[1] O documento discute a visão do cientista político norte-americano Riker sobre o federalismo no Brasil, que Arretche contrapõe com evidências históricas. [2] Posteriormente, analisa como estudos posteriores criticaram a abordagem de Riker por usar apenas o modelo dos EUA como referência, sugerindo que há diferentes tipos de federalismo. [3] Por fim, discute como as pesquisas sobre federalismo evoluíram para analisar seu impacto sobre processos decisórios e políticas públicas.
1. Federalismo e democracia no Brasil – a visão da ciência política norte-americana
Marta Arretche
A autora inicia sua exposiçãocitantoRiker, no HandbookofPolitical Science, na parte de
federalismo; segundo ele, o Ato Adicional de 1834 deu início ao federalismo no Brasil e esse se
reconstituiu em 1889 na passagem Império-República. Este federalismo era fruto de uma
organização entre os caudilhos (ela usa essa expressão para designar a forma central de poder
estabelecida tanto no Brasil quanto no resto da América Latina) em face da ameaça externa e,
por isso, havia condições de barganha entre eles, o que caracterizaria o federalismo.
Arrecthe contrapõe essa teoria de Riker e retoma episódios da história brasileira para
constatar que, apesar de ter havido, sim, maior expressão política das elites provinciais em
1834, esta logo sofreu retração quando da maioridade de Pedro II e, dessa forma, não teria
havido um federalismo.
Após essa contraposição, questiona “como explicar tamanha inadequação entre o
conceito de federalismo de Riker e sua interpretação sobre o caso brasileiro?”.
Arretche sustenta que houve um problema metodológico nos estudos comparativos
dos anos 60 e 70 no que diz respeito à referência empírica para construção do conceito de
federação. Para os autores desse período, não somente o conceito, mas qualquer
interpretação feita sobre federalismo deveria ser construída à luz das instituições norte-
americanas. Não só isso, sua formação necessariamente decorreria de um processo de
barganha, devido ameaça ou oportunidade de expansão ou defesa militar ou diplomática
(como de fato ocorreu nos EUA).
A autora insere mais um pressuposto teórico utilizado por Riker: a invenção do
federalismo centralizado pela Constituição de 1787, uma fórmula associativa em que existiria
um governo central dotado de autonomia e independência em relação aos Estados-membros.
Destaca a importância dos mecanismos que garantam independência entre os entes
federativos. Estes mecanismos, para Riker seriam “tutelados” não pelo Senado, mas pela
organização partidária. De modo que quanto maior a probabilidade de um mesmo partido
controlar simultaneamente o governo central e os Estados-membros, mais fortes seriam as
tendências centralizadoras (Separation)
Já que a ênfase das federações está concentrada na dimensão centralizadora, nos
mecanismos institucionais que garantem a independência e a autoridade dos governos
centrais, fica fácil compreender o erro de Riker, se considerarmos que todos estes elementos
estão presentes no Império. Mas, para ela, pesquisas históricas mais aprofundadas fariam com
que Riker percebesse que as condições estabelecidas por ele não eram preenchidas no
Império.
As observações feitas por Riker levaram autores (como Wheare) à direção oposta: o
Brasil na verdade não seria exemplo de federação, por não possuir as características existentes
no modelo norte-americano. Para Wheare, as instituições brasileiras não seriam suficientes
para garantir a efetiva independência entre os níveis de federação. O Brasil teria sido Estado
2. Federal antes de 1834, porque após a independência de Portugal os caudilhos abriram mão da
sua autonomia por medo de invasões e não seria mais uma federação hoje.
A reação a Riker
Primeiramente, dois autores apontaram a dificuldade metodológica nos anos 60 e
consideraram impossível afirmar que ameaça externa e desejo de expansão militar estivessem
na origem de todas as federações e na verdade vantagens econômicas e interesse de preservar
a unidade nacional do Estado unitário estiveram na origem de diversas federações modernas.
O modelo de 1787 teve condições muito específicas (13 colônias cuja identidade e interesse
comum se desenvolveram previamente à União)
A principal contribuição destes autores foi a incapacidade de construir uma teoria
alternativa a de Riker. Ou seja, não aderiram a uma concepção generalista; em vez disso,
sustentaram que não haveria um federalismo, mas vários e sugeriram que os Estados fossem
agrupados de acordo com suas características específicas.
