apud ASHLEY, 2002, p.7) a
responsabilidade social pode ser também compreendida como o compromisso que a
19. 19
empresa tem com o desenvolvimento, bem-estar e melhoramento da qualidade de vida dos
empregados, suas famílias e comunidade em geral.
Há, ainda, aqueles que acham que responsabilidade social pode ser o resultado dos
questionamentos e das críticas que as empresas receberam nas últimas décadas nos campos
social, ético e econômico devido à adoção de políticas exclusivamente voltadas para a
economia de mercado. Também há os que chamam a atenção para o fato de que, justamente
em função de a empresa ser bem-sucedida no mercado é que cresce a necessidade de
atuação socialmente responsável, visando diminuir os problemas sociais. Dessa forma, a
responsabilidade social é um fator importante para que as empresas mantenham sua
sustentabilidade. Com todas estas constatações, a responsabilidade social ainda é alvo de
polêmicas por suas fortes conotações políticas e ideológicas.
Robert Dunn, presidente do Business for Social Responsability - BSR1
, defende que
ser socialmente responsável é um dos pilares de sustentação dos negócios, tão importante
quanto a qualidade, a tecnologia e a capacidade de inovação. Quando a empresa é
socialmente responsável ela atrai os consumidores e aumenta o potencial de vendas,
gerando maiores lucros para os acionistas. Além do mais, nos dias de hoje, isso é também
um sinal de reputação corporativa e da marca.
Bowen (apud ASHLEY, 2002, p.6) definiu responsabilidade social como “a
obrigação do homem de negócios de adotar orientações, tomar decisões e seguir linhas de
ação que sejam compatíveis com os fins e valores da sociedade”. Essa afirmação parece nos
mostrar o crescimento da conscientização das organizações sobre o seu dever de ampliarem
20. 20
seu papel na sociedade, no âmbito externo, com a implementação de direitos sociais, e no
âmbito interno, com a constituição da cidadania organizacional.
Para entender melhor o que é responsabilidade social, é preciso enxergar a realidade
empresarial como um “todo” que, em constante transformação, inclui relações entre
inúmeras partes. Organizações saudáveis são aquelas que se preocupam com os mais
variados públicos em torno delas e procuram desenvolver relações que permitam sua
sobrevivência e, em longo prazo, a sua liderança; são organizações que mantêm uma
agenda social intensa e explícita.
Políticas amplas e profundas de recursos humanos, cidadania comunitária, proteção
ao meio ambiente e apoio às artes, tornam-se políticas empresariais e não atividades
isoladas. Essas empresas atuam visando o compromisso com a responsabilidade social, por
meio de suas políticas e práticas de gestão cujos impactos podem ser sentidos dentro e fora
das organizações.
Existem pelo menos cinco tipos de públicos beneficiados com a responsabilidade
social: funcionários, clientes, fornecedores, competidores e outros com os quais a empresa
mantenha transações comerciais. Esses públicos são denominados stakeholders2
.
Basicamente, essas partes podem ser encontradas em quatro ambientes distintos mas
em processo de interação: a economia – onde se inserem as empresas; a política – onde está
o governo; a comunidade – onde estão as pessoas; e o meio ambiente, isto é, a natureza e
seus recursos, conforme a Figura 1 a seguir.
1
BSR é uma organização norte-americana sem fins lucrativos dedicada à divulgação da responsabilidade
social nos negócios, nos mesmos moldes que o Instituto Ethos no Brasil.
2
O termo stakeholders, segundo a literatura existente, tem sua tradução mais apropriada para o português
como “partes interessadas” ou “grupo de interesse”; significa o ponto focal das organizações nas questões de
ética e cidadania, traduzidas como responsabilidade social.
21. 21
Figura 1 - Domínios de atuação socialmente responsável
Ao longo do tempo, quando executa suas atividades, é desejável que as empresas
levem em consideração todos os campos, pois assim age a organização socialmente
responsável. Existem alguns aspectos na gestão empresarial que merecem atenção especial
quando da execução da política de responsabilidade social, já que eles direcionam o
processo de fortalecimento da dimensão social da empresa: apoio ao desenvolvimento da
comunidade na qual atua; preservação do meio ambiente; investimento no bem-estar dos
funcionários e dependentes; investimento em um ambiente de trabalho agradável;
comunicações transparentes; retorno aos acionistas; sinergia com os parceiros; e satisfação
de clientes e consumidores.
A responsabilidade social, vinculada, no meio empresarial, a um novo modelo de
gestão, deixou de ser uma opção para se tornar um dos componentes estratégicos da política
das empresas, dada a relevância do tema na contemporaneidade. A responsabilidade social
e o respeito aos valores éticos, às pessoas, à comunidade e ao meio ambiente, tornaram-se
Economia/ Política/
Empresa Governo
Sociedade/ Meio ambiente/
Pessoas Natureza
Responsabilidade
Social
22. 22
fundamentais para compor uma estratégia onde as empresas objetivam o sucesso em escala
global, num mundo em que a reputação virou patrimônio empresarial, e onde se reconhece
que as empresas têm responsabilidade direta e condições de abordar muitos problemas que
afetam a sociedade.
No entanto, os stakeholders não agem sozinhos nem interagem somente com uma
organização. Na realidade, cada organização e cada stakeholder estão sempre envolvidos
numa rede de relacionamentos, podendo formar uma coalizão que se oponha à política de
uma organização, pois as opiniões e percepções das organizações e seus stakeholders nem
sempre são convergentes.
Quando as percepções dos stakeholders e da organização não coincidem,
dificilmente um pensamento estratégico irá funcionar. Segundo Freman e Gilbert (apud
LETTIERI, 2003), cada grupo tenderá a pensar que o outro não considera realmente seus
interesses, que barganha de má-fé, ou é totalmente irresponsável.
A responsabilidade social é a forma de a empresa pensar e agir eticamente,
conhecendo e levando em consideração todas as partes envolvidas ou afetadas pelo seu
negócio, e colocando seus recursos técnicos a serviço da solução de problemas sociais.
Assim, a gestão socialmente responsável é aquela que mantém o foco em dois pontos
principais: a ética e a qualidade das relações múltiplas da empresa.
A atitude socialmente responsável é um processo complexo e até conflituoso, já que
implica tomar decisões (o que quer dizer possibilitar perdas e ganhos) e lidar com diversos
públicos. Por isso, torna-se essencial o estabelecimento de uma escala de valores, com
transparência e consistência. A empresa socialmente responsável assume postura pró-ativa
no sentido de buscar soluções para problemas sociais, e de cultivar e praticar um conjunto
de valores que podem ser explicitados em um código de ética, formando assim a própria
23. 23
cultura interna e servindo como referência de ação para todos os dirigentes em suas
transações.
A responsabilidade social, disseminada como uma atitude estratégica, permite criar
uma nova cultura dentro da empresa, sendo praticada e incorporada na gestão e em
atividades regulares como produção, distribuição, recursos humanos e marketing.
Independentemente do porte da empresa, nota-se que a responsabilidade social é
considerada cada vez mais como uma das principais estratégias para impulsionar seu
crescimento, obter a fidelidade dos clientes e reter seus funcionários. Para o Instituto Ethos3
as empresas socialmente responsáveis são: (a) agentes de nova cultura empresarial e de
mudança social; (b) produtoras de valor para todos – colaboradores, acionistas e
comunidade; e (c) diferenciadas e de maior potencial de sucesso e longevidade.
O mesmo Instituto Ethos, por meio de outro veículo4
, faz a seguinte declaração:
Para o Instituto Ethos, a decisão de investir ou não em responsabilidade social,
ou ainda o quanto se investe, está ligado também a outros agentes, como os
executivos de alto nível, o líder de opinião, o governo e a mídia. Porém, o “voto
de Minerva” caberia à variável “consumidores”, na forma como ele compra os
produtos, e ao fator “investidor”, pelo fato de ele ter a decisão de investimento
(de aplicação de ações).
O Dow Jones Sustainability Index5
destacou que, em cinco anos, o preço das
ações das empresas consideradas socialmente responsáveis foi 50% melhor que a média de
mercado. Aqui no Brasil também aparecem os sinais da mudança: pesquisa Ethos - Valor
sobre a percepção dos consumidores em 2000 apontou que 57% deles julgam se uma
empresa é boa ou ruim tendo por base a responsabilidade social.
3
O Instituto Ethos é uma instituição sem fins lucrativos que tem por objetivo promover a conscientização das
organizações para a prática da Responsabilidade Social.
4
Disponível em:http://jornal.valeparaibano.com.Br Acesso em : 15 jan. 2003.
5
Lançados em 1999, os índices do Dow Jones Sustainability (Bolsa de Nova York) são os primeiros índices
globais a acompanhar o desempenho financeiro das companhias e a reconhecer a importância de integrar
fatores econômicos, ambientais e sociais na estratégia de negócio.
24. 24
1.1 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL COMO VALOR PARA A
SOCIEDADE
A responsabilidade social, apesar do movimento positivo que provoca na sociedade,
vem sendo atacada por vários autores. Ashley (2002, p.21), cita dois dos principais autores
que defendem que as empresas não têm outra razão de existir senão a maximização dos
lucros para a satisfação dos acionistas; ação contrária configura violação das obrigações
morais, legais e institucionais da direção da corporação. Estes são os argumentos
apresentados por Friedman, baseado nos direitos de propriedade.
