1. Precariedade na educação Povo Pataxó Hã-Hã-Hãe Cimi recebe prêmio
escolar indígena de Manicoré retoma terras tradicionais de Direitos Humanos
Página 5 Página 7 Página 13
ISSN 0102-0625
Em defesa da causa indígena
Ano XXXIII • N0 329 • Brasília-DF • Outubro – 2010
R$ 3,00
RetRospectiva
Com a nova
Secretaria de
Saúde indígena
haverá melhorias?
Povo Bakairi, Mato Grosso – Foto – Arquivo Cimi
Páginas 3, 8 e 9
2. Opinião
Porantinadas
Lula, Dilma e os Guarani
P
assados os dias da ressaca, dos santos e mãe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e
Luz para Poucos
O governo federal não cansa de apregoar
dos mortos, um feriadão inesquecível, agora como presidente poderia ter a histórica iniciativa
que as várias hidrelétricas previstas para
voltemos aos primeiros habitantes dessa do “programa de aceleração da demarcação das terras
serem construídas no país irão gerar energia
Terra de Santa Cruz. Para boa parte deles Guarani (PAG)”. suficiente para atender a toda a população.
todos esses rituais pouco significam. O Eles ainda propagam pelos quatro cantos
gesto maior de cidadania e democracia, Pedra no sapato
os benefícios do programa Luz para Todos,
que foi apertar dois números, foi apenas Provavelmente a recém eleita presidente do país, que teria levado energia elétrica a quase
mais um voto de esperança. Dilma Rousseff, herdará uma pedra no sapato – a não 100% das propriedades rurais brasileiras. No
Em muitas comunidades houve celebração e come- demarcação e garantia das terras dos Kaiowá Guarani, entanto, diversas famílias continuam sem
moração pela vitória da candidata Dilma Rousseff, que no Mato Grosso do Sul. É bom, que ao pensar a transição acesso a esses pretensos benefícios, como
governará o país pelos próximos quatro anos. Já tarde (continuidade) a equipe não se esqueça dessa agenda, o povo Krahô, que até o momento não tem
da noite, toca o telefone: - “Estamos comemorando a que via de regra fica para o final da fila, depois de con- rede de energia elétrica em suas aldeias.
vitória da Dilma aqui na aldeia Paraguasu”, me diz uma templar todos os interesses envolvidos na composição
liderança Guarani. Fico surpreso com a notícia e, ainda
meio sonolento, os felicito pelo gesto. Felicito-os, pois
do poder.
O presidente Lula tem menos de dois meses para
Desmatamento
a cada eleição renovam a esperança, mesmo que depois, diminuir sua dívida histórica com o grande povo Gua- autorizado
ao longo do mandato, amarguem muitas decepções. Ao rani, fazendo avançar os processos de identificação e Sob pressão, o órgão que deveria coibir
telefone, ainda ouço as razões para tanta festa: “Pobre regularização das terras. O que Lula não conseguir fazer o desmatamento no país e fiscalizar as ma-
vota em pobre!”. em oito anos, espera-se que Dilma faça nos primeiros zelas praticadas contra o meio ambiente,
No dia seguinte vou conversar com Anastácio Guara- anos de governo. Os Kaiowá Guarani têm uma paciência o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
ni Kaiowá, liderança que por diversas vezes teve a opor- secular, mas não é infinita. E chegou ao limite. e Recursos Renováveis (Ibama), permite,
tunidade de conversar com o presidente Lula e alertá-lo Os Guarani comemoraram com os milhões de bra- por meio de portaria, o desmatamento
da grave situação em que vive seu povo por causa da não sileiros e pessoas no mundo inteiro, especialmente na de 3.202,63 dos 15 mil hectares da mata
demarcação das terras. “Espero que Dilma, enquanto América Latina, a vitória da presidente Dilma. Especial- que sumirá para dar lugar ao lago da usina
mulher, mãe e presidente, seja sensível à causa dos povos mente os pobres e empobrecidos deste país, os expulsos hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Ron-
indígenas, e tenha especial consideração com a difícil das terras, os sem terra, os índios, os quilombolas e dônia. Inacreditável: o próprio presidente
situação do grande povo Guarani e cumpra o disposto os excluídos, de uma maneira geral, esperam ter seus do órgão criou e assinou a Portaria 17, que
na Constituição, demarcando todas as terras indígenas direitos respeitados e sua vida e dignidade asseguradas. lhe garante poderosos instrumentos para
realizar esse tipo de centralização.
e também garantindo os demais direitos que aí temos”.
Com uma pitadinha de ironia e desconfiança, Anas- Egon Heck
tácio arrisca uma sugestão “a senhora como ministra foi Cimi Regional MS Código Florestal para
ruralistas
MARIOSAN “O vice-presidente da Frente Parlamen-
tar da Agricultura para a Região Sul, Luiz
Carlos Heinze, afirmou que a situação de ins-
tabilidade no campo tornou-se insustentável
e poderá prejudicar a agricultura” (Jornal Alô
Brasília, sobre o interesse de parlamentares
em modificar o código florestal rapidamen-
te). Colocando lobos para cuidar de ovelhas.
É o que nos vem à mente quando lemos no
jornal o grande interesse dos ruralistas pelo
código florestal. Nos jornais, parlamentares
ruralistas propagam a crise e a instabilidade
no campo e a culpa é toda das florestas que
são tão grandes neste país. Coitados, tão
pobrezinhos, sem terras para plantar suas
monoculturas, sem rios para causar erosões!
Os parlamentares precisam urgentemente
retomar a pauta do Código, pois os pobres
latifundiários estão num sofrimento...
