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A escravidão atlântica:
                                uma nova leitura
                               Silvânio Paulo de Barcelos*




        Resumo
        Este artigo levanta questões relativas ao tráfico negreiro em função da
        escravidão racial da era moderna. Ao percorrerem os caminhos das rotas do
        Atlântico, alguns historiadores contemporâneos recuperaram a condição de
        humanidade do escravo, revertendo o conceito cristalizado do senso comum
        que o entendia apenas como mero feixe de músculos a serviço do regime
        escravocrata. A partir da análise do tráfico negreiro em si e dos processos
        reificadores que transformaram os africanos na diáspora negra em
        mercadorias humanas, percebe-se que entre a insubordinação extremada e a
        submissão pacífica havia o escravo que negociava da melhor forma possível,
        para além do sobreviver, o simples viver, resgatando sua dignidade no
        âmbito da história.
        Palavras-chave: Tráfico negreiro, escravidão, negociação.
        Abstract
        This article raises questions concerning the slave trade on the basis of racial
        slavery in the modern era. By walking the paths of the routes of the Atlantic,
        some modern historians have recovered the human condition of the slave,
        reversing crystallized the concept of common sense that he understood as a
        mere bundle of muscles in the service of the slave regime. From the analysis
        of the slave trade it self and the reifying processes that transformed the black
        Africans in the Diaspora in human goods, it is noticed that among the
        extreme insubordination and peaceful submission was a salve who was
        negotiating the best possible way, in addition to survival, the simple live,
        restoring their dignity in the context of history.
        Key words: slave trade, slavery, trade.




*
        SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS é Mestrando em História pela Universidade Federal de
Mato Grosso. Bolsista CNPq.



                                                                                           122
De acordo com a convenção sobre a                 expressão em sua própria história. Essa
escravatura assinada em Genebra, em               visão estereotipada do escravo como
25 de setembro de 1926, e emendada                res, no limite como um ser desprovido
pelo protocolo aberto à assinatura ou à           de história, contribui, e isso não é
aceitação na sede da Organização das              pouco, para a configuração atual da
Nações Unidas, realizada em 7 de                  posição social dos negros no interior das
Dezembro de 1953 na cidade de Nova                sociedades contemporâneas. Pode-se,
Iorque, em seu artigo primeiro,                   com relativa facilidade, relacionar os
parágrafo primeiro: “A escravidão é o             processos nefastos dos preconceitos
estado ou condição de um indivíduo                raciais – a racialização do negro,
sobre o qual se exercem, total ou                 portanto, no interior de sociedades
parcialmente, os atributos do direito de          marcadas       profundamente         pelo
propriedade”. Ainda tratando da mesma             predomínio e pela hegemonia das
temática em seu parágrafo segundo do              populações brancas – à própria
mesmo artigo afirma que:                          construção, no âmbito da história, da
        O tráfico de escravos compreende          condição do escravo enquanto mero
        todo ato de captura, aquisição ou         instrumento da produção de bens
        cessão de um indivíduo com o              capitalistas.
        propósito de escravizá-lo; todo ato       O africano escravizado não constituía
        de aquisição de um escravo com o
                                                  “mercadoria”2 exclusiva do comércio
        propósito de vendê-lo ou trocá-lo;
        todo ato de cessão, por meio de
                                                  escravo pelas rotas do Atlântico, como
        venda ou troca, de um escravo             sempre foi entendido pelo senso comum
        adquirido para ser vendido ou             da historiografia tradicional que se
        trocado; assim como em geral todo         interessava     por     essa    temática.
        ato de comércio ou de transportes         Comerciantes africanos também se
        de escravos. 1                            utilizaram da mão de obra escrava
Paul Lovejoy aprofunda ainda mais                 articulando-a com os interesses do
                                                  capitalismo, principalmente durante
esses conceitos ao apontar as
                                                  parte do século XIX, atendendo à
características específicas da escravidão
incluindo a idéia de que os escravos              demanda da expansão comercial no
eram em termos absolutos uma                      exterior. A necessidade de se ampliar o
                                                  comércio “resultou no emprego de
propriedade, e que também: “eram
                                                  escravos no comércio e na produção;
estrangeiros, alienados pela origem ou
                                                  então a África interiorizava a escravidão
dos quais, por sanções judiciais ou
outras, se retirara a herança social que          como um modo de produção, ao passo
lhes coubera ao nascer; que a coerção             que anteriormente a escravidão africana
podia ser usada à vontade; que a sua              tinha sido parte de uma rede maior,
força de trabalho estava à completa               intercontinental”. (LOVEJOY, 2002).
disposição de um senhor”, (LOVEJOY,               Para esse autor, o modo de produção
2002). Uma observação mais acurada                escravista que surgia na África possuía
desses conceitos permite entender, de             diferenças     significativas     quando
alguma forma, a transformação do                  comparados com a evolução do sistema
africano escravizado em “coisa”, em               escravocrata nas Américas, embora as
sujeito passivo que não encontra                  2
                                                    Utilizamos o termo mercadoria entre aspas
                                                  para designar a forma com a qual eram
1
       Disponível      em:      http://www.onu-   considerados os africanos que foram
brasil.org.br/doc_escravatura.php, acesso em      comercializados no longo período da escravidão
22/junho/2010.                                    racial da era moderna.