Já Leavitt, que se baseia na função institucional para criticar a responsabilidade
social, diz que está em outras instituições, como governo, igrejas, sindicatos e organizações
sem fins lucrativos, a responsabilidade de atuar sobre as funções inerentes à
responsabilidade social; sustenta ainda que administradores de grandes corporações não
têm competência técnica, tempo ou mandato para tais atividades que, inclusive, custam um
percentual do lucro dos acionistas.
A favor da responsabilidade social surgem argumentos principalmente na área
acadêmica conhecida como “Negócios e Sociedade”6
, tendo como principais defensores
Carrol, Donaldson e Dunfee, Frederick e Wood (apud ASHLEY, 2002, p.21). Os
argumentos a favor da responsabilidade social sustentam-se em duas linhas básicas: ética e
instrumental. O primeiro, oriundo dos princípios religiosos e das normas sociais
_______________
6
Esclarecimentos da autora: aqui, trata-se da literatura classificável como pertencente aos conhecimentos da
Business and Society Review (Chicago), e de uma associação acadêmica internacional, a International
Association for Business and Society, dedicados a essa área acadêmica.
25. 25
prevalecentes, defende o comportamento social e moralmente correto das pessoas que
trabalham nas empresas, mesmo à custa de despesas para a companhia; o segundo,
considera uma relação positiva entre a responsabilidade social e o desempenho econômico
da empresa. Ainda segundo os argumentos da linha instrumental, a responsabilidade social
justifica-se pelo caráter pró-ativo da empresa em busca de: (a) consciência maior sobre as
questões culturais, ambientais e de gênero; (b) antecipação, evitando regulações restritivas
à ação empresarial pelo governo; e (c) diferenciação de seus produtos diante de seus
competidores menos responsáveis socialmente.
O conceito de responsabilidade social, junto com o conceito de ética, ao ser
operacionalizado e avaliado subdivide-se em vertentes de conhecimento: responsabilidade,
responsividade, retitude e desempenho social corporativo, desempenho social dos
stakholders, auditoria e inovação social. O termo responsividade (resposta) passou a
acompanhar o conceito de responsabilidade social quando surgiu a necessidade de se
construir ferramentas que pudessem medir a atuação social das empresas. Juntas, a
responsabilidade social e a responsividade passaram a incorporar o aspecto normativo das
empresas, no sentido da observância obrigatória das práticas internas.
A retitude suscita a necessidade de uma ética normativa para a prática da
responsabilidade social. Devido à necessidade de trazer para o ambiente da empresa uma
visão transdisciplinar da ciência e a predisposição humana para a religião, incluem-se no
contexto empresarial os conceitos de cosmos, religião e ciência, com o objetivo de
descartar os modelos de responsabilidade social neutros, que apenas dão ênfase às
26. 26
medições do desempenho social da empresa. Sobre esses aspectos, conclui Ashley (2002,
p.23): “Todos os modelos de responsabilidade, responsividade e retitude social corporativa
incorporam idéias morais e éticas, mesmo quando não expressos conscientemente,
constituindo-se a referência normativa.”
Embora haja o pensamento de que a corporação deva ser vista como centro de
referência para a reflexão sobre a ética e a responsabilidade social nos negócios, muitas
empresas, acadêmicos e a mídia enxergam a abordagem instrumental da responsabilidade
social apenas como forma de melhorar a reputação da empresa, de identificar
oportunidades, de testar novas tecnologias e produtos, propiciando-lhe, assim, vantagens
competitivas no mercado globalizado. Muitas empresas envolvem-se em questões sociais
de forma estratégica a fim de inovar processos e produtos.
De forma bem sutil, o Presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew (2002b), tece as
seguintes considerações:
Por outro lado, na medida que estas organizações ganham visibilidade e poder,
cresce também a sua responsabilidade. Adquirir legitimidade perante a
sociedade, seus parceiros, associados, participantes e apoiadores, se torna
fundamental para a continuidade do trabalho e até para sua sobrevivência. Tal
legitimidade será adquirida e conservada na medida que estas organizações
consigam implementar uma gestão socialmente responsável, coerente com seus
ideais e seus princípios. Será fundamental compatibilizar e ter coerência entre o
discurso e ação.
Existe um modelo que explica o desenvolvimento moral das organizações, o
desempenho social corporativo e a orientação da organização para os públicos com os quais
atua (ASHLEY, 2002, p.25). Segundo esse modelo, o estágio de desenvolvimento moral
das organizações estaria relacionado ao estágio de desenvolvimento moral e às
características pessoais de seus dirigentes, além das forças ambientais de expectativas
27. 27
sociais, normas da indústria e comunidade local de negócios, leis e regulamentações. Esse
modelo enfatiza o papel da direção na criação de processos que propiciem a prática do
desempenho social corporativo, como formulação de estratégias, distribuição de recursos e
poder, socialização dos empregados e sistemas de recompensa.
A Figura 2, a seguir, indica a ação das diversas forças que influenciam na formação
moral das organizações.
Figura 2 - Forças influenciando o desenvolvimento moral organizacional
Fonte: ASHLEY, 2002, p.26
Fatores individuais
• Desenvolvimento
moral individual
• Características
individuais
Fatores ambientais
• Expectativa da
sociedade
• Normas locais e da
indústria
R l t l i
Expectativas da alta
direção
• Nível desejado de
desenvolvimento
moral da organização
Desenvolvimento
moral
organizacional
Processos
Organizacionais
• Formulação de
estratégias
• Distribuição de
recursos e poder
28. 28
De acordo com a Figura 2, existem três tipos de abordagens que podem ser
utilizadas ao se lidar com a responsabilidade social: pré-convencional, convencional e pós-
convencional. Cada uma dessas abordagens dá ênfase a determinado aspecto, conforme
descrito no Quadro 1.
NÍVEL DE
DESENVOLVIMENTO
MORAL
ÊNFASE ORIENTAÇÃO
PARA OS
STAKEHOLDERS
CRITÉRIO DE
PROCESSO
DECISÓRIO
Pré-convencional Engrandecimento de
si próprio sem
considerar os outros.
Orientação apenas
para si próprio.
Cálculo quanto a
prazer/dor.
Convencional Obrigações
negativas para com
os outros.
Conceito estrito de
mercado, como a lei
exige.
Expectativas dos
parceiros de
trabalho e controle
social.
Pós-convencional Obrigações
positivas.
Relações com uma
larga faixa de
stakeholders.
Princípios éticos
universais.
Quadro 1 - Desenvolvimento moral das organizações e orientação para os stakeholders
Fonte: ASHLEY, 2002, p.27
A ênfase da abordagem pré-convencional recai apenas sobre o indivíduo; na
abordagem convencional o foco está nas obrigações negativas para com os outros, nos
29. 29
limites da lei, inclusive com os stakeholders; e a abordagem pós-convencional concentra-se
no respeito aos outros e no dever de promover o bem-estar por meio de uma rede de
relacionamento com uma larga faixa de stakeholders - as relações de troca tornam-se o foco
da reflexão, não apenas nos aspectos econômicos, mas nos aspectos de confiança, idéias e
normas éticas.
Como se pode observar, a abordagem pós-convencional distingue-se pela inclusão
dos aspectos éticos no processo decisório. Dessa forma, o conceito de responsabilidade
social corporativa requer, como premissa para sua aplicabilidade não reduzida à
racionalidade instrumental, um novo conceito de empresa e, assim, um novo modelo mental
das relações sociais, econômicas e políticas (ASHLEY, 2002, p.28). A incorporação desse
conceito impõe desafios éticos às instituições que se propõem a implementá-lo.
O patamar de requisitos éticos cumpridos pelas empresas as coloca em níveis
distintos nas dimensões que compõem o tripé da responsabilidade social – social,
econômico e ambiental-, pelos quais cada empresa pode ser analisada em sua conduta
social. Essa análise deve sempre levar em consideração um conceito de empresa que
equilibre as responsabilidades sociais, econômicas e ambientais, e o resultado deve ser uma
relação circular entre elas.
Nenhuma dessas dimensões deve ser preterida em relação a outra e cada uma delas
deve atender aos requisitos mínimos. Os níveis de desafios éticos são: nível 1- requisitos
éticos mínimos; nível 2- obrigações consideradas além do nível ético mínimo; e nível 3-
aspirações para ideais éticos.
Não se pode falar em responsabilidade social sem considerar os princípios éticos e
os valores morais necessários para que se estabeleçam parâmetros adequados às atividades
empresariais socialmente responsáveis. A maioria dos autores ressalta a questão ética como
30. 30
fator preponderante para o exercício da cidadania empresarial. A ética é um tema que, nos
últimos anos, vem ganhando espaço de discussão nas empresas, universidades, órgãos
públicos, organizações não-governamentais e meios de comunicação. Pode-se atribuir tal
fato, principalmente, ao processo de amadurecimento dos consumidores que passaram a
exercer maior fiscalização no que se refere à postura das organizações.