ISSN 0102-0625
Na língua da nação indígena coNselho De reDAção eDITorAção eleTrôNIcA: reDAção e ADMINIsTrAção: Faça sua assinatura
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Outubro–2010 2
3. Conjuntura
Os rumos da política indigenista e a criação da
Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena
Roberto Antônio Liebgott
Fotos: Arquivo Cimi
Vice-presidente do Cimi
A
s expectativas, depois do plei-
to eleitoral, não são muito
animadoras para a maioria da
população. No horizonte bra-
sileiro não se vislumbram perspectivas
de mudanças quanto à postura dos
governantes na condução das políticas,
bem como às concepções de modelo de
Estado e de desenvolvimento, ambas
privatistas e centradas na exploração
dos recursos naturais, hídricos e mi-
nerais. O fosso que se abriu, para con-
solidar o projeto desenvolvimentista
em curso, tende a ficar mais profundo expansão do agronegócio, que o atendimento às comu- As políticas
indigenistas,
e sombrio, haja vista que pretendem exploração madeireira). nidades seja garantido até tanto na
acentuar a intervenção sobre o meio Não é sem razão que nos que a Sesai tenha condições saúde,
ambiente objetivando, exclusivamente, últimos meses o órgão de fazê-lo. quanto em
outras áreas
a obtenção de lucros econômicos. indigenista priorizou o A Sesai estará vinculada ao carecem
Os discursos e as propostas proferi- acompanhamento, ma- Ministério da Saúde e deve fa- de urgente
peamento e estabeleci- zer a gestão do Subsistema de atenção
dos na campanha eleitoral expressaram
esta tendência pelos investimentos em mento de condicionantes Saúde Indígena vinculado ao
grandes obras direcionando, com isso, que facilitem os licencia- Sistema Único de Saúde (SUS)
que as prioridades serão para a inicia- mentos dos projetos que e que está previsto na Lei
tiva privada. Na outra ponta, no que se afetam terras indígenas 9.836/99 (Lei Arouca). Portan-
refere às políticas estruturantes e que no país; to, precisará de uma estrutura
deveriam beneficiar os mais pobres, u Demarcações de terras: para pressões desencadeadas pelos povos que possa favorecer o funcionamento
os discursos foram pela manutenção não desagradar seus aliados políticos, indígenas exigindo que a Secretaria dos Distritos Sanitários de Saúde como
das políticas de caráter compensatório o governo Lula paralisou totalmente de Atenção Especial à Saúde Indígena unidades gestoras. Por conta disso,
através da entrega de bolsas para os os procedimentos demarcatórios. Nem (Sesai) fosse criada, o que se concreti- deverá contar com orçamento próprio
mais pobres. mesmo a situação de genocídio enfren- zou oficialmente através do Decreto para cada um dos DSEIs, com estrutura
Aos povos indígenas não foi apre- tada pelos Guarani Kaiowá consegue nº 7.336, de 19 de outubro de 2010. A administrativa e financeira, com equipa-
sentada ou dita, pelos candidatos, sensibilizar o governo federal. Além de Secretaria retira da Fundação Nacional mentos, medicamentos, contratação de
nenhuma palavra que possa significar não criar os grupos de trabalho neces- de Saúde (Funasa) as responsabilidades funcionários e profissionais em saúde,
algum compromisso com sua realidade sários para que as mais de 320 terras quanto à saúde e saneamento básico pólos base de assistência, hospitais
e direitos. Ao contrário, de tudo o que reivindicadas pelos povos indígenas nas comunidades indígenas. de referência. Os distritos devem fun-
se falou, as perspectivas apontam para sejam demarcadas, o ministro da Jus- Segundo o que estabelece o decre- cionar a partir de planos distritais a
a exploração desenfreada das terras tiça, Luiz Paulo Barreto, mostrando-se to, o Ministério da Saúde e a própria serem elaborados pelas comunidades
indígenas e a restrição às garantias no mínimo desinformado, declarou em Funasa terão 180 dias para fazer a indígenas e pelos demais envolvidos
constitucionais. entrevista que 95% das terras já foram transição gradual do sistema, a fim de com as ações e serviços em saúde. Além
Pode-se avaliar que as temáticas que demarcadas. Além de não reconhecer as evitar prejuízos ao atendimento dessas disso, de fundamental importância
envolvem os mais de 240 povos foram reivindicações das comunidades indíge- comunidades. No entanto, não é o que será o exercício do controle social, que
omitidas por duas razões fundamentais: nas, o ministro ainda vem suspendendo se observa em várias localidades do precisa ser adequadamente realizado
por não serem demandas que rendem os efeitos de diversas portarias decla- país. Há informações de lideranças e através dos conselhos locais e distritais.
votos e popularidade, visto que em ratórias assinadas anteriormente. Tal comunidades indígenas de diferentes Serão as comunidades indígenas e seus
certas regiões a questão indígena é medida, sem nenhum fundamento legal regiões de que os atuais servidores da conselheiros os responsáveis pelo pla-
tratada como entrave ao “crescimen- ou administrativo, nunca foi adotada no Funasa já estão se negando a atender nejamento, avaliação e fiscalização das
to econômico”; e por não haver, do país, nem mesmo nos anos sombrios da as comunidades. Há relatos inclusive ações em saúde.
ponto de vista político administrativo, ditadura militar. de localidades em que servidores já O governo federal precisa, portan-
interesse em lidar com as realidades u Estatuto dos Povos Indígenas: afixaram cartazes informando que o to, implementar de forma imediata
que apontem para a consolidação dos a tramitação do projeto do estatuto atendimento não ocorrerá mais, a partir um programa de transição do modelo
direitos dos etnicamente diferentes. no Congresso Nacional na próxima do dia 28 de outubro. antigo à nova política, a fim de que
Seja qual for o próximo governo, os legislatura será, sem dúvida, um dos Para evitar maiores prejuízos aos nos primeiros meses do próximo ano
povos indígenas continuarão enfrentan- mais importantes temas de discussões e povos indígenas, é necessário que o a execução das ações e serviços sejam
do sérios obstáculos e há que se manter disputas. A proposta indígena restringe movimento indígena, as entidades realizados no âmbito dos DSEIs. Mas,
a atenção quanto: e se contrapõe ao modelo de desenvol- indigenistas e o Ministério Público Fe- para que isso aconteça, há muito que
u Estrutura da Funai: vem sendo vimento impulsionado pelos programas deral, cobrem do Ministério da Saúde fazer, especialmente quanto à capacita-
reformulada para adequar o órgão às de governo, especialmente o PAC. um acompanhamento minucioso da ção de pessoas e realização de concurso
demandas dos grandes investimentos A novidade, nestes últimos meses, atual transição entre a Funasa e a Sesai. público para contratação de profissio-
econômicos (hidrelétricas, mineração, ficou por conta da mobilização e das Também é de fundamental importância nais em saúde. n 3 Outubro–2010
4. Participação
Fotos: Cimi Regional Leste/Equipe Itabuna
Jovens indígenas
do Regional Leste
realizam seminário
J
ovens Indígenas do Regional dades: Estadual de Feira de Santana e
Leste realizaram entre os dias 7 Federal do Recôncavo- Bahia, Federal
e 10 de outubro o V Seminário do Espírito Santo, Rede Nacional de
Cultural, com o tema: “Luta, For- Advogados Populares, Funai, Secretaria
ça e Resistência dos Jovens Indígenas em de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos
defesa de suas comunidades”. O evento do estado da Bahia.