                                                                                                   123
similitudes encontradas entre os dois                metropolitanas e sobas4 africanos. Tal
sistemas quando consideradas suas                    como no processo do tráfico negreiro
subordinações ao capitalismo. Nas                    em terras africanas, envolvendo em sua
Américas o sistema escravocrata                      rede comercial representantes daquelas
dependia da importação de seus                       sociedades, no navio negreiro, segundo
escravos, enquanto que na África foi                 Rodrigues, havia também um intrincado
conseqüência natural da evolução desta               sistema sócio-político e administrativo
instituição entre os nativos, cuja                   tornando possível o transporte dos
característica  principal   era    sua               escravos. Desconstruindo as categorias
concentração em pequenas regiões,                    generalizantes que enquadravam numa
enquanto que no Novo Mundo o                         análise simplista o traficante e os
comércio dilatava-se pelos mercados                  senhores de escravos, esse autor observa
mundiais.                                            de forma substancial que na arena onde
                                                     de desenvolveu o tráfico verificou-se de
Para Jaime Rodrigues, o tráfico negreiro
                                                     forma acentuada um confronto de
configurava-se como um excelente
                                                     interesses: de um lado a coroa
negócio e a questão econômica a ele
                                                     portuguesa que se preocupava com as
intrínseca explicava, em parte, o maior
                                                     conquistas de novos territórios e a
fenômeno de migração forçada da idade
                                                     arrecadação sempre bem vinda de
moderna. Ao contrário do que se
                                                     impostos e, de outro os grandes e
imaginava, o comércio de escravos
                                                     pequenos traficantes. Rodrigues aponta
entre a África e o mundo ocidental
demandava o envolvimento das                         também o interesse de uma elite de
sociedades africanas que formaram uma                brancos residentes em Angola que se
complexa rede de intermediários e                    dedicava à intermediação da transação
procedimentos tornando-o possível e                  financeira de escravos entre soberanos
racional em termos comerciais. Esta                  africanos e comerciantes negreiros.
questão, seguramente, consiste no lado               Tal como Lovejoy, Rodrigues identifica
mais sombrio e perverso da natureza                  uma crescente economia, de proporções
humana, um refluxo da ignomínia que                  continentais, em solo africano, centrada
representa a ambição desmedida levada                no comércio e no tráfico de escravos.
a seu extremo.                                       De acordo com ele, forçar o
A dinâmica do comércio negreiro                      aprisionamento e transporte de milhões
envolvendo toda uma gama de                          de africanos nas rotas do Atlântico só se
intermediários onerava, sobremaneira,                tornaram possíveis graças à existência
os preços de cada escravo no mercado                 de condições ideais à sua empresa no
transatlântico. Participavam do tráfico              próprio       continente       Africano.
negreiro, entre outros: capitães dos                 Obviamente,      o    tráfico    negreiro
navios e suas equipagens, sertanejos,
colonos,     pombeiros3,    autoridades              mercadorias: “A exportação em grandes
                                                     quantidades do marfim, da cera, da goma copal,
                                                     da urzela não interessava aos traficantes nem
3
  Os pombeiros eram agentes especializados no        aos seus concessionários, uns e outros
comércio e no transporte de mercadorias de           habituados aos grandes lucros, com pouco
valor, servindo de intermediários entre              esforço,     oferecidos    pela      escravatura”.
comerciantes do interior e do litoral. No entanto,   Disponível                                    em:
a mercadoria mais cobiçada era o escravo. Os         http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http:/
grandes exportadores que movimentavam o              /petrinus.com.sapo.pt/pombeiros1. Acesso em
comércio de longa distância não passavam de          22/junho/2010.
                                                     4
simples negreiros que não sabiam e de nenhuma          Ou régulos, denominações em algumas regiões
forma queriam lidar com outros tipos de              da África atribuída à chefes de tribos.



                                                                                                          124
expandiu-se na África em resposta à               pudesse denotar perigo. Segundo
demanda do capitalismo que tornou a               Rodrigues outra forma de
mercadoria humana um produto                      prevenção e defesa contra os
altamente valorizado no mercado                   ataques de invasores era a
mundial. “O contato entre africanos e             manutenção de espiões nas
europeus em diferentes lugares do                 proximidades.