As empresas, por sua vez, cada vez mais querem passar para seus clientes a imagem
de “empresas éticas”. Para Srour (2003, p.15) existe uma grande confusão em relação ao
conceito de ética, pois toma-se a ética, que é uma disciplina teórica, um corpo
sistematizado de conhecimento, pelo seu objeto de estudo; confunde-se o esforço aplicado
no estudo e na reflexão com os elementos empíricos a serem observados e explicados.
Assim, quando se diz “empresas éticas” quer-se dizer “empresas moralmente inatacáveis”,
sintonizadas com a mais respeitável moral de seu tempo e afinadas com os costumes
vigentes mais consensuais.
Um dicionário de filosofia (ABBAGNANO, 1998, p.380) traz a seguinte definição
de ética:
Em geral, ciência da conduta. Existem duas concepções fundamentais dessa
ciência: 1ª a que a considera como ciência do fim para o qual a conduta dos
homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim
quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que considera como a ciência do
móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou
disciplinar essa conduta
7
[...]
7
Essas duas concepções, que se mesclaram de várias maneiras na Antiguidade e no mundo moderno, são
profundamente diferentes e falam duas línguas diversas. A primeira fala a língua do ideal para o qual o
homem se dirige por sua natureza e, por conseguinte, da “natureza”, “essência” ou “substância” do homem. Já
a segunda, fala dos “motivos” ou “causas” da conduta humana, ou das “forças” que a determinam,
pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos. A confusão entre esses pontos de vista heterogêneos foi
possibilitada pelo fato de que ambas costumam apresentar-se como definições aparentemente idênticas do
bem.
31. 31
Srour ( 2003, p.15) define ética empresarial ou ética nos negócios como:
“Estudar e tornar inteligível a moral vigente nas empresas capitalistas
contemporâneas e, em particular, a moral predominante em empresas de uma
nacionalidade específica.”
Não existe, porém, padrão ético a ser observado nas organizações de modo geral e,
portanto, fica difícil julgar se uma ação empresarial é ética ou não. Por não haver esse
padrão, as práticas éticas de negócio tornam-se uma questão de julgamento social.
Desta forma, a discussão da ética empresarial torna-se muito complexa, uma vez
que é necessário primeiro compreender o conceito de ética. No contexto da
responsabilidade social a ética pode evidenciar-se nas relações com o outro, decorrendo,
portanto, das interações imediatas ou futuras, mas sempre como resultado de escolhas éticas
anteriores.
Dentro da idéia de que a ética só é vista na relação com o outro, Enriquez e Srour
(apud PAULA; PINTO; PAIVA, 2001) discutem a ética da convicção como aquela que não
se negocia, movida somente por ações que levam ao fim último; ou seja, todos os meios são
bons quando permitem alcançar o fim desejado. Agindo por essa ética, não se faz reflexão
contínua das conseqüências dos atos, já que ela se orienta pelos parâmetros da moral
(costumes e regras) já definidos.
Enriquez, Chalant e Srour (apud PAULA; PINTO; PAIVA, 2001) falam sobre a
“ética da responsabilidade” como aquela que se orienta a partir da reflexão das
conseqüências que os atos terão sobre o outro. Sendo assim, ser uma empresa cidadã
significa preocupar-se com todos os que tenham direito e não apenas com os acionistas,
recusando-se a ganhar quando prevê possíveis perdas para a sociedade.
32. 32
Diferenciando-se do conceito de responsabilidade social quanto à conduta da
organização, tanto interna quanto externamente, a ética pode ser compreendida como a
filosofia da conduta humana dentro das organizações. Neste sentido, Enriquez (apud
PAULA; PINTO; PAIVA, 2001) discute as ações das empresas em um duplo registro:
societal e empresarial. O primeiro relaciona-se à tentativa de dar um sentido à sociedade
para suprir as deficiências de suas instituições; já o segundo, empresarial, preocupa-se com
a integração de todos os membros da organização na formação de um projeto produtivo e
na adesão à cultura organizacional, em detrimento dos seus valores individuais.
1.2 AS TENDÊNCIAS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
Tornar a responsabilidade social um componente estratégico na política da empresa: tal
tendência vem se delineando substancialmente nos últimos anos e desafia as grandes
empresas a adotarem uma postura de benemerência desfocada dos objetivos econômicos e
essenciais da organização, evitando que sua imagem e valores sejam confundidos com
simples propaganda, superando antigos paradigmas de lucratividade para, então, viabilizar
uma postura cidadã integrada ao processo de desenvolvimento social do país.
Uma sociedade sustentável requer uma nova visão sobre os impactos das decisões e
ações de todos os agentes sociais e, em se tratando de responsabilidade social, essa recai
principalmente sobre as organizações. Tal perspectiva aponta para os seguintes desafios: (a)
avaliação de desempenho – sob os aspectos ambientais, econômicos e sociais; (b)
responsabilidade social – não sendo obrigação exclusiva das empresas, deve-se buscá-la em
todos os indivíduos, com suas decisões e ações na sociedade; o poder de compra e consumo
como fomentador de responsabilidade social; e educação como agente de consciência de
33. 33
vida em rede; (c) transparência organizacional: todas as empresas, no trato cotidiano com
seus stakholders, devem: construir relações de confiança, reger suas relações por normas de
conduta, incentivar e adotar parcerias que agreguem valor mutuamente e tomar decisões
empresariais considerando aspectos econômicos, ambientais e sociais.
Observa-se a expansão da filantropia empresarial, as denominadas “empresas-cidadãs”
com altos investimentos financeiros em tecnologia e mão-de-obra em busca de melhor
imagem social. A adoção deste novo modelo de gerenciamento social leva as empresas,
preocupadas com a sua boa imagem, a investirem milhões de reais em projetos de
educação, cultura e ecologia, sendo estes os três setores preferenciais. Em matéria
publicada em site especializado em responsabilidade social, Oded Grajew (2002b)escreve:
Vários fatores têm impulsionado a responsabilidade social das empresas. O
desenvolvimento tecnológico propiciou a substituição do trabalho físico e penoso
das pessoas por máquinas e equipamentos. As empresas não necessitam mais da
força muscular dos seus funcionários mas do seu talento, criatividade e
motivação. Uma empresa socialmente responsável atrai pessoas competentes e
consegue obter seu engajamento com a organização. O poder crescente do setor
empresarial na sociedade faz crescer na mesma proporção a demanda e a
expectativa por maior responsabilidade. O desenvolvimento nas comunicações e na
informatização torna cada vez mais transparente a gestão das empresas,
influenciando crescentemente o comportamento da comunidade e dos
consumidores no momento de escolher produtos e serviços.
Algumas empresas colocam a qualidade de vida no trabalho e a prevenção de riscos
sociais como uma das prioridades das políticas de recursos humanos. O resultado é um
empregado mais motivado, que trabalha com prazer e, com certeza, muito mais saudável.
Merece destaque, também, a chamada “cultura da qualidade”, que as empresas vêm
implantando em seus ambientes.
Modeladas a partir das consagradas normas ISO 9000 e ISO 14000, a versão para o
campo social e, especificamente, empresarial, é denominada SA 8000 - Social
34. 34
Accountability International, disseminada pela CEPAA8
. Segundo o BVQI9
, é a primeira
norma social “auditável” e tem por objetivo melhorar as condições de trabalho em nível
global, buscando a interação entre as organizações de trabalho e de direitos humanos de
todo o mundo.
Dentre as vantagens que essa certificação oferece, destacam-se a melhoria do
relacionamento organizacional interno pela demonstração da preocupação com o
trabalhador e do estabelecimento de condições adequadas de saúde e segurança, o
estabelecimento de sinergia com a comunidade e com o meio ambiente, a consolidação e a
manutenção da imagem e da reputação da empresa como cidadã e responsável, a ampliação
da permanência no mercado mediante a fidelidade de clientes comprometidos socialmente e
a participação no emergente segmento de empresas com perfil de investimento social. A SA
8000 pode ser praticada por todos os segmentos de mercado.
Como, então, estabelecer uma linha de atuação para a empresa, considerando todas
as dimensões da responsabilidade social, alinhando interesses e superando desafios que
atingem a própria cultura organizacional? Implementar e instituir uma política de recursos
humanos interligada a um projeto de serviços sociais que esteja voltado tanto para a
coletividade quanto para o público interno (empregados), garantindo que a responsabilidade
social também aconteça “dentro de casa”, ou seja, para fazer o bem ao próximo é preciso
antes estar bem consigo mesmo. Neste processo, uma outra tendência da responsabilidade
social ganha visibilidade: a de gerenciar pessoas num ambiente socialmente responsável.
8
Courcil on Economic Priorities Accreditation Agency, New York, tem como objetivo, estimular as
organizações empresariais a desenvolverem ações concretas no âmbito social interno (empregados) e externo
(comunidade).
9
Bureau Veritas Quality International. Órgão pioneiro e consolidado no segmento de certificação para a
qualidade.