aconteceu na Aldeia Serra do Padeiro, O tema proposto levou os partici-
Jovens do povo Tupinambá, no município de pantes a se aprofundarem através dos
lideranças
indígenas do Buerarema, sul da Bahia. painéis e das oficinas e a pensarem em
Sul da Bahia Cerca de 400 jovens dos povos estratégias de intervenção, articulação
discutiram Tupinambá de Olivença de diversas e mobilização que venham a contribuir
direitos,
comunidades, Pataxó do Extremo Sul e com suas lutas e na defesa de suas co-
desafios do
movimento Pataxó Hã-Hã-Hãe (Bahia), Xakriabá (Mi- munidades.
indígena e a nas Gerais) e Tupinikim (Espírito Santo) As oficinas “Criminalização das
luta por um se encontraram mais uma vez para discu- Lideranças”, “Desafios da atualidade”, projetos. Esta oficina levantou diversas desencadeado contra o povo Tupinambá
futuro melhor
para suas
tirem suas lutas e sonhos e, juntamente “Movimento Indígena”, “Direitos In- dificuldades encontradas para o acesso de Olivença.
comunidades com a presença de diversos parceiros e dígenas” e “Política”, proporcionaram a projetos desta carteira devido à falta O documento final do V seminário
aliados, realizaram um rico e profundo momentos de muita partilha, conhe- de informações. traz no seu bojo uma serie de manifes-
encontro. Participaram do evento: Cimi, cimento, sabedoria e o surgimento Um clima de repúdio às atuações tações e reivindicações, que surgiram a
CPT, Rede de Acampados e Assentados de muitas propostas, sugestões que do judiciário dominou o seminário, a partir das reflexões dos jovens e das suas
do sul da Bahia, Associação Nacional venham fortalecer a luta das diversas partir de decisões parciais e arbitrárias atuações nas comunidades, os desafios,
de Ação Indigenista, Pineb, Apoinme, comunidades. Houve uma oficina que o mesmo vem tomando visando os avanços, e, sobretudo, a presença
Coordenadoria Ecumênica de Serviço, específica que discutiu a questão das criminalizar a luta e as lideranças indíge- destes nos diversos espaços de luta de
estudantes e professores das Universi- mulheres e o seu acesso à carteira de nas. O destaque foi o intenso processo seus povos.
CARtA FInAL
“LUTA, FORÇA E RESISTÊNCIA DOS JOVENS INDÍGENAS EM DEFESA DE SUAS COMUNIDADES”
N ós, jovens indígenas dos povos Tupinambá, Pataxó
Hã-Hã-Hãe, Pataxó, do estado da Bahia; Xacriabá,
do estado de Minas Gerais, e Tupiniquim, do estado do
rosidade seletiva, nas decisões parciais e arbitrárias,
que acabam por criminalizar os movimentos sociais;
que nos impedem de transitar livremente pelo nosso
de julgamento do território Pataxó Hã-Hã-Hãe,
dos dois processos demarcatórios dos territórios
de Monte Pascoal e Caí, na Bahia, e Xacriabá, em
Espírito Santo; entidades aliadas, parceiros, e univer- território; e que encarceram injustamente nossas Minas Gerais;
sidades, estivemos reunidos na aldeia Tupinambá de lideranças, a ponto de não sabermos, quando é o – a necessidade de realizar um curso de Direitos
Serra do Padeiro, município de Buerarema, Bahia, entre caso, onde se encontram presos. No caso específico Indígenas para Jovens Indígenas;
os dias 7 a 10 de outubro de 2010, para a realização do dos Tupinambá da Serra do Padeiro, ainda a negação – participação dos indígenas da Bahia, Minas Ge-
V Seminário Cultural dos jovens Indígenas Tupinambá de emissão de registro civil de crianças. Ressaltamos rais e Espírito Santo nas atividades do Tribunal
da Serra do Padeiro e I Seminário Cultural dos Jovens a maneira truculenta em que as ações da Polícia Fede- Popular do Judiciário, iniciativa muito avançada
Indígenas do Regional Leste. O Seminário deste ano ral são realizadas em áreas indígenas, deixando um em outros estados;
teve uma dimensão maior, pois se tornou um seminário rastro de medo, e de sequelas físicas e emocionais. – realização de um Seminário para discutir proces-
regional, que teve como tema central “Luta, Força e Entendemos que muitos desafios nos afetam sos de criminalização;
Resistência dos Jovens Indígenas em defesa das suas na atualidade, tais como: estabelecer um diálogo
– elaboração de um plano político abrangente a
comunidades”. Neste sentido, conseguimos ampliar positivo entre o conhecimento que vem de fora e
partir de diálogo entre as instituições indígenas
o objetivo principal que é despertar nos jovens uma a nossa cultura e tradição; saber usar, em benefício
para acompanhar o processo de demarcação de
maior responsabilidade pela luta, o fortalecimento da da comunidade, toda a tecnologia a que hoje temos
terras, bem como as atuações da FUNAI, FUNASA,
nossa autoestima, e da visibilidade da nossa participa- acesso, não esquecendo as nossas tradições, costu-
e outras organizações, em nossas aldeias;
ção nas lutas dos povos. mes e crenças; continuar com as nossas atividades
– realização de um trabalho de formação política
Percebemos que continuam ainda presentes cotidianas mesmo com todas as perseguições e
nas bases, e criação de uma comissão regional de
muitas dificuldades e conflitos relatados e debatidos dificuldades; romper com a imagem de índio que
jovens indígenas;
em seminários anteriores, tais como a morosidade prevalece na mídia e nos livros didáticos. Do mesmo
na demarcação e regulamentação das nossas terras, modo, reconhecemos a necessidade, nos dias de hoje, – criação de uma rede de comunicação entre as
a precária situação da saúde nas aldeias, e, princi- de que para a luta é imprescindível conhecer nossos comunidades do Regional Leste;
palmente, a criminalização das nossas lideranças, direitos e deveres, as leis que dizem respeito aos – o desejo de continuidade dos nossos seminários
homens e mulheres, jovens e adultos. povos indígenas, a Constituição Federal Brasileira, regionais, ampliando cada vez mais a participação
Através da realização de oficinas temáticas e e os acordos internacionais. A oficina das mulheres dos jovens, e fortalecendo o intercâmbio entre os
grandes plenárias, conseguimos discutir e avaliar diagnosticou a dificuldade que elas estão enfrentando povos, afinal os nossos velhos são os guardiões
os seguintes temas: Juventude e Criminalização das para acessar as políticas específicas, em virtude da da tradição, e os jovens fortalecem o presente
Lutas e Lideranças; Juventude e Desafios da Atua- pouca informação e da dificuldade de comunicação para garantir o futuro da nação indígena.
lidade; Juventude, Política, e Movimento Indígena; que ainda existe nas aldeias. Por fim, deixamos a pergunta: “Até quando o
Juventude e Direitos Indígenas; Juventude e Políticas Após discussão e avaliação das questões levanta- nosso sangue continuará sendo derramado para que
para as Mulheres. das, MANIFESTAMOS: nossos direitos sejam garantidos e respeitados?”.