continente africano criou uma nova         No entanto, uma das formas mais sutis e
dinâmica social que permitiu a             não menos perversa do sistema de
consolidação do tráfico como negócio
                                           captura de escravos consistia na
legítimo e socialmente aceito, embora      sistemática prática de incentivo aos
nunca isento de contestações e             conflitos    entre    tribos    africanas
conflitos” (RODRIGUES, 2005). De           promovidas pelos europeus. “Esses
acordo com as coletâneas publicadas        conflitos – nos quais as armas de fogo
pelo Legislativo Britânico em 1791, a
                                           introduzidas pelos europeus eram
pedido da Câmara dos Comuns, cujos
                                           fundamentais – representavam um elo
conteúdos foram retirados das diversas
                                           importante do circuito que envolvia
narrativas de pessoas que viveram na
                                           ainda trocas comerciais e acordos entre
América e também dos viajantes que
                                           europeus e africanos de diversas etnias e
percorreram partes do continente
                                           hierarquias sociais” (RODRIGUES,
africano, entre o rio Senegal e Angola,
                                           2005). Essa prática caracterizava-se pela
de 1754 a 1789, as formas mais
                                           sua alta eficiência no que se refere à
corriqueiras nas práticas de captura de    quantidade de escravos conseguidos
escravos eram:                             após as guerras tribais, onde os povos
       a)      Guerra: Não se tratava de   vencidos eram transportados para o
       guerra em sua forma tradicional     litoral e de lá vendidos aos traficantes
       como a conhecemos. Para os          negreiros.
       traficantes, guerra significava
                                           Rodrigues levanta uma questão delicada
       “Esperar a noite cair, atear fogo
                                           acerca da taxa de mortalidade dos
       às aldeias e prender tantas
                                           escravos que segundo a historiografia
       pessoas quanto fosse possível”
                                           tradicional podia alcançar índices
       (RODRIGUES, 2005).                  impressionantes de perdas geralmente
       b)     Roubo e adultério: Era       ocorridas no transporte a bordo dos
       fato corriqueiro pessoas serem      navios negreiros, alguns índices
       condenadas por praticar roubo e     apontavam a morte de quase metade da
       também       adultério    serem     quantidade de escravos embarcados no
       vendidas como escravas.             continente Africano. Uma das imagens
       c)     Pilhagem:       Constituía   mais tradicionais referentes ao tema da
       uma ameaça constante, o que         escravidão racial, sem dúvida é a do
                                           “Negros no porão” de Rugendas, cuja
       levava muitos nativos a estar
                                           sensibilidade retrata o ambiente do
       sempre preparados, ativando
                                           interior de um navio negreiro.
       seus sentidos apurados para
       detectar indícios na natureza que




                                                                                       125
“Negros no porão”, de Rugendas (Disponível em: http://www.google.com.br/imgres?imgurl acesso em 23/06/2010)


Uma leitura iconográfica superficial                          víveres, de alimentos não perecíveis
desta gravura de Rugendas aponta o                            bem como de água potável para
porão do navio negreiro como um local                         consumo humano. Para resolver esses
altamente insalubre e impróprio para o                        problemas, navios mais velozes foram
transporte de pessoas. Um local                               fabricados                diminuindo
reduzido,     pouco    espaço,     gente                      consideravelmente o tempo gasto na
amontoada, pouca luz e abundante                              travessia do Atlântico.
sofrimento humano. Para Rodrigues, a
                                                              Ao levar em consideração os altos
imagem de Rugendas representa um
                                                              custos na aquisição e transporte de
esforço de propaganda abolicionista. O
                                                              escravos seria ingenuidade afirmar que
próprio autor da imagem foi um dos
                                                              os homens envolvidos no tráfico
leitores dos “Relatórios do Parlamento
                                                              negreiro não consideravam e nem
Britânico”, referentes à campanha
                                                              promoviam esforços no sentido de
abolicionista na Inglaterra do século
                                                              preservação de suas mercadorias
XIX. Desta forma “A imagem que
                                                              humanas. No entanto, uma questão
retrata o porão do navio negreiro feita
                                                              fundamental para a compreensão da
por Rugendas poderia ser interpretada
                                                              lógica senhorial intrínseca ao processo
como um importante documento
                                                              da escravidão racial foi levantada por
antiescravista, menos pelo que ela
                                                              Jaime Rodrigues em sua tese. Trata-se
possui de verdade descritiva e mais pelo
                                                              da questão da doutrinação ideológica
seu valor de denúncia” (RODRIGUES,
                                                              pelo uso da violência e do terror
2005). Em termos reais, o grande
                                                              psicológico. Para a eficiência total da
problema da mortalidade de escravos a
                                                              empresa        escravista     tornava-se
bordo dos navios negreiros foi numa
                                                              imprescindível que os africanos
certa medida atenuado pelo avanço das
                                                              escravizados fossem entregues aos seus
técnicas de fabricação e utilização de
                                                              compradores nas condições apropriadas
materiais mais adequados na produção
                                                              para o aproveitamento máximo de sua
destas embarcações, tais como o