35. 35
O conceito de responsabilidade social empresarial também evoluiu neste sentido: do
que era tangível, quando simplesmente podia-se medi-la por atitudes simples como pagar
ou não impostos, praticar ou não a filantropia por meio de doações, passa a um outro
estágio, muito mais difícil de se mensurar. Empresa socialmente responsável passa daquela
que era a responsável por dar respostas exclusivamente aos seus acionistas àquela que deve
estar atenta para lidar com as expectativas dos seus stakholders, buscando uma sociedade
sustentável. Neste sentido, as tendências históricas de ética e responsabilidade social
corporativa que ordenam as mudanças organizacionais, em princípio conservadoras e
depois mais radicais, podem ser representadas na Figura 3, a seguir.
36. 36
a
Figura 3 - Tendências históricas de ética e responsabilidade social corporativa
Hoje, a responsabilidade social se reflete, sobretudo, em atitudes. Como parte do
planejamento estratégico, passa a fazer parte do cotidiano, oferecendo consistência à
realidade empresarial.
Visão Clássica
Visão mais divulgada
Visões
Menos
divulgadas
1970
2000
Amplitude
de visão e
mudança
- Acionistas
- Comunidade
- Empregados
- Natureza
- Governo
- Rede de Fornecedores
- Consumidores/Compradores
- Todos os atuais e futuros
stakeholders (sociedade
sustentável)
37. 37
Consistência
Figura 4 – Fluxo socialmente responsável: prioridades e conseqüências
Por estes motivos, responsabilidade social nunca pode ser vista somente como
instrumento de marketing, apesar de toda a valorização de imagem e de marca que ela cria.
Ela deve ser cultivada em todas as partes e em todas as relações que a empresa tiver com
seus stakeholders: consumidores, fornecedores, funcionários, acionistas, governo etc. E é
posta em prática quando um a leva em consideração e o outro a respeita. Oded Grajew
(2002b) continua sua reflexão:
Ao defender os direitos dos trabalhadores e os direitos humanos em geral, ao
denunciar a degradação ambiental e a exploração de crianças no trabalho, ao
defender os direitos dos consumidores, condenar a injustiça social e a
discriminação de raça, gênero e idade, defender os direitos dos portadores de
deficiências (física, mental e sensorial), promover os valores da solidariedade,
estabelecer uma legislação de proteção aos direitos trabalhistas, humanos, sociais
e ambientais e formar profissionais com valores éticos, estas organizações criam
um contexto cada vez mais incentivador à responsabilidade social empresarial.
Da mesma forma que a responsabilidade social empresarial se traduz por práticas e
políticas calcadas em princípios e valores, as demais organizações da sociedade devem
adotar posturas éticas em todas as suas ações, tanto naquelas direcionadas a todos os
públicos com os quais se relacionam, quanto nas que possam repercutir no meio ambiente,
também compatibilizando o discurso e a ação.
O progresso e o bem-estar da sociedade dependem da participação de todos os
setores, do estabelecimento de parcerias, do equilíbrio entre os diversos segmentos,
resultando numa justa distribuição de renda e poder e na disseminação dos valores de
responsabilidade social. Para que isso ocorra, é fundamental que todas as organizações e
Atitude socialmente Realidade Imagem
Responsável Empresarial no
Mercado
38. 38
suas lideranças adquiram legitimidade e credibilidade adotando práticas, políticas e
condutas socialmente responsáveis.
O aperfeiçoamento das instituições democráticas, o desenvolvimento das
organizações não-governamentais e dos sindicatos, dos movimentos sociais e das
universidades têm desempenhado papel fundamental no empenho à gestão socialmente
responsável das empresas.
1.3 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
Se uma empresa de bens de consumo brasileira for fazer um estudo de mercado para
decidir um investimento, certamente vai recorrer aos dados de instituições como o IBGE.
Lá, provavelmente, vai encontrar as seguintes informações (MELLO, 2002):
• No Brasil, as classes A e B, que representam 34 milhões de domicílios, têm uma
renda que se situa acima de dez salários-mínimos e consomem R$576 bilhões/ano
ou 64% de todo o PIB brasileiro.
• A classe C, cuja renda está entre quatro a dez salários-mínimos, é representada por
12 milhões de domicílios, consome R$ 231 bilhões ou 24% do PIB.
• A classe D, cuja renda é de dois a quatro salários-mínimos, é representada por 12,2
milhões de domicílios e consome R$ 90 bilhões ou 10.1% do PIB.
• Finalmente, a Classe E, a base da pirâmide, representada por 11,8 milhões de
domicílios, consome R$ 19bilhões ou apenas 1,9% do PIB. Isto significa que no
País existem aproximadamente 60 milhões de brasileiros cuja renda é inferior a R$
200 e, portanto, em condições de quase miséria absoluta.
39. 39
Este panorama serve para ilustrar a idéia do quanto a atividade empresarial seria mais
estimulada no Brasil se tivéssemos um mercado interno mais musculoso, com um nível de
renda maior. Também segundo José Eduardo Bandeira de Mello10
, o ex-Presidente
Fernando Henrique costumava dizer que o Brasil não é um país pobre, mas injusto. Se
compararmos os dados do Brasil com os dos países desenvolvidos é mais fácil acreditar em
pobreza e injustiça.
Ainda segundo o mesmo artigo de José Eduardo Bandeira de Mello (2002):
[...]a não ser em raros momentos de nossa história recente, como as eras Vargas,
JK e Geisel, nossos governos não se preocuparam em implementar políticas de
desenvolvimento voltadas para o fortalecimento de nosso mercado interno, de
nosso parque produtivo, com as conseqüentes e benfazejas criação de riquezas e
distribuição de renda. Parece que consumimos nossas energias econômicas
reagindo aos permanentes constrangimentos de nosso balanço de pagamentos,
como se fôssemos uma família que consome mais do que ganha e vive pendurada
em papagaios.
Os desdobramentos desse quadro são ruins em termos de mercado e ainda mais
dramáticos em termos sociais. Como exemplo, citamos o surgimento dos poderes paralelos
dentro de nossa sociedade, constituídos com base no crime e no tráfego de drogas. A
concentração de renda evidenciada nas estatísticas do IBGE leva uma parcela da população
a acreditar que é mais viável ganhar a vida servindo ao mundo ilegal do que correndo atrás
de um emprego que nunca aparece ou, quando aparece, é pessimamente remunerado.
O valor de um produto ou serviço é cada vez mais intangível e muito mais difícil de se
mensurar. É inegável que a marca e a imagem de um produto ou empresa adquiriram
importância crescente nesta nova realidade empresarial: marca é identidade, é como o
público geralmente enxerga um produto ou empresa. Portanto, a marca deve ser consistente
e refletir a realidade.
10
Diretor geral do Ache Laboratórios e Vice-presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo.
40. 40
No Brasil, a prática da responsabilidade social já está bastante disseminada. O maior
meio de constatação desse fato é a mídia, que diariamente traz matérias sobre o assunto.
Consolida-se o consenso entre o público em geral de que as empresas devem ser
responsáveis por ajudar a melhorar continuamente a sociedade da qual obtém lucro. Tal
fato encontra-se plenamente justificado, entre outras razões, diante das limitações da ação
estatal. Dessa forma, delineia-se um novo código de ética empresarial. Os empresários
começam a se tornar pró-ativos, e é justamente nesse instante que se percebe a consciência
cidadã empresarial que se espalha pelo Brasil.
O fenômeno da exclusão social está fazendo com que as empresas destinem recursos
para serem empregados em ações sociais, como fruto da consciência empresarial de que os
governos não podem atender sozinhos às demandas da sociedade. Esta participação das
empresas no contexto social, segundo Modenesi (2002), é percebida a partir dos anos 80,
quando as empresas passam a se preocupar com vários problemas sociais, como saúde,
moradia e educação. A melhoria da qualidade de vida da população, dos empregados e suas
famílias, são aspectos que têm sido constantemente observados nos programas estratégicos
das empresas.
Fato relevante nesse sentido é a alteração do perfil de participação das empresas no
processo social, ultrapassando o assistencialismo (que não leva a grandes transformações) e
assumindo seu papel de agente de mudanças no apoio a projetos e iniciativas inovadoras,
que resgatem a auto-estima, a cidadania e o potencial comunitário. (MODENESI, 2002)
Entretanto, segundo esse mesmo autor, a atuação desse universo de organizações é ainda
pouco conhecida.
41. 41
Modenesi (2002) tomou como base para seu trabalho uma pesquisa realizada pelo
IPEA11
em 1999, utilizando um conceito abrangente de ação social empresarial: qualquer
atividade que as empresas realizam para atender às comunidades nas áreas de assistência
social, alimentação, saúde, educação, meio ambiente e desenvolvimento comunitário,
dentre outras. Excluiu-se a atividade executada por obrigação legal. A pesquisa apresentou
os seguintes resultados:
• As empresas que praticam a responsabilidade social vão desde as pequenas até
as grandes empresas, mas as que mais a praticam são as médias e grandes
empresas. Geralmente, tais empresas têm 16 a 20anos de existência, sendo o
comércio, seguido da indústria, os setores que mais se empenham.
• Os maiores beneficiados são, por estado: em São Paulo, as crianças; em Minas
Gerais, os jovens; e no Rio de Janeiro, a família. Atender às comunidades
próximas foi um fato comum a todos os estados.