Ela usa os estudos de Stepan para mostrar os tipos de federalismo:
a) Coming-together: modelo só dos EUA. Os estados se juntaram para somar forças. Isso
seria uma exceção, não uma regra
b) Holding-together: países com múltiplas etnias em sua composição populacional e que
decidiram tornar-se federações porque os Estados unitários previamente existentes
estavam ameaçados de disrupção (teriam menos autonomia e menos poder de
barganha frente ao poder central)
c) Putting-together: esforço coercitivo por parte de um poder não democrático
centralizado, cujo objetivo era “juntar” um Estado baseado em diferentes etnias e
nacionalidades, das quais apenas algumas estavam organizadas previamente em
Estados independentes (caso Rússia)
O modelo brasileiro não seria o holding together porque não havia grupos étnicos com
identidade própria nem ameaça de disrupção do Estado unitário. Essa abordagem de
Stepan é própria dos estados federativos que se consolidaram no século XX. Tal postura
torna necessário que se estabeleça uma nova classificação para o Estados federais criados
pré-século XX.
Federalismo e processo decisório
Os estudos sobre o federalismo nos EUA saíram de um debate centrado nas
especificidades dos Estados federativos vis-à-vis os Estados unitários e as confederações
para um debate centrado no impacto do federalismo sobre autoridade dos governos
centrais, particularmente sua capacidade de mudar o status quo, produzir inovações e
implementar reformar de políticas. Neste sentido, já haveria um consenso de que os
Estados federativos tendem a restringir as possibilidades de mudança do status quo,
porque a autonomia dos governos locais opera no sentido de dispersar o exercício da
autoridade política, aumentando o poder de veto das minorias.
3. O federalismo influenciam também o conteúdo das decisões politicas, pois os
presidentes ficariam imobilizados nas áreas de política em que o Congresso e os governantes
são veto players, como redução do emprego público, privatizações
Da mesma forma que os governos podem intervir numa área política sem permissão
do outro nível de governo e isso tenderia a prover fortes incentivos para a inovação em
políticas públicas na medida em que cada nível de governo tenta controlar a jurisdição de uma
política antes que outro o faça, isso pode gerar impasse entre os diversos níveis de governo, na
medida em que um tentará impor conflitos entre programas, elevação dos custos da
implementação e tornarão o problema da coordenação de objetivos ainda mais difícil.
O sistema fiscal brasileiro, por ser mais descentralizado é explicado pelo grau de
descentralização de seu sistema partidário, o qual está relacionado ao poder dos políticos
locais sobre a sobrevivência eleitoral dos congressistas.
Nos últimos anos, as instituições políticas criaram uma permanente crise de
governabilidade
O federalismo brasileiro estaria no extremo da escala demos-constraining, pois os poderes
do Senado seriam excessivos, existe um poder de restrição aas preferencias da maioria e o
controle dos governos locais sobre as candidaturas, assim como as regras eleitorais que
incentivam o comportamento individualista dos parlamentares, tornam os partidos
brasileiros extremamente voláteis isto é, pouco disciplinados.
*Nova geração de estudos: totalmente oposta aos estudos de Riker. Se este pensava que a
descentralização dos partidos preservava a federação, os estudos mais atuais a consideram um
problema
*Riker também rejeitava o argumento de que os Estados federativos pudessem produzir algum
impacto sobre a produção de políticas públicas. Qualquer análise de políticas públicas
concluiria a maior semelhança entre Estados federais e unitários entre seu e que, hoje, a
principal diferença entre eles diria respeito ao estilo de governo que o governo central estaria
obrigado a assistir.
Mudanças na agenda de pesquisas
1. Mudou-se o objeto:
- Federalismo entendido como expressão do poder parlamentas de governadores e
prefeitos na arena legislativa federal
- - Há um conjunto mais amplo de instituições políticas nas quais se opera a barganha
federativa, o conflito de interesses entre executivo federal e executivos subnacionais –
necessidade de se envolver, pelo menos, as relações com o judiciário e as relações
diretas entre os executivos dos distintos níveis de governo.
2. As interpretações contemporâneas enfatizam os casos em que o governo federal teve
desempenho desfavorável, e esta é apenas uma dimensão das relações federativas é
tomado como a natureza do federalismo brasileiro