                                                              mão de obra. Para se conseguir
revestimento de cobre. Outro fator
                                                              maximizar toda a potencialidade do
importante consistiu no tempo gasto na
                                                              trabalho escravo tornava-se necessário
travessia do oceano Atlântico e a
                                                              discipliná-lo da melhor forma possível,
escassa capacidade de transporte de



                                                                                                                  126
refreando ímpetos de rebeldia e revolta         em larga escala os mecanismos de
e até ensinando alguns rudimentos da            controle de uma forma mais sutil, uma
língua vernácula do lugar à que seria           negociação em níveis mais profundos,
vendido. Pensando dessa forma,                  considerando-se        seus       aspectos
aceitava-se, numa certa medida, a               psicológicos. O silêncio em torno dessa
própria morte de parte dos escravos no          delicada questão, na historiografia
processo compreendido entre sua                 tradicional, se prende segundo esses
captura na África e a posterior venda           autores à própria lógica cristalizada pela
nos locais de destino, como parte do            memória da escravidão que, via de
programa de doutrinação pelo uso do             regra, não admitia que os escravos
terror que a própria travessia impunha          fossem senhores de sua história,
ao imaginário daqueles homens.                  “enquanto     res,    instrumentos      de
Não há como se pensar o tráfico                 produção, propriedade de outrem, não
                                                teria, simplesmente, uma economia
negreiro e a própria escravidão racial da
                                                própria” (SILVA, 1989). Na verdade, a
era moderna se não enquanto simples
                                                possibilidade fornecida aos escravos de
comércio      altamente     lucrativo    e
                                                uma margem de economia própria,
embasado nos moldes dos princípios
                                                através da cessão de pedaços de terra
capitalistas. Essa lógica perversa do
                                                para o plantio e a folga de um dia por
sistema       escravocrata      contribuiu
                                                semana para o manejo da plantação,
conceitualmente para a redução do
                                                consistia num poderoso mecanismo de
escravo em coisa, um mero objeto do
sistema que o oprime e explora.                 negociação a favor dos senhores e
Entretanto, essa visão estreita do senso        proprietários de escravos. Desta forma,
comum que retira do africano sua                a “brecha camponesa”, de acordo com
humanidade consiste numa incoerência            Silva, “aumentava a quantidade de
e numa impossibilidade histórica. Como          gêneros disponíveis para alimentar a
afirma Silva, no decorrer da longa              escravaria numerosa, ao mesmo tempo
experiência da escravidão racial no             em que fornecia uma válvula de escape
Brasil, uma forma dicotômica de                 para as pressões resultantes da
relacionamento         sintetizou-se na         escravidão” (SILVA, 1989). Essa última
                                                questão, a segurança, de acordo com
mentalidade coletiva: “De um lado,
                                                esses autores, é central nas relações
Zumbí de Palmares, a ira sagrada, o
                                                entre senhores e seus escravos,
treme-terra; de outro, Pai João, a
                                                buscando da melhor forma possível um
submissão       conformada”      (SILVA,
                                                ambiente com, pelo menos, um mínimo
1989). Esses autores apontam que entre
                                                de paz.
o ideal revolucionário e a submissão
conformada havia o escravo que                  A própria lógica do sistema escravista
negociava da melhor forma possível o            permite essa margem de negociação na
sua vida.                                       medida em que se admite a
Ainda pouco estudada no Brasil o
conceito “brecha camponesa”5 revela             “brecha camponesa” para designar as atividades
                                                econômicas que escapavam estritamente ao
                                                sistema de plantagem, de acordo com sua
5
 Segundo Eduardo Silva e João José Reis, o      própria designação, desenvolvida nas colônias
conceito    brecha     camponesa     “embora    escravistas. Lepkowski substitui, com muita
razoavelmente estudado nos Estados Unidos e,    propriedade, o tradicional conceito da
sobretudo, no Caribe” (SILVA, 1989), tem sido   plantation pelo de “plantagem” numa
negligenciado pela historiografia brasileira.   personificação mais adequada ao sistema da
Tadeusz Lepkowski (Haiti) utilizou o conceito   exploração colonial em terras brasileiras.



                                                                                                 127
irracionalidade da relação entre senhor e   através dos quais os escravos fizeram
escravo baseada exclusivamente no uso       história.” (SILVA, 1989). Nas trilhas
da força. O fato é que esse pequeno         percorridas pelos escravos sempre
direito    de    propriedade      assume    houve, e isso é essencial, o exercício de
proporção de alta relevância também         vontades delimitando seus espaços de
para os escravos que tanto lutam por sua    atuações,      consentidas      e     até
manutenção, quanto por sua ampliação.       conquistadas, por força de negociações
Silva usa como exemplo os escravos do       e resistências. Torna-se óbvio perceber
engenho Santana de Ilhéus que se            que eles foram hábeis em conquistar
rebelaram, no século XVIII, exigindo        seus lugares no interior do regime, onde
entre as condições de suas voltas ao        pudessem da melhor forma possível não
trabalho a ampliação da “brecha             apenas sobreviver, mas, sim, viver.
camponesa”. Possuir, mesmo que              Entendemos a importância e a
informalmente, um pedaço de terra onde      centralidade dessa nova tendência
plantar suas roças, seus “sonhos e          historiográfica que retira do escravo a
esperanças” constituem um poderoso          condição de coisa e o coloca no centro
elo de ligação entre os escravos, ao        da convergência de seus próprios
mesmo tempo em que possibilita uma          valores, ao mesmo tempo em que o
economia autônoma, dentro dos limites       identifica como ator e autor de sua
permitidos, que produz numa certa           própria história.
medida um sentimento de relativa
independência.