• Os investimentos acontecem por meio de doações de recursos para organizações
(comunitárias, filantrópicas ou religiosas) que executam os projetos sociais,
situadas geralmente em comunidades próximas à sede da empresa ou de suas
filiais.
• Em sua maioria os investimentos sociais são feitos para atender a motivos
humanitários.
11
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. A pesquisa abrangeu exclusivamente a região Sudeste, onde
situam-se 50% das empresas brasileiras e quase 60% do PIB, convivendo com 30% de pobreza. O universo
analisado era composto de 445 mil empresas privadas com um ou mais empregados.
42. 42
Segundo Modenesi, a pesquisa concluiu que: “A atuação do setor privado em
atividades comunitárias não obedece a uma lógica de interesse estritamente mercantil, mas
sim ao atendimento difuso das principais carências sociais que afetam os pobres
brasileiros.” (MODENESI, 2002, p 14)
Cientes de tais constatações, firmam-se no Brasil pelo menos três grandes
instituições com o objetivo de promover a conscientização empresarial para a prática da
responsabilidade social, cujo crescimento nos últimos tempos é inegável. O Instituto Ethos
de Responsabilidade Social12
, o GIFE13
e a Fundação AKATU14
, são as instituições que
mais se destacam nessa tarefa.
Um número cada vez maior de empresas passou a publicar, junto com seu balanço
econômico-financeiro, seus balanços sociais, o que representa mais um indício do
crescimento da responsabilidade social no Brasil. O balanço social tem sido um dos
principais instrumentos de avaliação de riscos, de prestação de contas, de diálogo e
transparência das empresas. Segundo Paulo Itacarambi (2003), Diretor- executivo do
Instituto Ethos, o balanço social é um documento de construção de pontes entre a empresa e
os diversos públicos com os quais ela se relaciona.
12
Responsável pela criação dos “Indicadores Sociais”, em 2000, com a contribuição da Fundação Dom
Cabral e outros, revistos em 2001.
13
Grupo de Instituições, Fundações e Empresas, é a primeira associação da América do Sul a reunir
organizações de origem privada que financiam ou executam projetos sociais, ambientais e culturais de
interesse público. Atua fortemente na busca de soluções para a superação das desigualdades sociais
brasileiras, tendo como objetivo estratégico influenciar as políticas públicas por meio de parcerias e do
compartilhamento de idéias, ações e aprendizados com o Estado e outras organizações da sociedade
civil.
14
Instituto Akatu pelo Consumo Consciente - organização não-governamental que acredita que o consumidor
consciente tem um enorme poder de transformar o mundo e os seus valores.
43. 43
Com o objetivo de prestigiar as organizações, proporcionar a troca de experiências e
aprendizados entre as empresas que elaboram e publicam balanços sociais, foi desenvolvida
uma parceria entre diversas instituições15
para a realização do Prêmio Balanço Social e do
Seminário de Capacitação em Balanço Social, com o objetivo de estimular a utilização do
balanço social como uma ferramenta efetiva de gestão corporativa. Ainda segundo Paulo
Itacarambi (2003), mais de 170 balanços sociais foram inscritos na primeira edição do
Prêmio, fazendo com que a Fundação Dom Cabral16
realizasse um estudo cujos resultados,
ainda preliminares, indicam que os aspectos mais desenvolvidos pelas empresas dizem
respeito aos seus relacionamentos com o público interno e com a comunidade.
Segundo Oded Grajew (2002a), uma pesquisa realizada anualmente pelo Instituto
Ethos mostra que é cada vez maior o número de consumidores dispostos a prestigiar uma
empresa cuja gestão é socialmente responsável. Outro estudo constata que 84% dos
executivos das maiores empresas brasileiras acreditam que ter uma imagem de
responsabilidade social impulsiona os negócios.
Em outros países é comum a associação entre as estratégias de marketing e as ações
de responsabilidade social. No Brasil, segundo afirma matéria publicada na Gazeta
Mercantil (CIAFFONE, 2003), embora existam efeitos para a imagem da empresa nos dois
casos, é bom deixar claro que marketing visa o lucro e as ações de responsabilidade social
estão ligadas ao resgate de uma dívida social.
15
ABAMEC (Associação Brasileira dos Analistas dos Mercados de Capitais); ABERJE (Associação
Brasileira de Comunicação Empresarial); FIDES (Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e
Social); e IBASE (Instituto Brasileira de Análises Econômicas e Sociais).
16
Instituição voltada para a formação de executivos e empresários.
44. 44
Os bancos, privados em sua grande maioria, também têm seu papel social
impulsionado pela política geral de mercado. Embora seus produtos principais -
intermediação financeira e rendimentos em aplicações financeiras - não tenham ligação
direta com as questões mais em voga sob o ponto de vista da responsabilidade social
(comunidade, meio ambiente, cultura, lazer, esportes etc), eles viabilizam a implementação
e melhoria dessas áreas.
Nos bancos do setor privado destacam-se as ações desenvolvidas principalmente por
intermédio de Fundações e de parcerias com outras instituições. Nos bancos do setor
público, destacam-se os patrocínios aos esportes, como é o caso do Banco do Brasil, que
patrocina a Seleção Brasileira de Vôlei, e da Caixa Econômica, que patrocina a Seleção
Brasileira de Basquete. De um modo geral, fora ações isoladas como as citadas
anteriormente, vêm-se observando, no Brasil, ações de responsabilidade social no setor
bancário, como aquelas que procuram induzir outros - principalmente investidores,
empresários e executivos - a adotarem, em suas políticas, a preocupação com o social.
Em matéria intitulada “Responsabilidade Social em Pauta” (JULLIANI, 2003), foi
divulgada a realização de um seminário sobre os Investimentos Socialmente Responsáveis
(ISR), objetivando discutir como esses investimentos entraram definitivamente na agenda
do mercado financeiro. O evento, promovido pela Associação dos Analistas e Profissionais
de Investimentos do Mercado de Capitais (APIMEC), pretende apresentar aos analistas o
potencial de crescimento dos ISR. Um dos pontos do evento visa a esclarecer a diferença
entre os ISR e o ISC (Investimento Social Comunitário).
Segundo a mesma matéria, os ISR são bastantes conhecidos no exterior e
caracterizam-se pela aplicação unicamente em ações de empresas que adotam práticas de
responsabilidade social. O objetivo dos fundos éticos, como também são chamados, é
45. 45
induzir empresas a adotarem, cada vez mais, as práticas de responsabilidade social. Já os
ISC são fundos de teor filantrópico, que destinam recursos a instituições beneficentes.
No Brasil, o único representante dos ISR é o fundo de ações Ethical, do ABN Amro
Bank, lançado em novembro de 2001. Os ISC têm recebido maior atenção dos gestores e já
existem cinco fundos com este perfil em operação no Brasil, oferecidos pelo Banco Santos,
CEF, HSBC, Bonsucesso e Unibanco. São carteiras de renda fixa que destinam parte da
taxa de administração para projetos sociais.
Levando-se em consideração que o objetivo deste trabalho é o de estudar o tema
responsabilidade social em uma instituição financeira pública, vale registrar que os
questionamentos acerca da responsabilidade social nos bancos públicos inicia-se com uma
questão mais ampla, envolvendo considerações que dizem respeito a qualquer empresa do
setor público, sendo a principal delas o fato de que essas empresas existem para o
atendimento dos anseios da sociedade.
A esse respeito, Ashley faz a seguinte reflexão:
O Estado tem passado por um processo de redefinição de seu horizonte de
influência, de adaptação à nova realidade do mundo global, que o surpreende e
desestabiliza. A cultura democrática, ainda em desenvolvimento, começa a
modificar as práticas e os discursos na administração pública. A sociedade vem
dinamizando seus recursos, combinando cidadania e cobrança ao Estado com a
resolução de seus problemas imediatos. Diante de um quadro mundial de
dificuldades econômicas, principalmente devida à má distribuição de renda,
questionar a responsabilidade social das organizações públicas torna-se
fundamental. Estariam elas sendo efetivas para a sociedade? (ASHLEY, 2002,
p.146)
Embora este trabalho pretenda apenas ilustrar a forma como os agentes financeiros
do país vêm se desenvolvendo no quesito responsabilidade social, seria salutar apresentar
outros trabalhos de pesquisa sobre responsabilidade social, com foco nos aspectos teórico-
instrumentais, realizados por outras instituições de fomento ao desenvolvimento, os quais
46. 46
pudessem oferecer parâmetros para análises e comparações. Porém, nenhum outro trabalho
desse tipo foi localizado, nem mesmo por solicitação efetuada pelo site da ABDE17
. A
única instituição que respondeu à solicitação apresentou apenas o resultado de uma
pesquisa realizada no âmbito interno, objetivando conhecer a ação social dos seus
empregados.
Diante disso, escolheu-se o Banco Central do Brasil18
, maior agente do sistema
financeiro nacional, objeto de pesquisa de dissertação de mestrado em Administração
(VENTURA, 1999), para enfatizar a importância do tema no setor bancário. Criado para ser
o responsável pelas políticas monetária e cambial, pela fiscalização das instituições
financeiras, meio circulante, consórcios, cooperativas e crédito rural, as responsabilidades e
atribuições do Banco Central do Brasil vão além das funções de um banco central clássico.
