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Caçada
EXT. CASA DO GUARDA - DIA 
Do calmo e sereno dia de sol aparece FRANCISCO (27), suado, 
estafado, coberto por marcas de violência. 
Francisco aproxima-se da casa do guarda e bate à porta. Ele 
está nervoso, agitado. Francisco fica atento quando alguém 
chega do outro lado. A porta abre-se. 
MARIA (17), modesta, de vestido longo e mãos sujas, aparece. 
Não é ela quem Francisco esperava. 
FRANCISCO 
O Vítor Nogueira mora aqui? 
MARIA 
Sim. 
FRANCISCO 
Ele está em casa? 
MARIA 
Não, o pai não está. 
FRANCISCO 
(incomodado) 
E a tua mãe? Ela está? 
MARIA 
Também não, a mãe foi -- 
(espreita para a rua) 
-- à mercearia. 
Os nervos de Francisco não desaparecem. Maria observa-o. 
FRANCISCO 
(para si mesmo) 
Estás sozinha... 
(para Maria) 
Eu huh -- posso entrar? 
Maria dá um passo atrás. 
FRANCISCO 
Estou muito cansado, talvez se me 
pudesses dar um copo de água. 
(tosse) 
Para a minha garganta. 
MARIA 
Não há problema. Eu vou-lhe buscar 
água.
2. 
INT. CASA DO GUARDA - COZINHA - CONTINUAÇÃO 
Maria entra, pega num copo e enche-o de água onde acrescenta 
um pouco de lima. Ao virar-se é SURPREENDIDA pela presença 
de Francisco à porta da cozinha. 
FRANCISCO 
Desculpa. Posso-me sentar? 
Maria relaxa. 
MARIA 
Claro. 
Francisco foca-se no copo de água mas Maria deita-a fora. Em 
vez disso começa a preparar um copo com leite e bolachas. 
MARIA 
O pai diz que não devemos deixar 
estranhos entrar em casa. 
FRANCISCO 
Eu sei, eu só estou -- 
MARIA 
Nem falar com eles. É errado. Mas 
curioso não é? 
FRANCISCO 
Como assim? 
MARIA 
Antes de as conhecermos todas as 
pessoas nos são estranhas. E não há 
uma explicação, sobre o que fazer. 
Apenas esperamos que aconteça? O 
pai deve pensar que sim. É 
inevitável um estranho deixar de o 
ser. Até lá não devemos fazer nada. 
Francisco e Maria olham-se. 
MARIA 
Mas o pai é que diz. 
(dá-lhe o leite e bolachas) 
Aqui. 
FRANCISCO 
Obrigado. 
Maria observa Francisco enquanto ele se alimenta até -- 
(CONTINUA)
CONTINUA: 3. 
FRANCISCO 
Escuta, não tenhas medo. 
MARIA 
Huh? 
Maria senta-se. 
FRANCISCO 
Medo. Do que te posso fazer, já que 
sou um estranho. 
MARIA 
E não é? 
FRANCISCO 
Sou. Mas não te quero mal. 
MARIA 
(pausa ) 
E as bolachas? 
FRANCISCO 
Estão boas. 
MARIA 
O tempero é especial. Ficam assim, 
saborosas não é? 
Francisco olha-a suspeito e retira lentamente a bolacha 
trincada da boca. Maria pega numa e trinca-a. Francisco não 
consegue ler Maria e volta a comer. 
MARIA 
Hum? 
FRANCISCO 
É. 
Maria desprende o cabelo, parece mais adulta. Francisco 
observa-a dessa forma e repara-lhe nas mãos. 
FRANCISCO 
Se estavas a trabalhar, não te 
impeças por mim. Posso esperar 
aqui. 
MARIA 
O pai não compreenderia se o 
deixasse sozinho. 
(CONTINUA)
CONTINUA: 4. 
FRANCISCO 
És muito chegada a ele? 
Maria levanta a mesa. 
MARIA 
Ao pai? 
FRANCISCO 
Sim. 
MARIA 
É o único pai que tenho, tenho de 
ser. 
Francisco repara na espingarda encostada à parede. 
FRANCISCO 
Claro que sim. Olha... 
MARIA 
Vamos... 
Francisco está distraído. 
MARIA 
Lá fora. 
EXT. CASA DO GUARDA - TRASEIRAS - DIA 
Maria recolhe seara e coloca-a num saco levado por 
Francisco. 
MARIA 
O que comemos cá em casa, é tudo 
nosso. É um requisito... 
FRANCISCO 
Do teu pai... 
MARIA 
Da mãe, ela insiste. Vegetais do 
quintal, carne da caça. Já alguma 
vez viu uma rapariga a caçar? 