                                            Referências
Jaime Pinsky contesta o caráter
                                            LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África:
puramente econômico da escravidão           uma história de suas transformações. Rio de
racial, “para mim, a escravidão não é       Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
apenas uma ‘instituição histórica’ ou
                                            PINSKY, Jaime. Escravidão no Brasil. São
um ‘modo de produção’, mas uma              Paulo: Contexto, 2006.
maneira de relacionamento entre seres
                                            RODRIGUES, Jaime. De costa à costa:
humanos”. (PINSKY, 2006). A grande
                                            escravos, marinheiros e intermediários do
massa de população africana que foi         tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro
traficada para a colônia portuguesa “não    (1780 – 1860). São Paulo: Companhia das
pode ser analisada apenas como ‘força       Letras, 2005.
de trabalho’ e, por isso, muitos            SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a
historiadores, hoje, procuram discernir     resistência negra no Brasil escravista. São
os caminhos, nem simples nem óbvios,        Paulo: Companhia das Letras, 1989.




                                                                                           128

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Uma nova leitura da escravidão atlântica

  • 1. A escravidão atlântica: uma nova leitura Silvânio Paulo de Barcelos* Resumo Este artigo levanta questões relativas ao tráfico negreiro em função da escravidão racial da era moderna. Ao percorrerem os caminhos das rotas do Atlântico, alguns historiadores contemporâneos recuperaram a condição de humanidade do escravo, revertendo o conceito cristalizado do senso comum que o entendia apenas como mero feixe de músculos a serviço do regime escravocrata. A partir da análise do tráfico negreiro em si e dos processos reificadores que transformaram os africanos na diáspora negra em mercadorias humanas, percebe-se que entre a insubordinação extremada e a submissão pacífica havia o escravo que negociava da melhor forma possível, para além do sobreviver, o simples viver, resgatando sua dignidade no âmbito da história. Palavras-chave: Tráfico negreiro, escravidão, negociação. Abstract This article raises questions concerning the slave trade on the basis of racial slavery in the modern era. By walking the paths of the routes of the Atlantic, some modern historians have recovered the human condition of the slave, reversing crystallized the concept of common sense that he understood as a mere bundle of muscles in the service of the slave regime. From the analysis of the slave trade it self and the reifying processes that transformed the black Africans in the Diaspora in human goods, it is noticed that among the extreme insubordination and peaceful submission was a salve who was negotiating the best possible way, in addition to survival, the simple live, restoring their dignity in the context of history. Key words: slave trade, slavery, trade. * SILVÂNIO PAULO DE BARCELOS é Mestrando em História pela Universidade Federal de Mato Grosso. Bolsista CNPq. 122
  • 2. De acordo com a convenção sobre a expressão em sua própria história. Essa escravatura assinada em Genebra, em visão estereotipada do escravo como 25 de setembro de 1926, e emendada res, no limite como um ser desprovido pelo protocolo aberto à assinatura ou à de história, contribui, e isso não é aceitação na sede da Organização das pouco, para a configuração atual da Nações Unidas, realizada em 7 de posição social dos negros no interior das Dezembro de 1953 na cidade de Nova sociedades contemporâneas. Pode-se, Iorque, em seu artigo primeiro, com relativa facilidade, relacionar os parágrafo primeiro: “A escravidão é o processos nefastos dos preconceitos estado ou condição de um indivíduo raciais – a racialização do negro, sobre o qual se exercem, total ou portanto, no interior de sociedades parcialmente, os atributos do direito de marcadas profundamente pelo propriedade”. Ainda tratando da mesma predomínio e pela hegemonia das temática em seu parágrafo segundo do populações brancas – à própria mesmo artigo afirma que: construção, no âmbito da história, da O tráfico de escravos compreende condição do escravo enquanto mero todo ato de captura, aquisição ou instrumento da produção de bens cessão de um indivíduo com o capitalistas. propósito de escravizá-lo; todo ato O africano escravizado não constituía de aquisição de um escravo com o “mercadoria”2 exclusiva do comércio propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de escravo pelas rotas do Atlântico, como venda ou troca, de um escravo sempre foi entendido pelo senso comum adquirido para ser vendido ou da historiografia tradicional que se trocado; assim como em geral todo interessava por essa temática. ato de comércio ou de transportes Comerciantes africanos também se de escravos. 