Desse modo, REPUDIAMOS as medidas do Judici- – a cobrança das questões levantadas no IV Seminá- Aldeia Tupinambá de Serra do Padeiro
ário que contradizem os nossos direitos na sua mo- rio, especialmente no que se refere ao processo 10 de Outubro de 2010
Outubro–2010 4
5. Políticas públicas
Fotos: Arquivo Cimi
MunICíPIO DE MAnICORé (AM)
Precariedade e
descaso na educação
escolar indígena
Osmar Marçoli Mais problemas
A
Cimi Regional Rondônia
Outra problemática se refere à me-
s lideranças das comunidades renda escolar que sai do município de
indígenas do povo Tenharim, Manicoré e para chegar até as aldeias
que estão situadas ao longo da leva dois dias de barco e um dia pela
BR-230 (Transamazônica), município de rodovia Transamazônica. É insuficiente
Manicoré (AM), há muito tempo vem pelo número de alunos matriculados e técnico da área, projeto básico e enviar um comandante da polícia impondo à A falta de
locação
reivindicando aos órgãos competentes com a distância e o atraso na entrega, a Brasília para liberação dos recursos diretora a acatar tal postura. adequada
condições mínimas para que possam ter os alimentos perecíveis já chegam financeiros, o que ainda não ocorreu. Desde então, Daiane e Valdinar para que as
direito à educação escolar. estragados. A proposta das comunida- “Desde várias gestões passadas da Tenharim percorrem diariamente 90 aulas sejam
ministradas
O povo Tenharim denuncia a falta des indígenas é que a prefeitura faça a prefeitura de Manicoré o assunto da km (ida e volta) no próprio veículo é apenas um
de assistência educacional nas aldeias compra em Santo Antonio do Matupi educação escolar indígena Tenharim da (uma moto) enfrentando o cansaço, a dos problemas
Bela Vista, Trakoá, Kampinho, Taboca, Transamazônica não é levado a sério. forte poeira da estrada e se expondo a enfrentados
(distrito de Manicoré), que está a 40 km pelos
Mafuí e Karanaí. “Estamos sem prédios das aldeias, onde a entrega da merenda Tudo indica que a construção das esco- acidentes. A Seduc foi notificada desta indígenas
escolares, materiais didáticos, trans- aconteceria com mais eficiência. Em las passará para o exercício de 2011 e situação, mas nenhuma providência em Manicoré
em relação à
porte escolar. Não há condições para o algumas escolas, as merendeiras têm assim sucessivamente” - diz Margarida foi tomada. A denúncia também já foi educação
trabalho dos professores.”, diz Daiane que utilizar seus próprios utensílios Tenharim, liderança da aldeia Mafuí. encaminhada ao Ministério Público. No
Tenharim, professora da aldeia Kampi- domésticos para preparar a merenda: Sendo assim, o povo indígena Te- início do mês de abril/2010 as lideran-
nho e estudante no ensino médio. não há pratos, canecos, panelas. nharim da Transamazônica reivindica ças indígenas pediram ao prefeito de
A educação escolar indígena na re- O povo Tenharim também reivindica três ações prioritárias: Manicoré, ao secretário da Semed e à
gião passa por um processo de descaso, o transporte escolar para os alunos ma- 1) Formação continuada e acompanha- coordenadora local da Seduc/AM para
uma vez que está sendo administrada triculados no 6º ao 9º ano. Por enquan- mento aos professores indígenas; que o ônibus escolar fizesse o trajeto
pelo poder público municipal. Na to os estudantes têm que utilizar seus 2) Transporte escolar a partir da reali- das aldeias Kampinho e Mafuí até o
aldeia Taboca, por exemplo, as aulas próprios meios de transporte (moto) dade de cada aldeia; colégio estadual onde os alunos cursam
começaram com o professor indígena correndo riscos de acidentes devido 3) Construção urgente de prédios o ensino médio, mas até hoje isto não
Domiceno Tenharim à sombra de uma ao grande fluxo de carros e caminhões escolares. aconteceu.
mangueira. No ano seguinte, a comu- nesta rodovia. Os pais dos estudantes além de
nidade construiu o primeiro prédio As comunidades estão lutando para Discriminação racial arcarem com a manutenção do veículo
escolar. Materiais permanentes e didá- que o ensino médio aconteça dentro Por não haver ensino médio nas também estão preocupados devido ao
ticos foram emprestados das demais das aldeias. O sistema de ensino médio aldeias dois estudantes Tenharim estão grande risco de acidentes e pela chega-
comunidades de seu povo. conhecido como Sistema de Mediação matriculados no colégio estadual no da das chuvas, o que impedirá o acesso
Na escola Tikwatija, aldeia Mafuí, a Tecnológica (televisivo e sem professor distrito de Santo Antonio do Matupi. No aos estudos.
casa de reunião construída pela comu- em sala de aula) apresenta falhas e não mês de março/2010 foram impedidos O poder público é o responsável em
nidade também passou a ser o prédio está sendo aprovado pelas comuni- de utilizar o ônibus escolar, pois um providenciar às escolas o financiamen-
escolar, e assim funciona desde há 15 dades. fazendeiro da região, em retaliação to e a estrutura necessários para que
anos. O cacique Ivan Tenharim, aldeia Existe uma proposta de serem por ter sua moto apreendida pelos o ensino e a aprendizagem em todas
Kampinho, cedeu sua própria casa para construídas três escolas na região da Tenharim em épocas passadas, proibiu as comunidades dos povos indígenas
que as crianças não ficassem sem a Transamazônica (BR-230) através de re- a utilização do transporte escolar aos realmente aconteçam. Mas, diante da
educação escolar, uma vez que não há cursos do MEC. Para isso o município se estudantes indígenas. O fazendeiro foi falta de vontade política, a educação
prazo para a construção do prédio para responsabilizou em fazer o diagnóstico até a escola estadual juntamente com escolar indígena ainda não venceu os
esta finalidade. desafios de sanar a arritmia entre os
Toda a iniciativa aconteceu por par- governos Federal, Estadual e Municipal
te das comunidades indígenas onde a e a distância existente entre a legislação
prefeitura apenas entrou com o salário e as políticas já conquistadas.
dos professores. As escolas são cobertas Desta maneira, o povo Tenharim
de palha e de chão-batido. Os materiais continua na luta para que seja garantida
escolares também são insuficientes e e respeitada uma educação específica,
algumas escolas nem sequer possuem diferenciada, de qualidade e que aten-
quadros ou mesa para o professor. Além da os interesses de cada comunidade.
do mais, os salários das merendeiras e Simplesmente que se faça cumprir
de alguns professores estão atrasados. os direitos contidos na Constituição
Em algumas escolas, a comunidade Federal e leis vigentes que asseguram
é que se responsabiliza em comprar a educação escolar indígena no país.
canetas, borrachas e cadernos para que Que os direitos humanos possam ser
os alunos tenham a mínima condição respeitados e que a justiça seja feita,
para o estudo. com urgência. n 5 Outubro–2010
6. tERRA InDíGEnA ARARIbóIA
Fotos – Cimi MA/Equipe Imperatriz
País
Afora
Povo Awá-Guajá
pede socorro!