FRANCISCO 
Para falar verdade nunca vi ninguém 
a caçar. 
MARIA 
Olha, eu sei caçar. Não é estranho 
pois não? 
(CONTINUA)
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FRANCISCO 
Vou presumir que não... 
Maria levanta-se de repente. 
MARIA 
Presumir? 
FRANCISCO 
Quer dizer que... 
MARIA 
Eu sei o que quer dizer. 
FRANCISCO 
Pois. Huh, escuta... 
MARIA 
Maria... 
FRANCISCO 
Maria sobre o teu pai... 
MARIA 
Eu sei, eu sei. 
(acaba o trabalho) 
Venha. 
INT. CASA DO GUARDA - CORREDOR - POUCO DEPOIS 
Maria entra seguida por Francisco. Os olhos dele passam por 
MOLDURAS em cujas fotos têm o HOMEM da família, Vítor 
Nogueira, fardado. Farda que faz lembrar a POLICIA MILITAR. 
Antes de chegar à cozinha Francisco é parado por Maria que 
aparece de toalha na mão. 
MARIA 
O pai nunca apertaria a mão a 
alguém tão sujo. 
INT. CASA DO GUARDA - CASA DE BANHO - DIA 
Francisco toma um desconfortável banho. 
O desconforto vem do facto de Maria estar à espera que ele 
acabe. 
MARIA 
Só uma coisa. Para quem está à 
procura do pai parece muito mais 
(MAIS) 
(CONTINUA)
CONTINUA: 6. 
MARIA (CONTINUA) 
que está a fugir dele. Quer dizer, 
se está a fugir, este não é o local 
certo para vir ter. O pai ia 
detestar encontra-lo aqui. 
FRANCISCO 
Eu estou à procura dele. 
MARIA 
Faz mais sentido. 
FRANCISCO 
Mas se pudesse encontra-lo fora 
daqui... 
MARIA 
Não, ele vem cá. É onde o pai mora. 
É lógico. 
FRANCISCO 
Eu sei, sim. Só que -- se eu 
pudesse falar com ele noutro lugar 
que não este. É mais correcto da 
minha parte dessa maneira -- 
(reage à água) 
-- Ahhh. 
MARIA 
Agora que nos conhecemos não me 
importo que espere. Posso trata-lo 
por tu? 
FRANCISCO 
(reacção à óbvia água gelada) 
Ahhh -- não. Fffff. 
MARIA 
Não? 
FRANCISCO 
Não... ahhh -- quer dizer -- sim. 
INT. CASA DO GUARDA - COZINHA - MAIS TARDE 
Francisco está novamente sentado. Penteado e arranjado, mais 
calmo. Maria aparece com dois copos de vinho. 
MARIA 
Não digas ao pai. Bebe. 
(CONTINUA)
CONTINUA: 7. 
FRANCISCO 
Eu não devia beber. 
MARIA 
E eu não devia falar com estranhos. 
Maria senta-se. Francisco sorri levemente e pega no copo. O 
olhar dos dois cruza-se, algo cúmplice, enquanto bebem. 
FRANCISCO 
Maria... 
MARIA 
Ainda não me disseste o teu nome. 
FRANCISCO 
Chamo-me Francisco. 
MARIA 
Francisco... posso chamar a policia 
para te ajudar. 
FRANCISCO 
Não. Não faças isso. 
Maria analisa Francisco com atenção. 
MARIA 
Há quem diga que por vezes fazem 
mais mal do que bem. 
Maria anda para trás de Francisco. 
FRANCISCO 
Sim... 
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Tu -- concordas? 
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Alguns... 
MARIA 
Alguns? 
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Alguns... fazem coisas, falam-nas. 
Que nos vão bater, que nos vão 
humilhar, dizem que somos culpados. 
Até ao dia em que batemos de volta 
e nos tornamos nisso mesmo. 
Maria coloca as mãos nos ombros de Francisco, elas descem 
até ao peito dele. Acalmam-no. 
(CONTINUA)
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MARIA 
É o que dizem, não é verdade. 
FRANCISCO 
Maria eu tenho que -- 
Francisco é interrompido pelo TOQUE DO TELEFONE. Maria 
levanta-se para o atender. 
MARIA 
Espera. 
Maria ouve o que lhe dizem do outro lado e desliga o 
telefone. A expressão dela fica mais séria. 
FRANCISCO 
Passou-se alguma coisa? 
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Sei onde está o pai. A mãe está com 
ele. 
FRANCISCO 
Estão onde? 
MARIA 
No hospital. É melhor ires-te 
embora. Eles -- eles hão-de vir 
procurar por ti cá a casa. 
FRANCISCO 
Ok. 
Francisco encara a arma. 