1 utilizaram da mão de obra escrava Paul Lovejoy aprofunda ainda mais articulando-a com os interesses do capitalismo, principalmente durante esses conceitos ao apontar as parte do século XIX, atendendo à características específicas da escravidão incluindo a idéia de que os escravos demanda da expansão comercial no eram em termos absolutos uma exterior. A necessidade de se ampliar o comércio “resultou no emprego de propriedade, e que também: “eram escravos no comércio e na produção; estrangeiros, alienados pela origem ou então a África interiorizava a escravidão dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirara a herança social que como um modo de produção, ao passo lhes coubera ao nascer; que a coerção que anteriormente a escravidão africana podia ser usada à vontade; que a sua tinha sido parte de uma rede maior, força de trabalho estava à completa intercontinental”. (LOVEJOY, 2002). disposição de um senhor”, (LOVEJOY, Para esse autor, o modo de produção 2002). Uma observação mais acurada escravista que surgia na África possuía desses conceitos permite entender, de diferenças significativas quando alguma forma, a transformação do comparados com a evolução do sistema africano escravizado em “coisa”, em escravocrata nas Américas, embora as sujeito passivo que não encontra 2 Utilizamos o termo mercadoria entre aspas para designar a forma com a qual eram 1 Disponível em: http://www.onu- considerados os africanos que foram brasil.org.br/doc_escravatura.php, acesso em comercializados no longo período da escravidão 22/junho/2010. racial da era moderna. 123
  • 3. similitudes encontradas entre os dois metropolitanas e sobas4 africanos. Tal sistemas quando consideradas suas como no processo do tráfico negreiro subordinações ao capitalismo. Nas em terras africanas, envolvendo em sua Américas o sistema escravocrata rede comercial representantes daquelas dependia da importação de seus sociedades, no navio negreiro, segundo escravos, enquanto que na África foi Rodrigues, havia também um intrincado conseqüência natural da evolução desta sistema sócio-político e administrativo instituição entre os nativos, cuja tornando possível o transporte dos característica principal era sua escravos. Desconstruindo as categorias concentração em pequenas regiões, generalizantes que enquadravam numa enquanto que no Novo Mundo o análise simplista o traficante e os comércio dilatava-se pelos mercados senhores de escravos, esse autor observa mundiais. de forma substancial que na arena onde de desenvolveu o tráfico verificou-se de Para Jaime Rodrigues, o tráfico negreiro forma acentuada um confronto de configurava-se como um excelente interesses: de um lado a coroa negócio e a questão econômica a ele portuguesa que se preocupava com as intrínseca explicava, em parte, o maior conquistas de novos territórios e a fenômeno de migração forçada da idade arrecadação sempre bem vinda de moderna. Ao contrário do que se impostos e, de outro os grandes e imaginava, o comércio de escravos pequenos traficantes. Rodrigues aponta entre a África e o mundo ocidental demandava o envolvimento das também o interesse de uma elite de sociedades africanas que formaram uma brancos residentes em Angola que se complexa rede de intermediários e dedicava à intermediação da transação procedimentos tornando-o possível e financeira de escravos entre soberanos racional em termos comerciais. Esta africanos e comerciantes negreiros. questão, seguramente, consiste no lado Tal como Lovejoy, Rodrigues identifica mais sombrio e perverso da natureza uma crescente economia, de proporções humana, um refluxo da ignomínia que continentais, em solo africano, centrada representa a ambição desmedida levada no comércio e no tráfico de escravos. a seu extremo. De acordo com ele, forçar o A dinâmica do comércio negreiro aprisionamento e transporte de milhões envolvendo toda uma gama de de africanos nas rotas do Atlântico só se intermediários onerava, sobremaneira, tornaram possíveis graças à existência os preços de cada escravo no mercado de condições ideais à sua empresa no transatlântico. Participavam do tráfico próprio continente Africano. negreiro, entre outros: capitães dos Obviamente, o tráfico negreiro navios e suas equipagens, sertanejos, colonos, pombeiros3, autoridades mercadorias: “A exportação em grandes quantidades do marfim, da cera, da goma copal, da urzela não interessava aos traficantes nem 3 Os pombeiros eram agentes especializados no aos seus concessionários, uns e outros comércio e no transporte de mercadorias de habituados aos grandes lucros, com pouco valor, servindo de intermediários entre esforço, oferecidos pela escravatura”. comerciantes do interior e do litoral. No entanto, Disponível em: a mercadoria mais cobiçada era o escravo. Os http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http:/ grandes exportadores que movimentavam o /petrinus.com.sapo.pt/pombeiros1. Acesso em comércio de longa distância não passavam de 22/junho/2010. 4 simples negreiros que não sabiam e de nenhuma Ou régulos, denominações em algumas regiões forma queriam lidar com outros tipos de da África atribuída à chefes de tribos. 124