Na Constituição Federal de 1988 são estabelecidos novos dispositivos para atuação
do Banco Central (Art. 192 – Organização do SFN), o que dá início a um esforço de
planejamento estratégico para definir sua missão, macroprocessos e objetivos estratégicos.
Em 1988 a missão do Banco Central passou a ser a de assegurar a estabilidade do poder de
compra da moeda nacional.
O aumento do interesse do cidadão brasileiro por assuntos econômicos foi o
principal fator que impulsionou o fortalecimento da imagem do Banco Central, assim como
um melhor e mais intenso relacionamento deste com a sociedade. As relações entre o
Banco Central e o Congresso Nacional têm sido aprimoradas pelo aumento do número de
audiência que realizam entre si. Considera-se esse o melhor caminho para a demonstração
17
Associação Brasileira de Bancos de Desenvolvimento.
18
Criado pela Lei de Reforma Bancária nº 4.595/64.
47. 47
pública da responsabilidade social do Banco Central, isto é, para o exercício de sua
accountability.
O relacionamento com a imprensa passa de uma postura passiva para uma ação pró-
ativa. Por meio do BC Atende19
e do site, totalmente reestruturado, o relacionamento do
Banco Central com o público em geral ficou mais estreito20
. A aproximação do Banco
Central com a juventude é foco do projeto BC Escola, cujo objetivo é promover a
conscientização do papel do Banco Central na sociedade.
Para discutir estas questões, em 1999 foi realizado um evento intitulado, para efeito
de divulgação, “Seminário Responsabilidade Social das Organizações”21
, reunindo
servidores de diferentes níveis.
Para o ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, o brasileiro é tolerante com
inflação, e o Banco Central é a única defesa que o excluído tem contra ela. Para ele, os
princípios que regem os bancos centrais de todo o mundo chegam ao Brasil, sendo a
transparência um deles. Quando questionado sobre a responsabilidade social do Banco
Central ele enfatizou a questão da independência necessária à atuação do Banco.
Para Armínio Fraga, então Presidente do Banco Central, a responsabilidade social é
“algo que vai além de si, de sua família, tem a ver com o conjunto da sociedade, com os
19
Sistema integrado de atendimento ao público, denominado “Centrais de Atendimento”, que responde às
dúvidas do público também via e-mail.
20
Em pesquisa realizada em 1989, pelo Instituto Gallup, sobre a imagem do Banco Central, constatou-se um
alto índice de desconhecimento sobre sua função, mesmo entre usuários do sistema financeiro.
21
Parte do Programa de Treinamento e Desenvolvimento da DERJA (Delegacia Regional do Rio de Janeiro),
visou a apresentar o tema e promover debate sobre ele. Foi realizado em 28/07/1999, com a participação
voluntária de 25 servidores integrantes dos seguintes níveis: chefes de subunidades, coordenadores, assessores
e servidores sem comissão, analistas e técnicos. O encontro, com duração de duas horas, constou de uma
apresentação teórica, passando depois à coleta de dados por meio de um questionário aberto e um fechado,
destinados a captar a percepção do servidor quanto à responsabilidade social do Bacen no local de trabalho.
48. 48
menos privilegiados[...]” Na sua opinião, o Banco Central tem a responsabilidade indireta
de zelar por um ambiente econômico estável, previsível e que contribua para o bem-estar da
população. Considera legítima a demanda da sociedade por transparência, bem como
fundamental uma boa política de comunicação que propicie à população o entendimento do
papel do Banco Central. Para Armínio Fraga o cliente número um do Banco Central é a
sociedade como um todo. E considera que algumas mudanças precisam ser feitas naquela
instituição:
As grandes mudanças[...] seriam as mudanças ligadas à independência, autonomia
e prestação de contas. [...] Eu vejo como sendo desafios importantes aí para a
nossa gestão [...] eu acho que existe base para se perseguir esta mudança
institucional ligada à independência do Banco. A base que está aí é muito boa.
(FRAGA apud ASHLEY, 2002, p.160)
Accountability, então, para o Presidente do Banco Central, seria a prestação de
contas, no sentido de se discutir a atuação do Banco, tendo como referência certas metas e
princípios.
A primeira responsabilidade social do Banco Central, segundo o Diretor de Normas
e Organização, é a defesa da moeda. Para ele, o Banco Central não tem responsabilidade
direta pela situação social do país. Ele considera, também, que é importante haver
transparência e participação nos processos internos; o funcionário tem que estar motivado e
integrado, problemas salariais não podem existir. (ASHLEY, 2002, p.161)
Para o Diretor de Política Econômica, responsabilidade social é a transparência
para a sociedade do que a instituição faz. A questão mais importante para o Banco Central é
a manutenção da estabilidade dos preços. (ASHLEY, 2002, p.162)
Em outras entrevistas ficou evidenciado que o entendimento de responsabilidade
social é o cumprimento de sua missão institucional e que ela deve estar presente em todos
os atos do Banco Central. Para alguns servidores, o Banco Central ainda é uma caixa preta
49. 49
e tem muito que caminhar em direção à transparência. Para outros, o Banco Central estava
passando por um período de incerteza, porém nunca se distanciou da sociedade porque
nunca esteve próximo dela.
Foram apontados, ainda, quatro fatores de limitação da responsabilidade social do
Banco Central: 1º - a falta de autonomia; 2º - as restrições orçamentárias; 3º - a legislação,
que às vezes dificulta a atuação do Banco; e 4º - o nível de educação da população, que
limita a atuação do Banco.
Pelo lado da extensão da responsabilidade social do Banco, considerou-se
importante o seu caráter regulador, e que se deveria levar essa discussão à comunidade
financeira. A diminuição de investimentos nos funcionários compromete a autonomia do
Banco Central, uma vez que os servidores perdem a motivação e o interesse.
Como se pôde observar, a explicitação das idéias e pensamentos dos dirigentes e
funcionários do Banco Central favoreceu a construção de um panorama de como é tratado o
assunto responsabilidade social nas políticas dessa empresa.
A exemplo do estudo realizado no Banco Central, este trabalho se propõe a
conhecer o pensamento da administração da Desenbahia sobre o tema responsabilidade
social, como ponto de partida para que todas as estratégias pertinentes possam ser
delineadas.
50. 50
CAPÍTULO 2
MAPAS COGNITIVOS E GESTÃO
A maneira como os membros organizacionais conceituam os eventos ou processos organizativos e
lhes conferem sentido pode ser considerada o princípio basilar da perspectiva cognitivista sobre a
organização. A força com que tal princípio se afirma e imprime novos rumos à pesquisa e intervenção no
campo organizacional é congruente com o movimento observado em várias disciplinas, marcado pela
crescente atenção às dimensões representacional e construtivista envolvidas nos fenômenos da vida social
(PROAC; MEINDL; STUBBART apud BASTOS, 2000).
O desafio dos pesquisadores, ao longo do tempo, sempre foi o de desvendar os mistérios da mente
humana, fazendo com que esta sempre ocupasse um lugar de destaque no campo da pesquisa, sobretudo
quanto à investigação dos processos que geram o conhecimento e do papel desse conhecimento na dinâmica
da inter-relacão humana. Esse campo de pesquisa que, ao lado do processo conhecer e do papel desse
conhecimento, reúne também as dimensões biológica, psicológica, social e cultural, é conhecido como o
campo da(s) ciência(s) da cognição.
As organizações conformam-se em um interessante campo de pesquisa, pois reúnem vários
indivíduos com identidades próprias, unidos em torno de um objetivo comum-a organização-, para construir
uma identidade grupal/coletiva. Essa diversidade chama a atenção dos pesquisadores para o campo
organizacional, e constitui o objeto da Teoria da Identidade Social – TIS (NKOMO; COX JR, 1998).
Segundo a TIS, existem dois tipos de grupos no interior das organizações, sendo a identidade
organizacional o resultado da filiação do indivíduo ao grupo de identidade e ao grupo organizacional. Ao
Grupo de Identidade filiam-se aqueles que compartilham alguma característica biológica, que participaram
de experiências de vida semelhantes, que estão sujeitos a forças sociais similares e, como resultado, têm
51. 51
visões consonantes de mundo. Por exemplo: gênero, etnia, idade, família etc. Os indivíduos podem sentir-se
mais ou menos identificados com o grupo, mas o foco encontra-se na auto-identificação. O Grupo
Organizacional é aquele em que os membros compartilham cargos organizacionais, participam de
experiências de trabalho equivalentes e têm visões consonantes de mundo (NKOMO; COX JR, 1998). A
filiação ao Grupo de Identidade antecede a filiação ao Grupo Organizacional.
O desejo de conhecer o funcionamento do indivíduo dentro das organizações, filiado a grupos
individuais e organizacionais, deu origem aos estudos organizacionais22
, os quais marcam seu ponto de
encontro com os estudos cognitivos exatamente pela curiosidade de se conhecer os domínios da mente dentro
das organizações. Cognição e
Organização têm como temas centrais: percepção e interpretação, atenção, memória,
resolução de problemas, representação, conhecimento e aprendizagem, e cognição social.