FRANCISCO 
Maria, posso levar a espingarda? 
Maria pára por um momento e -- 
MARIA 
Não, é melhor não. 
FRANCISCO 
Ok não há problema. 
INT. CASA DO GUARDA - GARAGEM - POUCO DEPOIS 
Maria e Francisco chegam-se à porta. 
(CONTINUA)
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FRANCISCO 
Obrigado por tudo. Espero que... 
espero que nos voltemos a ver. 
Francisco dá um toque no braço de Maria e afasta-se. 
Maria sai de plano e volta de espingarda na mão. Ela segue 
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  • 2. EXT. CASA DO GUARDA - DIA Do calmo e sereno dia de sol aparece FRANCISCO (27), suado, estafado, coberto por marcas de violência. Francisco aproxima-se da casa do guarda e bate à porta. Ele está nervoso, agitado. Francisco fica atento quando alguém chega do outro lado. A porta abre-se. MARIA (17), modesta, de vestido longo e mãos sujas, aparece. Não é ela quem Francisco esperava. FRANCISCO O Vítor Nogueira mora aqui? MARIA Sim. FRANCISCO Ele está em casa? MARIA Não, o pai não está. FRANCISCO (incomodado) E a tua mãe? Ela está? MARIA Também não, a mãe foi -- (espreita para a rua) -- à mercearia. Os nervos de Francisco não desaparecem. Maria observa-o. FRANCISCO (para si mesmo) Estás sozinha... (para Maria) Eu huh -- posso entrar? Maria dá um passo atrás. FRANCISCO Estou muito cansado, talvez se me pudesses dar um copo de água. (tosse) Para a minha garganta. MARIA Não há problema. Eu vou-lhe buscar água.
  • 3. 2. INT. CASA DO GUARDA - COZINHA - CONTINUAÇÃO Maria entra, pega num copo e enche-o de água onde acrescenta um pouco de lima. Ao virar-se é SURPREENDIDA pela presença de Francisco à porta da cozinha. FRANCISCO Desculpa. Posso-me sentar? Maria relaxa. MARIA Claro. Francisco foca-se no copo de água mas Maria deita-a fora. Em vez disso começa a preparar um copo com leite e bolachas. MARIA O pai diz que não devemos deixar estranhos entrar em casa. FRANCISCO Eu sei, eu só estou -- MARIA Nem falar com eles. É errado. Mas curioso não é? FRANCISCO Como assim? MARIA Antes de as conhecermos todas as pessoas nos são estranhas. E não há uma explicação, sobre o que fazer. Apenas esperamos que aconteça? O pai deve pensar que sim. É inevitável um estranho deixar de o ser. Até lá não devemos fazer nada. Francisco e Maria olham-se. MARIA Mas o pai é que diz. (dá-lhe o leite e bolachas) Aqui. FRANCISCO Obrigado. Maria observa Francisco enquanto ele se alimenta até -- (CONTINUA)
  • 4. CONTINUA: 3. FRANCISCO Escuta, não tenhas medo. MARIA Huh? Maria senta-se. FRANCISCO Medo. Do que te posso fazer, já que sou um estranho. MARIA E não é? FRANCISCO Sou. Mas não te quero mal. MARIA (pausa ) E as bolachas? FRANCISCO Estão boas. MARIA O tempero é especial. Ficam assim, saborosas não é? Francisco olha-a suspeito e retira lentamente a bolacha trincada da boca. Maria pega numa e trinca-a. Francisco não consegue ler Maria e volta a comer. MARIA Hum? FRANCISCO É. Maria desprende o cabelo, parece mais adulta. Francisco observa-a dessa forma e repara-lhe nas mãos. FRANCISCO Se estavas a trabalhar, não te impeças por mim. Posso esperar aqui. MARIA O pai não compreenderia se o deixasse sozinho. (CONTINUA)
  • 5. CONTINUA: 4. FRANCISCO És muito chegada a ele? Maria levanta a mesa. MARIA Ao pai? FRANCISCO Sim. MARIA É o único pai que tenho, tenho de ser. Francisco repara na espingarda encostada à parede. FRANCISCO Claro que sim. Olha... MARIA Vamos... Francisco está distraído. MARIA Lá fora. EXT. CASA DO GUARDA - TRASEIRAS - DIA Maria recolhe seara e coloca-a num saco levado por Francisco. MARIA O que comemos cá em casa, é tudo nosso. É um requisito... FRANCISCO Do teu pai... MARIA Da mãe, ela insiste. Vegetais do quintal, carne da caça. Já alguma vez viu uma rapariga a caçar? FRANCISCO Para falar verdade nunca vi ninguém a caçar. MARIA Olha, eu sei caçar. Não é estranho pois não? (CONTINUA)