  • 4. expandiu-se na África em resposta à pudesse denotar perigo. Segundo demanda do capitalismo que tornou a Rodrigues outra forma de mercadoria humana um produto prevenção e defesa contra os altamente valorizado no mercado ataques de invasores era a mundial. “O contato entre africanos e manutenção de espiões nas europeus em diferentes lugares do proximidades. continente africano criou uma nova No entanto, uma das formas mais sutis e dinâmica social que permitiu a não menos perversa do sistema de consolidação do tráfico como negócio captura de escravos consistia na legítimo e socialmente aceito, embora sistemática prática de incentivo aos nunca isento de contestações e conflitos entre tribos africanas conflitos” (RODRIGUES, 2005). De promovidas pelos europeus. “Esses acordo com as coletâneas publicadas conflitos – nos quais as armas de fogo pelo Legislativo Britânico em 1791, a introduzidas pelos europeus eram pedido da Câmara dos Comuns, cujos fundamentais – representavam um elo conteúdos foram retirados das diversas importante do circuito que envolvia narrativas de pessoas que viveram na ainda trocas comerciais e acordos entre América e também dos viajantes que europeus e africanos de diversas etnias e percorreram partes do continente hierarquias sociais” (RODRIGUES, africano, entre o rio Senegal e Angola, 2005). Essa prática caracterizava-se pela de 1754 a 1789, as formas mais sua alta eficiência no que se refere à corriqueiras nas práticas de captura de quantidade de escravos conseguidos escravos eram: após as guerras tribais, onde os povos a) Guerra: Não se tratava de vencidos eram transportados para o guerra em sua forma tradicional litoral e de lá vendidos aos traficantes como a conhecemos. Para os negreiros. traficantes, guerra significava Rodrigues levanta uma questão delicada “Esperar a noite cair, atear fogo acerca da taxa de mortalidade dos às aldeias e prender tantas escravos que segundo a historiografia pessoas quanto fosse possível” tradicional podia alcançar índices (RODRIGUES, 2005). impressionantes de perdas geralmente b) Roubo e adultério: Era ocorridas no transporte a bordo dos fato corriqueiro pessoas serem navios negreiros, alguns índices condenadas por praticar roubo e apontavam a morte de quase metade da também adultério serem quantidade de escravos embarcados no vendidas como escravas. continente Africano. Uma das imagens c) Pilhagem: Constituía mais tradicionais referentes ao tema da uma ameaça constante, o que escravidão racial, sem dúvida é a do “Negros no porão” de Rugendas, cuja levava muitos nativos a estar sensibilidade retrata o ambiente do sempre preparados, ativando interior de um navio negreiro. seus sentidos apurados para detectar indícios na natureza que 125
  • 5. “Negros no porão”, de Rugendas (Disponível em: http://www.google.com.br/imgres?imgurl acesso em 23/06/2010) Uma leitura iconográfica superficial víveres, de alimentos não perecíveis desta gravura de Rugendas aponta o bem como de água potável para porão do navio negreiro como um local consumo humano. Para resolver esses altamente insalubre e impróprio para o problemas, navios mais velozes foram transporte de pessoas. Um local fabricados diminuindo reduzido, pouco espaço, gente consideravelmente o tempo gasto na amontoada, pouca luz e abundante travessia do Atlântico. sofrimento humano. Para Rodrigues, a Ao levar em consideração os altos imagem de Rugendas representa um custos na aquisição e transporte de esforço de propaganda abolicionista. O escravos seria ingenuidade afirmar que próprio autor da imagem foi um dos os homens envolvidos no tráfico leitores dos “Relatórios do Parlamento negreiro não consideravam e nem Britânico”, referentes à campanha promoviam esforços no sentido de abolicionista na Inglaterra do século preservação de suas mercadorias XIX. Desta forma “A imagem que humanas. No entanto, uma questão retrata o porão do navio negreiro feita fundamental para a compreensão da por Rugendas poderia ser interpretada lógica senhorial intrínseca ao processo como um importante documento da escravidão racial foi levantada por antiescravista, menos pelo que ela Jaime Rodrigues em sua tese. Trata-se possui de verdade descritiva e mais pelo da questão da doutrinação ideológica seu valor de denúncia” (RODRIGUES, pelo uso da violência e do terror 2005). Em termos reais, o grande psicológico. Para a eficiência total da problema da mortalidade de escravos a empresa escravista tornava-se bordo dos navios negreiros foi numa imprescindível que os africanos certa medida atenuado pelo avanço das escravizados fossem entregues aos seus técnicas de fabricação e utilização de compradores nas condições apropriadas materiais mais adequados na produção para o aproveitamento máximo de sua destas embarcações, tais como o mão de obra. Para se conseguir revestimento de cobre. Outro fator maximizar toda a potencialidade do importante consistiu no tempo gasto na trabalho escravo tornava-se necessário travessia do oceano Atlântico e a discipliná-lo da melhor forma possível, escassa capacidade de transporte de 126