Neste campo de estudos insere-se a Psicologia, aportando os conhecimentos sobre a mente
e seus três domínios: cognitivo (percepção, inteligência e solução de problemas), afetivo (sentimentos, afetos)
e conativo (vontade, impulso e determinação). Assim, toma-se cognição como sinônimo de pensamento - algo
escondido, intrapsíquico, de difícil acesso.
Historicamente, a mente humana sempre foi tratada de forma cartesiana, não- científica, associada a
um programa de computador que captura, processa, armazena e recupera, destacando-se aí a importância da
memória, com pouca ênfase nos planos afetivos, emocionais, contextuais e culturais, o que configura o
“modelo mentalista”. Novos rumos começam a se delinear nos estudos cognitivos, conforme Quadro 2,
abaixo:
22
Estudos organizacionais são assim definidos no “Handbook de Estudos Organizacionais”: “Definir estudos
organizacionais hoje não é, por nenhum meio, tarefa fácil. Nossa abordagem é conceituar os estudos
organizacionais como uma série de conversações, em particular aquelas dos pesquisadores dessa área que
52. 52
Rompendo a noção de
símbolo
Arquiteturas Conexionistas
Metáfora: Cérebro
• Redes neurais: nodos
simples que se conectam.
• Processamento paralelo
ou distribuído.
• Memória: armazenamento
distribuído; presença de dicas.
• Processamento
automático, implícito,
inconsciente, “bottom-up”.
Aproximando Mente e Corpo
As Neurociências
• Mente: produto de um
organismo em iteração e de um
equipamento biológico singular
e complexo: o cérebro.
• Plasticidade e evolução:
adaptação do organismo.
• Mente: atividade e
processo.
• Mente e corpo: rompe-se
a dicotomia razão e emoção.
Incorporando Cultura e Ação
Os Construtivismos
• Mente: instrumento ativo
fr criação do mundo.
• Natureza social do
processo de construção.
Mediado pela linguagem.
• Aspectos semânticos:
significados no interior de
práticas sociais.
• Discurso. Atos da fala.
Quadro 2 – Novos rumos
Fonte: BASTOS, 2000, p.2.
Os estudos comportamentais, conhecidos como Escola Behaviorista, rejeitam o
dualismo, o poder explicativo envolvido no uso dos conceitos mentalistas até então
empregados. O behaviorismo enfatiza a observação e a experimentação, e também a análise
do ambiente, a relação estímulo-resposta, determinando um novo padrão científico. O
movimento behaviorista não significou a morte do cognitivismo, no entanto, a fragilidade
do modelo mentalista e as evidências científicas acumuladas pela Escola Behaviorista
tornaram o behaviorismo o pensamento dominante até os anos 50.
ajudam a constituir as organizações por meios de termos derivados de paradigmas, métodos e suposições,
53. 53
Neste cenário, constituído por fragmentos do modelo mentalista e dominado pelo behaviorismo, surge a
ciência cognitiva, definida como um “empreendimento contemporâneo que busca base empírica para
responder a importantes questões epistemológicas sobre a natureza, origem, desenvolvimento e emprego do
conhecimento pelo homem” (GARDNER apud BASTOS, 2000, p. 4). Com a ciência cognitiva o conceito de
mente como um processo ou atividade, e não como estado ou substância, é retomado.A ciência cognitiva
configura-se como interdisciplinar, sobretudo envolvendo os campos mais voltados para a investigação do
processo de conhecimento humano, como a Psicologia, a Antropologia, a Lingüística, a Filosofia e as
neurociências.
As críticas recebidas pela ciência cognitiva conduziram os estudos por três direções inovadoras: o
rompimento com a noção de símbolo e de processamento serial, com o desenvolvimento da modelagem
conexionista; a maior vinculação da mente ao corpo e, em particular, ao cérebro, como avanço do
conhecimento das neurociências; e a incorporação das dimensões social e cultural, com o desenvolvimento de
perspectivas construtivistas e da ênfase na ação.
É a partir da terceira vertente, a da incorporação da cultura e
da ação ao processo de conhecimento da mente, que a
Psicologia se introduz mais fortemente nos estudos, ao lado
da Lingüística e da Antropologia, devido ao desejo de neles
se incluir a dimensão sócio-cultural, outrora minimizada
pelo paradigma do processamento da informação. A partir
de então, busca-se equacionar a relação do indivíduo com a
sociedade e a cultura. Os aportes de conhecimento efetuados
pela pesquisa nesta área provocam outra ruptura em relação
ao conceito de mente cartesiana: a mente passa a ser vista
como disposições ou tendências para agir de forma
específica em determinadas situações, deixando de ser
apenas um “lugar”. Alguns autores afirmam:
[...] linguagem deixa de ser entendida como um fenômeno “mental” ou como
veículo de um processo interno de pensamento separado das atividades humanas,
e sim como um fenômeno compartilhado, uma parte dos próprios negócios
práticos que se desenvolve na vida coletiva e ao longo do tempo. (BUTTON apud
BASTOS, 2000, p.10).
todos decorrentes de conversações prévias”. (CLEGG; HARDY; NORD, 1999, p.30)
54. 54
Compreende-se, então, que a linguagem utilizada estrutura o mundo e constrói a realidade. Assim, o
dizer e o fazer não são percebidos separadamente, mas considera-se a inseparabilidade da mente e da
linguagem. Estas conclusões trazem à tona a noção de discurso, assim definido por Harré e Gillet ( apud
BASTOS, 2000): “Os discursos são as seqüências de atos e falas, sendo as práticas discursivas o uso de um
sistema de sinais para o qual não existem normas de uso correto e incorreto, e os sinais dizem respeito a várias
coisas ou são dirigidos a essas coisas.”
Ainda, segundo eles, “o discurso pode ser privado ou público, sendo denominado, respectivamente,
de pensamento e de comportamento”. (HARRÉ; GILLET apud BASTOS, 2000, p.10).
Esta ênfase na dimensão social abre campo para área de
pesquisa específica na Psicologia Social, cujo objetivo é
pesquisar os processos pelos quais os indivíduos geram
conhecimento e compreensão dos aspectos da vida
cotidiana, das pessoas e de si próprios, requerendo, no
entanto, um repensar em conceitos como indivíduo,
individualidade e subjetividade.
Os estudos organizacionais não puderam abster-se de incorporar as modificações efetuadas nesses
conceitos, pois eles embasam os processos organizacionais, considerando-se como definição de organização
agrupamento social ou indivíduos em interação. A dinâmica organizacional e as dinâmicas individuais
coexistem imbricadas, circunscritas e limitadas pelo uso comum do espaço e do tempo.
Duas questões dos estudos organizacionais são reestruturadas à luz dos estudos cognitivos: a
natureza ontológica do fenômeno “organização”, algo que polariza a discussão “processo” versus “entidade”,
e a relação entre “indivíduo” e “organização”, envolvendo a discussão sobre determinação individual ou
estrutural dos fenômenos organizacionais. Em busca do esclarecimento dessas questões duas matrizes foram
construídas, sendo a primeira do domínio da Psicologia e a segunda sustentada pela Sociologia, pela
Economia e pela Ciência Política.
A primeira matriz concentra-se nos processos envolvidos no
organizar-se, e nos estudos sobre os indivíduos e seu papel
na construção da organização, mais do que na organização
55. 55
como determinante do comportamento individual. É a
perspectiva micro-orientada. Na segunda, a organização é
uma entidade independente das pessoas e das suas
atividades. Como tal, interage com outras organizações,
adapta-se ao ambiente e é capaz de aprender. Essas
organizações também podem ser adjetivadas, isto é,
chamadas de modernas, burocráticas, complexas,
competitivas ou dinâmicas. É a perspectiva macro-orientada.
A concepção de organização como entidade torna-se o pensamento hegemônico,
já que os indivíduos e os seus processos são vistos como ocorrendo na
organização. Temos organizações como entidades a serem compreendidas nas
suas relações contextuais, históricas e simbólicas que estruturam a sociedade
maior. E temos indivíduos dentro das organizações, com seus processos
individuais, motivos, necessidades, expectativas, crenças e mecanismos de lidar
e de enfrentar as exigências postas por ela. (BASTOS, 2000, p. 13)
O estudo da cognição nos processos microorganizacionais
divide-se em duas áreas: cognição social, responsável pela
análise dos processos pelos quais os indivíduos percebem,
estruturam e usam, no cotidiano, o conhecimento sobre si,
sobre os outros e sobre o mundo, trazendo como
perspectivas cognitivistas a liderança, a motivação e a
avaliação de desempenho; e a teoria do processo decisório,
responsável pelas análises da tomada de decisões pelos
indivíduos em seus ambientes naturais, trazendo como
perspectivas cognitivistas a negociação, os processos de
decisão em grupo e a gestão de recursos humanos.
O estudo da cognição nos processos microorganizacionais
ganhou corpo quando alguns tópicos dos estudos
organizacionais passaram a ser analisados à luz de conceitos
e estratégias metodológicas até então dominados pelos
estudos do campo micro-organizacional. O primeiro
56. 56
trabalho que marcou a aplicação da cognição aos fenômenos
organizacionais foi o de Herbet Simon, no final dos anos
quarenta, destacando os processos decisórios e as escolhas
humanas como elementos críticos em uma teoria da
organização. O outro trabalho que marca esse processo é o
de Finney e Mitroff (1986 apud BASTOS, 2000), que
destaca os processos cognitivos como centrais para o
sucesso ou fracasso de planos estratégicos das organizações.