  • 6. CONTINUA: 5. FRANCISCO Vou presumir que não... Maria levanta-se de repente. MARIA Presumir? FRANCISCO Quer dizer que... MARIA Eu sei o que quer dizer. FRANCISCO Pois. Huh, escuta... MARIA Maria... FRANCISCO Maria sobre o teu pai... MARIA Eu sei, eu sei. (acaba o trabalho) Venha. INT. CASA DO GUARDA - CORREDOR - POUCO DEPOIS Maria entra seguida por Francisco. Os olhos dele passam por MOLDURAS em cujas fotos têm o HOMEM da família, Vítor Nogueira, fardado. Farda que faz lembrar a POLICIA MILITAR. Antes de chegar à cozinha Francisco é parado por Maria que aparece de toalha na mão. MARIA O pai nunca apertaria a mão a alguém tão sujo. INT. CASA DO GUARDA - CASA DE BANHO - DIA Francisco toma um desconfortável banho. O desconforto vem do facto de Maria estar à espera que ele acabe. MARIA Só uma coisa. Para quem está à procura do pai parece muito mais (MAIS) (CONTINUA)
  • 7. CONTINUA: 6. MARIA (CONTINUA) que está a fugir dele. Quer dizer, se está a fugir, este não é o local certo para vir ter. O pai ia detestar encontra-lo aqui. FRANCISCO Eu estou à procura dele. MARIA Faz mais sentido. FRANCISCO Mas se pudesse encontra-lo fora daqui... MARIA Não, ele vem cá. É onde o pai mora. É lógico. FRANCISCO Eu sei, sim. Só que -- se eu pudesse falar com ele noutro lugar que não este. É mais correcto da minha parte dessa maneira -- (reage à água) -- Ahhh. MARIA Agora que nos conhecemos não me importo que espere. Posso trata-lo por tu? FRANCISCO (reacção à óbvia água gelada) Ahhh -- não. Fffff. MARIA Não? FRANCISCO Não... ahhh -- quer dizer -- sim. INT. CASA DO GUARDA - COZINHA - MAIS TARDE Francisco está novamente sentado. Penteado e arranjado, mais calmo. Maria aparece com dois copos de vinho. MARIA Não digas ao pai. Bebe. (CONTINUA)
  • 8. CONTINUA: 7. FRANCISCO Eu não devia beber. MARIA E eu não devia falar com estranhos. Maria senta-se. Francisco sorri levemente e pega no copo. O olhar dos dois cruza-se, algo cúmplice, enquanto bebem. FRANCISCO Maria... MARIA Ainda não me disseste o teu nome. FRANCISCO Chamo-me Francisco. MARIA Francisco... posso chamar a policia para te ajudar. FRANCISCO Não. Não faças isso. Maria analisa Francisco com atenção. MARIA Há quem diga que por vezes fazem mais mal do que bem. Maria anda para trás de Francisco. FRANCISCO Sim... MARIA Tu -- concordas? FRANCISCO Alguns... MARIA Alguns? FRANCISCO Alguns... fazem coisas, falam-nas. Que nos vão bater, que nos vão humilhar, dizem que somos culpados. Até ao dia em que batemos de volta e nos tornamos nisso mesmo. Maria coloca as mãos nos ombros de Francisco, elas descem até ao peito dele. Acalmam-no. (CONTINUA)
  • 9. CONTINUA: 8. MARIA É o que dizem, não é verdade. FRANCISCO Maria eu tenho que -- Francisco é interrompido pelo TOQUE DO TELEFONE. Maria levanta-se para o atender. MARIA Espera. Maria ouve o que lhe dizem do outro lado e desliga o telefone. A expressão dela fica mais séria. FRANCISCO Passou-se alguma coisa? MARIA Sei onde está o pai. A mãe está com ele. FRANCISCO Estão onde? MARIA No hospital. É melhor ires-te embora. Eles -- eles hão-de vir procurar por ti cá a casa. FRANCISCO Ok. Francisco encara a arma. FRANCISCO Maria, posso levar a espingarda? Maria pára por um momento e -- MARIA Não, é melhor não. FRANCISCO Ok não há problema. INT. CASA DO GUARDA - GARAGEM - POUCO DEPOIS Maria e Francisco chegam-se à porta. (CONTINUA)
  • 10. CONTINUA: 9. FRANCISCO Obrigado por tudo. Espero que... espero que nos voltemos a ver. Francisco dá um toque no braço de Maria e afasta-se. Maria sai de plano e volta de espingarda na mão. Ela segue até meio caminho enquanto Francisco continua. Maria pára e aponta a espingarda na direcção dele. Há um momento e -- PUM. Dispara.