Gilderlan Rodrigues da Silva
CIMI-MA/Equipe Imperatriz
A
terra indígena Araribóia, loca-
lizada na pré-Amazônia mara-
Madeiras nhense, é demarcada e homolo- desses grupos que para sobreviver, realizar suas festas
ilegais na
gada com 413 mil hectares para estão na eminência tradicionais como relata a liderança
beira da
estrada dentro o povo Tenetehara/Guajajara. A mesma de desaparecerem. indígena Raimundo Guajajara da Aldeia
da terra abrange os municípios de Bom Jesus Operações espo- Marajá: “Nós estávamos indo caçar
indígena e
caminhão com
das Selvas, Arame, Amarante do Mara- rádicas como a Ope- na região da lagoa buritizal quando
carregamento nhão, Buriticupu e Santa Luzia, todos ração Araribóia em encontramos os madeireiros. Pedimos
também ilegal no estado do Maranhão. Vive também 2007, e a Operação para que eles fossem embora, eles
na mesma
estrada: os nessa terra o povo Awá-Guajá: grupos -Guajá sem contato. Os madeireiros Atarawaca/Arco de Fogo, em dezembro foram, mas agora eles voltaram e nós
Awá Guajá autônomos, sem contato com a nossa continuam abrindo estradas clandes- de 2009, realizadas pela Funai, Polícia estamos com medo de ir caçar para
reivindicam sociedade ou com os indígenas Guaja- tinas em direção às Lagoas do Marajá, Federal, Força Nacional, Polícia Rodo- fazer a festa do moqueado, porque te-
ação urgente
contra jara, que estão ameaçados e correndo Buritizal onde se encontram os grupos viária Federal, Ibama, para extrusão da mos medo que os madeireiros reajam
exploração risco de extinção com o aceleramento de Awá-Guajá que estão procurando terra indígena e a proteção dos indíge- com violência”.
criminosa em
seu território
do desmatamento e a exploração ilegal refúgio por ser uma região abundante nas “sem contato”, não resolveram o Diante disso, faz-se necessário e
de madeira, prática que atinge todas as de água e caça. Porém os madeireiros problema da invasão na terra indígena urgente a realização de um programa de
terras indígenas demarcadas no esta- estão alcançando esse último espaço Araribóia, pois os invasores, sobretudo vigilância e extrusão da terra indígena
do. Com isso a situação se torna cada de sobrevivência desses grupos. Com os madeireiros, ainda continuam com Araribóia para os indígenas que depen-
vez mais desesperadora, uma vez que a atividade madeireira destruindo sua a atividade de exploração madeireira. dem unicamente desse território para
também aumenta o relato de indígenas base alimentar e sem terem mais para E como é de conhecimento de todos, sobreviver, em especial os Awá-Guajá.
Guajajara sobre a presença de indígenas onde fugir, a vida dos grupos Awá- tão logo os agentes federais se retiram, Esse povo precisa ficar fora do risco
Awá-Guajá próxima às suas aldeias em -Guajá passa a depender de medidas os madeireiros retornam às atividades de morte anunciado com a constante
busca de água. urgentes, sérias e duradouras de pro- ilegais e com mais veemência principal- invasão madeireira e as queimadas
As matas que ainda restam, onde teção e garantia territorial por parte mente sobre o território onde estão os das matas. Caso nenhuma medida seja
os grupos Awá-Guajá isolados se refu- do Estado. A Funai tendo, finalmente, Awá-Guajá onde ainda se encontra uma tomada urgentemente, presenciaremos
giam já não lhes garantem segurança reconhecido a existência dos grupos abundância de madeira de lei. a dizimação desses grupos Awá-Guajá
alguma. É o que acontece nas matas Awá-Guajá sem contato na terra indíge- Com essa realidade de exploração, que optaram por viver conforme o seu
da terra indígena Araribóia, território na Araribóia, já não pode se eximir de não apenas os Awá-Guajá estão sofren- modo de vida tradicional e sem contato
de caça, pesca e coleta de grupos Awá- sua responsabilidade quanto ao futuro do, mas todos que dependem da terra com a sociedade não índia. n
Comunidades tradicionais e camponesas reafirmam
“Você teve inducação, aprendeu munta ciença mas das coisas
Fotos – Gilberto Vieira dos Santos/Cimi MT
do sertão não tem boa esperiença. Nunca fez uma paioça, nunca
trabaiou na roça, não pode conhece bem. Pois nesta penosa
vida, só quem provou da comida sabe o gôsto que ela tem”.