Outras duas revisões mais recentes (anos 90) ratificam o
rompimento das barreiras que colocavam em lados opostos
indivíduos e organizações. Na primeira, o fenômeno
organizacional vem sendo visto como resultado da interação
de atores relevantes. Dessa forma, os valores que sustentam
a organização são baseados em mitos, rituais, fofocas,
histórias, símbolos, estruturas negociadas/construídas e
metas visionárias. A segunda destaca o vínculo entre o
acentuado processo de mudanças por que passam as
organizações e as transições conceituais que impõem ao
estudo do comportamento organizacional. De acordo com
essa revisão, o significado de organização como “processo”
vem ocupando largo espaço em detrimento do conceito de
“entidade”, outrora hegemônico. Esta mudança coloca a
organização como uma Construção Social, com atenção
especial nos processos grupais, cognição gerencial, redes
sociais etc.; a ênfase recai sobre os processos organizativos.
Para Teresa Garcia-Marques,
O estudo da realidade organizacional é definido não só pela multitude de
dimensões em que esta pode ser caracterizada, mas também pela forma como estas
dimensões interagem. Em destaque encontra-se a interacção da dimensão humana
57. 57
(social) com as dimensões física, econômica, política etc. (GARCIA-MARQUES,
2000, p.152)
Para outros autores, o impulso propiciado pela ciência da
cognição aos estudos e pesquisas no campo organizacional,
e a tentativa de organização desses processos, configuram o
cenário ideal onde se começa a observar a importância da
estrutura organizacional como fator significativo na teia das
relações organizacionais. Tome-se, por exemplo, a seguinte
afirmação:
É neste contexto de transformação tão importante – em parte impulsionado pelo
crescimento e afirmação de um novo campo científico, a ciência da cognição –
que a atenção as estruturas organizacionais ganha relevo. Essa importância se
manifesta tanto nas construções teóricas que buscam compreender a teia de
relações que articula indivíduos e constitui o cerne do processo de organizar,
quanto nas tentativas de ação e modelagem desses próprios processos. O termo
“cognição gerencial” é, de forma ampla, aplicado ao campo de estudos que,
apoiado em uma perspectiva cognitivista, investiga como indivíduos e
organizações constroem os seus ambientes. (JENKINS apud BASTOS, 2000,
p. 2).
Estas mudanças provocam a busca de ferramentas de análise
e intervenção organizacional mais apropriadas à
natureza/conceito de organização como “processo”, e não a
algo estático como “entidade”. Essa busca movimenta os
pesquisadores, desafiando-os na construção de novos
conhecimentos a serem aportados na área dos estudos
organizacionais. Conclui Antônio Virgílio Bastos:
Assim articula-se a uma abordagem cognitivista do fenômeno organizacional, a
crescente utilização do conceito de mapas cognitivos com uma função explanativa
de como os indivíduos estruturam e organizam as suas cognições e,
simultaneamente, como uma ferramenta de intervenção em processos
organizacionais. (BASTOS, 2000, p. 2.)
Apoiado em uma revisão literária, Bastos (2000) oferece um
resumo da teoria sobre mapas cognitivos, analisa questões
58. 58
teórico-conceituais, apresenta diferentes metodologias de
construção de mapas, e aponta as áreas temáticas que têm
sido abordadas por essa estratégia de pesquisa, o que se
reproduz a seguir.
O conceito de mapa cognitivo surge, na Psicologia, a partir
dos experimentos de E.Tolman, estudando, em ratos, a
aprendizagem e a orientação em labirintos. Mapas eram,
então, representações de indícios visuais, táteis, auditivos,
que configuram o ambiente e permitem a localização do
sujeito no espaço. Os estudos de animais em seus hábitats
revelam, segundo Csányi (1995 apud BASTOS, 2000, p.24),
que quase todos eles utilizavam mapas cognitivos para se
orientarem, sendo que esses mapas não são representações
estáticas do ambiente e sim ”modelos dinâmicos de várias
características, eventos e processos que influenciam a
sobrevivência do animal”. Estudos neurobiológicos mostram
que mapas cognitivos não seriam apenas conceitos úteis para
descrever funções cerebrais - eles seriam estruturas físicas
que podem ser verificadas experimentalmente e que fazem
com que não exista uma conexão direta entre percepções e
ações.
Assim, Bastos constrói o seguinte conceito de mapa cognitivo: processo pelo qual um organismo
representa o ambiente em seu próprio cérebro, uma atividade que os mais contemporâneos cientistas da área
parecem concordar como sendo uma das principais funções do cérebro. Desse modo, os mapas cognitivos
envolvem conceitos e relações entre conceitos que são utilizados pelos sujeitos para compreender e dar
sentido ao seu ambiente.
Nos seres humanos os mapas cognitivos vão além da
representação das características físicas do seu ambiente,
59. 59
pois o uso da linguagem, inerente a esses seres, modifica o
meio pelo qual o ambiente é mapeado; neste sentido, o
mapeamento passa a ser dependente da experiência do
indivíduo no ambiente, ou seja, torna-se um mapeamento
lingüístico, um mapeamento de conceitos. Aceitam-se
descrições e prescrições de outros indivíduos e,
considerando-se também as trocas efetuadas pelos
indivíduos em grupos, os conceitos individuais tornam-se
parte de uma estrutura coletiva de ordem superior, que pode
ser identificada como cultura. O domínio da língua nativa
possibilita a um indivíduo a apropriação de informações
acumuladas ao longo das gerações. Todos estes aspectos
juntos, possibilitados pelo uso da linguagem, fazem dos
mapas humanos uma realidade socialmente construída.
Até aqui, dois aspectos importantes no conceito de mapas cognitivos são destacáveis: primeiro, não
podem ser vistos como representações estáticas, mas como representações das experiências de aprendizagem
do sujeito. Segundo, não consistem em uma cópia da exata do ambiente, pois envolvem uma simplificação no
relato, fornecendo uma imagem aproximada da realidade.
Insere-se aqui a diferenciação entre mapas e territórios. O homem vive em dois mundos: o território
– coisas e eventos, e o mapa – palavras sobre eventos e coisas. O que permite ao homem mapear seu território
é a capacidade de abstração, que envolve seleção, omissão, desconsideração de diferenças e organização da
realidade, construindo um mundo estável, coerente e organizado, ainda que impreciso, dadas as constantes
mudanças da realidade, como também pela natureza inferencial dos mecanismos envolvidos neste processo.
Assim, os mapas podem ser concebidos como
[...] representações gráficas que localizam as pessoas em relação aos seus
“ambientes de informação”. Como uma representação, e de forma análoga aos
mapas geográficos, eles destacam algumas informações e escondem outras;
revelam o raciocínio por trás das ações individuais, estruturam e simplificam
pensamentos e crenças, dando-lhes sentido, permitindo a comunicação.
(FIOL; HUFF, 1992 apud BASTOS, 2000, p. 4).
60. 60
Outros autores consideram os mapas como estruturas epistemológicas, dada a quantidade de valor
agregado ao processo, pois a construção envolve exploração do ambiente, mais do que simples observação,
estabelecendo assim uma relação estreita com a ação. Os mapas seriam, então, compostos pelas regularidades
percebidas pelos sujeitos a partir de suas próprias ações, pequenos experimentos e suas conseqüências.
Neste contexto, a característica mais importante que os
mapas cognitivos possuem é a flexibilidade, fazendo com
que o conceito de mapa se aplique quando se evidencia um
comportamento flexível ou quando se observa que a pessoa
lida com pontos de partida alternativos e com caminhos
alternativos para atingir um objetivo. (WEICK; BOUGON,
1986 apud BASTOS, 2000)
O mapa cognitivo é um rótulo usado de forma bastante genérica para representar possíveis padrões
de relação entre conceitos. As palavras ditas pelos indivíduos em um dado contexto constituem locos para a
construção do mapa cognitivo, pelo pesquisador, a partir de um discurso enunciado ou escrito pelo indivíduo.
(BOUGON, 1983 apud BASTOS, 2000)
A esse respeito, Swan (1997 apud BASTOS, 2000) assinalou uma importante distinção conceitual
entre mapas cognitivos e mapeamento cognitivo. Os mapas cognitivos são representações, schemas ou
modelos mentais construídos pelos indivíduos a partir das suas interações e aprendizagens em um domínio
específico do seu ambiente, e que cumprem a função de dar sentido à realidade e permitir-lhes lidar com os
problemas e desafios que esta lhe coloca.
Mapeamento cognitivo é entendido como o conjunto de
técnicas ou ferramentas de pesquisa voltadas para identificar
os elementos que integram esses mapas ou modelos
construídos pelos indivíduos, e partilhados, em maior ou
menor grau, por outros indivíduos. Essas técnicas
compreendem, também, formas de retratar graficamente as
crenças subjetivas envolvidas, dando-lhes um tratamento