  • 6. refreando ímpetos de rebeldia e revolta em larga escala os mecanismos de e até ensinando alguns rudimentos da controle de uma forma mais sutil, uma língua vernácula do lugar à que seria negociação em níveis mais profundos, vendido. Pensando dessa forma, considerando-se seus aspectos aceitava-se, numa certa medida, a psicológicos. O silêncio em torno dessa própria morte de parte dos escravos no delicada questão, na historiografia processo compreendido entre sua tradicional, se prende segundo esses captura na África e a posterior venda autores à própria lógica cristalizada pela nos locais de destino, como parte do memória da escravidão que, via de programa de doutrinação pelo uso do regra, não admitia que os escravos terror que a própria travessia impunha fossem senhores de sua história, ao imaginário daqueles homens. “enquanto res, instrumentos de Não há como se pensar o tráfico produção, propriedade de outrem, não teria, simplesmente, uma economia negreiro e a própria escravidão racial da própria” (SILVA, 1989). Na verdade, a era moderna se não enquanto simples possibilidade fornecida aos escravos de comércio altamente lucrativo e uma margem de economia própria, embasado nos moldes dos princípios através da cessão de pedaços de terra capitalistas. Essa lógica perversa do para o plantio e a folga de um dia por sistema escravocrata contribuiu semana para o manejo da plantação, conceitualmente para a redução do consistia num poderoso mecanismo de escravo em coisa, um mero objeto do sistema que o oprime e explora. negociação a favor dos senhores e Entretanto, essa visão estreita do senso proprietários de escravos. Desta forma, comum que retira do africano sua a “brecha camponesa”, de acordo com humanidade consiste numa incoerência Silva, “aumentava a quantidade de e numa impossibilidade histórica. Como gêneros disponíveis para alimentar a afirma Silva, no decorrer da longa escravaria numerosa, ao mesmo tempo experiência da escravidão racial no em que fornecia uma válvula de escape Brasil, uma forma dicotômica de para as pressões resultantes da relacionamento sintetizou-se na escravidão” (SILVA, 1989). Essa última questão, a segurança, de acordo com mentalidade coletiva: “De um lado, esses autores, é central nas relações Zumbí de Palmares, a ira sagrada, o entre senhores e seus escravos, treme-terra; de outro, Pai João, a buscando da melhor forma possível um submissão conformada” (SILVA, ambiente com, pelo menos, um mínimo 1989). Esses autores apontam que entre de paz. o ideal revolucionário e a submissão conformada havia o escravo que A própria lógica do sistema escravista negociava da melhor forma possível o permite essa margem de negociação na sua vida. medida em que se admite a Ainda pouco estudada no Brasil o conceito “brecha camponesa”5 revela “brecha camponesa” para designar as atividades econômicas que escapavam estritamente ao sistema de plantagem, de acordo com sua 5 Segundo Eduardo Silva e João José Reis, o própria designação, desenvolvida nas colônias conceito brecha camponesa “embora escravistas. Lepkowski substitui, com muita razoavelmente estudado nos Estados Unidos e, propriedade, o tradicional conceito da sobretudo, no Caribe” (SILVA, 1989), tem sido plantation pelo de “plantagem” numa negligenciado pela historiografia brasileira. personificação mais adequada ao sistema da Tadeusz Lepkowski (Haiti) utilizou o conceito exploração colonial em terras brasileiras. 127
  • 7. irracionalidade da relação entre senhor e através dos quais os escravos fizeram escravo baseada exclusivamente no uso história.” (SILVA, 1989). Nas trilhas da força. O fato é que esse pequeno percorridas pelos escravos sempre direito de propriedade assume houve, e isso é essencial, o exercício de proporção de alta relevância também vontades delimitando seus espaços de para os escravos que tanto lutam por sua atuações, consentidas e até manutenção, quanto por sua ampliação. conquistadas, por força de negociações Silva usa como exemplo os escravos do e resistências. Torna-se óbvio perceber engenho Santana de Ilhéus que se que eles foram hábeis em conquistar rebelaram, no século XVIII, exigindo seus lugares no interior do regime, onde entre as condições de suas voltas ao pudessem da melhor forma possível não trabalho a ampliação da “brecha apenas sobreviver, mas, sim, viver. camponesa”. Possuir, mesmo que Entendemos a importância e a informalmente, um pedaço de terra onde centralidade dessa nova tendência plantar suas roças, seus “sonhos e historiográfica que retira do escravo a esperanças” constituem um poderoso condição de coisa e o coloca no centro elo de ligação entre os escravos, ao da convergência de seus próprios mesmo tempo em que possibilita uma valores, ao mesmo tempo em que o economia autônoma, dentro dos limites identifica como ator e autor de sua permitidos, que produz numa certa própria história. medida um sentimento de relativa independência. Referências Jaime Pinsky contesta o caráter LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: puramente econômico da escravidão uma história de suas transformações. Rio de racial, “para mim, a escravidão não é Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. apenas uma ‘instituição histórica’ ou PINSKY, Jaime. Escravidão no Brasil. São um ‘modo de produção’, mas uma Paulo: Contexto, 2006. maneira de relacionamento entre seres RODRIGUES, Jaime. De costa à costa: humanos”. (PINSKY, 2006). A grande escravos, marinheiros e intermediários do massa de população africana que foi tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro traficada para a colônia portuguesa “não (1780 – 1860). São Paulo: Companhia das pode ser analisada apenas como ‘força Letras, 2005. de trabalho’ e, por isso, muitos SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a historiadores, hoje, procuram discernir resistência negra no Brasil escravista. São os caminhos, nem simples nem óbvios, Paulo: Companhia das Letras, 1989. 128