Patativa do Assaré
Indígenas Gilberto Vieira dos Santos se deu sequência ao mapeamento dos
participam do Cimi MT
II Seminário
conflitos ambientais em Mato Grosso,
de o destaque foi a expressiva participação
A
Mapeamento partir do tema ‘Territórios e dos diferentes seguimentos que com-
Social no MT
Identidades’, a Rede Mato- põem a diversidade mato-grossense:
-Grossense de Educação Am- quilombolas, indígenas, camponeses, conômico e Social de Mato Grosso os encontro possibilitou que estas e outras
biental – REMTEA realizou atingidos por barragens, retireiros, rostos destes grupos e comunidades comunidades pudessem expressar sua
entre os dias 6 e 8 de outubro o seu 6º morroquianos e outras comunidades que não se reconheciam na proposta territorialidade, partilhar seus desafios
Encontro. Durante o evento foram reali- tradicionais marcaram sua presença até então apresentada. Promovido pela e conflitos nos quais se encontravam,
zados outros paralelos, como o I Encon- contribuindo nos debates e partilhando REMTEA, em conjunto com o Grupo principalmente em torno dos territó-
tro das Juventudes Mato-Grossenses, suas culturas e saberes. Pesquisador em Educação Ambiental rios. Pelo menos 104 conflitos foram
o III Encontro da Educação Ambiental O primeiro Mapeamento Social, (GPEA) e Grupo de Trabalho de Mobili- mapeados naquele momento, sendo
Escolarizada e o II Seminário de Mape- realizado em 2008, buscou trazer para zação Social (GT-MS) – articulação que que em muitos destes havia ameaças
Outubro–2010 6 amento Social. Neste último, em que a discussão do Zoneamento Socioe- reúne vários grupos e entidades - o de morte, assassinatos, invasão e dis-
7. Pataxó Hã-Hã-Hãe
Fotos: Cimi Regional Leste/Equipe Itabuna
retomam terras
tradicionais na bahia
Haroldo Heleno
Equipe Itabuna
n
a madrugada do dia 4 de ou-
tubro, cerca de 70 famílias
indígenas do povo Pataxó Hã-
-Hã-Hãe, aproximadamente
350 pessoas, retomaram as áreas hoje
denominadas de Santa Maria, Santa Ma-
dalena, Serra das Águas, Serra do Ouro
e Iracema, totalizando cerca de cinco
mil hectares, todas localizadas na região
dos Vinte e Cinco, entre os municípios
de Pau Brasil e Itajú do Colônia. Estas com os procuradores de Ilhéus para que de gado e cacau e, desde 1982, a co- Pataxó Hã-Hã-Hãe, mas toda a região Indígenas
na terra
fazendas já haviam sido retomadas em tomem o depoimento das pessoas que munidade aguarda o resultado de uma do entorno da terra indígena, com retomada:
2002, porém, com medidas judiciais, presenciaram a situação. Na Funai, con- Ação Cível Original de Nulidade de a falta de segurança, proliferação e ameaças de
os fazendeiros conseguiram retirar os versaram com o procurador do órgão, Títulos (ACO) impetrada pela Funai em disseminação do consumo de drogas, fazendeiros
são
indígenas das terras. Antônio Salmeirão, sobre a situação de favor da comunidade. sendo muitas destas ações/atividades constantes
No dia 10 de outubro, pistoleiros violência e também sobre o processo de No documento eles afirmam que patrocinadas pelos agentes interessa-
entraram atirando na área de retomada homologação de suas terras que corre percebem que nada tem sido feito dos em nossas terras”, afirmam.
e os próprios indígenas acreditam na no STF há anos. Salmeirão afirmou que pelo governo em relação à causa Pa- Ainda segundo as lideranças, a
presença de policiais no bando. Após a não sabe dizer se o julgamento ocorrerá taxó Hã-Hã-Hãe e que isso contribui intenção da ocupação é pressionar
situação de terror, um grupo de lideran- ainda este ano. diretamente com os conflitos entre o governo a resolver a questão das
ças decidiu ir a Brasília relatar a situação indígenas e fazendeiros na região. terras, além de unir esforços junto aos
às autoridades competentes. De acordo Reivindicações da “Lutamos pela ocupação integral de parceiros nesta luta. Eles finalizam o
com a cacique Ilza Pataxó Hã-Hã-Hãe, comunidade nossas terras com grandes latifundi- documento dizendo que ocuparam a
as lideranças conseguiram conversar Segundo documento assinado ários que defendem à “chumbo” seus área que lhes é de direito e solicitando
com o senador Cristovam Buarque, que pelas lideranças e enviado à Fundação interesses, o que têm ao longo dos o apoio da sociedade civil. “Para nós é
garantiu alertar a Polícia Federal para Nacional do Índio (Funai) e às entidades anos nos legado grandes perdas. Essa importante que a sociedade civil orga-
que fiquem atentos à situação. Na 6ª de apoio, eles aguardam há mais de 28 situação mais tem demonstrado a falta nizada e o poder público saibam que
Câmara de Conciliação do Ministério anos por uma solução para que possam de interesse dos nossos governantes nossa intenção é reivindicar através
Público Federal, ficou acordado que voltar em definitivo às suas terras. As em resolver um problema que não das retomadas (símbolo da resistência
o MPF em Brasília entrará em contato áreas estão invadidas por fazendeiros atinge apenas a comunidade indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe) a ocupação de nos-
sas terras, enquanto o governo nada
faz para resolver nossos problemas.
suas identidades e territorialidades Diante do exposto solicitamos apoio
da sociedade civil organizada, ONGs,
autoridades e órgãos governamentais
responsáveis pela questão indígena,
cionais trouxeram novos elementos a necessidade e disposição de uma na garantia dos nossos direitos confor-
que possibilitaram uma atualização aliança para a luta conjunta. A partir me manifestado na CF de 1988, assim
dos conflitos e dos principais temas em desta, a efetivação e garantia dos como, a nossa proteção física”.
disputa na região. direitos constitucionais virá como
Apesar da diversidade de inserções sempre se deu na ‘história deste Histórico
no território, chegou-se à conclusão país’: na marra! Após 26 anos de espera, o Supremo
de que as ameaças aos seguimentos Para o capital que, com o apoio Tribunal Federal (STF) finalmente deu
presentes são comuns: o agronegócio, governamental e financiado pelos início ao processo de julgamento da
as consequentes contaminações do rios de dinheiro do BNDES, se alas- ACO nº 321 no dia 24 de outubro de
solo, água e ar pelo uso de agrotóxicos, tra interferindo ‘nas amazônias’ da 2008. Após rico e bem fundamentado
a pressão exercida pelo poder latifun- Amazônia, fica a voz do povo que voto favorável do ministro Relator Eros
diário e os empreendimentos e obras de diz através do poeta: “...aqui findo Grau, o ministro Menezes Direito solici-
puta por territórios. Em cada conflito, infraestrutura vinculadas ao Programa esta verdade, toda cheia de razão. tou vista do processo frustrando a co-
a busca constante pela reafirmação de Aceleração do Crescimento (PAC), Fique na sua cidade, que eu fico no munidade Pataxó de ver por definitivo
das diferentes identidades que faz da principalmente os de geração e trans- meu sertão. Já lhe mostrei um es- a questão da suas terras resolvida. Para
região um belo e diverso quadro, em missão de energia. pêio, já lhe dei grande consêio que piorar a situação, o ministro Menezes
contrapartida ao discurso homogenei- Questionando a visão de desen- você deve toma: por favo, não mêxa veio a falecer logo após este pedido
zador do agronegócio em que tudo é volvimento que suplanta direitos, que aqui, que eu também não mexo aí. de vista, não externando seu voto. Um
‘mono’-cultivo. interfere nas diferentes formas de ser Cante lá que eu canto cá.”(*) novo ministro, Antônio Dias Toffoli, foi
Neste segundo mapeamento, os e conviver nos territórios, os povos e ( )
* Cante lá que eu canto cá.
indicado para a sua vaga, mas até hoje
povos, grupos e comunidades tradi- comunidades tradicionais reafirmaram Patativa do Assaré o julgamento não foi retomado. n 7 Outubro–2010
8. Retrospectiva
Fotos: Gustavo Macedo
A política de atenção
à saúde e o futuro
dos povos indígenas
Roberto Antonio Liebgott de planejamento, execução e avaliação das Raposa Serra do Sol. Este se tornou mo-
Vice-Presidente do Cimi ações a serem desenvolvidas. Já naquela delo e referência para a criação de outros
C
conferência ficou definido que a política distritos. Também em 1993 foi realizada
om a promulgação da Constitui- respeitaria as especificidades étnicas, a II Conferência Nacional de Saúde para os
ção Federal em 1988 ficou esta- socioculturais e as práticas terapêuticas Povos Indígenas que reiterou a defesa do
belecido o reconhecimento e o de cada povo. Além disso, se garantiria modelo dos DSEIs como base operacional,
respeito às organizações sociais, a participação nas políticas de saúde e no âmbito do SUS, para a política de aten-
políticas, culturais dos povos in- que seria criada uma secretaria específica ção à saúde das populações indígenas. Os saúde do índio, cujas ações serão executa-
dígenas. Ficou também definido para assuntos indígenas. Nasceu, naquela distritos seriam vinculados diretamente ao das pela Funasa.” A Lei Arouca determinou
que a União é a responsável pela execução conferência, a primeira propo- MS e administrados por Con- que o Governo Federal instituísse o Subsis-
das políticas a serem desenvolvidas junto sição de modelo dos Distritos Em 1986, em selhos de Saúde com partici- tema de Atenção à Saúde Indígena, tendo
aos povos e comunidades indígenas. O Sanitários Especiais Indígenas função das pação indígena. Ficou também por base os Distritos Sanitários Especiais
mesmo marco legal criou o Sistema Único (DSEIs) e que estes deveriam articulações dos definido que no âmbito do Indígenas. Foram, na época, criados 34
de Saúde (SUS), regulamentados pela Lei ficar sob a gestão do Ministé- Governo Federal haveria uma DSEIs, (Portaria 852/99). Todos os serviços
povos indígenas,
8.080/90 onde estabelece a vinculação rio da Saúde. instância responsável pela em saúde (atenção básica, prevenção, sane-
da assistência em saúde ao Ministério da Em fevereiro de 1991, com foi convocada saúde indígena do país. Já em amento) passaram a ser executados através
Saúde (MS). a edição do Decreto Presiden- a primeira 1993 os povos indígenas vi- de convênios firmados com organizações
Há muitas décadas se discute sobre cial nº. 23 houve a transfe- “Conferência de nham reivindicando a criação da sociedade civil - associações indígenas
a realidade dos povos indígenas e as rência da assistência à saúde Saúde do Índio” de uma secretaria especial e indigenistas - e alguns municípios. A
políticas a serem implementadas para as- indígena para o Ministério da para a gestão da política de perspectiva, no âmbito do Ministério da
segurar-lhes vida e saúde no Brasil. Muitas Saúde, ao qual cabia a responsabilidade atenção à saúde. Saúde, era de que a União deveria trans-
têm sido as mobilizações do movimento pela coordenação de todas as ações em No dia 19 de maio de 1994 foi editado ferir as suas responsabilidades, no tocante
indígena e das organizações que atuam no saúde. Foi criado naquele ano o Distrito o Decreto Presidencial de nº 1.141/94, que à gestão e execução das ações em saúde
campo da saúde, com o objetivo de exigir Sanitário Yanomami. Também foi consti- revogou o Decreto n° 23/1991, constituin- indígena, para terceiros.
que o Estado brasileiro estruture políticas tuída, no âmbito do Ministério da Saúde, do, a partir de então, a Comissão Interse- A partir destas mudanças, as delibera-
que possibilitem a atenção diferenciada a Coordenação de Saúde do Índio (COSAI) torial de Saúde. Esta, na prática, devolveu ções das Conferências Nacionais de Saúde
aos povos indígenas. com incumbência de implementar um a coordenação da saúde indígena para a se tornaram inócuas e os Conselhos de
Em 1986, em função das articulações modelo de atenção à saúde. No mesmo Funai, tornando-a responsável pela recu- Saúde Indígena, por sua vez, entes figu-
dos povos indígenas, foi convocada a pri- período o Conselho Nacional de Saúde peração dos índios doentes enquanto o rativos diante das ações e decisões dos
meira “Conferência de Saúde do Índio”, criou através da Resolução CNS nº 011, de MS se encarregaria das ações preventivas. conveniados. O controle social foi sendo
quando pela primeira vez se propôs um 31 de outubro de 1991, a Comissão Inter- No ano de 1999, com a edição do paulatinamente desconsiderado por gran-
modelo de atendimento diferenciado para setorial de Saúde do Índio (CISI). Esta, com Decreto nº 3.156/99 e a aprovação da de parte dos gestores, ampliando, com
estes povos. A partir das propostas referen- a função de assessorar o CNS na elaboração “Lei Arouca” (n° 9.836 de 23 de setembro isso, os problemas nos espaços de organi-
dadas naquela conferência, os indígenas dos princípios e diretrizes para as políticas de 1999), a política de saúde passou ao zação dos serviços em saúde. Os Distritos
passariam a ter direito ao acesso universal no campo da saúde indígena. encargo do MS: “O Ministério da Saúde Sanitários Especiais Indígenas, que seriam
e integral à saúde, bem como poderiam Em 1993 foi criado o Distrito Sanitário estabelecerá as políticas e diretrizes para a base de toda a política, tornaram-se ape-
participar em todas as etapas do processo do Leste de Roraima, na Terra Indígena a promoção, prevenção e recuperação da nas uma espécie de referência geográfica
Fotos: Arquivo Cimi
Há anos os povos
indígenas sofrem a
espera de soluções
para os problemas
da saúde: falta
de transportes
de doentes e de
postos de saúde,
desrespeito às
tradições de cada
povo, má gestão do
dinheiro direcionado
os distritos
sanitários
Outubro–2010 8
9. para que a Funasa pudesse definir os tipos ção, pois na prática a Funasa administrava com ênfase nas questões relativas à gestão tamente ao Ministério da Saúde; vincular Lula assina
decreto que
de convênios e as atribuições dos presta- a política de acordo com os interesses dos da política de saúde. Concomitante a isso os DSEIs à Secretaria Especial; assegurar a oficializa a
dores de serviços. Posteriormente foram grupos que a comandavam. a Justiça do Trabalho determinou que o autonomia administrativa e financeira dos criação da
realizadas mais duas conferências de saúde No ano de 2004 a Funasa, através das Governo Federal fosse o responsável e, distritos, que deve ser alcançada com a sua Secretaria
de Saúde
indígena (2000 e 2006), mas ambas foram portarias n° 69 e 70, estabeleceu novas portanto, o gestor da política de saúde e transformação em unidades gestoras do Sis- Indígena: uma
conduzidas pelos agentes da Funasa com diretrizes da saúde indígena, recuperou que a terceirização era uma prática ilegal. tema Único de Saúde (SUS), contando com vitória dos
o objetivo de referendar a perspectiva da a execução direta e reduziu o papel das Só então, depois de todas estas ações, o orçamentos próprios administrados através movimentos
indígena e
terceirização e a dimi- nuição ou restrição conveniadas, limitando-as à contratação Governo Federal manifestou algum inte- dos Fundos Distritais de Saúde; criar plano indigenista!
à participação indígena no controle social. de pessoal, à atenção nas aldeias com resse pela política de saúde. de carreira específica para profissionais de
Vale ressaltar que pelas determinações insumos, ao deslocamento dos indígenas No final do ano de 2008 foi apre- saúde indígena com condições trabalhistas
legais os DSEIs teriam um Conselho Distri- das aldeias e à compra de combustível para sentada uma proposta de projeto de lei adequadas às complexas e diferentes rea-
tal de Saúde Indígena, órgão de controle a realização desses deslocamentos. (3.958/2008) para alterar a Lei 10.683/2003 lidades dos DSEIs; assegurar que os chefes
social e com atribuições, dentre as quais, Em 17 de outubro de 2007 foi editada que dispõe sobre a organização da Presi- ou coordenadores dos distritos sejam apro-
de aprovar o Plano de Saúde Distrital e a polêmica Portaria nº 2.656, que dispunha dência da República e dos Ministérios e cria vados pelos conselhos distritais; garantir
fiscalizar a prestação de contas dos ór- sobre a regulamentação dos Incentivos de a Secretaria de Atenção Primária e Promo- que o controle social seja efetivo, com
gãos e instituições executoras das ações Atenção Básica e Especializada aos Povos ção da Saúde e na qual ficaria abrigada a participação indígena legítima em todas as
em saúde. Tais conselhos deveriam ser Indígenas, revogando a Portaria nº 1.633/ saúde indígena. Na exposição de motivos instâncias de decisão; formar um quadro
paritários, formados por representantes GM, de 14 de setembro de deste projeto o ministro da estável de recursos humanos (servidores
dos usuários, indicados pelas respectivas 1999. Esta portaria gerou De nada adiantam Saúde propôs a transferência públicos) adequado às necessidades estra-
comunidades e representantes de insti- grandes manifestações dos as normas e os das competências e atribui- tégicas da gestão, o que só será possível
tuições governamentais, prestadores de povos indígenas que, insa- discursos bem ções exercidas pela Funasa por meio de concurso público diferenciado
serviços e trabalhadores do setor de saúde. tisfeitos com a política que
formulados se a para essa secretaria. Também, e que assegure a participação indígena nos
Os conselheiros indígenas deveriam ser tinha como gestora a Funasa, fruto das pressões dos povos processos de seleção; assegurar que no ór-
política de saúde
escolhidos pelas comunidades atendidas, reivindicaram a criação do indígenas, constitui-se um gão gestor da saúde indígena os servidores
bem como participar de reuniões perió- modelo de política com- não estiver sob Grupo de Trabalho com a tenham perfil técnico independente das
dicas organizadas pelos prestadores de patível com a lei Arouca e um autêntico participação de lideranças in- ingerências políticas.
serviço de cada DSEI. Na prática, a relação com as diretrizes da segunda controle social dígenas (Portarias 3034/2008 Por fim, é importante enfatizar que de
entre os povos indígenas e os prestadores Conferência nacional de Saú- dos povos e 3035/2008 GAB/MS) cujo nada adiantam as normas e os discursos
de serviço sempre foi tensa, permeada de Indígena. A portaria além indígenas objetivo foi de discutir e bem formulados se a política de saúde não
por problemas relacionados à gestão e a de fortalecer a Funasa abria apresentar propostas, ações estiver sob um autêntico controle social
aplicação de recursos. perspectivas para a municipalização da e medidas a serem implantadas no âmbito dos povos indígenas. Mas, para que isso
O Ministério da Saúde editou a Portaria saúde, exatamente na contramão do que do Ministério da Saúde, no que se refere aconteça, o governo precisa mudar sua
n° 254, em 31 de janeiro de 2002, que pretendiam os povos indígenas. à gestão dos serviços de saúde oferecidos concepção acerca da administração públi-
aprovou a Política Nacional de Atenção Somente em agosto de 2008 - depois aos povos indígenas. ca, ou seja, ela não deve estar submetida
à Saúde dos Povos Indígenas. A portaria das constantes manifestações realizadas Depois de dois anos de espera, o ao clientelismo e ao loteamento político.
determinava que os órgãos e entidades pelo movimento indígena contra a Funasa, governo editou a Medida Provisória 483, Além disso, o governo deve investir re-
do Ministério da Saúde promovessem depois que foram veiculadas inúmeras aprovada pelo Congresso Nacional e cursos para formação e capacitação junto
a elaboração ou a readequação de seus notícias de corrupção naquele órgão e em transformada na Lei 12.314/2010 que pos- aos povos e comunidades indígenas, bem
planos, programas, projetos e atividades função das constantes denúncias sobre o sibilitou a criação da referida Secretaria. E como dos servidores públicos a serem
em conformidade com ela. O propósito da descaso na execução das ações e serviços no dia 19/10/2010 foi editado o Decreto contratados através de concursos sérios. E,
política seria o de garantir aos povos indí- nas áreas indígenas que vinha gerando 7.336/2010 que oficializou a criação da fundamentalmente, deve ser realizada uma
genas o acesso à atenção integral à saúde, avassaladora mortalidade infantil e alas- Secretaria de Saúde Indígena. verdadeira Conferência de Saúde Indígena,
de acordo com os princípios e diretrizes tramento de doenças, o Ministro da Saúde O novo modelo de gestão da saúde sem manipulação (espécie de conceito já
do Sistema Único de Saúde, contemplando resolveu ouvir as reclamações e propostas indígena deverá, se o governo cumprir institucionalizado no âmbito dos gestores
a diversidade social, cultural, geográfica, dos povos indígenas. Também no mesmo com as deliberações legais, estruturar a das políticas públicas), tendo ela o poder
histórica e política. No entanto, as normas período o Tribunal de Contas da União Secretaria de Atenção Especial à Saúde de traçar, definir e deliberar sobre a polí-
e recomendações não passaram de inten- desenvolveu uma auditoria sobre a Funasa, Indígena de caráter executivo ligada dire- tica a ser executada. n 9 Outubro–2010